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Saúde da Família e Epidemiologia

Brasília-DF.
Elaboração

Dayse Muller Fernandes

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade i
programa saúde da família.............................................................................................................. 9

Capítulo 1
Antecedentes do Processo de Reorganização da Saúde Pública no Brasil................ 9

Capítulo 2
PSF: Princípios Fundamentais e Operacionalização....................................................... 14

Capítulo 3
Planejamento e Programação em Saúde........................................................................ 40

Capítulo 4
Políticas Públicas de Saúde no Brasil............................................................................... 47

Unidade ii
epidemiologia................................................................................................................................... 58

Capítulo 1
Introdução à Epidemiologia: Processo Saúde-Doença e História Natural
da Doença........................................................................................................................... 58

Capítulo 2
Vigilância e Investigação Epidemiológica...................................................................... 63

Capítulo 3
Análise da Ocorrência das Doenças: Endemias e Epidemias........................................ 77

Para (não) Finalizar...................................................................................................................... 83

Referências .................................................................................................................................. 84
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

5
Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução

Iniciaremos a partir de agora a disciplina Saúde da Família e Epidemiologia.

O conteúdo da disciplina procura situar a Estratégia Saúde da Família como proposta


de reorientação do modelo de atenção à saúde no país, trazendo diretrizes e desafios. A
abordagem busca não somente conferir capacitação técnica para atuação nesse campo,
mas também contribuir para reflexão sobre o perfil do profissional de saúde que o
modelo demanda.

Na primeira Unidade será brevemente descrito o cenário que antecedeu a implantação


do PSF, permitindo melhor contextualização de seus referenciais históricos. Serão
apresentados princípios básicos de sua operacionalização, com ênfase na re-estruturação
do processo de trabalho e tendo como base a interação multiprofissional.

Em direção ao uso de novas tecnologias, procuramos oferecer condições ao aluno de


planejar atividades como práticas educativas em saúde e visitas domiciliares. Serão
discutidos alguns aspectos éticos, que certamente poderão ser aprofundados durante a
troca de experiências a ser promovida ao longo da disciplina.

A primeira Unidade ainda apresentará aspectos relativos a Planejamento e Programação


em Saúde, buscando oferecer embasamento teórico para sua aplicação pelas equipes,
com otimização de seus resultados. Faremos breve apresentação das políticas e dos
programas de saúde em vigência, tendo como referência a Política Nacional da Atenção
Básica. Dada sua extensão, disponibilizaremos referências e links que permitam
aprofundamento do tema por meio da biblioteca virtual, segundo interesses demandados
pela própria turma.

A segunda Unidade trará aspectos introdutórios do emprego da Epidemiologia,


disponibilizando-a como ferramenta essencial ao trabalho das equipes de Saúde
da Família, no estudo da frequência, distribuição e dos determinantes dos eventos
relacionados à saúde. Serão abordadas ações implicadas no processo de Vigilância
Epidemiológica e Vigilância em Saúde. A Unidade ainda contemplará o emprego de
alguns dos principais Indicadores em Saúde Coletiva, destacando a contribuição dos
principais sistemas de informação em saúde e sua crescente importância na avaliação
e no controle social de ações, políticas e programas em saúde. Finalizamos a Unidade
abordando a análise da forma de ocorrência de doenças, conceituando e apresentando
as principais endemias no país, e tecendo considerações a respeito das tendências de
doenças transmissíveis no Brasil.

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A Atenção Integral à Saúde certamente implica a ampliação do leque de conhecimentos
e habilidades a serem apresentados pelos profissionais de saúde. Entendendo que o
acesso à informação e ao conteúdo teórico é atualmente grandemente facilitado pelo
avanço tecnológico, cabe em nossa disciplina promover a reflexão crítica sobre relatos e
vivências relativos à prática dos princípios da Promoção à Saúde pelas equipes do PSF,
enriquecendo, assim, a teoria. Para tanto, esperamos contar com a efetiva participação
de todos vocês, de maneira que sua contribuição possa nos auxiliar no aperfeiçoamento
do conteúdo oferecido.

A todos, desejamos um percurso fértil pela disciplina.

Objetivos:
»» Compreender os princípios e as diretrizes básicas do Programa Saúde da
Família, no âmbito do SUS.

»» Identificar os fundamentos e instrumentos do processo de organização


e prática dos serviços de Saúde da Família: trabalho em equipe,
desenvolvimento das ações programáticas, reorganização do processo de
trabalho e intersetorialidade.

»» Compreender as bases para o desenvolvimento do processo de


planejamento das ações e dos serviços das Unidades de Saúde da Família.

»» Fomentar a atitude de Vigilância em Saúde, fornecendo instruções


que facilitem o manejo e a aplicação do instrumental e do método
epidemiológico.
programa saúde Unidade i
da família

Capítulo 1
Antecedentes do Processo de
Reorganização da Saúde Pública
no Brasil

Para melhor compreensão dos caminhos que levaram à proposição da Estratégia Saúde
da Família vale a pena uma breve recapitulação da trajetória dos modelos de saúde no
Brasil.

Pode-se dizer que o sistema de saúde no Brasil se caracterizou, historicamente, pelo


dualismo entre atividades preventivas e curativas na atenção à saúde. O governo
brasileiro teve a especificidade de produzir e regular a saúde pública, desde os anos 1930,
por meio da medicina previdenciária, utilizando como política a compra de serviços
de terceiros na área da assistência médica, induzindo assim a chamada “produção de
procedimentos”. Em 1977, 80% do valor dos financiamentos aprovados para a área de
saúde foram destinados ao setor privado. (FAVERET; OLIVEIRA, 1989, p. 20).

O modelo médico assistencial privatista tornou-se dominante na segunda metade do


século XX, induzido pelo processo da industrialização brasileira. Até o início da década
de 1970, somente os contribuintes das caixas de assistência dos trabalhadores (CAPs 12
e dos IAPs 13 e, posteriormente, do INPS 14) e seus dependentes diretos, devidamente
munidos da “carteirinha”, tinham acesso aos serviços de saúde com melhor qualidade.
Aos indigentes, aos desempregados, aos trabalhadores domésticos, aos trabalhadores
rurais e aos autônomos restava a filantropia das Santas Casas de Misericórdia. Isso
nos leva à compreensão de que a universalidade de cobertura e atendimento à saúde
no Brasil trouxe consigo a noção de direito social em detrimento à noção anterior de
concessão.

A crise desse modelo de saúde foi qualificada por Mendes (1996) em quatro dimensões:
a ineficiência, a ineficácia, a iniquidade e a insatisfação da população, atribuindo-lhe

9
UNIDADE I │ programa saúde da família

características mais estruturais que circunstanciais. A crise e a reforma nos sistemas


de saúde são fenômenos praticamente globalizados, porque o que sucede na realidade,
conforme ressalta Mendes (1999), é uma profunda reforma nos estados capitalistas em
geral.

No âmbito internacional, em setembro de 1978, acontece, em Alma-Ata, a Conferência


sobre Cuidados Primários de Saúde, com a proposta de atenção primária em saúde como
estratégia para ampliar o acesso de forma a atender, com igualdade de condições, todos
os membros ou segmentos da sociedade até o ano 2000. O enfoque foi a prioridade à
promoção e prevenção da saúde com profissionais cuja formação e desempenho fossem,
não somente clínicos, mas com percepção epidemiológica e social para se relacionar
com o indivíduo, família e sociedade.

Em meados dos anos 1970 teve início o processo de redemocratização política e social no
Brasil. A mobilização nacional pela luta cidadã se materializou na área da saúde, por meio
do ideário do Movimento da Reforma Sanitária. Integravam o Movimento professores
universitários, estudantes de medicina, profissionais da saúde, sindicalistas, militantes
partidários de esquerda e movimentos populares por saúde (Cohn, 1995). O objetivo
principal dos reformistas confundia-se entre uma oposição ao regime autoritário e a
transformação do Sistema Nacional de Saúde. Sua luta era direcionada à criação de um
sistema único de saúde gratuito e universal, essencialmente gerido pelo Estado, e que
atribuísse caráter complementar ao setor privado. Ficava claro que o modelo atual era
incapaz de impactar as diversas realidades de saúde vigentes no país.

Em resumo, segundo Silva (1983), o modelo de saúde criticado tinha como características:

»» a extensão da cobertura previdenciária somente a segmentos


economicamente integrados da população urbana;

»» o privilegiamento da prática médica curativa e individual em detrimento


das ações coletivas;

»» a criação de um complexo médico-industrial;

»» o deslocamento da prestação dos serviços médicos a entes privados


lucrativos e não lucrativos. (SILVA, 1983).

As mudanças políticas e econômicas que se deram nos anos 1970 e 1980 determinaram
o esgotamento desse modelo sanitário.

Em março de 1986, ocorreu o evento político-sanitário mais importante da segunda


metade do século passado, a VIII Conferência Nacional de Saúde, onde foram lançadas

10
ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA │ unidAdE i

as bases doutrinárias de um novo sistema público de saúde. O relatório final da


conferência colocou três grandes referenciais para a reforma sanitária brasileira:

» um conceito amplo de saúde;

» a saúde como direito da cidadania e dever do Estado;

» a instituição de um sistema único de saúde, organizado pelos princípios


da universalidade, da integralidade, da descentralização e da participação
da comunidade.

O setor saúde – marcado por uma história de desigualdades, dissociação de comando


entre esferas de governo e fragmentação/duplicidade da prestação de serviços –
vivenciou, assim, um sólido movimento pró-reforma sanitária. Várias forças políticas
oriundas da sociedade civil e articuladas ao Movimento Sanitarista, disputaram,
na época, no âmbito político, a conquista de uma proposta de reforma sanitária que
privilegiasse a universalidade de atendimento nos serviços de saúde e o dever do
Estado em garantir esse direito. Essas propostas reformistas foram consagradas pela
Constituição de 1988, que estabeleceu o lema: “Saúde é direito de todos e dever do
Estado”.

Alinhando-se às diretrizes da Organização Mundial da Saúde, a Constituição Brasileira


reconhece que a saúde depende de condições de bem-estar físico, mental e social,
sendo diretamente influenciada pela alimentação, moradia, saneamento básico, meio
ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, laser e o acesso aos bens e serviços
sociais.

Todo brasileiro passou a ter garantido por lei o acesso às ações de prevenção,
promoção e recuperação da saúde, propostas concretizadas no SUS – Sistema
Único de Saúde.

O novo sistema de saúde apontava para a superação do modelo assistencial, dominado


pela assistência individual, propondo um novo modelo baseado na integralidade
da atenção à saúde. O SUS pôs fim, em pouco tempo, à figura iníqua dos indigentes
sanitários, promovendo a integração do Inamps ao sistema público único de saúde.

O mercado deixava de ser o principal critério para organizar e distribuir serviços.


Em seu lugar surge o planejamento, realizado não a partir do poder aquisitivo das
pessoas, mas de suas necessidades em saúde. O atendimento passa a ser universal
– todos podem utilizar o sistema, gratuito e organizado; hierarquizado, segundo a
complexidade da atenção e regionalizado, conforme a distribuição populacional e do
quadro de morbimortalidade das comunidades.
11
UNIDADE I │ programa saúde da família

Dessa forma, o SUS rompeu com a trajetória de formação do Estado brasileiro assentada
na centralização e com uma concepção de cidadania que vinculava os direitos sociais à
inserção no mercado de trabalho. (SANTOS,1979).

Assim, o SUS veio atualizar a concepção do processo saúde-doença, na visão de uma


nova prática sanitária, articulando a dimensão biológica da doença à sua dimensão
social e econômica. O conceito de saúde evolui de uma concepção negativa (ausência de
doença) para uma concepção afirmativa (qualidade de vida) e a dinâmica da saúde passa
a ser compreendida como uma acumulação ou produção social, sujeita à permanente
transformação. Tem como campo de conhecimento a interdisciplinaridade e como
campo de práticas a intersetorialidade.

Não foi suficiente, porém, dispor de uma base jurídico-formal ampla para resolver os
importantes problemas de saúde dos brasileiros.

É nesse contexto que a Estratégia Saúde da Família surge como elemento dinamizador
do SUS e como eixo estruturante rumo à reorientação do modelo de atenção à saúde
– a partir do primeiro nível do cuidar, da atenção básica, em conformidade com os
princípios do Sistema Único de Saúde.

Sua implantação foi precedida pela experiência do Programa de Agentes Comunitários


de Saúde – PACS, instituído pelo Ministério da Saúde em 1991. A partir daí começou–
se a enfocar a família como unidade de ação programática de saúde e não mais (tão
somente) o indivíduo (VIANA; DAL POZ, 1998). Cabe assinalar que o êxito do PACS
impulsionou a formação do PSF, levando ao primeiro documento do programa, com a
data de setembro de 1994. (VIANA; DAL POZ, 1998).

Ao propor o PSF, o Governo Federal teve dois grandes objetivos: o primeiro, foi,
sem dúvida, substituir o modelo assistencial curativo/hospitalocêntrico pelo modelo
preventivo, ou seja, pelo modelo de atenção primária à saúde, e com isso racionalizar
os altos custos da saúde pública no Brasil. O segundo grande objetivo foi descentralizar
as políticas de saúde, na intenção de tornar a saúde pública mais resolutiva, adotando
uma postura de parceria com o governo estadual e municipal.

Esse movimento de “olhar a família” se deu em muitos países e a formulação do Programa


Saúde da Família – PSF teve a seu favor o desenvolvimento anterior de modelos de
assistência à família no Canadá, Cuba, Suécia e Inglaterra que serviram de referência
para a formulação do programa brasileiro. Embora rotulado como programa, o PSF,
por suas especificidades, foge à concepção usual dos demais concebidos pelo Ministério
da Saúde, já que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços
de saúde. Pelo contrário, caracteriza-se como estratégia que possibilita a integração e

12
programa saúde da família │ UNIDADE I

promove a organização das atividades em um território definido com o propósito de


enfrentar e resolver os problemas identificados.

Para que essa nova prática se concretize, faz-se necessária não só a implantação de
políticas públicas, mas também de mudanças no perfil dos profissionais de saúde. O
novo modelo demanda a presença de um profissional com visão sistêmica e integral
do indivíduo, família e comunidade, um profissional capaz de atuar com criatividade e
senso crítico, mediante uma prática humanizada, competente e resolutiva, que envolve
ações de promoção, de proteção específica, assistencial e de reabilitação. O profissional
adequado para o trabalho nas unidades do PSF é aquele que tem sensibilidade para
com as questões sociais aliada à disposição para as atividades em comunidade. Um
profissional capacitado para planejar, organizar, desenvolver e avaliar ações que
respondam às reais necessidades da comunidade, articulando os diversos setores
envolvidos na promoção da saúde. Para tanto, deve realizar uma permanente interação
com a comunidade, no sentido de mobilizá-la, estimular sua participação e envolvê-la
nas atividades. O fio condutor que desenha a prática dos integrantes das unidades do
Saúde da Família não é o conhecimento técnico, mas sim o saber humanitário e o agir
solidário.

13
CAPítulo 2
PSF: Princípios Fundamentais e
operacionalização

O Programa de Saúde da Família teve assim sua implantação iniciada em 1994,


como resposta intencional à conjuntura da crise na saúde, e conta hoje com um
total de 29.300 Equipes de Saúde da Família implantadas em 5.235 municípios,
garantindo cobertura populacional de 49,5% da população brasileira, o que
corresponde a cerca de 93.178.011 milhões de pessoas (Fonte: DAB, MS/Siab/
SCNES; Dados de dez. 2008).

A Saúde da Família é operacionalizada mediante a implantação de equipes


multiprofissionais em unidades básicas de saúde. As equipes de saúde da família têm
como objetivos centrais a prestação de assistência integral, contínua, com resolutividade
e qualidade, às necessidades de saúde da população adscrita, destacando-se a perspectiva
da família. Para atingir tais objetivos, requer-se abordagem multidisciplinar, processos
diagnósticos de realidade, planejamento das ações e organização horizontal do trabalho,
compartilhamento do processo decisório, além do estímulo ao exercício do controle social.

As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação


de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde desta comunidade.

“Conhecer a realidade das famílias pelas quais é responsável, por


meio do cadastramento destas e do diagnóstico de suas características
sociais, demográficas e epidemiológicas; identificar os problemas
de saúde prevalentes e situações de risco aos quais a população está
exposta; elaborar, com a participação da comunidade, um plano
local para o enfrentamento dos determinantes de processo saúde/
doença; prestar assistência integral, respondendo de forma contínua
e racionalizada à demanda organizada ou espontânea, na USF, na
comunidade, no domicílio e no acompanhamento ao atendimento nos
serviços de referência ambulatorial ou hospitalar; desenvolver ações
educativas e intersetoriais para o enfrentamento dos problemas de
saúde identificados, são ações para as quais as equipes devem estar
preparadas”(BRASIL, 2000-c).

A produção do cuidado traz consigo a proposta de humanização do processo de


desenvolver ações e serviços de saúde. Implica a responsabilização dos serviços e dos
trabalhadores da saúde, em construir, com os usuários, a resposta possível às suas
14
programa saúde da família │ UNIDADE I

dores, angústias, problemas e aflições, de uma forma tal que não apenas se produzam
consultas e atendimentos, mas que o processo de consultar e atender venha a produzir
conhecimento, responsabilização e autonomia em cada usuário.

Assim, as ações e serviços devem resultar de um adequado conhecimento da realidade


de saúde de cada localidade para, a partir disso, construir uma prática efetivamente
resolutiva. É imprescindível, em cada território, aproximar-se das pessoas e tentar
conhecê-las: suas condições de vida, as representações e as concepções que têm acerca
de sua saúde, seus hábitos e as providências que tomam para resolver seus problemas
quando adoecem bem como o que fazem para evitar enfermidades.

O Ministério da Saúde procura deixar claro que não se trata de um atendimento


simplificado, pelo contrário, é uma expansão da atenção primária à saúde em direção
à incorporação de práticas preventivas, educativas e curativas mais próximas da
vida cotidiana da população e, principalmente, dos grupos mais vulneráveis. A ESF
está inserida no primeiro nível de ações e serviços do sistema local de assistência,
denominado Atenção Básica ou Primária. A atenção primária à saúde (APS) tem sido
associada a uma assistência de baixo custo, pois parece tratar-se de serviço simples
e quase sempre com poucos equipamentos, embora seja uma abordagem tecnológica
específica de organizar a prática e, como tal, dotada de particular complexidade. A
APS ao ser um primeiro atendimento, servirá obrigatoriamente de porta de entrada
para o sistema de assistência, ao mesmo tempo em que constitui um nível próprio de
atendimento.

