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Segurança dos Alimentos (SEA)

Brasília-DF.
Elaboração

Gillian Alonso Arruda

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS................................................................................................................ 9

CAPÍTULO 1
Conceituação...................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
Papel do especialista em vigilância sanitária e qualidade de alimentos...................... 26

Unidade iI
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)........................... 32

Capítulo 1
Agentes causais de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)................... 32

Capítulo 2
Microbiologia dos alimentos.......................................................................................... 37

Unidade iII
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)................................................................... 53

Capítulo 1
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)...................................................... 53

Capítulo 2
Metodologias analíticas................................................................................................. 129

Capítulo 3
Técnicas moleculares..................................................................................................... 137

Capítulo 4
Investigação de surtos de DVAs...................................................................................... 143

Para (não) Finalizar.................................................................................................................... 147

Referências................................................................................................................................. 148

Anexo 1........................................................................................................................................ 151

Anexo 2........................................................................................................................................ 168


Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
No Caderno de Estudos Segurança dos Alimentos, você terá a oportunidade de
compartilhar do conhecimento a respeito dos últimos conceitos sobre o tema, envolvendo
a discussão a respeito do novo cenário epidemiológico das doenças veiculadas pelos
alimentos, as técnicas moleculares de pesquisa microbiológica dentre outros aspectos.
Cabe ressaltar que o texto possui a preocupação de preservar os fundamentos científicos
validados, apresentando-os de forma didática e objetiva.

O conteúdo discorrido neste documento contempla o conceito de segurança dos


alimentos, em seu detalhamento técnico e científico, bem como destaca o papel
profissional do especialista nesse campo de atuação. Conceitos como fundamentos da
microbiologia dos alimentos serão revistos para que, a partir deles, seja estabelecida uma
relação de métodos e estratégias para investigação de surtos de Doenças de Transmissão
Hídrica e Alimentar (DTHAs). Por último, são apresentadas novas técnicas de pesquisa
laboratorial que se utilizam de tecnologia molecular, indicando novas propostas para o
controle da ocorrência das DTHAs.

Durante o transcorrer dos estudos, você terá oportunidade de apreciar exemplos e


vivenciar desafios para novos estudos complementares, podendo, especialmente,
contemplar a aplicação prática dos conceitos à sua realidade profissional.

Bons estudos!

Objetivos
»» Identificar os fundamentos básicos da segurança dos alimentos, a fim
de sedimentar conhecimentos e alcançar o aprofundamento dos estudos
nessa área.

»» Conhecer, rever e discutir o papel do especialista em vigilância sanitária


e qualidade de alimentos.

»» Saber reconhecer os principais agentes causadores de DTHAs.

»» Saber interpretar os resultados de exames laboratoriais.

»» Conhecer as principais técnicas moleculares de pesquisa microbiológica.

»» Conhecer como proceder a investigação de surtos de DTHAs.

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SEGURANÇA DOS Unidade I
ALIMENTOS

CAPÍTULO 1
Conceituação

A saúde é direito inalienável do cidadão brasileiro e é garantida pela Constituição


Brasileira. O termo saúde é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
“o estado completo de bem-estar físico, social e mental dos indivíduos” e não apenas
a ausência de doença. Durante o último século, muitos avanços na área da medicina
e saúde proporcionaram maior longevidade e qualidade de vida para a população
mundial. Contudo, algumas patologias, como é o caso das doenças veiculadas pelos
alimentos (DTHAs), ainda desafiam o profissional da saúde frente a sua ocorrência
ubiquitária, ineditismo, elevada patogenicidade e crescente prevalência.

Cabe mencionar que a saúde humana é um dos principais indicadores de desenvolvimento


de uma nação, considerando o princípio de que a obtenção de uma sociedade saudável
depende do ambiente saudável e natural. Dessa forma, vários países internalizam
as recomendações de normas e critérios de prevenção da ocorrência das DTHAs,
emanadas por meio de organizações supra nacionais, como a Organização Mundial da
Saúde (OMS).

Partindo-se do pressuposto de que a condição da saúde está diretamente ligada às


características da alimentação do indivíduo, podemos considerar que a produção
de alimentos seguros representa um dos maiores desafios da humanidade, tanto no
cenário atual como no futuro.

Aspectos históricos da alimentação


As primeiras profissões da alimentação foram os taberneiros e os forneiros, atividades de
comércio varejista surgida na antiguidade e que envolviam a comercialização de vinhos,
cerveja, pão, queijo e refeições. Pouco depois surgiram os padeiros, que forneciam pães
para as mesas das comunidades (FLANDRIN; MONTANARI, 1998).
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UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

Segundo Flandrin e Montanari (1998), esse tipo de atividade inspirou os artesãos, os


quais reproduziram cenas em muitos vitrais decorativos de catedrais antigas. Em
Milão, no fim do século XIII, o poeta Bonvesin de La Riva enumerou as atividades
de 300 padeiros, 440 açougueiros, 500 especialistas em “peixe pescado nos lagos,
nas torrentes e nos rios”, além de 150 taberneiros (FLANDRIN; MONTANARI,
1998, p. 422).

Na primeira metade do século XV, surgiram outros ofícios ligados à alimentação, que
se organizaram em corporações, com registro de estatutos e garantia de exclusividade
da fabricação e venda de alimentos. Desde então, os pontos de comercialização de
alimentos instalaram-se, preferencialmente, em locais de grande aglomeração
de pessoas e praças, portos e escolas, ou no andar térreo de imóveis ao longo de
ruas, compartilhando espaços com sapateiros, ourives e outros (FLANDRIN;
MONTANARI, 1998).

Assim, já se exercia a atividade de vigilância pelas autoridades locais da época.


Os magistrados eram responsáveis por assegurar uma alimentação “boa e honesta” e
garantir o acesso às quantidades necessárias àquelas comunidades. Algumas atividades
dispunham de normas próprias, como era o caso dos açougues. Os animais eram
abatidos após um severo controle sanitário.

Considera-se como tendo surgido um primeiro esboço de legislação na Europa cristã


(meados do século VI), qualificando comidas e bebidas como “dignas de entrar no
corpo humano, com cheiro e sabor agradáveis, nem infectas, nem malcheirosas, sem
ingredientes falsificados e nem aditivos para disfarçar graves irregularidades dos
produtos” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 435). As regras e as sanções eram
praticamente idênticas em todas as localidades, sujeitando os infratores à aplicação de
multas pecuniárias, penas infamantes e até proibição de exercer o ofício.

Assim como em outras partes do mundo, no Brasil, a primeira forma de comércio foi
o escambo, estratégia pela qual os primeiros colonizadores arregimentavam mão de
obra indígena para a derrubada das árvores de pau-brasil, em troca de quinquilharias e
bugigangas, segundo Varotto (2006, p. 86). O comércio viria mais tarde, com a formação
das primeiras vilas litorâneas, cuja principal mercadoria era o açúcar. Posteriormente,
iniciou-se a comercialização de ouro, pedras preciosas e de alimentos como vinhos,
azeites, farinhas e bacalhau, trazidos pela coroa portuguesa, estimulando comerciantes
europeus a se instalarem nas cidades portuárias como Rio de Janeiro, Salvador, São
Luis e Belém. Em 1870, o café era o principal produto de exportação.

O processo de industrialização do século XX promoveu o crescimento das cidades,


destacando-se a cidade de São Paulo. Devido ao grande aumento da população e a

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SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

carência de alimentos, foram instaladas, por volta de 1920, as primeiras “feiras livres”,
os mercados, aos armazéns de secos e molhados e os vendedores ambulantes. Em 1970,
surgiram os primeiros hipermercados na capital paulista (VAROTTO, 2006).

Conceito de segurança alimentar e nutricional


O conceito de segurança alimentar teve sua origem no início do século XX, quando os
países da Europa estavam devastados pela ocorrência da II Grande Guerra e não havia
condições de produção de alimentos para toda a população. A partir de então houve um
período de grandes avanços na ciência e na tecnologia que proporcionaram um aumento
de produtividade de alimentos. Apesar disso, a fome é a causa que mais mata pessoas no
mundo ainda nos dias de hoje. Dessa forma, surge o entendimento de que a eliminação
da fome e da desnutrição não depende exclusivamente do aumento de produção dos
alimentos, mas da garantia de acesso ao alimento seguro, sem comprometimento das
outras necessidades humanas.

A Food Agriculture Organization (FAO) estima que até o ano de 2050 a produção de
alimentos deva ser ampliada em 70%, em função do crescimento populacional.

O fato é que não apenas o crescimento da população mundial, mas a aceleração da


urbanização dos países, a globalização, o crescimento da economia de mercado e da
renda das pessoas geram uma maior demanda por alimentos e pela diversificação de
serviços de alimentação. Caber ressaltar que o desafio não se consiste apenas em atender
a demanda de alimento, mas garantir o atendimento aos requisitos de qualidade,
incluindo sua inocuidade, além da sustentabilidade econômica do negócio.

Segundo a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) (Lei no 11.346,


de 15 de setembro de 2006), por Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) entende-se a
realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade,
em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais,
tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade
cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. 

Assim, o conceito é ampliado para segurança alimentar e nutricional, sendo o conceito


de alimento seguro direcionado para os aspectos de inocuidade.

Conceito de segurança do alimento

É razoável considerar que a população ficou mais exposta aos perigos para a saúde,
mormente aqueles veiculados pelos alimentos, apesar de todos os avanços tecnológicos.

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UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

O termo alimento seguro é um conceito que está crescendo na conjuntura global, não
somente pela sua importância para a saúde pública, mas também pelo seu importante
papel no comércio internacional (BARENDSZ, 1998). Entretanto, não há uma definição
aceita universalmente para o termo alimento seguro, já que o termo é relativo, pois
não existe alimento seguro, de forma absoluta. O entendimento mais aceito é o de que
é considerado alimento seguro quando este representa um nível aceitável de risco em
relação ao público envolvido.

Durante muito tempo, acreditou-se que, para evitar o surgimento de doenças,


seria suficiente controlar a presença do agente infeccioso. Isso em parte se deveu à
descoberta por Louis Pasteur, no século XVII, da inter-relação entre os microrganismos
e a ocorrência de doenças. Tal conceito aliado aos avanços da ciência e da tecnologia
promoveu um grande desenvolvimento na medicina. Contudo, atualmente é reconhecido
que o organismo humano se comporta como um ecossistema em equilíbrio e,
consequentemente, a saúde é entendida como resultante desse equilíbrio. Atualmente,
inclusive, já se entende que o desequilíbrio ambiental, nem sempre evidente ou
previsível, é o grande causador de danos de maior magnitude à saúde pública.

Contaminação de origem física, química e


biológica

Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada no 216 (Regulamento Técnico de Boas


Práticas para Serviços de Alimentação), de 15 de setembro de 2004, contaminantes
são: “substâncias ou agentes de origem biológica, química ou física, estranhos ao
alimento, que sejam considerados nocivos à saúde humana ou que comprometam a sua
integridade.”

Quadro 1. Descrição dos tipos de contaminação de alimentos.

CONTAMINAÇÃO DE DESCRIÇÃO
ORIGEM

É ocasionada quando há presença de corpos estranhos no alimento que prejudicam sua qualidade,
podendo colocar em risco a saúde do consumidor. Como exemplos, podem ser citados: fragmentos de
FÍSICA
vidro; pregos; parafusos; limalhas de metais; ferpas de madeira; pedaços de pano; caroços ou cascas
de frutas; pedras etc.

É ocasionada por ocorrência natural, ou proposital, durante o processamento do alimentos ou refeição.


A depender da substância química contaminante, os efeitos decorrentes da ingestão do alimento
QUÍMICA
contaminado podem ir desde uma doença crônica de causa desconhecida até quadros mais graves de
intoxicação, por vezes fatais.

É ocasionada quando da presença de algum agente microbiológico, ou suas toxinas, contaminando o


BIOLÓGICA
alimento. Os agentes podem ser fungos, parasitas ou bactérias.

Fonte: Adaptado de JAY, J. M. Modern food microbiology. 4a ed. Chapman & Hall, 1992.

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SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Contaminação de origem física

Os alimentos podem ser contaminados com objetos ou substâncias estranhas a


sua composição. Dentre os contaminantes de origem física mais frequentemente
encontrados nos alimentos prontos para o consumo, podem se destacar: farpas de
madeira, pregos, grampos de cabelo, grampos de papel, pilhas, pedras, areia, resíduos
de embalagens, caroços de azeitona, dentre outros.

No caso de alimentos industrializados, também há riscos de contaminação física, como


por exemplo, resíduos de metais, areia e pedras. Entretanto, os processos industriais
mais modernos contam com maquinários que identificam e eliminam a presença desses
contaminantes e os eliminam, por meio de ações corretivas.

A legislação sanitária brasileira também prevê regulamentação para cada tipo de


alimento, no tocante à quantidade e tipo de resíduos permitidos.

Contaminação de origem química

Contaminação por pesticidas na lavoura

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de alimentos, tanto de origem vegetal,


quanto animal. Essa vocação econômica, além de divisas internacionais, traz como
aspecto negativo o título de quarto maior mercado de agroquímicos ou defensivos
químicos sintéticos do mundo e o oitavo, quando considerada a área cultivada.
(CALDAS; SOUZA, 2000).

Dentre as comorbidades associadas às intoxicações pelo uso de agrotóxicos, podem se


destacar: doença mental, câncer, patologias respiratórias, malformações e alterações
na reprodução humana.

Notadamente, existem regulamentações no país bem específicas contra o uso abusivo


dos defensivos agrícolas na lavoura. Contudo, são poucos os estados exercem a
fiscalização efetiva do cumprimento das referidas legislações. (ARAUJO et al., 2000).

Siqueira e Kruze (2008), em análise de 32 artigos nacionais relacionados ao tema


agrotóxicos e a saúde humana, tecem algumas recomendações propostas pelos autores
pesquisados, com destaque especial à prevenção da saúde do trabalhador e na qualidade
do alimento.
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UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

No Quadro 2, é apresentado o resumo dos principais sinais e sintomas agudos e crônicos.

Quadro 2. Sinais e sintomas de intoxicação por agrotóxico segundo o tipo de exposição.


Sinais e Exposição
Sintomas Única ou por curto período Continuada por longo período
cefaleia, tontura, náusea, vômito, fasciculação muscular, Hemorragias, hipersensibilidade, teratogênese, morte fetal.
Agudos parestesias, desorientação, dificuldade respiratória, coma,
morte.
paresia e paralisias reversíveis, ação neurotóxica retardada Lesão cerebral irreversível, tumores malignos, atrofia testicular,
irreversível, pancitopenia, distúrbios neuropsicológicos. esterilidade masculina, alterações neurocomportamentais,
Crônicos
neurites periféricas, dermatites de contato, formação de
catarata, atrofia do nervo óptico, lesões hepáticas etc.
Fonte adaptada: FUNASA (2003, apud Plaguicidas, Salud y Ambiente).

No Quadro 2, podem ser observados os efeitos da exposição prolongada a vários


produtos agrotóxicos. A ocorrência de efeitos neurotóxicos relacionados à exposição
a agrotóxicos tem sido descrita com maior frequência nos últimos anos. É o caso das
paralisias causadas pela exposição aos organofosforados, que podem aparecer tanto
como um efeito crônico como na forma de uma ação neurotóxica retardada, após uma
exposição intensa, porém não necessariamente prolongada.

É importante realçar a ocorrência dos distúrbios comportamentais como efeito da


exposição aos agrotóxicos, que aparecem na forma de alterações diversas como
ansiedade, irritabilidade, distúrbios da atenção e do sono. Por último, vale a pena salientar
que sintomas não específicos presentes em diversas patologias, frequentemente, são
as únicas manifestações de intoxicação por agrotóxicos, razão pela qual raramente se
estabelece esta suspeita diagnóstica. Esses sintomas compreendem principalmente: dor
de cabeça, vertigens, falta de apetite, fraqueza, nervosismo e dificuldade para dormir.
A presença desses sintomas em pessoas com história de exposição a agrotóxicos deve
conduzir à investigação diagnóstica de intoxicação por esses produtos (quadro 3).

Quadro 3. Efeitos da exposição prolongada a múltiplos agrotóxicos.

Órgão/sistema Efeito
Síndrome astenovegetativa, polineurite, radiculite, encefalopatia, distonia vascular, esclerose cerebral,
Sistema nervoso
neurite retrobulbar, angiopatia da retina.
Sistema respiratório Traqueíte crônica, pneumofibrose, enfisema pulmonar, asma brônquica.
Sistema cardiovascular Miocardite tóxica crônica, insuficiência coronária crônica, hipertensão, hipotensão.
Fígado Hepatite crônica, colecistite, insuficiência hepática.
Rins Albuminúria, nictúria, alteração do clearance da ureia, nitrogênio e creatinina.
Gastrite crônica, duodenite, úlcera, colite crônica (hemorrágica, espástica, formações polipoides),
Trato gastrointestinal
hipersecreção e hiperacidez gástrica, prejuízo da motricidade.
Sistema hematopoiético Leucopenia, eosinopenia, monocitose, alterações na hemoglobina.
Pele Dermatites, eczemas.
Olhos Conjuntivite, blefarite
Fonte: adaptado de FUNASA (2003, apud KALOYANOVA; SIMEONOVA, 1977).

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SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Prevenção contra contaminação por agrotóxicos

O quadro 4 representa, resumidamente, os aspectos mais relevantes da contaminação


de alimentos provocada por resíduos de defensivos agrícolas:

Quadro 4. Recomendações em relação à prevenção contra contaminação química de alimentos por

agrotóxicos.

RISCOS RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA


Contaminação do alimento pelo uso abusivo Revisar a legislação específica, contemplando situações de intervenção no meio rural.
ou inadequado dos produtos agrotóxicos. Simplificar os rótulos dos produtos químicos, colocando instruções de utilização com maior
clareza.
Fiscalizar a comercialização de produtos químicos, bem como sua utilização nas áreas
produtivas.
Intoxicação do trabalhador rural. Monitorar a população exposta a misturas de agroquímicos por meio de ensaios
biológicos.
Construção de políticas públicas e estratégias de prevenção à contaminação do
trabalhador rural.
Observar a obrigatoriedade e monitorar a utilização de equipamento de proteção individual.
Desenvolver ações que visem à proteção da saúde do trabalhador, como a capacitação e
supervisão das atividades.
Riscos à saúde do consumidor. Estimular a prevenção, usando medidas educativas de alcance à população em geral.
Monitorar resíduos de pesticidas em alimentos, por meio de técnicas laboratoriais de última
geração.
Realizar a análise de risco de contaminação por agrotóxicos nos processos produtivos
específicos.
Estabelecer políticas de comunicação e campanhas educativas e de prevenção dos riscos
associados aos agrotóxicos.
Priorizar a pesquisa sobre a intoxicação aguda e crônica por agrotóxicos.
Capacitar os profissionais da saúde com métodos e instrumentos de notificação de casos
e surtos de intoxicação de origem química.
Fonte: Adaptado de SIQUEIRA, SL ; KRUSE, HL (2008).

Outras fontes de contaminação de origem química deverão ser estudadas no


link <ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica/ifnet_quimicos.pdf>.

Contaminação de origem biológica

De acordo com registros da Organização Mundial da Saúde (OMS), são detectados


anualmente nos países em desenvolvimento mais de um bilhão de casos de diarreia
aguda em crianças menores de cinco anos, dos quais 5 milhões são fatais. A contaminação
bacteriana dos alimentos é uma das causas mais relevantes dessas ocorrências e
estima-se que apenas de 1 a 10% dos casos sejam contabilizados nas estatísticas
oficiais. (PELLICER e col., 2002). Os produtos de origem animal estão intimamente
ligados à ocorrência de toxinfecções alimentares, constituindo riscos importantes

15
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

para a saúde pública, no mundo todo. Produtos de origem animal, como carne, ovos e
leite que tenham sofrido contaminação durante sua elaboração, contribuem de forma
decisiva para com a ocorrência das infecções de origem alimentar. (JORGE e col., 2001;
GERMANO; GERMANO, 2001; ROCOURT e col., 2003).

A identificação rápida, simplificada e específica de agentes patogênicos causadores


de doenças veiculadas pelos alimentos representa um dos maiores desafios atuais
para as esferas de vigilância epidemiológica e sanitária de países do mundo todo.
Tradicionalmente, a identificação de microrganismos é feita a partir de testes
fenotípicos, imprescindíveis à conservação e multiplicação dos agentes e classificação
sorotípica da espécie. Contudo, diversas limitações, como: a baixa especificidade; as
dificuldades encontradas no isolamento; a demora na obtenção dos resultados; as
grandes chances de erro nas fases de isolamento e interpretação e a exigência de recursos
humanos especializados, dentre outros, são razões que justificam o desenvolvimento de
testes mais sensíveis e rápidos, como as técnicas moleculares. A alta especificidade e
capacidade de reprodutibilidade das técnicas genotípicas promovem resultados mais
precisos e rápidos, o que favorece o diagnóstico mais assertivo no caso de investigação
de surtos, como também previne ou minimiza nefastas consequências à saúde pública.

Novo cenário epidemiológico das DTHAs

O novo cenário epidemiológico das doenças veiculadas pelos alimentos é caracterizado


pelo surgimento de microrganismos emergentes, os quais promovem novos tipos de
infecção, muitas vezes difíceis de serem diagnosticadas. O reaparecimento de patologias,
décadas após o declínio de sua incidência, é outro fator preocupante e exige uma nova
abordagem de saúde pública.

Outro fenômeno que desafia os estudiosos é a constatação da ocorrência de mutações


genéticas em microrganismos, muito possivelmente provocadas pela alteração do
meio ambiente, especialmente no tocante aos contaminantes químicos e biológicos.
A literatura já apresenta inúmeros trabalhos cuja metodologia molecular indica
uma grande variabilidade genotípica de cepas de microrganismos causadores de
DTHAs. O emprego abusivo de agrotóxicos, o emprego clandestino de medicamentos
antimicrobianos, o mal uso de substâncias sanitizantes na cadeia de abastecimento de
alimentos são, ainda, algumas das prováveis causas das mutações genéticas observadas.

Os resultados indesejáveis dessas práticas condenáveis desafiam industriais,


governantes e gestores de saúde pública a aprimorar seus métodos e critérios de
produção, transporte, beneficiamento e distribuição de alimentos.

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SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Face ao exposto, a prevenção da ocorrência de doenças veiculadas pelos alimentos é


um desafio atual e crescente. De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do
Ministério da Saúde, entre os anos de 1999 a 2008, foram registrados 6.062 surtos de
doenças vinculadas a alimentos no Brasil, envolvendo mais de 115.000 pessoas durante
o período. A região sul é responsável por 49,86% do total de registros no país, em 2001,
sendo que o estado do Rio Grande do Sul representa o maior número de casos.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE),


existem no Estado de São Paulo 728.077 (36%) micro e pequenas empresas (MPE) no
segmento de serviços, ao lado dos de comércio (43%), indústria (11%) e agropecuária
(10%). Ainda de acordo com o SEBRAE, o setor de alimentação representa 19,4% das
MPE do segmento.

O aumento de renda de uma grande camada de famílias brasileiras levou a mudanças


no estilo de vida das pessoas, bem como nos hábitos alimentares, resultando em um
aumento de volume de vendas nos supermercados (7,4%, segundo IBGE, 2012) e no
aumento da frequência ao comércio varejista de alimentos.

A população das grandes cidades convive com determinados problemas, tais como
o trânsito; o tempo extenso de deslocamento para o trabalho e os estudos; a falta de
espaço, disposição e tempo para a produção de alimentos no ambiente doméstico,
os quais dificultam a alimentação na própria residência e aumentam a demanda por
alimentação fora do lar, nem sempre saudável e segura.

O mercado de serviços de alimentação, em franca expansão, aumentou o número de


restaurantes, fazendo surgir os fast-foods, os self-services, os restaurantes por quilo, os
serviços de delivery além dos serviços de refeição em bares e padarias e a disposição de
alimentos vendidos nas ruas (MARTINS; QUARENTEI, S.S., 2013).

Uma pesquisa realizada com 834 moradores da cidade de São Paulo, promovida pela
nutricionista Bartira Mender Gorgulho, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo, avaliou a relação entre a alimentação fora do lar com a qualidade da dieta.
Entre os entrevistados, 482 (51,7%) afirmaram ter se alimentado fora de suas casas.
Dentre esses, 55% haviam realizado uma das principais refeições fora do domicílio.
Entre os que afirmaram o consumo de alimentos fora do lar, 15% o fizeram no café da
manhã, 30% no almoço e 10% no jantar (GORGULHO, 2012; TRUZ, 2013).

O consumo de alimentos fora do lar oferece facilidade, agilidade e variedade que


atendem aos anseios de milhões de consumidores. Entretanto, esse fenômeno tem
se mostrado de grande importância sanitária por seu potencial em oferecer riscos à
saúde da população, em razão de práticas inadequadas de higiene e manipulação desses

17
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

alimentos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de duzentos tipos


de doenças são disseminadas por meio de alimentos ou água, colaborando, em grande
parte, com a estatística de 1,8,milhões de mortes no mundo, a cada ano, causadas por
doenças diarreicas (MARTINS; QUARENTEI, 2013).

As empresas do ramo de alimentação devem cumprir as determinações administrativas


referentes às boas práticas de manipulação e higiene, além das determinações legais
referentes a outros ramos de fiscalização, tais como as que regulamentam a licença de
funcionamento, o zoneamento, a segurança aos frequentadores do local, a propaganda,
o recolhimento de detritos e o controle da emissão de ruídos e de poluentes para o meio
ambiente.

O documento obrigatório emitido pela prefeitura referente à localização do


estabelecimento denomina-se auto de licença ou alvará de funcionamento (para
estabelecimentos com lotação igual ou superior a 250 pessoas). A ausência desses
documentos pode resultar na interdição do estabelecimento ou na ordem de demolição
do imóvel.

Segmentos do comércio de alimentos e suas


características

Alimentação para coletividades

A alimentação para coletividades no Brasil representa um grande contingente de pessoas


que são alimentadas por empresas prestadoras de serviços de alimentação, serviços de
alimentação autogeridos e refeições comerciais fornecidas pelo sistema de vale cupom.
Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (ABERC),
foram fornecidas cerca de 17 milhões refeições diárias pelo segmento de refeições
coletivas, no ano de 2010. Esse número significa o dobro do que se praticava há oito
anos anteriores. A entidade estima ainda um potencial de expansão do segmento para
um total de 24 milhões de refeições diárias e, se considerada a inclusão das escolas,
hospitais e forças armadas, outros 17 milhões de refeições diárias.

Indústria do turismo

Outro setor de grande importância para a economia de todos os países é a indústria


de turismo, especialmente no caso do Brasil, por conta de sua expansão continental.
Representado pela cadeia que reúne hotéis, restaurantes, cruzeiros, catering de
companhias aéreas, eventos, dentre outros segmentos, o setor de turismo depende
grandemente da existência de princípios mínimos que norteiam a gestão ambiental.

18
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Com o crescimento rápido do turismo mundial e brasileiro, surgem novos desafios


ao gestor do segmento hoteleiro, especialmente no que tange à inocuidade dos
alimentos. A globalização e seus efeitos, como o incremento da circulação de alimentos
pelo comércio internacional e transterritorial; a movimentação global das pessoas e a
concentração da produção industrial em polos produtores de alimentos proporcionam,
entre outros aspectos, o aumento nos riscos de transferência de contaminações,
anteriormente regionalizadas.

Um dos grandes riscos que atinge o setor no tocante à segurança dos alimentos é a
ocorrência da “diarreia do viajante”, nome dado a diversos tipos de toxinfecções
alimentares adquiridos durante viagens, gerando prejuízos à imagem dos
estabelecimentos envolvidos, além de danos ao patrimônio público da perda de divisas,
sem contar com despesas com serviços médicos, internações, sem considerar ainda a
ocorrência de óbitos.

Segundo o IBGE, 2005, apenas 10% das entidades relacionadas ao segmento hoteleiro
são representas por grandes empresas do setor, muitas vinculadas a bandeiras
internacionais, que adotam, inclusive, sistemas de gestão da qualidade. Pelo lado
oposto, o restante é representado por micro e pequenas empresas, que apresentam
pequena qualificação de recursos humanos, expondo grande parte da população
turística a riscos inerentes a essas características. Há que se destacar, ainda, que pela
baixa regulamentação específica para o setor, a cultura da sub notificação de surtos
e pela alta dispersão regional em um país com grande extensão territorial, muitas
limitações na atuação das Vigilâncias tanto Epidemiológica quanto Sanitária agravam
ainda mais o cenário.

Ainda dentro do setor de turismo, um segmento que vem crescendo muito em procura é
o de cruzeiros marítimos. A alta concentração de pessoas no navio favorece a propagação
de microrganismos, especialmente os veiculados pelo ar, como o Norovírus, que vem
causando epidemias em roteiros marítimos. A contaminação da água e dos ambientes do
navio com o agente é de difícil controle, posto que a utilização da água pelos passageiros
não se limita a simples ingestão, mas envolve os cuidados de higiene pessoal, como
a escovação de dentes e o banho. O descarte de dejetos na rota navegada também
representa um agravo ao meio ambiente, favorecendo a contaminação de pescados e
frutos do mar.

Cabe ressaltar que alguns segmentos do setor de turismo possuem normativas


específicas, inclusive com padrões internacionais, como é o caso do catering de aviação,
por exemplo, que segue determinações estabelecidas pelas companhias de aviação e
seus órgãos regulamentadores.

19
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

Exemplos de ocorrências atuais de surtos de Doenças


Transmitidas por Alimentos (DTAs) em viajantes no Brasil e
no mundo

Só no Estado de São Paulo no período de 2002 a 2005, segundo a Secretaria Estadual


da Saúde do Centro de Vigilância Epidemiológica, houve 304 surtos notificados de
DTAs em núcleos receptores turísticos na cidade de São Paulo, totalizando 3.382 casos
culminando em 2 óbitos. Incluídas notificações oriundas do interior e litoral de São
Paulo, este número sobe para 431 surtos, totalizando 11.651 doentes e 8 óbitos.

Um exemplo brasileiro foi o surto de DTA por Staphylococcus aureus, em 2005 no


hotel Blue Tree de Cabo de Santo Agostinho, onde 5 funcionários do hotel, entre eles
o gerente-geral e a nutricionista, foram indiciados por homicídio culposo no episódio
que envolveu 70 hóspedes e acabou acarretando na morte de uma garotinha de 9 anos.

Outro exemplo nacional foi o acometimento de 380 pessoas por gastroenterite em um


cruzeiro pelo litoral brasileiro, em janeiro de 2009, no qual a ANVISA detectou baixo
índice de cloro na água distribuída no navio e encontrou alimentos, como a maionese,
conservados de modo impróprio.

Dentre os diversos surtos de DTAs notificados pelo mundo, podemos exemplificar o


grande surto de Hepatite A relacionado à contaminação pelo vírus na produção de
suco de laranja oferecido em um Resort em Hurghada, no Egito, onde 351 pessoas
adoeceram, entre junho e agosto de 2004.

O segmento de cruzeiros marítimo e pluvial, que presencia grande expansão na


atualidade, já enfrenta altos índices de ocorrência de DTAs, destacadamente as causadas
por Norovírus. Segundo dados da Eurosurveillance, as notificações entre janeiro e
junho de 2006 registraram 42 surtos de gastroenterites por Norovírus em 13 diferentes
cruzeiros pela Europa, que acometeram 1.500 casos, entre passageiros e tripulantes.

Os surtos por Salmonella enteritidis, como o de 2007, em Girona, na Espanha, em


que 56 pessoas dentre as 271 expostas foram acometidas pela doença, mas a fonte de
contaminação não foi evidenciada. Também causado por Salmonella enteritidis, um
surto de grande proporção, na Finlândia, em 2008, com o agente identificado por
PFGE, acometeu 272 viajantes oriundos de várias nacionalidades, como a Noruega,
Alemanha, Inglaterra e Bulgária, além da própria Finlândia.

O surto de Salmonella Litchfield, em 2007, em Atlantic City, Estados Unidos, em


um restaurante onde havia a contaminação do melão presente em saladas de frutas
acometendo 30 pessoas e o fechamento por dois meses causou a falência da empresa.

20
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Houve um surto notificado de E.Coli O157 em um evento de terceira idade em Aberden,


na Escócia, em 2007, em que foram acometidos 7 idosos e o provável contaminante foi
o rosbife usado na salada.

A notificação de um surto por Shigella sonnei, bactéria esta difícil de encontrar em


locais com condições mínimas de saneamento básico, em um hotel nas Ilhas Canárias,
Espanha, acometendo 14 turistas, em que vegetais crus foram a provável fonte da
infecção.

Restaurante “por quilo” ou por peso

O segmento de alimentação fora do lar vem se profissionalizando cada vez mais,


especialmente nas grandes cidades que exigem uma oferta de opções de diversas
naturezas, como preço, rapidez, especialidade e outros. Um dos tipos de restaurante
que já se consolidou entre nós foi o serviço de bufê por quilo. Conhecido também
como “comida por quilo” o segmento oferece uma grande variedade de preparações,
procurando atender todas as exigências possíveis de seus clientes, como as preferências
alimentares, nível de sofisticação e preço.

Apesar dos benefícios à clientela, o restaurante por quilo pode se caracterizar


como potencial veiculador de DTHAs, caso não sejam respeitadas algumas
recomendações.

Por ter necessidade de preparo antecipado e nem sempre a manutenção das temperaturas
na distribuição são suficientes para minimizar a multiplicação microbiana, a preparação
pode veicular algumas toxinfecções causadas por microrganismos esporulados, como
o B. cereus e o C. perfringens, este último prioritariamente veiculado por assados e
salgadinhos, como coxinhas e esfirras. Outro fator a se considerar é que a manipulação
excessiva justificada pela forma de apresentação da preparação pode ser a causa de
veiculação de toxinas de S.aureus.

Ainda outra preocupação que deve pautar os responsáveis pelo serviço é relacionada
com o descarte das sobras, especialmente aquelas que ficaram expostas no balcão de
distribuição.

Pela grande importância econômica que o segmento representa, a capacitação


permanente das equipes de funcionários, a adoção de novas tecnologias, bem como
a revisão permanente de normas devem ser sempre o objetivo dos profissionais e
empresários que atuam no ramo.

21
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

Qualquer que seja o setor analisado, quando se refere à inocuidade de


alimentos, é de fundamental importância ter o entendimento de que há
necessidade de constantes esforços na identificação dos pontos críticos que
deverão ser controlados, no seu constante monitoramento e no exercício da
vigilância sanitária eficiente. O quadro 5 sintetiza as principais características
de cada segmento alimentar discutido neste capítulo. Em algumas situações, as
nomenclaturas se sobrepõem, em função do entendimento que se dá para cada
categoria e sub categoria do serviço. Para um caráter ilustrativo veja o quadro 5.

Quadro 5. Segmentos alimentares, suas características e riscos de veiculação de DTHAS e recomendações.

SEGMENTO CARACTERÍSTICA GERAL E RISCOS PREVENÇÃO


Alimentação empresarial Grandes volumes de produção, cardápios simplificados. Instalações adequadas, adoção de manual de boas
práticas e existência de RT contribuem para que
Quando fornecidas de acordo com os critérios e padrões
o segmento seja um dos de menores riscos de
preconizados pela legislação, representa um setor mais
veiculação de DTHAs. O sistema Análise de Perigos
seguro, sob o ponto de vista da inocuidade.
e Pontos Críticos de Controles (APPCC) bem
executado é indispensável neste setor.

Alimentação hospitalar Mesmas características da alimentação empresarial, Da mesma maneira que a alimentação empresarial,
acrescida de cozinha dietética, lactário e terapia nutricional. porém com riscos aumentados em função do perfil
da população alvo, geralmente imunodeprimida.
A adoção de dietas enterais industrializadas
geralmente diminuem os riscos em relação às
artesanais. O sistema APPCC bem executado é
indispensável neste setor.
Alimentação escolar Dispersão dos pontos de distribuição; condições estruturais O cardápio deverá ser programado de forma a
nem sempre adequadas; maior dificuldade na supervisão oferecer o menor risco possível, em relação à
e capacitação das equipes de merendeiras. Clientela aquisição e conservação das matérias-primas, bem
exclusivamente composta por crianças e adolescentes. como no processo de manipulação. A supervisão
deve ser intensificada. O sistema APPCC bem
executado é indispensável neste setor.
Alimentação comercial “por Geralmente, são estabelecimentos pequenos que não A capacitação dos proprietários, bem como o
quilo” dispõem de RT qualificado. Grande variedade de preparações rigor na fiscalização diminuem os riscos. O sistema
no cardápio, extenso tempo de exposição no balcão de APPCC é desejável neste setor.
distribuição. O reaproveitamento de sobras de distribuição
constituem risco adicional.
Comércio ambulante Ausência e/ou precariedade de instalações para manipulação A capacitação dos comerciantes ambulantes aliada a
do alimento; dificuldade de controle da qualidade da matéria– uma fiscalização eficiente reduzem os riscos.
prima.
Supermercado e mercados Grandes volumes de alimentos. Eventualmente, oferecem A existência de RT qualificado e a adequação da
refeições prontas em rotisseries ou restaurantes internos. estrutura física, especialmente no caso dos produtos
refrigerados, reduzem os riscos. O sistema APPCC
bem executado é indispensável neste setor.
Refeição transportada Grandes volumes e logística de distribuição que requer O sistema APPCC bem executado é indispensável
temperaturas controladas. neste setor.
Alimento read to eat Processamento da refeição com muita antecedência ao O sistema APPC é desejável neste setor.
consumo e refeições muito elaboradas.
Fast food Grandes volumes de alimentos semiprocessados; serviços de O sistema APPC é desejável neste setor.
entrega em domicílio.
Eventos Grandes volumes produzidos com antecedência; preparações O sistema APPCC bem executado é indispensável
muito elaboradas. neste setor.
Catering de aviação Preparo com até vários dias de antecedência; distribuição O sistema APPCC bem executado é indispensável
requer logística com controle de temperatura e neste setor.
reaquecimento eficiente, antes do consumo.
Fonte: próprio autor.

22
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Megatendências de consumo alimentar

A mudança do perfil consumidor é outro fator que impacta na questão da garantia


e do controle de qualidade dos alimentos, como dito anteriormente. O conceito de
“megatendências”, quando aplicado à visão de mercado de alimentação, indica algumas
características de consumo que devem pautar a gestão de sistemas de abastecimento de
alimentos, no tocante à garantia da qualidade, bem como da inocuidade.

Pesquisas internacionais sobre tendências de consumo sinalizam para cinco aspectos


de exigências atualmente exercidas pelos consumidores, a saber:

a. sensoriabilidade e prazer;

b. conveniência e praticidade;

c. confiabilidade e qualidade;

d. saudabilidade e bem-estar;

e. sustentabilidade e ética.

Segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), em


pesquisa realizada em 2010, as três primeiras tendências pesquisadas no Brasil
coincidem com as globais e a quarta é uma junção das outras duas. Essas constatações
passam a orientar todos os atores da cadeia de abastecimento de alimentos, cujo desafio
é o de atender às expectativas do consumidor e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade
tecnológica e a inocuidade do produto, bem como manter ou ampliar as margens de
lucratividade dos acionistas (quadro 6).

Quadro 6. Megatendências na alimentação e seus impactos na segurança dos alimentos

MEGATENDÊNCIAS NA CARACTERÍSTICAS RISCOS DE PERIGOS ASSOCIADOS


ALIMENTAÇÃO TECNOLÓGICAS
Preservação da textura original do Temperatura de cozimento abaixo do limite Sobrevivência de contaminantes de origem e da
alimento. de segurança. contaminação cruzada.
Decoração e apresentação do Maior manipulação e/ou processos Adição de contaminantes pela manipulação e
alimento. tecnológicos. contaminação cruzada.
Facilidade de preparo. Alimentos read to eat sem necessidade de Falta de controle térmico anterior ao consumo, ou
aquecimento. aquecimento insuficiente, permitindo a sobrevivência
de microrganismos patogênicos de origem.
Preferência pelo alimento cru. Dispensa da etapa de cocção. Sobrevivência de microrganismos patogênicos
contaminantes de origem.
Necessidade de maior cuidado nas etapas
de desinfecção.
Diversificação na oferta de alimentos. Maior complexidade na produção, Acréscimo de contaminantes patogênicos.
armazenagem e distribuição.
Sobrevivência de microrganismos patogênicos de
origem e de contaminação cruzada.

23
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

MEGATENDÊNCIAS NA CARACTERÍSTICAS RISCOS DE PERIGOS ASSOCIADOS


ALIMENTAÇÃO TECNOLÓGICAS
Alegações de saúde e atributos de Determinados conservantes (ex. sal) são Sobrevivência de microrganismos patogênicos de
qualidade. substituídos por outros aditivos e processos origem.
tecnológicos.
Preferência por alimentos minimamente Alimento semiprocessado não contém Sobrevivência de microrganismos patogênicos de
processados aos industrializados. as características originais de defesa do origem.
alimento (ex. casca) e ao mesmo tempo
Contaminação cruzada de microrganismos
não possui a tecnologia de eliminação
patogênicos.
do contaminante (ex. processo de
aquecimento).
Preferência por produtos orgânicos. Livres do emprego de agrotóxicos e aditivos Maior contaminação de origem.
químicos.
Preferência por alimentos “étnicos”. Globalização no abastecimento de alimentos Contaminação cruzada e transferência de
de diferentes regiões e/ou países. contaminantes para diferentes regiões.
Oferta e disponibilidade dos produtos Aumento do shelf life e maior deslocamento Sobrevivência e multiplicação de microrganismos
em todos os locais e épocas. geográfico dos produtos. psicotróficos.
Embalagens mais atrativas. Embalagens mais finas e transparentes, por Menor segurança na conservação do alimento,
exemplo. quanto a alterações de ordem físico química, bem
como danos físicos.
Consumo de alimentação “fora do lar”. Dificuldade de controle sanitário dos locais Consumo de alimentos contaminados pela
de manipulação e preparo dos alimentos. manipulação e contaminação cruzada de superfícies
de contato.
Maior demanda por eventos em geral. Necessidade de preparo com antecedência. Multiplicação de microrganismos esporulados
e microrganismos infecciosos decorrentes de
contaminação pelo manipulador, bem como da
formação de toxinas causadoras de intoxicações
alimentares.
Maior demanda por viagens e Alimentos são armazenados por maior Multiplicação de microrganismos esporulados
mobilidade. tempo do que o convencional. e microrganismos infecciosos decorrentes de
contaminação pelo manipulador, bem como da
formação de toxinas causadoras de intoxicações
alimentares.
Maior demanda por alimentação Necessidade de preparo com antecedência. Multiplicação de microrganismos esporulados
transportada. e microrganismos infecciosos decorrentes de
contaminação pelo manipulador, bem como da
formação de toxinas causadoras de intoxicações
alimentares.
Maior demanda por alimentos Preparações que exigem, muitas vezes, Contaminação e multiplicação de microrganismos
requintados ou sofisticados. maior manipulação. patogênicos decorrentes de contaminação pelo
manipulador.
Maior concentração de pessoas em Eventos em geral que utilizam Propagação de microrganismos patogênicos pelo ar
um mesmo ambiente. condicionadores de ar. e água.
Fonte: próprio autor.