Deve estar vinculada à rede de serviços, de forma que se garanta atenção integral
aos indivíduos e famílias. A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias
coloca para as equipes de saúde da família a necessidade de ultrapassar os limites
classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do
SUS, buscando assegurar a referência e contrarreferência para clínicas e serviços de
maior complexidade, sempre que essa conduta se fizer necessária.

Assim, a saúde da família e da coletividade poderá desenvolver-se de forma mais plena


caso seja compreendida não como um programa para a saúde restrito a procedimentos
organizacionais e financeiros, mas como projeto concreto, dotado de interesses,
diversidade, desejos e intencionalidades com o objetivo de formular políticas e dar
resposta às necessidades em saúde da população.

Quanto à sua resolutividade, o Ministério da Saúde – MS afirma que, funcionando


adequadamente, as USF são capazes de resolver 85% dos problemas de saúde em sua
comunidade, prestando um atendimento de bom nível, prevenindo doenças, evitando
internações desnecessárias e melhorando a qualidade de vida da população (BRASIL,

15
UNIDADE I │ programa saúde da família

2000-b). De acordo com os estudos de Stein (1998), o fácil acesso dos usuários aos
atendimentos primários de saúde chega a diminuir em até três vezes o atendimento de
casos não urgentes nos setores de emergência dos hospitais. Isso significa dizer que o
modelo de atenção primária integral à saúde, quando implantado numa região definida,
subtrai as consultas não urgentes dos centros hospitalares, desafogando o sistema de
maior complexidade e facilitando o acesso ao atendimento médico.

Considerações sobre a implantação das Equipes de Saúde da Família.

»» A equipe multiprofissional mínima deverá ser composta por médico,


enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e Agentes
Comunitários de Saúde.

»» Cada equipe será responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a


média recomendada de 3.000 habitantes. A jornada de trabalho é de 40
horas semanais para todos os integrantes da equipe.

»» O número máximo de ESF pelas quais o município e o Distrito Federal


podem fazer jus ao recebimento de recursos financeiros específicos será
calculado pela fórmula: população/2400.

»» O número de Agentes Comunitários de Saúde – ACS deve ser suficiente


para cobrir 100% da população cadastrada, respeitando-se a proporção
de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família.

»» Os profissionais de Saúde Bucal poderão ser incorporados segundo duas


modalidades. Na modalidade 1, a equipe contará com cirurgião dentista
e auxiliar de consultório dentário. Na modalidade 2 poderá ser incluído
também um técnico em higiene bucal. A carga horária dos profissionais
deverá ser de 40 horas semanais, com trabalho integrado a uma ou duas
equipes ESF e com responsabilidade sanitária pela mesma população e
território que as ESF às quais estão vinculados.

Além dos princípios gerais da Atenção Básica, a estratégia Saúde da Família deve:

1. ter caráter substitutivo em relação à rede de Atenção Básica tradicional


nos territórios em que as Equipes Saúde da Família atuam, ou seja, o PSF
não significa a criação de novas estruturas de serviços, exceto em áreas
desprovidas de qualquer tipo de serviço. Implantá-lo significa substituir
as práticas tradicionais de assistência, com foco nas doenças, por um
novo processo de trabalho comprometido com a solução dos problemas

16
programa saúde da família │ UNIDADE I

de saúde, a prevenção de doenças e a promoção da qualidade de vida da


população;

2. atuar no território, realizando cadastramento domiciliar, diagnóstico


situacional, ações dirigidas aos problemas de saúde de maneira pactuada
com a comunidade onde atua, buscando o cuidado dos indivíduos e das
famílias ao longo do tempo, mantendo sempre postura pró-ativa frente
aos problemas de saúde-doença da população;

3. desenvolver atividades de acordo com o planejamento e a programação


realizados com base no diagnóstico situacional e tendo como foco a
família e a comunidade;

4. buscar a integração com instituições e organizações sociais, em especial


em sua área de abrangência, para o desenvolvimento de parcerias;

5. ser um espaço de construção de cidadania.

São características do processo de trabalho das equipes de Atenção Básica:

1. definição do território de atuação das Unidades Básicas de Saúde;

2. programação e implementação das atividades, com a priorização de


solução dos problemas de saúde mais frequentes, considerando a
responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea;

3. desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo


de saúde-doença da população e ampliar o controle social na defesa da
qualidade de vida;

4. desenvolvimento de ações focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de


risco comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de
prevenir o aparecimento ou a manutenção de doenças e danos evitáveis;

5. assistência básica integral e contínua, organizada à população adscrita,


com garantia de acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial;

6. implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização,


incluindo o acolhimento;

7. realização de primeiro atendimento às urgências médicas e odontológicas;

8. participação das equipes no planejamento e na avaliação das ações;

17
UNIDADE I │ programa saúde da família

9. desenvolvimento de ações intersetoriais, integrando projetos sociais e


setores afins, voltados para a promoção da saúde; e

10. apoio a estratégias de fortalecimento da gestão local e do controle social.

São características do processo de trabalho da Saúde da Família:

1. manter atualizado o cadastramento das famílias e dos indivíduos e


utilizar, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de
saúde considerando as características sociais, econômicas, culturais,
demográficas e epidemiológicas do território;

2. definição precisa do território de atuação, mapeamento e reconhecimento


da área adstrita, que compreenda o segmento populacional determinado,
com atualização contínua;

3. diagnóstico, programação e implementação das atividades segundo


critérios de risco à saúde, priorizando solução dos problemas de saúde
mais frequentes;

4. prática do cuidado familiar ampliado, efetivada por meio do conhecimento


da estrutura e da funcionalidade das famílias que visa propor intervenções
que influenciem os processos de saúde-doença dos indivíduos, das
famílias e da própria comunidade;

5. trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas e


profissionais de diferentes formações;

6. promoção e desenvolvimento de ações intersetoriais, buscando parcerias


e integrando projetos sociais e setores afins, voltados para a promoção
da saúde, de acordo com prioridades e sob a coordenação da gestão
municipal;

7. valorização dos diversos saberes e práticas na perspectiva de uma


abordagem integral e resolutiva, possibilitando a criação de vínculos de
confiança com ética, compromisso e respeito;

8. promoção e estímulo à participação da comunidade no controle social, no


planejamento, na execução e na avaliação das ações;

9. acompanhamento e avaliação sistematica das ações implementadas,


visando à readequação do processo de trabalho.

18
programa saúde da família │ UNIDADE I

As Atribuições dos Profissionais das Equipes de


Saúde da Família, de Saúde Bucal e de ACS
São Atribuições Comuns a Todos os Profissionais:

1. participar do processo de territorialização e mapeamento da área de


atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a
riscos, inclusive aqueles relativos ao trabalho, e da atualização contínua
dessas informações, priorizando as situações a serem acompanhadas no
planejamento local;

2. realizar o cuidado em saúde da população adscrita, prioritariamente


no âmbito da unidade de saúde, no domicílio e nos demais espaços
comunitários (escolas, associações,entre outros), quando necessário;

3. realizar ações de atenção integral, conforme a necessidade de saúde da


população local, bem como as previstas nas prioridades e protocolos da
gestão local;

4. garantir a integralidade da atenção, por meio da realização de ações


de promoção da saúde, prevenção de agravos e curativas; e da garantia
de atendimento da demanda espontânea, da realização das ações
programáticas e de vigilância à saúde;

5. realizar busca ativa e notificação de doenças e agravos de notificação


compulsória e de outros agravos e situações de importância local;

6. realizar a escuta qualificada das necessidades dos usuários em todas


as ações, proporcionando atendimento humanizado e viabilizando o
estabelecimento do vínculo;

7. responsabilizar-se pela população adscrita, mantendo a coordenação do


cuidado mesmo quando esta necessita de atenção em outros serviços do
sistema de saúde;

8. participar das atividades de planejamento e avaliação das ações da equipe,


a partir da utilização dos dados disponíveis;

9. promover a mobilização e a participação da comunidade, buscando


efetivar o controle social;

10. identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar


ações intersetoriais com a equipe, sob coordenação da SMS;

19
UNIDADE I │ programa saúde da família

11. garantir a qualidade do registro das atividades nos sistemas nacionais de


informação na Atenção Básica;

12. participar das atividades de educação permanente;

13. realizar outras ações e atividades a serem definidas de acordo com as


prioridades locais.

Atribuições Específicas

Além das atribuições definidas, são atribuições mínimas específicas de cada categoria
profissional, cabendo ao gestor municipal ou do Distrito Federal ampliá-las, de acordo
com as especificidades locais.

Do Agente Comunitário de Saúde:

1. desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a


população adscrita à UBS, considerando as características e as finalidades
do trabalho de acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou
coletividade;

2. trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a


microárea;

3. estar em contato permanente com as famílias desenvolvendo ações


educativas, visando à promoção da saúde e a prevenção das doenças, de
acordo com o planejamento da equipe;

4. cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros


atualizados;

5. orientar famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis;

6. desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças


e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de
ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade,
mantendo a equipe informada, principalmente a respeito daquelas em
situação de risco;

7. acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos


sob sua responsabilidade, de acordo com as necessidades definidas pela
equipe;

20
programa saúde da família │ UNIDADE I

8. cumprir com as atribuições atualmente definidas para os ACS em relação


à prevenção e ao controle da malária e da dengue, conforme a Portaria no
44/GM, de 3 de janeiro de 2002.

Nota: É permitido ao ACS desenvolver atividades nas unidades básicas de saúde, desde
que vinculadas às atribuições acima.

Do Enfermeiro:

1. realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de


agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde)
aos indivíduos e famílias na USF e, quando indicado ou necessário, no
domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações
etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância,
adolescência, idade adulta e terceira idade;

2. conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo


gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições
legais da profissão, realizar consulta de enfermagem, solicitar exames
complementares e prescrever medicações;

3. planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS;

4. supervisionar, coordenar e realizar atividades de educação permanente


dos ACS e da equipe de enfermagem;

5. contribuir e participar das atividades de Educação Permanente do


Auxiliar de Enfermagem, ACD e THD;

6. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

Do Médico:

1. realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de


agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde)
aos indivíduos e famílias em todas as fases do desenvolvimento humano:
infância, adolescência, idade adulta e terceira idade;

2. realizar consultas clínicas e procedimentos na USF e, quando indicado ou


necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas,
associações etc);

21
UNIDADE I │ programa saúde da família

3. realizar atividades de demanda espontânea e programada em clínica


médica, pediatria, ginecoobstetrícia, cirurgias ambulatoriais, pequenas
urgências clínico-cirúrgicas e procedimentos para fins de diagnósticos;

4. encaminhar, quando necessário, usuários a serviços de média e alta


complexidade, respeitando fluxos de referência e contra-referência
locais, mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano
terapêutico do usuário, proposto pela referência;

5. indicar a necessidade de internação hospitalar ou domiciliar, mantendo a


responsabilização pelo acompanhamento do usuário;

6. contribuir e participar das atividades de Educação Permanente dos ACS,


Auxiliares de Enfermagem, ACD e THD;

7. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

Do Auxiliar e do Técnico de Enfermagem:

1. participar das atividades de assistência básica realizando procedimentos


regulamentados no exercício de sua profissão na USF e, quando indicado
ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários
(escolas, associações etc.);

2. realizar ações de educação em saúde a grupos específicos e a famílias em


situação de risco, conforme planejamento da equipe;

3. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

Do Cirurgião-Dentista:

1. realizar diagnóstico com a finalidade de obter o perfil epidemiológico


para o planejamento e a programação em saúde bucal;

2. realizar os procedimentos clínicos da Atenção Básica em saúde bucal,


incluindo atendimento das urgências e pequenas cirurgias ambulatoriais;

3. realizar a atenção integral em saúde bucal (promoção e proteção da saúde,


prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção
da saúde) individual e coletiva a todas as famílias, a indivíduos e a grupos
específicos, de acordo com planejamento local, com resolubilidade;

22
programa saúde da família │ UNIDADE I

4. encaminhar e orientar usuários, quando necessário, a outros níveis de


assistência, mantendo sua responsabilização pelo acompanhamento do
usuário e o segmento do tratamento;

5. coordenar e participar de ações coletivas voltadas à promoção da saúde e


à prevenção de doenças bucais;

6. acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde bucal


com os demais membros da Equipe de Saúde da Família, buscando
aproximar e integrar ações de saúde de forma multidisciplinar.

7. contribuir e participar das atividades de Educação Permanente do THD,


ACD e ESF;

8. realizar supervisão técnica do THD e ACD;

9. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

Do Técnico em Higiene Dental (THD):

1. realizar a atenção integral em saúde bucal (promoção, prevenção,


assistência e reabilitação) individual e coletiva a todas as famílias, a
indivíduos e a grupos específicos, segundo programação e de acordo com
suas competências técnicas e legais;

2. coordenar e realizar a manutenção e a conservação dos equipamentos


odontológicos;

3. acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde bucal


com os demais membros da equipe de Saúde da Família, buscando
aproximar e integrar ações de saúde de forma multidisciplinar.

4. apoiar as atividades dos ACD e dos ACS nas ações de prevenção e


promoção da saúde bucal;

5. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

Do auxiliar de Consultório Dentário (ACD):

1. realizar ações de promoção e prevenção em saúde bucal para as famílias,


grupos e indivíduos, mediante planejamento local e protocolos de atenção
à saúde;

23
UNIDADE I │ programa saúde da família

2. proceder à desinfecção e à esterilização de materiais e instrumentos


utilizados;

3. preparar e organizar instrumental e materiais necessários;

4. instrumentalizar e auxiliar o cirurgião dentista e/ou o THD nos


procedimentos clínicos;

5. cuidar da manutenção e conservação dos equipamentos odontológicos;

6. organizar a agenda clínica;

7. acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde bucal


com os demais membros da equipe de saúde da família, buscando
aproximar e integrar ações de saúde de forma multidisciplinar;

8. participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado


funcionamento da USF.

O Trabalho em Equipe e a Transdisciplinaridade

A equipe multiprofissional é hoje uma realidade incontestável e necessária em todos


os espaços onde se praticam ações que visam melhorar a qualidade de saúde e de vida
das populações. A questão é como fazê-la funcionar de modo homogêneo, democrático,
agregador e cooperativo.

“A verdadeira discussão diz respeito ao fato dos profissionais de


saúde, não apenas os médicos, nem apenas os que trabalham inseridos
diretamente na assistência, mas todos os que labutam na produção
de serviços de saúde, reaprenderem o trabalho a partir de dinâmicas
relacionais, somando entre si os diversos conhecimentos. Vincula-
se inclusive a determinação de uma relação nova, que foge ao padrão
tradicional onde um é sujeito no processo e o outro, objeto sobre o qual
há uma intervenção para melhora da sua saúde. A nova relação tem que
se dar a entender sujeitos, onde tanto o profissional quanto o usuário
podem ser produtores de saúde”. (FRANCO; MERHY, 2000).

Visto que as necessidades de saúde expressam múltiplas dimensões – social, psicológica,


biológica e cultural, e que o conhecimento e as intervenções acerca desse objeto complexo
– o processo saúde-doença – constituem um intenso processo de especialização, a
nenhum agente isolado cabe na atualidade, a possibilidade de realizar a totalidade das

24
programa saúde da família │ UNIDADE I

ações de saúde demandadas, seja por cada um dos usuários em particular, seja pelo
coletivo de usuários de um serviço.

No entanto, a implantação do PSF por si só não garante a modificação do modelo


assistencial médico-centrado. Esta depende da mudança na forma de se produzir o
cuidado, assim como dos diversos modos de agir dos profissionais entre si e com os
usuários. O campo do “cuidado” e a interação abrem a possibilidade de cada um usar
todo o seu potencial criativo e criador na relação com o usuário, para juntos realizarem
a produção do cuidado. A mudança assistencial dar-se-ia a partir da reorganização do
processo de trabalho estruturado na ação multiprofissional.

O trabalho em equipe tem como objetivo a obtenção de impactos sobre os diferentes


fatores que interferem no processo saúde-doença. A ação interdisciplinar pressupõe a
possibilidade da prática de um profissional se reconstruir na prática do outro, e ambos
serem transformados para a intervenção na realidade em que estão inseridos.

A expressão multidimensional das necessidades de saúde, sejam elas individuais ou


coletivas, o conhecimento sobre o complexo objeto e as intervenções no processo saúde-
doença de indivíduos e/ou grupos, requerem múltiplos sujeitos para darem conta da
totalidade das ações, demandando a recomposição dos trabalhos especializados, com
vistas à assistência integral. Reafirmamos que a mera alocação de recursos humanos de
diferentes áreas não garante tal recomposição; ações isoladas, ações justapostas, sem
articulação, não permitem o alcance da eficácia e eficiência dos serviços na atenção à
saúde, nem garantem uma ruptura com a dinâmica médico-centrada; para tanto, há
necessidade de dispositivos que alterem a dinâmica do trabalho em saúde, nos fazeres
do cotidiano de cada profissional.

Trabalho em equipe, de modo integrado, significa conectar diferentes processos de


trabalhos envolvidos, com base em um certo conhecimento acerca do trabalho do
outro e valorizando a participação deste na produção de cuidados; é preciso construir
consensos quanto aos objetivos e resultados a serem alcançados pelo conjunto dos
profissionais, bem como quanto à maneira mais adequada de atingi-los.

Significa, também, utilizar-se da interação entre os agentes envolvidos, com a busca do


entendimento e do reconhecimento recíproco de autoridades e saberes e da autonomia
técnica.

Assim, a abordagem integral dos indivíduos/famílias é facilitada pela soma de olhares


dos distintos profissionais que compõem as equipes interdisciplinares. Dessa maneira,
pode-se obter um maior impacto sobre os diferentes fatores que interferem no processo
saúde-doença.

25
unidAdE i │ ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA

Para uma nova estratégia, faz-se necessário um novo profissional. Se a formação dos
profissionais não for transformada no aparelho formador, o modelo de atenção também
não o será na realidade do dia a dia.

Diante da diversidade das concepções de trabalho em equipe, a ideia de equipe perpassa


duas concepções distintas: a equipe como agrupamento de agentes e a equipe como
integração entre relações e práticas. A primeira é caracterizada pela fragmentação das
ações e a segunda, pela construção de possibilidades de recomposição. Esta última
estaria consoante com a proposta da integralidade das ações de saúde e a necessidade
contemporânea de recomposição dos saberes e trabalhos especializados.