Perfis populacionais e suas interfaces com a


segurança do alimento

Populações de risco e alimento seguro

O envelhecimento da população traz em seu bojo novas demandas e novos


desafios para o atendimento de um consumidor de maior exigência, não só
pela experiência de vida, mas pelas restrições alimentares que aumentam

24
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

nessa fase da vida, em decorrência da ocorrência de patologias associadas ao


envelhecimento. Especial destaque deve ser dado à queda da imunidade, o
que aumenta a vulnerabilidade das pessoas idosas em relação à ocorrência de
toxinfecções alimentares, entre outras infecções em geral.

Outros grupos populacionais considerado de risco são as gestantes e as


crianças. As gestantes possuem alterações fisiológicas que promover maior
vulnerabilidade frente à ocorrência de infecções, pela redução da condição
imunológica da gestante.

Pacientes vítimas de doenças imunossupressoras, como o câncer, a AIDS, por


exemplo, também são classificadas como populações de risco, por estarem mais
susceptíveis ao acometimento de DTHAs.

25
CAPÍTULO 2
Papel do especialista em vigilância
sanitária e qualidade de alimentos

A questão da segurança alimentar e nutricional tem sido tema pertinente não apenas
em estudos científicos, como também nas questões de ordem política e econômica dos
países de todo o mundo. No Brasil, a mais recente conquista legal relativa ao tema
segurança alimentar, em seu sentido lato, deu-se por meio da Lei de Segurança Alimentar
e Nutricional, Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006. Em seu inciso IV, do quarto
artigo, do capítulo I, é especificado que a segurança alimentar e nutricional abrange
a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos
oferecidos ao consumo. Neste capítulo, enfocaremos, especificamente, no aspecto da
qualidade sanitária e na inocuidade dos alimentos, sem comprometimento quanto às
demais esferas contempladas na referida legislação.

Os últimos debates sobre segurança dos alimentos têm demonstrado uma grande
preocupação com o estudo de alternativas mais eficientes para controle e garantia
da inocuidade dos alimentos, especialmente na eliminação de microrganismos
patogênicos da cadeia alimentar, já que os métodos convencionais, de inspeção e
análises microbiológicas, nem sempre se mostram suficientes para garantir a segurança
do alimento (SNYDER, 1994; VOSE, 1997; MCNAB, 1997; NACMCF, 1998).

As últimas notificações de Doenças Transmitidas pelos Alimentos (DTAs), no mundo,


indicam o surgimento de um novo cenário epidemiológico, caracterizado principalmente
pela rapidez de propagação, alta patogenicidade e caráter cosmopolita dos agentes
patogênicos, com especial destaque aos infecciosos, como Escherichia coli O157:H7,
Listeria monocitogenes e Salmonella sp. (FRANCO; LANDGRAF, 1996).

Produtos de qualidade são obtidos quando os processos produtivos estão aptos a


satisfazer, continuamente, as necessidades dos clientes, traduzidas em termos das
especificações das características de qualidade do produto (DELLARETTI FILHO;
DRUMOND, 1994). Para que possam atender a esse princípio, os processos devem
obedecer a uma padronização, com base em critérios técnicos, requerendo uma
avaliação sistemática e periódica para verificação da presença de anomalias. Essa
atividade é denominada Avaliação de Processos, item integrante do Gerenciamento
da Rotina, dentro da filosofia de Qualidade Total (DELLARETTI FILHO; DRUMOND,
1994; SCHILLING, 1998; SOLÍS, 1999).

26
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

No caso específico da alimentação, uma das mais importantes especificações de


qualidade intrínseca do produto é a sua condição microbiológica. O sistema Hazard
Analysis Critical Control Point (HACCP) é uma metodologia que previne e controla
situações que possam representar riscos à qualidade sanitária dos alimentos. O método
HACCP caracteriza-se como uma metodologia de controle da inocuidade do alimento,
por meio da identificação e do controle de situações, ações ou locais que representem
riscos de veiculação de doenças por intermédio dos alimentos (ICMSF, 1988; BRYAN,
1992, LEISTNER, 1994; IAMFES, 1997; ILSI, 1997; NACMCF, 1998; ALMEIDA, 1998).

Tradicionalmente, muitos esforços têm sido investidos em adequação de estrutura


física, inspeções sanitárias e treinamento de equipes de cozinhas profissionais, com o
objetivo de garantir a qualidade sanitária dos alimentos produzidos. Contudo, os altos
índices de ocorrência de surtos de toxinfecções alimentares e o recente aumento nas
notificações de infrações à legislação sanitária indicam a ausência de controles dos
processos produtivos de alimentos nos estabelecimentos que produzem alimentos ou
refeições (WRIGHT; FEUN, 1986; ARRUDA, 1996; IAMFES, 1997). É necessário que
seja dada maior ênfase à adoção de medidas preventivas para o controle de riscos de
situações que caracterizem os perigos de origem microbiológica presentes nas várias
etapas do processo de produção de alimentos (BRYAN, 1990; FRANCO; LANDGRAF,
1996; BRYAN et al. 1997; BARROW 1998; ALMEIDA 1998).

Com a crescente urbanização e a expansão da atividade profissional feminina no


mercado de trabalho, a dependência de instituições de ensino para o fornecimento de
alimentação para crianças, desde muito jovens, passou a ser aumentada. As crianças
atendidas pelas creches e escolas de Ensino Fundamental mantidas pelos municípios
e estados representam importante grupo populacional, exigente de maior rigor no
controle de qualidade dos alimentos consumidos, pelas razões anteriormente citadas
(ASSÃO et al., 1999; SILVA et al., 1999).

Responsabilidades da sociedade frente aos


desafios da garantia da segurança do alimento

A condição alimentar de uma determinada população reflete as condições de


desenvolvimento daquele povo e pode inferir em diversas conclusões a respeito do
modelo econômico adotado por aquele país.

Papel do Consumidor

Quanto aos consumidores de alimentos ou refeições, é fundamental que saibam como


adotar as boas práticas para seleção, compra e armazenagem dos alimentos, bem como

27
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

a observação de critérios de escolha dos estabelecimentos onde farão as refeições.


A participação ativa, enquanto consumidor consciente, junto aos órgãos de defesa do
consumidor, sempre que necessária, deve ser estimulada e a observação dos rótulos
contendo instruções de do fabricante deve ser uma premissa no momento da aquisição,
manutenção e consumo do produto.

Papel do produtor do alimento

A qualidade do alimento deve ser contemplada desde o início da cadeia alimentar,


devendo o cultivo e a produção de alimentos estar pautados em normas e requisitos
sanitários que garantam a qualidade e a inocuidade dos alimentos. Os setores produtivos
e de distribuição devem adotar as boas práticas de fabricação, que envolvem padrões e
procedimentos de segurança sanitária no cultivo, coleta, processamento, distribuição,
manipulação, preparo e distribuição da refeição.

O grande desafio é pensar a segurança alimentar em função da evolução da oferta


frente às novas e maiores demandas da população, garantindo o acesso ao alimento
seguro e de qualidade. Essa abordagem deve contemplar a complexidade da cadeia de
abastecimento, bem como os fatores de risco frente aos novos cenários da epidemiologia
das DTAs.

Papel do profissional da saúde

Cabe ao profissional ter o entendimento de todas as variáveis que influenciam o processo


decisório no que tange à segurança do alimento. A abordagem deve ser interdisciplinar
e a adoção de normativas e procedimentos deve obedecer à legislação pertinente. No
próximo capítulo o papel do profissional responsável pelo controle e pela garantia da
qualidade do alimento será discutido com maior detalhamento.

Papel do proprietário dos estabelecimentos que atuam no


segmento alimentar

Segundo Boanova apud Germano (Germano, 2013), a CF 1988, artigo 5o, inciso
XIII, dispõe que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Também no artigo 5o, inciso XII, é
garantido o direito de propriedade. A autora discute, porém, que a licença ou alvará
de funcionamento não garante o perfeito funcionamento, devendo o empresário saber
que ao desenvolver sua atividade não cause incômodo aos funcionários e ao meio
ambiente.

28
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

Os crimes contra a saúde pública, a perturbação do sossego e o risco à saúde do


trabalhador são passíveis de denúncia pela população e as visitas de inspeção podem ser
acompanhadas da imprensa, causando grandes danos à imagem dos estabelecimentos.

São inúmeras as regulamentações que regem o bom funcionamento dos estabelecimentos


e as específicas relacionadas com a segurança do alimento ainda serão apresentadas.

Papel da comunidade

A população de uma determinada região pode e deve se organizar em entidades ou


associações que exerçam o controle social, fiscalizando e exigindo o cumprimento
das regulamentações existentes por parte do governo, além de promover a discussão
sobre benfeitorias necessárias àquela comunidade. A defesa dos direitos do cidadão é
potencializada ao haver a mobilização social, trazendo ganhos a toda a sociedade.

Papel do Estado

A partir desse princípio, a garantia da segurança alimentar requer um firme compromisso


do governo e a conscientização da sociedade em relação ao direito do ser humano.
Em uma análise mais abrangente, é importante destacar que a segurança alimentar
pressupõe a definição de ações que envolvam todos os atores da cadeia alimentar,
a saber: o governo, os produtores industriais, os distribuidores, os comerciantes
atacadistas, o mercado varejista de alimentos.

É também papel do Estado garantir a saúde de sua população e a abordagem preventiva


se caracteriza como a abordagem mais eficiente no controle de ocorrência de DTAs.
Considerando que a legislação aplicada é deveras abrangente, faz-se necessário que
cada estabelecimento desenvolva seus próprios parâmetros e métodos de controle,
sempre alinhados à legislação, mas com a adequação necessária à aplicabilidade
prática. Como ferramenta, o sistema Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controles
(APPCC), regulamentado desde 1993, pela Portaria MS no 1.428/1993, vem se mostrando
racional, prático e eficiente no controle da veiculação de doenças pelos alimentos.
Como pré-requisito para a implantação do sistema APPCC, muitos autores indicam
a implantação do Manual de Boas Práticas e dos Padrões Operacionais de Produção
(POPs) no estabelecimento em questão.

Responde, ainda, ao Estado criar e implementar políticas públicas que assegurem o


direito ao acesso ao alimento com a garantia da segurança, conforme previsto pela Lei
Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional:

29
UNIDADE I │ SEGURANÇA DOS ALIMENTOS

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito


de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades
essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde
que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,
econômica e socialmente sustentáveis. (Art. 3o).

Caber ressaltar que os grupos populacionais mais vulneráveis demandam políticas


específicas, face a maior suscetibilidade aos riscos de ocorrência de perigos veiculados
pelos alimentos.

Em uma abordagem mais específica, cabe, ainda, ao Estado monitorar o estado


alimentar e nutricional da população; realizar medidas de prevenção, que envolvam
os investimentos em infraestrutura, especialmente no saneamento básico; estabelecer,
revisar e fiscalizar a prática de legislações sanitárias, desde a produção até o consumo
do alimento, passando por todas as fases da cadeia de abastecimento; garantir a
autossuficiência do mercado, evitando as crises de abastecimento e criar instrumentos
de informação e esclarecimentos aos consumidores, produtores, distribuidores
e consumidores. Nunca é demais afirmar que, para o cumprimento de toda essa
responsabilidade, requer uma articulação entre os sistemas de vigilância sanitária,
epidemiológica e nutricional.

Papel da Sociedade Civil Organizada

Em 15 de Setembro de 2006, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,


sanciona a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) (Lei no 11.346, de
2006), que reafirma as obrigações do Estado de respeitar, proteger, promover e prover a
alimentação adequada. Dentre outras determinações, a LOSAN cria o Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que tem como objetivos formular
e implementar políticas e planos de SAN, estimular a integração dos esforços entre
governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento, o monitoramento e
a avaliação da Segurança Alimentar e Nutricional do país. Recentemente, em fevereiro
de 2010, é promulgada a Emenda Constitucional no 64, que inclui a alimentação entre
os direitos sociais, fixados no artigo 6o da Constituição Federal, outra importantíssima
conquista. Em 25 de agosto de 2010, o Presidente Lula assina decreto que institui a
Política Nacional de SAN e regulamenta a LOSAN.

De açodo com o MDS, 2010, o SISAN é integrado por uma série de órgãos e entidades da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios afetos à Segurança Alimentar
e Nutricional (SAN). Tem por objetivos formular e implementar políticas e planos de

30
SEGURANÇA DOS ALIMENTOS │ UNIDADE I

SAN, estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil, bem como
promover o acompanhamento, monitoramento e a avaliação da SAN no país. Seguem
abaixo os integrantes do SISAN.

1. Conferência Nacional de Segurança Alimentar – responsável pela


indicação ao CONSEA das diretrizes e prioridades da Política e do Plano
Nacional de SAN. É precedida de Conferências Estaduais, Distrital e
Municipais, onde são escolhidos os delegados para o encontro nacional.
A Lei prevê ainda que a Conferência Nacional avalie o SISAN.

2. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) –


é o instrumento de articulação entre o governo e a sociedade civil nas
questões relacionadas a SAN. Tem caráter consultivo e assessora o
Presidente da Republica na formulação de políticas e nas orientações
para que o país garanta o direito humano à alimentação adequada.

3. Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN)


– integrada por Ministros de Estado e Secretários Especiais, sua missão
é transformar em programas de governo as proposições emanadas
do CONSEA. Atualmente, integram a CAISAN todos os 19 ministérios
que participam do CONSEA, sob a coordenação do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

4. Órgãos e entidades de SAN da União, dos estados, do Distrito Federal e


dos municípios.

5. Instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, que manifestem


interesse na adesão e que respeitem os critérios, princípios e diretrizes
do SISAN.

A criação de sistemas de gerenciamento e controle de segurança dos


alimentos exige várias estratégias de implantação, entre elas, a qualificação dos
recursoshumanos.Com base em sua experiência, avalie se a adoção dos referidos
sistemas representariam investimentos proibitivos às instituições em que você
atua ou já atuou. Caso seja necessário, pesquise alguma empresa para elaborar
essa avaliação.

31
Bases conceituais
das Doenças de Unidade iI
Transmissão Hídrica e
Alimentar (DTHAs)

Capítulo 1
Agentes causais de Doenças de
Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

Tipos de agentes causais de DTHA


Os agentes causais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)
podem ser de natureza biológica, química ou física. Os de natureza biológica
compreendem bactérias, vírus e toxinas naturais; essas últimas podem ser
intrínsecas da matéria-prima, como os cogumelos da espécie Amanita e os peixes
da Família Tetrodontidae, ou extrínsecas, como consequência de alterações do meio
ambiente, caso das toxinas de moluscos, que se tornam intoxicantes por multiplicação
de algas no meio ambiente e de água de consumo, também pela multiplicação (floração)
de cianobactérias (algas azuis) nos reservatórios. Os de natureza química compreendem
os resíduos de pesticidas, os metais pesados, alguns aditivos químicos, resíduos de
antibióticos, entre outros. Os de natureza física compreendem pedaços de metais,
lascas de madeiras, ossos e espinhas de peixe, entre outros, que causam injúria física
no consumidor. Os agentes alergênicos podem ser de natureza biológica ou química
e têm uma classificação não totalmente clara, normalmente muito mais relacionada
com os dizeres de rotulagem e avisos aos consumidores do que diretamente com o
agente, assim como outras síndromes, também relacionadas com as características ou
as classes de consumidores (faixas etárias baixas, em crianças de até 1 ano de idade
– aspectos nutricionais –; talassêmicos; diabéticos; hipertensos; outros, por condição
física ou genética do consumidor).

Os sintomas dos afetados e o período de tempo que medeia entre o consumo e o


aparecimento dos primeiros sintomas (período de incubação) são indispensáveis para
orientar as determinações analíticas. A classificação das doenças alimentares podem
ter várias abordagens e premissas, porém sintomas e período de incubação são os mais
importantes.

32
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

Contaminantes microbianos
Especificamente, pode-se avaliar microbiologicamente um produto sob diretrizes
diferentes.

»» Aspectos higiênicos. São as determinações microbianas que permitem


avaliar higienicamente um produto, no que se refere à aplicação de
Práticas de Higiene em toda a sua cadeia de produção e exposição ao
consumo. Baseia-se em determinações analíticas de contagem total
de bactérias (carga microbiana total de mesófilos e/ou termófilos e/
ou psicrotróficos), contagem total de fungos (bolores + leveduras),
coliformes totais (ambientais) e, dependendo de fatores intrínsecos e
alguns extrínsecos do produto, Staphylococcus aureus, Bacillus cereus
e Clostrídios sulfito redutores a 46º C. A avaliação de presença/ausência
ou de números baixos destes microrganismos não é suficiente e não está
diretamente relacionado com conclusões sobre o risco do consumidor.
Como indicadores higiênicos, estão relacionados com qualidade do
processamento/etapa/procedimento e com a possível deterioração de
produtos. É importante assinalar que a alteração/deterioração é melhor
avaliada por parâmetros físicos e químicos, como caracteres organoléticos,
pH, acidez, provas de rancificação, produção de gás sulfídrico, amônea,
indol etc. A introdução destes critérios nas normas e padrões legais é
questionável, uma vez que estão relacionados com alteração/deterioração
e, portanto, com perda econômica para a produção/transformação
de produtos alimentícios e a avaliação dessa alteração é realizada por
determinações físicas e químicas. Sua inclusão se justifica para produtos
que sofreram processamento tecnológico que impacte esses grupos de
microrganismos.

»» Presença de indicadores fecais. Esse aspecto, em geral incluído nas


normas e padrões, tem significado higiênico e sanitário, com as devidas
reservas. Pretende avaliar a qualidade e a presença de contaminação
fecal, direta ou indireta. Esse grupo de indicadores é composto por
coliformes (atualmente designados como “termotolerantes” ou “a 45º C”,
termos mais éticos do que “fecais”). A Escherichia coli, como indicadora
de contaminação de origem fecal, é a integrante normal da microbiota
intestinal dos animais de sangue quente e não as denominadas de
patógenas – das quais se diferencia laboratorialmente pelos métodos
de análise, características bioquímicas e sorológicas. Os estreptococos,
designados como “enterococos” ou “estreptococos fecais”, além dos

33
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

bacteriófagos, (colifagos e shigelafagos), também são indicadores de


contaminação fecal. O Clostridium perfringens pode ter procedência fecal
e/ou ambiental. É importante assinalar que esses grupos de bactérias são
“índices” ou “indicadores”, com importância para a maioria das classes de
alimentos, para as quais existem tolerâncias legais, em função do grupo
de alimento.

»» Indicadores de processamento tecnológico e/ou manipulação.


Pertencem a esses indicadores vários grupos de microrganismos, na
dependência do produto e respectivo processamento. Incluem os grupos
citados anteriormente, como contagens de bactérias e fungos, bactérias
aeróbias, anaeróbias, termófilas, psicrotróficas, Staphylococcus aureus,
Bacillus cereus, clostrídio sulfito redutor a 35 e 46ºC, coliformes
termotolerantes e ambientais etc. No caso de enlatados, são indicadores
de processamento as determinações de bactérias mesófilas e termófilas,
aero e anaeróbias; no caso de leite pasteurizado, as bactérias psicrotróficas
e mesófilas; para avaliar seleção, lavagem e desinfecção de verduras, os
indicadores fecais; para os pratos prontos para consumo, como maionese
e produtos de confeitaria, o Staphylococcus aureus, os coliformes
termotolerantes, o Bacillus cereus, o clostrídio a 46ºC, na dependência
do número encontrado – esses microrganismos, em função do número/g
ou mL, podem ser significativo de higiene, higiene e sanidade e até
impropriedade para o consumo; para as de massas alimentícias secas,
o Staphylococcus aureus e os coliformes termotolerantes etc. Esses
conceitos podem fazer parte das normas e padrões legais, porém
é questionável sua introdução nos critérios legais, uma vez que se
relacionam com processamento e não com problema específico de saúde
pública.

»» Microrganismos úteis. São os microrganismos usados nos processos


de transformação de matérias-primas em produtos alimentícios. São
microrganismos controlados, cujo metabolismo sobre os componentes
da matéria-prima em questão dão como resultado final um mesmo
metabólito, não tóxico, porém alimentício. São os microrganismos
usados para a fermentação da massa de pão e similares, os usados na
fabricação de cervejas e chope, de iogurte, de queijos, de outros produtos
designados de “fermentados”. Alguns deles, como o levedo de cerveja, têm
propriedades consideradas medicamentosas; como fonte de vitaminas
do complexo B e como o iogurte, protetor e restaurador da microbiota

34
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

intestinal (probióticos). Esse grupo não faz parte das normas e padrões
legais, mas é importante para controle de processos industriais.

»» Indicadores de risco. São os microrganismos que podem produzir e


liberar toxina no produto, como a enterotoxina estafilocócica, ou causar
uma toxinfecção, como o Bacillus cereus e o Clostridium perfringens
(cujo indicador é o clostrídio sulfito redutor a 46ºC), ou ainda causar uma
infecção, como a Salmonella. Como indicadores de risco, são considerados
os de maior prevalência e incidência de casos de DTHA e/ou os de maior
capacidade de disseminação (larga distribuição epidemiológica, como as
Salmonelas). O Staphylococcus aureus, Bacillus cereus e Clostridium
perfringens são de distribuição restrita, ou seja, os surtos acontecem
predominantemente em comensais de uma mesma refeição, sendo
raro surtos “em aberto”, enquanto a salmonelose é um problema de
saúde pública internacional. Alguns membros desse grupo podem estar
incluídos nas normas e nos padrões legais. São objeto da Análise de
Riscos e da aplicação do Sistema de Análise de Perigos, Pontos Críticos
de Controle (APPCC/HACCP).

»» Toxinas biológicas. Essa avaliação compreende toxinas de várias


origens, como a toxina estafilocócica (da qual o Staphylococcus aureus
é um indicador, não sendo adequada a relação direta a presença de
números iguais ou superiores a 105 com a presença da enterotoxina; o
desenvolvimento do microrganismo em questão é regulado por faixa
de temperatura e de umidade do produto não linear com a produção
e liberação da toxina); a toxina botulínica (idem ao anterior, diferindo
apenas por se tratar, neste caso, de uma bactéria esporulada, que pode
estar “inerte” no produto alimentício, ou seja, presente porém sem se
multiplicar e, portanto, sem produzir e liberar toxina); as toxinas de
algas marinhas que podem se concentrar em moluscos bivalvos, como
ostras e mariscos e em outros animais que partilham do mesmo ambiente
aquático; as toxinas de algas de água doce que podem ser distribuídas
pela água de consumo; as toxinas naturais de determinados organismos,
como a tetrodotoxina presente em algumas espécies de baiacu etc. Muitas
dessas toxinas podem ser determinadas quimicamente, como é o caso
das toxinas marinhas e das micotoxinas.

»» Microrganismos patogênicos. Os possíveis patógenos presentes nos


alimentos são bactérias, vírus e parasitos. As bactérias patógenas são
numerosas, incluindo Salmonella typhi, outras Salmonella spp, Shigella

35
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

spp, Escherichia coli enteropatogênicas (EPEC = enteropatógena; ETEC


= enterotoxigênica; EIEC = enteroinvasiva; EHEC = enterohemorrágica
e EAEC = enteroaderente), Listeria monocytogenes e outras, Vibrio
cholerae O1 e O139, Vibrio parahaemolyticus, Vibrio vulnificus,
Vibrio fluvialis e outros vibrios, Aeromonas hydrophila, Plesiomonas
shigelloides, Campylobacter coli, Campylobacter Jejuni e outras. Essas
bactérias devem ser consideradas para o diagnóstico (elucidação) de
DTHA e para avaliação adicional de riscos para a saúde pública, necessário
em programas.

36
Capítulo 2
Microbiologia dos alimentos

Agentes de DTHA
Os agentes de DTHA são numerosos. Para sua avaliação, é importante considerar
as características e o comportamento epidêmico de cada um deles. Especificamente,
refere-se a aspectos de distribuição, frequência de ocorrência e gravidade de sintomas.

»» Enfermidades graves e agudas – intoxicação botulínica, intoxicação


por PSP (toxina paralisante dos moluscos), infecção por Vibrio vulnificus,
infecção por Escherichia coli O157:H7, infecção por Vibrio cholerae
O139, infecção por Salmonella typhi (febre tifoide), infecção por Listeria
monocytogenes em imunosuprimidos ou imunocomprometidos,
infecção por Clostridium perfringens produtor de toxina necrosante dos
intestinos, enterovírus, enteroparasitos etc.

»» Enfermidades moderadamente graves – infecção por Salmonella


spp, toxinfecção por Vibrio cholerae O1, infecção por Vibrio
parahaemolyticus, infecção por Aeromonas hydrophila etc.

»» Enfermidades autolimitantes, de menor gravidade – intoxinação


estafilocócica, toxinfecção por Bacillus cereus, toxinfecção por Clostridium
perfringens, intoxicação por TDM (toxina diarreica de moluscos) etc.

»» Ocorrência – os agentes de DTHA de maior prevalência, a nível nacional


e internacional são: infecção por Salmonela sp., intoxinação estafilocócica,
toxinfecção por Bacillus cereus, toxinfecção por Clostridium perfringens.
Na situação epidêmica por Vibrio cholerae O1 e provavelmente O139,
a ocorrência é aumentada. A ocorrência das parasitoses intestinais é
relativamente alta, porém o estudo epidemiológico não é sistemático,
apesar de que a sua grande maioria tem veiculação alimentar.

»» Larga distribuição geográfica – Salmonela sp, Vibrio cholerae O1,


Vibrio cholerae O139 (supostamente).

»» Distribuição moderada – Vibrio vulnificus, Vibrio parahaemolyticus,


Aeromonas hydrophila, Listeria monocytogenes, Shigela sp, Escherichia
coli enteropatogênico, enterovírus, parasitos etc.

37
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

»» Distribuição restrita – intoxinação estafilocócica e botulínica,


toxinfecção por Bacillus cereus e por Clostridium perfringens.

Além dessas características, importantes para priorizar programas em função dos


recursos existentes, outros dados são de interesse, como os fatores que interferem na
vida, morte e sobrevivência dos agentes de DTHA; habitat “natural” ou distribuição do
agente; condições de multiplicação e produção de toxinas; formas de controle; aplicação
do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC/ HACCP), ou
avaliação por “check list” usados na inspeção e fiscalização da aplicação das Práticas
de Higiene; certificação laboratorial das medidas preventivas adotadas; previsão do
comportamento do agente no meio ambiente e nos produtos alimentícios, para fins de
decisão de destino de produtos etc.

Os fatores que interferem com vida, morte, sobrevivência e multiplicação são os fatores
intrínsecos e os fatores extrínsecos ou externos ainda serão citados neste capítulo.

A produção de toxina por uma bactéria não é linear com sua capacidade de multiplicação.
Por exemplo, o Staphylococcus aureus é capaz de se multiplicar em faixas de temperatura
de 5 a 45°C, sendo a temperatura ótima a de 35-37°C; porém, a produção da toxina
ocorre a partir dos 15°C, sendo sua produção ótima a 42°C. Ainda, essa bactéria pode se
desenvolver em concentrações de cerca de 10% de NaCl, enquanto a produção de toxina
é afetada por concentrações não usuais desse sal; a bactéria não resiste a temperaturas
acima de 65°C, enquanto a toxina é termoestável, não sendo inativada totalmente a
121°C por 15 minutos.

Por isso, considerando que é a toxina o agente de DTHA, a bactéria Staphylococcus


aureus tem papel de indicador e não é considerada patógena. Esse exemplo também é
aplicado para a toxina botulínica, não sendo qualquer natureza de alimento suficiente
para permitir a produção dessas toxinas. Assim, outro dado de interesse é a observação
epidemiológica de quais produtos alimentícios que estão relacionados com os surtos.
As toxinas de algas afetam de forma indireta o consumidor: ou por concentração em
outros organismos comestíveis que compartilham o mesmo habitat, como os moluscos
bivalves no ambiente marinho, que são os veiculadores da toxina nos eventos de floração
dessas algas, como por exemplo, a maré vermelha; ou por liberação da endotoxina da
alga na água potável, que será o veículo.

As formas de controle são diversas: fazem parte da cadeia completa de obtenção


do alimento. Como exemplo, a transmissão de agentes de DTHA por verduras
e vegetais de talo curto, como a alface e o morango, é reflexo de condições da
água de irrigação, da adubação do solo, da água de refrescagem usada durante a

38
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

comercialização ou da água de lavagem imediatamente antes do consumo. Nesse


exemplo, há o recurso da desinfecção antes do consumo; porém, essa medida
“corretiva” não garante a inocuidade do alimento. Os agentes químicos usados
nessa lavagem podem não ser suficientes para eliminar a carga microbiana total,
permitindo somente uma redução do número e pode não atuar sobre ovos de
parasitos.

Nesse exemplo, o adequado é trabalhar em programas que permitam a adoção


de medidas de controle corretas, se o objetivo é mudar o perfil epidemiológico
das doenças causadas pelo consumo dessa classe de produto alimentício.
A prevalência de DTHA por agentes de distribuição restrita indicam que ocorrem,
com frequência, falhas no preparo final dos alimentos. Considerando esses fatos,
as prioridades tanto da ação da Vigilância Sanitária, quanto na seleção de itens
sujeitos à adoção de análises laboratoriais, podem ser estabelecidas com maior
clareza.

Os sistemas de controle devem considerar os aspectos já apresentados. Sua finalidade


é detectar falhas e trabalhar na sua correção. Entretanto, considerando que as
medidas corretivas não são necessariamente aplicadas de maneira uniforme, pois o
comportamento dos diversos tipos de microrganismos frente ao frio, congelamento,
temperaturas diferentes nos diferentes processos, multiplicação em condições de
tempo e temperatura também diferentes – a Listeria monocytogenes, como algumas
outras que inclui o Clostridium botulinum tipo E e, aparentemente, também o
Vibrio cholerae, se multiplicam melhor em temperatura de refrigeração, enquanto
o Vibrio parahaemolyticus e as formas vegetativas de Clostridium perfringens são
inviabilizados biológicamente (morte) nessa temperatura; o Clostridium perfringens
tem temperatura ótima de multiplicação a de 42 a 45ºC – é importante que as medidas
corretivas sejam avaliadas para verificar a sua eficiência. O laboratório foi requisitado,
por causa da presença do vibrião da cólera, para verificar os tipos de desinfetantes que
melhor o controlam na água de vaso sanitário de aviões, ônibus de larga distância e
outros veículos, como base para as ações e medidas da Vigilância Sanitária no controle
da disseminação desse agente, por exemplo.

A previsão do comportamento de um determinado agente no meio ambiente e nos


produtos alimentícios é função dos dados referentes aos fatores e às condições que
possam interferir na sua sobrevivência/multiplicação/destruição (controle de riscos).

Para essa avaliação, é também importante considerar a situação de saúde pública,


obtida por informações socioepidemiológicas: incidência de doenças e respectivos
agentes (para verificar distribuição dos agentes e formas de veiculação da doença);

39
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

custo do tratamento por caso (deve-se considerar não só a fase aguda da doença, mas a
instalação de complicações e doenças crônicas); custo do controle dos agentes (inspeção,
fiscalização, saneamento básico, programas educativos, indicação de medidas corretivas
e outros, baseados em programas específicos de presença/veiculação de agentes e
doenças relacionadas) e eficiência das medidas corretivas específicas (verificação da
presença do agente e sua distribuição e dados comparativos com a situação inicial de
ocorrência/prevalência da doença na população).

Classificação dos sintomas por órgão/tecido


afetado e exemplos de agentes
O “Compendium of Methods for the Microbiologica Examination of Foods”
– APHA, tem capítulo orientativo (capítulo 40 na 3a edição) que estabelece a
seguinte classificação geral, que será especificada com o período de incubação,
sintomas predominantes, indicação do(s) agente(s):

a. Trato intestinal alto ou superior ocorrendo primeiro ou predominante


náusea e vômito (exemplos: menos de 1 hora, com náusea, vômito,
gosto alterado e queimação na boca), é por contaminantes metálicos
como zinco, cobre, cádmio, arsênico, antimônio; entre 1 e 2 horas, com
náusea, vômito, cianose, dor de cabeça, tontura, dispneia e tremores, é
por nitritos; entre 1 e 6 horas, mediana entre 2 e 4 horas, com náusea,
vômito, diarreia, cólicas e prostração, é por enterotoxina estafilocócica
ou por toxina diarreica de Bacillus cereus.

b. Dor de garganta e sintomas respiratórios (exemplo: 12 a 72h, com


dor de garganta, febre, náusea, vômito, rinorreia e, mais raramente,
exantema, é por Streptococcus pyogenes.

c. Trato intestinal baixo ou inferior , ocorrendo primeiro ou predominante


cólicas abdominais, diarreia (exemplos: 8 a 22 horas, mediana de 10
a 12h), com cólicas abdominais e diarreia (putrefativa, no caso do C.
perfringens), por C. perfringens, Bacillus cereus, Streptococcus faecalis
ou Streptococcus faecium; 12 a 74h, mediana de10 a 12h, com cólicas
abdominais, diarreia, vômito, febre e calafrio, por Salmonela sp; E.
coli enteropatogênica, Yersinia enterocolitica, Aeromonas hydrophila,
Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, entre outros agentes possíveis.

d. Sintomas neurológicos, distúrbios visuais, vertigem, comichão,


paralisia, exemplos: menos de 1 hora, com comichões, dormência,

40
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

atordoamento, cambaleio, entorpecimento, rigidez de garganta


(dificuldade de deglutição), fala incoerente e parada respiratória por
toxinas de moluscos; menos de 1 hora, por gastroenterite, irritabilidade,
visão borrada, dores no peito, cianose, contorsão e convulsão, por
inseticidas organofosforados; 12 a 72h, com vertigens, visão borrada
ou dupla, perda de reflexo à luz, dificuldade de deglutição, de fala e de
respiração, boca seca, fraqueza e parada respiratória, por neurotoxina
botulínica.

e. Sintomas alérgicos (ardência facial, petéquias) (exemplos: menos


de 1h, com dor de cabeça, tontura, náusea, vômito, gosto picante,
queimação na garganta, inchaço e manchas vermelhas (petéquias) no
rosto, dores no estômago e ardência na pele, por histamina; menos
de 1h, com dormência ao redor da boca, comichão, dor de cabeça,
tontura e náusea, por glutamato monosódico.

Obs.: para essa “classe”, não consta nenhum agente microbiano. Sintomas
de infeção generalizada (febre, calafrio, prostração, dores, nódulos linfáticos
inchados) (exemplos: 7 a 28 dias, mediana de 14 dias, com dor de cabeça, febre,
tosse, náusea, vômito, constipação, dores abdominais, calafrios, manchas róseas
e fezes sanguinolentas, por Salmonella typhi; 10 a 50 dias, mediana de 25 a 30
dias, com febre, prostração, cansaço, anorexia, náusea, dor abdominal e icterícia,
por agente ainda não isolado, provavelmente viral).

Fatores que afetam os microrganismos nos


alimentos

Os microrganismos estão distribuídos na natureza, fazendo parte dela. Assim, é


natural a sua presença também nas matérias-primas alimentares. Entretanto, esses
microrganismos, ou estão relacionados com os processos de degradação da matéria
orgânica como consequência da recomposição, redistribuição e reciclagem dos
nutrientes e outras substâncias químicas, ou como expressão de uma relação simbiótica
ou parasitária, que alguns grupos de microrganismos desenvolveram ao longo da
história da Terra. Considerando a diversidade de nichos ecológicos, os microrganismos
podem ser “classificados” em grupos, segundo algumas características apresentadas no
quadro 7:

41
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

Quadro 7. Classificação das bactérias quanto à temperatura e ao metabolismo.

GRUPO CARACTERÍSTICA
Psicrotróficas Desenvolvimento em temperaturas baixas.
Ambientais Desenvolvimento em temperaturas ambientais (10/37°C).
Mesófilos Desenvolvimento em temperatura de 15° a 45°C.
Termófilos Desenvolvimento em temperaturas acima de 45ºC.
Esporulados Capazes de produzir formas de resistência a agentes físicos e químicos.
Litotróficos Capazes de produzir formas de resistência a agentes físicos e químicos.
Quimiotróficos Metabolizam substâncias químicas.
Quimiolititróficos Metabolizam minerais e substâncias químicas.
Organotróficos Metabolizam substâncias orgânicas.
Quimioorganotróficos Metabolizam substâncias químicas e orgânicas.
Aeróbios Utilizam o O como receptor de elétrons.
2

Anaeróbios Não utilizam o O como receptores de elétrons. O O pode ser tóxico.


2 2

Facultativo Utilizam o O e outros receptores de elétrons.


2

Microaerófilos Necessitam de uma baixa concentração de , em geral % de 5.


Entéricos ou fecais Tem como habitat natural o intestino de animais de sangue quente (simbiontes).
Patogênicos Causam doenças no homem ou em vegetais ou animais.
Deteriorantes Fazem parte do ciclo de decomposição e recomposição de matérias orgânicas.
Fonte: JAY, J. M. Modern food microbiology. 4 a ed. Chapman & Hall, 1992.

É importante assinalar que essas características, desde que não conflitivas, são
complementares. Pode-se ter um microrganismo organotrófico, ambiental, deteriorante
(proteolítico, lipolítico, sacarolítico ou pectinolítico e outros), microaerófilo, por
exemplo. Ainda, essa “classificação” genérica não está completa.

A classificação apresentada será complementada no discorrer dos fatores, para melhor


compreensão das suas características.

Esses grupos mantém uma inter-relação que pode ser simbiótica (relação de vantagens
bilaterais), parasitária (vantagem unilateral, como os denominados “bacteriófagos”
que são vírus que infectam bactérias), comensal (grupos se beneficiam em cadeia),
por competidores (os que competem o mesmonicho ou substrato a ser metabolizado)
ou agressiva (microrganismos produtores de “bacteriocinas” ou “fungicinas” que são
substâncias produzidas e liberadas por um determinado grupo que agride outros grupos
de bactérias ou fungos).

Os grupos de microrganismos de interesse nos alimentos para fins de inspeção e


fiscalização são os deteriorantes e os patogênicos. Os “úteis”(necessários para a
transformação de algumas matérias-primas em produtos alimentícios) são importantes
para processos de obtenção de determinados produtos, como iogurte, queijos e bebidas
fermentadas alcoólicas. Os deteriorantes são responsáveis pela alteração e perda de
alimentos – estima-se que cerca de 30% das matérias-primas são perdidas pela ação
desses grupo.

42
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

Os patogênicos têm interessado à saúde pública, desde a produção de


matérias-primas, pois podem provocar doença no organismo que será matéria-prima
alimentar (específicos para patogenias de vegetais e animais), até outros, que específicos,
podem causar doenças no homem.

Ao longo do tempo, a sociedade humana começou a usar alguns métodos (processos),


tanto para evitar a perda de alimentos como para controlar as doenças. Esses
processos são aplicáveis em função de alguns fatores que permitem o controle
dos microrganismos nos alimentos. Esses fatores são designados de intrínsecos e
de extrínsecos. Os fatores intrínsecos são: pH e acidez; conteúdo de água ativa do
produto; potencial de óxido-redução; nutrientes; constituintes antimicrobianos;
estruturas biológicas; microbiota competidora. Os principais fatores extrínsecos são:
temperatura de manutenção do produto; umidade relativa do ambiente; presença e
concentração de gases no ambiente; irradiação ionizante.

Fatores intrínsecos

pH e acidez

É reconhecido que a maioria dos microrganismos se desenvolvem melhor em pH ao


redor do neutro (6,6/7,5), enquanto alguns se multiplicam em pH ácido (abaixo de
4,5). As bactérias que têm afinidade por ambiente ácido são designadas genericamente
de «acidófilas». As bactérias são, no geral, mais estritas quanto a pH, em especial as
patogênicas, preferindo os que são neutros (ao redor de 7,0) e podendo não apresentar
desenvolvimento ou serem mortas em meios ácidos, enquanto os bolores e leveduras
são mais tolerantes a esses fatores.

O pH dos produtos vegetais, em geral, é ácido, conforme quadro 8, adaptado; enquanto


os produtos de origem animal apresentam um pH mais próximo do neutro.

Esse dado corrobora a observação geral de deterioração de produtos vegetais por fungos
e de animais por bactérias. Alguns produtos, que apresentam pH intermediário entre
ácido e neutro, podem sofrer o ataque dos dois grupos. Os microrganismos basófilos,
que se desenvolvem em pH básico, são também, na sua maioria, os fungos. Entretanto,
são poucos os produtos alimentícios que apresentam pH básico. Veja no quadro a seguir
alguns exemplos.

43
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

Quadro 8. Valores aproximados de pH de alguns produtos alimentícios.

PRODUTO PH
Carne Bovina 5,1/6,2

Presunto 5,9/6,1

Carne de Frango 6,2/6,4

Camarão 6,8/7,0

Ostra 4,8/6,3

Leite 6,3/6,5

Manteiga 6,1/6,4

PRODUTO PH
Cenoura 4,9/5,2
Repolho 5,4/6,0
Tomate 4,2/4,3
Azeitona 3,6/3,8
Banana 4,5/4,7
Suco de laranja 3,6/4,3
Maçã 2,9/3.3
Fonte: Adaptado de JAY, J. M. Modern Food Microbiology. 4 a ed. Chapman & Hall, 1992.

O quadro 9 refere-se à tolerância de pH de alguns microrganismos.

Quadro 9. Limites de pH de alguns microrganismos.

ORGANISMO MÍNIMO MÁXIMO ÓTIMO


Escherichia coli 4,4 9,0 6,8-7,2
Salmonella typhi 4,5 8,0 6,8-7,2
Streptococcus lactis 4,3 – 4,8 6,5 8-7,2
Vibrio cholerae 5,5 9,0 6,8-8,0
Bolores 1,5 11,0 variável
Leveduras 2,5 8,5 variável
Fonte: Adaptado de JAY, J. M. Modern Food Microbiology. 4 ed. Chapman & Hall, 1992.
a

A acidez do produto é outro fator de importância. Não é linear com o pH, pois se refere a
ácidos não dissociados e que, portanto, podem não alterar o pH. As moléculas de ácidos
não dissociados podem interferir com o metabolismo dos microrganismos, incluindo
os fungos. A não dissociação dos ácidos ocorre em meios com pH ácidos. Por isso, os
ácidos fracos (orgânicos) são úteis na conservação de produtos ácidos, como conserva
de vegetais. Esse fator interno, assim como os demais que serão apresentados, não atua
isoladamente, porém interagem com os demais, criando condições ou apresentando
fatores que favorecem ou protegem da ação do pH e da acidez, ou que potencializam a
ação desses fatores.

44
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

Apesar de alguns produtos alimentícios serem caracterizados como produtos


com “acidez inerente” (constitucional, como nas frutas cítricas), outros podem
apresentar “acidez biológica”, ou seja, alteração do conteúdo ácido do produto,
por metabolismo microbiano. Alguns produtos alimentícios apresentam
resistência às mudanças de pH, quando comparados com outros. Os resistentes
são designados de “tamponados”. No geral, as carnes são mais tamponadas do
que os vegetais, apresentando alteração sem que ocorra grandes mudanças no
pH. Esse tamponamento está relacionado com o conteúdo proteico, maior e
marcante nas carnes e pobre na maioria dos vegetais.