O trabalho em equipe é uma forma eficiente de estruturação, organização e de


aproveitamento das habilidades humanas. Possibilita uma visão mais global e coletiva
do trabalho, reforça o compartilhamento de tarefas e a necessidade de cooperação para
alcançar objetivos comuns. A comunicação em busca de consenso entre os profissionais
traduz-se em qualidade na atenção integral às necessidades de saúde da clientela. Se
não houver interação entre os profissionais das equipes de Saúde da Família, corre-se
o risco de repetir a prática fragmentada, desumana e centrada no enfoque biológico
individual, com diferente valoração social dos diversos trabalhos.

As referências à equipe de trabalho em saúde são comumente feitas com a denominação


equipe multiprofissional e raramente com o termo interdisciplinar. De fato, o prefixo
multi traduz a justaposição de trabalhos realizados por um agregado de agentes de
diferentes qualificações técnicas, ao passo que o prefixo inter diz respeito a uma conexão
e integração que considera cada um dos trabalhos com seus respectivos aportes práticos
e teóricos. Não se trata apenas de diferentes designações, mas das reais possibilidades
de cooperação e coordenação do trabalho coletivo.

A construção da interdisciplinaridade tem sido um processo contínuo e crescente


no setor saúde, dada a necessidade de superação da fragmentação do conhecimento
humano, na busca de uma visão globalizada que dê conta da complexa dimensão do
processo saúde-doença.

Assim,o campo da saúde coletiva, dada a complexidade de seu objeto, exige uma
formação transdisciplinar, frente às múltiplas determinações do processo saúde-
doença-cuidado.

Para maior elucidação, vale conceituar.

Interdisciplinaridade: busca da superação das fronteiras disciplinares por


meio do estabelecimento de uma linguagem interdisciplinar consensualmente

26
programa saúde da família │ UNIDADE I

construída entre os cientistas. Observa-se troca entre as disciplinas com


integração de instrumentos, métodos e esquemas conceituais.

Transdisciplinaridade: indica uma integração das disciplinas de um campo


particular para uma premissa geral compartilhada; estruturadas em sistemas
de vários níveis e com objetivos diversificados em que há tendência de
horizontalização das relações interdisciplinares.

Dessa forma, a interação refere-se a uma ação comunicativa, quando os atores


harmonizam seus planos de ação e são guiados por normas de vigência obrigatória,
ou por meio da negociação sobre a situação ou consequências esperadas. Nas relações
orientadas para o entendimento mútuo, o ser humano é visto como pessoa capaz de
estabelecer relações e cujo modo de agir está orientado para a comunicação, interação e
participação, tendo como principal motivação a solidariedade e o sentido comunitário.

A forma como as pessoas vivem seus problemas no interior dos serviços implica o
estabelecimento de canais de interação. Para o desenvolvimento de ações de saúde
na perspectiva da integralidade, faz-se necessária uma aproximação integral entre os
sujeitos que prestam o cuidado. Ou seja, estabelecer uma prática comunicativa como
estratégia para o enfrentamento dos conflitos significa romper com velhas estruturas
hierarquizadas, tão presentes no modelo de saúde hegemônico. Nessa realidade,
os profissionais de saúde desenvolvem o trabalho com relativa autonomia, mas com
subordinação ao fazer do médico, ao contrário do que acontece na ESF, em que as
relações de poder se enfraquecem quando se prioriza a escuta. A ação comunicativa
é contrária a qualquer tipo de repressão dos direitos à liberdade do sujeito. Torna-se
essencial que os profissionais se relacionem em um ambiente livre de coações, para que
juntos se comuniquem, estabelecendo interação, possibilitando assim a construção de
um novo modelo de saúde.

A interação dos agentes permite a construção de um “projeto assistencial comum” à


equipe de trabalho – onde e como chegar no que se refere às necessidades de saúde
dos usuários. O trabalho em equipe é o trabalho que se compartilha, negociando-se
as distintas necessidades de decisões técnicas, uma vez que seus saberes operantes
particulares levam a bases distintas de julgamentos e tomadas de decisão quanto à
assistência e cuidados a prestar.

No entanto, a complementaridade e interdependência entre os trabalhos especializados


que compõem a equipe de saúde está frequentemente em tensão com a autonomia técnica
que os profissionais buscam ampliar. Tem sido relatado que, apesar das interconsultas,
é comum que decisões sejam tomadas sem discussão ou sem consideração ao parecer

27
unidAdE i │ ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA

dos outros membros, o que nos leva a problematizar esses procedimentos na perspectiva
das relações de poder no interior das equipes.

“As equipes Saúde da Família transitam num ideário permeado de contradições,


espaço de luta no qual os vários projetos dos atores sociais em situação divergem
e convergem”

Em tempos de individualidades estimuladas, a tarefa da integração é desafiadora, já que


requer rompimentos, enfrentamentos, criação, opção, ação nas macro, intermediária e
micro dimensões. Avanços nesse campo fazem parte da arena de construção de um novo
modelo de produção da saúde, em face da lógica e condições do processo de trabalho
em que se inserem.

uso de tecnologias leves na Promoção da Saúde:


as Visitas domiciliares e as Atividades Coletivas

A atenção às famílias e à comunidade é o objetivo central da visita domiciliar, sendo


entendidas, famílias e comunidade, como entidades influenciadoras no processo de
adoecer dos indivíduos, que é regido pelas relações com o meio e com as pessoas. A
prática de prestar assistência nos domicílios, nos lares, nos locais de vivência e trabalho
das pessoas, favorece uma aproximação da realidade, que por sua vez é complexa e
dinâmica, possibilitando, portanto, uma reflexão e revisão da própria atitude dos
profissionais na busca de transformações do cuidado.

Por meio das visitas aos domicílios são identificados os componentes familiares, a
morbidade referida, as condições de moradia, saneamento e condições ambientais das
áreas onde essas famílias estão inseridas. Essa etapa inicia o vínculo da unidade de
saúde/equipe com a comunidade, a qual é informada da oferta de serviços disponíveis e
dos locais, dentro do sistema de saúde, que prioritariamente deverão ser a sua referência.

As visitas domiciliares compreendem uma possibilidade de incorporação de tecnologias


leves no cuidado. Como já apresentado, o Ministério da Saúde aponta como equívoco a
identificação do PSF como um sistema de saúde “pobre para os pobres”, com utilização
de baixa tecnologia. O programa, segundo consta, deve ser reconhecido como uma
prática que requer alta complexidade tecnológica nos campos do conhecimento e do
desenvolvimento de habilidades e de mudanças de atitudes. (BRASIL, 1997).

As tecnologias leves são as produtoras de relações de interação, aquelas que se dão nos
espaços de intercessão entre profissionais e usuários; como é o caso do acolhimento, do
vínculo e da autonomização com responsabilização. O cuidado à saúde da família não

28
ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA │ unidAdE i

pode prescindir dos elementos das tecnologias leves, pois são eles que favorecem uma
comunicação dialógica e a integralidade do cuidado.

Essas atividades, além de serem entendidas como uma oportunidade de conhecer o


usuário no seu ambiente e na sua família, proporcionam o acompanhamento das
famílias e dos usuários, o controle positivo das situações de saúde e a longitudinalidade
do cuidado.

As visitas podem significar um controle negativo sobre a vida das pessoas,


voltando-se mais para a fiscalização; a vistoria e os registros de aspectos somente
biológicos da saúde e da doença.

Uma reflexão sobre a forma como vem sendo realizadas as visitas às famílias, inscreve a
preocupação com o direcionamento da visita por programas pré-estabelecidos, como o
de amamentação, hipertensão, cuidado preventivo com determinada doença endêmica
na região etc. Se por um lado a padronização facilita a expansão do Programa, por
outro, simplifica e empobrece o seu alcance por não considerar as manifestações locais
dos problemas de saúde e não trabalhar com elas. As tarefas pré-estabelecidas sem
relações vinculares mais amplas têm interferido na intervenção às reais necessidades de
saúde da população, sem impacto na mudança da qualidade de vida e humanização da
assistência que tem sido relacionada apenas ao atendimento domiciliar. Desse modo, o
enfoque família/comunidade fica completamente descaracterizado.

No PSF, as visitas domiciliares compulsórias indicam dois tipos de problemas muito


graves. O primeiro diz respeito às visitas feitas por profissionais sem que haja uma
indicação explícita para elas, ou seja, sem que o mesmo saiba o que vai fazer em
determinado domicílio. Excetua-se, por exemplo, o caso dos agentes comunitários de
saúde que devem percorrer o território insistentemente. O outro aspecto diz respeito ao
fato de que essas visitas podem significar excessiva intromissão do Estado na vida das
pessoas, limitando seu grau de privacidade e liberdade.

A aproximação do domicílio deve também considerar as transformações na constituição


das famílias em sociedades tão desiguais como a que vivemos. Embora seja positivo
apontar o foco de atenção de uma equipe de saúde para um “indivíduo em relação” em
oposição ao “indivíduo biológico”, nem sempre o núcleo familiar está presente ou é o
espaço da relação predominante, e até mesmo o lugar de síntese das determinações do
modo de andar a vida das pessoas em foco (FRANCO; MERHY, 2000). Há famílias com
laços afetivos e estabilidade econômica definidos, famílias sem recursos assistenciais
ou direitos sociais, famílias nucleares ou famílias por conveniência ou sobrevivência.
É importante que os profissionais da ESF estejam atentos aos novos significados das

29
UNIDADE I │ programa saúde da família

relações implicados nessas mudanças históricas das famílias, considerando que, onde
houver famílias na forma tradicional, a compreensão da dinâmica deste núcleo, mediante
a presença da equipe no domicílio, é potencialmente enriquecedora ao trabalho em
saúde, dada sua influência como “agente ativo de mudança social”.

O Papel das Atividades Coletivas

A educação e a saúde são espaços de produção e aplicação de saberes destinados ao


desenvolvimento humano. Há uma interseção entre estes dois campos, tanto em
qualquer nível de atenção à saúde quanto na aquisição contínua de conhecimentos
pelos profissionais de saúde.

Assim, os profissionais de saúde utilizam, mesmo inconscientemente, um ciclo


permanente de ensinar e de aprender.

Muitas práticas de saúde requerem práticas educativas. As ações de saúde não envolvem
somente a utilização do raciocínio clínico, do diagnóstico, da prescrição de cuidados e
da avaliação da terapêutica instituída. A saúde não se constitui apenas pelos processos
de intervenção na doença, mas processos de intervenção para que o indivíduo e a
coletividade disponham de meios para a manutenção ou recuperação do seu estado de
saúde, no qual estão relacionados os fatores orgânicos, psicológicos, sócio-econômicos
e espirituais. A prática de saúde pode ser exercida em qualquer espaço social (família,
escola, comunidade), visto que o campo da saúde é muito mais amplo do que o da doença.
No âmbito de atividades nas escolas, deve-se observar a Lei Federal no 9.394/96, que
possibilita a estruturação de conteúdos educativos em saúde, sob uma ótica local, com
apoio e participação das equipes das unidades de saúde.

Considerando o papel das equipes de Saúde da Família na atenção integral à saúde,


retomamos o referencial da Promoção da Saúde, que visa elaborar e implementar políticas
públicas saudáveis; criar ambientes favoráveis à saúde; reforçar a ação comunitária;
desenvolver habilidades pessoais e reorientar o sistema de saúde, conforme as diretrizes
estabelecidas pela Carta de Ottawa (OMS, 1986). Este documento constitui-se ainda em
nossos dias um referencial neste campo.

Há no campo da promoção da saúde, uma combinação de apoios educacionais e


ambientais que visam a atingir ações e condições de vida que garantam saúde. Desta
forma, as práticas educativas adquirem relevância ímpar nas ações de saúde voltadas
para este campo de ação. Essas práticas são o objeto das ações da educação em
saúde, que tem como referenciais as concepções de saúde e de educação pautadas no

30
programa saúde da família │ UNIDADE I

desenvolvimento das potencialidades humanas, no potencial de transformação da


realidade, sendo integrantes dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A relevância e os objetivos dessas atividades foram destacadas no Relatório Final da XI


Conferência Nacional de Saúde (CNS, 2000:165-166), no capítulo Democratização das
Informações, onde se lê:

“As Políticas de Informação, Educação e Comunicação – IEC devem


... estar voltadas para a promoção da saúde, que abrange a prevenção
de doenças, a educação para a saúde, a proteção da vida, a assistência
curativa e a reabilitação sob responsabilidade das três esferas de governo,
utilizando pedagogia crítica, que leve o usuário a ter conhecimento
também de seus direitos; dar visibilidade à oferta de serviços e ações de
saúde do SUS; motivar os cidadãos a exercer os seus direitos e cobrar as
responsabilidades dos gestores públicos e dos prestadores de serviços
de saúde”.

O fato de que os profissionais da área de saúde transitam em grande parte do seu tempo
pelo campo da educação em saúde não traz em si o conceito de que estejam plenamente
preparados para tal exercício. Para tanto, parte-se da premissa que educar não significa
simplesmente transmitir/adquirir conhecimentos.

A forma pela qual é compreendido o processo de ensino-aprendizagem vem nortear


as diferentes tendências pedagógicas que são dominantes no sistema educacional
brasileiro: a tradicional, a renovada, a tecnicista e aquelas marcadas centralmente por
preocupações sociais e políticas. Apresentaremos aqui, resumidamente, os princípios de
cada tendência, para que seja possível identificarmos aquela com maior probabilidade
de conferir efetividade às práticas educativas em saúde.

Pedagogia Tradicional: as ações de ensino estão centradas na exposição dos


conhecimentos pelo professor. O professor é visto como a autoridade máxima, um
organizador dos conteúdos e estratégias de ensino e, portanto, o único responsável e
condutor do processo educativo. Predomina a exposição oral dos conteúdos, seguindo
uma sequência predeterminada e fixa. O professor transmite o conteúdo como uma
verdade acabada e pronta a ser absorvida. Os conteúdos e procedimentos didáticos
não estão relacionados ao cotidiano do aluno e muito menos às realidades sociais. Os
educadores têm dificuldades de utilizar outras formas de ensinar que não a de transmitir
conhecimentos. Há uma preocupação em negar a subjetividade, uma vez que esta pode
implicar em erro e perturbações. Essa prática conduz a maior passividade do aluno e
falta de atitude crítica, e a uma lacuna entre teoria e prática, caracterizada pela total
falta de “problematização” da realidade.

31
unidAdE i │ ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA

Paulo Freire, um dos críticos a esta tendência, a denominava de “bancária”, onde o


educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito de
informações fornecidas pelo educador.

Pedagogia Renovada: inclui várias correntes que se baseiam na valorização do


indivíduo como ser livre, ativo e social. O centro da prática educativa não é o professor
nem os conteúdos disciplinares, mas sim o aluno, como ser ativo e curioso. O mais
importante não é o ensino, mas o processo de aprendizagem. “Trata-se de ‘aprender a
aprender’, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber
propriamente dito”. (LUCKESI, 1994:58).

As diferentes correntes estão ligadas ao movimento da pedagogia não-diretiva,


representada principalmente pelo psicólogo Carl Rogers e pelo movimento
chamado Escola Nova ou Escola Ativa (John Dewey, Maria Montessori, Ovide
Decroly, Jean Piaget, Anísio Teixeira, entre outros).

O educador facilita o desenvolvimento livre e espontâneo do indivíduo, o processo de


busca pelo conhecimento. Cabe ao professor organizar e coordenar as situações de
aprendizagem, adaptando suas ações às características individuais dos alunos, para
desenvolver capacidades e habilidades intelectuais de cada um. O professor estimula
ao máximo a motivação dos alunos, despertando neles a busca pelo conhecimento, o
alcance das metas pessoais, metas de aprendizagem e desenvolvimento de competências
e habilidades. Como exemplo de estratégia de aprendizagem podemos citar os jogos
educativos.

Pedagogia por Condicionamento: o chamado “tecnicismo educacional” constitui


uma prática educativa baseada em um jogo eficiente de estímulos e recompensas
capaz de “condicionar” o aluno a emitir respostas desejadas pelo professor. A prática
pedagógica é altamente controlada e dirigida pelo professor, com atividades mecânicas
inseridas em uma proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada
em detalhes. É privilegiado no ensino o conhecimento observável e mensurável,
baseado na ciência objetiva. Maior ênfase é dada à produtividade e eficiência do que à
criatividade, subjetividade e originalidade.

Pedagogia Crítica: no final dos anos 1970 e início dos 1980, a abertura política no final
do regime militar coincidiu com intensa mobilização de educadores para buscar uma
educação crítica, a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas, tendo
em vista superar as desigualdades sociais. Destacamos a Pedagogia libertadora ou da
problematização por possibilitar uma prática educativa em saúde mais participativa,
direcionada tanto à população, na educação em saúde, quanto a profissionais de saúde,

32
programa saúde da família │ UNIDADE I

na educação continuada. Falar em promoção da saúde é falar sobre incremento do poder


(empowerment) comunitário e pessoal, por meio de desenvolvimento de habilidades e
atitudes, conducentes à aquisição de saberes (técnico e político) para atuar em prol
de sua saúde. Este empowerment está diretamente relacionado ao desenvolvimento
de programas que promovam nas comunidades uma consciência crítica sobre sua
realidade vivida e tem em Paulo Freire seu idealizador. Nesta metodologia, o professor
está ao mesmo nível de importância em relação aos alunos, visto que seu papel é animar
a discussão. Para Freire, é por meio do diálogo que se dá a verdadeira comunicação,
onde os interlocutores são ativos e iguais. Aprender é um ato de conhecimento da
realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, que se dá mediante
uma aproximação crítica dessa realidade. O que é aprendido não decorre da imposição
ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento ao qual se chega pelo processo
de compreensão, reflexão e crítica.

Embora haja críticas a cada uma delas, é indiscutível que a prática educativa norteada
pela pedagogia da problematização é mais adequada à pratica educativa em saúde.
Além de promover a valorização do saber do educando e instrumentalizá-lo para a
transformação de sua realidade e de si mesmo, possibilita a efetivação do direito da
clientela às informações de forma a estabelecer sua participação ativa nas ações de
saúde. Contribui ainda para o desenvolvimento contínuo de habilidades humanas e
técnicas no trabalhador de saúde, fazendo com que este exerça um trabalho criativo.

Estas características e consequências convergem para uma sociedade mais democrática


em prol do desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e coletividade estando
em concordância com os princípios e diretrizes da promoção à saúde.