Umidade

A necessidade de água para o desenvolvimento de microrganismos é designada de


“Água ativa” ou “Água de atividade”, representada por Aa. Esse parâmetro é definido
como a razão da pressão do vapor de água do produto alimentício com relação a pressão
do vapor de água pura, nas mesmas condições de temperatura.

Aa = p/p0

onde p = pressão de vapor do produto

p0 = pressão de vapor da água pura.

É importante ressaltar que a Aa está relacionada com moléculas de água quimicamente


disponíveis. A molécula de água quimicamente ligada, como, por exemplo, em
solução saturada de cloreto de sódio, não está disponível para a grande maioria dos
microrganismos. Assim, Aa não é necessariamente linear com o conteúdo de água total
de um produto.

A maioria dos microrganismos necessita de valores de Aa elevados. Entretanto, alguns


grupos são menos exigentes. Os microrganismos que podem se desenvolver em meios
relativamente secos são denominados de “xerófilos”, produtos com baixos teores de
água; “halofílicos”, produtos com concentrações elevadas de sal, em especial o NaCl e
“osmofílicos”, produtos com concentrações elevadas de açúcar.

A Aa da maioria dos produtos alimentícios frescos é de 0,99.

Como o fator anterior, esse também interage com outros, incluindo os fatores externos.
Assim, a manutenção de produto sob refrigeração e congelamento, por exemplo,
modifica a pressão do vapor da água do produto; consequentemente, a multiplicação
do microrganismo não apresentará a mesma razão daquela em temperaturas mais

45
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

adequadas, também pela mudança de Aa. Um dos métodos mais antigos, usados pelo
homem para preservar produtos alimentícios, é a secagem e a salga. Esses processos
alteram o Aa do produto. No quadro 10 estão registrados valores mínimos de Aa para o
desenvolvimento de alguns microrganismos e grupos de microrganismos.

Quadro 10. Valores mínimos aproximados de Aa de alguns microrganismos de importância nos alimentos.

GRUPOS DE MICRORGANISMOS
Maioria das bactérias deteriorantes 0,91
Maioria das leveduras deteriorantes 0,88
Maioria dos bolores deteriorantes 0,80
Bactérias halofílicas 0,75
Bolores xerofílicos 0,65
Leveduras osmofílicas 0,60
AGENTES ESPECÍFICOS
Achromobacter 0,96
Escherichia coli 0,95
Staphylococcus aureus 0,86
Clostridium botulinum 0,95
Salmonella spp 0,93
Pseudomonas 0,97
Saccharomyces rouxii 0,62

O quadro 11 refere-se à relação entre água ativa e concentração de solução de sal.

Quadro 11. Solução de cloreto de sódio – relação entre Aa e concentração lal Porcentagem(p/v)

Atividade de Água Concentração de NaCl


0,995 0,15 a 0,9
0,99 0,30 a 1,7
0,98 0,61 a 3,5
0,94 1,77 a 1,0
0,90 2,83 a 1,6
0,88 3,33 a 1,9

0,86 3,81 a 2,2

É importante notar que os sais, incluindo os sais de cura, quando em solução, apresentam
valores de Aa diferenciados, numa mesma concentração. Atualmente, os livros textos
fazem referência às concentrações desfavoráveis de cada tipo de sal para cada grupo
ou microrganismo. Assim, por exemplo, para a Salmonela, 4% de NaCl e 350mg de
NaNo2/L é considerado limitante, dependendo do pH e da temperatura de manutenção
do produto; para o Clostridium perfringens, 200mg/L de NaNo2 e 3,5% de NaCl.

No que se refere aos açúcares, a concentração capaz de alterar a Aa deve ser


significativamente maior do que a do NaCl: cerca de 6 vezes maior, para exercer a
mesma diminuição de Aa correspondente à do NaCl.
46
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

Potencial de óxido-redução

O desenvolvimento dos microrganismos é afetado pelo potencial de óxido redução.


Esse potencial pode ser definido como a facilidade que um substrato tem de ganhar ou
perder elétrons. Um elemento é denominado de “oxidado” quando perde elétrons e de
“reduzido” quando ganha elétrons. A diferença de potencial de um produto é medida
em milivolts (mV) e quando a concentração de oxidantes e redutores for igual, o mV=0.
O potencial O/R de um sistema é também expresso pelo símbolo Eh. O Eh dos produtos
alimentícios é variável: por exemplo, sucos de frutas apresentam valores entre +300
a +400, enquanto as carnes inteiras apresentam valores de cerca de -200 e os queijos
variam de -20 a -200 mV.

Alguns produtos alimentícios, portanto, competem elétrons necessários aos processos


respiratórios dos microrganismos, por serem capazes de fixar elétrons; outros, não os
fixam e, portanto, favorecem os microrganismos de que necessitam. O potencial de
óxido redução de um produto alimentício está relacionado com a capacidade de fixar
ou não o O2 atmosférico. Os microrganismos, como já assinalado, utilizam ou não o
O2 atmosférico, sendo agrupadas em “aeróbios” – necessitam de oxigênio e, portanto,
os produtos capazes de fixá-lo são desfavoráveis a esse grupo –; “anaeróbios” – o
oxigênio é desfavorável a este grupo e os produtos que o fixam são favoráveis a este
grupo –; “microaerófilos” – os que crescem melhor em pressões de 3-5% de O2 – e os
“facultativos” – que são relativamente resistentes a estas mudanças. Assim, as carnes
que possuem Eh negativos por fixarem o O2 são favoráveis aos anaeróbios, enquanto
o suco de frutas é favorável aos aeróbios. Com efeito, os Clostrídios (anaeróbios) se
desenvolvem em valores de mV de -36 ou abaixo, enquanto os bolores e leveduras
(aeróbios), em valores positivos. O potencial de O/R de um produto alimentício pode
variar. No caso das carnes, por exemplo, as inteiras apresentam mV negativos, porém
as moídas com antecedência apresentam valores mais altos, comparativamente.
A deterioração de produtos vegetais pela ação de bolores e leveduras é compreendida
pela análise simples de pH e potencial O/R.

O potencial O/R de um produto é determinado por:

1. o potencial O/R da matéria-prima;

2. a resistência à mudança de potencial;

3. a tensão de O2 sobre o produto;

4. o acesso do ar atmosférico no produto.

47
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

Como os demais fatores intrínsecos, este também não deve ser considerado isoladamente,
mas em conjunto com outros. Os processos usados desde a antiguidade pelo homem
que se relacionam com esse fator foram os que impediam o acesso do ar atmosférico
nos alimentos e bebidas.

Nutrientes

Os nutrientes necessários para o desenvolvimento dos microrganismos são os mesmos


nutrientes que necessitamos para o nosso desenvolvimento.

»» Água: a importância da água no desenvolvimento dos microrganismos


já foi exposta no tópico “Umidade”.

»» Energia: como fonte de energia, os microrganismos utilizam açúcares,


álcool e aminoácidos. Poucos deles conseguem utilizar carboidratos
complexos, como o amido e celulose; os que metabolizam esses
carboidratos, primeiramente, o degradam a açúcares simples e assim
contribuem para o desenvolvimento de outros grupos (desenvolvimento
em cadeia). Poucos microrganismos utilizam lipídios como fonte
de energia. Quando o substrato contém açúcares simples (mono,
dissacarídeos), eles são usados, primeiramente, para depois ocorrer a
utilização dos açúcares mais complexos.

»» Nitrogênio: a fonte primária de nitrogênio são os aminoácidos. Uma


grande variedade de outros compostos nitrogenados são também
fonte para os microrganismos: proteínas, peptídeos, nucleotídeos e
aminoácidos livres. Os compostos nitrogenados de cadeia menores ou
mais simples são usados antes dos compostos complexos.

»» Vitaminas e outros fatores de crescimento: alguns


microrganismos necessitam de vitaminas do complexo B e a maioria das
matérias-primas alimentares tendem a ter uma microbiota incapaz
de sintetizar esse e outros fatores. No geral, parte das bactérias
Gram-positivas não são capazes de sintetizar esses fatores, enquanto a
maioria das Gram negativas e os bolores são capazes de sintetizá-los.
Dessa forma, pode haver uma simbiose entre esses grupos, relacionando
produção de fatores com degradação de alguns substratos, por exemplo.
As frutas tendem a ter uma quantidade de fatores de crescimento menores
do que as carnes; consequentemente, os microrganismos capazes de
sintetizar suas necessidades podem se desenvolver melhor sobre esse
produto.

48
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

»» Constituintes antimicrobianos: a estabilidade de alguns produtos


alimentícios está relacionada com a presença de constituintes naturais
capazes de limitar/inibir o desenvolvimento de alguns ou dos demais
microrganismos. Como exemplos, podem-se citar a lizozima, presente
na clara do ovo, e os óleos essenciais, como o eugenol do cravo-da-índia
(usado como desinfetante pela odontologia) e o aldeído cinâmico da canela.
Outros produtos, como alho e cebola, também apresentam constituintes
antimicrobianos. O leite apresenta algumas substâncias, incluindo
anticorpos de excreção láctea, abundante no colostro.

»» Estruturas biológicas: a maioria das matérias-primas alimentares


tem coberturas que a protege fisicamente do ataque de microrganismos.
Estruturas biológicas intactas, como a casca de ovos, de nozes, de outras
sementes oleaginosas, impedem que microrganismos penetrem no seu
interior. Uma vez rompida essa estrutura biológica, a parte interna
desses produtos é facilmente acessada, colonizada e degradada por
microrganismos. Quanto mais fracionada a estrutura biológica natural
desses produtos, maior disseminação e ataque por microrganismos, em
especial nas frutas, grãos comestíveis e raízes, como mandioca, cenoura
e batata, inclusive, por ser maior a área de exposição e, portanto, de
contaminação. Essa proteção natural não se restringe aos microrganismos,
mas também a outros processos químicos que podem ocorrer quando do
contato das partes internas com o ar atmosférico, como as oxidações.

Fatores extrínsecos

Temperatura

Os microrganismos podem se desenvolver numa faixa bastante ampla de temperatura.


Essa faixa compreende desde -24º C até +90º C. Entretanto, não é o mesmo grupo
de microrganismos que podem se desenvolver nesses extremos assinalados. Alguns
grupos já foram citados, como os psicrotróficos (desde temperaturas negativas até
+10ºC, dependendo dos subgrupos) e os termófilos, por exemplo. Cada grupo dessa
classificação é composto de subgrupos, com sua temperatura mínima, máxima e
ótima de desenvolvimento. Alguns grupos possuem um tempo de geração maior que
os outros. Por exemplo, mesmo no seu ótimo de temperatura, os psicrotróficos são
mais lentos para dar origem a uma nova geração, sendo necessário cerca de 10 dias de
incubação para a observação visual do seu desenvolvimento; em temperaturas ótimas
e o desenvolvimento da quase totalidade dos mesófilos é observada em 18 e 24 horas.

49
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

A temperatura ótima para o desenvolvimento de uma bactéria é diretamente proporcional


à sua resistência térmica, com exceção dos esporos, que são formas de resistência a esse
e a outros fatores. Assim, os microrganismos psicrotróficos são os de menor resistência
térmica, enquanto os termófilos apresentam resistência acentuada. Essa resistência
está relacionada a uma injúria da célula bacteriana, que pode ser suficiente para lesar
ou inviabilizar biologicamente o microrganismo. Muitos deteriorantes estão no grupo
dos psicrotróficos ou ambientais, enquanto a maioria dos patógenos estão no grupo
dos mesófilos. Esse dado contribui para estabelecer regras de “Boas Práticas” e de
medidas preventivas no controle de deteriorantes e patógenos. É importante salientar
que a manutenção de mesófilos, por exemplo, em temperaturas baixas, não significa,
necessariamente, morte fisiológica, mas pode ocorrer uma diminuição do seu número
ou uma inibição total ou parcial de seu desenvolvimento. Apesar de a temperatura
não ser um fator que atua isoladamente, mas em associação com outros, incluindo
principalmente os intrínsecos, pode-se estabelecer a curva de aumento do número de
células de um determinado microrganismo, quando os demais fatores são favoráveis
à sua multiplicação. Assim, se estabelece a temperatura ótima para novas gerações:
a maioria dos ambientais, mesófilos e termófilos duplicam o seu número em 20-30
minutos quando já adaptados ao substrato. Há extremos com tempo de geração de 5
minutos ou de 1 hora. A mudança de temperatura, em especial nas mais baixas, pode
retardar esse tempo de geração, aumentando o denominado “tempo de prateleira” ou
de “conservação” de produtos alimentícios.

É interessante observar que determinados produtos não se mantém adequadamente


em temperaturas baixas e que seriam mais desfavoráveis aos microrganismos, como,
por exemplo, a banana e outras frutas e os vegetais de talo curto, que se alteram
naturalmente por exposição a temperaturas mais baixas (alface, por exemplo, se
mantém melhor a 10-12°C do que a 4-6°C). Ainda, no que se refere ao congelamento,
há diferenças: o congelamento rápido é mais indicado para a manutenção do próprio
produto alimentício e da sua microbiota; o congelamento lento é mais deletério ao
produto e aos microrganismos.

No que se refere à aplicação de temperaturas altas, observa-se o mesmo: temperaturas


mais altas podem alterar o produto – e destruir maior número de microrganismos,
temperaturas brandas, como a pasteurização, preservam melhor as características
nutricionais do produto e são eficazes para destruir determinados grupos de
microrganismos, notadamente os psicrófilos e mesófilos não esporulados, não tendo a
mesma ação sobre os termófilos e as formas esporuladas.

50
Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs) │ UNIDADE II

Umidade relativa do ambiente

A umidade relativa mantém relação estreita com a Aa. Produtos que apresentam Aa
baixas devem ser protegidos adequadamente da umidade relativa ambiental, caso
contrário sua superfície poderá ser hidratada, ocorrendo mudança da quantidade de
água disponível ao desenvolvimento dos microrganismos.

Dessa forma, também o produto terá suas características alteradas. Os tipos de


embalagem, em função da temperatura de manutenção de um determinado produto
alimentício, têm importância fundamental na qualidade do produto e na relação com
sua microbiota. É de se notar que esse fator está relacionado com todos os anteriores,
em especial a temperatura. Em condições normais de refrigerador doméstico, ocorre a
dessecação da superfície de produtos alimentícios e, em congelamento, a água interna
não está disponível, podendo ocorrer a sublimação da que está na superfície do produto.

Gases do ambiente

A presença e concentração de gases no ambiente que circunda um produto alimentício


tem relação direta com seu potencial de O/R, notadamente na superfície exposta do
produto. Ambientes modificados, como os que contêm cerca de 10% de gás carbônico,
são designados de “atmosfera controlada” e são úteis no controle de deterioração de
determinados produtos, como as frutas, uma vez que os deteriorantes principais são
bolores aeróbios. O envolvimento das frutas com filme impermeável é outro tipo de
controle. No caso da maçã de importação/exportação, esse controle é feito por película
impermeável a gases que se aplica diretamente à superfície da fruta. Como no caso
anterior, a embalagem selecionada para cada classe de produto alimentício, contribui
para a extensão da sua “vida de prateleira”.

Fatores que favorecem surtos de DTHA

Fatores relacionados com a presença do agente

»» Contaminação na origem (matérias-primas).

» » Contaminação relacionada com a procedência (matérias-primas,


ingredientes semiprocessados, ingredientes processados;
acondicionamento, conservação, distribuição, exposição à venda etc.).

51
UNIDADE II │ Bases conceituais das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHAs)

»» Introdução de contaminantes ambientais nos locais de processamento


(limpeza e desinfecção de utensílios, recipientes, superfícies de contato
etc.).

»» Manuseio e manipulação (contaminação por processadores).

Fatores relacionados com a multiplicação dos


agentes (bacterianos), com ou sem produção de
toxina

»» Conservação inadequada por tempo prolongado de produto que apresenta


condições para a multiplicação (produtos não ácidos e não secos; não
acondicionados em embalagens herméticas que sofreram processo
térmico que confere estabilidade à temperatura ambiente; tempo/
temperatura compatível para o desenvolvimento).

»» Descongelamento em condições que favorecem multiplicação na


superfície do produto.

Fatores relacionados com a sobrevivência de


bactérias e parasitos

»» Temperatura/tempo do processo (no caso de falhas, pode ocorrer


sobrevivência).

»» Congelamento lento (o rápido é mais efetivo para a sobrevivência).

»» Tempo de congelamento insuficiente para destruir parasito em carnes e


pescado.

52
Doenças de
Transmissão Unidade iII
Hídrica e
Alimentar (DTHA)

Capítulo 1
Doenças de Transmissão Hídrica e
Alimentar (DTHA)

Neste capítulo, destacamos os agentes bacterianos comumente envolvidos na veiculação


de doenças pelos alimentos. As informações constantes no capítulo têm como fonte o
site disponível no link: <http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/hidri_doenca.
html>. (Acessado em: 1o de março de 2015).

No referido link, é possível também encontrar o detalhamento para os


contaminantes de origem biológica das categorias vírus, parasitas, proteínas
e toxinas naturais, além dos contaminantes de origem física e química. As
referências bibliográficas de cada agente apresentado estão à disposição no
referido link, na tela correspondente a cada agente estudado. Recomendamos a
leitura para a completa instrução nesta disciplina.

<http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/hidri_doenca.html>

Aeromonas Hydrophyla e outras SPP


SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO

CENTRO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA “PROF. ALEXANDRE


VRANJAC”DIVISÃO DE DOENÇASDE TRANSMISSÃO HÍDRICA E ALI MENTAR

1. Descrição da doença: A. hydrophila pode causar gastroenterite em


indivíduos saudáveis ou septicemia em indivíduos com deficiência no
sistema imunológico. É associada também a infecções em ferimentos.
A. caviae e A. sobria também podem causar enterite em qualquer um
ou septicemia em pessoas imunocomprometidas. Na atualidade, há

53
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

controvérsia sobre se A. hydrophila é uma causa de gastroenterite


humana. Embora o microrganismo possua vários atributos que poderiam
torná-lo patogênico para humanos, estudos de alimentação em humanos
voluntários, mesmo com quantidades enormes de células, fracassaram
na elucidação da doença em humanos.

2. Agente etiológico: três espécies são definidas fenotipicamente –


A. hydrophila, A. caviae e Aeromonas veronii subtipo sobria. Espécies de
Aeromonas são gram negativo, facultativamente bactérias anaeróbicas.
Aeromonas hydrophila é uma das espécies de bactéria que está presente
em solo e em todos os ambientes de água doce e salgada. Algumas cepas
de A. hydrophila são capazes de causar doença em peixes e anfíbios como
também em humanos que podem adquirir infecções por feridas abertas
ou por ingestão de um número suficiente de organismos em alimentos ou
água. Não se conhece muito sobre outras Aeromonas spp., mas também
são microrganismos aquáticos e foram implicados em doença humana.

3. Ocorrência: a frequência de A. hydrophila é desconhecida. Só


recentemente foram realizados esforços para averiguar sua verdadeira
incidência. A maioria dos casos tem sido esporádica, mas vários surtos
têm sido registrados por centros clínicos. Não há estatísticas no Brasil,
supondo-se ser subdiagnosticada e subnotificada.

4. Reservatório: provavelmente animal. Encontradas em peixes e frutos


do mar e também em carnes vermelhas (boi, porco e carneiro) e aves.

5. Período de incubação: variável, de horas a dias. Duração variável e


prolongada em imunodeprimidos.

6. Modo de transmissão: ingestão de alimentos e água contaminados.


Foi incluída, por ser um patógeno entérico emergente, na lista de
contaminantes importantes para a saúde pública pela Agência de
Proteção Ambiental (EPA), devido a seu potencial de crescimento
nos sistemas de distribuição de água, especialmente em biofilmes, em
que pode ser resistente à cloração. Entretanto, seu papel em infecções
através da água não está claro. Estudos utilizando o PFGE (Pulsed-Field
Gel Electrophoresis) em água e pacientes de surtos por água não têm
mostrado essa relação.

7. Susceptibilidade e resistência: acredita-se que todas as pessoas


são suscetíveis à gastrenterite, embora frequentemente tem sido mais
observada em crianças muito jovens. Pessoas com sistema imune
prejudicado ou septicemia são suscetíveis às infecções mais severas.

54
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

8. Conduta médica e diagnóstico: A. hydrophila pode ser diagnosticada


por meio de cultura de fezes ou de sangue em um ágar que contenha
sangue de ovelha e ampicilina. Ampicilina previne o crescimento da
maioria dos microrganismos competidores. A identificação de espécies
é confirmada por uma série de testes bioquímicos. A habilidade do
organismo em produzir enterotoxinas acredita-se ser a causa dos
sintomas gastrointestinais, pode ser confirmada através de ensaios de
cultura de tecido.

9. Tratamento: hidratação e reposição de eletrólitos em casos mais graves


e antibióticos em septicemias.

10. Alimentos associados: A. hydrophila é frequentemente encontrada


em peixes e moluscos. Também foi encontrada em amostras de carnes
vermelhas (carne de boi, carne de porco, carneiro) e frango. Do pouco
que é conhecido sobre os mecanismos de virulência da A. hydrophila,
presume-se que nem todas as cepas sejam patogênicas. A. hydrophila
pode ser recuperada da maioria dos alimentos por cultura em um meio
sólido que contenha amido como a fonte de carboidrato exclusiva e
ampicilina para retardar o crescimento da maioria microrganismos
competidores.

11. Medidas de controle:

a. notificação de surtos – a ocorrência de surtos (2 ou mais casos)


requer a notificação às autoridades de vigilância epidemiológica
municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação
das fontes comuns e o controle da transmissão por meio de medidas
preventivas. Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância
Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466.

b. medidas preventivas – controle dos alimentos ou água contaminados,


educação da população para consumo de alimentos bem cozidos e outras
medidas de ordem geral para a prevenção de doenças veiculadas por água
e alimentos.

c. medidas em epidemias – investigação dos surtos/epidemias, detecção


das fontes de transmissão e outros aspectos para conhecer melhor sua
epidemiologia.
Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar -

DDTHA/CVE-SES/SP, em 2000. Revisado em agosto de 2011.

55
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Bacillus Cereus/intoxicação alimentar


1. Descrição da doença: intoxicação alimentar por B. cereus é a descrição
geral da doença, embora dois tipos de doença sejam causados por dois
distintos metabólitos. O tipo de diarreia da doença é causado por uma
proteína de grande peso molecular, enquanto que o de vômito acredita-se
ser causado por uma proteína de baixo peso molecular, um peptídeo
termoestável.

Os sintomas de diarreia do B. cereus, devido a intoxicações alimentares,


mimetizam os

de intoxicações alimentares por Clostridium perfringens. O tipo emético de


intoxicação alimentar pelo B. cereus é caracterizado por náusea e vômito e
é semelhante aos sintomas causados por intoxicações por Staphylococcus
aureus. Dores abdominais e/ou diarreia podem estar associadas neste tipo.
Algumas cepas de B. subtilis e B. licheniformis foram isoladas de carneiro e
frango incriminados em episódios de intoxicação alimentar. Estes organismos
produzem uma toxina altamente termo estável a qual pode ser similar à toxina
do tipo emético produzida pelo B. cereus.

Embora nenhuma complicação específica tenha sido associada com as toxinas


do vômito e da diarreia produzidas pelo B. cereus, outras manifestações
clínicas, de invasão ou contaminação, têm sido relatadas. Elas incluem
infecções sistêmicas e piogênicas graves, gangrena, meningite séptica, celulite,
abscessos pulmonares, endocardite e morte na infância.

2. Agente etiológico: B. cereus é um gram-positivo, facultativamente


aeróbico, um formador de esporos, produtor de dois tipos de toxina –
diarreica (termo lábil) e emética (termo estável).

3. Ocorrência: reconhecida como causa de intoxicações alimentares em


todo o mundo.

4. Reservatório: frequente no solo e meio ambiente e encontrado em


baixos níveis em alimentos crus, secos ou processados.

5. Período de incubação: de 30 minutos a 6 horas em casos nos quais o


vômito é predominante, com duração de sintomas inferiores a 24 horas;
de 6 a 24 horas quando a diarreia é predominante.

56
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

6. Modo de transmissão: ingestão de alimentos mantidos em


temperatura ambiente por longo tempo, depois de cozidos, o que permite
a multiplicação dos organismos. Surtos com vômitos predominantes
são mais comumente associados ao arroz cozido que permaneceu em
temperatura ambiente. Uma variedade de erros na manipulação de
alimentos tem sido apontada como causa de surtos com diarreia.

7. Susceptibilidade e resistência: todas as pessoas parecem ser


susceptíveis ao B. cereus.

8. Conduta médica e diagnóstico: a confirmação do B. cereus como o


agente etiológico em um surto alimentar requer:

a. isolamento das cepas do mesmo sorotipo do alimento suspeito e das fezes


ou vômitos de pacientes;

b. isolamento de uma grande quantidade do sorotipo do B. cereus no


alimento (geralmente > 106 por grama do alimento incriminado) ou nas
fezes ou vômitos dos pacientes;

c. isolamento do B. cereus de alimentos suspeitos e determinação de


sua enterotoxigenicidade por testes sorológicos (toxina diarreica) ou
biológicos (emética e diarreica). O rápido início dos sintomas na forma
emética da doença, acompanhada de alguma evidência de intoxicação
por alimento, é muitas vezes suficiente para diagnosticar esse tipo de
intoxicação alimentar.

9. Tratamento: utilização de sintomáticos e reposição hidroeletrolítica


em casos mais graves.

10. Alimentos associados: uma larga variedade de alimentos tem sido


implicada em surtos tais como carnes, leite, vegetais e peixes. Os surtos
por vômitos estão mais associados a produtos à base de arroz; entretanto,
outros produtos têm sido implicados em surtos como batatas, massas e
queijos. Misturas com molhos, pudins, sopas, assados e saladas têm sido
implicadas. Uma variedade de métodos de análise é recomendada para a
recuperação, identificação e confirmação do B. cereus em alimentos. Um
método sorológico foi desenvolvido para identificação da enterotoxina
diarreica do B. cereus para alimentos suspeitos. Estudos sugerem que
a toxina do vômito pode ser detectada por modelos em animal (gatos,
macacos) ou possivelmente por cultura de células.

57
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

11. Medidas de controle:

a. notificação de surtos – a ocorrência de surtos (2 ou mais casos)


requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica
municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação
das fontes comuns e o controle da transmissão por meio de medidas
preventivas. Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância
Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466.

b. medidas preventivas – educação para os manipuladores de alimentos


e donas de casa; alimentos não podem permanecer em temperatura
ambiente após cozidos, uma vez que os esporos de B. cereus podem
sobreviver à fervura, germinando e multiplicando-se rapidamente em
temperatura ambiente. As sobras de alimentos devem ser prontamente
refrigeradas; reaquecimento rápido e de todo o alimento ajuda evitar a
multiplicação dos microrganismos.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, ano

2002. Revisado em agosto de 2011.

Brucella SP./Brucelose
1. Descrição da doença: enfermidade bacteriana generalizada de início
agudo ou insidioso, nos humanos; os sintomas são similares ao da gripe,
caracterizada por febre continua, intermitente ou irregular, de duração
variável, debilidade, cefaleia, suor profuso, perda de peso e mal-estar
generalizado. Às vezes, surgem infecções localizadas supurativas e são
frequentes as infecções subclínicas e não diagnosticadas. As complicações
osteoarticulares são comuns. Podem ocorrer infecções graves do Sistema
Nervoso Central e do revestimento do coração. Brucelose não causa
sintomas crônicos ou de longa duração que incluem febre recorrente,
dores articulares e fadiga.

2. Agente etiológico: Brucella abortus, biotipos 1-6 e 9; B. melitensis,


biotipos 1-3; B. suis, biotipos1-5, e B. canis.

3. Ocorrência: a distribuição da doença é mundial, especialmente nos


países mediterrâneos e leste da Europa, no norte e oeste da África, na
Índia, Ásia Central, México, Oriente Médio, América Central e América
do Sul. As fontes de infecção e o agente etiológico variam com a zona

58
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

geográfica. É uma doença predominante de pessoas que trabalham com


animais infectados e seus tecidos, em especial os granjeiros, veterinários
e trabalhadores de matadouros e, mais frequente, nos homens. Surgem
casos esporádicos e surtos entre consumidores de leite e alimentos lácteos
não pasteurizados de vacas, ovelhas e cabras (especialmente queijos).
São conhecidos casos isolados de infecção por B. canis em pessoas
que mantêm contato com cães. A incidência atualmente nos Estados
Unidos varia de 100 a 200 casos por ano. No Brasil, é subdiagnosticada
e subnotificada.

4. Reservatório: entre os reservatórios humanos da infecção incluem o


gado bovino e suíno, cabras e ovelhas. Pode afetar cães, coiotes. B. canis
constitui um problema em colônias caninas de laboratório e em canis;
uma porcentagem pequena de cães domésticos e uma proporção elevada
de cães de rua tem títulos positivos de anticorpos contra B. canis.

5. Período de incubação: período de incubação é variável; podem ser de


5 a 60 dias e é frequente que seja de um a dois meses e, às vezes, de vários
meses.

6. Modo de transmissão: a transmissão ocorre pelo contato com tecidos,


sangue, urina, secreções vaginais, fetos abortados e em especial placenta
e por ingestão de leite cru e produtos lácteos (queijos) provenientes
de animais infectados. Os animais podem ser infectados através do ar
nos currais e estábulos, e o homem, no laboratório e nos matadouros.
Transmissão pessoa a pessoa é extremamente rara, mas pode ocorrer por
meio da amamentação e do ato sexual. Em ambos os casos, se o bebê ou
pessoa suscetível for tratada, o risco de ser infectada será provavelmente
eliminado em 3 dias. Embora incomum, a transmissão via transplante de
material infectado também pode ocorrer.

7. Susceptibilidade e resistência: a gravidade e a duração do quadro


clínico são variáveis. Não se conhece a duração da imunidade adquirida.

8. Conduta médica e diagnóstico: o diagnóstico laboratorial se faz pelo


isolamento apropriado do agente infeccioso do sangue, da medula óssea
ou outros tecidos, ou de secreções do doente. As provas sorológicas são
importantes meios de diagnóstico. As provas que medem a IgG podem
ser úteis, em particular nos casos crônicos. Recomenda-se coletar duas
amostras de sangue com duas semanas de distância, no caso de se utilizar

59
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

o método de detecção de anticorpos contra a bactéria. Para os anticorpos


contra B. canis, são necessárias técnicas sorológicas específicas.

9. Tratamento: o tratamento indicado é uma combinação de rifampicina


(600 a 900 mg) e doxiciclina (200 mg/dia) durante seis semanas. Na
medida do possível, deve-se evitar o uso de tetraciclina nas crianças
menores de 7 anos. Nos pacientes graves, pode-se administrar esteroides
para combater a toxicidade generalizada. As recaídas são observadas em
cerca de 5% dos pacientes tratados e não dependem de microrganismos
resistentes; esses casos devem se submetidos novamente ao tratamento
original. Podem surgir artrites nos casos recorrentes e às vezes é necessário
o uso de corticoides.

10. Medidas de controle:

a. notificação de surtos - a ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer


a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica
municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação das
fontes comuns e o controle da transmissão através de medidas preventivas
(interdição de produtos sem pasteurização, medidas educativas entre
outras). Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância
Epidemiológica - Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466.

b. medidas preventivas – a infecção é prevenida pela educação da


população para que não se consuma leite cru e derivados de leite sem
pasteurização; educação dos granjeiros e dos trabalhadores de matadouros
a respeito da natureza da enfermidade e do risco de manipular carnes
ou produtos de animais potencialmente infectados; funcionamento
apropriado dos matadouros para minimizar a exposição ou contato;
aplicação de provas sorológicas nos animais suspeitos e eliminação dos
animais infectados. Os produtos de origem animal como o leite e os
produtos lácteos de vacas, ovelhas e cabras devem ser pasteurizados.
Deve-se ter cuidado no manejo e na eliminação da placenta, secreções
e fetos dos animais abortados. A desinfecção das zonas contaminadas
também deve ser feita.

c. medidas em epidemias: deve ser feita a busca do veículo comum


da infecção, que normalmente seria o leite não pasteurizado e seus
derivados, especialmente o queijo, provenientes de rebanho infectado.
Deve-se reunir ou confiscar os produtos suspeitos e interromper a sua
produção e distribuição, ao menos que estes sofreram pasteurização.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, ano 2002.
Revisado em agosto de 2011.

60
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Campylobacter Jejuni/Campilobacteriose

1. Descrição da doença: campilobacteriose é o nome da doença causada


pelo C. jejuni. É também referida como enterite por Campylobacter ou
gastrenterite. Seus principais sintomas são diarreia, que pode ser líquida
ou com muco, e conter sangue (geralmente oculto) e leucócitos fecais;
febre, dor abdominal, náusea, dor de cabeça e dores musculares. A maior
parte das infecções é autolimitada, não necessitando tratamento com
antibióticos.

Complicações são relativamente raras, embora essas infecções possam estar


relacionadas à artrite reativa (fortemente associada com portadores do
antígeno HLA-B27), síndrome hemolítico urêmica, septicemia e infecções em
outros órgãos.

A dose infectiva é considerada baixa – estudos sugerem que cerca de 400-


500 bactérias podem causar doenças em alguns indivíduos e em outros
seria necessário uma quantidade maior. A taxa de letalidade estimada para
as infecções por C. jejuni é de 0,1 óbitos por mil casos. Óbitos são raros em
indivíduos saudáveis e costumam ocorrer em pacientes com câncer ou outras
doenças debilitantes. Estão registrados em literatura 20 casos de aborto
séptico por C. jejuni. Meningite, colite recorrente, colecistite aguda e Síndrome
de Guillain-Barré (SGB) são complicações mais raras. Estima-se que 1 caso
por 1.000 infecções diagnosticadas evoluem para SGB, uma paralisia que
dura várias semanas e requer cuidados intensivos. Nos EEUU, 40% de SGB
são causadas por campilobacteriose. É quadro importante para diagnóstico
diferencial de botulismo.

2. Agente etiológico: C. jejuni é um gram-negativo em forma de bacilo,


curvado, fino e mótil. É um organismo microaerofílico que exige baixos
níveis de oxigênio. É relativamente frágil e sensível no meio ambiente
(21% de oxigênio, seca, calor, desinfetantes e condições ácidas, por
exemplo) tendo sido reconhecido como um importante patógeno entérico,
despontando em vários países e, em especial nos EEUU, como uma das
principais causas de doença diarreica bacteriana, mais que a Shigella spp.
e Salmonella spp. juntas.

3. Ocorrência: causa comum em países desenvolvidos, ocorre com maior


frequência no verão do que inverno. Estima-se nos EEUU a ocorrência
de 13 casos por 100 mil habitantes com cerca de 2,4 milhões de pessoas
afetadas. No Brasil, é subdiagnosticada e subnotificada.

61
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

4. Reservatório: indivíduos saudáveis não são portadores de C. jejuni.


Tem sido isolado de gado, frangos, pássaros e moscas. É detectado em
água (não clorada de fontes, rios e lagos). Ainda está sob estudos e não
tem sido possível diferenciar cepas patogênicas de não patogênicas.
O mecanismo patogênico ainda não é completamente conhecido, mas
sabe-se que ela produz uma toxina sensível ao calor que pode causar
diarreia. A C. jejuni também pode ser um organismo invasivo.

5. Período de incubação: 2 a 5 dias após a ingestão de água ou alimentos


contaminados. Dura, em geral, de 7 a 10 dias; reincidências não são
incomuns (25% dos casos).

6. Modo de transmissão: alimentos contaminados, especialmente


frangos crus ou mal cozidos, leite cru e água não clorada e contato com
animais infectados (gatos e filhotes de cachorro). Uma maneira de
infectar-se é cortar frango cru ou mal cozido e utilizar a mesma tábua
de corte, sem lavá-la, para cortar vegetais ou outros alimentos, pois uma
gota de líquido de frango cru já é o suficiente para infectar uma pessoa.

7. Susceptibilidade e resistência: susceptibilidade geral, embora


crianças menores de 5 anos e adultos jovens (15-29 anos) são mais
afetados que outros grupos de idade.

8. Conduta médica e diagnóstico: C. jejuni é encontrado em grande


número nas fezes diarreicas dos indivíduos, mas, seu isolamento requer
meio especial contendo antibiótico e atmosfera microaerofílica (5% de
oxigênio). No Brasil, é uma bactéria ainda pouco testada.

9. Tratamento: o tratamento consiste, na maioria dos casos, de hidratação;


porém, pode ser necessário o uso de eritomicina para reduzir o tempo
de eliminação do patógeno nas fezes. As complicações podem requerer
tratamentos específicos.

10. Alimentos associados: frangos, leite cru e água não clorada. Galinhas
saudáveis podem ser portadoras do patógeno no trato intestinal,
assim como gado e moscas nas fazendas carregam a bactéria. Cloro e
aquecimento matam a bactéria. Isolamento de C. jejuni em alimentos é
difícil porque a bactéria costuma estar presente em número muito baixo.
Os métodos requerem um caldo enriquecido com antibióticos e placas
especiais e atmosfera microaerofílica (5% de oxigênio) e uma elevada
concentração de dióxido de carbono (10%). O isolamento pode levar de
vários dias a uma semana.

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Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

11. Medidas de controle:

a. notificação de surtos – a ocorrência de surtos (2 ou mais casos)


requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica
municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação
das fontes comuns e o controle da transmissão por meio de medidas
preventivas (interdição de produtos sem pasteurização, medidas
educativas entre outras). Orientações poderão ser obtidas junto à Central
de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466.

b. medidas preventivas – orientação sobre a forma de contaminação de


alimentos e água; uso de cloro e aquecimento.

c. medidas em epidemias/surtos – investigação de epidemias/surtos e


detecção das fontes de transmissão com medidas sanitárias.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, fevereiro


de 2003. Revisado em agosto de 2011.

Clostridium botulinum/botulismo

1. Descrição da doença: é uma doença resultante da ação de uma


potente toxina produzida por uma bactéria denominada Clostridium
botulinum (C. botulinum), habitualmente adquirida pela ingestão de
alimentos contaminados (embutidos e conservas em latas e vidros), de
ocorrência súbita, caracterizada por manifestações neurológicas seletivas,
de evolução dramática e elevada letalidade. Há 4 tipos de botulismo:
alimentar; infantil (reconhecida em 1976); por ferimento (rara); e de
classificação indeterminada (casos adultos sem fonte identificada). Pode
iniciar com vômitos e diarreia (mais comum a constipação), debilidade,
vertigem, sobrevindo logo em seguida, alterações da visão (visão turva,
dupla, fotofobia), flacidez de pálpebras, modificações da voz (rouquidão,
voz cochichada, afonia ou fonação lenta), distúrbios da deglutição,
flacidez muscular generalizada, descendente e simétrica – face, pescoço
(cabeça pendente) e membros –, dificuldade de movimentos, agitação
psicomotora e outras alterações relacionadas com os nervos cranianos,
podendo provocar dificuldades respiratórias, cardiovasculares, levando à
morte por insuficiência e parada cardiorrespiratória.

2. Agente etiológico e toxina: o Clostridium botulinum é um bacilo


gram-positivo, que se desenvolve em meio com baixa concentração de

63
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

oxigênio (anaeróbio), produtor de esporos, encontrado com frequência


no solo, em legumes, verduras, frutas, fezes humanas e excrementos
animais. Estes anaeróbios, para desenvolverem a toxina, necessitam de
pH básico ou próximo do neutro. São descritos sete tipos de Clostridium
botulinum (de A a G) os quais se distinguem pelas características
antigênicas das neurotoxinas que produzem. Os tipos A, B, E, e o F (este
último, mais raro) são os responsáveis pela maioria dos casos humanos.
Os tipos C e D são causas da doença do gado e outros animais. O tipo E, em
seres humanos, está associado ao consumo de pescados e frutos do mar.
Alguns casos do tipo F foram atribuídos ao C. baratii ou C. butyricum.
O tipo G foi encontrado em solo argentino, mas não foi envolvido em
nenhum surto relatado.


A toxina é uma exotoxina ativa (mais que a tetânica), de ação neurotrópica
(ação no sistema nervoso), e a única que tem a característica de ser letal
por ingestão, comportando se como um verdadeiro veneno biológico.
É letal na dose de 1/100 a 1/120 ng. Ao contrário do esporo, a toxina é
termolábil, sendo destruída à temperatura de 80º C por 10 minutos ou a
100 º C por 5 minutos.

3. Modo de transmissão: são descritos os seguintes modos de transmissão


para o Botulismo:

a. por ingestão de alimentos – que é a forma mais comum e responsável por


surtos esporádicos, por meio do consumo de alimentos insuficientemente
esterilizados, e consumidos sem cocção prévia, que contém a toxina.
É conhecido também o botulismo em lactentes (associação com a
Síndrome de Morte Súbita do Recém-Nascido) e em crianças mais jovens,
desenvolvido a partir da ingestão de esporos nos alimentos, que no
intestino, sem microbiota de proteção, desenvolvem e liberam a toxina;

b. por ferimentos – a ferida contaminada pelo C. botulinum é lugar ideal


para o desenvolvimento da toxina com produção do quadro clínico e
patogenia idênticos ao do quadro por intoxicação oral. Nos EEUU, são
frequentes os casos por ferimentos contaminados e em usuários de
drogas injetáveis;

c. por vias aéreas – através da inalação da toxina, que acaba por atingir
a corrente sanguínea, e daí alcança o sistema nervoso central e demais
órgãos, exercendo a sua ação patogênica com o mesmo quadro já descrito;

64
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

d. infecção por via conjuntival (aerossol ou líquido) – a toxina alcança


imediatamente a corrente sanguínea, desenvolvendo o quadro típico.

4. Período de incubação: os sintomas podem surgir entre 2 horas a


cerca de cinco dias, em período médio de 12 a 36 horas, após a ingestão
de alimento contaminado, dependendo da quantidade de toxina
ingerida. É muito raro o aparecimento vários dias após a ingestão do
alimento contaminado. Quanto mais toxina ingerida, mais curto o tempo
entre a ingestão e aparecimento da doença. Quanto menor o tempo de
aparecimento da doença, maior a gravidade e a letalidade da doença.

5. Aconduta médica e diagnóstico da doença humana: o botulismo


é diagnosticado pelos sintomas e sinais apresentados, pela detecção e
tipo da toxina no sangue, fezes ou lavado gástrico do paciente e pelos
testes complementares nos alimentos suspeitos:

a. anamnese é dirigida buscando verificar os tipos de alimentos ingeridos,


tempo de ingestão e aparecimentos da doença, a possível existência
de outros casos e fontes comuns de ingestão, além da caracterização
dos sinais e sintomas apresentados. O exame neurológico consiste na
pesquisa do grau de capacidade muscular devendo ser realizadas provas
exploratórias motoras (de cabeça, pálpebras, membros superiores e
inferiores, mãos e dedos, deslocamento corporal no leito) e fonatórias,
com registro de intensidade e de localização, a cada 2 horas. A realização
de eletroneuromiografia (ENMG) em músculos flácidos comprometidos
contribui para o diagnóstico demonstrando o bloqueio da acetilcolina em
junção neuromuscular e para diagnóstico diferencial com outras doenças
como Miastenia gravis e Síndrome de Guillain-Barré.

b. os exames laboratoriais específicos consistem de investigação da toxina


no sangue do paciente, nas fezes e/ou lavado gástrico, cuja coleta deve
ser o mais precoce possível e antes da administração do soro (antitoxina)
específico. A coleta tardia de amostras do paciente, especialmente de
sangue, pode impedir a detecção de toxina no sangue, pois esta vai sendo
rapidamente absorvida pelos tecidos. Segundo estudos, após 7 dias do
início da doença, a toxina não é mais encontrada, pois foi totalmente
absorvida pelos tecidos nervosos.

A pesquisa da toxina botulínica nas fezes (conteúdo intestinal) e de lavado


gástrico pode ser um meio auxiliar importante de diagnóstico. Além da
determinação da toxina, o diagnóstico pode ser complementado por cultura

65
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

de C. botulinum nos casos de botulismo infantil, por ferimentos e por


causa indeterminada. As amostras devem ser transportadas e conservadas
sob refrigeração, por se tratar de toxina termolábil. A coleta de rotina da
coprocultura será importante também para diagnóstico diferencial entre
algumas doenças transmitidas por alimentos que possam apresentar quadros
similares.

O método mais sensível e usado para detectar a toxina é o bioensaio em


camundongos. O ensaio pode levar até quatro dias para se chegar ao resultado
definitivo.

c. os exames nos alimentos suspeitos são importantes para detecção


da toxina, auxiliando no diagnóstico da doença e para a tomada de
providências sanitárias e medidas de prevenção. A família deve ser
orientada pelo serviço médico para guardar os alimentos devidamente
acondicionados e em geladeira para possibilitarem a investigação
epidemiológica e sanitária. As amostras coletadas devem ser transportadas
sob refrigeração.

d. os cuidados com os familiares (comunicantes) são extremamente


importantes para prevenir ou detectar precocemente o surgimento
de mais casos de botulismo. Devem se identificar aqueles que fizeram
ingestão comum dos alimentos, orientá-los quanto ao aparecimento de
sinais e sintomas e a procurar urgentemente os cuidados médicos ao
primeiro sinal; como ação preventiva, o hospital, em que se encontra
internado o paciente, deve examiná-los à procura de manifestações
neurológicas, aproveitando os horários das visitas que fazem ao paciente
ou marcando consultas prévias. Quando possível, recomenda-se provocar
o vômito, lavagem gástrica ou indução da evacuação intestinal aos que
partilharam da mesma comida, para expulsão rápida do alimento. O
uso da antitoxina profilática a pessoas que ingeriram o mesmo alimento
não é rotineiramente recomendado, devido ao risco de reações de
hipersensibilidade. Esta medida deve ser muito criteriosa.

e. O diagnóstico diferencial deve ser feito com as demais intoxicações e


infecções de origem alimentar e outras doenças neurológicas a saber:

Bacterianas – salmonelas, enterotoxina estafilocócica, enterococus


fecais, que evoluem sem sintomatologia neurológica e com manifestações
gastroentéricas muito agudas. Atenção especial deve ser dada à bactéria
Campylobacter que pode ser responsabilizada por quadros de paralisia

66
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

flácida simulando a Síndrome de Guillain-Barré. A coprocultura ou


hemocultura, quando indicada, são de grande valor, nas doenças de
origem bacteriana.

Vírus – enterovírus e o vírus da poliomielite que são síndromes


infecciosas, com paralisias periféricas, sintomatologia e sinais meníngeos
e alterações de líquor. Testes virológicos são de valor.

Vegetal – devem ser buscadas as intoxicações denominadas micetismo


nervoso, micetismo coleriforme, favismo, síndrome de Kwok ou do
“restaurante chinês”.

Animal – mariscos e peixes tropicais, ciguatera poisoning (barracuda),


triquinelose.

Química – pesticidas clorados, pesticidas organofosforados e outros


inseticidas, raticidas etc.

Outros quadros neurológicos – Síndrome de Guillain-Barré,


meningoencefalites, polineurites, acidentes vasculares cerebrais,
miastenia gravis, neurastenia, araneísmo, hipopotassemia, intoxicação
por atropina ou beladona, intoxicação por álcool/embriagues,
envenenamento por curare.

6. Tratamento: o tratamento deverá ser feito em unidade de terapia


intensiva (UTI), com dois enfoques importantes: o tratamento específico
e o geral, sendo que da sua precocidade dependerá o êxito terapêutico.

a. Tratamento específico: 1) soroterapia específica feita com soro


antibotulínico (heterólogo) específico para o tipo imunológico ou
polivalente (anti-A, B, E e F). A antitoxina atua contra a toxina
circulante e não contra a que se fixou no sistema nervoso; portanto
sua eficácia dependerá da precocidade do diagnóstico (ver Manual do
Botulismo). Nos casos tardios, a antitoxina poderá não ser mais eficaz.
2) anatoxinoterapia – alguns autores preconizam o uso de anatoxina
botulínica simultaneamente com a antitoxina.

O soro deverá ser solicitado à Central de Vigilância Epidemiológica/


Centro de Referência do Botulismo (0800 - 55-5466), que passará todas
as informações para essa obtenção, a partir da discussão detalhada do (s)
caso (s) e solicitação por escrito. O soro antibotulínico é produzido pelo
Instituto Butantã.

67
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

b. Tratamento geral: 1) medidas para eliminar a toxina do aparelho digestivo,


quando possível, como lavagem do estômago, clisteres etc. Observa-se
que os doentes que tiveram o quadro inicial com vômitos e diarreias têm
melhor prognóstico. 2) Antibióticos – indica-se o uso de antibióticos para
o tratamento de infecção secundária.

Segundo a teoria da toxinfecção de que há o crescimento do C. botulinum


no intestino humano e em ferimentos profundos, com produção da
toxina, estaria também indicado o uso de antibióticos contra o bacilo
além do tratamento com o soro específico. No Botulismo infantil, a
antibioticoterapia deve ser empregada apenas em infecções secundárias,
pois a destruição bacteriana intraluminal pode aumentar a absorção de
toxina. Aminoglicosídeos podem potencializar os efeitos da toxina.

3) Ação no mecanismo fisiopatogênico da doença – medicamentos


usados para neutralizar o bloqueio muscular têm resultados
controversos. A administração de indutores da liberação de serotonina
tem efeito antitóxico no botulismo, sendo os mais usados a reserpina
e a clorpromazina. 4) Terapêutica de sustentação – o aspecto mais
importante em todas as formas da doença são os cuidados de suporte ao
paciente, particularmente respiratórios e nutricionais. Realizar controles
frequentes do meio interno. O controle oftalmológico é fundamental
para evitar a ocorrência de lesões da conjuntiva ou córnea e o controle
cardiológico, uma vez que a toxina atinge todos os órgãos, podendo haver
a parada cardiorrespiratória e óbito (detalhes sobre o tratamento – v.
Manual do Botulismo).

7. Complicações: o botulismo é uma doença com alta letalidade que exige


a internação em unidades de terapia intensiva, por tempo prolongado,
dependendo da gravidade do quadro e da precocidade do atendimento
médico em relação ao início dos sintomas. A internação prolongada, a
baixa imunidade decorrente da doença, os tratamentos realizados e os
procedimentos invasivos deixam o paciente mais suscetível às infecções
hospitalares, além das possíveis complicações decorrentes de parada
cardiorrespiratória que possa ocorrer. Após a alta hospitalar, o doente
necessitará de acompanhamento médico e fisioterápico para garantir ou
reaprender funções básicas como respirar, andar, falar, escrever etc.

8. Frequência da doença: a incidência da doença é baixa, com alta


letalidade se não tratada adequada e precocemente. São conhecidos casos

68
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

esporádicos ou em grupos de pessoas, em todos os países do mundo,


na maioria das vezes relacionados à ingestão de alimento, preparado
ou conservado em condições que permitam a produção da toxina pelo
bacilo. Alguns casos de botulismo podem estar subnotificados devido às
dificuldades diagnósticas.

9. Conduta epidemiológica: 1) notificação do caso – o médico, ao se


deparar com quadros neurológicos abruptos, em adultos anteriormente
saudáveis, e com história de ingestão de alimentos suspeitos (conservas em
latas ou vidros de palmitos, embutidos, ou compotas ou outros alimentos
de risco), deve notificar imediatamente a suspeita de Botulismo ao Serviço
de Vigilância Epidemiológica Regional, Municipal, ou Central. Sediado no
Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo, está o Centro
de Referência do Botulismo e uma Central de Vigilância Epidemiológica
– Disque CVE, funcionando 24 horas, e os sete dias da semana, para
atender as notificações e orientar tecnicamente os profissionais de saúde
com relação à suspeita de botulismo e outras doenças de notificação
compulsória. Seus técnicos estão preparados para informar os aspectos
técnicos e operacionais relativos à doença. O telefone é 0800-55-5466.
2) A investigação epidemiológica parte da notificação do caso e deve
ser imediatamente realizada pela equipe de Vigilância Epidemiológica
cumprindo-se os seguintes passos: a) levantamento da história do
doente e de sua internação nos serviços, obtendo-se esses primeiros
dados dos médicos que realizaram o atendimento ao doente, bem como
de seus familiares. b) Os dados importantes consistem em estabelecer
o início preciso da doença, sinais e sintomas, resultados dos exames
neurológicos, alimentos consumidos dentro de um período mínimo de
5 dias, relacionando-os por ordem de data de consumo em relação ao
início dos sintomas, procurando estabelecer o consumo comum entre o
paciente e demais familiares ou outras pessoas, o que todos comeram, o
que só o paciente comeu, o quanto foi ingerido de cada alimento, para
identificação do alimento suspeito. c) Acionar imediatamente a Vigilância
Sanitária para coleta na casa dos pacientes ou em restaurantes ou outro
estabelecimento (dependendo da história do alimento consumido) dos
alimentos ingeridos para a análise laboratorial de detecção da toxina
nas sobras encontradas. É muito importante que se consiga recolher os
alimentos que foram realmente consumidos pelo paciente e, se não for
possível, recolher exemplares da mesma marca que tenha sido ingerida,
ainda na casa do paciente ou no estabelecimento suspeito. 3) Vigilância

69
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

e acompanhamento do paciente e seus familiares (quadro clínico do


paciente, resultados dos exames laboratoriais realizados, orientações
aos familiares ou pessoas próximas que consumiram o alimento para
procurarem o serviço médico frente à sinais e sintomas suspeitos), para
detecção precoce de novos casos de botulismo. 4) Preenchimento da Ficha
de Investigação de Botulismo do SINAN e, quando surto, preenchimento
da Ficha de Surtos de DTA (SINAN e Form. 05/DDTHA CVE), com
envio imediato dos dados aos vários níveis do sistema do informação.
5) Conduta sanitária, quando a Vigilância Sanitária for a primeira a ser
acionada pelos médicos ou familiares, ou outros meios, esta deve acionar
imediatamente a Vigilância Epidemiológica para a iniciar a investigação
epidemiológica, em ações integradas e conjuntas. Dar início à: coleta
de alimentos na casa do paciente ou no estabelecimento suspeito onde
foi feita a ingestão do alimento, para encaminhamento ao laboratório
de análise. É importante recuperar informações como: a forma como
foi preparado, os ingredientes, quem preparou ou se foi comprado no
comércio, se industrializado, a marca do produto, onde foi adquirido,
data de validade (e todas as demais informações, a partir da descrição
detalhada do rótulo, como nome e endereço do fabricante, distribuidor,
número de lote, data de fabricação etc.), quando foi aberto, onde ficava
armazenado etc.; Inspeção sanitária nos locais de fabricação dos alimentos
suspeitos para verificação das condições higiênico-sanitárias, controles
e técnicas de processamento, origem da matéria-prima, verificação de
lotes, datas de fabricação e validade, número de registro no Ministério da
Saúde etc. recolhendo amostras dos produtos para a análise laboratorial
de pH, microbiológica e outras, e tomando as medidas sanitárias perante
as infrações já detectadas.

10. Conduta laboratorial – o único laboratório que realiza testes de


identificação da toxina botulínica é o Instituto Adolfo Lutz Central,
SES-SP, que é a referência para todo o Brasil. Os testes consistem em
identificação da: 1) Presença de toxina antibotulínica no sangue do
paciente e neutralização da toxina em camundongos – teste em ratos,
observando-os para sinais de botulismo e morte, até um período de 96
horas (em média, a morte ocorre em 48 horas). 2) Presença de toxina ou
C. botulinum nas fezes e lavado gástrico do paciente – cultura 5 a 7 dias.
3) Da toxina nos alimentos suspeitos – teste em ratos, até 96 horas (em
média, a morte ocorre em 48 horas). Procedimentos laboratoriais: Teste
de detecção da toxina no soro do paciente, alimentos e lavado gástrico a)
no paciente:

70
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Coleta de material – colher 15 ml a 20 ml de sangue total ou 10 ml (no


mínimo) de soro, antes da introdução do soro antibotulínico, em frasco
sem anticoagulante. Encaminhar (em isopor com gelo reciclável ou gelo
comum envolvido em saco plástico) para o Laboratório Central do Instituto
Adolfo Lutz – setor de triagem da Bromatologia e Química. Poderá ser
também encaminhado material de lavado gástrico ou intestinal (em
frasco coletor de fezes) para o mesmo local. b) no alimento: se houver,
encaminhar as sobras do (s) alimentos suspeito (s). Todo o material,
além da identificação específica do produto, deverá ser acompanhado
de formulário/receituário contendo dados de identificação do paciente,
local de atendimento e endereço completo (incluindo telefone, médico
para contato), suspeita diagnóstica etc.

As amostras de soro são inoculadas diretamente em camundongos. As


amostras de alimentos, lavado gástrico e conteúdo intestinal devem
ser homogeneizadas em solução de gel-fosfato, mantidas “overnight”
em refrigerador. Centrifugação a 2.500 rpm, sob refrigeração. O
sobrenadante deve ser separado em 3 porções: uma delas para inoculação
direta; outra para a inativação da toxina, por no mínimo, 85º C, por 15
minutos, e outra, que sofrerá tratamento por tripsina. A inoculação é de
0,5 ml, via intraperitoneal, em camundongos (2 por amostra inoculada)
de, no máximo, 25 g. É diagnóstico presuntivo de botulismo se os animais
inoculados com soros e extratos tripsinizados e/ou não apresentarem
sintomas e morrerem no espaço de 96 horas (48 horas em média
costuma ocorrer a morte), e a porção do extrato tratada termicamente
não afetar o camundongo. É diagnóstico de botulismo se o antissoro
tipo específico proteger o camundongo, conforme metodologia descrita
em “Compendium of Methods for the Microbiological Examination of
Foods”, APHA, 1992, ou “Bacteriological Analytical Manual”, AOAC, 1992.
Informações sobre a cultura de C. botulinum podem ser encontradas nas
referências acima citadas.

A manipulação das secreções do paciente, dos restos alimentares e todo


o procedimento de inoculação em ratos requer cuidados e atendimento
a requisitos rigorosos de biossegurança. Uma das primeiras condições
para o laboratorista realizar o exame é estar devidamente vacinado.

11. Alimentos Associados: muitos são os alimentos descritos como


responsáveis pelo botulismo, tais como embutidos de carnes em geral
ou conservas em lata e vidro de doces, hortaliças, legumes (palmitos,

71
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

aspargos, cogumelos, alcachofra, pimentões, beringelas, alho, picles


etc.), peixes, frutos do mar, e outros, especialmente acondicionados
em embalagens submetidas à vácuo, sem oxigênio, que favorecem o
desenvolvimento do microrganismo. Sabe-se que o esporo só é inativado
em processo de esterilização industrial em autoclaves a 120º C. Sabe-se
também que o meio ácido pode inibir o C. botulinum. Assim, os alimentos
de natureza ácida impedem o desenvolvimento da toxina. Contudo,
alimentos com um pH acima de 4,5, em condições de higiene inadequadas,
em anaerobiose, e esterilizados em temperatura abaixo de 120º C,
constituem-se em alimentos de alto risco. As conservas de vegetais tenros
(palmitos, alcachofras, pimentões etc.), que pelas características não
suportariam uma esterilização a 120º C, exigem processos cuidadosos de
processamento, como lavagem e desinfecção dos alimentos, acidificação
e salmoura adequada, entre outros procedimentos para garantir a
segurança do produto.

12. Conduta educativa - 1) educação sanitária da população em geral, de


produtores, manipuladores de alimentos etc. quanto à higiene, ao preparo
e à conservação de alimentos e informações sobre a doença. Não consumir
produtos de origem desconhecida ou clandestinos; 2) recomendações
específicas de prevenção, para as donas de casa e demais manipuladores
de alimentos de que descartem produtos de origem duvidosa ou quando
não se tem a certeza de sua segurança. Lembrar que o aquecimento de 5
a 15 minutos após o levantamento das bolhas de fervura, antes de serem
consumidos, destrói a toxina, tornando-o seguro. De antemão, devem
ser descartados os vidros embaçados, as latas estufadas etc. porque estes
são sinais de contaminação por outros microrganismos, também nocivos
à saúde. Contudo, há conservas sem estas características, com toxina
botulínica, pois ela não altera a cor, o sabor ou o aspecto. Por isso, se não
há certeza de garantia de qualidade do produto, a prevenção utilizando-
se da fervura prévia será a melhor maneira de se evitar o botulismo.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar – DDTHA/


CVE-SES/SP, com a colaboração do Instituto Adolfo Lutz e Instituto Emílio Ribas, em
2000. Revisado em agosto de 2011.

Clostridium Perfringens/intoxicação alimentar

1. Descrição da doença: uma desordem intestinal caracterizada por


início súbito de cólica abdominal, acompanhada de diarreia; náusea é

72
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

comum, mas vômitos e febre geralmente estão ausentes. Dura em torno


de 24 horas; em idosos ou enfermos pode durar até 2 semanas. Um quadro
mais sério pode ser causado pela ingestão de cepas tipo C que provocam a
enterite necrotizante ou doença de Pigbel (dor abdominal aguda, diarreia
sanguinolenta, vômitos, choque e peritonite), com 40% de letalidade.

2. Agente etiológico: C. perfringens é um gram-positivo, anaeróbico,


produtor de esporos. A doença é produzida pela formação de toxinas no
organismo.

3. Ocorrência: mundial e principalmente em países onde as práticas de


preparo de alimentos favorecem a multiplicação do C. perfringens. São
frequentes os surtos em instituições como escolas, hospitais, prisões etc.,
onde há larga produção de alimentos preparados com muita antecedência
antes de serem servidos.

4. Reservatório: largamente distribuído no meio ambiente, no solo,


habitando o trato intestinal de pessoas saudáveis e animais (gado, porcos,
aves e peixes).

5. Período de incubação: de 6 a 24 horas, em geral, de 8 a 12 horas.

6. Modo de transmissão: ingestão de alimentos contaminados por


solo ou fezes e sob condições que permitam a multiplicação do agente.
A maioria dos surtos está associada a carnes aquecidas ou reaquecidas
inadequadamente como carnes cozidas, tortas de carne, molhos com
carne, peru ou frango. Esporos sobrevivem às temperaturas normais
de cozimento, germinam e se multiplicam durante o resfriamento
lento, armazenamento em temperatura ambiente e/ou inadequado
reaquecimento. A doença não é transmissível de pessoa a pessoa.

7. Susceptibilidade e resistência: a maioria das pessoas é provavelmente


susceptível, com maior risco para idosos e crianças. Estudos demonstram
que a doença não confere imunidade.

8. Conduta médica e diagnóstico: em surtos, o diagnóstico é confirmado


pela demonstração do C. perfringens em cultura semiquantitativa
anaeróbica de alimentos (> 10 5/g) ou fezes de pacientes (> 10 6/g) ao
lado de evidências clínicas e epidemiológicas. A detecção de toxina em
fezes de pacientes também confirma o diagnóstico. Ensaios sorológicos
são utilizados para detectar enterotoxina em fezes de pacientes e para
teste da capacidade das cepas produzirem toxina.

73
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

9. Tratamento: hidratação oral ou venosa dependendo da gravidade


do caso. Não se recomenda o uso de antibióticos. Antibióticos e
outras medidas de suporte nos casos graves com septicemia e enterite
necrotizante.

10. Alimentos associados: carnes e outros produtos e molhos à base de


carne são os mais frequentemente implicados. Contudo, a causa real de
intoxicação alimentar por C. perfringens é a inadequação de temperaturas
no preparo dos alimentos. Pequenas quantidades do organismo presentes
no alimento antes do cozimento multiplicam-se durante o resfriamento
lento e armazenamento em temperaturas inadequadas (20°C a 60°C).

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se
desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão
por meio de medidas preventivas. Orientações poderão ser obtidas junto
à Central de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-
55-5466. 2) medidas preventivas – educação dos manipuladores
de alimentos e donas de casa sobre os riscos de preparo de alimentos
em larga escala, de temperaturas para o reaquecimento ou cozimento
(temperatura interna correta de pelo menos 70º C, preferivelmente > 75º
C), sobre os riscos de permanência do alimento em temperatura ambiente
e do resfriamento lento, sobre a necessidade de refrigeração imediata das
sobras, dentre outros aspectos. 3) medidas em surtos – investigação e
controle de alimentos e manipuladores.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, ano 2002.
Atualizado em agosto de 2011.

Escherichia Coli Enteroinvasiva (EIEC)

1. Descrição da doença: é uma doença inflamatória da mucosa intestinal


e da submucosa causada por cepas EIEC (E. coli Enteroinvasiva) com
um quadro de diarreia líquida, dor abdominal severa, vômitos, tenesmo,
cefaleia, febre, calafrios e mal-estar generalizado, semelhante ao produzido
pela Shigella. Em seguida à ingestão da EIEC, os microrganismos invadem

74
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

as células epiteliais do intestino, resultando em forma de disenteria leve,


geralmente confundida com a causada por espécies de Shigella. Em
menos de 10% de pacientes ela progride para fezes com sangue e muco.
Imagina-se ser a dose infectante cerca de 10 organismos (a mesma que
para Shigella).

2. Agente etiológico: a E. coli faz parte da flora intestinal normal dos


homens e outros primatas, sendo que uma minoria das suas cepas causa
doenças por vários mecanismos diferentes. Entre essas, estão as cepas
enteroinvasivas (EIEC), sendo os principais sorogrupos O28ac, O29,
O112, O124, O136, O143, O144, O152, O164 e O167.

3. Período de incubação: Variável. A disenteria causada por EIEC


geralmente ocorre em períodos curtos, entre 12 e 72 horas após a
ingestão do alimento contaminado. A disenteria causada por esta
bactéria é normalmente autolimitante sem complicações. Entretanto,
alguns casos, especialmente crianças, podem evoluir para síndrome
hemolítico-urêmica (SHU).

4. Ocorrência: as infecções por EIEC são endêmicas nos países menos


desenvolvidos e responsáveis por 1 a 5% dos episódios diarreicos dentre
os que procuraram atendimento médico. Um dos principais surtos,
veiculados por alimentos, atribuído à E.coli enteroinvasiva nos EUA
ocorreu em 1973, e foi devido ao consumo de queijo importado da França.
Nos países desenvolvidos, há relatos de surtos e infecções ocasionais
por EIEC. Não é comum a EIEC causar uma doença, mas esta pode ser
confundida com shiguelose e sua prevalência pode estar subestimada.

5. Reservatório: os seres humanos são o reservatório comum da doença.

6. Diagnóstico e tratamento: é necessário demonstrar a presença da


bactéria em cultura de fezes de indivíduos infectados ou a demonstração
da invasão do patógeno em culturas de tecido ou em modelo animal
adequado para diagnosticar a disenteria causada por este patógeno
(diagnóstico laboratorial). Nos casos de diarreia extremamente severa,
utilizam-se os mesmos antimicrobianos que os para a Shigella.

7. Modo de transmissão: há evidências de que a transmissão é feita


através de alimentos contaminados. Qualquer alimento contaminado

75
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

com fezes humanas de indivíduo doente, seja diretamente ou via água


contaminada, pode causar doença. Hambúrguer e leite não pasteurizado
têm sido associados a surtos por EIEC.

8. Suscetibilidade e resistência: todas as pessoas estão sujeitas a essa


infecção. Muito pouco é conhecido sobre a imunidade a EIEC.

9. Análise de alimentos: os alimentos devem ser examinados da mesma


forma como as culturas de fezes. Entretanto, a detecção do microrganismo
no alimento é extremamente difícil porque níveis indetectáveis podem
levar à doença.

10. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se
desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão
através de medidas preventivas. Orientações poderão ser obtidas junto à
Central de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, o telefone é 0800-55-
5466. O relatório de investigação com as conclusões e medidas tomadas
deve ser enviado para os níveis de coordenação do sistema de vigilância
epidemiológica (SVE) municipal, regional e central (Divisão de Doenças
de Transmissão Hídrica e Alimentar – CVE). 2) medidas preventivas
– a) educação da população quanto às boas práticas de higiene
pessoal com especial ênfase na lavagem rigorosa das mãos após o uso do
banheiro, na preparação de alimentos, antes de se alimentar; na disposição
sanitária de fezes etc.; b) medidas de saneamento básico – sistema
de água tratada e esgoto são essenciais para a redução das diarreias; c)
cuidados na preparação dos alimentos – cozimento adequado ou
desinfecção (uso de cloro) de alimentos crus; 3) medidas em surtos
– a investigação epidemiológica parte da notificação do caso e deve ser
imediatamente realizada pela equipe de vigilância epidemiológica local
buscando-se identificar a forma de transmissão, se pessoa a pessoa ou por
um veículo transmissor comum, água ou alimento, bem como identificar
a população de risco à infecção; a equipe de vigilância sanitária deve ser
acionada para que medidas sejam tomadas no âmbito do controle da
água, dos alimentos, das condições sanitárias dos estabelecimentos, meio
ambiente e outras.

Texto elaborado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar – CVE/SES-


SP, em junho de 2001. Revisado em agosto de 2011.

76
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Escherichia Coli Enteropatogênica (EPEC)

1. Descrição da doença: diarréia infantil é o nome da doença associada


à E. coli enteropatogênica (EPEC). Causa diarreia líquida com muco,
febre e desidratação. Essas bactérias ligam-se às células membranosas
das placas de Peyer e rompem o gel mucoso suprajacente da célula do
hospedeiro. A diarreia em crianças pode ser severa e prolongada, com
elevada percentagem de casos fatais; uma taxa de 50% de letalidade tem
sido relatada nos países em desenvolvimento.

2. Agente etiológico: E. coli enteropatogênica (EPEC) faz parte do


grupo das E. coli enterovirulentas (EEC) que causam gastroenterites em
humanos. Pertencem ao sorogrupo epidemiologicamente implicado como
patogênico com mecanismos de virulência não relacionados à excreção
de enterotoxinas típicas de E. coli. É um gram-negativo da família das
Enterobacteriaceae. Sorogrupos principais incluem O55, O86, O11, O119,
O125, O126, O127, O128ab e O142. A dose infectiva da EPEC em crianças
é presumivelmente baixa.

3. Ocorrência: a partir dos anos 1960, a EPEC teve sua importância


diminuída como causa de diarreia nos países desenvolvidos,
permanecendo, contudo, um dos principais agentes de diarreia na infância
em áreas em desenvolvimento, incluídas a América do Sul, África e Ásia.

Surtos de EPEC são esporádicos e sua incidência é variável em todo


mundo, despontando em locais com condições sanitárias precárias.

4. Reservatório: humanos, porém, bovinos e suínos podem ter essa


bactéria em sua flora intestinal normal. Ainda objeto de intensas
pesquisas, a proporção de cepas patogênicas e não patogênicas é ainda
desconhecida.

5. Período de incubação: variável. De 9 a 10 horas, em estudos com


adultos voluntários, não se sabendo se esse período se aplica às crianças
que adquiriram a infecção por transmissão natural.

6. Modo de transmissão: fecal-oral; mãos, objetos e alimentos


contaminados com fezes.

77
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

7. Susceptibilidade e resistência: afeta crianças, especialmente, muito


jovens, em período de desmame, o que indica contaminação das fórmulas
lácteas durante o preparo. Não se conhece sua relação – imunidade e
idade; é incomum em crianças em amamentação exclusiva pelo peito.

8. Conduta médica e diagnóstico: EPEC pode ser identificada por


aglutinação com antissoro específico para sorogrupo EPEC O, exigindo
para confirmação os tipos O e H. Os organismos EPEC mostram
aderência localizada às células Hep-2 em culturas de células, e o fator de
aderência da EPEC (EAF) pode ser demonstrado por prova de DNA; há
uma correlação de 98% entre a detecção de aderência localizada e prova
de EAF positiva.

9. Tratamento: terapia de hidratação oral ou endovenosa para reposição


de líquido e eletrólitos. Nos casos severos, pode ser administrado
Trimetoprim/Sulfametoxazol (TMP-SMX) 10-50mg/Kg/dia, dividido
em 3-4 doses, durante 5 dias, que tem-se mostrado eficaz para diminuir
a gravidade da diarreia e seu tempo de duração.

10. Alimentos associados: carne crua e frangos são os alimentos mais


comumente implicados em surtos por E. coli enteropatogênica, embora
qualquer alimento exposto à contaminação fecal possa ser suspeito.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão por meio de medidas preventivas. Orientações poderão ser
obtidas junto à Central de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no
telefone é 0800-55-5466. 2) medidas preventivas – encorajamento
de mães a amamentarem seus filhos pelo menos até 6 meses de idade;
orientações quanto ao preparo e higiene rigorosa de mamadeiras e outras
refeições; lavagem rigorosa das mãos; cuidados com equipamentos como
termômetros nos centros médicos e maternidades; cuidados com a água
do banho do bebê, dentre outros. 3) medidas em epidemias/surtos –
investigação do surto com determinação das fontes de transmissão.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, em 2002.

Revisado em agosto de 2011.

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Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Escherichia Coli O157:H7 (EHEC)

1. Descrição da doença: a Escherichia coli sorotipo O157:H7, tida como


uma bactéria emergente, causa um quadro agudo de colite hemorrágica,
pela produção de grande quantidade de toxina, provocando severo dano à
mucosa intestinal. O quadro clínico é caracterizado por cólicas abdominais
intensas e diarreia, inicialmente líquida, mas que se torna hemorrágica na
maioria dos pacientes. Ocasionalmente, ocorrem vômitos e a febre é baixa
ou ausente. Alguns indivíduos apresentam somente diarreia líquida. A
doença é autolimitada, com duração de 5 a 10 dias. Aproximadamente 15%
das infecções por E. coli O157:H7, especialmente em crianças menores
de 5 anos e idosos, podem desencadear uma complicação chamada
Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU), caracterizada por destruição das
células vermelhas do sangue e falência renal, que pode ser acompanhada
de deterioração neurológica e insuficiência renal crônica.

Embora a SHU possa ser determinada por outros patógenos, nos


Estados Unidos, a maioria dos casos se deve à infecção pela E. coli
O157:H7 e ela é também a principal causa da falência renal aguda em
crianças. Estima-se a ocorrência de mais de 70 mil casos associados a essa
bactéria, com mais de 2 mil hospitalizações e uma letalidade de 3% a 5%,
anualmente naquele país. Na Argentina, a Síndrome Hemolítico-Urêmica
em crianças menores de 5 anos é endêmica, contudo não há estudos que
estabeleçam ainda uma nítida relação entre a síndrome e a bactéria e os
alimentos, neste país.

No Brasil, não há um sistema de notificação de E. coli e de SHU. Entretanto,


os sistemas implantados no ano 2000, no Estado de São Paulo, de
Vigilância Ativa em Laboratório de enteropatógenos emergentes, da
Síndrome Hemolítico-Urêmica, de Vigilância da Diarreia (Monitorização
de Doenças Diarreicas (MDDA)) e de Vigilância de Surtos de Doenças
Transmitidas por Água e Alimentos (SVE DTA) mostram que os casos de
SHU e de E. coli O157:H7 são ainda raros no Estado.

A infecção por E. coli O157:H7 também pode desencadear um quadro


de Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT), caracterizada por
anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia, manifestações
neurológicas, insuficiência renal e febre. Enquanto que na SHU a
insuficiência renal é mais frequente e severa, na PTT predominam
as manifestações neurológicas, embora estes não sejam critérios de

79
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

distinção entre estas síndromes. No início de maio de 2011, na Europa, foi


identificado um surto de diarreia sanguinolenta, com casos que evoluíram
com Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU). Este surto, causado pela E.
coli O104:H4, uma bactéria incomum, representa um dos maiores surtos
de SHU em todo o mundo e o maior da Alemanha.

Fonte: <http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/IF11_EcoliO104h4PR.pdf>.

2. Agente etiológico e toxina: a Escherichia coli é um bacilo gram-


negativo componente da flora normal do intestino humano e de animais
saudáveis, impedindo o crescimento de espécies bacterianas nocivas e
sintetizando apreciável quantidade de vitaminas (K e do complexo B).

Atualmente, existem 6 grupos reconhecidos de E. coli patogênicas,


que causam gastrenterites em humanos: as enteropatogênicas, as
enterotoxigênicas, as enteroinvasivas, as entero-hemorrágicas, as
enteroagregativas e as difuso adetentes. No grupo das enterohemorrágicas
(EHEC), a E. coli O157:H7 é o sorotipo mais comum e mais estudado.

Os conhecimentos atuais sugerem que, ao longo do tempo, a E. coli foi


infectada por um vírus que inseriu seu DNA no cromossomo da bactéria
e um de seus genes passou a conter a informação para a produção de
toxina “Shiga-like”. Estas toxinas, também chamadas verotoxinas,
estão intimamente relacionadas, em estrutura e atividade, à toxina
produzida pela Shigella dysenteriae. A combinação de letras e números
no nome da bactéria se refere aos marcadores específicos encontrados
em sua superfície e isto as distingue de outros sorotipos de E. coli. A
Escherichia coli O157:H7 foi reconhecida, pela primeira vez, como
causa de enfermidade nos Estados Unidos em 1982, durante um surto
de diarreia sanguinolenta severa, tendo sido isolada em hambúrgueres
contaminados. Desde então, a maioria das infecções são provenientes da
ingestão de carne moída mal cozida. A patogênese da infecção tanto pela
E. coli O157:H7 quanto por outras E. coli entero-hemorrágicas não está
completamente compreendida. As propriedades virulentas envolvidas
são distintas daquelas de outros grupos de E. coli.

3. Modo de transmissão: na maioria dos surtos investigados, a transmissão


foi veiculada por alimentos de origem bovina, tendo sido a carne moída,
cru ou mal passada, implicada em quase todos os surtos documentados e
mesmo em casos esporádicos. A E. coli O157:H7 pode ser encontrada em
algumas fazendas de gado e ser isolada de bovinos saudáveis. A carne pode

80
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

ser contaminada durante o abate ou processamento, quando as bactérias


intestinais contaminam a carcaça ou quando a carne é moída. A ingestão
de leite cru também tem sido associada a surtos, pela contaminação do
úbere das vacas ou dos equipamentos de ordenha com conteúdo fecal.
A carne contaminada, especialmente a carne moída, tem aparência
e cheiro normais e, ao comê-la, sem estar devidamente cozida, pode
ocorrer a infecção. Embora a quantidade de microrganismos necessária
para causar a doença não seja conhecida (dose infectante), suspeita-se
que seja similar à da Shigella sp (10 microrganismos). Entre outras
fontes de infecção conhecidas estão os brotos de alfafa, alface, salame,
leite e sucos não pasteurizados, e nadar ou beber água contaminada por
esgoto (não tratada). A transmissão pessoa a pessoa também é relatada,
presumivelmente, por meio da via oral-fecal, se os hábitos de higiene ou
lavagem de mãos não forem adequados.

4. Período de incubação: varia de 1 a 10 dias, geralmente 3 a 4 dias. Em


surtos, em que uma fonte comum de veiculação foi determinada, a média
do período de incubação variou de 3 a 8 dias.

Em surtos em enfermarias e casas de custódia, o período de incubação


tende a ser mais longo, pois alguns casos são, provavelmente, o resultado
da difusão pessoa a pessoa, através de uma pequena inoculação. Após o fim
da doença, as STEC (E. coli produtora de toxina tipo Shiga) desaparecem
das fezes, mas ainda podem ser eliminadas por várias semanas mesmo
após o fim dos sintomas. Algumas pessoas continuam a eliminar as
bactérias por vários meses. Crianças pequenas tendem a ser portadoras
das STEC por mais tempo do que o adulto.

5. Suscetibilidade e resistência: acredita-se que qualquer pessoa seja


suscetível à colite hemorrágica. Uma única cepa da E. coli O157:H7
pode produzir o espectro completo da doença, incluindo diarreia sem
sangue, diarreia com sangue, SHU e PTT. Entretanto, a probabilidade
de complicações pode ser determinada por fatores do hospedeiro, por
características da cepa ou da dose infectante. Os fatores de risco relatados
para o desenvolvimento da SHU ou PTT entre os pacientes com infecção
por E. coli O157:H7 incluem retardo mental, expressão dos antígenos P
pelas células vermelhas do sangue, diarreia hemorrágica, febre, contagem
de leucócitos precocemente elevada na doença diarreica, tipo de toxina
da cepa infectante, uso de espasmolíticos (antidiarreicos) e terapia
antimicrobiana. As crianças menores de 5 anos e idosos têm maiores

81
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

chances de desenvolver a forma aguda da doença e a SHU. Outros fatores


de risco aventados são o uso recente de antimicrobiano, gastrectomia
prévia e exposição ocupacional ao gado e fezes ou carne crua.

6. Diagnóstico: surtos de Escherichia coli O157:H7 são geralmente


detectados a partir do diagnóstico de casos de SHU ou PTT ou de um
grande número de pessoas hospitalizadas, ao mesmo tempo, com doença
diarreica severa. O diagnóstico é feito pelo isolamento da E. coli O157:H7
ou pela detecção de verotoxinas livres em fezes diarreicas e nos alimentos
suspeitos. A anamnese é dirigida buscando-se verificar a ocorrência de
diarreia prodrômica ao aparecimento da SHU, os tipos de alimentos
ingeridos, tempo de ingestão e aparecimento da doença. Investiga-se
a tendência dos casos ocorrerem em grupos, em comunidades ou em
famílias e fontes comuns de infecção, além da caracterização dos sinais e
sintomas apresentados.

As manifestações clínicas da doença não são específicas e todas as pessoas


que têm diarreia com sangue deverão ter suas fezes testadas para E. coli
O157:H7. Na forma aguda, a doença começa com diarreia sem sangue e
severas cólicas abdominais. As fezes tornam-se hemorrágicas no segundo
ou terceiro dia da doença, com a quantidade de sangue variando de
vestígios até fezes francamente sanguinolentas. As fezes hemorrágicas
continuam por 2 a 4 dias, e a doença se estende por mais 6 ou 8 dias.
Ocorre vômito em cerca da metade dos pacientes. A febre ocorre em menos
de 1/3 dos pacientes, geralmente, não é alta e acomete principalmente as
pessoas com doença mais severa, resultando em hospitalização. O tempo
de duração da diarreia, número de evacuações por dia e proporção de
pacientes com cólicas abdominais, vômitos e febre foram menores em
pacientes com diarreia sem sangue, apresentando doença menos severa.
Infecções assintomáticas também têm sido relatadas.

O diagnóstico diferencial da colite hemorrágica deve ser feito com


as demais intoxicações e infecções de origem alimentar tais como:
Salmonela, Shigella dysenteriae, E. coli enteropatogênicas, outras
enterobacteriaceas, Vibrio parahaemolyticus, Yersínia enterocolitica,
Pseudomonas aeruginosa, Aeromonas hydrophila, Plesiomonas
shigelloides, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae (O1 e não-O1), V.
vulnificus, V. fluvialis. A Síndrome Hemolítico-Urêmica e a Púrpura
Trombocitopênica Trombótica devem ser diferenciadas de Lúpus
Eritematoso Sistêmico, Síndrome de Sjogren, Von Willebrand, infecções

82
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

por bartonelose, malária, babesiose, Clostridium wellchi, veneno de


cobra, de aranha etc.

7. Complicações: pessoas que têm somente diarreia normalmente


recuperam-se completamente.

Alguns pacientes têm desenvolvido a SHU e PTT. Na SHU, a falência


renal é mais severa, enquanto que na PTT o envolvimento neurológico
é mais comum e importante, porém estes sintomas não distinguem
claramente estas entidades. A insuficiência renal se manifesta por
oligúria, hipertensão, azotemia, proteinúria leve, hematúria, micro ou
macroscópica, e cilindrúria.

Apesar de a maioria dos pacientes com SHU apresentar diarreia, esta


não é sempre mencionada na maioria das revisões de casos de PTT.
Até 15% das vítimas de colite hemorrágica podem desenvolver SHU.
Aproximadamente 1/3 das pessoas com SHU tem função renal anormal
depois de muitos anos, e alguns requerem diálise a longo prazo. Outros
8% dos casos de SHU podem apresentar sequelas permanentes como
pressão alta, crise convulsiva, cegueira, paralisia, e os efeitos decorrentes
da remoção de parte de seu intestino. Outras complicações da infecção
por E. coli O157:H7 incluem intussuscepção, dilatação anal evidente e
morte. A PTT em idosos pode ter uma taxa de mortalidade superior a
50%.

8. Tratamento: indica-se, como suporte geral, o uso de glicocorticoides e


hidratação. A maioria das pessoas se recupera sem antibióticos ou outro
tratamento específico, em 5 a 10 dias. Em casos mais graves, pode ser
necessário transfusão de sangue e diálise, no caso de falência renal.

Estudos têm mostrado que os agentes antidiarreicos deveriam ser evitados


e que os antibióticos não têm melhorado o curso da doença, sendo que
alguns podem agravar a doença renal. A Síndrome Hemolítico-Urêmica
normalmente é uma condição ameaçadora à vida e exige cuidados
intensivos. Mesmo assim, a letalidade tem variado entre 3% e 5%.

9. Diagnóstico laboratorial específico: é a investigação da bactéria


nas fezes do paciente por meio da coprocultura. A maioria dos
laboratórios não testa, rotineiramente, as amostras para E. coli O157:H7,
assim é importante pedir que a amostra de fezes seja processada
em ágar sorbitol-MacConkey (SMAC) para este microrganismo.

83
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Alternativamente, as fezes podem ser testadas diretamente para a


presença de verotoxinas.

Ao contrário da maioria das E.coli, a E.coli não fermenta rapidamente


o sorbitol e não produz b-glucuronidas, não cresce bem a temperaturas
superiores a 41°C; com isso ela não pode ser identificada por procedimentos
padrões para a enumeração de coliformes fecais, em alimentos e água.
A E.coli O157:H7 forma colônias em meio ágar que são seletivos para
E.coli. Há problema com altas temperaturas necessárias para impedir o
crescimento de outros microrganismos (44 – 45,5°C), pois ao contrário da
maioria das demais E.coli, a E.coli O157:H7 não suporta tais temperaturas.
O uso de provas de DNA, para detectar genes responsáveis pela produção
das verotoxinas (VT1 e VT2) é o método mais sensível existente. No caso
de exames laboratoriais dos alimentos, as amostras coletadas devem ser
transportadas sob refrigeração.