A pedagogia libertadora possibilita aos serviços de saúde a construção de conhecimentos


e práticas mediadoras da abordagem restrita ao biológico com visões mais abrangentes
das ciências sociais. As famílias podem adquirir conhecimentos e habilidades que
facilitem seu dia a dia e a construção de melhores condições de vida. Neste sentido, as
práticas educativas deixam de ser uma atividade a mais realizada nas unidades de saúde
e passam a ser o eixo aglutinador e reorientador do cuidado à saúde. Os profissionais de
saúde, pela relação dialógica com os usuários, podem ser atores e autores na construção
de um novo saber sobre saúde. Dentre os aspectos fundamentais nesta relação, destaca-
se a importância da valorização, por sua parte, do conhecimento já adquirido pelos
usuários. Valorização esta que pode ser expressa numa atitude de ser também aprendiz
diante do processo de construção do conhecimento. A partir desta atitude, o profissional
pode demonstrar o reconhecimento da identidade cultural da população, favorecendo
o resgate de sua autoestima, já tão desgastada no contato com os serviços tradicionais
de saúde.

33
UNIDADE I │ programa saúde da família

Entretanto, nem sempre existe uma relação tão harmoniosa entre a população
usuária e o serviço de saúde. Nem os profissionais nem os indivíduos são iguais. Ao
contrário, portam distintas vontades e detêm diferentes projetos de vida, agindo ética e
politicamente de modo diversos. O trabalho educativo-participativo é demorado e exige
investimento na formação do profissional. O papel do profissional não é de somente
repassar informações, mas sim de estimular a problematização, o “saber pensar”
criticamente, fazendo com que o usuário se torne o sujeito da ação, ou seja, um ser
autônomo com seu próprio conhecimento. A prática educativa deve ser entendida como
um espaço em construção, no qual as mudanças vão ocorrendo de acordo com o desejo,
o tempo e o limite de cada um. Para isso, é fundamental o trabalho baseado na troca, no
respeito, no diálogo e na escuta.

Planejando um Grupo Educativo

No planejamento das atividades, devemos considerar as seguintes questões:

»» Quem compõe o grupo? A quem se dirige e quem compõe a equipe de


coordenação?

»» Quais os objetivos do grupo?

»» Qual será a periodicidade do grupo?

»» O grupo será aberto ou fechado? De quantos encontros? Com quantos


participantes?

»» Como serão construídos e trabalhados os temas?

»» Quais as técnicas que serão utilizadas?

»» Como se dará a formação dos profissionais da equipe?

»» Como registrar as atividades?

»» Como avaliar este trabalho?

Do ponto de vista dos usuários, a composição do grupo deve buscar alguma


homogeneidade no que diz respeito à situação de vida pela qual os participantes estejam
passando. Assim, os sentimentos, as ansiedades, os medos e as fantasias podem ser
expostos, de forma que os participantes, ao compartilharem vivências semelhantes,
não se sintam isolados e se identifiquem com outras pessoas que também estão
passando pelas mesmas situações. Sendo os grupos diferenciados em relação a gênero,

34
programa saúde da família │ UNIDADE I

faixa etária, necessidades biológicas e sociais, os objetivos, os recursos e as dinâmicas


utilizadas deverão ser adaptados ao perfil de cada um deles.

Os grupos podem ser classificados em três modelos básicos.

Grupos de sala de espera: dirigido aos usuários que estão aguardando a hora da
consulta. É um grupo formado espontaneamente, sem história temporal e com um
único encontro. Este grupo é muitas vezes a única alternativa viável nos serviços de
saúde que não dispõem de espaço físico para atividades coletivas no próprio centro de
saúde.

Grupos fechados: têm como característica básica a delimitação dos participantes e


do tempo de duração do grupo, ou seja, o grupo começa e termina com os mesmos
participantes dentro de uma duração predeterminada. Possibilitam a formação do
vínculo de confiança, decorrente do convívio, intensificando a troca de experiências
semelhantes. Outra vantagem é que, como não há mudança de membros do grupo,
as informações não se repetem e todos têm acesso às informações simultaneamente,
diminuindo a chance dos participantes se desmotivarem.

Grupos abertos: o grupo pode apresentar periodicidade regular, mas há rotatividade


dos participantes e o número destes varia de acordo com o espaço físico do local. Esta
rotatividade pode prejudicar a motivação dos participantes e o aprofundamento de
temas no grupo, pois as informações são repetidas em função dos novos participantes.
Entretanto, possibilita o contato com novas vivências. O coordenador deverá estar atento
para que a atividade em grupo não se torne uma simples transmissão de informações
sem a discussão de vivências dos participantes.

As dinâmicas de grupo, com momentos lúdicos, com incentivo à realização de oficinas


e trabalhos manuais, passeios culturais e motivação para atividade física, abrem espaço
para a busca da saúde, compreendidas de forma ampla e não apenas como ausência
de doença. O lúdico e a brincadeira possuem uma seriedade intrínseca; representam a
realidade, parafraseando a seriedade da vida. O faz-de-conta imita a família, o amor,
o trabalho, a casa, a vida. O jogo, de uma forma positiva, proporciona liberdade,
criatividade, estabelece regras e capacidade de escolhas.

São exemplos de temas: o direito humano à alimentação e a segurança alimentar; o


incentivo à alimentação saudável ao longo do curso da vida; o incentivo, o apoio e a
proteção da amamentação; as orientações dietéticas para indivíduos e grupos com
diversos agravos nutricionais; o incentivo à prática de atividade física; as questões de
sustentabilidade do meio ambiente, violência, relações de gênero, sexualidade e saúde

35
UNIDADE I │ programa saúde da família

reprodutiva, inserção social do idoso, oficinas de memória, prevenção de quedas, entre


inúmeros outros.

A escolha por um desses modelos vai depender da demanda, dos objetivos propostos
para a criação do grupo, da infraestrutura e do tempo disponível para o desenvolvimento
desta atividade.

O registro da atividade também é uma forma de integração e amadurecimento da


equipe. Cabe destacar a importância do registro no momento do planejamento
(objetivos, temas, dinâmicas, recursos necessários), durante o processo da atividade
(falas, dúvidas, ansiedades, saberes) e ao seu término (impressões dos usuários e dos
profissionais), além de servir como ferramenta de avaliação e planejamento da ação.

Lembre-se que nessas atividades não só o educando está sendo modificado, mas também
o educador se modifica: os dois movimentos ocorrem ao mesmo tempo. Desta forma,
a equipe de saúde necessita também de formação, de espaços de troca, de discussão,
de diálogo, de repensar sua prática profissional. Para isso, faz-se necessário construir
espaços de educação permanente, investir nos profissionais, destinar carga horária ao
trabalho de planejamento e avaliação contínua na busca da qualidade do cuidado em
saúde.

Aspectos Éticos no Trabalho em Equipe, no


Domícilio e na Interface com a Comunidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,10/12/1948, Artigo XII) estabelece


que “ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu
lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação.Toda pessoa tem
direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.” As ações das equipes
de Saúde da Família devem se nortear por esse princípio, seja em sua conduta nos
atendimentos nas unidades, em interações com a comunidade ou em visitas domiciliares.

Respeitar uma pessoa como agente autônomo significa, no mínimo, acatar seu direito
de ter opiniões próprias, de fazer suas escolhas e de agir segundo seus valores e crenças
pessoais. Isto envolve uma ação respeitosa e não meramente uma atitude respeitosa,
requerendo mais do que uma não interferência nos assuntos alheios e incluindo,
especialmente em certos contextos, as obrigações de construir ou manter a capacidade
dos outros para procederem às escolhas autônomas por meio da mitigação de medos e
demais condições destrutivas ou rompedoras das decisões autônomas. Nesta perspectiva,
o respeito abrange a aceitação dos direitos de tomada de decisão e a capacitação das
pessoas para agirem autonomamente, enquanto o desrespeito inclui atitudes e ações
que ignoram, insultam ou aviltam os direitos de autonomia dos indivíduos.

36
programa saúde da família │ UNIDADE I

Dessa forma, a equipe deve exercitar sua “atitude respeitosa” mediante sua postura no
dia a dia, que inclui as seguintes ações.

1. Marcar as visitas domiciliares com antecedência para evitar


constrangimentos.

2. Ser atencioso, sem se estender demais.

3. Valorizar as pessoas, seus problemas e sentimentos.

4. Procurar compreender a dinâmica da família e os determinantes de suas


escolhas.

5. Conquistar a confiança da família, mantendo a discrição.

6. Ser cauteloso em relação ao juízo de valor, flexibilizando as diferenças


culturais e religiosas.

7. Focar suas ações no fortalecimento da autonomia das famílias, evitando


atitudes paternalistas.

Jonsen (1999) ponderam que os profissionais de saúde por certo têm suas crenças
e valores que podem conduzir a julgamentos enviesados e discriminatórios contra
algumas pessoas ou grupos sociais, afetando, consequentemente, as decisões clínicas.
Entretanto, são contundentes ao afirmar que não é prerrogativa dos profissionais fazer
esses julgamentos no contexto da atenção à saúde, pois todos devem ser atendidos
em função de suas necessidades e não de seu valor ou mérito social. Alertam que
atualmente estes preconceitos são menos explícitos, mas não menos perigosos e devem
ser identificados para serem eliminados das decisões clínicas. Parece que a adoção
destes critérios, além de soar como culpabilização da vítima, desvia a discussão de seu
foco principal, os determinantes e condicionantes sociais do processo saúde-doença.

A abordagem dialógica e emancipatória pressupõe acreditar que todas as pessoas têm


direito a escolher o caminho mais apropriado para promover, manter e recuperar sua
saúde. A equipe de PSF deve instruir-se quanto às crenças mais comuns na comunidade
onde atua, lançando mão, se necessário, de mediadores como clérigos ou pessoas
habilitadas que possam explicá-las e comunicar-se com quem as professa. A relação de
vínculo e responsabilização pressupõe ultrapassar as informações de cunho biológico.
O respeito pelas pessoas, que está no cerne do relacionamento vincular, requer que
estas sejam respeitadas não como indivíduos abstratos, mas integrados a seus valores
culturais e religiosos. O usuário e o profissional devem descobrir objetivos em comum
e estabelecer uma estratégia mutuamente aceita para atingi-los.

37
UNIDADE I │ programa saúde da família

Da mesma forma, internamente nas equipes de saúde, para concretização dos planos de
ação, os profissionais dependem de acordos para entendimento mútuo: nesse processo,
estão excluídas a imposição, a coerção e a extorsão. Atitudes de subordinação são
substituídas por práticas baseadas na solidariedade e na construção compartilhada.

Terminologia da Saúde

Terminologia em saúde consiste na padronização de termos e conceitos usados pelo


Ministério da Saúde, favorecendo a recuperação, o acesso, a divulgação e a disseminação
do conhecimento e das informações institucionais.

Em relação à padronização da classificação de doenças, utiliza-se atualmente a 10ª


Revisão da Classificação Internacional de Doenças que passou a ter a denominação:
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde. Na prática, é conhecida como CID-10.

Diferentemente das revisões anteriores, que se apresentavam em dois volumes, a CID-


10 apresenta-se em três volumes: O Volume II da CID-10 é o Manual de Instruções
e contém informações detalhadas, no capítulo 3, sobre como utilizar a CID. Nessa parte
do Volume II, a explicação é bastante completa sobre todas as convenções utilizadas e
de como usar os Volumes I e III da CID-10.

A Biblioteca Virtual em Saúde disponibiliza, na área de apoio ao Programa de Saúde da


Família, extenso Glossário Temático, em versão para consulta eletrônica (http://itd.
bvs.br). Seguem alguns exemplos obtidos por meio dessa consulta.

Acolhimento: conceito que preconiza o “acesso imediato ao serviço de saúde e


aos recursos tecnológicos necessários para a defesa da vida [...]”. O acolhimento é
operacionalizado mantendo-se “...portas abertas para os diferentes tipos de demandas”
a partir da disponibilidade absoluta de ações e serviços na rede. A humanização do
atendimento seria feita, portanto, por meio da priorização da demanda espontânea,
entendida como “´[...] matéria-prima fundamental para adesão e atendimento da
população no serviço”.

Área de abrangência: área sob a responsabilidade de um determinado serviço de


saúde ou equipe de PSF, que deverão trabalhar em prol da resolutividade dos agravos
à saúde que acometem os membros daquele território, bem como da prevenção dos
agravos e da promoção da saúde naquele espaço (ver também População Adscrita).

Longitudinalidade: espera-se que a equipe de saúde da família perceba os agravos


à saúde como processos, isto é, como transformações que não ocorrem de uma hora

38
programa saúde da família │ UNIDADE I

para outra. Ao trabalhar com essa visão, a equipe passa a entender a importância do
vínculo e do acompanhamento permanente e ativo dos indivíduos e famílias, ou seja, da
longitudinalidade da atenção, pois é assim que se conseguirá o entendimento de toda a
história natural e social de um agravo e se aumentará a resolutividade da equipe.

Vínculo: em saúde, significa a manutenção ativa do cuidado mediante ações que


objetivem a monitoração constante das condições de saúde de um usuário ou família.
Desenvolve-se a partir do contato inicial com o agente comunitário ou outro membro
da equipe, e aperfeiçoa-se a cada contato, à medida que a equipe se informa mais sobre
as condições de vida dos usuários.

O acesso à produção científica dos membros das equipes multidisciplinares de Saúde


da Família pode ser facilitado, permitindo maior número de consultas, quando é
empregada terminologia padronizada. Esse compartilhamento de experiências sem
dúvida contribui para o fortalecimento do modelo de atenção à saúde adotado.

39
CAPítulo 3
Planejamento e Programação em
Saúde

“Alice – Poderia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui?

Gato – Isso depende muito do lugar para onde você quer ir.

Alice – Não me importa muito onde.

Gato – Nesse caso, não importa por qual caminho você vá.”

Alice no País das Maravilhas.

Planejamento em Saúde é o processo que consiste em desenhar, executar,


acompanhar e avaliar um conjunto de propostas de ação com vistas à intervenção
sobre um determinado recorte de realidade. Trata-se, também, de um instrumento de
racionalização das ações no setor de saúde, realizada por atores sociais, orientada por
um propósito de manter ou modificar uma determinada situação de saúde (TANCREDI,
2002). Para Matus, planejamento significa o “cálculo que precede e preside a ação; a
mediação entre o conhecimento e a ação; é um processo social complexo, produto das
relações de conflito e articulação entre as diferentes forças sociais em uma realidade
historicamente dada”.

A Constituição brasileira estabelece como norma o caráter universal e integral das


ações de saúde a cargo do Estado, mas isto não evita que no dia a dia escolhas sejam
feitas e instrumentos sejam usados para eleger prioridades e aproximar os serviços das
necessidades mais importantes das comunidades atendidas.

As diretrizes do modelo de atenção integral à saúde apontam alguns tópicos que podem
ajudar a organização dos serviços:

» definir a demanda social, levando em consideração a manifestação


pública de comunidades e seus representantes;

» entender as conexões sociais do processo saúde-doença, compreendendo


a dinâmica das relações sociais, por intermédio de indicadores
socioeconômicos;

» utilizar a Epidemiologia para entender o modo como as relações sociais


repercutem no modo de adoecimento das coletividades;
40
programa saúde da família │ UNIDADE I

»» recorrer às técnicas de Programação e Planejamento para orientar as


atividades dos serviços de saúde;

»» recusar o modelo clínico centrado na atenção individual como princípo


ordenador das ações desses serviços;

»» detectar problemas e articular soluções a partir de um conjunto de saberes


que convergem para práticas de caráter interdisciplinar;

»» definir o território de intervenção dos serviços em função da dinâmica


das populações e das relações sociais.

Podemos elencar alguns passos para o planejamento das ações.

Passo 1 – Definição do território

Essa definição implica em definir a área de abrangência dos serviços, o perfil demográfico
e sócio econômico da população atendida e o conjunto de equipamentos, profissionais e
instalações existentes. Esse território pode ser considerado como um sistema local, onde
estão presentes múltiplos fatores que influem no processo saúde-doença, especialmente
em suas conexões sociais, econômicas e culturais. O planejamento deve considerar
as condições de acesso aos serviços, o perfil epidemiológico e sócio-econômico das
populações, os mecanismos de controle comunitário sobre os recursos disponíveis e de
definição de prioridades.

Dessa forma, territorializar significa por um lado uma medida de racionalização político-
administrativa, mas por outro lado, associa-se à transformção das práticas sanitárias.
Território significa assim.

Passo 2 – Definição da situação atual da saúde da população adscrita

Só é possível planejar tendo conhecimento da população e do contexto em que ela se


insere. A epidemiologia é uma ferramenta bastante utilizada para definir as necessidades
de saúde e auxiliar o planejamento dos serviços. Seu emprego permite a sistematização
de dados demográficos, de morbidade e mortalidade, permitindo análise capaz de
alimentar o processo de planejamento e tomada de decisões da equipe.

A informação gerada em dados é transformada em indicadores de saúde, geralmente


disponibilizados através dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS), que abordaremos
na próxima Unidade.

Passo 3 – Identificação dos principais problemas de saúde da população


que se quer abordar

41
UNIDADE I │ programa saúde da família

A partir da informação gerada e estudada, é possível identificar os principais problemas


de saúde desta população, os grupos de risco, o acesso dos pacientes ao sistema de
saúde e a cobertura por programas de saúde, bem como a organização e gerenciamento
dos programas da atenção básica.

Sugere-se que se aponte dentro dos problemas a serem enfrentados aqueles que possam
ser classificados como críticos de acordo com os critérios de:

»» frequência do problema;

»» morbidade e mortalidade relacionadas ao problema;

»» efetividade das intervenções (pouco, moderada, muito);

»» custos da intervenção (alto, moderado, baixo);

»» intencionalidade em priorizar “grupos” de maior risco: mulheres em


idade fértil, crianças, idosos;

»» impacto econômico: grupos de trabalhadores ou por características


socioeconômicas etc.

Nessa etapa, torna-se útil incorporar algum conhecimento sobre a situação de saúde
de outras localidades e grupos populacionais, bem como referências das instituições
responsáveis pelas políticas e ações (Município, Estado, União, organismos
internacionais), para organização da base da investigação.