Desde o ano 2000, o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) mantém


um programa de vigilância ativa, com o apoio do IAL, de identificação
por meio de sorotipagem e técnicas de biologia molecular, das E. coli e
outras bactérias emergentes (além da E. coli, Campylobacter, Listerias,
Salmonelas, Shigelas e Vibrios). Dessa forma, a identificação de E. coli
e outras emergentes, por laboratórios públicos e privados, requer a
notificação do caso à Vigilância Epidemiológica, da cidade ou da regional/
GVE ou à DDTHA/CVE ou Central/URR/CIEVS/CVE. É necessário
também o envio da cepa ao IAL Regional (placa original com o primeiro
isolamento ou pelo menos 10 colônias) para encaminhamento ao Núcleo
de Enterobactérias no IAL Central com vistas à determinação do sorotipo
e testes de biologia molecular.

10. Análise dos alimentos: exames laboratoriais nos alimentos suspeitos


são importantes para a detecção da bactéria e da toxina, auxiliando
no diagnóstico da doença e para o desencadeamento de providências
sanitárias e medidas de prevenção. A confirmação pode ser obtida por
isolamento da E. coli do mesmo sorotipo no alimento suspeito e pela
detecção de toxina.

11. Distribuição e frequência da doença: há evidências de que, a partir


da década de 1980, as infecções por E. coli O157:H7, na América do Norte,
aumentaram. Além disso, dados de vários países indicam que a incidência
da SHU vem aumentando, sugerindo que a infecção pela E. coli O157:H7

84
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

também aumenta. Os picos de casos de infecção por E. coli O157:H7, na


América do Norte, acontecem nos meses de verão. Muitos isolamentos
da E. coli O157:H7 têm sido relatados no EUA, Canadá e Reino Unido,
e o organismo é mais frequentemente isolado nos países desenvolvidos.
Outros países que relataram o isolamento de E. coli O157:H7 em humanos
foram a Irlanda, Bélgica, Alemanha, Itália, Checoslováquia, Austrália,
Japão, China e África do Sul.

Surtos e casos esporádicos da infecção por E. coli O157:H7 parecem ser


mais frequentes no Canadá do que nos EUA e, neste último, são mais
comuns no Noroeste do que no sul. Estudos sugerem que estas diferenças
podem estar relacionadas com níveis de contaminação dos animais ou
diferenças nos métodos de processamento da carne. Estudos no Canadá
e EUA, realizados entre 1983 e 1987, mostraram que a E. coli O157:H7
foi a principal causa de diarreia com sangue, e dentre as bactérias mais
isoladas ficou em segundo ou terceiro lugar, estando à frente da Shigella.
Fora da América do Norte, apenas o Reino Unido tem relatado taxas
expressivas de isolamento da E. coli O157:H7.

A infecção humana por E. coli O157:H7 e outras STEC (E. coli produtora
de toxina tipo Shiga) tem sido registradas em mais de 30 países de
6 continentes. A maior incidência de SHU é na Argentina onde a
enfermidade é endêmica.

No Brasil, a primeira cepa de E. coli O157:H7 foi isolada e identificada


em Parelheiros, no município de São Paulo, a partir de uma amostra de
água de poço, em uma chácara, não tendo sido identificada em material
humano. Há o registro de E. coli O 157:H7 em um paciente aidético,
de 1992, em que não foi possível estabelecer relação com alimentos ou
origem da infecção.

Não há dados sistematizados sobre a E. coli O157:H7 no Brasil e nem


sobre a SHU. No ano 2000, um estudo conduzido pelo CVE no Estado de
São Paulo, a partir de diagnósticos registrados pela AIH/DATASUS/MS,
no período de fevereiro de 1998 a Julho de 2.000, mostrou a ocorrência
de 15 casos de SHU, com história anterior de diarreia e de possível
associação com a E. coli O157.

No período de 1998 a 2011, incluindo-se os casos rastreados no estudo,


observa-se a ocorrência de 93 casos de SHU por todas as causas
(medicamentos, doenças sistêmicas, hereditárias, infecções etc.),

85
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

relacionadas ou não à E. coli. Nesse mesmo período, foram identificados


laboratorialmente pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL), 8 casos de E. coli
O157:H7; destes, apenas um, ocorrido no ano de 2007, evoluiu para SHU.
Este mesmo agente foi identificado no surto de 2 casos de diarreia, sem
SHU, em Campinas, em 2001, causado por ingestão de carne mal cozida.

Na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um estudo


retrospectivo de casos de SHU ocorridos no Hospital Universitário, no
período de março de 1987 a agosto de 1999 apontou a existência de 25
casos da doença em crianças, com idade variando entre 2 a 57 meses
(Jornal Brasileiro de Nefrologia).

Com relação à bactéria EHEC que causou o surto na Alemanha, no final


de maio de 2011, a E. coli O104:H4, que causa quadro clínico similar ao da
E. coli O157, cabe destacar que não há registros da mesma em todo esse
período e até o presente momento, o que significa que a nova bactéria
O104 não circula em nossa região e, portanto, não representa, até o
presente momento, ameaça à saúde no Estado de São Paulo. Também,
destaca-se que até o presente não foram notificados casos de SHU e de
E. coli O104:H4 em paulistas que tenham viajado para a Alemanha ou
outros países com casos.

Ressalta-se ainda que segundo informações da Agência Nacional de


Vigilância Sanitária e do Ministério da Agricultura, o Brasil não importa
esses produtos (crus ou in natura) da Alemanha.

12. Medidas de controle: 1) notificação do (s) caso (s) e surtos –


a síndrome hemolíticourêmica (SHU), os patógenos a ela relacionados
como a E. coli O157:H7 e não-O157 produtoras da toxina Shiga e as
diarreias sanguinolentas, estas últimas, manifestações antecedentes
comuns na SHU, representam agravos inusitados e, como tal, são de
notificação compulsória conforme estabelece a legislação. A ocorrência
de SHU deve ser notificada para que investigações epidemiológicas sejam
desencadeadas para determinação das causas prováveis, das associações
com alimentos, e para que medidas de prevenção sejam tomadas. A
identificação de E. coli O157:H7, ou de outras E.coli, deve ser notificada
à vigilância epidemiológica, assim como o material de laboratório deverá
ser encaminhado para o Instituto Adolfo Lutz, para outros testes de
confirmação, sorotipagem e biologia molecular (Pulsed-field). Os óbitos
por doença diarreica aguda devem ser imediatamente notificados à

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Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

vigilância epidemiológica. As notificações devem ser feitas às equipes


de vigilância Regional, Municipal, ou então, à Central de Vigilância
Epidemiológica do Estado de São Paulo, que funciona 24 horas para
atender as notificações e orientar tecnicamente os profissionais de saúde
com relação a todas as doenças de notificação compulsória, assim como,
para acionar as equipes de vigilâncias regionais e municipais. A notificação
pode ser feita online no site <http://www.cve.saude.sp.gov.br ou por
e-mail – notifica@saude.sp.gov.br> ou pelo telefone 0800-55-5466; 2)
medidas preventivas – a) educação da população quanto aos hábitos
alimentares e no preparo de alimentos para a prevenção das infecções por
E. coli O157:H7 incluem a orientação de se cozinhar completamente toda
a carne, principalmente a carne moída, hambúrgueres e almôndegas. Nos
EEUU, foi introduzido como medida de controle o uso do termômetro
digital de leitura instantânea que deve ser inserido em várias partes
na carne, inclusive nas mais espessas e profundas, garantindo-se pelo
menos 70° C, para assegurar seu completo cozimento. Pode-se diminuir
o risco de enfermidade não comendo almôndegas, hambúrgueres e carne
moída que ainda estejam rosados no interior. Beber somente leite e sucos
pasteurizados.

Frutas e vegetais devem ser bem lavados, especialmente aqueles que não
serão cozidos. Beber somente água que tenha sido tratada com cloro ou
outros desinfetantes efetivos. Pode se evitar a contaminação na cozinha
durante o manuseio e preparo da carne, mantendo a carne crua separada
de comidas prontas para consumo e outros procedimentos que possam
espalhar as bactérias. É importante sempre lavar as mãos, a pia e os
utensílios, com água quente e sabão, depois do contato com carne crua.
Em surto de diarreia causado por água, deve-se certificar de que a água
esteja sendo devidamente tratada. A rotina hospitalar e laboratorial de
procedimentos de controle da infecção deve ser adequada para impedir
a transmissão em clínicas, hospitais e outros serviços de saúde. Evitar
engolir água de lago ou piscina durante atividades de recreação e evitar
nadar em coleções hídricas de locais com casos e surtos de diarréia; b)
medidas de higiene pessoal como lavar as mãos cuidadosamente com
sabão depois de evacuar, para reduzir o risco de propagar a infecção.
Especial cuidado deve ser dado ao manuseio de pessoas com diarreia.

Qualquer um com doença diarreica deve evitar nadar em piscinas públicas


ou lagos, compartilhar banheiros e preparar comida para outras pessoas;
3) medidas em casos esporádicos ou em surtos – a investigação

87
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

epidemiológica será realizada pela equipe local ou regional, junto ao


paciente, familiares e outros doentes e não doentes que compartilharam
das mesmas refeições ou ambientes. Cuidados com os familiares e
comunicantes são importantes para evitar possível transmissão pessoa a
pessoa e para se obter informações sobre diarreia e outras complicações.

Estudos adicionais poderão ser necessários, a partir da notificação de


cada caso. A família deve ser orientada pelo serviço médico a guardar
os alimentos suspeitos, devidamente acondicionados e em geladeira,
para possibilitar a investigação epidemiológica e sanitária. O Manual de
Vigilância Epidemiológica da SHU, fluxogramas e rotinas operacionais
para notificação e demais materiais estão disponíveis para cópia no site
do CVE: <http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/hidri_shu.
htm>; 4) medidas sanitárias – encontradas as causas relacionadas
com alimentos ou água, deverá se acionar a Vigilância Sanitária para as
investigações que se fizerem necessárias em relação aos alimentos ou
água suspeitos.

A E. coli O157:H7, bem como as não-O157, constitue hoje uma importante


preocupação de saúde pública, principalmente, enquanto persistir seu
potencial de contaminação da carne. Medidas preventivas podem reduzir
o número de gado albergando a bactéria e a contaminação da carne
durante o abate e o processamento.

Texto elaborado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar – CVE/SES-SP,

em novembro de 2000. Revisado em agosto de 2011.

Plesiomonas Shigelloides

1. Descrição da doença – Plesiomonas shigelloides causa gastrenterite,


normalmente moderada, apresentando febre, calafrios, dor abdominal,
náusea, diarreia, ou vômito. A diarreia é geralmente líquida, sem muco e
sem sangue; em casos severos a diarreia, pode ser amarelo-esverdeado,
espumosa e com grumos de sangue; a duração de doença em pessoas
saudáveis pode ser de 1 a 7 dias.

Presume-se que a dose infecciosa necessária seja bastante alta, no


mínimo > 1 milhão de organismos. A infecção por P. shigelloides pode
causar diarreia com duração de 1-2 dias em adultos saudáveis. Porém,
pode causar febre alta e calafrios e sintomas como disenteria prolongada

88
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

em bebês e em crianças menores 15 anos de idade. Complicações


extra intestinais (septicemia e morte) podem ocorrer em indivíduos
imunocomprometidos ou gravemente enfermos, isto é, com câncer,
desordens cardiovasculares ou doenças hepatobiliares.

2. Agente etiológico: Plesiomonas Shigelloides. É um gram-negativo,


isolado de água e peixes de água doce, moluscos e de muitos tipos de
animais inclusive, de gado, cabras, suínos, gatos, cachorros, macacos,
urubus, cobras e sapos. Suspeita-se que a maioria das infecções humanas
por P. shigelloides são transmitidas pela água.

O organismo pode estar presente em água contaminada usada como


água potável ou de recreação, ou água utilizada para lavar alimentos
que são consumidos sem cozinhar ou sem aquecimento. A ingestão de P.
shigelloides nem sempre causa doença no animal hospedeiro, mas, pode
residir temporariamente como agente não infeccioso na flora intestinal.
A bactéria foi isolada de fezes de pacientes com diarreia, mas, também
tem sido isolada de indivíduos saudáveis (0,2 a 3,2% na população).

Ainda que haja uma associação com a doença diarreica, não pode ser
considerada uma causa definitiva de doença humana.

3. Ocorrência: a maioria das cepas de P. shigelloides associadas com


gastroenterite humana foram de fezes de pacientes com diarreia que
vivem em áreas tropicais e subtropicais. Raramente são informadas tais
infecções em regiões como EEUU ou Europa. No Brasil, é subdiagnosticada
e subnotificada.

4. Reservatório: água, peixes de água doce, moluscos e outros animais


como gado, cabras, suínos, gatos, cachorros, macacos, urubus, cobras e
sapos.

5. Período de incubação: os sintomas podem iniciar entre 20 a 24 horas


após o consumo de alimentos e/ou água contaminados; duração de 1 a 7
dias.

6. Modo de transmissão: ingestão de água contaminada e alimentos


contaminados. Tem sido associada às águas de piscinas, spas e outras
águas de recreação. Animais domésticos também são fonte de transmissão.

89
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

7. Susceptibilidade e resistência: todos indivíduos podem ser


suscetíveis à infecção. Os recém-nascidos, as crianças e os doentes
crônicos são os mais susceptíveis à doença e às complicações.

8. Conduta médica e diagnóstico: a patogênese da infecção por P.


shigelloides não é conhecida. O organismo é suspeito de ser toxigênico
e invasivo. Sua importância como um patógeno entérico (intestinal)
é presumido devido a seu isolamento predominante em fezes de
pacientes com diarreia. É identificado por análise bacteriológica comum,
sorotipagem e provas de sensibilidade aos antibióticos.

9. Tratamento: as infecções respondem a um amplo espectro de


antibióticos respondem tratamento. Em casos severos, tem sido utilizada
a associação trimetoprim/sulfametoxazol (TMP/SMX). É importante
realizar testes para determinação de resistência aos antibióticos.

10. Alimentos associados: a maioria das infecções por P. shigelloides


ocorrem nos meses de verão e estão correlacionadas com contaminação
ambiental de água doce (rios, córregos, lagoas etc.). A via habitual de
transmissão do organismo em casos esporádicos ou epidêmicos é pela
ingestão de água contaminada ou de molusco cru. A P. shigelloides pode
ser identificada na água e alimentos por meio de métodos semelhantes
aos usados para análise de fezes. Os meios de identificação utilizados
são ágar seletivo que aumentam a sobrevivência e o crescimento destas
bactérias. Os resultados dos testes demoram de 12 a 24 horas.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se
desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão
por medidas preventivas. Orientações poderão ser obtidas junto à Central
de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-
5466. 2) medidas preventivas – cuidados com águas de recreação;
ingerir alimentos cozidos, higienizados e água tratada; cuidados com
animais domésticos que podem ser fonte de transmissão. 3) medidas
em epidemias– investigação dos surtos e identificação das fontes de
transmissão para controle e prevenção.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, março de


2003, atualizado em junho de 2011 e revalidado em maio de 2013.

90
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Salmonella Enteritidis/Salmoneloses

1. descrição da doença: é uma toxinfecção alimentar. Genericamente,


se enquadra no grupo de doenças designadas por Salmoneloses.
A pessoa infectada geralmente tem febre, cólicas abdominais e
diarreia. A doença usualmente dura de 4 a 7 dias e a maioria das pessoas
se recupera sem tratamento com antibiótico. Entretanto, se a diarreia for
severa, o paciente pode necessitar ser hospitalizado. A doença pode ser
mais grave em pacientes idosos, crianças, gestantes e pessoas com sistema
imunológico comprometido. Nestes, a infecção pode se disseminar pela
corrente sanguínea para outros locais e causar a morte, se o pacientes
não for prontamente tratado com antibiótico. Pacientes com AIDS têm
salmoneloses frequentemente, cerca de 20 vezes mais que a população
geral.

Devido à penetração e passagem da Salmonella no intestino, ocorre


inflamação no epitélio do intestino delgado; há evidências de que uma
enterotoxina é produzida, talvez dentro do enterócito.

2. Agente etiológico: é uma bactéria móvel, com morfologia de bacilo


gram-negativo. A Salmonella enterica, subespécie enterica, sorotipo
Enteritidis (S. Enteritidis) é um enteropatógeno classificado no gênero
Salmonella, pertencente à família Enterobacteriaceae. Existem
atualmente cerca de 2.400 sorotipos de Salmonella dos quais mais
de 1.300 pertencem à subespécie enterica. Em relação aos caracteres
antigênicos, possui antígeno Somático (O) e antígeno Flagelar (H),
que são de grande importância para sua identificação sorológica. É
frequentemente encontrada no trato intestinal de animais, domésticos e
selvagens, sendo muito comum em aves.

No Brasil, significativo aumento de S. Enteritidis foi detectado a partir


de 1993, tornando-se desde 1994, o sorotipo de Salmonella mais
frequentemente isolado de casos de infecções humanas e também de
materiais de origem não humana, principalmente de alimentos destinados
ao consumo humano, como aves e ovos.

3. Modo de transmissão: a bactéria é transmitida por alimentos


contaminados, ingeridos crus ou mal cozidos. Estes alimentos
são frequentemente de origem animal, sendo carne de frangos e
principalmente ovos, os mais contaminados por S. Enteritidis. O ovo de
galinha, ingerido cru ou mal cozido, vem sendo implicado na maioria dos

91
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

surtos por Salmonella, em vários países, inclusive do Primeiro Mundo,


desde os anos 1980.

O mecanismo de transmissão por consumo de ovos intactos que, portanto,


só poderiam ter sido infectados antes da postura, só recentemente tornou-
se mais claro, permitindo melhor compreensão do problema. A matéria
fecal eliminada pelas aves, contendo a bactéria, pode contaminar os ovos
externamente. Porém, também foi constatado que a S. Enteritidis infecta
os ovários de galinhas com aparência saudável, contaminando os ovos
antes das cascas serem formadas (transmissão transovariana).

Quando os ovos são ingeridos, insuficientemente cozidos ou crus (ex.


maionese caseira) podem transmitir a infecção ocasionando casos
isolados ou surtos epidêmicos.

4. Período de incubação: os sintomas iniciais da doença surgem 12 a


36 (6 a 48h) horas após a ingestão de alimento contaminado. Sequelas
crônicas como artrite podem aparecer 3 a 4 semanas após os sintomas
agudos. A dose infectiva é baixa, 15-20 células, dependendo da idade
e saúde do hospedeiro. Os sintomas agudos podem durar de 1 a 2 dias
ou mais, dependendo das características do hospedeiro, dose ingerida e
cepa.

5. Conduta médica e diagnóstico da doença: usualmente os sintomas


da infecção pela S. Enteritidis são diarreia, vômitos, dor abdominal,
cólicas, febre e dor de cabeça. Em geral, é autolimitada, durando 4 a 7
dias. A bactéria pode invadir outros órgãos, causando complicações que
requeiram internação, mesmo em indivíduos previamente hígidos. Na
anamnese, levantar os tipos de alimentos ingeridos, a existência de outros
casos e as fontes comuns de ingestão. o exame laboratorial é fundamental
para o diagnóstico. É feito a partir do isolamento e identificação do agente
etiológico em material clínico do paciente (coprocultura, hemocultura) e
em amostras de alimentos suspeitos de terem veiculado a infecção.

6. diagnóstico diferencial: em sua forma usual, a enterocolite, o


diagnóstico diferencial deve ser feito com outros agentes etiológicos que
também causam o quadro. Outros diagnósticos poderão ser arrolados
dependendo do órgão acometido.

7. Tratamento: a gastrenterite, em geral, é um quadro autolimitado,


não devendo ser tratada com antimicrobianos, uma vez que estes não

92
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

diminuem o curso da doença, não evitam a bacteremia, não erradicam a


infecção do trato gastrointestinal, favorecem o prolongamento do estado
de portador e levam à aquisição de resistência bacteriana.

O tratamento deve ser de suporte, com reidratação e reposição de


eletrólitos, sempre que possível por via oral.

A utilização de antimicrobianos deve se limitar aos casos que apresentem


sinais de complicação como focos extraintestinais, septicemia ou a
pacientes que tenham algum fator de risco adicional, como crianças,
imunodeficientes ou idosos.

8. Complicações: em crianças menores de um ano e especialmente


recém-nascidos, idosos ou portadores de certas patologias a doença, pode
evoluir de forma diferente e ser bastante grave, dependendo dos órgãos
atingidos. As principais complicações são artrite, cistite, meningite,
endocardite, pericardite e pneumonia. As principais patologias de base
que modificam seu curso são a esquistossomose, a malária, a anemia
falciforme e a verruga peruana. Gestantes também merecem atenção
especial por causa do risco para o feto.

A Síndrome de Reiter pode ocorrer após 3 semanas da infecção. Septicemia


pode ocorrer em seguida à gastrenterite. Artrite séptica, subsequente ou
coincidente com septicemia, também ocorre e é de difícil tratamento.

9. Distribuição e frequência relativa da doença: ocorre em todo o


mundo, associada à ingestão de aves e ovos, ingeridos crus ou mal cozidos.
Tem sido também, frequentemente, associada a surtos de diarreia,
especialmente, em crianças, devido ao contato com animais pequenos de
estimação como hamsters, iguanas e similares.

Estudo realizado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) analisando 5.490


cepas de Salmonella isoladas, de 1991 a 1995, de infecções humanas
(2.254 cepas) e de materiais de origem não humana (3.236 cepas),
evidenciou-se aumento significativo na participação da S. Enteritidis
dentre as Salmonellas spp. Assim, em 1991, este sorotipo correspondeu
a 1,2% das cepas de Salmonella isoladas, 2% em 1992, 10,1% em 1993,
43,3% em 94 e 64,9% em 95. Este aumento verificado a partir de 1993
esteve associado à ocorrência de surtos de diarreia veiculados por
alimentos. A partir da implantação da Vigilância Ativa da Salmonella
no ano 2000, coordenada pela Divisão de Doenças de Transmissão

93
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Hídrica e Alimentar (DDTHA/CVE), em parceria com o IAL, observa-se


que o percentual de S. Enteritidis eleva-se, atingindo, em média, mais
de 60% ao ano, na última década (Fonte: DDTHA/CVE e IAL).

10. Conduta epidemiológica: 1) notificação do caso – todo caso suspeito


ou surto de doença veiculada por alimento deve ser imediatamente
notificado ao Serviço de Vigilância Epidemiológica Municipal, Regional ou
Central para que sejam desencadeadas as medidas as de controle, bem como
as necessárias à identificação do agente etiológico. O Centro de Vigilância
Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo mantém
uma Central de Vigilância, funcionando ininterruptamente que além de
receber notificações pode orientar quanto a medidas a serem adotadas,
pelo telefone 0800-55-54-66; 2) investigação epidemiológica – visa
dimensionar o problema, identificar possíveis fontes de disseminação dos
patógenos, diagnosticar e tratar precocemente novos casos, identificar os
agentes etiológicos envolvidos e prevenir novos casos e surtos da doença.
Toda cepa de Salmonella sp identificada de qualquer caso de diarreia,
esporádico ou envolvido em surto, ou de alimento implicado em surto,
deve ser encaminhada ao Instituto Adolfo Lutz Central para sorotipagem
e outros testes (biologia molecular); 3) vigilância e acompanhamento
– os casos suspeitos envolvidos devem ser acompanhados e mantidos
sob vigilância até seu pleno restabelecimento, envidando-se esforços
para que sejam obtidos materiais clínicos e de alimentos relacionados
para a completa identificação do agente etiológico. Raramente os doentes
evoluem para o estado de portadores crônicos da S. Enteritidis; por
isso não se preconiza pesquisar esta condição após a convalescença; 4)
preenchimento de formulários – o adequado preenchimento dos
formulários do sistema de investigação de surtos e da vigilância ativa
permitem a sistematização na coleta de dados facilitando a análise dos
resultados e orientando a adoção das medidas de controle adequadas.

11. Conduta sanitária: identificado(s) o(s) alimento(s) envolvidos, deve-se


requerer providências à vigilância sanitária como inspeção no local de
preparo e manipulação, ou na fonte de produção do alimento ou da
matéria-prima. Se a investigação evidencia que a veiculação se deu por
alimento preparado à base de ovos, deverá ser verificada a origem e as
condições de utilização dos mesmos, devendo-se acionar os órgãos da
Agricultura, responsáveis pela fiscalização das granjas. Desde 1999, o
Centro de Vigilância Sanitária/SP elaborou legislação (ver Portaria CVS
no 6/1999) que proíbe pratos a base de ovos crus em estabelecimentos

94
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

comerciais. Em 2009, a ANVISA publicou a Resolução RDC no 35,


17/6/2009, disciplinando a rotulagem de ovos, com vistas a educar o
consumidor sobre os danos à saúde decorrentes da ingestão de ovos crus
ou mal cozidos, com legislação similar a que foi implantada em vários
países do Primeiro Mundo com vistas a reduzir a morbidade e mortalidade
pela S. Enteritidis.

12. Investigação do agente etiológico: a) da coleta das amostras de


alimentos: as amostras de produtos alimentícios colhidos pela Vigilância
Sanitária deverão ser encaminhadas aos laboratórios Central ou regionais
do IAL ou ao laboratório de referência do município. Os laboratórios
privados, municipais e estaduais que analisam produtos alimentícios
podem isolar e identificar presuntivamente Salmonella.

Os resultados obtidos pela análise de alimentos, com a caracterização


presuntiva e a determinação quantitativa de Salmonella deverão ser
enviados à Vigilância Sanitária que efetuou a coleta dos produtos
alimentícios. As cepas, caracterizadas como Salmonella pela utilização
de antissoros polivalentes isoladas de produtos alimentícios implicados
em surtos, deverão ser encaminhadas ao IAL Regional, e deste ao Central,
para a realização de sorotipagem e outros testes se necessário. As cepas
devem ser acompanhadas de ficha com todos os dados pertinentes. Os
resultados da caracterização do sorotipo serão remetidos ao Laboratório
Regional que encaminhou a cepa que o repassará à respectiva Vigilância
Sanitária. Cabe ressaltar a importância da integração das Vigilâncias na
investigação de doenças veiculadas por alimentos. Assim, se amostras de
alimentos suspeitos de envolvimento em surtos forem apresentadas por
particulares ao IAL ou forem provenientes de laboratórios particulares a
Vigilância Sanitária e Epidemiológica devem ser comunicadas para que
complementem a investigação. b) da coleta de amostras clínicas:
deve-se coletar amostra de fezes (para coprocultura), ou de sangue
(para hemocultura) ou, eventualmente, de outro material orgânico,
dos pacientes envolvidos em surtos de diarreia ou de casos suspeitos
de salmoneloses, as quais devem ser encaminhadas para cultura para o
laboratório de referência do município. Todos os laboratórios que realizam
coprocultura ou hemocultura podem isolar e identificar presuntivamente
a Salmonella. Todas as cepas isoladas e caracterizadas como Salmonella
sp, pela utilização dos antissoros polivalentes, deverão ser encaminhadas,
acompanhadas dos dados clínicos do paciente ao Laboratório Regional do
IAL que as encaminhará ao Laboratório Central para sorotipagem e testes

95
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

moleculares. O IAL Central, em São Paulo, e a Fundação Oswaldo Cruz,


no Rio de Janeiro, são os dois únicos laboratório de referência, no Brasil,
para a caracterização sorológica das cepas de Salmonella sp, sendo por
isso fundamental seu encaminhamento para confirmação laboratorial e
caracterização do sorotipo.

13. Análise de amostras clínicas: procedimentos para Coprocultura:


coleta, conservação e transporte de amostras – as fezes deverão
ser coletadas, se possível, antes de o paciente ser submetido à
antibioticoterapia.

a. Coleta de swab fecal:

›› Colete as fezes em frascos de boca larga e limpos (de preferência


esterilizados pelo calor. Não utilize substâncias químicas na desinfecção
destes frascos).

›› Coloque o swab no frasco contendo as fezes e, realizando movimentos


circulares, embeba o com a matéria fecal.

›› Após, coloque o swab no tubo contendo o meio de transporte e


conservação Cary-Blair.

›› O material coletado deverá ser devidamente identificado e mantido à


temperatura ambiente até chegar ao laboratório.

›› Recomenda-se que o material coletado seja encaminhado ao


laboratório, o mais rápido possível, devendo ser processado dentro
das primeiras 72 horas após a coleta.

›› As amostras deverão ser encaminhadas ao laboratório, acompanhadas


de fichas contendo os dados de identificação do paciente.

b. Coleta das amostras “in natura”

›› Colete as fezes (2-3 ml ou 3-5 g se forem sólidas) em frascos de


boca larga e limpos (de preferência esterilizados pelo calor. Não use
substâncias químicas na desinfecção destes frascos).

›› Identifique as amostras.

›› Se o transporte até o laboratório se fizer dentro de duas horas após a


coleta, poderá ser feito à temperatura ambiente e se até cinco horas,
sob refrigeração.

96
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Para o isolamento: os meios de cultura utilizados para semeadura


da amostra biológica recebida dependem da padronização de cada
laboratório.

»» Basicamente são empregados:

›› Meio líquido de enriquecimento para Salmonella;

›› Placas de meio diferencial e seletivo.

»» Confirmação do gênero Salmonella:

›› As colônias suspeitas são repicadas em meio presuntivo para


enterobactérias para verificar os caracteres bioquímicos essenciais.

›› Aglutinação em lâmina com antissoros polivalentes para Salmonella


(somático e flagelar).

»» Para caracterização sorológica de Salmonella:

›› As cepas isoladas devem ser encaminhadas ao Núcleo de


Enterobactérias, do Instituto Adolfo Lutz.

›› A análise antigênica das cepas é realizada por testes de aglutinação,


utilizando Antissoros monovalentes somáticos e flagelares, específicos
para Salmonella.

A associação dos antígenos determinados permite a identificação do


sorotipo em estudo.

14. Análise dos alimentos: as amostras de produtos alimentícios suspeitos


de terem veiculado a infecção deverão ser encaminhadas aos laboratórios
regionais do IAL ou ao Central. Os laboratórios privados, municipais
ou estaduais que analisam produtos alimentícios envolvidos em surtos
podem isolar e identificar presuntivamente a Salmonella. As cepas com
caracterização presuntiva deverão ser encaminhadas para a realização da
sorotipagem e determinação quantitativa (número de Salmonellas por
grama de alimento, para avaliação da dose infectante) conforme descrito
no item anterior, acompanhadas dos dados pertinentes. Todo alimento
suspeito de causar surto de diarreia deve ser notificado à vigilância
sanitária e à epidemiológica do município onde ocorreu o surto.

97
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

15. Alimentos associados – embora possa ser transmitida por vários


alimentos de origem animal como carne, frango, leite e outros
contaminados, recentemente, o ovo é o alimento mais implicado na
maioria dos casos e surtos identificados nas duas últimas décadas. Outros
alimentos que já foram incriminados são o coco, o fermento, proteínas
derivadas de caroço de algodão, peixe defumado, leite em pó e chocolate.

16. Conduta educativa nas salmoneloses: 1) educação sanitária da


população em geral, de produtores e manipuladores de alimentos quanto à
higiene, preparo e conservação de alimentos, informações sobre a doença
e os alimentos envolvidos. 2) recomendações específicas de prevenção
para as donas de casa e demais manipuladores de alimentos: a) na
compra – não comprar ovos com a casca rachada (sua comercialização
é proibida no Estado de São Paulo); verificar se os ovos estão estocados
em local arejado, limpo e fresco, longe de fontes de calor e de preferência
refrigerados; sempre conferir o prazo de validade. b) na utilização –
sempre guardar os ovos na geladeira; não utilizar ovos com a casca rachada;
lavar os ovos com água e sabão, antes de usá-los; não misturar a casca com
o conteúdo do ovo; para evitar a doença pela Salmonella evite preparar
alimentos a base de ovo cru ou mal cozido; veja as recomendações sobre
o uso do produto na embalagem; não reutilizar as embalagens de ovos,
nem utilizá-las para outra finalidade, pois podem estar contaminadas.
Ao prepara alimentos com ovos e outros produtos de origem animal,
sempre lave bem as superfícies da pia, as mãos as torneiras, os utensílios
utilizados, com água e sabão. c) outros cuidados importantes na
manipulação e preparo de alimentos – higiene adequada do local,
dos equipamentos, utensílios e do pessoal; manutenção de fluxo adequado
que impossibilite contaminação cruzada (alimento cru contaminando um
já cozido ou higienizado); cozimento dos alimentos por tempo adequado,
de modo que o calor atinja o interior do alimento; armazenamento
e conservação adequados, seguindo rigorosamente as temperaturas
indicadas e prazos de validade; conservando sobras na geladeira e nunca
deixar os alimentos por mais que 2 horas à temperatura ambiente; não
preparar alimentos com excessiva antecipação; prevenção e controle
de pragas; transporte adequado. Resfriar rapidamente alimentos em
volumes reduzidos, cozimento intenso, uso de ovos e leite pasteurizados;
evitar contaminação cruzada de áreas limpas e sujas ou de alimentos crus

98
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

e cozidos; lavar as mãos e sanear equipamentos. Manter boas práticas de


saneamento rural, higiene pessoal e manipulação. Proteger alimentos de
excretas de animais e humanos, de pássaros, insetos ou roedores.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, com a


colaboração do Instituto Adolfo Lutz Central e Instituto Emílio Ribas, em 1999. Última
revisão em agosto de 2011.

Shigella SPP/Shigeloses

1. Descrição da doença: Shigelose é uma doença infecciosa causada


por um grupo de bactérias chamadas Shigella. Caracteriza-se por dor
abdominal e cólica, diarreia com sangue, pus ou muco; febre, vômitos
e tenesmo, em geral, iniciam-se, um ou dois dias após a exposição às
bactérias. Geralmente, trata-se de infecção auto limitada, durando de
4 a 7 dias. A infecção grave, com febre alta, pode estar associada com
convulsões em crianças menores de 2 anos de idade. Algumas cepas são
responsáveis por uma taxa de letalidade de 10 a 15% e produzem uma
enterotoxina tipo Shiga (semelhante à verotoxina da E. coli O157:H7),
podendo causar a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), a doença de Reiter
e artrite reativa. A dose infectante é de 10 a 200 células, dependendo da
idade e do estado do hospedeiro.

2. Agente etiológico - Shigella spp.: é um gram-negativo, tipo bacilo,


não mótil e não formador de esporos. Espécies de Shigella, que incluem
Shigella sonnei, S. boydii, S. flexneri, e S. dysenteriae, são agentes
altamente infecciosos.

3. Ocorrência: distribuição mundial. Estima-se que shigelose é responsável


por cerca de 600.000 mortes e dois terços dos casos de diarreia no mundo.
A maioria de mortes ocorre em crianças menores de 10 anos de idade, em
locais com precárias condições de higiene e problemas de saneamento
básico. É endêmica em países em desenvolvimento e de clima tropical,
especialmente, para as espécies S. sonnei e S.dysenteriae. No estado de
São Paulo, aproximadamente 2% dos surtos de Doenças Transmitidas
por Alimentos/Água notificados ao CVE são por Shigella, envolvendo em
média, 396 pessoas por ano.

4. Reservatório: o principal reservatório são os seres humanos. Raramente


ocorre em animais, tendo sido descritos surtos prolongados em primatas
tais como macacos e chimpanzés.

99
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

5. Período de incubação: de 8 a 50 horas, em média de 1 a 3 dias, e cerca


de 1 semana para a S. dysenteriae 1.

6. Modo de transmissão: a via fecal-oral é a principal forma de


transmissão da Shigella entre humanos. No que diz respeito aos alimentos,
a contaminação é muitas vezes devido a um manipulador de alimentos
contaminado, por falta de higiene pessoal. Moscas carregam o patógeno
para os alimentos a partir de latrinas e de disposição inadequada de fezes e
esgotos. Alimentos expostos e não refrigerados constituem um meio para
sua sobrevivência e multiplicação. Ambientes fechados como creches,
hospitais e similares são propícios para a disseminação da doença.

7. Susceptibilidade e resistência: todas as pessoas são susceptíveis


as Sigueloses. No entanto, crianças de 1 a 4 anos de idades, idosos e
imunocomprometidos possuem maior risco. As shigeloses são muito
comuns em pessoas com AIDS.

8. Diagnóstico: pela identificação sorológica ou molecular por meio de


cultura de amostras de fezes. Shigella pode ser mais difícil de ser cultivada
se as amostras de fezes não forem processadas em poucas horas.

9. Tratamento: o tratamento consiste na hidratação oral ou venosa. Em


algumas circunstâncias, antibioticoterapia é utilizado, dependendo da
gravidade.

10. Alimentos associados: Shigella geralmente é transmitida pelos


alimentos crus, como alface e produtos não processados. Saladas (batata,
atum, camarão, macarrão e frango), leite/derivados e aves também
estão entre os alimentos que tem sido associado com sigueloses. Água
contaminada por fezes e manipuladores com falta de higiene são a causa
mais comum de contaminação alimentar e surtos por essa bactéria.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se
desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão
através de medidas preventivas (detecção de práticas inadequadas na
cozinha e falta de higiene pessoal/lavagem das mãos; verificação de
contaminação fecal de água e outros alimentos; medidas educativas, entre
outras). Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância
Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466. 2) medidas

100
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

preventivas – educação sanitária; saneamento básico; higiene pessoal


para os manipuladores de alimentos, com ênfase na lavagem das mãos e
procedimentos rigorosos de limpeza em ambientes/instituições fechadas.
3) medidas em epidemias – investigação do surto e detecção da fonte
de transmissão. Orientações básicas sobre higiene pessoal e medidas
sanitárias gerais.

Bibliografia consultada e para saber mais sobre a doença:

FDA/CFSAN (2012). Bad Bug Book. Listeria monocytogenes. Atualizado


em 20 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.fda.gov/Food/
FoodborneIllnessContaminants/CausesOfIllnessBadBugBook/default.
htm.>

Center For Desease Control (CDC) – Shigellosis. Atualizado em 14 de


maio de 2013. Disponível em: <http://www.cdc.gov/nczved/divisions/
dfbmd/diseases/shigellosis/>.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, março de


2003 e atualizado em junho de 2013.

Staphylococcus Aureus/intoxicação alimentar

1. Descrição da doença: intoxicação alimentar estafilocócica ou


estafiloenterotoxemia é o nome como a doença é conhecida. Geralmente
de início abrupto e violento, com náusea, vômitos, cólicas e diarreia.
Em casos mais graves, pode ocorrer desidratação, dor de cabeça, dores
musculares, e alterações transitórias na pressão sanguínea e frequência
cardíaca. A recuperação ocorre em torno de dois dias, porém, alguns
casos podem levar mais tempo ou exigir hospitalização. A morte é rara;
contudo, pode ocorrer em crianças, idosos e indivíduos debilitados. O
diagnóstico é fácil, especialmente quando há um grupo de casos, com
predominância de sintomas gastrointestinais e com intervalo curto entre
o início dos sintomas e ingestão de um alimento comum.

2. Agente etiológico: Staphylococcus aureus é uma bactéria esférica


(coccus) que aparece aos pares no exame microscópico, em cadeias
curtas ou em cachos similares aos da uva ou em grupos. É um gram
positivo, sem motilidade, sendo que algumas cepas produzem uma toxina
proteica altamente termo estável que causa a doença em humanos.
A toxina é produto da multiplicação da bactéria nos alimentos deixados

101
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

em temperaturas inadequadas. Muitas das 32 espécies e subespécies do


gênero Staphylococcus são potencialmente encontrados em alimentos
devido a, contaminação humana, animal e ambiental.

3. Ocorrência: a real frequência da intoxicação estafilocócica é


desconhecida, seja por erro diagnóstico, por ser similar a outras
intoxicações (Bacillus cereus – toxina do vômito); por coleta inadequada
de amostras para testes laboratoriais, exames laboratoriais impróprios,
investigações epidemiológicas inadequadas dos surtos ou por muitos
pacientes não procurarem atendimento médico devido ao curto período
de duração da doença. No estado de São Paulo, foram notificados 25
surtos por S. aureus, envolvendo quase 200 pessoas, nos anos de 2001 e
2002.

4. Reservatório: seres humanos na maioria das vezes. Os estafilococos


estão presentes nas fossas nasais, garganta, pele e cabelo de 50% ou mais
dos indivíduos saudáveis. A transmissão ocorre devido a ferimentos nas
mãos ou outras lesões purulentas ou pela tosse e espirros, que contaminam
os alimentos durante sua manipulação.

5. Período de incubação: de 1 a 8 horas; em média 2 a 4 horas, dependendo


da quantidade de toxina ingerida e estado geral de saúde.

6. Modo de transmissão: ingestão de um produto/alimento contendo


a enterotoxina estafilocócica. Alimentos manipulados por pessoas
portadoras do patógeno em secreções nasofaríngeas ou com ferimentos nas
mãos, abscessos ou acnes; ou produtos de origem animal contaminados,
que não foram cozidos ou refrigerados adequadamente, permanecendo
em temperatura ambiente por determinado tempo que permita a
multiplicação do organismo e a produção da enterotoxina termo estável.
Superfícies e equipamentos contaminados podem ser também a causa de
intoxicações.

7. Susceptibilidade e resistência: a maioria das pessoas é susceptível.


Entretanto, a intensidade dos sintomas pode variar.

8. Conduta médica e diagnóstico: o diagnóstico deve ser feito com base


em levantamento do quadro clínico e história de ingestão de alimentos
suspeitos, entrevistando-se vítimas e comensais. Alimentos incriminados
na investigação epidemiológica devem ser coletados e examinados para
Staphylococcus. A presença de um grande número de enterotoxina

102
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

estafilocócica é uma boa evidência de que o alimento contém toxina.


Resultados positivos em doentes e no alimento confirmam o diagnóstico. Um
número de métodos sorológicos para determinar a enterotoxigenicidade
do S. aureus isolado de alimentos, bem como, métodos para separação e
detecção de toxinas em alimentos têm sido desenvolvidos e utilizados para
melhorar o diagnóstico da doença. Fagotipagem pode ser útil quando um
staphylococcus viável pode ser isolado de um alimento incriminado, de
vítimas e de portadores suspeitos tais como manipuladores de alimentos.
O isolamento de organismos de um mesmo fagotipo de fezes ou vômito
de duas ou mais pessoas confirmam o diagnóstico. A recuperação de um
largo número de Staphilococcus produtor de enterotoxina, de fezes ou
vômitos de uma pessoa, também confirma o diagnóstico.

9. Tratamento: reposição hidroeletrolítica se necessário.

10. Alimentos incriminados: carnes e derivados; aves e ovos; saladas


com ovos, atum, frango, batata, macarrão; patês, molhos, produtos de
panificação tais como tortas de cremes, bombas de chocolate e outros;
sanduíches com recheios; produtos lácteos e derivados. São de alto risco
os alimentos que requerem considerável manipulação para seu preparo
e que permanecem em temperatura ambiente elevada e por muito tempo
após sua preparação.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos - a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão por meio de medidas preventivas (interdição de produtos
contaminados, verificação de práticas inadequadas nas cozinhas e
da presença de portadores, manipuladores com ferimentos, medidas
educativas, entre outras). Orientações poderão ser obtidas junto à Central
de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no telefone 0800-55-5466.
2) medidas preventivas – educação dos manipuladores de alimentos
e conscientização sobre o risco da produção de alimentos em larga escala
e dos fatores críticos que desencadeiam a produção da enterotoxina;
orientações para rigorosa higiene e limpeza das cozinhas; controle de
temperatura; limpeza das mãos e unhas; conscientização sobre o perigo
de infecções em pele, nariz, garganta, etc. 3) medidas em epidemias
– investigação de surtos e determinação dos alimentos implicados e

103
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

fatores contribuintes para o surto. Intervenção e mudança de práticas


inadequadas de preparo de alimentos.
Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar em março
de 2003 e atualizado em agosto de 2013.