Passo 4 – Análise dos determinantes do problema: a árvore explicativa

Aqui destacam-se duas ordens de questões. Por um lado, as diferentes formas de


representação, valoração e compreensão dos problemas de saúde, seja pelo olhar dos
profissionais ou pela ótica dos diversos grupos sociais envolvidos, incluindo a população,
o que apresenta, como um dos principais desafios, a necessidade de articulação das
diferentes racionalidades envolvidas em um processo concreto de planejamento. Por
outro lado, a particular complexidade dos fenômenos, processos e leis que caracterizam
a realidade sanitária aponta para diversas possibilidades de ‘recorte’ desses problemas,
em termos de unidades de análise e intervenção. Cada uma dessas possibilidades de
recorte apresenta distintas implicações operacionais sobre a capacidade de apreensão
e compreensão das necessidades de saúde, bem como de cumprimento dos princípios
de equidade e integralidade.

42
programa saúde da família │ UNIDADE I

Assim, a árvore de problemas deve ser desenhada de maneira clara, sintética e precisa,
a partir da identificação das causas do problema e da forma como estão relacionadas
entre si.

43
UNIDADE I │ programa saúde da família

A partir da “árvore de problemas” é gerada então a árvore de objetivos, dos quais


derivam as ações a serem realizadas nos territórios considerados em uma perspectiva
intersetorial. Ou seja, as ações e serviços a serem desenvolvidos não se restringem
àqueles que já são tradicionalmente ofertados pelas unidades de saúde, envolvendo
um esforço adicional de mobilização e articulação de outros órgãos governamentais e
não governamentais que atuam na área, inclusive a mobilização e envolvimento dos
indivíduos, das famílias e das coletividades que vivem e trabalham neste local.

Passo 5 – Levantamento de recursos

O estabelecimento de prioridades se baseia no fato de que o recurso em saúde nunca é


suficiente para a realização de todas as ações necessárias. Basicamente, quando se fala
em planejamento para a ação em saúde está-se definindo prioridades e estas incluem
priorizar tanto ações quanto recursos. É aconselhável lidar com um ou dois problemas
de cada vez, evitando-se esforços em múltiplos problemas que acabam por pulverizar as
ações e protelar resultados. É da sabedoria popular que vem o ditado: “quem tem uma
prioridade (ou objetivo), tem uma; quem tem duas, tem meia; e quem tem três não tem
nenhuma”.

O conhecimento dos recursos de saúde disponíveis, bem como de toda a rede de apoio
não só da saúde, mas intersetorial, é tão importante quanto o conhecimento dos
problemas de saúde.

Nessa etapa, é importante que as equipes de Saúde da Família, para exercício da


intersetorialidade, considerem como recursos todo o equipamento público possível
de acesso pela população da área de abrangência, não se limitando aos recursos do
Setor Saúde. Isso implica em parcerias com escolas, igrejas, associações comunitárias e
organizações não governamentais, além de estreita relação com diferentes Secretarias
de Governo, para ampliação da resolutividade das ações empreendidas.

Passo 6 – Programação das ações

Por fim, é desejável a adequação das ações aos oito elementos essenciais da programação
da atenção básica:

»» educação sobre os principais problemas – controle e prevenção;

»» conhecimento da disponibilidade de alimentos e promoção da nutrição


adequada;

»» suprimento de água potável e provisão de saneamento básico;

»» saúde materno infantil, incluindo planejamento familiar;


44
programa saúde da família │ UNIDADE I

»» imunização contra as principais doenças infecciosas;

»» prevenção e controle das principais doenças endêmicas e epidêmicas;

»» tratamento apropriado para as doenças e lesões comuns;

»» previsão de medicamentos e materiais essenciais.

Assim, a programação (plano) de ações é o próximo momento do processo de


planejamento, visando à explicitação de compromissos entre equipes, gestores e
população usuária. Para a pactuação destas ações, todos os atores importantes devem
estar presentes e cientes da necessidade de sua participação para que o plano funcione
e que os resultados sejam obtidos.

O plano é um dos produtos do processo de análises e acordos que documenta as


conclusões desses acordos, indicando para onde se quer conduzir o sistema (objetivos
gerais ou estratégicos) e como agir para as metas sejam alcançadas (estratégias e
objetivos específicos ou de processo).

Dentre as diferentes estratégias de se planejar ações em saúde e em políticas públicas,


destacam-se a técnica do Planejamento Estratégico Situacional – PES, de Carlos Matus,
o Método Altadir de Planificação Popular – MAPP, e a Ação Comunicativa, proposta
por Habberman. Entretanto, Tancredi observa que “não existe ‘a teoria’ ou ‘o método’
de planejamento”:

“Uma fantasia frequente é que exista ‘o método’ de fazer planejamento.


Todas as ‘teorias’ e os ‘métodos’ não escapam muito do dilema de
Alice: definir qual o futuro desejado, isto é, aonde queremos chegar
com o nosso sistema e como apontá-lo naquela direção, ou seja, que
programas e decisões implementar para preparar a instituição/sistema
a direcionar-se para um determinado rumo e a produzir resultados que
nos levem ao futuro desejado.

Muitos autores fizeram largas digressões sobre essa coisa tão simples,
porque, obviamente, o jogo de forças, interesses e ideologias faz com
que não seja sempre fácil definir esse ‘norte’ e tampouco as formas
de chegar lá. O melhor ‘método’ é aquele que melhor ajudar numa
determinada situação. [...] Em suma, é pouco provável que na prática
alguém siga ipsis litteris um determinado método; é mais provável que
na sequência do trabalho vá incorporando diversos instrumentos de
trabalho retirados de muitas partes”. (TANCREDI, 1998).

45
unidAdE i │ ProgrAmA SAúdE dA FAmíliA

A abordagem por programas, despida do caráter normativo tradicional, faz parte do


cotidiano das equipes. O modo de trabalhar com eles tanto pode limitá-los às suas
referências clínicas, como pode buscar expandi-los para uma intervenção social. O
crescimento do papel dos municípios na gestão do SUS, a crescente pressão por serviços
mais complexos e a atuação de grupos e clientelas organizadas diante das questões
de saúde (renais crônicos, diabéticos, hemofílicos, portadores do HIV, familiares de
doentes mentais, entre outros) foram alguns dos fatores que impulsionaram mudanças
no modo de formular e implementar os programas de saúde. São bem conhecidos
aqueles voltados para a imunização, vigilância epidemiológica, pré-natal, controle da
hipertensão etc. Enfim, são muitos e diferentes programas que pertencem ao cotidiano
das equipes de saúde da família.

A superação dos limites dos programas verticais tradicionais pode ser alcançada desde
que observadas as conexões sociais do processo saúde-doença. Isto significa atuar
de maneira diferenciada, seja recorrendo ao enfoque epidemiológico, à participação
da comunidade e às práticas interdisciplinares. Em outras palavras, combinar o
atendimento às necessidades individuais por meio da intervenção clínica sobre o
adoecer humano, com a intervenção coletiva.

A Ação Programática é uma ferramenta bastante útil e coerente com as noções de


território e de problema já apresentados. A contradição entre atendimento à demanda
e atendimento programado tem repercussões importantes nas instituições de saúde.

Há exemplos que podem auxiliar sua compreensão do que estamos falando.


Como pensar em tratar individualmente um paciente com Dengue, se não
houver uma ação institucional e comunitária de combate aos mosquitos e
às condições sociais que facilitam sua proliferação? O cuidado individual é
suficiente como mecanismo de proteção no caso dos acidentes de trânsito
que geram tantos atendimentos? É possível reduzir os agravos por doenças
sexualmente transmissíveis sem que se alterem padrões sociais de conduta?
Esse é o dilema que está colocado aos serviços públicos de saúde e às equipes
de Saúde da Família.

Os programas de saúde são, portanto, ferramentas úteis ao aumento da efetividade das


políticas de saúde. Os programas são difundidos pelo Ministério da Saúde para todo
o país e gestores municipais e estaduais os adaptam e, de modo geral, preservam sua
estrutura normativa. É possível e desejável que sejam desenvolvidas iniciativas locais,
organizando os programas em novas bases.

46
CAPítulo 4
Políticas Públicas de Saúde no Brasil

São inúmeros os programas e políticas adotados pelo Ministério da Saúde visando


a operacionalização da Atenção Básica, não sendo nossa pretensão esgotar o
assunto neste capítulo. Como recorte, foi usada como referência a Política Nacional
da Atenção Básica (2006), que definiu como áreas estratégicas para atuação em
todo o território nacional a eliminação da hanseníase, o controle da tuberculose,
o controle da hipertensão arterial, o controle do diabetes mellitus, a eliminação
da desnutrição infantil, a saúde da criança, a saúde da mulher, a saúde do idoso,
a saúde bucal e a promoção da saúde. Outras áreas podem ser estabelecidas
regionalmente de acordo com prioridades e pactuações definidas nas CIBs. Dado
seu dinamismo, nem sempre os dados apresentados serão os mais atuais, porém
procuramos deixar claras as diretrizes de cada política ou programa.

Controle da Hanseníase
O Brasil registrou no final de 2005 um coeficiente de prevalência de hanseníase de 1,48
casos/10.000 habitantes (27.313 casos em curso de tratamento em dezembro de 2005)
e um coeficiente de detecção de casos novos de 2,09/10.000 habitantes (38.410 casos
novos em dezembro de 2005). Apesar da redução na taxa de prevalência observada
no período compreendido entre 1985 e 2005 de 19 para 1,48 doentes em cada 10.000
habitantes, a hanseníase ainda constitui um problema de saúde pública no Brasil, o que
exige um plano de aceleração e de intensificação das ações de eliminação e de vigilância
resolutiva e contínua.

Os estados que ainda têm uma alta carga de doença são: Pernambuco, Goiás, Espírito
Santo, Pará, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Roraima.

As ações de controle e eliminação da hanseníase têm como objetivos a redução da


morbidade, expressa pela incidência e prevalência da doença e a redução de danos
causados pela doença, expressos pela gravidade das incapacidades físicas, psíquicas e
sociais.

As ações incluem a notificação compulsória de todos os casos identificados, a garantia de


acesso aos medicamentos específicos e imunobiológicos, segundo as normas e instruções
técnicas do ministério da Saúde e a prevenção e recuperação de incapacidades físicas,

47
UNIDADE I │ programa saúde da família

psíquicas e sociais, durante ou após o tratamento específico, promovendo a readaptação


profissional e reinserção social do doente e de seus familiares, quando necessário.

A identificação dos casos deve se dar em atendimento da demanda espontânea, com


prioridade para os sintomáticos dermatoneurológicos e através de busca ativa, com
ênfase na vigilância de contatos.

Preconiza-se a utilização do Sinan para a notificação de casos, atualização de


dados de acompanhamento e obtenção de dados para a construção dos indicadores
epidemiológicos e operacionais necessários ao monitoramento e à avaliação das ações
de controle do Programa nos níveis nacional, estadual e municipal.

As ações devem se direcionar ao alcance da meta de prevalência de menos de um caso a


cada 10.000 habitantes, assim como o monitoramento da ocorrência dos casos novos.

As equipes devem desenvolver atitudes de vigilância. Devem avaliar a incapacidade


resultante da hanseníase e desenvolver ferramentas e procedimentos adequados
para lidar, nos serviços integrados, com as questões relacionadas às incapacidades
e deficiências; precisam contar com a logística de abastecimento de medicamentos
(tratamento poliquimioterápico ambulatorial) e uma rede eficiente de referência
e contrarreferência, trabalhando no sentido de diminuir ainda mais o estigma e a
discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e contra suas famílias.

O incentivo à representação de usuários e da comunidade na tomada de decisões que


interfiram na implementação das ações de controle da hanseníase deverá ser promovido.

Controle da Tuberculose

A Tuberculose ainda é considerada a maior causa de morte por doença infecciosa em


adultos. Segundo estimativas da OMS, dois bilhões de pessoas correspondendo a um
terço da população mundial, está infectada pelo Mycobacterium tuberculosis.

Destes, 8 milhões desenvolverão a doença e 2 milhões morrerão a cada ano.

O Brasil ocupa o 15o lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de
tuberculose no mundo. Estima-se uma prevalência de 50 milhões de infectados com
cerca de 111.000 casos novos e 6.000 óbitos ocorrendo anualmente.

Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan/MS,


são notificados anualmente 85 mil casos novos (correspondendo a um coeficiente de
incidência de 47/100.000 habitantes) no Brasil. São verificados cerca de 6 mil óbitos
por ano em decorrência da doença.

48
programa saúde da família │ UNIDADE I

As metas internacionais estabelecidas pela OMS e pactuadas pelo governo brasileiro


são de descobrir 70% dos casos de tuberculose estimados e curá-los em 85%. A
tuberculose ainda é um sério problema da saúde pública, com profundas raízes sociais.
Está intimamente ligada à pobreza e à má distribuição de renda, além do estigma que
implica na não adesão dos portadores e/ou familiares/contactantes. O surgimento da
epidemia de AIDS e o aparecimento de focos de Tuberculose multirresistente agravam
ainda mais o problema da doença no mundo.

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose – PNCT está integrado na rede


de Serviços de Saúde. É desenvolvido por intermédio de um programa unificado,
executado em conjunto pelas esferas federal, estadual e municipal. Está subordinado a
uma política de programação das suas ações com padrões técnicos e assistenciais bem
definidos, garantindo desde a distribuição gratuita de medicamentos e outros insumos
necessários até ações preventivas e de controle do agravo. Isto permite o acesso universal
da população às suas ações.

A criação da Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS na estrutura do Ministério da


Saúde – MS veio reestruturar o combate à tuberculose uma vez que uniu todas as
ações de vigilância, controle e prevenção, possibilitando a integração entre os vários
programas.

Desde o lançamento, em 1996, do Plano Emergencial para o Controle da Tuberculose,


o Ministério da Saúde recomenda a implantação da Estratégia do Tratamento
Supervisionado – DOTS, formalmente oficializado em 1999 por intermédio do PNCT.
Esta estratégia continua sendo uma das prioridades para que o PNCT atinja a meta
de curar 85% dos doentes, diminuindo a taxa de abandono, evitando o surgimento de
bacilos resistentes e possibilitando um efetivo controle da tuberculose no país.

Além da adoção da estratégia do tratamento supervisionado1, o PNCT brasileiro


reconhece a importância de horizontalizar o combate à TB, estendendo-o para todos
os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS. Portanto, visa a integração do
controle da TB com a atenção básica, incluindo o Programa de Agentes Comunitários de
Saúde – PACS e o Programa de Saúde da Família – PSF para garantir a efetiva ampliação
do acesso ao diagnóstico e tratamento. Além disto, o PNCT enfatiza a necessidade
do envolvimento de Organizações Não Governamentais – ONGs e de parcerias
com organismos nacionais (Universidades, Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia) e internacionais de combate à TB. Por intermédio dessas colaborações e
parcerias, ao PNCT visa o sinergismo e à multiplicação do impacto de suas ações de
prevenção e controle da TB.
1 Tratamento supervisionado: é um dos cinco elementos que compõem a estratégia DOTS, recomendada pela OMS, quais sejam:
vontade política, garantia da baciloscopia, aquisição e distribuição regular de medicamentos, tratamento diretamente observado,
regular sistema de informação.

49
UNIDADE I │ programa saúde da família

Diabetes e Hipertensão
O acompanhamento e controle da Hipertensão Arterial – HA e Diabetes Mellitus – DM
no âmbito da atenção básica poderá evitar o surgimento e a progressão das complicações,
reduzindo o número de internações hospitalares devido a estes agravos, bem como a
mortalidade por doenças cardiovasculares.

A hipertensão arterial e a diabetes Mellitus são fatores de risco importantes que estão
associados à ocorrência das doenças do sistema cardiovascular, grupo de causas
responsável pelo maior número de óbitos na população total; as estimativas apontam
uma prevalência de 8% de diabetes Mellitus, e de 22% de Hipertensão Arterial nos
indivíduos acima de 40 anos de idade; e a reorganização da atenção aos segmentos
populacionais expostos ou portadores de hipertensão arterial e de diabetes Mellitus na
rede pública de serviços de saúde é, diante desse quadro, uma necessidade.

Foram estabelecidas as seguintes diretrizes para a reorganização da atenção aos


segmentos populacionais expostos e portadores de hipertensão Aaterial e de diabetes
Mellitus:

1. vinculação dos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS – portadores


de hipertensão arterial e de diabetes Mellitus a unidades básicas de saúde;

2. fomento à reorganização dos serviços de atenção especializada e


hospitalar para o atendimento dos casos que demandarem assistência de
maior complexidade;

3. aperfeiçoamento do sistema de programação, aquisição e distribuição de


insumos estratégicos para a garantia da resolubilidade da atenção aos
portadores de hipertensão arterial e de diabetes Mellitus;

4. intensificação e articulação das iniciativas existentes, no campo da


promoção da saúde, de modo a contribuir na adoção de estilos de vida
saudáveis;

5. promoção de ações de redução e controle de fatores de risco relacionados


à hipertensão e à diabetes;

6. definição de elenco mínimo de informações sobre a ocorrência desses


agravos, em conformidade com os sistemas de informação em saúde
disponíveis no País.

A população-alvo do Plano é a população brasileira acima de 18 anos. Para a detecção


dos suspeitos de HA e DM é priorizada a população de indivíduos com idade igual ou

50
programa saúde da família │ UNIDADE I

superior a 40 anos. A política prevê a identificação, cadastramento e vinculação dos


portadores de DM e HA às equipes de saúde da família. O cuidado deve garantir a
longitudinalidade do acompanhamento, o acesso aos medicamentos previstos pela
Política Nacional de Medicamentos, bem como a garantia de exames complementares e
o referenciamento a ambulatórios especializados e hospitais, no âmbito da referência/
contrarreferência.

Saúde da Criança

As ações de promoção à saúde, prevenção de agravos e de assistência à criança


pressupõem o compromisso de prover qualidade de vida para que a criança possa
crescer e desenvolver todo o seu potencial.

As linhas de cuidado prioritárias da Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento


Materno vêm ao encontro dos compromissos do Brasil com os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, com o Pacto de Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal, com o Pacto pela Saúde e com o Programa Mais Saúde.

Principais Eixos

Nascimento Saudável

Anticoncepção e concepção, prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças


sexualmente transmissíveis – DST/AIDS, saúde dos adolescentes, atenção ao pré-natal,
parto e puerpério, urgência, emergência materna e neonatal.

»» Menor de um ano:

Cuidados com o recém-nascido: “Primeira Semana Saúde Integral”

›› Acompanhamento do RN de risco.

›› Triagem neonatal.

›› Aleitamento materno.

›› Saúde coletiva em instituições de educação infantil.

›› Atenção às doenças prevalentes: desnutrição, diarreias, anemias


carenciais e doenças respiratórias.

51
UNIDADE I │ programa saúde da família

»» 7-10 anos:

›› Saúde coletiva em instituições de educação.

›› Atenção às doenças prevalentes: desnutrição, diarreias, anemias


carenciais, doenças respiratórias.

»» Principais estratégias de ação:

›› Vigilância à saúde pela equipe de atenção básica.

›› Vigilância da mortalidade materna e infantil.

›› Educação continuada das equipes de atenção à criança.

›› Organização de linhas de cuidado.

»» Linhas de cuidado:

›› Ações da saúde da mulher: atenção humanizada e qualificada.

›› Atenção humanizada e qualificada à gestante e ao recém-nascido.

›› Triagem neonatal: teste do pezinho.

›› Incentivo ao aleitamento materno.

›› Incentivo e qualificação do acompanhamento do crescimento e


desenvolvimento.

›› Alimentação saudável e prevenção do sobrepeso e obesidade infantil.

›› Combate à desnutrição e anemias carenciais.

›› Imunização.

›› Atenção às doenças prevalentes.

›› Atenção à saúde bucal.

›› Atenção à saúde mental.

›› Prevenção de acidentes, maus-tratos/violência e trabalho infantil.

›› Atenção à criança portadora de deficiência.

52
programa saúde da família │ UNIDADE I

»» Atenção integral à saúde da mulher:

Foram estabelecidas como prioridades para a integralidade da saúde da


mulher.

›› Promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e adolescentes.

›› Prevenir e tratar os agravos decorrentes da violência doméstica e


sexual.

›› Reduzir a morbimortalidade por DST/AIDS na população feminina.

›› Reduzir a morbimortalidade por câncer na população feminina.

›› Ampliar e qualificar a atenção integral à saúde de grupos da população


feminina, ainda não considerados devidamente nas políticas públicas:
trabalhadoras rurais, mulheres negras, na menopausa e na terceira
idade, com deficiência, lésbicas, indígenas e presidiárias. Além disso,
promover a saúde mental das mulheres, com enfoque de gênero.

›› Fortalecer a participação e o controle social.

Saúde do Idoso

É a política que objetiva, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), garantir atenção
integral à saúde da população idosa, enfatizando o envelhecimento familiar, saudável e
ativo e fortalecendo o protagonismo dos idosos no Brasil, segundo a Portaria no 2.528,
de 19 de outubro de 2006.

53
UNIDADE I │ programa saúde da família

São diretrizes importantes para a atenção integral à saúde do idoso.

»» promoção do envelhecimento ativo e saudável.

»» manutenção e reabilitação da capacidade funcional.

»» apoio ao desenvolvimento de cuidados informais.

O envelhecimento ativo e saudável compreende ações que promovem modos de viver


favoráveis à saúde e à qualidade de vida, orientados pelo desenvolvimento de hábitos
como: alimentação adequada e balanceada, prática regular de exercícios físicos,
convivência social estimulante, busca de atividades prazerosas e/ou que atenuem o
estresse, redução dos danos decorrentes do consumo de álcool e tabaco e diminuição
significativa da auto-medicação. Promover o envelhecimento ativo e saudável significa,
entre outros fatores, valorizar a autonomia e preservar a independência física e psíquica
da população idosa, prevenindo a perda de capacidade funcional ou reduzindo os efeitos
negativos de eventos que a ocasionem. Além disso, garantir acesso a instrumentos
diagnósticos adequados, a medicação e a reabilitação funcional. É importante qualificar
os serviços de saúde para trabalhar com aspectos específicos da saúde da pessoa idosa
(como a identificação de situações de vulnerabilidade social, a realização de diagnóstico
precoce de processos demenciais, a avaliação da capacidade funcional etc.). O sistema
formal de atenção à saúde precisa atuar intersetorialmente e, também, como parceiro
da rede de suporte social da pessoa idosa (sistema de apoio informal), auxiliando na
otimização do suporte familiar e comunitário e fortalecendo a formação de vínculos de
co-responsabilidade. Cabe, portanto, à gestão municipal da saúde desenvolver ações que
objetivem a construção de uma atenção integral à saúde dos idosos em seu território. No
âmbito municipal, é fundamental organizar as equipes de Saúde da Família e a atenção
básica, incluindo a população idosa em suas ações (por exemplo: atividades de grupo,
promoção da saúde, hipertensão arterial e diabetes Mellitus, sexualidade, DST/AIDS).
Seus profissionais devem estar sensibilizados e capacitados a identificar e atender às
necessidades de saúde dessa população.

Não só a população brasileira está envelhecendo, mas a proporção da população “mais


idosa”, ou seja, a de 80 anos ou mais de idade, também está aumentando, alterando a
composição etária dentro do próprio grupo. Significa dizer que a população idosa também
está envelhecendo (CAMARANO et al, 1999). Em 2000, esse segmento representou
12,6% do total da população idosa brasileira. Isso leva a uma heterogeneidade do
segmento idoso brasileiro, havendo no grupo pessoas em pleno vigor físico e mental e
outras em situações de maior vulnerabilidade (CAMARANO et al, 2004).

54
programa saúde da família │ UNIDADE I

Saúde Bucal

A Política Nacional de Saúde Bucal apresenta, como principais linhas de ação, a


viabilização da adição de flúor a estações de tratamento de águas de abastecimento
público, a reorganização da Atenção Básica (especialmente por meio da Estratégia Saúde
da Família) e da Atenção Especializada (por meio, principalmente, da implantação
de Centros de Especialidades Odontológicas e Laboratórios Regionais de próteses
dentárias).

As ações de saúde bucal devem se inserir na estratégia planejada pela equipe de saúde
numa inter-relação permanente com as demais ações da Unidade de Saúde.

As ações de proteção à saúde podem ser desenvolvidas no nível individual e/ou coletivo.
Devem incluir a garantia de acesso a escovas e pastas fluoretadas, como também
procedimentos coletivos como as ações educativopreventivas realizadas no âmbito das
unidades de saúde (trabalho da equipe de saúde junto aos grupos de idosos, hipertensos,
diabéticos, gestantes, adolescentes, saúde mental, planejamento familiar e sala de
espera), nos domicílios, grupos de rua, escolas, creches, associações, clube de mães ou
outros espaços sociais, oferecidos de forma contínua, que devem compreender:

»» Fluoretação das Águas.

»» Educação em Saúde com atividades que podem ser desenvolvidas pelo


Cirurgião-Dentista (CD), Técnico em Higiene Dental (THD), Auxiliar
de Consultório Dentário (ACD) e Agente Comunitário de Saúde (ACS)
especialmente durante as visitas domiciliares.

»» Higiene Bucal Supervisionada.

»» Aplicação Tópica de Flúor.

»» Ações de Recuperação – destaca-se que o tratamento deve priorizar


procedimentos conservadores — entendidos como todos aqueles
executados para manutenção dos elementos dentários — invertendo a
lógica que leva à mutilação, hoje predominante nos serviços públicos.

»» Ações de Reabilitação.

À atenção básica compete assumir a responsabilidade pela detecção das necessidades,


providenciar os encaminhamentos requeridos em cada caso e monitorar a evolução
da reabilitação, bem como acompanhar e manter a reabilitação no período de pós-
tratamento. Para tanto recomenda-se a organização e desenvolvimento de ações de:

55
UNIDADE I │ programa saúde da família

›› prevenção e controle do câncer bucal;

›› implantação e aumento da resolutividade do pronto-atendimento;

›› inclusão de procedimentos mais complexos na atenção básica;

›› inclusão da reabilitação protética na atenção básica;

›› ampliação do acesso.

Na última década, o Brasil avançou muito na prevenção e no controle da


cárie em crianças. Contudo, a situação de adolescentes, adultos e idosos está
entre as piores do mundo. E mesmo entre as crianças, problemas gengivais e
dificuldades para conseguir atendimento odontológico persistem. Para mudar
esse quadro, o Governo Federal criou a política Brasil Sorridente, que reúne
uma série de ações em saúde bucal, voltadas para cidadãos de todas as idades.

Nesse sentido, a Política Brasil Sorridente propõe garantir as ações de


promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, entendendo
que esta é fundamental para a saúde geral e a qualidade de vida da população.
Ela está articulada a outras políticas de saúde e demais políticas públicas, de
acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS.

No âmbito da assistência, as diretrizes da Política Brasil Sorridente apontam,


fundamentalmente, para a ampliação e qualificação da atenção básica,
possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de mais serviços,
assegurando atendimentos nos níveis secundário e terciário de modo a buscar
a integralidade da atenção, além da equidade e a universalização do acesso às
ações e serviços públicos de saúde bucal.

Promoção da Saúde

A Promoção da Saúde é um dos eixos centrais do SUS para a construção de uma


abordagem integral do processo saúde-doença. O Ministério da Saúde, em setembro
de 2005, definiu a Agenda de Compromisso pela Saúde que agrega três eixos: o Pacto
em Defesa do Sistema Único de Saúde – SUS, o Pacto em Defesa da Vida e o Pacto de
Gestão.

O Pacto pela Vida constitui um conjunto de compromissos sanitários que deverão


se tornar prioridades inequívocas dos três entes federativos, com definição das
responsabilidades de cada um.

56
programa saúde da família │ UNIDADE I

A publicação da Política Nacional de Promoção da Saúde, em 2006, veio ratificar o


compromisso do Ministério da Saúde na ampliação e qualificação das ações de promoção
da saúde nos serviços e na gestão do Sistema Único de Saúde. Prevê estratégias para
melhorar a qualidade de vida da população, por meio do trabalho integrado entre os
três níveis de gestão do SUS, envolvendo usuários, movimentos sociais e trabalhadores
do setor.

As ações incentivam a alimentação saudável, a prática de atividade física, o controle do


tabagismo, a redução do uso abusivo de álcool e outras drogas, a prevenção da violência
e estímulo à cultura de paz, a redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito e
o desenvolvimento sustentável.

57
epidemiologia Unidade ii

Capítulo 1
Introdução à Epidemiologia: Processo
Saúde-Doença e História Natural da
Doença

Antes de abordar a ciência da Epidemiologia, é preciso retomar o conceito da História


Natural da doença e do processo saúde-doença.

Para prosseguir é fundamental que a saúde seja entendida em seu sentido mais amplo,
como componente da qualidade de vida. Assim, não é um “bem de troca”, mas um “bem
comum”, um bem e um direito social, em que cada um e todos possam ter assegurados o
exercício e a prática do direito à saúde, a partir da aplicação e utilização de toda a riqueza
disponível, conhecimentos e tecnologia desenvolvidos pela sociedade nesse campo,
adequados às suas necessidades, abrangendo promoção e proteção da saúde, prevenção,
diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças. Em outras palavras, é preciso
considerar esse bem e esse direito como componente e exercício da cidadania, que é um
referencial e um valor básico a ser assimilado pelo poder público para o balizamento e
orientação de sua conduta, decisões, estratégias e ações.

O importante é saber reconhecer essa abrangência e complexidade: saúde-doença


não são estados estanques, isolados, de causação aleatória – não se está com saúde
ou doença por acaso. Há uma determinação permanente, um processo causal, que se
identifica com o modo de organização da sociedade. Daí se dizer que há uma “produção
social da saúde e/ou da doença”.

O processo saúde-doença representa o conjunto de relações e variáveis que produz e


condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos
momentos históricos do desenvolvimento científico da humanidade. Na evolução de
seu conceito, verificou-se a incapacidade e insuficiência da “unicausalidade” (exemplo
do pensamento biomédico, que focava o agente etiológico) em explicar a ocorrência de

58
epidemiologia │ UNIDADE II

uma série de agravos à saúde. Já a partir dos meados deste século, uma série de estudos
e conhecimentos provindos principalmente da epidemiologia social esclarece melhor a
determinação e a ocorrência das doenças em termos individuais e coletivo. O fato é que
se passa a considerar saúde e doença como estados de um mesmo processo, composto
por fatores biológicos, econômicos, culturais e sociais. Desse modo, surgiram vários
modelos de explicação e compreensão da saúde, da doença e do processo saúde-doença,
como o modelo epidemiológico baseado nos três componentes – agente, hospedeiro e
meio – hoje objetos de análise no contexto da multicausalidade.

A história natural da doença é o nome dado ao conjunto de processos interativos


compreendendo “as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que
afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o
estímulo patológico no meio ambiente, ou qualquer outro lugar, passando pela resposta
do homem ao estímulo até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação
ou morte” (LEAVELL; CLARK,1976). Com base na identificação de tais momentos
específicos da história natural das doenças têm sido estabelecidos diferentes níveis de
intervenção em saúde.

Há portanto, grupos que exigem ações e serviços de natureza e complexidade variada.


Isso significa que o objeto do sistema de saúde deve ser entendido como as condições de
saúde das populações e seus determinantes, ou seja, o seu processo de saúde-doença,
visando produzir progressivamente melhores estados e níveis de saúde dos indivíduos

59
UNIDADE II │ epidemiologia

e das coletividades, atuando articulada e integralmente nas prevenções primária,


secundária e terciária, com redução dos riscos de doença, sequelas e óbito.

Para garantir a integralidade é necessário operar mudanças na produção do cuidado,


a partir da rede básica, secundária, atenção à urgência e todos os outros níveis
assistenciais, incluindo a polêmica atenção hospitalar.

Na perspectiva da Saúde da Família, o conhecimento do processo saúde-doença e


da história natural da doença deve contribuir para a redução de encaminhamentos
desnecessários a especialistas, com a definição melhor fundamentada do momento
exato para que eles ocorram. Imaginamos portanto que a integralidade começa pela
organização dos processos de trabalho na atenção básica, onde, como já exaustivamente
abordamos, a assistência deve ser multiprofissional, operando por meio de diretrizes
como a do acolhimento e vinculação de clientela, e onde a equipe se responsabiliza pelo
seu cuidado. Este é exercido a partir dos diversos campos de saberes e práticas, onde se
associam os da vigilância à saúde e dos cuidados individuais.

Na atenção integral todos os recursos disponíveis devem ser integrados por fluxos
que são direcionados de forma singular, guiados pelo projeto terapêutico do usuário.
Estes fluxos devem ser capazes de garantir o acesso seguro às diferentes tecnologias
necessárias à assistência, conferindo maior resolutividade às ações, ao intervir no nível
de atenção adequado à resolução do problema. Trabalha-se com a imagem de uma linha
de produção do cuidado, que parte da rede básica para os diversos níveis assistenciais.

Assim, é esperado que as equipes de saúde da família sintam-se amparadas sobre


informações consistentes sobre o estado de saúde da população por elas assistidas, para
que possam definir suas linhas de cuidado com base no princípio da integralidade.

Para que isso aconteça, torna-se fundamental que se utilize os instrumentos da Ciência
da Epidemiologia, que será abordada.

A palavra “epidemiologia” deriva do grego (epi = sobre; demos = população, povo;


logos = estudo). Portanto, em sua etimologia, significa “estudo do que ocorre em uma
população”.

Com a ampliação de sua abrangência e complexidade, a Epidemiologia, segundo


Almeida Filho e Rouquayrol (1992), também tem seu conceito ampliado. É descrita
como a ciência que estuda o processo saúde-doença na sociedade, analisando a
distribuição populacional e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde
e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção,

60
epidemiologia │ UNIDADE II

controle ou erradicação de doenças e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao


planejamento, administração e avaliação das ações de saúde.

Ou seja, diferentemente da Clínica, que estuda o processo saúde/doença em indivíduos,


com o objetivo de tratar e curar casos isolados, a Epidemiologia se preocupa com o
processo de ocorrência de doenças, mortes, quaisquer outros agravos ou situações de
risco à saúde da comunidade, ou em grupos dessa comunidade, com o objetivo de propor
estratégias que melhorem o nível de saúde das pessoas que compõem essa comunidade.

Como vimos, para o planejamento das ações de uma equipe de Saúde da Família faz-se
necessário o conhecimento do diagnóstico coletivo da população atendida. Da mesma
forma que o diagnóstico clínico possui ferramentas próprias (história clínica, exame
físico e laboratorial), o diagnóstico coletivo também requer uma sequência organizada
de procedimentos, com ferramentas específicas de trabalho.

Até o início do século XX, os estudos epidemiológicos enfocavam principalmente as


doenças infecciosas, pois eram essas as principais causas de morbidade e mortalidade na
população. A partir de meados do século XX, com a mudança do perfil epidemiológico de
grande parte das populações, os estudos epidemiológicos passaram também a enfocar
outros tipos de doenças, agravos e eventos, como as doenças não infecciosas (câncer,
doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho respiratório, por exemplo),
os agravos e lesões resultantes de causas externas (acidentes de trânsito, doenças e
acidentes de trabalho, homicídios, envenenamentos etc.), os desvios nutricionais
(desnutrição, anemia, obesidade etc.) e os fatores de risco para ocorrência de doenças
ou mortes (tabagismo, hipercolesterolemia, baixo peso ao nascer etc.

Destacam-se quatro grandes campos de possibilidades de utilização da epidemiologia


nos serviços de saúde (CASTELLANOS, 1994):

»» na busca de explicações (causas ou fatores de risco) para a ocorrência


de doenças, com utilização predominante dos métodos da epidemiologia
analítica;

»» nos estudos da situação de saúde (que doenças ocorrem mais na


comunidade? Há grupos mais suscetíveis? Há relação com o nível social
dessas pessoas? A doença ou agravo ocorre mais em determinado período
do dia, ano?);

»» na avaliação de tecnologias, programas ou serviços (houve


redução dos casos de doença ou agravo após introdução de um programa?

61
UNIDADE II │ epidemiologia

A estratégia de determinado serviço é mais eficaz do que a de outro? A


tecnologia “A” fornece mais benefícios do que a tecnologia “B”?);

»» na vigilância epidemiológica (que informação devemos coletar,


observar? Que atitudes tomar para prevenir, controlar ou erradicar a
doença?).

Segundo Castellanos (1994), esses quatro campos não se desenvolveram de forma


uniforme na América Latina e mesmo os campos mais usados pelos serviços de saúde
(estudos da situação de saúde e vigilância epidemiológica) ainda têm recebido pouca
atenção, com pouca possibilidade de interferência nas decisões a respeito da organização
dos serviços.

62
Capítulo 2
Vigilância e Investigação
Epidemiológica

Em Saúde Pública, epidemiologia é a área de conhecimento que proporciona as bases


de sustentação e avaliação das medidas de controle, favorece o diagnóstico das doenças
e facilita a construção e a verificação de hipóteses de causalidade. Por meio do método
epidemiológico, é possível estudar a frequência, a distribuição e os determinantes dos
eventos relacionados à saúde. Objetiva conhecer e mapear o perfil de saúde-doença
nas coletividades humanas. A vigilância epidemiológica é uma das aplicações da
epidemiologia.