Streptococcus Spp./Estreptococias
1. Descrição da doença: muitas variedades de estreptococos e grupos
são causa de doença humana e dependendo das características do
agente etiológico e do grupo, a enfermidade recebe denominações
distintas. Dentre as mais comuns, destacam-se as infecções causadas
por estreptococos do Grupo A e D. Estreptococos do Grupo A causam
a “faringite estreptocócica”, uma das infecções mais frequentes em
crianças na idade escolar e a “escarlatina” – habitualmente uma faringite
acompanhada de erupções cutâneas típicas, além de outras infecções
supurativas e septicêmicas. Sintomas como dor e irritação na garganta,
dificuldade para engolir, febre alta, amigdalite, dor de cabeça, náusea,
vômito e mal-estar são comuns e ocasionalmente podem ocorrer erupções
cutâneas. Já os estreptococos do Grupo D produzem uma síndrome
clínica similar à intoxicação por Staphylococcus com diarreia, cólica
abdominal, náusea, vômito, febre, calafrio e vertigem. A dose infectiva em
alimento contaminado é provavelmente alta, maior que 107 organismos
para causar a doença. A doença diarreica é aguda e autolimitada. Outros
grupos de estreptococos podem causar também surtos por infecções
estreptocócicas devido a alimentos contaminados. As complicações são
raras e a taxa de letalidade é baixa.

2. Agente etiológico: Streptococcus spp. Grupo A – uma espécie com 40


tipos antigênicos – S. pyogenes; Grupo D: cinco espécies – S. faecalis, S.
faecium, S. durans, S. avium e S. bovis.

3. Ocorrência: as infecções pelo Grupo D são variáveis. No Brasil,


não há dados estatísticos sobre a frequência da doença diarreica por
estreptococos. É provavelmente subdiagnosticada e subnotificada.
Infecções pelo Grupo A são mais comuns em crianças.

4. Reservatório: seres humanos.

5. Período de incubação: de 2 a 36 horas após a ingestão de alimentos


contaminados por estreptococos do Grupo D. De 1 a 3 dias quando os
estreptococos são do Grupo A.

104
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

6. Modo de transmissão: alimentos preparados sob precárias condições


sanitárias ou por manipuladores doentes. Alimentos como leite não
pasteurizado, sorvetes, ovos, lagosta, presunto, saladas de batata, pudins
e pratos preparados com antecedência e deixados à temperatura ambiente
por muitas horas podem transmitir tanto a bactéria do Grupo A quanto
do Grupo D. Surtos de faringite eram comuns antes do advento do leite
pasteurizado.

7. Susceptibilidade e resistência: todos os indivíduos são susceptíveis,


independente da idade e raça.

8. Conduta médica e diagnóstico: cultura de fezes, sangue e alimento


suspeito confirmam o diagnóstico para os estreptococos do Grupo D.
Swab nasal e de orofaringe, de secreções purulentas, sangue, amostras
de alimento e meio ambiente podem ser necessários para demonstração
dos estreptococos do Grupo A.

9. Tratamento: o tratamento é feito com antibióticos principalmente para


as doenças causadas pelo Grupo A.

10. Alimentos implicados: leite não pasteurizado, saladas e outros


alimentos preparados por pessoas doentes. O alimento deve ser examinado
por técnicas de enumeração seletiva e o resultado pode levar até 7 dias.
A determinação dos grupos específicos é feita por teste de Lancefield –
antissoro de grupo específico.

11. 11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência


de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão através de medidas preventivas (interdição de produtos sem
pasteurização, medidas educativas entre outras). Orientações poderão ser
obtidas junto à Central de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no
telefone é 0800-55-5466. 2) medidas preventivas – orientações para
o afastamento de manipuladores doentes e outras medidas educativas
quanto ao preparo de alimentos;não ingerir leite e derivados crus não
pasteurizados. 3) medidas em epidemias – investigação do surto e
detecção das fontes de transmissão.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, em 2003.


Revisado em agosto de 2011.

105
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Vibrio Cholerae/Cólera

1. Descrição da doença: doença infecciosa intestinal aguda, causada pelo


Vibrio cholerae (V. cholerae) geralmente moderada ou assintomática,
manifesta-se com quadro grave em cerca de 5% das pessoas que adquirem
a doença. Caracteriza-se, em sua forma mais evidente, por diarreia aquosa
súbita e profusa, com aspecto de “água de arroz”, vômitos ocasionais,
desidratação rápida e cãibras nas pernas. Sem terapia de reidratação a
taxa de mortalidade pode atingir de 30 a 50% dos casos. Entretanto, com
tratamento adequado, a taxa é menor que 1%. O vibrião colérico produz
enterotoxina que parece ser totalmente responsável pela perda maciça
de líquidos. Ao penetrar no intestino delgado, em quantidade suficiente
para produzir infecção, inicia processo de multiplicação bacteriana,
elaborando a enterotoxina que induz à secreção intestinal, associada à
secreção de AMP-cíclico intestinal.

2. Agente etiológico e toxina: o Vibrio cholerae é bactéria gram-


negativa que se apresenta na forma de bastonete encurvado e ocorre
naturalmente em ambientes aquáticos. Pertence ao gênero Vibrio e à
família Vibrionaceae. Os sorogrupos O1 e O139 são responsáveis por
epidemias e pandemias de cólera. Esses sorogrupos são responsáveis
pela produção da enterotoxina chamada toxina colérica (TC) e toxina
coreguladora pilus (TCP).

3. Ocorrência: o Vibrio cholerae causa estimadamente 11 milhões de


casos de doença no mundo por ano, incluindo os surtos. Cerca de 90%
dos casos e 70% dos surtos de 1995-2005 ocorreu na África.

A incidência de cólera tem aumentado globalmente na última década,


quando surtos de cólera atingem vários continentes, mostrando que
a 7a pandemia não terminou ainda. Está em pleno curso em países da
Ásia, África e América Latina, Central e Caribe. O registro de surtos
epidêmicos em países como Haiti e República Dominicana, desde 2010,
Cuba e México no 2o semestre de 2013, acentua os riscos de reintrodução
da cólera no Brasil, e reforça a necessidade de cuidados de prevenção de
sua disseminação, especialmente considerando os eventos de massa.

No Brasil, a epidemia iniciou-se em 1991, com casos até 2005, sendo que
mais de 80% deles ocorreram no período de 1992 a 1994. No Estado de
São Paulo, neste mesmo período (1992 a 1994) ocorreram menos de 1%

106
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

dos casos totais registrados no país. Não há registro de casos autóctones


no Estado de São Paulo desde 1994.

Em 1999, foi registrado um caso não autóctone proveniente da Bahia e


em 2011 outro não autóctone, residente no município de São Paulo que
adquiriu a doença em turismo pela República Dominicana.

4. Período de incubação: os sintomas geralmente aparecem entre poucas


horas a 3 dias da ingestão do agente.

5. Modo de transmissão: o Vibrio cholerae é transmitido por via oral, ou


seja, pela ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes de uma
pessoa infectada. A doença não se transmite facilmente de uma pessoa
para outra e, portanto, o contato casual com uma pessoa infectada não é
um risco para adoecer.

6. Susceptibilidade e resistência: todas as pessoas são consideradas


suscetíveis à infecção. No entanto, a infecção é mais provável de ocorrer
entre as pessoas que habitam áreas pobres, pouco desenvolvidas, e com
alta densidade populacional. A cólera é mais grave em crianças que sofrem
de desnutrição. As pessoas que não tenham sido previamente expostas
ao organismo são mais susceptíveis de se tornar infectadas, visto que
geralmente é conferida imunidade por infecção.

7. Diagnóstico: a cólera pode ser confirmada apenas pelo isolamento do


organismo causador nas fezes de pessoas infectadas.

8. Tratamento: a cólera pode ser tratada simplesmente pela reposição


imediata do fluido e dos sais perdidos pela diarreia. Os pacientes podem
ser tratados com uma solução para reidratação oral, solução utilizada
em todo o mundo para o tratamento de diarreia. Casos graves também
exigem a reposição de líquidos por via intravenosa.

Com uma reidratação rápida, menos de 1% dos pacientes com cólera vão
a óbito.

Antibióticos encurtam o curso e diminuem a gravidade da doença, mas


são indicados apenas nos casos moderados e graves.

9. Alimentos associados: infecções com esses organismos têm sido


associados a uma variedade de frutos do mar, incluindo moluscos (ostras,

107
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

mexilhões), caranguejo, lagosta, camarão, lula e peixes ósseos. A doença


geralmente resulta do consumo desses frutos do mar crus ou mal cozidos.

10. Medidas de controle: 1) notificação – a ocorrência de surtos ou


casos suspeitos requer a notificação imediata às autoridades de vigilância
epidemiológica municipal, regional e central, para que se desencadeie
a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão por meio
de medidas preventivas (verificação de contaminação fecal de água e
outros alimentos; medidas educativas, entre outras). Orientações para os
casos suspeitos internados no Estado de São Paulo poderão ser obtidas
junto à Central/CIEVS/CVE/SES-SP, no telefone é 0800-55-54-66; 2)
medidas preventivas – educação sanitária; saneamento básico; ferver
ou clorar a água que será usada para beber em locais com problemas
de água potável; cozinhar bem os alimentos como legumes, peixes e
frutos do mar; lavar bem e higienizar com hipoclorito de sódio (2,5%)
ou água sanitária as verduras e frutas; 3) medidas em epidemias
– investigação do surto/epidemia e detecção da fonte de transmissão.
Orientações básicas sobre higiene pessoal e medidas sanitárias gerais; 4)
vacina – atualmente há vacina oral que poderá ser utilizada dependendo
da situação epidemiológica, especialmente, como uma ferramenta de
controle da doença em situações de risco de surto ou oferecida a viajantes
que irão a turismo ou em trabalho temporário em países com epidemia/
endemia de cólera.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, fevereiro


de 2014.

Vibrio Parahaemolyticus

1. Descrição da doença: gastroenterite associada ao parahaemolyticus


é o nome da infecção causada pelo consumo de alimentos com este
organismo. Diarreia com ou sem sangue, cólicas abdominais, náuseas,
vômitos, febre e calafrios podem estar associados a essa infecção. Este
patógeno pode causar também infecções em feridas.

A doença geralmente é leve ou moderada, causando diarreia autolimitada.


Menos de 40% dos casos notificados necessitaram de hospitalização e/ou
o tratamento com antibióticos. A duração média da doença é de 2 a 6
dias.

108
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

2. Agente etiológico: o Vibrio parahaemolyticus é um bacilo gram-negativo,


em forma de curva, frequentemente isolado em estuários e ambientes
marinhos dos Estados Unidos e outras áreas costeiras tropicais temperadas
em todo o mundo.

Ambas as formas patogênicas e não patogênicas do organismo podem ser


isoladas de ambientes marinhos e estuarinos e de frutos do mar colhidos
a partir desses ambientes. Cepas patogênicas são geralmente capazes de
produzir uma reação hemolítica característica - fenômeno de Kanagawa.

3. Ocorrência: Casos esporádicos e surtos têm sido registrados em várias


partes do mundo como Japão, Sul da Ásia e Estados Unidos, ocorrendo
principalmente em meses quentes. Não há dados sobre a frequência do
patógeno no Brasil.

4. Dose infectante: estudos realizados nos Estados Unidos sobre risco


do V. parahaemolyticus mostram que a dose infectante média é de 100
milhões de organismos. No entanto, evidências de um surto em 2004
naquele país sugerem uma dose cerca de 1.000 vezes menos do que na
avaliação de tais estudos.

5. Reservatório: o meio ambiente marinho é seu habitat natural. Nos


meses frios pode ser encontrado no lodo marinho; nos meses quentes são
encontrados livremente na água do mar ou nos peixes e moluscos.

6. Período de incubação: o período de incubação é de 4 a 90 horas após


a ingestão do alimento contaminado com o organismo, em média, 17
horas.

7. Modo de transmissão: ingestão de produtos do mar crus ou mal


cozidos, ou por contaminação cruzada no preparo de alimentos ou pela
higienização dos alimentos com água do mar.

8. Susceptibilidade e resistência: todas as pessoas são consideradas


suscetíveis à infecção. Pessoas com sistema imunológico comprometido
estão em maior risco de septicemia e morte.

9. Diagnóstico: o diagnóstico é feito por cultura do organismo a partir de


fezes de uma pessoa, ou de material da ferida, ou no sangue (em casos de
septicemia).

109
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

10. Tratamento: hidratação oral ou endovenosa podendo requerer


tratamento com antibióticos nos casos hospitalizados.

11. Alimentos associados: peixes e moluscos (em geral, ostras), crus


ou mal cozidos. Há uma correlação entre a doença e o consumo dos
alimentos nos meses quentes do ano. Refrigeração imprópria dos
alimentos contaminados ou permanência deles em temperatura ambiente
favorecem a proliferação dos microrganismos.

12. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (dois ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão com medidas preventivas e educativas. Orientações poderão
ser obtidas junto à Central/CIEVS/CVE/SP, no telefone é 0800-55-5466.
2) medidas preventivas – consumo de produtos adequadamente
cozidos ou refrigerados; educação dos manipuladores de alimentos sobre
os fatores de risco/proliferação e contaminações cruzadas. 3) medidas
em epidemias – investigação dos surtos e identificação de fontes de
transmissão; conscientização da população sobre os riscos de ingestão
de produtos do mar crus e outras medidas sobre o preparo de alimentos.
Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, fevereiro
de 2014.

Vibrio Vulnificus
1. Descrição da doença: em pessoas saudáveis, a ingestão desse organismo
pode causar gastrenterite, que é caracterizada por febre, diarreia, cólicas
abdominais, náuseas e vômitos. Entre pessoas imunocomprometidas e
grupos mais susceptíveis (crianças, gestantes e idosos), o organismo pode
causar septicemia primária (choque séptico). Mais de 60% dos pacientes
com septicemia desenvolvem lesões secundárias nas extremidades. O
agente também pode infectar feridas, principalmente aquelas causadas
durante o manuseio de peixes, crustáceos, moluscos ou quando um
ferimento pré-existente é exposto a águas marinhas ou estuarinas
abrigando o organismo. Infecções em feridas com Vibrio vulnificus
mostram inflamação no local que pode progredir para a celulite, lesões
vesiculares, e necrose. A infecção pode se tornar sistêmica, causando
febre, calafrios, estado mental alterado e hipotensão nos indivíduos
afetados.

110
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

2. Agente etiológico e toxina: Vibrio vulnificus é um gram-negativo, em


forma de curva, halofílica, encontrado em ambientes estuarinos e está
associada a várias espécies marinhas, como o plâncton, crustáceos e peixes
ósseos. O V. vulnificus é altamente suscetível a baixo pH, congelamento,
e cozimento. É encontrado em todo litoral do território continental dos
Estados Unidos.

3. Ocorrência: casos esporádicos podem ocorrer nos meses quentes do


ano. Não há dados sobre a frequência do patógeno no Brasil.

4. Dose infectante: estudos de Riscos da FAO/OMS do V. vulnificus


(VVRA) feitos com base em dados epidemiológicos dos Estados Unidos
estimam que uma dose de 1.000 organismos pode causar a doença e que,
com uma dose de 1 milhão de organismos, o risco de doença para pessoas
sensíveis é de 1:50.000.

5. Reservatório: o meio ambiente marinho é seu habitat natural, bem


como várias espécies marinhas.

6. Período de incubação: o intervalo de tempo para o início dos sintomas


de gastrenterite pode ser de aproximadamente 12 horas a 21 dias. O início
dos sintomas em casos de infecção da ferida pode ser de apenas 4 horas.
O tempo médio para septicemia é de 4 dias.

7. Modo de transmissão: ingestão de produtos do mar crus ou mal


cozidos, ou por contaminação cruzada no preparo de alimentos ou
pela higienização dos alimentos com água do mar. E, uma vez que o V.
vulnificus é encontrado naturalmente em águas quentes marinhas, as
pessoas com feridas abertas podem ser expostas pelo contato direto com
a água do mar.

8. Susceptibilidade e resistência: susceptibilidade geral para indivíduos


saudáveis que ingiram alimentos contaminados. Indivíduos com
comprometimento hepático e imunocomprometidos podem apresentar
a “septicemia primária”.

9. Diagnóstico: isolamento do organismo em feridas, fezes diarreicas ou


no sangue é diagnóstico da doença.

10. Tratamento: hidratação oral ou endovenosa para indivíduos com


gastrenterite que podem necessitar também de tratamento com
antibióticos (tetraciclina e cefalosporinas são os medicamentos de

111
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

escolha). As lesões devem ser tratadas com antibiótico. Os indivíduos


com doenças de base e complicações irão requer tratamentos específicos.

11. Alimentos associados: a bactéria é frequentemente isolada de ostras,


mexilhões, caranguejos e outros mariscos em águas quentes do litoral
durante os meses de verão.

12. Medidas de prevenção e controle: 1) notificação de surtos – a


ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às
autoridades de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central,
para que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão por meio de medidas preventivas e educativas. Orientações
poderão ser obtidas junto ao CIEVS/CVE/SES-SP, no telefone é 0800-55-
5466. 2) medidas preventivas – consumo de produtos adequadamente
cozidos; educação dos manipuladores de alimentos sobre os fatores de
risco/proliferação e contaminações cruzadas. Alerta para as pessoas
com doenças graves e imunocomprometidos sobre o risco do consumo
de produtos do mar crus. 3) medidas em epidemias – investigação
dos surtos e identificação de fontes de transmissão; conscientização da
população sobre os riscos de ingestão de produtos do mar crus e outras
medidas sobre o preparo de alimentos.
Texto organizado e atualizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e
Alimentar, fevereiro de 2014.

Listeria Monocytogenes
1. Descrição da doença: listeriose é a denominação de um grupo geral
de desordens causadas pela Listeria monocytogenes que incluem febre
e dores musculares, às vezes, precedidas de diarreia e outros sintomas
gastrointestinais. Os sintomas variam de acordo com a pessoa infectada.
Gestantes apresentam febre e outros sintomas inespecíficos como fadiga e
dores, além de poder levar a morte fetal, parto prematuro ou risco de infecção
do recém-nascido. Em outras pessoas, não gestantes, os sintomas, além de
febre e dores musculares, podem incluir dor de cabeça, rigidez do pescoço,
confusão, perda de equilíbrio e convulsões. E, em idosos e pessoas com
condições de imunossupressão, septicemia e meningite são as apresentações
clínicas mais comuns. A taxa de letalidade em recém-nascidos é de 30%; em
adultos (sem gravidez) é de 35%; em torno de 11% para < 40 anos e 63% para
> 60 anos. Quando ocorre septicemia, a taxa de letalidade é de 50% e com
meningite pode chegar a 70%.

112
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

2. Agente etiológico: L. monocytogenes é um gram-positivo mótil,


que causa infecções em humanos por serovars I/2a, I/2b e 4b. A dose
infectiva é desconhecida, mas, acredita-se, variar conforme a cepa
e a susceptibilidade da vítima. Em casos contraídos por ingestão de
leite inadequadamente pasteurizado ou cru afirma-se que em pessoas
suscetíveis, menos de 1.000 organismos podem causar a doença.

3. Ocorrência: apresenta uma incidência de 1.600 casos anualmente


(dados EUA, 2011). No Brasil, é subdiagnosticada e subnotificada.
Infecções assintomáticas provavelmente ocorram em todas as idades,
embora, sejam de importância, apenas na gravidez.

4. Reservatório: o principal reservatório do organismo é o solo, lodo,


forragem e água. Alguns estudos sugerem que 1-10% de humanos podem
carregar no intestino a L. monocytogenes. Foi encontrada em pelo
menos 37 espécies de mamíferos (domésticos e selvagens), 17 espécies de
pássaros e em algumas espécies de peixes e frutos do mar. É resistente
aos efeitos do congelamento, secagem e calor, ainda que seja uma
bactéria não formadora de esporos. Infecções em raposa produzem uma
encefalite simulando a raiva. Queijos em processo de maturação podem
constituir meio para o crescimento de Listeria e são frequentemente a
causa de surtos.

5. Período de incubação: gastroenterite causada por L. monocytogenes


tem um período de incubação relativamente curto, que vai de poucas
horas a 2 ou 3 dias. No entanto, a forma grave da doença invasiva pode
ter um período de incubação extremamente longo, variando de 3 dias a
3 meses.

6. Modo de transmissão: a maioria das infecções humanas ocorre por


consumo de alimentos contaminados. Foram relatados casos raros de
transmissão nosocomial, pelo contato direto com material infeccioso,
devido a lesões em mãos e braços, e infecções neonatais, nas quais o
microrganismo pode ser transmitido da mãe para o feto no útero ou no
canal do parto ao nascimento e surtos em enfermeiras por contato com
equipamento ou material contaminado. Quanto à infecção por alimentos,
surtos registrados estavam associados à ingestão de leite contaminado
(inadequadamente pasteurizados e de fontes não seguras ou cru),
queijos, sorvetes, água, vegetais crus, patês de carnes, molhos de carne
crua fermentada, aves crus ou cozidas, peixes (inclusive defumados) e
frutos do mar.

113
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

7. Susceptibilidade e resistência: os principais grupos suscetíveis são:


mulheres grávidas, fetos e neonatos (infecções perinatais e neonatais);
pessoas imunocomprometidas; pacientes com câncer, particularmente
com leucemia; pessoas que apresentam diabetes, cirrose, asma e colite
ulcerativa; idosos; e pessoas normais (alguns relatos sugerem que as
pessoas saudáveis estão em risco, e que os antiácidos ou cimetidina
podem predispô-los a infecções).

8. Conduta médica e diagnóstico: o diagnóstico é feito pelo isolamento


do agente infeccioso no líquor, sangue, líquido amniótico, placenta,
lavado gástrico ou fezes (embora este último seja difícil e de pouco valor).

9. Tratamento: o tratamento com penicilina ou ampicilina, juntas


ou isoladas, com aminoglicosídeos. Cefalosporinas não são efetivas.
Recomenda-se, para pacientes alérgicos às penicilinas, o uso de
Trimetoprim/Sulfametoxazol (TMP/SMX). Observou-se recentemente
resistência às tetraciclinas.

10. Alimentos associados: queijos, leite, carnes, peixes, frutos do mar e


outros. Os métodos para análise de alimentos são complexos e demorados.
Exames usuais levam de 24 a 48 horas para o preparo do meio, com uma
variedade de testes, exigindo para sua conclusão, de 5 a 7 dias. Técnicas
avançadas em biologia molecular podem simplificar os testes e reduzir o
tempo para a confirmação de suspeitos.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos - a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão através de medidas preventivas (interdição de produtos,
medidas educativas, entre outras). Orientações poderão ser obtidas junto
à Central de Vigilância Epidemiológica - Disque CVE, no telefone 0800-
55-5466. 2) medidas preventivas – gestantes devem evitar contato
com animais em fazendas onde tenham ocorrido óbitos de animais ou
abortos; devem ingerir alimentos cozidos e preparados diariamente;
só consumir carne e leite pasteurizado de fontes seguras e queijos
devidamente pasteurizados; evitar ingerir vegetais crus e de plantações
com procedimentos não seguros; lavar e desinfetar os vegetais crus;
orientações para fazendeiros e veterinários quanto às precauções em
relação aos abortos e mortes de animais. 3) medidas em epidemias

114
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

– investigação de surto para identificação da fonte comum de infecção e


prevenção de futuras exposições à fonte.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, elaborado


em março de 2003 e atualizado em maio de 2013.

Salmonella Typhi/Febre Tifoide

1. Descrição da doença: a febre tifoide é uma doença bacteriana aguda,


de gravidade variável que se caracteriza por febre, mal-estar, cefaleia,
náusea, vômito e dor abdominal, podendo ser acompanhada de erupção
cutânea. É uma doença endêmica em muitos países em desenvolvimento,
particularmente, no Subcontinente Indiano, na América do Sul e Central,
e África, com uma incidência (por 100.000 habitantes por ano) de 150 na
América do Sul e 900 na Ásia. A doença pode ser fatal, se não tratada, e
mata cerca de 10% de todas as pessoas infectadas.

2. Agente etiológico: é causada pela Salmonella Typhi, subespécie


enterica sorotipo Typhi (S. Typhi), que é um patógeno especificamente
humano. É uma bactéria com morfologia de bacilo gram-negativo, móvel,
pertencente à família Enterobacteriaceae. Possui alta infectividade, baixa
patogenicidade e alta virulência, o que explica a existência de portadores
(fontes de infecção não doentes) que desempenham importante papel na
manutenção e disseminação da doença na população. Distingue-se das
outras salmonelas por sua estrutura antigênica, possuindo três tipos de
antígenos de interesse para o diagnóstico:

›› antígeno O: somático, presente em todas as espécies de salmonela,


de natureza glicidolipídica, identificando-se com a endotoxina O,
é termoestável e essencial à virulência. Para a S. Typhi o antígeno
somático específico de grupo é o “O9”;

›› antígeno H: flagelar, de natureza proteica, a composição e ordem dos


aminoácidos da flagelina determinam a especificidade flagelar. No
caso da S. Typhi o antígeno flagelar é o “d”. É termolábil.

›› antígeno Vi: capsular, formado por um complexo glicidoproteico. É


termolábil. A S.Typhi pode ou não possuir o antígeno Vi e este pode
também ser encontrado na S. Paratyphi e na S. Dublin.

Cada um destes antígenos determina a formação de anticorpos


aglutinadores específicos: anti-O , anti-H e anti-Vi.
115
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

A S. Typhi é bastante resistente ao frio e ao congelamento, resistindo


também ao calor de 60° C por uma hora. É pouco resistente à luz solar.
Conserva sua vitalidade em meio úmido e sombrio e na água. É bastante
sensível ao hipoclorito, motivo pelo qual a cloração da água é suficiente
para sua eliminação.

3. Modo de transmissão: a via de transmissão é a fecal-oral. Se transmite,


na maioria das vezes, através de comida contaminada por portadores,
durante o processo de preparação e manipulação dos alimentos.
A água também pode ser um veículo de transmissão, podendo ser
contaminada no próprio manancial (rio, lago ou poço) ou por ser tratada
inadequadamente ou ainda por contaminação na rede de distribuição
(quebra de encanamento, pressão negativa na rede, conexão cruzada).
Entre doentes curados, o número de portadores temporários é de 5 a 10%
e os de portadores crônicos de 2 a 3%. O período de transmissibilidade
dura enquanto existirem bacilos sendo eliminados nas fezes ou na urina,
o que geralmente acontece desde a primeira semana de doença até a
convalescença. Cerca de 10% dos doentes eliminam bacilos até 3 meses
após o início do quadro clínico, e 1 a 5% até 1 ano e provavelmente por
toda a vida, que são os portadores crônicos. A ocorrência de patologia
da vesícula biliar aumenta a probabilidade de eliminação crônica da S.
Typhi, sendo mais comum em mulheres acima dos cinquenta anos.

4. Período de incubação: em geral, é de 1 a 3 semanas, em média 2,


podendo ser curto como três dias e longo até 56 dias em função da dose
infectante e da facilidade de proliferação do agente em determinados
alimentos. Em alguns alimentos contaminados pode ocorrer multiplicação
da S. Typhi, o que explicaria, nestes casos, períodos de incubação
relativamente menores.

5. Conduta médica e diagnóstico: a anamnese deve investigar a


história e período de ingestão de alimentos e verificar os sinais e sintomas
clínicos. Após o período de incubação, surge de forma gradual a febre, a
dor de cabeça, o mal-estar geral, a dor abdominal e a falta de apetite.
Durante 1 a 2 semanas, a febre se mantém alta (39 a 40º C) e cerca de
10% dos casos apresentam manchas avermelhadas no tronco (roséola
tífica). Nesta fase da doença, a obstipação intestinal é mais frequente do
que a diarreia, porém à medida em que aumenta o comprometimento
intestinal pode surgir diarreia com sangue. Os exames laboratoriais
se baseiam fundamentalmente no isolamento do agente etiológico no

116
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

sangue, na primeira semana de doença ou nas fezes, a partir da segunda


semana. Também, as provas sorológicas, como a reação de Widal,
podem se úteis no diagnóstico, havendo, no entanto, necessidade de se
colher duas amostras, uma na fase inicial da doença e outra após
duas semanas. O uso indiscriminado de antibióticos pode interferir
tanto no resultado das culturas como também nas provas sorológicas.
O diagnóstico diferencial não é fácil, devido aos sintomas inespecíficos,
especialmente na fase inicial. As hipóteses diagnósticas para esses
casos são inúmeras, devendo o médico pensar em febre tifoide, quando
diante de quadros de febre de início insidioso e persistente e sem sinais
de localização. As principais patologias que entram no diagnóstico
diferencial são: febre paratifoide A e B; septicemia de outras etiologias;
toxoplasmose; leptospirose septicêmica; esquistossomose aguda ou
toxêmica; riquetsioses (tifo); meningites; tuberculose miliar, malária,
brucelose, linfomas e outras. Dados epidemiológicos do paciente podem
auxiliar no diagnóstico.

6. Tratamento: a droga de primeira escolha é cloranfenicol. Colicistectomia


frequentemente soluciona o problema de portador permanente (mais
detalhes ver Manual de Febre Tifoide). As manifestações gerais devem
ser avaliadas e tratadas, se necessário. Medicamentos obstipantes ou
laxantes não devem ser usados. É fundamental o acompanhamento da
curva térmica do paciente para orientar a duração da antibioticoterapia.
Recomenda-se repouso e dieta conforme a aceitação do paciente,
devendo-se evitar alimento hipercalóricos ou hiperlipídicos.

7. Complicações: várias complicações podem surgir, particularmente, na


doença não tratada. Três a vinte por cento dos casos podem apresentar
recaída que parece estar associada à antibioticoterapia inadequada.
Outras complicações relativamente frequentes são a enterorragia e
a perfuração intestinal. Como em qualquer doença que evolui com
septicemia, na febre tifoide podem surgir complicações em qualquer
órgão. A letalidade atual da doença em países desenvolvidos é menor que
1%, no entanto, algumas regiões continuam apresentando índices tão
altos quanto 10%, relacionada à demora no diagnóstico e instituição do
tratamento adequado.

8. Distribuição e frequência relativa da doença: a febre tifoide


foi praticamente eliminada em países que alcançaram altos índices
de saneamento ambiental. No Brasil, persiste de forma endêmica em

117
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

algumas regiões, refletindo as condições de vida desses lugares.


No estado de São Paulo, o coeficiente de incidência caiu vertiginosamente
a partir da segunda metade da década de 1970, quando atingia níveis
em torno de 3 a 4 casos por 100.000 habitantes. Na última década, este
índice tem se mantido sempre a baixo de 0,1. É de grande importância
em nosso estado a ocorrência de casos “importados” de outras regiões
do país relacionados, principalmente, a atividades profissionais, tendo
os motoristas de caminhão se mostrado grupo de risco especial para a
doença.

9. Conduta epidemiológica: 1) notificação do caso: todo caso


suspeito ou surto deve ser imediatamente notificado ao Serviço de
Vigilância Epidemiológica Municipal, Regional ou Central para
que sejam desencadeadas as medidas as de controle bem como as
necessárias à identificação do agente etiológico. O Centro de Vigilância
Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo mantém
uma Central de Vigilância, funcionando ininterruptamente que além de
receber notificações pode orientar quanto a medidas a serem adotadas,
pelo telefone 0800-55-54-660800-55-54-66 FREE; 2) cuidados com o
doente – o doente deve ser mantido em condições tais que garantam o
isolamento entérico até o final do tratamento e pesquisar-se a condição
de portador no final deste. Para tanto, deve-se realizar 3 coproculturas
em dias consecutivos, 30 dias após o início dos sintomas e pelo menos 7
dias após a suspensão do uso do antibiótico ; 3) vacinação de grupos
de risco – a vacinação de rotina contra a febre tifoide é indicada apenas
a grupos populacionais de risco elevado para a doença em função de
suas atividades profissionais ou a indivíduos que, por motivo de viagem,
ingressem em áreas de alta endemicidade. No estado de São Paulo, a
vacina contra a febre tifoide vem sendo usada sistematicamente em
trabalhadores de companhias de saneamento que entram em contato com
esgoto. Não existe indicação de vacinação na ocorrência de catástrofes ou
calamidades públicas como enchentes ou terremotos. 4) cuidados com
os comunicantes do caso – os comunicantes devem ser mantidos
sob vigilância, avaliando-se o surgimento de manifestações clínicas
durante o período de incubação da doença (até 3 semanas da possível
contaminação).

10. Conduta sanitária e educativa – inspeção sanitária em


estabelecimentos fechados, como escolas, presídios, asilos etc. e
restaurantes ou cozinhas, bares, hotéis etc., quando os surtos tiverem

118
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

essa fonte comum. A coleta de alimentos é importante para identificação


da fonte de infecção medidas de educação sobre higiene pessoal,
controle de portadores, eliminação de portadores da manipulação de
alimentos, resfriamento rápido de alimentos em porções pequenas, bem
como intenso cozimento de alimentos, leite pasteurizado; medidas de
saneamento básico como água tratada e protegida, destino adequado dos
esgotos e resíduos sólidos, controle de moscas.

11. Conduta laboratorial – os procedimentos de investigação laboratorial


para diagnóstico da doença:

a. Para caso suspeito de febre tifoide:

Deve ser coletada mais de uma amostra de fezes, entre a 2a e 4a semanas da doença, com
intervalo semanal, aumentando a possibilidade de positividade do exame.

»» Isolamento e diagnóstico do agente patógeno:

›› Hemocultura – é o principal exame para o diagnóstico da febre tifoide.

»» Em adulto não tratado, as porcentagens de positividade da hemocultura


são:

›› 90% durante a 1a semana;

›› 75% durante a 2a semana;

›› 40% durante a 3a semana;

›› 10% durante a 4a semana.

»» Coleta do sangue e encaminhamento do material:

A antissepsia da pele deve ser rigorosa.

›› As coletas serão efetuadas, de preferência, no momento em que a curva


térmica apresenta ascensão e a primeira amostra, se possível, antes da
administração de antibióticos.

›› Coletar 3 amostras, com intervalo de 30 minutos entre cada uma,


sendo a quantidade de sangue de 10 a 20 ml para o adulto e 3 a 5 ml
para a criança.

119
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

»» Semeadura

›› Meio líquido nutritivo: inocula-se numa proporção de 10% de sangue


total para volume do meio.

›› Caldo biliado: adicionar ao volume do meio, o coágulo decorrente da


coleta de 3 a 5 ml de sangue. O soro será aproveitado para a Reação de
Widal.

Os frascos semeados são mantidos em estufa, 35 a 37oC, até o momento de encaminhá-


los ao laboratório, devidamente lacrados e identificados, devendo chegar ao laboratório
em até 24 horas após a coleta.

Coprocultura

Coleta, conservação e transporte de amostras

a. Coleta de swab fecal: a coleta das fezes deverá ser efetuada com swab fecal,
utilizando como meio de transporte o Cary-Blair. Sã os procedimentos.

»» recomenda-se que colete as fezes em frascos de boca larga e limpos


(de preferência esterilizados em forno Pasteur ou fervidos). Não utilize
substâncias químicas na desinfecção destes frascos;

»» coloque o swab no frasco contendo as fezes e, realizando movimentos


circulares, embeba-o com a matéria fecal;

»» coloque o swab em tubos contendo o meio de transporte Cary-Blair;

»» o transporte será realizado à temperatura ambiente e recomenda-se que


o material coletado seja encaminhado ao laboratório dentro de 24 a 72
horas após a coleta;

b. coleta das amostras de fezes “in natura”;

»» colete as fezes (3 a 5 g) em frascos de boca larga e limpos (como descrito


acima);

»» Identifique as amostras e encaminhe-as ao laboratório dentro de 2 horas,


após a coleta, se mantidas à temperatura ambiente, ou até 5 horas, se
mantidas sob refrigeração.
120
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Método indireto: sorodiagnóstico

»» Reação de Widal: consiste na pesquisa qualitativa e quantitativa de


anticorpos específicos (os anticorpos O e H) no soro dos pacientes, por
meio de testes de aglutinação de suspensões antigênicas preparadas com
S. Typhi. Os resultados são expressos pela diluição máxima do soro capaz
de promover aglutinação.

»» Coleta do sangue para a reação de Widal: coletar 5 ml de sangue usando


os mesmos procedimentos de coleta da hemocultura. O soro deverá ser
encaminhado ao laboratório, o mais breve possível, à temperatura de
4oC, no período máximo de 48 horas.

As coletas de sangue deverão ser realizadas no mínimo 2 vezes, na fase inicial, e outra
na 4a semana da doença, para que se possa avaliar ascensão de anticorpos.

Os resultados do sorodiagnóstico devem ser interpretados em função da curva das


aglutininas, pois:

»» Classicamente, no curso da febre tifoide, os anticorpos O aparecem


perto do 8o dia, atingindo um título médio de 1/400 e desaparecendo
rapidamente após a cura clínica;

»» os anticorpos H aparecem um pouco mais tarde, em torno do 10-12o dia,


atingindo rapidamente um título mais elevado, de 1/800 a 1/1600; esse
título cai nas semanas que seguem à cura clínica, mas se mantém em
título baixo, de 1/100 a 1/200, durante meses e até anos após a cura.

Os resultados do sorodiagnóstico devem ser interpretados com cuidado e podem apenas


orientar o diagnóstico etiológico. É preciso também observar que:

»» as respostas em anticorpos variam de um indivíduo a outro;

»» as respostas sorológicas não são sempre típicas;

»» a terapêutica pode interferir sobre a produção de anticorpos; e,

»» a produção de anticorpos é frequentemente fraca se a infecção é transitória


e localizada no tubo digestivo.

Como em toda reação sorológica, a curva do título das aglutininas de dois exames
sucessivos tem muito mais valor do que um resultado isolado. Ela permite concluir
que o paciente “produz anticorpos contra um agente infeccioso possuindo antígenos

121
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

idênticos ou semelhantes àqueles que foram utilizados para preparar as suspensões


antigênicas”.

Para detecção de portador de S. Typhi


A coprocultura é o único método que permite detectar o estado de portador.

»» Doente tratado e clinicamente curado que não manipula alimentos:


coletar, no mínimo, 3 amostras de fezes com intervalo não inferior a 24
horas entre elas, 30 dias após o início dos sintomas e no mínimo 7, após
o término da antibioticoterapia.

»» Doente tratado e curado, manipulador de alimentos: coletar, no mínimo, 7


amostras de fezes em dias sequenciais, 30 dias após o início dos sintomas
e no mínimo 7, após o término da antibioticoterapia.

»» Pesquisa de portador crônico entre manipuladores de alimentos


(responsável pela contaminação de alimentos que infectaram as pessoas
que adoeceram): coletar, no mínimo, 7 amostras de fezes em dias
sequenciais.

Quando se constata pelo menos uma coprocultura positiva, orienta-se o tratamento e


cuidados de higiene, bem como o afastamento de atividades que ofereçam risco à família
e à comunidade, com posterior realização de outra série de coproculturas, conforme
descrito acima, a fim de evitar a disseminação das salmonelas.

Todos os laboratórios (privados, municipais ou estaduais, incluindo os da rede do


Instituto Adolfo Lutz) que realizam hemocultura e coprocultura, podem isolar e
identificar presuntivamente a Salmonella:

a. Isolamento da bactéria: os meios de cultura utilizados para


semeadura da amostra biológica recebida dependem da padronização de
cada laboratório.

Basicamente são empregados:

»» Meio líquido de enriquecimento para Salmonella.

»» Placas de meio diferencial e seletivo.

b. Confirmação do gênero Salmonella:

»» As colônias suspeitas são repicadas em meio presuntivo para


enterobactérias para verificar os caracteres bioquímicos essenciais.

122
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

»» Aglutinação em lâmina com antissoros polivalentes para Salmonella


(somático e flagelar) .

c. Caracterização sorológica e bioquímica de Salmonella:

As cepas isoladas devem ser encaminhadas ao Instituto Adolfo Lutz-SP, Divisão de


Biologia Médica - Seção de Bacteriologia.

A análise antigênica das cepas é realizada por testes de aglutinação, utilizando antissoros
monovalentes somáticos e flagelares, específicos para Salmonella.

A associação dos antígenos determinados permite a identificação do sorotipo em estudo.


Além disso, realiza-se a caracterização bioquímica específica para a S. Typhi.

Obs.: O Instituto Adolfo Lutz (SP) e a Fundação Osvaldo Cruz (RJ) são os dois
laboratórios, no Brasil, que realizam a caracterização sorológica de cepas de
Salmonella sp.

12. Alimentos associados: por tratar-se de doença relacionada à


contaminação fecal de alimentos ou da água, não existe um tipo particular
de alimento associado à transmissão da febre tifoide; geralmente, são
alimentos com alto teor de proteínas, saladas cruas, leite, crustáceos,
manipulados e ingeridos sem reaquecimento adequado. Destacam se
situações que propiciam esta forma de disseminação:

›› água contaminada utilizada para irrigação;

›› utilização de fezes humanas como fertilizante;

›› manipulação de alimentos por doentes ou portadores com hábitos


higiênicos inadequados;

›› presença de insetos em áreas de processamento de alimentos que


possam atuar como vetores mecânicos.

Especialmente quando se tratar da investigação de um surto de febre tifoide, a


investigação deve buscar o apoio do laboratório no sentido de se identificar a fonte de
infecção, isto é o portador ou os principais veículos de transmissão. Assim, muita atenção
deve ser dada na identificação de alimentos que potencialmente estejam envolvidos
na disseminação da doença e por conseguinte na identificação dos manipuladores de
alimentos a eles relacionados. Como, em geral, o tempo decorrido entre o consumo e o
início do quadro clínico é grande, não se dispõe mais, no momento da investigação, de
amostras dos alimentos suspeitos para análise, então, é de fundamental importância

123
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

a pesquisa do estado de portador entre os manipuladores. Para estes preconiza-se a


colheita de 7 amostras de fezes em dias consecutivos.

Equipe Técnica:
Maria Bernadete de Paula Eduardo - CVE/SES-SP (Coordenação e Redação geral)
Maria Lúcia Rocha de Mello – CVE/SES-SP (Redação e revisão geral)
Ivany Rodrigues de Moraes – CVS/SES-SP
Sueli Aparecida Fernandes – IAL/SES-SP
Célia Elisa Guarnieri - IIER/SES-SP

Yersinia Enterocolitica/Yersinia Pseudotuberculosis

1. Descrição da doença: yersiniose é o nome atribuído a uma gastroenterite


veiculada por alimentos e causada por duas espécies patogênicas do gênero
Yersinia (Y. enterocolitica e Y. pseudotuberculosis) que se caracteriza
por diarreia aguda e febre (principalmente em crianças jovens), dor
abdominal, linfadenite mesentérica aguda simulando apendicite (em
crianças mais velhas e adultos), com complicações em alguns casos como
eritema nodoso (em cerca de 10% dos adultos, principalmente mulheres),
artrite pós-infecciosa (50% dos adultos infectados) e infecção sistêmica.
Diarreia sanguinolenta pode ocorrer em 10 a 30% das crianças infectadas
por Y. enterocolitica. A bactéria pode causar também infecções em
outros locais como feridas, juntas e trato urinário. Uma terceira espécie
patogênica, a Y. pestis, agente causal da “peste” e geneticamente similar
à Y. pseudotuberculosis e infecta humanos por outras vias que não o
alimento.