A vigilância epidemiológica foi introduzida oficialmente no Brasil, como atividade dos


serviços de saúde, durante a campanha de erradicação da varíola, no início da década
de 1970. O Ministério da Saúde procurou organizar em todos os estados, as Unidades
de Vigilância Epidemiológica – UVE, com a função de organizar um sistema eficiente
de notificação semanal, com vistas à adoção de medidas adequadas para controlar as
doenças.

Em 1975, em meio a uma grave crise sanitária no país, com epidemia de Meningite,
aumento da mortalidade infantil e grande aumento dos acidentes de trabalho, é
promulgada a Lei no 6.259, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de
Saúde, estabelecendo um conjunto de princípios racionalizadores que define o papel
dos órgãos de saúde, suas atribuições e organização.

São definidas como atividades da vigilância epidemiológica a coleta e consolidação dos


dados; a investigação epidemiológica; a interpretação de dados e análise de informação;
a recomendação e adoção de medidas de controle; a avaliação do sistema de vigilância
epidemiológica; e a retroalimentação e divulgação de informações.

A Vigilância Epidemiológica tem como fontes de informação básica para seu sistema a
notificação compulsória de doenças; as declarações de atestados de óbitos; os estudos
epidemiológicos realizados pelas autoridades sanitárias; as notificações de agravos
inusitados e as das demais doenças que, pela ocorrência de casos julgados anormais,
sejam de interesse para a tomada de medidas de caráter coletivo. Os dados alimentam
o Sinan, importante sistema de informação eletrônico, desenvolvido entre 1990 e 1993
para melhorar a qualidade do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, e que
tem como objetivo coletar, transmitir e disseminar dados gerados na rotina do sistema
de vigilância epidemiológica das três esferas de governo, fornecer informações para

63
unidAdE ii │ EPidEmiologiA

análise do perfil da morbidade e, consequentemente, facilitar a formulação e avaliação


das políticas, planos e programas de saúde, subsidiando o processo de tomada de
decisões.

Outros sistemas de informação utilizados na Vigilância Epidemiológica são: o


Sistema de Avaliação do Programa de Imunização (SI-API); o Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM); o Sistema de Informações sobre
Nascidos Vivos (Sinasc); o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab)
Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS); o Sistema de Informação
de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Siságua); o
Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA).

Em relação à legislação, cabe destacar:

Art. 8o É dever de todo cidadão comunicar à autoridade sanitária local


a ocorrência de fato, comprovado ou presumível, de caso de doença
transmissível, sendo obrigatória a médicos e outros profissionais
de saúde, no exercício da profissão, bem como aos responsáveis por
organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e
ensino, a notificação de casos suspeitos ou confirmados de doenças e
agravos.

Art. 9o É obrigatório proceder a investigação epidemiológica pertinente


à elucidação do diagnóstico e tomar medidas de controle cabíveis, no
caso das doenças do elenco de Doenças de Notificação Compulsória
(DNC).

Notificação compulsória consiste na comunicação obrigatória à autoridade


sanitária da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde ou surto, feita
por profissional de saúde ou qualquer cidadão, visando à adoção das medidas
de intervenção pertinentes.

Notificação negativa é a notificação da não ocorrência de doenças de notificação


compulsória na área de abrangência da unidade de saúde; demonstra que o
sistema de vigilância e os profissionais da área estão alertas para a ocorrência
de tais eventos.

A listagem das doenças de notificação compulsória em nível nacional é estabelecida pelo


Ministério da Saúde, entre as consideradas de maior relevância sanitária para o País; é
atualizada sempre que a situação epidemiológica exigir. Estados e municípios podem

64
epidemiologia │ UNIDADE II

adicionar à lista outras patologias de interesse regional ou local, desde que justificada a
sua necessidade e definidos os mecanismos operacionais correspondentes.

Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória

7. botulismo

8. carbúnculo ou “antraz”

9. cólera

10. coqueluche

11. dengue

12. difteria

13. doença de Creutzfeldt-Jacob

14. doença de Chagas (casos agudos)

15. doença meningocócica e outras meningites

16. esquistossomose (em área não endêmica)

17. eventos adversos pós-vacinação

18. febre amarela

19. febre maculosa

20. febre do Nilo Ocidental

21. febre tifóide

22. hanseníase

23. hantaviroses

24. hepatites virais

25. infecção pelo vírus da imunodeficência humana (HIV) em gestantes e


crianças expostas ao risco de transmissão vertical

26. leishmaniose tegumentar americana

27. leishmaniose visceral

65
UNIDADE II │ epidemiologia

28. leptospirose

29. malária

30. meningite por Haemophilus Influenzae

31. peste

32. poliomielite

33. paralisia flácida aguda

34. raiva humana

35. rubéola

36. síndrome da rubéola congênita

37. sarampo

38. .sífilis congênita

39. sífilis em gestante

40. síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)

41. síndrome febril íctero-hemorrágica aguda

42. síndrome respiratória aguda grave

43. tétano

44. tularemia

45. tuberculose

46. varíola

São agravos de notificação imediata via fax, telefone ou e-mail, além da digitação
e transferência imediata, por meio magnético, por meio do Sinan.

»» Casos suspeitos de:

botulismo; carbúnculo ou “antraz”; cólera; febre amarela; febre do nilo


ocidental; hantavirose; peste; raiva humana; síndrome febril íctero-
hemorrágica aguda; síndrome respiratória aguda grave; varíola; tularemia.

66
epidemiologia │ UNIDADE II

»» Casos confirmados de:

poliomielite; sarampo; tétano neonatal.

São ainda agravos de notificação imediata os casos de surto ou agregação de


óbitos por:

»» agravos inusitados;

»» difteria;

»» doença de Chagas aguda;

»» doença meninocócica;

»» influenza humana.

As ações da Vigilância podem ter os seguintes objetivos.

Erradicação: cessação de toda a transmissão da infecção pela extinção artificial da


espécie do agente em questão no planeta; pressupõe a ausência completa de risco de
reintrodução da doença, de forma a permitir a suspensão de toda e qualquer medida de
prevenção ou controle.

Eliminação ou erradicação regional: é a suspensão da transmissão de determinada


infecção em ampla região geográfica ou jurisdição geopolítica.

Controle: quando aplicado a doenças transmissíveis e algumas não transmissíveis,


implica operações ou programas desenvolvidos com o objetivo de reduzir sua incidência
e/ou prevalência a níveis muito baixos.

A investigação epidemiológica deve ser iniciada imediatamente, após a notificação.


Seus objetivos principais são os seguintes:

1. Identificar fonte e modo de transmissão.

2. Identificar grupos expostos a maior risco.

3. Identificar fatores determinantes.

4. Confirmar o diagnóstico.

5. Determinar as principais características epidemiológicas.

O propósito final da investigação epidemiológica é orientar medidas de controle e


impedir a ocorrência de novos casos. Deve ser realizada para esclarecimento de casos,
67
UNIDADE II │ epidemiologia

de óbitos, de surtos ou de epidemias e constitui atividade obrigatória do Sistema de


Vigilância Epidemiológica – SVE. A investigação epidemiológica deve ser realizada
sempre que ocorrer: doença de notificação compulsória; número de casos que exceda à
frequência habitual; fonte comum de infecção; evolução severa; doença desconhecida
na região.

Indicadores de Saúlde e Sistematização da


Informação
Após os cuidados a serem observados quanto à qualidade e cobertura dos dados de
saúde, é preciso transformar esses dados em indicadores que possam servir para
comparar o observado em determinado local com o observado em outros locais ou com
o observado em diferentes tempos. Portanto, a construção de indicadores de saúde é
necessária para:

»» analisar a situação atual de saúde;

»» fazer comparações;

»» avaliar mudanças ao longo do tempo.

Por ser muito difícil mensurar a saúde, mede-se a “não saúde”, ou seja, as doenças
e agravos (morbidade), as mortes (mortalidade), as incapacidades físicas e mentais
(sequelas); mede-se, também, as variáveis relacionadas a processos fisiológicos (como a
gravidez), hábitos e estilo de vida (exercícios físicos, dietas saudáveis etc.), entre outros.

Os indicadores de saúde, tradicionalmente, têm sido construídos por meio de números.


Em geral, números absolutos de casos de doenças ou mortes não são utilizados para
avaliar o nível de saúde, pois não levam em conta o tamanho da população. Dessa forma,
os indicadores de saúde são construídos por meio de razões (frequências relativas), sob
forma de coeficientes ou taxas, ou ainda sob a forma de proporção.

Coeficiente ou taxa

É a relação entre o número de eventos reais e os que poderiam acontecer, sendo a


única medida que informa quanto ao “risco” de ocorrência de um evento. Por exemplo:
número de óbitos por leptospirose no Rio de Janeiro, em relação às pessoas que residem
ou residiam nessa cidade, no ano ou período considerado.

68
epidemiologia │ UNIDADE II

Proporção

É a relação entre frequências atribuídas de determinado evento; no numerador, registra-


se a frequência absoluta do evento, que constitui subconjunto da frequência contida
no denominador. Por exemplo: número de óbitos por doenças cardiovasculares, em
relação ao número de óbitos em geral.

Razão

É a medida de frequência de um grupo de eventos relativa à frequência de outro


grupo de eventos. É um tipo de fração em que o numerador não é um subconjunto do
denominador. Por exemplo: razão entre o número de casos de aids no sexo masculino e
o número de casos de Aids no sexo feminino.

Indicadores mais utilizados em Saúde Coletiva:

Os coeficientes mais utilizados na área da saúde baseiam-se em dados sobre doenças


(morbidade) e sobre eventos vitais (nascimentos e mortes).

»» Indicadores de mortalidade

Mortalidade é uma propriedade natural das comunidades dos seres vivos.


Refere-se ao conjunto dos indivíduos que morrem em um dado intervalo de
tempo e em um dado espaço. O risco ou probabilidade que qualquer pessoa
na população apresenta de vir a morrer, em decorrência de uma doença, é
calculado pela taxa ou coeficiente de mortalidade. Ela representa a intensidade
com que os óbitos por uma determinada doença ocorrem em uma certa
população.

Indicadores como os de mortalidade geral, mortalidade infantil, mortalidade


materna e mortalidade por doenças transmissíveis, são muito utilizados para
avaliar o nível de saúde de uma população.

Entre as vantagens dos dados de mortalidade sobre os de morbidade, destaca-


se a sua maior disponibilidade, a partir do registro obrigatório (por lei) de
todos os óbitos, para a maioria dos países, proporcionando análise de séries
históricas (tendência de determinada causa de óbito, por exemplo), além de
sua característica de evento que ocorre uma só vez, ao contrário dos episódios
de doenças.

Entre suas limitações, é importante destacar que a informação sobre


mortalidade cobre apenas uma porção da população doente e uma parcela
menor ainda da população total.
69
UNIDADE II │ epidemiologia

Além disso, há, geralmente, um longo período de tempo entre o início da doença
e a morte, com exceção de algumas doenças infecciosas agudas e de acidentes
ou violências. Outro fator limitante é que as estatísticas de mortalidade
trabalham, geralmente, como uma única causa de morte (causa básica),
quando, na realidade, a morte é um fenômeno causado por múltiplos fatores.
Finalmente, é importante salientar que os diagnósticos de causa de morte
dependem de diversos aspectos, como a disponibilidade de pessoal preparado,
recursos para diagnósticos precisos e acesso adequado aos serviços de saúde,
o que nem sempre acontece, principalmente em países subdesenvolvidos.

Torna-se imprescindível levar-se em conta a qualidade dos dados e a cobertura


do sistema de informação, tanto em nível nacional, como local, para evitar
conclusões equivocadas.

Exemplificando: se numa determinada cidade o acesso ao serviço de saúde é


maior, com maior possibilidade de realização do diagnóstico correto e, se o
médico preenche adequadamente a declaração de óbito, a taxa de mortalidade
específica por uma determinada doença (diabetes mellitus, por exemplo) pode
ser maior do que em outra localidade, onde esta doença não é adequadamente
diagnosticada ou que apresente problemas no preenchimento da declaração
de óbito.

»» Taxa de Mortalidade Geral (TMG): mede o risco de morte por todas


as causas em uma população de um dado local e período.

Número de óbitos em um dado período X 1.000.

População no mesmo local e período.

»» Taxa de Mortalidade Infantil (TMI): mede o risco de morte para


crianças menores de um ano de um dado local e período.

Número de óbitos em menores de um ano, em um dado local e período X


1.000.

Número de nascidos vivos no mesmo local e período.

»» Taxa de Mortalidade Infantil Precoce (TMIP – neonatal): mede


o risco de morte para crianças menores de 28 dias.

Número de óbitos em menores de 28 dias, em um dado local e período X 1.000.

Número de nascidos vivos no mesmo local e período.

70
epidemiologia │ UNIDADE II

»» Taxa de Mortalidade Infantil Tardia (TMIT): mede o risco de


morte para crianças com idade entre 28 dias e um ano.

Número de óbitos de crianças entre 28 dias e menores de um ano, em um


dado local e período X 1.000.

Número de nascidos vivos no mesmo local e período.

»» Razão de Mortalidade Materna (RMM): mede o risco de morte


materna.

Número de mortes maternas, em um dado local e período X 100.000.

Número de nascidos vivos no mesmo local e período.

»» Taxa de Mortalidade por Causa (TMC): mede o risco de morte por


determinada causa, num dado local e período. No denominador deve
constar a população exposta ao risco de morrer por essa mesma causa.

Número de óbitos por doença ou causa em um dado local e período X 10.

População exposta ao risco.

»» Taxa de Letalidade (TL): é uma proporção que mede o poder da doença


em determinar a morte e também pode informar sobre a qualidade da
assistência médica prestada ao doente.

Número de óbitos de determinada doença ou causa em um local e período X


100.

Número de casos da doença no mesmo local e período.

»» Razão de Mortalidade Proporcional (RMP)2 ou Indicador de


Swaroop-Uemura: mede a proporção de óbitos de pessoas com 50
anos ou mais em relação ao total de óbitos em um dado local e período.

Número de óbitos em menores de um ano, em um dado local e período X


1.000.

Número de nascidos vivos no mesmo local e período.

Para facilitar e permitir a comparação entre as taxas, tanto as de mortalidade


quanto as de morbidade, calculadas para diferentes locais ou para o mesmo
local em diferentes períodos de tempo, utiliza-se, sempre, uma base comum

71
UNIDADE II │ epidemiologia

(100, 1.000, 10.000, 100.000, 1.000.000) que representa uma potência de 10


(10n). Essa potência de 10 é escolhida de forma a tornar os números obtidos o
mais próximo possível de números inteiros. Por convenção, nos coeficientes de
mortalidade geral e infantil, a base é 1.000; e quando se trata de mortalidade
por causa, a base mais adequada é 105 = 100.000. A taxa de letalidade se
expressa, sempre, em porcentagem.

»» Coeficiente de Mortalidade por Doenças Transmissíveis: é


uma estimativa do risco da população morrer por doenças infecciosas
e parasitárias (tuberculose, tétano, diarréia infecciosa, AIDS etc.),
classificadas atualmente no Capítulo I da CID-10. Quanto mais elevado
o resultado deste coeficiente, piores as condições de vida. É dado pela
equação:

›› óbitos devidos a doenças infecciosas e parasitárias (DIP) x 100.000;

›› população estimada para o meio do ano na mesma área.

Observar a qualidade da informação específica, na análise do ano, ou, principalmente,


em séries temporais, é indispensável, pois muitas vezes essas causas específicas não
vêm sendo adequadamente descritas nas declarações de óbito, o que leva a coeficientes
subestimados.

»» Indicadores de morbidade

›› Taxa de Incidência

A incidência [Taxa de Incidência (TI)] é o número de casos novos de uma


doença em um dado local e período, relativo a uma população exposta.
Reflete a intensidade com que acontece uma doença em uma população
e, dessa maneira, mede a frequência ou probabilidade de ocorrência de
casos novos dessa doença na população. Alta incidência significa alto risco
coletivo de adoecer.

Número de casos novos de uma doença em um local e período X 10n.

População do mesmo local e período.

›› Taxa de Prevalência

A prevalência indica qualidade daquilo que prevalece. Portanto, prevalência


implica acontecer e permanecer existindo em um momento considerado.

72
epidemiologia │ UNIDADE II

A Taxa de Prevalência (TP) é mais utilizada para doenças crônicas de longa


duração, como hanseníase, tuberculose, AIDS e diabetes. Casos prevalentes
são os que estão sendo tratados (casos antigos) mais aqueles que foram
descobertos ou diagnosticados (casos novos). Portanto, a prevalência é o
número total de casos de uma doença, novos e antigos, existentes em um
determinado local e período. A prevalência, como ideia de acúmulo, de
estoque, indica a força com que subsiste a doença na população.

Taxas de prevalência são valiosas para o planejamento em função do


conhecimento do número de doentes existentes na comunidade. Para fins
epidemiológicos (identificação de fatores de risco, por exemplo), as medidas
de incidência são mais efetivas.

Número de casos (novos e antigos) de uma doença em um local e período


X 10n.

População do mesmo local e período.

›› Taxa de Ataque (TA)

Essa taxa, sempre expressa em percentagem, nada mais é do que uma forma
especial de incidência.

É usada quando se investiga um surto de uma determinada doença em


um local onde há uma população bem definida, como residência, creche,
escola, quartel, colônia de férias, grupo de pessoas que participou de um
determinado evento como um almoço etc. Essas pessoas formam uma
população especial exposta ao risco de adquirir a referida doença em um
período de tempo bem definido.

Número de casos da doença, em um local e período x 100.

População exposta ao risco.

›› Distribuição Proporcional (DP)

A distribuição proporcional indica, do total de casos ocorridos por uma


determinada causa, quantos ocorreram, por exemplo, entre homens e
quantos entre mulheres, ou quantos ocorreram nos diferentes grupos de
idade. O resultado, sempre, é expresso em porcentagem. A distribuição
proporcional não mede o risco de adoecer ou morrer, como no caso das
taxas; apenas indica como se distribuem os casos entre as pessoas afetadas,
por grupos etários, sexo, localidade e outras variáveis.
73
UNIDADE II │ epidemiologia

›› Cobertura Vacinal (CV)

A cobertura vacinal é o percentual da população que foi atingida pela


vacinação em um determinado espaço de tempo (anual, semestral, mensal
ou durante uma campanha), em uma determinada área geográfica. No
numerador, registra-se o número de vacinados que corresponde ao número
de pessoas com o esquema básico completo da vacina em questão.