2. Agente etiológico: Y. enterocolitica e Y. pseudotuberculosis são


bacilo gram-negativo. Y. enterocolitica não faz parte da flora normal
humana, mas tem sido isolada, frequentemente, de fezes, feridas, escarro
e linfonodos mesentéricos de seres humanos. Y. pseudotuberculosis
tem sido isolada do apêndice doente de humanos. Ambas espécies
são encontradas em animais como porcos, pássaros, esquilos, gatos e
cachorros. Somente a Y. enterocolitica foi detectada em meio ambiente
(lagos, tanques) e alimentos (carnes, sorvetes e leite). A dose infectiva
permanece ainda desconhecida.

3. Ocorrência: de distribuição mundial, mais comum no norte da Europa,


Escandinávia e Japão, porém, não muito frequente. Estimativas apontam
para a ocorrência de cerca de 17 mil casos, anualmente, nos Estados
Unidos. No Brasil, não há dados.

124
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

4. Reservatório: animais, principalmente o porco, que carrega


a Y. enterocolitica na faringe, especialmente no inverno. A Y.
pseudotuberculosis é encontrada em várias espécies de aves e mamíferos,
incluindo-se os roedores e outros pequenos mamíferos.

5. Período de incubação: provavelmente 3 a 7 dias; geralmente menos


que 10 dias.

6. Modo de transmissão: transmissão fecal-oral através da água e


alimentos contaminados, ou por contato com pessoas ou animais
infectados. A Y. enterocolitica tem sido isolada de uma grande variedade
de alimentos, mais comumente de produtos a base de carne suína.
Devido a sua capacidade de se multiplicar sob condições de refrigeração
e microaerofilia, aumenta-se o risco de adquirir a infecção quando
carnes armazenadas em embalagens plásticas à vácuo são consumidas
mal cozidas. Transmissão hospitalar tem sido relatada, assim como,
transmissão transfusional devido a sangue de doadores assintomáticos
ou que tiveram gastroenterite leve.

7. Susceptibilidade e resistência: crianças, indivíduos debilitados ou


imunodeprimidos e idosos.

8. Conduta médica e diagnóstico: o diagnóstico é firmado pelo isolamento


do microrganismo em cultura de fezes. A Yersinia pode também ser
isolada de sangue ou vômito e do apêndice, quando da apendicectomia.
Diagnóstico sorológico é possível pelo teste de aglutinação ou ELISA.
Yersionioses têm sido frequentemente diagnosticadas erroneamente
como Doença de Crohn (enterite regional) ou como apendicites, levando
à desnecessárias apendicectomias.

9. Tratamento: estes microrganismos são sensíveis a vários antibióticos,


mas são resistentes geralmente à penicilina e seus derivados. Hidratação
oral ou endovenosa pode ser necessária para os sintomas da gastroenterite.
Antibióticos estão definitivamente indicados nas septicemias e outras
doenças invasivas. Os aminoglicosídeos são os antibióticos de escolha
(somente para a septicemia), bem como, a associação sulfametoxazol/
trimetoprim (SMX/TMP). Ciprofloxacin e tetraciclinas também se
mostram eficazes.

10. Alimentos associados: cepas de Y. enterocolitica podem ser


encontradas em carnes suína, bovina, de carneiro, em ostras, peixes e

125
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

leite cru etc. O exato mecanismo de contaminação ainda é desconhecido.


Entretanto, a prevalência deste organismo no solo e na água e em animais
como porcos, esquilos e outros roedores oferece as condições para a
contaminação dos alimentos, especialmente, em locais com precárias
condições sanitárias, técnicas impróprias de esterilização, práticas
inadequadas de preparo de alimentos, armazenamento incorreto de
matéria-prima, dentre outros fatores.

11. Medidas de controle: 1) notificação de surtos – a ocorrência de


surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades
de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para
que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da
transmissão por meio de medidas preventivas, medidas educativas e
outras. Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância
Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466. 2) medidas
preventivas – boas práticas de preparo dos alimentos, especialmente,
evitar o consumo de carnes cruas ou mal cozidas e leite não pasteurizado.
Orientação quanto à lavagem das mãos para os preparadores de alimentos
especialmente ao manipular carne de porco e quanto à contaminação
cruzada. Proteção dos alimentos e da água contra roedores e outros
animais para evitar a contaminação fecal. Ingerir água tratada. No
abate de suínos remover cabeça e pescoço para evitar a contaminação
da carne pela faringe que é altamente colonizada pelo patógeno. 3)
medidas em epidemias – investigação do surto e identificação das
fontes de transmissão para controle e prevenção. Precauções devem ser
tomadas em relação a pacientes no hospital ou a crianças em creches.
Manipuladores de alimento doentes devem ser afastados. Surtos de
“apendicites” devem ser notificados e investigados, mesmo na ausência
de identificação do agente etiológico, buscando-se uma provável fonte
alimentar ou contato com animais.

Texto organizado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, abril de


2003.

Miscelânea Entérica

1. Descrição da doença: gastroenterite, esporadicamente e


ocasionalmente causada por alguns gêneros gram-negativos.

126
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

2. Agente etiológico: gênero gram-negativo incluindo Klebsiella,


Enterobacter, Proteus, Citrobacter, Aerobacter, Providencia e Serratia.
Essas bactérias entéricas (intestinais), estes bastonetes têm sido apontadas
como causas de doenças gastrointestinais agudas e crônicas. Esses
microrganismos podem ser encontrados no meio ambiente natural, tais
como em florestas, água, produtos de fazenda (vegetais) como microflora
natural. Podem ser encontrados nas fezes de indivíduos saudáveis sem
sintomas da doença. A proporção relativa de cepas patogênica e não
patogênica é desconhecida.

3. Natureza da doença: a gastroenterite aguda é caracterizada por dois


ou mais sintomas – vômito, náusea, febre, calafrio, dor abdominal,
diarreia líquida (desidratante) ocorrendo 12 a 24 horas após a ingestão
do alimento ou água contaminada. A forma crônica é caracterizada
pelos sintomas disentéricos – gosto ruim na boca, fezes diarreicas
com muco, flatulência e distensão abdominal, podendo continuar por
meses e requerendo tratamento com antibiótico. A dose infecciosa
é desconhecida. Suspeita-se que ambas as formas, aguda e crônica,
resultam da elaboração de enterotoxinas. Esses microrganismos podem
se transformar transitoriamente em virulentos por adquirirem elementos
genéticos de mobilidade de outros patógenos.

4. Diagnóstico: métodos de recuperação e identificação desses patógenos


em alimentos, água ou amostras diarreicas são baseadas na eficácia da
média seletiva e resultados dos ensaios microbiológicos e bioquímicos.
A capacidade de produzir enterotoxina (s) pode ser determinada pela
cultura de células e bioensaios em animais, métodos sorológicos ou
provas genéticas.

5. Alimentos associados: essas bactérias têm sido encontradas em


laticínios, frutos do mar (crustáceos) e vegetais frescos crus.

6. Ocorrência: a forma aguda pode ocorrer mais frequentemente em


áreas não desenvolvidas do mundo. A crônica é comum em crianças
desnutridas morando sem condições sanitárias em países tropicais.

7. Curso natural da doença e complicações: indivíduos saudáveis


recuperam-se rapidamente sem tratamento da forma aguda. As crianças
desnutridas (1-4 anos) e bebês que têm diarreia crônica logo desenvolvem
anormalidades estruturais e funcionais no trato intestinal resultando
em uma perda da capacidade de absorver nutrientes. A morte é comum

127
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

nessas crianças e resulta indiretamente dos efeitos toxigênicos crônicos


os quais produzem a má-absorção e má-nutrição (desnutrição).

8. Susceptibilidade: todas as pessoas podem ser susceptíveis às formas


patogênicas dessas bactérias. A doença prolongada é mais comumente
encontrada entre os mais jovens.

9. Análise dos alimentos: essas cepas são recuperadas por procedimentos


padrões de isolamento seletivos e diferenciais para bactérias entéricas.
Ensaios bioquímicos e in vitro podem ser usados para determinar
espécies e potencial patogênico. Não sendo usualmente encontrados
como patógenos humanos, eles acabam sendo facilmente omitidos pelo
laboratório clínico.

10. Surtos da doença: infecções intestinais esporádicas nos países


desenvolvidos e surtos comuns em áreas não desenvolvidas.

Texto elaborado pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar – CVE/


SES-SP, com a colaboração dos alunos do I Curso de Especialização em Epidemiologia
Aplicada às Doenças Transmitidas por Alimentos - Convênio CVE-SES/SP/FSP-USP, ano
2000/2001.

128
Capítulo 2
Metodologias analíticas

Técnicas de avaliação microbiológica pelos


métodos tradicionais
A avaliação microbiológica pode ser direcionada para conclusões diferentes, de acordo
com o grupo que está sendo analisado e as finalidades de análise. Essas avaliações têm
por base as características intrínsecas ou internas do produto alimentício, como pH,
acidez, água ativa, potencial de oxidorredução, substâncias antimicrobianas naturais
ou adicionadas (aditivos com ação conservadora) etc.; as características extrínsecas ou
externas aos quais o produto em questão está exposto, como embalagem, condições de
tempo (validade) e temperatura de comercialização, condições de manuseio e preparo
final antes do consumo etc.; a microbiota natural do produto, uma vez que todos os
nichos ecológicos tem uma microbiota específica; processamento tecnológico com
consequente emprego de processos que permitem exclusão de microrganismos, como
os térmicos, tanto brandos quanto extremos, de controle de multiplicação, por redução
de água, acidificação, uso de temperaturas baixas, uso de microrganismos úteis para
obtenção de outros produtos, com consequente alteração da microbiota natural etc.

Para o estudo dos métodos analíticos tradicionais na pesquisa de agentes microbianos


em alimentos, será transcrito neste capítulo o texto elaborado pela Food Agriculture
Organization (FAO), da Organização das Nações Unidades (ONU).

Higiene dos Alimentos – Textos Básicos 2006 FAO

Princípios para Estabelecimento e Aplicação de Critérios Microbiológicos para os


Alimentos Publicado no Manual de Procedimentos da Comissão do Codex Alimentarius,
da Sexta à Nona Edições (1986-1995)

Princípios para Estabelecimento e Aplicação de Critérios Microbiológicos para


Alimentos CAC/GL 21 – 1997

Introdução
Estes princípios têm por objetivo oferecer diretrizes para o estabelecimento e a
aplicação de critérios microbiológicos para os alimentos em qualquer ponto da

129
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

cadeia, desde a produção primária até o consumo final. A segurança dos alimentos
é garantida principalmente pelo controle da origem, pelo controle do processo e
da formulação do produto e pela aplicação de boas práticas de higiene durante a
produção, o processamento (incluindo a rotulagem), a manipulação, a distribuição,
o armazenamento, a comercialização, a preparação e o uso, em combinação com a
aplicação do sistema HACCP. Essa abordagem preventiva oferece maior controle do
que as análises microbiológicas, pois a eficácia das mesmas para avaliar a segurança
de alimentos é limitada. As orientações para o estabelecimento de sistemas com base
em HACCP estão detalhadas no Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de
Controle e Guia para sua Aplicação (Anexo a CAC/RCP 1-1969, Rev. 4 (2003)).

Os critérios microbiológicos devem ser estabelecidos de acordo com esses princípios


e baseados na análise e assessoramento científicos e na análise de risco apropriada
para o produto alimentício e seu uso, quando dados suficientes estiverem disponíveis.
Os critérios microbiológicos devem ser elaborados de forma transparente, cumprindo
com os requisitos necessários para o comércio equitativo, devendo ser periodicamente
revisados para comprovar sua relevância em relação aos patógenos emergentes,
alterações tecnológicas e novos conhecimentos científicos.

Definição de critérios microbiológicos

O critério microbiológico para o alimento define a aceitabilidade de um produto ou de um


lote de alimentos, com base na ausência ou presença, ou no número de microrganismos,
incluindo parasitas, e/ou na quantidade das suas toxinas e/ou dos seus metabólitos por
unidade(s) de massa, volume, área ou lote.

Componentes de critérios microbiológicos para


alimentos

Um critério microbiológico consiste de:

»» determinação dos microrganismos de importância e ou de suas toxinas


ou de seus metabólitos e o motivo dessa importância (ver § 5o.1);

»» métodos analíticos para sua detecção e ou quantificação (ver § 5o.2);

»» plano que defina o número de amostras de campo a serem coletadas e o


tamanho da unidade analítica (ver § 6o);

»» limites microbiológicos considerados apropriados para o alimento no(s)


ponto(s) especificado(s) da cadeia de alimentos (ver § 5o.3);

130
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

»» número de unidades analíticas que devem estar em conformidade com


esses limites.

Um critério microbiológico também deve estabelecer:

»» o alimento ao qual se aplica o critério;

»» o(s) ponto(s) da cadeia de alimentos onde se aplica o critério;

»» todas as medidas a serem tomadas quando o critério não for atendido.

Ao se aplicar um critério microbiológico para avaliação de produtos, a fim de utilizar


os recursos e a mão de obra da melhor maneira possível, é fundamental que apenas as
análises apropriadas sejam aplicadas (ver § 5o) àqueles alimentos e naqueles pontos
da cadeia de alimentos que ofereçam os maiores benefícios para proporcionar ao
consumidor um alimento seguro e adequado ao consumo.

Finalidades e aplicação dos critérios


microbiológicos para alimentos

Os critérios microbiológicos podem ser utilizados para formular requisitos de projetos


e para indicar, quando apropriado, as condições microbiológicas requeridas para a
matéria-prima, os ingredientes e os produtos acabados, em qualquer etapa da cadeia
de alimentos. Os critérios podem ser importantes na análise de alimentos, incluindo
matérias-primas e ingredientes de origem desconhecida ou incerta, ou quando não
se disponham de outros meios para verificar a eficácia de sistemas HACCP e de boas
práticas de higiene. Em geral, os critérios microbiológicos podem ser aplicados pelas
autoridades reguladoras e ou pelos empresários do setor de alimentos para distinguir
entre a aceitabilidade e a inaceitabilidade de matérias-primas, ingredientes, produtos e
lotes. Os critérios microbiológicos também podem ser utilizados para determinar se os
processos se ajustam aos Princípios Gerais de Higiene dos Alimentos.

Aplicação pelas autoridades reguladoras

Os critérios microbiológicos podem ser utilizados para definir e comprovar a


conformidade com os requisitos microbiológicos. Critérios microbiológicos
obrigatórios devem ser aplicados àqueles produtos ou pontos da cadeia de alimentos
quando não houver outras ferramentas eficazes disponíveis e quando se espera que eles
possam aumentar o grau de proteção oferecida ao consumidor. Quando considerados
apropriados, devem ser ajustados ao tipo de produto e aplicados apenas no ponto
da cadeia de alimentos conforme especificado no regulamento. Em situações de não

131
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

conformidades com os critérios microbiológicos, dependendo da avaliação do risco


para o consumidor, do ponto da cadeia de alimentos e do tipo de produto especificado,
é possível que as medidas de controle regulatórias a serem tomadas consistam na
seleção, no reprocessamento, na rejeição ou na destruição do produto ou na realização
de nova investigação para determinar as medidas apropriadas a serem adotadas.

Aplicação pelo segmento empresarial do setor de


alimentos

Os empresários do setor de alimentos podem utilizar os critérios microbiológicos para


avaliar a conformidade com as disposições regulatórias (ver § 3.1), assim como para
formular requisitos de projetos e para analisar produtos acabados, como uma das medidas
para verificar ou validar a eficácia do plano HACCP. Tais critérios serão específicos para
o produto e a etapa da cadeia de alimentos na qual os mesmos serão aplicados. Eles
podem ser mais rigorosos que os critérios adotados para fins regulamentares, porém não
devem ser utilizados para adoção de medidas de caráter legal. Critérios microbiológicos
não são normalmente adequados para monitoramento de Limites Críticos, conforme
definido no Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP) e
Guia para sua Aplicação (Anexo a CAC/RCP 1-1969, Rev. 4-2003). Os procedimentos de
monitoramento devem ser capazes de detectar a perda de controle em um Ponto Crítico
de Controle (PCC). Ademais, o monitoramento deve fornecer essa informação em tempo
hábil de modo que se adotem as medidas corretivas para retomar o controle antes que
seja necessário rejeitar o produto. Consequentemente, as medições de parâmetros
físicos e químicos na linha de produção são, com frequência, preferíveis em relação às
análises microbiológicas, pois os resultados são, em geral, obtidos mais rapidamente e
no local da produção. Além disso, para o estabelecimento de Limites Críticos podem ser
necessárias outras considerações, além das descritas neste documento.

Considerações gerais sobre os princípios para


estabelecimento e aplicação de critérios
microbiológicos

Um critério microbiológico deve ser estabelecido e aplicado apenas quando houver


uma indubitável necessidade e quando sua aplicação for prática. Essa necessidade é
demonstrada, por exemplo, por dados epidemiológicos que indiquem que o alimento
em consideração pode representar um risco para a saúde pública e que um critério
é importante para a proteção do consumidor ou como resultado de uma avaliação
de riscos. O critério deve ser tecnicamente atingível, aplicando-se boas práticas de
fabricação (Códigos de Prática).

132
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

A fim de alcançar as finalidades de um critério microbiológico, deve-se considerar o


seguinte:

»» a evidência de perigos reais ou potenciais à saúde;

»» a condição microbiológica da(s) matéria(s)-prima(s);

»» o efeito do processamento na condição microbiológica do alimento;

»» a probabilidade e as consequências da contaminação e ou multiplicação


microbiana nas operações sucessivas de manipulação, armazenamento e
uso;

»» a(s) categoria(s) dos consumidores em consideração;

»» a relação custo-benefício associada à aplicação do critério; e

»» o uso previsto do alimento. O número e o tamanho das unidades analíticas


por lote analisado devem corresponder ao estabelecido no plano de
amostragem e não devem ser modificados. Entretanto, o lote não deve
ser submetido a repetidas análises a fim de alcançar sua conformidade.

Aspectos microbiológicos dos critérios

Microrganismos, parasitas e suas toxinas ou seus


metabólitos de importância em um alimento específico

Para a finalidade deste documento, serão considerados:

»» bactérias, vírus, leveduras, bolores e algas;

»» protozoários e helmintos parasitários;

»» suas toxinas ou seus metabólitos.

Os microrganismos incluídos em um critério devem ser amplamente aceitos como


relevantes – como patógenos, organismos indicadores ou organismos deteriorantes
– para o alimento e a tecnologia em particular. Organismos cuja importância para o
alimento especificado seja duvidosa não devem ser incluídos em um critério.
A simples descoberta, por meio de uma análise de presença-ausência, de determinados
organismos conhecidos como causadores de doenças transmitidas por alimentos (ex.
Clostridium perfringens, Staphylococcus aureus e Vibrio parahaemolyticus) não
indica necessariamente uma ameaça à saúde pública.

133
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Higiene dos alimentos – textos básicos

No caso em que os microrganismos patogênicos possam ser detectados de forma direta


e confiável, deve ser considerada a possibilidade de realizar análises para detectá-los ao
invés de análises para detectar os organismos indicadores. Se for aplicada uma análise
para detecção de um organismo indicador, deve estar claramente definido se a análise
é utilizada para indicar práticas de higiene insatisfatórias ou um perigo para a saúde.

Métodos microbiológicos

Sempre que possível, devem ser utilizados apenas métodos para os quais a
confiabilidade (precisão, reprodutibilidade, variação inter e intra laboratorial) tenha
sido estatisticamente estabelecida por meio de estudos comparativos ou realizados
em colaboração entre vários laboratórios. Além disso, deve-se preferir métodos
que tenham sido validados para o produto em questão, em relação aos métodos de
referência elaborados por organizações internacionais. Embora os métodos devam ser
altamente sensíveis e reprodutíveis para a finalidade desejada, os métodos a serem
utilizados para execução na própria empresa podem, com frequência, perder certo grau
de sensibilidade e reprodutibilidade em prol da rapidez e da praticidade. Entretanto,
esses métodos devem fornecer uma estimativa suficientemente confiável sobre a
informação que se requer. Os métodos para determinar a adequação para consumo de
alimentos altamente perecíveis ou com prazo de validade curto devem ser escolhidos,
sempre que possível, de forma que os resultados dos exames microbiológicos estejam
disponíveis antes que os alimentos sejam consumidos ou que excedam seu prazo
de validade. Os métodos microbiológicos especificados devem ser satisfatórios quanto
à complexidade, à disponibilidade de meios, de equipamentos etc., à facilidade de
interpretação, ao tempo exigido e aos custos.

Limites microbiológicos

Os limites estabelecidos para os critérios devem ser baseados em dados


microbiológicos apropriados ao alimento e devem ser aplicáveis a uma variedade de
produtos similares. Portanto, devem ser baseados em dados coletados em distintos
estabelecimentos de produção que estejam operando conforme as boas práticas de
higiene e aplicando o sistema HACCP. Ao estabelecer limites microbiológicos, devem
ser consideradas quaisquer eventuais alterações que possam ocorrer na microbiota
durante o armazenamento e a distribuição (decréscimo ou aumento da quantidade,
por exemplo). Os limites microbiológicos devem ser estabelecidos considerando os
riscos relacionados com os microrganismos, bem como as condições previstas para
manipulação e o consumo de alimentos. Os limites microbiológicos também devem

134
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

considerar a probabilidade de distribuição desigual de microrganismos no alimento e a


variabilidade inerente do procedimento analítico. Se o critério requer a ausência de um
determinado microrganismo, devem ser indicados o tamanho e o número da unidade
analítica (bem como o número de unidades analíticas amostrais).

Planos de amostragem, métodos e manuseio

O plano de amostragem inclui o procedimento de amostragem e os critérios de decisão


a serem aplicados no lote, sendo baseado na análise do número pré-estabelecido
de unidades amostrais e das unidades analíticas subsequentes, cujo tamanho é
definido conforme indicação do método. Um plano de amostragem adequadamente
projetado define a probabilidade de detecção de microrganismos em um lote, mas
deve-se atentar que nenhum plano de amostragem pode garantir a ausência de um
determinado organismo. Os planos de amostragem devem ser factíveis administrativa
e economicamente.

Em especial, a escolha de planos de amostragem deve considerar:

»» os riscos à saúde pública associados ao perigo;

»» a suscetibilidade do grupo de consumidores alvo;

»» a heterogeneidade de distribuição de microrganismos quando se


empregam planos de amostragem variáveis; e

»» o Nível de Qualidade Aceitável e a probabilidade estatística desejável de


aceitação de um lote com não conformidade.

Para muitas aplicações, podem ser úteis os planos de duas ou três classes.

A característica estatística de desempenho ou a curva característica de operação deve


ser indicada no plano de amostragem. As características de desempenho fornecem
informação específica para estimar a probabilidade de aceitação de um lote com não
conformidade. O método de amostragem deve ser definido no plano de amostragem. O
tempo entre a coleta de amostras de campo e a análise deve ser o mais breve possível
e, durante o transporte ao laboratório, as condições (ex.: a temperatura) não devem
permitir aumento ou decréscimo da quantidade de organismos alvo, de modo que os
resultados reflitam – dentro das limitações estabelecidas no plano de amostragem – as
condições microbiológicas do lote.

135
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Relatório

O relatório sobre as análises deve conter as informações necessárias para uma


identificação completa da amostra, do plano de amostragem, do método de análise, dos
resultados e, se apropriado, de sua interpretação.

NOTA: O Nível de Qualidade Aceitável (NQA) é a porcentagem de unidades da amostra


com não conformidades em todo o lote para o qual o plano de amostragem indicará a
aceitação do lote em relação a uma probabilidade determinada (normalmente 95%).

Ver ICMSF: Microorganisms in Foods. 2. Sampling for Microbiological Analysis.


Principles and Specific Applications, 2nd Edition, Blackwell Scientific Publications,
1986 (ISBN-0632-015-675).

136
Capítulo 3
Técnicas moleculares

Técnicas de avaliação microbiológica pelos


métodos moleculares
O diagnóstico laboratorial em alimentos inclui: métodos microbiológicos, sorológicos
e moleculares. Avanços significativos nos meios de cultura para enriquecimento
seletivo e nos procedimentos para isolamento têm sido alcançados na última década;
entretanto, esses métodos são demorados, trabalhosos e não detectam baixos níveis de
contaminação.

A dificuldade de recuperar organismos envolvidos nos surtos, a subnotificação e a


demora na realização de análises convencionais são alguns dos importantes fatores que
retardam ou impedem intervenções em situações de emergência.

As técnicas moleculares de sequenciamento genético e as análises genéticas comparativas


vêm promovendo um grande avanço na precisão e rapidez, para a obtenção de dados
relativos ao patógeno, no que se refere ao entendimento de sua biologia, fatores de
virulência, evolução, diferenças fenotípicas e, consequentemente, nas ações de
diagnóstico e prevenção de doenças. (VASQUEZ-BOLAND et al., 2001; BYUN et al.,
2001; ROCOURT et al., 2003; BEUMER et al., 2003; BUCHRIESER et al., 2003).

A identificação rápida, simplificada e específica de agentes patogênicos representa um


dos maiores desafios atuais para as vigilâncias epidemiológica e sanitária de países do
mundo todo. Diversas limitações na adoção das técnicas tradicionais, como a baixa
especificidade; as dificuldades encontradas no isolamento; a demora para obtenção
dos resultados; as grandes chances de erro nas fases de isolamento e interpretação e a
exigência de recursos humanos especializados, dentre outros, são razões que justificam
o desenvolvimento de testes mais sensíveis e rápidos, como as técnicas moleculares.
A alta especificidade e capacidade de reprodubilidade das técnicas genotípicas promove
resultados mais precisos e rápidos, favorecendo o diagnóstico de surtos.

Na atualidade, as moléculas de DNA e o RNA são facilmente extraídas das células,


purificadas e analisadas, demonstrando uma evolução em relação há décadas passadas,
nos primórdios da biologia molecular (MATTÉ, 2003).

Em uma análise comparativa, os métodos fenotípicos dependem da expressão de


certas características bacterianas, que podem ser variáveis; já os métodos moleculares
137
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

permitem a observação direta dos genótipos, o que proporciona a interpretação com


base em dados altamente reprodutíveis (MATTÉ et al., 2005).

O comitê ad doc para reavaliação da definição de espécies em bacteriologia sugeriu a


introdução de métodos rápidos de tipagem do DNA, como AFLP, RAPD, rep-PCR e
PFGE, que têm como alvo o cromossomo como um todo, os que estudam um grupo de
genes, genes individuais e regiões intergênicas (MATTÉ, 2003).

Os recentes avanços no campo da biologia molecular têm contribuído de forma


significativa para o estudo da taxonomia, biodiversidade microbiana, epidemiologia
molecular elucidação da relação entre cepas clínicas e ambientais, demonstrando
a clonalidade, biodiversidade, rotas de propagação, variações geográficas e
estabelecimento de padrões e métodos preventivos baseados na microbiologia preditiva
e análise de risco (ROCOURT 2003; BUCHRIESER et al., 2003; HOF 2003a, BEUMER
et al., 2003; WAGNER; ALLERBERGER 2003; GASANOV et al., 2005).

A identificação dos fatores de virulência a partir da identificação de determinadas


características genéticas das espécies, como a presença do gene Internalina, tem
elucidado a patogenicidade da bactéria estudada (HOF 2003a; BUCHRIESER 2003;
BORUCKI; CALL 2003).

A partir de um banco de dados, é possível ser feita uma identificação de similaridade


ou ineditismo de determinados organismos, a fim de confirmar ou não as espécies
pesquisadas (MATTÉ, 2003).

Conceituação básica

As informações genéticas são armazenadas nos ácidos nucleicos. Há dois tipos de


ácidos nucleicos: ácido desoxiribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA). O DNA é
encontrado, principalmente, nos cromossomos no núcleo das células, enquanto o RNA
está presente no citoplasma, havendo pouco nos cromossomos (LEWIN, 1994).

Os ácidos nucleicos são formados por cadeias de nucleotídeos. Cada nucleotídeo é


constituído por uma base nitrogenada, uma molécula de açúcar e um grupamento de
fosfato (PO4-). Há dois tipos de açúcar nos ácidos nucleicos: 2-desoxiribose no DNA
e ribose no RNA. As bases nitrogenadas são as pirimidinas – citosina (C), timina (T) e
uracila (U) e as purinas: adenina (A) e guanina (G). O DNA contém A,C,G e T, enquanto
o RNA contém U em vez de T. Em ambos, DNA e RNA, os nucleotídeos estão ligados
formando uma longa cadeia polinucleotídica. Essa cadeia é formada por ligações entre o
grupo fosfato de carbono 5, de um nucleotídeo, e o carbono 3, do açúcar do nucleotídeo
adjacente (LEWIN, 1994).

138
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Em geral, o RNA consiste em uma cadeia polinucleotídica simples, enquanto o DNA é


composto de duas cadeias polinucleotídicas pareadas, dispostas em direção contrária,
sendo denominadas antiparalelas. As ligações covalentes do esqueleto de açúcar fosfato
se localizam na parte externa da estrutura e as bases nitrogenadas estão projetadas
para a parte interna. O arranjo das bases na molécula de DNA segue uma sequência,
em que cada base de uma cadeia é pareada com outra base na segunda cadeia, de modo
que a guanina em uma cadeia é pareada com a citosina na outra cadeia; e, a adenina
sempre pareia com a timina. Dessa forma, o DNA apresenta a estrutura tridimensional
de dupla hélice, onde o ângulo e a distância entre um nucleotídeo e outro é sempre
constante (LEWIN, 1994).

A relação entre as purinas e pirimidinas é constante, na maioria das espécies animais,


ou seja, a quantidade da purina, adenina, é igual a da pirimidina, timidina; da mesma
forma, a quantidade da purina guanina é igual a da pirimidina citosina (CHARGAFF,
1951). Essa característica importante é definida pela propriedade físico-química das
moléculas com formas semelhantes de se atraírem, mutuamente, com significante
afinidade (força de atração de Van Der Waals), somada à força de atração entre os átomos
de cargas opostas (ligações iônicas ou pontes de hidrogênio). Essas propriedades são
bastante específicas e, no caso do DNA, elas operam de forma conjunta e simultânea
com significante energia de interação, como se fosse um molde perfeito. Em resumo, se
pode dizer que a lei de CHARGAFF se baseia na especificidade da interação das bases
púricas e pirimídicas, na qual a citosina pareia apenas com a guanina e a adenina pareia
apenas com a timidina ou uracila. É importante salientar que a ligação entre a A e T ou
U, ocorre por interação de duas pontes de hidrogênio, enquanto que entre C e G a ligação
dá-se por três pontes de hidrogênio (ligação mais forte). Devido a essa especificidade do
pareamento entre as bases, a sequência de uma das cadeias polinucleotídicas do DNA é
complementar a outra cadeia complementar (LEWIN, 1994).

A estrutura secundária de dupla hélice (duplex) do DNA, descrita por Watson e Crick
(1953), está disposta linearmente. Entretanto, pode ser, também circular como nas
bactérias, plasmídeos e certos vírus e pode ser igualmente de fita simples como em alguns
tipos de fagos. Entretanto, a disposição da molécula de DNA nos organismos superiores
é de particular importância, cujainformação genética está amplamente concentrada nos
cromossomas dentro do núcleo. O comprimento total dos 46 cromossomas humanos
tem menos que 0,5mm, todavia se estendido pode atingir muitos metros. Isto se deve
ao fato do DNA ser compactado na forma superenrolada em vários níveis: primário,
duplex; secundário, ao redor das proteínas ligadas ao DNA (histonas), formando os
nucleossomos; terciário, enrolado com os nucleossomas formando um cilindro ou
estrutura solenoide; e, finalmente, quaternária, formando voltas ou “loops”. Essa
disposição superenrolada é a forma natural do DNA (LEWIN, 1994).

139
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Exemplos de técnicas moleculares empregadas


em alimentos

Reação em cadeia pela polimerase (PCR)

Muitos métodos para classificação de cepas bacterianas estão baseados na amplificação


do DNA por técnicas de PCR. De forma geral, duas classes de protocolos são empregadas.

O primeiro protocolo envolve a amplificação de um ou alguns poucos fragmentos


de DNA que, em seguida, são sequenciados ou analisados por métodos empregando
enzimas de restrição, geralmente usados para taxonomia, identificação de genes de
virulência e adesão. A análise de regiões intergênicas entre os segmentos 16 S e 23 S
do RNA ou ainda regiões variáveis do RNA transportador (tRNA) pode ser amplificada
e analisada em eletroforese em gel e, assim, estabelecer a relação entre sequências de
DNA conhecidas, que são diagnósticas para gêneros, espécies ou isolados (SOMER;
KASHI, 2003).

O segundo protocolo de PCR utiliza sequências curtas do DNA, que vão ser utilizadas
como iniciadores para amplificar numerosos fragmentos distintos do DNA genômico
do organismo em estudo. Quando esses fragmentos são submetidos a um sistema
eletroforético, este resulta num padrão de bandas, gerando um perfil fingerprinting,
semelhante às impressões digitais, de espécies ou isolados que podem ser específicos.
O PCR, utilizando um conjunto universal de iniciadores arbitrários (arbitrary
iniciadors-PCR – APPCR), pode ser empregado para a análise do DNA genômico de
uma variedade de espécies. Existem elementos do DNA na natureza que são repetitivos
e encontrados na grande maioria de bactérias e são utilizados como iniciadores para
amplificação do mesmo fragmento a partir do DNA genômico da bactéria estudada.
Também denominados primers. É importante, porém que antes da escolha do iniciador,
testes preliminares sejam feitos com sondas de DNA, para verificar a presença de sua
sequência no DNA a ser estudado.

O PCR oferece maiores vantagens quando são utilizados iniciadores específicos, comuns
para um determinado grupo de espécies. Essas sequências repetitivas estão presentes
nos genomas de todos os organismos e podem ser utilizadas como iniciadores para
determinação filogenética.

A adoção do método PCR para confirmação de espécie já é amplamente discutida no


meio científico, mas ainda representa técnica pouco difundida nas práticas de controles
de vigilâncias epidemiológica e sanitária adotados no Brasil.
140
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

Técnicas de eletroforese

Eletroforese em campo pulsado (Pulsed-field gel


eletroforesis)

A técnica PFGE é utilizada por muitos pesquisadores porque apresenta maiores


vantagens em relação ao tratamento do DNA na extração e na clivagem com enzimas
de restrição, quando as bandas e os perfis são melhor visualizados.

Eletroforese é uma técnica de separação que envolve o movimento de partículas com


cargas em solução, sob ação de um campo elétrico. Portanto, qualquer partícula ou
molécula carregada pode se mover nessas condições e, consequentemente, pode ser
separada, desde que tenha diferente carga. A separação eletroforética das partículas
pode ser realizada em meio líquido (eletroforese livre de Tisellius), ou em um suporte
inerte.

A carga elétrica aplicada à solução é realizada pelos eletrodos que são colocadas na
solução. Um ion migra, através da solução, na direção do eletrodo de carga oposta.
Portanto, uma partícula carregada positivamente (cátion) migra para o polo negativo
(cátodo), enquanto as partículas negativas (ânions) migram para o polo positivo (ânodo)
(KAPLAN, 1996).

RAPD

O RAPD (Randon Amplified Polymorfic DNA) é uma variação do PCR clássico e foi
proposto por Williams et al. (1990) e por Welsh e McCleland (1990), para análise de
DNA genômico de uma variedade de espécies. Sua utilidade reside, principalmente, na
identificação das espécies estudadas.

ERIC

O ERIC (Enterobacteria repetitive intergenic concensus) é a denominação de


sequências intergênicas repetitivas unânimes em enterobactérias específicas compostas
de 124 a 127 pares de bases que podem ser usadas como iniciadores para obter uma
diferenciação genética (MATTÉ, 2003).

REP

A técnica REP (Repetitive extragenic palindromic sequence), denominação de


sequências polidrômicas repetitivas extragênicas, compostas de 35 a 40 pares de

141
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

bases, e, ainda, sequências chamadas BOX, com 154 pares de bases e que apresentam
três subunidades (Box A, Box B, Box C), que parecem estar localizadas em regiões
intergênicas distintas ao redor do genoma (MATTÉ, 2003). Após amplificação, as
bandas geradas são separadas por eletroforese em gel de agarose, fornecendo um
perfil de padrão complexo que lembra um código de barras o qual funciona como uma
impressão digital para uma cepa bacteriana específica (MATTÉ, 2003).

142
Capítulo 4
Investigação de surtos de DVAs

Texto adaptado da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, disponível em: <ftp://
ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica/doc/VEDTA08_manual.pdf>. Acesso em:
abril de 2015.

Definição de surtos
Considera-se surto ou epidemia quando há mais casos de uma determinada doença que
o esperado em uma área ou entre um grupo específico de pessoas, em um espaço de
tempo. Um número de casos de uma doença, em uma área e período, independentemente
de o número ser maior que o esperado, é denominado de cluster, ou de “agregado de
casos”. Em um surto ou epidemia, presume-se, sempre, que haja uma causa comum.

O termo epidemia é utilizado usualmente em situações em que a doença envolve grande


número de pessoas e atinge uma larga área geográfica. Em geral, define-se surto como
um incidente em que duas ou mais pessoas apresentam certa doença causada por uma
fonte comum. Porém, em situações e áreas onde não há nenhum registro de caso de
uma determinada doença, ou em agravos considerado emergência em saúde pública,
utiliza-se, também, a denominação de surto para o aparecimento de um único caso.

Investigação de surtos

A investigação de surtos de doenças infecciosas agudas representa um importante


componente de epidemiologia e saúde pública, para identificar fonte de surtos em curso
e para prevenir novos casos.

Em investigação de surtos, duas diretrizes se fazem necessárias: uma sobre a velocidade


na investigação, e a outra sobre como encontrar a resposta certa. Para satisfazer ambas
as requisições, é necessário uma abordagem sistemática que compreenda passos e
técnicas apropriadas. Sabe-se que mesmo quando um surto termina, pois uma grande
parte deles é repentina e fugaz, uma investigação epidemiológica e ambiental pode
trazer novos conhecimentos sobre uma determinada doença e prevenir futuros surtos.

Sua importância repousa também em permitir treinamentos e aprendizado de equipes


de vigilância, comunidade médica e população.

143
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

Surtos podem ser identificados de várias maneiras. Em geral, uma investigação de


surto depende da notificação da doença por parte de médicos, laboratórios ou dos
próprios envolvidos. Também, sistemas de monitoramento da doença diarreica, ou de
vigilância ativa, podem detectar surtos, por meio de casos aparentemente isolados ou
da análise de gráficos que mostram aumento de casos ou mudança do comportamento
da doença diarreica, mas que, se analisados pela equipe de vigilância, podem ter sua
relação estabelecida, requerendo uma investigação mais ampla. Em algumas ocasiões,
a imprensa tem papel importante na identificação e notificação de surtos ou epidemias.

Frequentemente, quem detecta o problema é o próprio paciente ou um seu parente,


trazendo dados sobre uma refeição suspeita compartilhada.

A investigação de um surto envolve o conhecimento de casos que informam, de antemão,


uma fonte suspeita comum, desencadeando-se a necessidade de se entrevistar os que
ficaram doentes e, também, aqueles que estão em risco, mas permanecem sem a doença,
e, assim, partindo de estudos sistematizados, estabelecer associações e hipóteses
epidemiológicas.

Texto adaptado da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Disponível em: <ftp://ftp.
cr.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica.../guia08_invsurto.pdf>.

Com base nessas hipóteses, desencadeiam-se outras investigações que permitirão


confirmar ou refutar essas hipóteses. Essas investigações incluem coleta de amostras
de espécimes de pacientes e alimentos suspeitos, visitas aos pacientes e àqueles não
doentes que partilharam das refeições suspeitas, visitas aos locais de preparação dos
alimentos ou outras fontes suspeitas, para se determinar o modo de contaminação e o
agente etiológico.

Critérios para análise de surtos circunscritos


(fechados)

»» Confirmação (etapa que segue à denúncia).

»» Número de expostos.

»» Determinação da refeição que causou o surto.

»» Número de afetados (pessoas que apresentam sintomas).

»» Determinação do alimento veiculador do agente.

»» Sintomas prevalentes (% de afetados com cada um dos sintomas).

144
Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA) │ UNIDADE III

»» Período mediano de incubação (mediana do período entre consumo e


aparecimento dos primeiros sintomas por afetado).

»» Coleta de amostras para análise laboratorial (material biológico dos


afetados e de

»» sobras do alimento efetivamente consumido).

»» Análise das falhas/erros (origem e procedência das matérias-primas,


higiene e

»» sanificação do ambiente e pessoal, tempo/temperatura de conservação


etc.).

»» Consolidação dos dados.

»» Medidas de controle (preventivas).

»» Educação.

»» Estabelecimento dos objetivos de segurança (inocuidade) alimentar no


local do surto e para a prevenção de surtos semelhantes.

Critérios para análise de surtos não circunscritos


(abertos)

»» Informação ambulatorial/hospitalar (sempre que se caracterize DTHA).

»» Caracterização de consumo em mesmo local público, como restaurantes,


lanchonetes etc. ou alimento pronto para consumo, com marca, ou grupo
de alimento (ovos, carnes, conservas vegetais etc.) ou frutas e verduras
e outros alimentos crus, procedentes da mesma região geográfica
(importante para produtos de importação/exportação, relacionados com
o consumo de moluscos bivalves, peixe cru, água de distribuição etc.).

»» Entrevistas com os afetados (para determinar sintomas prevalentes e


mediana do período de incubação).

»» Resultados de análises laboratoriais de material biológico dos afetados.

»» Coleta de amostras de alimento para análise para fins de verificar


conformidade com os padrões de higiene e sanidade, além da determinação
do agente suspeito).

145
UNIDADE III │ Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA)

»» Inspeção/fiscalização nos locais de produção (matérias-primas ou


produtos prontos para o consumo; distribuição, conservação, exposição
a venda, uso e consumo etc.).

»» Análise de falhas/erros relacionados com o controle do agente.

»» Aplicação de medidas de controle em nível governamental e de produção.

146
Para (não) Finalizar

A qualidade sanitária dos alimentos sempre representou preocupação para a saúde


pública. Entretanto, recentemente, as questões relacionadas à segurança alimentar
passaram a merecer maior atenção dos organismos governamentais.

Segundo o comitê especializado em segurança alimentar da Fundação para a


Alimentação e Agricultura da Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS), “as doenças
veiculadas por alimentos são, talvez, o problema de saúde mais frequente no mundo
contemporâneo e uma importante causa de redução da atividade econômica”.

Um aspecto relevante no controle e na prevenção da ocorrência de DVAs é o fato de


que os seus dados epidemiológicos das DVAs nem sempre podem ser considerados
fidedignos, por várias razões. Uma delas – e mais importante – é o fato de que nem
sempre as DVAs são notificadas, por não serem consideradas situações importantes, nem
pelas pessoas acometidas e, talvez, nem pela classe médica. Outro fator é a dificuldade
de fechamento de diagnóstico, pois nem sempre é possível se colher as amostras dos
alimentos envolvidos ou, tampouco, das amostras clínicas dos acometidos por uma
DVAs. De igual sorte, o despreparo do corpo clínico para a identificação dos sintomas
relativos às DVAs compromete as avaliações epidemiológicas. Outro aspecto relevante
que dificulta a identificação do agente causal é a dificuldade de acesso às análises
moleculares, que representam atualmente os métodos mais seguros de identificação
microbiana. Finalmente, os interesses corporativos e comerciais relacionados ao tema
em questão, muitas vezes, podem solapar a exigência legal da notificação compulsória,
quando este é existente.

Nesse sentido, este Caderno de Estudos lhe oferece, de forma inequívoca e consistente,
informações que favorecem sua ação, na busca, prioritária e responsável, da qualidade
sanitária dos alimentos, para promoção e proteção da saúde das pessoas, o que constitui
um direito básico de cidadania.

Este é um desafio que deve ser constante em sua vida.

147
Referências

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<www.unwto.org>.

150
Anexo 1

Salmonelas outras que não agentes de febre


tifoide

Representatividade da amostra

A alíquota de análise mínima é de 100g do produto, exceção das amostras relacionadas


com elucidação de Enfermidades Transmitidas por Alimentos (ETA). As amostras
devem estar acondicionadas em frascos estéreis ou em embalagens plásticas adequadas,
devidamente identificadas e lacradas. Os produtos rapidamente perecíveis devem ser
transportados refrigerados ou congelados. O tempo de transporte deve ser o mais rápido,
tolerando-se até 24h, desde que o acondicionamento e condições de manutenção da
amostra sejam adequados.

Retirada da alíquota para análise

A alíquota analítica é de 25/50g. É interessante homogeneizar (misturar) toda a


amostra recebida antes da retirada da quantidade necessária. Quando se trata de
produto alimentício que não pode ser adequadamente homogeneizado – carcaça de
pequenos animais não desossados, grãos duros, verduras de talo curto cuja retirada de
25g não é representativa de toda a unidade –, a alíquota para análise pode ser retirada
por enxaguadura. Nesse caso, após pesagem da amostra para uma relação peso/volume
de diluente ou líquido de enxaguadura, o diluente/líquido de enxaguadura é vertido
sobre a amostra acondicionada em saco plástico, promovendo-se um arraste dos
microrganismos superficiais por agitação e atrito do líquido com a amostra – em geral,
por 30/45.

Homogeneização

A homogeneização pode ser feita manualmente (amassamento da amostra contida em


sacos plásticos), em liquidificadores ou em stomacher. Há vantagens e desvantagens
em cada um desses processos. O líquido usado para a homogeneização já é o meio de
pré-enriquecimento. Existem vários disponíveis, como caldo lactosado, água peptonada
a 1% tamponada, solução de Ringer diluída a 1/4, caldo triptona de soja etc. Cada um
deles é indicado para tipos diferentes de amostras. O usado de forma mais comum é a
água peptonada a 1% tamponada. No caso de amostras de difícil homogeneização, cuja
necessária alíquota para análise foi retirada por enxaguadura, essa etapa não é aplicada.
151
anexos

Diluições seriadas

Quando necessário preparar diluições seriadas, seja para verificar presença/ausência


nas maiores diluições, seja para empregar a técnica de Número mais Provável (NMP),
ela é realizada em caldo de mesma composição do empregado para a homogeneização.
Como regra, são usadas diluições decimais.

Pré-enriquecimento

A etapa de pré-enriquecimento é realizada com ou sem manutenção prévia do


homogeneizado (e diluições) por 3h à temperatura ambiente e complementação para
18/24h a 35° C.

Enriquecimento seletivo

O enriquecimento seletivo é feito em caldo selenito cistina e caldo tetrationato,


segundo Kauffmann, ou outra modificação que, em controle de qualidade do meio,
revele produção e seletividade adequada, pela transferência de 1ml do caldo de
pré-enriquecimento para cada 10mL de selenito e de 10mL tTetrationato.

No caso de usa do caldo Rappaport-Vassiliadis modificado, a transferência é de 0,1mL


para cada 10mL.

A incubação é a 42° C por 24-48h, podendo se estender por até 5 dias.

Isolamento em meios seletivos diferenciais

Existem vários e diferentes meios seletivos diferenciais para o isolamento de Salmonelas.


Os mais usados são o agar Salmonella-Shigella (SS) e o agar verde-brilhante (BG).
A semeadura é feita com auxílio de alça em cabo de Kolle, após agitação do caldo de cada
tubo de enriquecimento seletivo e por estrias na superfície seca dos meios de cultura.
A incubação é de 18-24h a 35ºC. As colônias características são incolores, transparentes,
com ou sem centro negro no SS, e róseas no meio de BG. O agar Rambach é o que
apresenta melhor distinção entre as colônias, uma vez que colônias de Proteus e de
Citrobacter apresentam-se de forma diferente.

152
anexos

Identificação presuntiva

As colônias suspeitas nos meios seletivos diferenciais são isoladas em agar para
identificação presuntiva de enterobactérias. No meio IAL a resposta bioquímica
compatível com as Salmonelas são: produção de ácido e gás na base (fermentação da
glicose com produção de ácido e gás), lisina positiva, motilidade positiva, não produção
de urease, produção de gás sulfídrico (H2S), não produção de indol, não produção de
L-triptofano desaminase.

Caracterização complementar

As colônias que se apresentarem puras e com respostas compatíveis às das Salmonelas;


devem ser testadas frente a antissoros polivalentes somático e flagelar de Salmonella.
A cepa que apresentar sorologia polivalente positiva é considerada presuntivamente
como Salmonela. Em caso de dúvida, outros testes podem ser realizados. Confirmadas
presuntivamente, as cepas devem ser enviadas para caracterização antigênica completa.

Controle de qualidade analítico

O controle de qualidade para referendar as atividades de laboratório para isolamento/


caracterização das Salmonelas em alimentos incluem o seguinte.

1. Vidraria. Verificação periódica de resíduo de detergentes da lavagem e


esterilidade.

2. Registro das temperaturas de incubação, assim como da umidade do


ambiente.

3. Avaliação de desempenho dos meios líquidos seletivos, por contagem de


microrganismos desejados e não desejados e por avaliação da capacidade
seletiva de pool com números diferentes do microrganismo desejado.

4. Avaliação ecométrica dos meios seletivos diferenciais.

5. Avaliação das respostas bioquímicas dos meios de identificação presuntiva


e de identificação bioquímica.

6. Controle dos antissoros e dos reagentes com cepas padrão. Quando


pertinente, incluir cepas controle positivas e negativas.

7. Controle da desinfecção das bancadas.

153
anexos

8. Avaliação da atividade desinfetante das substâncias químicas usadas


para essa finalidade.

9. Adoção de medidas corretivas em caso de inadequacidade de qualquer


dos controles acima apontados.

10. Registro de todos os controles, relacionados a cada etapa analítica ou dia


de trabalho.

11. Esses controles devem ser realizados para a garantia de qualidade


analítica dos resultados obtidos e dos serviços prestados. O registro de
cada etapa analítica e seus respectivos controles fazem parte das normas
de boas práticas laboratoriais.

12. É interessante realizar “provas de recuperação” do microrganismo desejado


ou buscado sempre que seja necessário avaliar o desempenho dos técnicos
que executam as tarefas analíticas. Nesse caso, o microrganismo desejado
deve ser acrescentado em uma alíquota da mesma amostra de produto
alimentício sob análise. Os programas de controle interlaboratórios
depende das atividades de controle intralaboratórios (pré-requisito).

Shigela

Representatividade da amostra

Conforme já descrito para Salmonela.

Retirada da alíquota para análise

Conforme já descrito para Salmonela, porém usando de preferência o caldo GN


(gram-negativo) para processos de enxaguadura. Quando não disponível, usar a
água peptonada (1%) tamponada ou similar, ou outro caldo não seletivo, como o de
triptonada de soja e o BHI.

Homogeneização

Conforme já descrito para Salmonela, observando-se que o meio de preferência é o


caldo GN.

154
anexos

Diluições seriadas

Conforme já descrito para Salmonela, porém com diluente compatível (caldo GN).
Levando-se em conta o número de células considerada de risco, que é relativamente
baixa, essa etapa não é rotineiramente realizada, mesmo quando se trata de amostras
para elucidação de ETA.

Pré-enriquecimento

A etapa de pré-enriquecimento não está bem definida. Pode-se considerar que não
existe. A coleta de amostra é feita em caldo seletivo de baixa impediência para outras
Enterobacteriaceae, portanto, não é considerado um meio de enriquecimento seletivo
para Shigela. Não é realizada uma etapa de pré-incubação na forma como já foi descrita
para Salmonela.

Enriquecimento seletivo

O enriquecimento seletivo baseia-se no uso de caldo GN e na sua incubação por poucas


horas. Após a retirada da alíquota para análise usando esse caldo, o material é incubado
a 35/37ºC por 6/8h. O caldo selenito-cistina pode ser usado, apesar de ser considerado
menos “útil” na recuperação de todas as espécies de Shigela. Dentre essas espécies, a
Shigella flexneri é praticamente a única a isolada neste meio.

Isolamento em meios seletivos diferenciais

Os meios de isolamento seletivo para Enterobacteriaceae também são fracamente


seletivos para Shigela.

Essa bactéria é mais sensível à bile que as demais da mesma família. Em geral, é
selecionado o agar Salmonellashigella (SS) para o plaqueamento, sendo possível utilizar
o agar Mac-Conkey púrpura, agar Drigalski, agar Hektoen. As colônias características
são incolores sem centro negro no SS, incolores ou róseas no Mac-Conkey e incolores
no Hektoen. Algumas referências consideram que a utilização de agar com baixa
seletividade pode permitir melhor o isolamento das Shigelas, porém quando a microbiota
competidora está em números elevados, essa prática é problemática e tecnicamente
discutível.

Identificação presuntiva

As colônias suspeitas nos meios seletivos diferenciais são isoladas em meios de


identificação presuntiva para enterobactérias. No meio IAL, as características são:

155
anexos

base ácida sem gás (fermentação da glicose sem produção de gás), ápice alcalino (não
utilização da sacarose), com ou sem produção de indol, sem enegrecimento do meio
(H2S negativo), lisina negativa, motilidade negativa, urease negativa, L-triptofano
desaminase negativa.

Caracterização complementar

As colônias que apresentam respostas compatíveis com as de Shigela no meio IAL


podem ser testadas frente a antissoros somáticos polivalentes para esse gênero. Caso
seja necessário, outros testes de identificação bioquímica devem ser realizados.

Controle de qualidade analítica

As bases de controle de qualidade analítica são as mesmas descritas para a Salmonela.

Escherichia coli O157:H7

Representatividade da amostra

Conforme já descrito para Salmonela.

Retirada da alíquota para análise

Conforme já descrito para Salmonela. Para processos de enxaguadura, usar ou água


peptonada a 1% tamponada ou o caldo GN.

Homogeneização

Conforme já descrito para Shigela. Os meios usados são a água peptonada a 1%


tamponada ou o caldo GN ou outro caldo não seletivo.

Diluições seriadas

Conforme já descrito, observando-se que é considerado diagnóstico de ETA a presença/


ausência na alíquota retirada para análise (25g). O diluente é o mesmo meio que foi
utilizado para a enxaguadura ou homogeneização.

Pré-enriquecimento

O conceito de pré-enriquecimento é semelhante ao descrito para Shigela.

156
anexos

Enriquecimento seletivo

O enriquecimento seletivo para esta cepa de Escherichia coli é realizado da mesma


forma que para a Shigella – incubação por 6/8h a 35/37°C.

Isolamento em meios seletivos-diferenciais

As considerações sobre isolamento em meios seletivos para Enteronacteriaceae feitas


para a Shigela são aplicáveis para essa bactéria. Ela é mais resistente, porém, à bile e
seus derivados. O meio que se pode considerar mais dirigido para o seu isolamento é o
agar Mac-Conkey – sorbitol. A Escherichia coli O157:H7 é sorbitol negativa e, em geral,
é lactose tardia ou negativa. Assim, as colônias suspeitas em agar seletivo-diferencial
que contêm lactose ou sorbitol se apresentam incolores e transparentes.

Identificação presuntiva

O isolamento de colônias suspeitas pode ser realizado em meio IAL. Neste meio, as
respostas são: base ácida, em geral sem gás, ápice em geral alcalino, indol positivo,
lisina variável, urease, produção de H2S e L-triptofano desaminase negativos. Assim,
a cepa pode ser confundida com uma Shigela ou uma Escherichia coli não patogênica,
não sendo suficiente, portanto, a identificação presuntiva. É interessante verificar a
imunoimobiliização em presença de antissoro H7 (agar motilidade acrescido e não
de uma gota de antissoro) e crescimento a 45° C (em geral, negativo para a cepa em
questão). A sorologia positiva frente ao antissoro O157 e H7 é diagnóstico diferencial.
Existem “kits” de RPLA para a identificação dessa cepa.

Controle de qualidade analítica

O controle de qualidade analítica deve incluir os controles assinalados para a Salmonella.

Vibrio cholerae 1

Representatividade da amostra

A alíquota mínima de amostra é de 100g ou ml. No caso de águas superficiais, sugere-se


a análise de amostras de 5/10L. No caso de moluscos bivalves, sugere-se a quantidade
mínima de 200g para melhor representatividade da amostra.

157
anexos

Retirada da alíquota para análise

Em caso de água, toda a amostra é utilizada para análise, de preferência com a


concentração das bactérias presentes. Para tal, o uso de membrana filtrante e outras
formas de concentração são válidas. No caso de moluscos bivalves, eles devem ser
retirados assepticamente

de suas conchas. A alíquota é de 25/50g em duplicata. No caso de outros produtos


alimentícios, a alíquota para análise é de 25g. É interessante misturar toda a amostra
antes da retirada da alíquota analítica e retirar 2 alíquotas separadamente, para
incubação em temperaturas diferentes. No caso de verduras de talo curto, frutas e
legumes, peixes inteiros, o processo mais indicado é o da enxaguadura, com pesagem
prévia da amostra para fins de quantificação por meio de peso/volume de diluente
ou líquido de enxaguadura. No caso de peixes, a enxaguadura deve ser realizada por
passagem do líquido pela superfície do corpo, guelras, cavidade bucal e intestinos –
após sua exposição. A enxaguadura deve ser realizada de forma que o líquido entre
em contato e arraste os microrganismos presentes nas partes expostas ou de interesse
a essa determinação analítica. É recomendado duas enxaguaduras sucessivas para a
mesma amostra, considerando que a primeira retira um maior número de microbiota
acompanhante, interferente no isolamento dessa bactéria, enquanto a segunda
apresenta números menores desses interferentes. O meio usado é a água peptonada
alcalina (APA).

Homogeneização

A homogeneização pode ser feita por amassamento manual da amostra, em liquidificador


ou em stomacher. Não existe um método que possa ser considerado com mais ou menos
vantagens, dentre os citados. O meio usado para a homogeneização é considerado como
seletivo para essa bactéria, ou seja, o caldo APA. É interessante homogeneizar alíquotas
duplicadas de análise por amostra, mais especificamente para determinados pescados.
No caso de amostras tratadas por enxaguadura, essa etapa não é aplicada.

Diluições seriadas

O uso de diluições seriadas tem outras conotações que não só a de quantificação: é um


processo recomendado para aumentar as chances de isolamento do Vibrio cholerae
em produtos alimentícios, pois o processo de diluições diminui a carga da microbiota
acompanhante, que pode interferir com a multiplicação desta bactéria. Especialmente
em produtos alimentícios, essa bactéria pode se encontrar lesada fisiologicamente e,
portanto, sem condições biológicas de multiplicação precoce. O meio usado para as

158
anexos

diluições é o mesmo usado para a homogeneização, ou seja, APA. Sugere-se o preparo


de duas séries de diluições decimais, seja para fins de quantificação ou não, em especial
para os moluscos bivalves.

Pode-se utilizar testes de quantificação para verificar presença/ausência nas maiores


diluições, ou usar a técnica de Número Mais Provável (NMP).

Enriquecimento seletivo

O enriquecimento seletivo é feito em APA, por incubação de 6/8h, considerando que


essa bactéria apresenta um tempo curto de geração. Entretanto, como pode estar lesada
fisiologicamente, o período de incubação deve ser complementado por até 18/24h.
É aconselhável proceder essa incubação em homogeneizados (e diluições seriadas)
em duplicata: uma incubada a 35-37°C e outra a 42°C. A temperatura de 42°C é
considerada mais seletiva para essa bactéria, aumentando, por condições de incubação,
a seletividade do meio usado. Um segundo enriquecimento é desejável; para tanto,
retirar 1mL da superfície do enriquecimento anterior e repassar para um novo meio de
enriquecimento. O Vibrio cholerae se concentra preferencialmente na superfície dos
meios em caldo, podendo formar película característica.

Isolamento em meios seletivos-diferenciais

O meio mais empregado para o plaqueamento seletivo do Vibrio cholerae é o agar


tiosulfato-citrato-sais biliares-sacarose (TCBS). O método é o de estrias na superfície,
para fins de obter colônias isoladas, com auxílio de alça em cabo de Kolle. A incubação
de 18/24h é a 35/37ºC. As colônias suspeitas são amarelas (sacarose positiva), podendo
apresentar-se verdes por utilização tardia desse açúcar. O agar sal-gelatina também é
usado para seu isolamento, porém é menos seletivo do que o TCBS.

Identificação presuntiva

As colônias suspeitas são isoladas em agar T1N1 e em meio de identificação presuntiva


de enterobactérias, como o IAL, acrescido ou não de 0,5% de NaCl. Neste meio,
apresenta base ácida, sem produção de gás, ápice básico ou ácido, indol e lisina
positivos, urease negativo, L-triptofano desaminase negativo. É interessante incluir
teste para verificar a capacidade de multiplicação na ausência de NaCl, como água
peptonada sem NaCl.
159
anexos

Caracterização complementar

As colônias suspeitas devem ser testadas para verificar produção positiva de oxidase.
A sorologia polivalente pode ser realizada quando os testes até aqui descritos sejam
compatíveis com os do vibrião colérico. Outros testes de identificação, em especial a
decarboxilação da arginina e ornitina e as provas de halofilismo, são úteis para identificar
outras cepas não O1. Outras caracterizações, como biotipo e sorotipo são importantes
para levantamentos epidemiológicos e a produção de toxina colérica é fundamental
para separar cepas epidêmicas das ambientais. O antissoro O139 já está disponível para
trabalhos de avaliação da sua presença em nosso meio.

Controle de qualidade analítico

Qualquer atividade laboratorial deve apresentar alguns controles mínimos que


permitam garantir a qualidade de seus resultados. Esses controles incluem o seguinte.

1. Vidraria: qualidade, adequacidade em função do volume de meio


distribuído, esterilidade, alcalinidade e avaliação de ausência de resíduo
de detergentes.

2. Certificação das temperaturas e condições de umidade do ambiente de


incubação, por meio de registros diários.

3. Avaliação de desempenho dos meios líquidos (produtividade e


seletividade).

4. Avaliação dos meios sólidos (pelo método ecométrico e de avaliação das


respostas bioquímicas, quando pertinentes).

5. Verificação da adequacidade de respostas bioquímicas de meios de


identificação presuntiva e de identificação bioquímica.

6. Verificação da adequacidade de uso de reagentes, incluindo antissoros.

7. Controle ambiental (principalmente, bancadas de trabalho).

8. Avaliação dos desinfetantes usados no laboratório, nas reais condições


de uso.

9. Orientação e adoção de medidas corretivas, quando verificada/avaliada a


inadequacidade de um ou mais dos controles acima especificados.

10. Registro de todos os controles, em paralelo com cada etapa analítica.

160
anexos

11. Sugere-se realizar periodicamente “provas de recuperação” desse


microrganismo, usando-se como substrato os tipos de amostras recebidas
rotineiramente para análise e para avaliar o desempenho individual
dos analistas responsáveis por essas determinações. Os programas
de controle de qualidade interlaboratoriais dependem dos controles
intralaboratoriais.

Vibrio parahaemolyticus

Representatividade da amostra

Semelhante aos expostos para Vibrio cholerae. Cabe reforçar que as amostras para
análise são basicamente as de origem marinha, não sendo consideradas adequadas as
de outras fontes, origens e procedências.

Como se trata de uma bactéria bastante difundida no ambiente marinho, a quantidade


de amostra pode ser de 100g ou mL, como mínimo aceitável.

Retirada da alíquota para análise e homogeneização

Semelhante aos expostos para Vibrio cholerae, porém o meio usado para enxaguadura
é o caldo glicose-sal-tipol (GSTB) ou o caldo sal-polimixina. Alguns autores fazem
referência também ao APA. Outros meios, como o caldo lauril sulfato de sódio e o caldo
P/A, acrescidos de NaCl podem der usados. Esses caldos devem ter uma concentração
final de 3% de NaCl; nunca inferior a 1%. A alíquota em duplicata não é necessária,
sendo suficiente uma única, de 25g ou mL.

Diluições seriadas

Para o caso do Vibrio parahaemolyticus, as diluições decimais seriadas são realizadas


para fins de quantificação. Nos meios usados para o seu isolamento, essa bactéria tem
bom desenvolvimento e tempo de geração curto, semelhante ao Vibrio cholerae. O meio
usado para as diluições deve ser o mesmo usado para a homogeneização/enxaguadura.
A quantificação pode também ser realizada pela técnica do NMP.

Enriquecimento seletivo

O meio usado para o enriquecimento seletivo considerado mais adequado é o GSTB.


Entretanto, esse é um meio difícil, pois o tipo usado na sua composição não se encontra
mais disponível no mercado (é um detergente, com ação seletiva sobre a microbiota

161
anexos

acompanhante das amostras). Os meios que podem ser usados são: caldo sal-polimixina,
APA, lauril sulfato de sódio com 3% de NaCl e caldo P/A, também com 3% de NaCl.
A incubação do caldo de enriquecimento é de 18/24h, a 35/37°C, apesar de que alguns
autores sugerirem ser suficiente o intervalo de 6/8h de incubação na temperatura
assinalada.

Isolamento em meios seletivos-diferenciais

O meio de escolha é também o agar TCBS. As colônias suspeitas são verde-azuladas


(sacarose negativas), com centro em geral verde mais escuras.

Identificação presuntiva

Os meios de identificação presuntiva para as enterobactérias são úteis para essa


bactéria e outros gêneros da mesma Família. Entretanto, todos os meios devem estar
suplementados com NaCl, em concentração final de 3%. No meio IAL com 3% de NaCl,
as colônias apresentam base ácida sem produção de gás, ápice alcalino, indol e lisina
positivos, urease e L-triptofano desaminase negativos.

Caracterização complementar

A identificação dessa bactéria inclui, além da oxidase, a redução de nitrato e utilização de


açúcares, a descaboxilação de aminoácidos e o halofilismo. O Vibrio parahaemolyticus
é arginina negativo, ornitina positivo, não se desenvolve em meios sem NaCl e tolera
concentrações de 8/10% desse sal, nos meios de cultura.

Controle de qualidade analítico

De acordo com os expostos para Vibrio cholerae.

Vibrio vulnificus

Representatividade da amostra

Semelhante aos expostos para Vibrio parahaemolyticus. Esse vibrio também é ubíquo
do ambiente marinho, sendo os pescados marinhos as amostras de importância para seu
isolamento. Os moluscos bivalves são os que podem apresentar com maior frequência
essa bactéria. Entretanto, podem ocorrer contaminações cruzadas de pescados nos
barcos pesqueiros, no comércio, na manipulação e no preparo de alimentos.

162
anexos

Retirada da alíquota para análise

Semelhante aos expostos para Vibrio parahaemolyticus. Quando da retirada


da alíquota por enxaguadura, o meio sal-polimixina ou APA-polimixina ou
caldo amido-gelatina-polimixina são mais indicados. Ainda não existe um meio
considerado como mais específico, ou de primeira escolha.

Homogeneização

Semelhante ao já descrito para os outros vibrios, porém se observando que outros meios
já foram descritos.

Diluições seriadas

Embora seja possível realizar diluições seriadas para quantificação (presença/ausência


nas diluições e NMP), em geral, esta etapa analítica não é rotineiramente realizada.
Aparentemente, esse vibrio não é tão numeroso no ambiente marinho como o anterior.
Não está esclarecido o número de células necessárias para causar a doença.

Enriquecimento seletivo

Nos meios assinalados para Vibrio cholerae e Vibrio parahaemolyticus, com incubação
por 12/16h a 35/37°C. Outros meios, com adição de antibióticos como agente seletivo já
foram descritos. Alguns autores sugerem período mais longo de incubação, de 18/24h.

Isolamento em meios seletivos-diferenciais

O meio de TCBS é largamente usado para o isolamento do Vibrio vulnificus. Porém,


esse não é considerado meio suficientemente adequado para o seu isolamento. São
sugeridos outros, mais específicos para essa bactéria, como o agar colistina-polimixina-
-celobiose (CPC) ou o agar sulfato dodecil de sódio-polimixina-sacarose (SDS). O CPC
é atualmente o mais indicado. As colônias suspeitas são verde-azuladas, opacas, em
TCBS, amarelas no CPC e azul-amarronzadas (opacas) no SDS.

Identificação presuntiva

A identificação presuntiva pode ser feita por isolamento das colônias suspeitas em meio
IAL acrescido de NaCl (1%). Nesse meio, as colônias apresentam base ácida sem gás,
ápice ácido ou alcalino, lisina positiva, indol positivo, urease e L-triptofano desaminase
negativos.

163
anexos

Caracterização complementar

O Vibrio vulnificus é caracterizado diferencialmente de outros vibrios por ser arginina


negativo, ornitina positivo, ausência de crescimento a 0 e 8% de NaCl. É diferenciado do
Vibrio parahaemolyticus por ser lactose positivo, enquanto este último é negativo e pela
ONPG, positivo para o vibrio em questão e negativo para o Vibrio parahaemolyticus.
As provas sorológicas são importantes, porém os antissoros não estão disponíveis.

Controle de qualidade analítico

O controle de qualidade analítico deve ser conduzido conforme exposto para os vibrios
já descritos. O controle adequado dos meios de cultura, assim como as “provas de
recuperação” que considera o tipo de produto alimentício para análise, é importante
para a garantia de qualidade dos resultados laboratoriais.

Aeromonas hydrophila

Representatividade da amostra

As amostras para determinação de Aeromonas são diversas, em função de ser uma


bactéria ubíqua de vários ambientes. Pode ser encontrada em águas doces e estuarinas,
em moluscos bivalves e outros pescados, em verduras, frutas e legumes e no leite e
derivados; é parte da microbrota deteriorante de carnes vermelhas já foi isolada de
ovos e batráquios. A quantidade de amostra necessária é de 100/200g ou ml.

Retirada da alíquota para análise

A alíquota analítica é de 25/50g ou mL para alimentos ricos e de 100 a 5.000mL para


águas. A retirada da alíquota é feita por pesagem ou medição direta, após mistura da
totalidade da amostra, ou por enxaguadura usando por exemplo o caldo APA. Quando
disponível, as amostras de água podem ser concentradas por meio de membrana
filtrante.

Homogeneização

A homogeneização é realizada conforme já exposto para o gênero Vibrio. O diluente


usado, entretanto, ainda é tema de discussões. Alguns autores consideram que a APA
é adequada, enquanto que outros, consideram a necessidade de acrescentar ampicilina
nesse meio. Ainda, outros consideram que o caldo triptona de soja, acrescido de NaCl
(1%) é mais efetivo. Por razões econômicas e práticas, é utilizado o meio APA.

164
anexos

Diluições seriadas

Quando necessário quantificar, é possível trabalhar diluições decimais seriadas ou NMP.


O diluente, em geral, é de mesma formulação do caldo usado para homogeneização.

Enriquecimento seletivo

O enriquecimento seletivo é feito a 28/30°C, por um período de 6 e de 24h. A temperatura


de 35/37°C não é recomendada para nenhuma etapa analítica, no isolamento da
Aeromonas hydrophila a partir de alimentos.

Isolamento em meios seletivos-diferenciais

O meio mais indicado é o agar cefsilodina-irgasan-novobiocina (CIN). Os outros


possíveis são o agar TCBS, agar Aeronas, agar Mac-Conkey, agar SS e agar Drigalski.
As colônias típicas são sacarose positivas (podem ser negativas) e lactose positivas
(podem ser negativas). Em trabalhos realizados no IAL, o meio de SS tem apresentado
bons resultados, enquanto o isolamento no TCBS não é tão efetivo.

Identificação presuntiva

Os meios utilizados são os de identificação presuntiva para enterobactérias. No meio


IAL não acrescido de sal, a resposta obtida é variável, podendo ser semelhante à da
Shigela: base ácida com ou sem gás (em geral, com), ápice alcalino ou ácido, lisina
negativa, indol positivo, sem produção de H2S e de L-triptofano desaminase.

Caracterização complementar

A caracterização da Aeromonas hydrophila é realizada considerando os aspectos


diferenciais dessa espécie com as enterobactérias e as espécies do gênero Vibrio: oxidase
(positiva), dependência de NaCl (ocorre multiplicação em 0% e não ocorre multiplicação
a 6% de NaCl), arginina é variável e ornitina é negativa, porém é importante observar
que a temperatura de incubação pode influenciar na resposta bioquímica, incluindo a
oxidade. As características assinaladas são a 28°C. A identificação sorológica é possível,
porém pouco conhecida e não disponível.

Controle de qualidade analítico

O controle de qualidade analítico é conforme já exposto. Em especial para a Aeromonas


hydrophila, é importante a execução do controle de cada etapa analítica e a realização
de “provas de recuperação” em função dos diferentes tipos de produtos alimentícios
que podem apresentar essa bactéria.

165
anexos

Plesiomonas shigelloides

Representatividade da amostra

A Plesiomonas shigelloides é encontrada em águas superficiais doces e estuarinas e em


animais, incluindo o homem. Acredita-se que os peixes são seu reservatório primário.
Podem estar presentes em águas, pescados e, mais raramente, em verduras. As amostras
devem ser coletadas com assepsia na quantidade mínima de 100g ou mL. O transporte
pode ser refrigerado.

Retirada da alíquota para análise

A alíquota analítica é de 25g para produtos sólidos e de 100mL para águas. Para os
sólidos, pode-se usar alíquotas menores, de 10g. Para as águas, recomenda-se a
concentração de bactérias, usando, por exemplo, membrana filtrante.

Homogeneização

O meio usado para a homogeneização das amostras é o caldo Tetrationato sem iodo.
Outros meios foram propostos, considerando que esse gênero tem várias características
tanto de Vibrionaceae como de Enterobacteriaceae. A APA também é usada por alguns
pesquisadores para a determinação dessa bactéria.

Diluições seriadas

As diluições não são comuns para essa bactéria, assim como para a Aeromonas.
Os testes realizados rotineiramente são para presença/ausência na alíquota
retirada da amostra.

Pré-enriquecimento

Não existe método descrito como de pré-enriquecimento para esse gênero. A possibilidade
de injúria fisiológica em produtos alimentícios pode ser contornada com incubação em
meios não seletivos, como TSB e BHI.

Enriquecimento seletivo

O caldo Tetrationato sem iodeto ou a APA com a amostra é incubada a 40ºC por
18-24h. Essa bactéria não é de desenvolvimento rápido como alguns vibrios.

166
anexos

Isolamento em meios seletivos diferenciais

Os meios em placas que são usados para o isolamento de vibrios (TCBS e outros)
não são indicados para essa bactéria. Os meios seletivos para Enterobactérias são
mais adequados, em especial o SS, EMB, Mac-Conkey e XLD, sendo que o primeiro
(SS) é o que apresenta melhores resultados. A incubação é a 35ºC/18-24h. A lactose
é fermentada tardiamente (as colônias no meio que contém lactose aparecem como
lactose-negativas) e a sacarose é negativa.

Identificação presuntiva

As colônias suspeitas podem ser isoladas em meios para enterobactérias. A resposta


bioquímica em meio IAL, por exemplo, se confundem com a de uma enterobactéria
– motilidade positiva, acidificação da glicose sem formação de gás, lisina positiva,
urease negativa, indol positiva). O teste de oxidase (positivo para a Plesiomonas) é
pré-requisito para a leitura das reações dos meios de identificação presuntiva.

Caracterização complementar

A caracterização complementar da Plesiomonas shigelloides está baseada em reações


bioquímicas frente a açúcares e aminoácidos, além das provas de halofilismo e de O/129.
Existe caracterização sorológica, porém os antissoros não estão disponíveis.

Controle de qualidade analítico

No caso da determinação dessa bactéria, é importante seguir todas as etapas analíticas


com cepa padrão ou referendada para assegurar as reações nos meios.

167
Anexo 2

Isolamento de salmonela, shigela e


escherichia coli 0157:H7 de alimentos
A importância da determinação de Enterobacteriaceae patogênicas em produtos
alimentícios está relacionada com os aspectos da qualidade deles, além da relação
direta com epidemiologia e saúde pública.

Em casos de surtos cujos dados de sintomatologia e período de incubação sugerem


o envolvimento desses agentes causais, o esclarecimento ou elucidação laboratorial
é diagnóstico para a coletividade afetada. Essas bactérias têm comportamento
epidemiológico não uniforme. As Salmonelas são diferenciadas clinicamente em
dois grandes grupos: os agentes causais da febre tifoide e paratifoide (Salmonella
typhi, Salmonella paratyphi) e os agentes causais das denominadas salmoneloses –
gastrenterites por Salmonela.

O primeiro grupo tem como habitat o intestino do homem, sendo necessária uma
quantidade de células relativamente baixa para causar a doença, sendo mais comumente
veiculada por água e sendo possível a transmissão pessoa a pessoa. O outro grupo é
composto por sorotipos encontrados no homem e nos animais, apresentando uma
capacidade de disseminação e de adaptação diferentes do grupo anterior: podem ser
pandêmicos, encontram-se com frequência em produtos alimentícios, apresentam
características de multiplicação/sobrevivência com maior facilidade e exigências
metabólicas do que o outro e é necessária uma quantidade relativamente alta –
dependendo do sorotipo – para causar a doença no homem e nos animais, da ordem de
103 a 1011/g ou ml do produto veiculador.

Com respeito a Shigella, essa bactéria é também exclusivamente humana, sendo


responsável por desinteria bacilar (Shigella dysenteriae) ou as denominadas shigeloses.
A quantidade de células necessária para causar a doença é baixa e a transmissão é
basicamente hídrica e pessoa a pessoa.

As faixas etárias extremas são mais sensíveis à essa doença e apresentam os quadros
clínicos mais graves.

Como a Salmonella Typhi, pode ser encontrado em produtos alimentícios expostos a


um contato fecal considerável, como pode acontecer com moluscos bivalvos, capturados
próximo a terminais de esgoto, e em verduras de talo curto como consequência da

168
anexos

adubação/irrigação com material contaminado (lodo sanitário, águas superficiais que


recebem esgoto etc.).

A Escherichia coli O157:H7 faz parte das Escherichia coli entero-hemorrágicas,


responsabilizada com frequência por colite hemorrágica e síndrome hemolítica urêmica.
É considerada um patógeno alimentar emergente, tendo sido registrados surtos nos
quais está envolvida principalmente carne bovina moída.

A quantidade de células necessária para causar a doença não é conhecida, porém


acredita-se que seja superior a 103.

É considerada endêmica em algumas regiões do Canadá, apesar de não terem sido


registradas epidemias “em aberto”. Essa Escherichia coli, assim como as demais
patogênicas ao homem, não podem ser confundidas com o indicador “coliformes
fecais” ou E.coli, das quais é distinguida por várias características, como temperatura
tolerada (os indicadores assinalados crescem a 45°C), fermentação da lactose (em
geral, tardia dentre as patógenas) e até produção de indol, que algumas patógenas
podem não produzir. A metodologia analítica para o isolamento/quantificação
dessas bactérias tem passos ou etapas comuns: homogeneização do produto em
meios de cultura líquidos, preparo de diluições seriadas quando for para quantificar,
pré-enriquecimento ou enriquecimento não seletivo, enriquecimento seletivo (só
para as Salmonelas), isolamento em meios seletivos-diferenciais e caracterização
bioquímica e sorológica.

Entretanto, o isolamento dessas bactérias pode não ser simples como parece à primeira
impressão: elas podem se encontrar lesadas no produto alimentício por diversos
fatores, como uso de temperaturas altas porém não letais, presença de compostos
antibacterianos, pressão osmótica, quantidade de sal e de ácidos, uso de temperaturas
baixas para a conservação do produto, entre outros. A resposta biológica da bactéria no
meio de cultura pode ser diferente quando a microbiota acompanhante é composta por
competidores que conseguem se sobrepor e impor, seja por apresentarem multiplicação
mais acelerada, seja por produzirem e liberarem bacteriocinas que atuam sobre as
desejadas. Em especial o isolamento das Shigelas e da Escherichia coli O157:H7 pode
apresentar problemas, por não se dispor de um meio de enriquecimento seletivo.

O princípio de enriquecimento baseia-se na capacidade de multiplicação dessas


bactérias em temperaturas adequadas (35/37°C) e, portanto, em períodos reduzidos de
incubação. Alguns autores concluem sobre a possibilidade de isolamento da Salmonella
typhi por incubação prolongada (até 5 dias) do caldo de enriquecimento seletivo, o caldo
selenito-cistina a 35/37°C. No caso das outras Salmonelas, estão disponíveis diferentes
meios para homogeneização e pré-enriquecimento, para enriquecimento seletivo, para

169
anexos

isolamento seletivo-diferencial. Do grupo citado, é o mais “rico” em possibilidades de


meios de cultura, essas Salmonelas são resistentes à temperaturas mais altas, podendo
ser usadas a de 42°C para aumentar a seletividade dos meios de enriquecimento seletivo.

Isolamento de membros da família


vibrionaceae, de aeromonas e plesiomonas
shigelloides em alimentos
A família Vibrionaceae é composta por bactérias que têm como habitat natural o
ambiente marinho ou águas superficiais e solos. Na sua grande maioria, não fazem
parte da microbiota intestinal de animais de sangue quente. Podem, entretanto, ser
encontradas no intestinos de animais de sangue frio que partilham do mesmo nicho
ecológico.

Os membros do gênero Vibrio são encontrados, sobretudo, no ambiente marinho e


de estuário de rios, enquanto os gêneros Aeromonas e Plesiomonas podem também
ser encontrados em águas doces e solo. Alguns gêneros são considerados patogênicos
para o homem. Desses, o Vibrio cholerae O1 é considerado na epidemiologia por ser
uma bactéria epidêmica/pandêmica e o Vibrio vulnificus é considerado como agente de
doença particularmente grave, com frequência envolvido em septicemias fulminantes,
de até 60% de casos fatais entre os afetados. O Vibrio cholerae O139 é de descrição
recente, e parece estar envolvido nesses dois processos, sendo potencialmente epidêmico
e responsável por sintomatologia grave nos afetados. As espécies que são consideradas
com maior atenção como patogênicas ao homem incluem, além de alguns sorogrupos
de Vibrio cholerae e do Vibrio vulnificus, o Vibrio parahaemolyticus, o Vibrio mimicus,
o Vibrio alginolyticus, a Aeromonas hydrophila – além de outras, como a Aeromonas
caviae, Aeromonas sobria e Aeromonas veronii – e a Plesiomonas shigelloides.

A veiculação dessas bactérias, assim como a quantidade necessária para causar


sintomas clínicos nos afetados, não é homogênea. O Vibrio cholerae tem como elemento
disseminador o próprio homem.

Apesar de não ser considerada microbiota intestinal, no homem pode permanecer por
períodos mais ou menos longos, com excreção fecal. As deposições fecais humanas
dispostas inadequadamente contribuem para a disseminação dessa bactéria em águas,
verduras irrigadas/adubadas com material contaminado e, eventualmente, em produtos
alimentícios que são objeto de contaminação fecal cruzada.

Os fatores que interferem com a sobrevivência/multiplicação dessa bactéria são menos


drásticos que para as demais do mesmo gênero, sendo possível a transmissão da doença

170
anexos

por outros produtos alimentícios que não pescados ou verduras. Entre esses alimentos,
já foram considerados o arroz, as carnes bovina e de aves, alimentos prontos para o
consumo mistos, leite e derivados, gelo e sorvetes de frutas.

É uma bactéria bastante sensível a acidez, sendo que não se mantém viável em produtos
ácidos. Como os demais gêneros, é sensível ao calor, porém não à refrigeração,
como muitas espécies, notadamente o Vibrio parahaemolyticus que é inativado
biológicamente quando exposto à temperatura de refrigeração.

É importante observar que alguns autores não aconselham o uso do frio para o
transporte e manutenção de amostras para análise de vibrios, assim como consideram
desaconselhável a manutenção de meios de cultura semeados em geladeira. Essas
considerações parecem estar mais associados a uma fragilidade a choques térmicos
do que verdadeiramente a uma “desproteção biológica” pelo frio – a maioria são de
ambiente marinho que, dependendo da época do ano, apresenta temperaturas baixas.

Os gêneros dessa Família são também particularmente sensíveis à desidratação,


sendo pouco provável a sua sobrevivência em alimentos secos. Por outro lado, são
extremamente resistentes à concentrações relativamente elevadas de cloreto de sódio
(NaCl), sendo poucas as espécies que se multiplicam na ausência deste sal – Vibrio
cholerae, Vibrio mimicus e Vibrio metschnikovi (esse último de forma variável), dentre
o gênero Vibrio.

Os laboratórios que trabalham em determinações de Vibrio patogênicos devem observar


dois aspectos gerais de importância que interferem no seu isolamento: a sensibilidade
ao frio, ou ao choque térmico, que pode inativar biologicamente alguns vibrios e
a concentração mais elevada de NaCl necessária para o desenvolvimento e resposta
bioquímica da maioria das espécies.

O isolamento e a caracterização dessas bactérias são realizadas pelas etapas


consideradas comuns a das Microbiologia Alimentar: representatividade da amostra,
alíquota de análise, processos de obtenção da alíquota para análise, homogeneização,
diluições seriadas (quando couber), enriquecimento seletivo (mediante meios de
cultura seletivos e/ou temperatura de incubação e que podem ser distintos para as
espécies), plaqueamento seletivo, isolamento em meios de identificação presuntiva e
caracterização laboratorial.

Como são microrganismos que necessitam de íons de Na+ como fator que favorece
o seu desenvolvimento, esses meios devem ser acrescidos de NaCl, pelo menos a 1%.
As provas de identificação incluem particularmente a decarboxilação de aminoácidos
e provas de halofilismo (concentrações diferentes de NaCl no meio de cultura), além

171
anexos

das provas clássicas de fermentação de açúcares e outros, como oxidase (característica


de positividade da quase totalidade dos membros da Família), indol, termotolerância,
redução de nitratos.

A temperatura em que alguns gêneros podem se desenvolver é um fator que auxilia no


isolamento, em especial para aquelas espécies que não são boas competidoras frente a
uma microbiota mista, naturalmente

existente como microbiota acompanhante de produtos alimentícios.

Para o Vibrio cholerae, é muito importante a identificação sorológica, relacionada aos


antígenos somáticos. Para as demais, nem sempre é possível a obtenção de antissoros,
embora continue sendo uma identificação de importância.

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