O impacto epidemiológico causado pela vacina dependerá, principalmente,


das taxas de cobertura vacinal e de sua homogeneidade. Com dados de
cobertura, pode-se concluir, entre outros aspectos, sobre:

·· o acesso da população ao serviço [cobertura de BCG, primeiras


doses da tetravalente (difteria, tétano, coqueluche mais hemófilos),
poliomielite, hepatite B];

·· o grau de aceitação da comunidade ao programa de vacinação


(cobertura de 3ª dose da tetravalente, das vacinas de poliomielite
e de hepatite B, cobertura da vacina de sarampo, cobertura de
reforço);

·· a eficiência do serviço (taxa de abandono da vacina contra


poliomielite, da tetravalente, da vacina da hepatite B).

Número de 3a dose de vacinas Sabin em menores de um ano X 100.

Número total da população menor de um ano (hab.).

Sistematização da Informação em Saúde

Os dados de importância para a análise de situação de saúde são inúmeros e de fontes


diversas. Poderíamos destacar, por exemplo, os dados sobre a população (número de
habitantes, idade, sexo, raça etc.), os dados sócio-econômicos (renda, ocupação, classe
social, tipo de trabalho, condições de moradia e alimentação), os dados ambientais
(poluição, abastecimento de água, tratamento de esgoto, coleta e disposição do lixo), os
dados sobre serviços de saúde (hospitais, ambulatórios, unidades de saúde, acesso
aos serviços), os dados de morbidade (doenças que ocorrem na comunidade) e os
eventos vitais (óbitos, nascimentos vivos e mortos, principalmente).

Alguns desses dados (morbidade e eventos vitais) são gerados a partir do próprio
setor saúde, de forma contínua, constituindo sistemas de informação nacionais,
administrados pelo Ministério da Saúde. No Brasil, há, atualmente, seis grandes

74
epidemiologia │ UNIDADE II

bancos de dados nacionais, continuamente alimentados: o Sistema de Informação


sobre Mortalidade (SIM); o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc); o
Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (Sinan); o Sistema de Informações
Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS) o Sistema de Informações
Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e o Sistema de Informação da
Atenção Básica (Siab).

A década de 1980 deu lugar à crescente importância da temática da Sistematização


da Informação em Saúde no debate das questões sanitárias, especialmente no que diz
respeito ao controle social do Sistema Único de Saúde (SUS). Parece haver um consenso
de que uma política de informações para o SUS constitui condição necessária para a
efetivação das diretrizes de descentralização e democratização.

A informação em saúde é habitualmente entendida como o conjunto de informações


sociais, demográficas e epidemiológicas produzidas por instituições públicas e privadas,
utilizadas como apoio ao planejamento e tomada de decisão. Trata-se fundamentalmente
de um instrumento de gerência.

Os sistemas de informação em saúde (SIS) definem-se como tecnologias de coleta,


processamento, análise e difusão das informações em saúde. Em uma Unidade Básica
de Saúde (UBS) identifica-se a possibilidade de dois grandes tipos de SIS, diferenciados
por seus objetivos: a vigilância epidemiológica (de doenças transmissíveis, câncer
ginecológico etc.) e os sistemas de avaliação e garantia da qualidade (que constituem
o instrumento básico para a gestão da UBS, produzindo indicadores de rendimento e
utilização do serviço).

No contexto do debate sobre o controle social do SUS, o componente “disseminação das


informações sanitárias” passa a ser visto como instrumento de transparência e garantia
da participação popular nos processos de gestão dos serviços e programas de saúde.

No contexto da Vigilância em Saúde a informação sistematizada contribui para:

»» intervenção sobre problemas de saúde, (danos, riscos e/ou determinantes);

»» ênfase em problemas que requerem atenção e acompanhamento


contínuos;

»» operacionalização do conceito de risco;

»» articulação entre ações promocionais, preventivas e curativas;

»» atuação intersetorial;

75
UNIDADE II │ epidemiologia

»» ações sobre o território; e

»» intervenção sob a forma de operações.

A atitude de Vigilância em Saúde corresponde, assim, a adoção de práticas que


incorporam e superam os modelos vigentes, implicando a redefinição do objeto,
dos meios de trabalho, das atividades, das relações técnicas e sociais, bem como das
organizações de saúde e da cultura sanitária. Nessa perspectiva, aponta na direção da
superação da dicotomia entre as chamadas práticas coletivas (vigilância epidemiológica
e sanitária) e as práticas individuais (assistência ambulatorial e hospitalar) por meio
da incorporação das contribuições da nova geografia, do planejamento urbano, da
epidemiologia, da administração estratégica e das ciências sociais em saúde, tendo
como suporte político-institucional o processo de descentralização e de reorganização
dos serviços e das práticas de saúde ao nível local.

76
Capítulo 3
Análise da Ocorrência das Doenças:
Endemias e Epidemias

Em relação à forma de ocorrência das doenças, podemos classificá-las assim.

1. Caso esporádico – corresponde ao aparecimento de casos raros e


isolados de uma certa doença, a qual não estava prevista. Exemplo: peste.

2. Conglomerado temporal de casos – trata-se de um grupo de casos


para os quais se suspeita de um fator comum e que ocorre dentro dos
limites de intervalos de tempo, significativamente iguais, medidos a partir
do evento que, supostamente, foi a sua origem. Exemplo: leptospirose.

3. Endemia – quando a ocorrência de determinada doença apresenta


variações na sua incidência de caráter regular, constante, sistemático.
Assim, endemia é a ocorrência de uma determinada doença que, durante
um longo período de tempo, acomete sistematicamente populações em
espaços delimitados e caracterizados, mantendo incidência constante ou
permitindo variações cíclicas, sazonais ou atípicas, conforme descrito
anteriormente. Exemplo: tuberculose e malária.

4. Epidemia – caracteriza-se pelo aumento do número de casos acima do


que se espera, comparado à incidência de períodos anteriores. O mais
importante, contudo, é o caráter desse aumento – descontrolado, brusco,
significante, temporário. Se em uma dada região inexiste determinada
doença e surgem dois ou poucos casos, pode-se falar em epidemia dado o
seu caráter de surpresa – por exemplo, o aparecimento de dois casos de
sarampo em uma região que, há muitos anos, não apresentava um único
caso. Exemplo: epidemia de dengue.

Tal qual as situações endêmicas, as ocorrências epidêmicas são limitadas a um espaço


definido, desde os limites de um surto epidêmico até a abrangência de uma pandemia.

1. Surto epidêmico – costuma-se designar surto quando dois ou mais


casos de uma determinada doença ocorrem em locais circunscritos, como
instituições, escolas, domicílios, edifícios, cozinhas coletivas, bairros ou
comunidades. Aliados à hipótese de que tiveram, como relação entre eles,

77
UNIDADE II │ epidemiologia

a mesma fonte de infecção ou de contaminação ou o mesmo fator de risco,


o mesmo quadro clínico e ocorrência simultânea.

2. Pandemia – dá-se o nome de pandemia à ocorrência epidêmica


caracterizada por uma larga distribuição espacial que atinge várias
nações. São exemplos clássicos de pandemias: a epidemia de influenza de
1918 e a epidemia de Cólera, iniciada em 1961, que alcançou o continente
americano em 1991, no Peru.

As epidemias ou surtos, geralmente, são ocasionados por dois fatores.

a. Aumento do número de suscetíveis – quando o número de suscetíveis em


um local é suficientemente grande, a introdução de um caso (alóctone)
de uma doença transmissível gera diversos outros, configurando um
grande aumento na incidência. O aumento do número de suscetíveis
pode apresentar diversas causas, como:

›› nascimentos;

›› migrações; ou

›› baixas coberturas vacinais.

b. Alterações no meio ambiente que favorecem a transmissão de doenças


infecciosas e não infecciosas:

›› Contaminação da água potável por dejetos favorece a transmissão de


febre tifóide, hepatite A, hepatite E, cólera, entre outras.

›› Aglomeração de pessoas em abrigos provisórios, em situações de


calamidade, facilita a eclosão de surtos de gripe, sarampo e outras
doenças respiratórias agudas.

›› Aumento no número de vetores infectados, responsáveis pela


transmissão de algumas doenças em razão de condições ambientais
favoráveis e inexistência ou ineficácia das medidas de controle, facilita
o crescimento do número de agravos, como no caso de malária ou
dengue.

›› Contaminação de alimentos, por micro-organismos patogênicos,


ocasiona surtos de intoxicação, toxinfecção e infecção alimentar,
frequentes em locais de refeições coletivas.

78
epidemiologia │ UNIDADE II

›› Extravasamento de produtos químicos poluindo o ar, solo e mananciais


leva a intoxicações agudas na comunidade local.

›› Emissão descontrolada de gás carbônico por veículos motorizados leva


a problemas respiratórios agudos na população.

Uma epidemia ou surto pode surgir a partir das seguintes situações:

›› Quando inexiste uma doença em determinado lugar e aí se introduz


uma fonte de infecção ou contaminação (por exemplo, um caso de
cólera ou um alimento contaminado), dando início ao aparecimento
de casos ou epidemia.

›› Quando ocorrem casos esporádicos de uma determinada doença e


começa a haver aumento na incidência além do esperado.

›› A partir de uma doença que ocorre endemicamente e alguns fatores


desequilibram a sua estabilidade, iniciando uma epidemia.

As principais endemias sujeitas a estratégias de controle no Brasil são: Malária;


Leishmaniose ; Esquistossomose; Tracoma; Doença de Chagas; Peste; Filariose; Bócio;
Febre Amarela e Dengue.

É consenso que a situação das doenças transmissíveis no Brasil, no período compreendido


entre o início dos anos de 1980 até o presente momento, corresponde a um quadro
complexo que pode ser resumido em três grandes tendências: doenças transmissíveis
com tendência declinante; doenças transmissíveis com quadro de persistência e doenças
transmissíveis emergentes e re-emergentes, apresentadas a seguir:

»» Doenças transmissíveis com tendência declinante: a varíola foi


erradicada em 1973; a poliomielite, em 1989. A transmissão contínua
do sarampo foi interrompida desde o final de 2000. Embora a partir
desse ano até 2005, tenham sido registrados 10 casos, esses não foram
autóctones e, sim, adquiridos por pessoas infectadas em outros países ou
que tiveram contato com viajantes infectados. Em 2006, ocorreu um surto
epidêmico em dois municípios da Bahia, com ocorrência de 57 casos, mas
também foram considerados importados, visto que o vírus identificado
não é originário do Brasil, e, sim, uma variante que circula no norte da
Europa e Ásia. O tétano neonatal já atingiu o patamar estabelecido para
ser considerado eliminado, enquanto problema de saúde pública (1/1.000
nascidos vivos) e a redução na incidência e na concentração dos casos
da raiva humana transmitida por animais domésticos, nas regiões Norte

79
UNIDADE II │ epidemiologia

e Nordeste, apontam para a perspectiva de eliminação. Outras doenças


transmissíveis com tendência declinante são a difteria, a coqueluche e o
tétano acidental, além da Doença de Chagas, endêmica há várias décadas
no país, a febre tifóide, a oncocercose, a filariose e a peste, cuja ocorrência
hoje é limitada a áreas restritas.

»» Doenças transmissíveis com quadro de persistência

Neste grupo, encontram-se as hepatites virais, especialmente as hepatites B e


C, que apresentam altas prevalências, ampla distribuição geográfica e potencial
evolutivo para formas graves, que podem levar ao óbito. A tuberculose tem
mantido sua taxa de incidência, mas com redução da mortalidade.

A leptospirose apresenta uma distribuição geográfica mais restrita às áreas


que oferecem condições ambientais adequadas para a sua transmissão, porém
assume relevância para a saúde pública em função do grande número de casos
que ocorrem nos meses mais chuvosos, bem como por sua alta letalidade.
As meningites meningocócicas (B e C) apresentam níveis importantes de
transmissão e taxas médias de letalidade acima de 10%. No Brasil, são
registrados, aproximadamente, 24.000 casos de meningites por ano e
desses, cerca de 15% correspondem à doença meningocócica (DM). Persiste
também, o desafio de controle das leishmanioses (visceral e tegumentar) e da
esquistossomose, para as quais, além de elevadas prevalências, constata-se
expansão na área de ocorrência, em geral associada às modificações ambientais
provocadas pelo homem, aos deslocamentos populacionais originados de
áreas endêmicas e à insuficia infraestrutural da rede de água e esgoto ou da
disponibilidade de outras formas de acesso a esses serviços.

A febre amarela vem apresentando ciclos epidêmicos de transmissão


silvestre, como aqueles ocorridos em 2000 (Goiás), 2001 e 2003 (Minas
Gerais). Contudo, apesar da ampliação da área de transmissão para estados
e municípios situados fora da área endêmica (região amazônica), tem havido
redução na incidência, a partir do ano 2000 até a presente data.

Nesse conjunto de doenças as ações são direcionadas para o diagnóstico


precoce e tratamento adequado dos doentes doentes, visando à interrupção
da cadeia de transmissão.

»» Doenças transmissíveis emergentes e reemergentes

Doenças transmissíveis emergentes são as que surgiram, ou foram identificadas,


em período recente, ou aquelas que assumiram novas condições de transmissão,

80
epidemiologia │ UNIDADE II

seja devido a modificações das características do agente infeccioso, seja


passando de doenças raras e restritas para constituírem problemas de saúde
pública. As reemergentes, por sua vez, são as que ressurgiram como problema
de saúde pública, após terem sido controladas no passado. Entre as doenças
emergentes, encontra-se a AIDS, embora a estabilidade nos últimos anos da
epidemia do HIV no país e a disponibilidade de novas drogas antivirais tenha
propiciado o aumento da sobrevida dos portadores de HIV. A cólera apresentou
uma redução significativa no número de casos a partir de 2001, observando-se
uma elevação em 2004, com ocorrência de 21 novos casos em Pernambuco. A
dengue foi reintroduzida, no Brasil, desde 1982. O mosquito transmissor da
doença, o Aedes aegypti, erradicado em vários países do continente americano
nas décadas de 1950 e 1960, retornou na década de 1970, por fragilidades na
vigilância entomológica, além de mudanças sociais e ambientais propiciadas
pela urbanização acelerada. As hantaviroses foram detectadas em São Paulo,
em 1993 e têm sido registradas com maior frequência nas regiões Sul, Sudeste
e Centro-Oeste. Com a padronização e informatização das ações de vigilância,
ocorridas a partir de 2001, o desenvolvimento da capacidade laboratorial para
realizar diagnóstico, a divulgação das medidas adequadas de tratamento para
reduzir a letalidade e o conhecimento da situação de circulação dos hantavírus
nos roedores silvestres brasileiros possibilitaram o aumento na capacidade de
sua detecção.

Entende-se que a melhoria da qualidade da assistência médica, principalmente


no que diz respeito ao correto diagnóstico e tratamento dos pacientes, associada
ao encaminhamento e adoção das medidas de controle indicadas em tempo hábil,
desempenham importante papel na redução de uma série de doenças infecciosas e
parasitárias. Para enfrentar esse quadro, ressalta-se o papel da integração das ações
de controle com a atenção básica, por meio da adequada incorporação das rotinas de
prevenção e controle nas equipes de saúde da família, respeitando-se as especificidades
referentes à atuação de cada profissional envolvido nessas equipes.

Uma análise sensata, ainda que sujeita a críticas, mostra que as endemias para as quais
se dispõe de medidas de intervenção eficazes e de custo acessível, que não dependam
da melhoria dos indicadores sociais e de qualidade de vida, sofreram uma redução
significativa do impacto causado sobre a sociedade. Exemplo disso é a Doença de
Chagas, controlada mediante uma ação coordenada e sustentada. A esquistossomose
é um interessante exemplo, ao mesmo tempo em que deixou de representar um
papel negativo sobre a população, graças à medicação específica, de custo acessível
e altamente eficaz, continua a expansão da área de transmissão da doença, agora já
atingindo todas as unidades da federação, inclusive os estados sulinos do Rio Grande

81
UNIDADE II │ epidemiologia

do Sul e Santa Catarina, além da crescente urbanização. Esse comportamento indica


que os determinantes da sua ocorrência ainda estão presentes, apenas a doença deixou
de determinar a morbidade anteriormente vista.

A malária exemplifica bem a situação atual do controle de endemias, de um lado


sucesso e de outro fracasso; para o futuro, essa ambiguidade própria do país precisa ser
resolvida, sob pena de um panorama sanitário sombrio.

82
Para (não) Finalizar

Teixeira et al. teceram considerações sobre as singularidades da implantação


do Programa Saúde da Família e, em especial, às ações no âmbito da Vigilância
Epidemiológica, declarando:

A opção por determinado modelo de atenção não está isenta de


finalidades e valores,explícitas ou implícitos. Um mesmo rótulo ou
proposta pode expressar-se, concretamente, em práticas distintas. De
um modo ou de outro, tal proposta será aquilo que, em cada situação
concreta, os sujeitos sociais, submetidos a determinadas relações
econômicas, políticas e ideológicas, conseguirem imprimir da marca
dos seus projetos.

Para Boff (1999), o cuidado revela-se numa “atitude de colocar atenção, mostrar
interesse, compartilhar e estar com o outro, não numa atitude de sujeito-objeto, mas
de sujeito-sujeito, numa relação não de domínio sobre, mas de com-vivência, não de
intervenção, mas de interação.”

Abraçar o Programa Saúde da Família significa enfrentar os desafios colocados, que


são muitos. O novo modelo, como já apresentado, demanda um novo profissional,
comprometido com a essência do cuidado. Acreditamos que a “ circularidade de afetos”
construída entre trabalhadores e usuários seja capaz de superar o modelo de assistência
caracterizado pelo reducionismo, abrindo perspectivas para uma oferta de serviços de
saúde mais digna para populações hoje sujeitas a tantas desigualdades.

“Para ser grande, sê inteiro:

nada teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”.

Ricardo Reis (Fernando Pessoa), 1933.

83
Referências

ALMEIDA FILHO N.; ROUQUAYROL M. Z. Epidemiologia moderna. 2. ed. Belo


Horizonte: Coopmed/ACE/Abrasco; 1992.

BRASIL, Ministério da Saúde. Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional


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à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal.
Brasília, 2004.

_____.Programa de Saúde da Família. Brasília: Cosac, 1994.

_____.Saúde da Família: uma estratégia para a reorganização do modelo assistencial.


Brasília, 1997.

_____.Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas


Estratégicas. Área Técnica da Saúde da Criança e Aleitamento Materno.

_____.Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


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