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Prefácio à edição brasileira

Nina Paim

Introdução
Maryam Fanni, Matilda Flodmark, Sara Kaaman

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side


O Comitê, Introdução

O livro como uma festa americana: Edna Beilenson,


Jane Grabhorn & as publicações da Distaff Side
Kathleen Walkup

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,


Um discurso tipográfico para o lado não masculino da edição, um livro feito por
mulheres

A vampira e a querida sacerdotisa do modernismo


Ida Börjel

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,


texto de Gertrude Stein

Uma baita ideia: gráficas feministas e Movimento de


Libertação das Mulheres na Inglaterra
Jess Baines

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,


Animais da pontuação

A batalha entre homens e mulheres no ofício


tipográfico
Ulla Wikander

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,


Como uma delas chegou lá

Conversas
Trecho de uma conversa com Inger Humlesjö
Trecho de uma conversa com Ingegärd Waaranperä
Trecho de uma conversa com Gail Cartmail
Trecho de uma conversa com Megan Dobney
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Seriam as mulheres inimigas naturais dos livros?

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,


Lazer

Notas

Créditos
Prefácio à edição brasileira

Nina Paim

Setembro de 2019: percorro sem rumo os corredores


estreitos da biblioteca central de Zurique, quando de
repente o acaso irrompe. Tiro um livro aleatório da estante,
abro-o também inteiramente ao azar, e lá encontro a mãe
de todas as perguntas: “são as mulheres inimigas naturais
do livro?”.
Estupefata pelo título desse artigo de Anne Lyon Haight –
uma autora e colecionadora estadunidense mais conhecida
por seu Banned Books [Livros proibidos] de 1935 –, meu
corpo se contorce como um gato enquanto deslizo os olhos,
devorando as primeiras linhas. Anne começa seu artigo
numa biblioteca – onde mais? – subindo uma escada para
buscar o livro de um autor que considerava as mulheres
inimigas perigosas dos livros, assim como “a umidade, a
poeira e os ratos de biblioteca”. Ela elegantemente refuta
esse argumento bizarro listando inúmeras e incontáveis
mulheres bibliófilas ao longo da história – desde a primeira
colecionadora de livros conhecida, uma abadessa beneditina
na Saxônia do século X, até várias contemporâneas suas na
primeira metade do século XX. Sentada no chão frio da
biblioteca, com os olhos fixos no texto, estava claro que não
podia guardar esse tesouro só para mim. Faço então a coisa
mais previsível para uma millennial: posto todo o artigo no
meu feed de rede social.
Poucas horas depois, recebo mensagem de uma designer
gráfica que conheço de nome há tempos, mas que nunca
encontrei pessoalmente. Seu nome é Sara Kaaman, o S em
MMS, o coletivo de design sueco que Sara integra com
Maryam Fanni e Matilda Flodmark. As três se juntaram em
2012 para pesquisar a história do design a partir de
perspectivas feministas e da classe trabalhadora e há muito
exploravam as diversas facetas de Bookmaking on the
Distaff Side, uma publicação de tiragem limitada e
pouquíssimo conhecida sobre mulheres ligadas à impressão
e produção de livros, no qual o artigo de Anne foi publicado
pela primeira vez. Foi Matilda quem primeiro ouviu falar da
publicação da Distaff Side em 2010 e solicitou um
financiamento para ir vê-la pessoalmente numa biblioteca
nos Estados Unidos. Mas não precisou viajar, pois achou o
livro à venda na internet pelo mesmo preço da passagem
aérea. Em vez de atravessar o Atlântico para ver o livro, ele
foi encontrá-la na Suécia.
Matilda não tinha plena ideia do que estava adquirindo;
Bookmaking on the Distaff Side mostrou-se nada menos que
uma revelação. Publicado em 1937, o volume consiste em
um conjunto de fascículos variados impressos por diferentes
editoras privadas, os quais apresentam uma variedade de
papéis, tipos, desenhos, cores, técnicas de impressão, mas
também de temas e estilos de escrita. Quando Matilda
compartilhou o exuberante objeto com o recém-formado
coletivo MMS, o trio imediatamente decidiu lhe dedicar mais
tempo, usando-o como um guia prático para investigar os
vários ofícios que tornaram o livro tão especial. Inspiradas
pelas diferentes contribuições de Bookmaking on the Distaff
Side, organizaram oficinas para explorar a magia da
xilogravura, marmorização de papel e litografia. A
abordagem bem-humorada de Jane Grabhorn sobre erros
tipográficos, por exemplo, foi um convite para o trio
conhecer os mistérios da tipografia em metal, experiência
incorporada ao trabalho coletivo.
Lentamente, o volume tornou-se o fio condutor para traçar
histórias de mulheres envolvidas na produção de livros. MMS
começou a conduzir entrevistas de história oral na Suécia e
recebeu a segunda bolsa para visitar o Grabhorn Institute
em São Francisco. Mas a viagem planejada coincidiu com a
recém-instituída proibição de entrada imposta pelo então
presidente Donald Trump a seis nações majoritariamente
muçulmanas, incluindo o Irã. Maryam Fanni é sueca-iraniana
e, portanto, foi impedida de entrar nos Estados Unidos. Por
solidariedade, Sara e Matilda se recusaram a viajar, e o trio
reformulou seu projeto para realizar mais pesquisas na Grã-
Bretanha. Isso as levou a conhecer Jess Baines, integrante
da lendária See Red Women’s Workshop em Londres, e
Megan Dobney, gráfica britânica ativista e sindicalista. De
modo inesperado, a impossibilidade de viajar ajudou o trio a
se afastar do contexto original de Distaff Side – o que
poderia se tornar relato sobre a participação das mulheres
no universo sofisticado da produção dos livros de arte
acabou se transformando em um registro de histórias de
política e ativismo.
Não muito tempo depois de nossa primeira mensagem em
2019, Sara Kaaman e eu nos conhecemos via Skype.
Conversamos, rimos e trocamos referências sobre mulheres
na mídia impressa e editorial. Semanas depois, recebi um
fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side pelo correio.
Refletindo sobre nossa primeira conversa, Sara descreveu a
emoção de ver algo que ela considerava quase impossível
de acessar aparecendo inesperadamente em outro lugar –
no meu feed de rede social. Para mim, a mensagem e o
presente generoso de Sara eram sinais de esperança – a de
que a pesquisa poderia ser uma busca coletiva, e não a
corrida individualista que experimentei nas minhas breves
incursões pelo frígido universo acadêmico. Bookmaking on
Distaff Side me conectou ao MMS – assim como conectou
tantas outras mulheres. Na verdade, está nos conectando
agora – você, leitora, eu, escritora, e muitas outras que
estiveram envolvidas na realização do livro que você tem em
suas mãos.

***
Distribuir e controlar a mensagem de forma autônoma é
crucial para qualquer movimento ativista. Ritu Menon,
cofundadora da Kali for Women, a primeira editora feminista
da Índia, enfatizou que toda vez que houve uma insurgência
do movimento das mulheres, também houve um levante da
imprensa feminista.[1] Não é surpresa que o Movimento de
Libertação das Mulheres dos anos 1960 e 1970 tenha aberto
o caminho para o que mais tarde ficou conhecido como o
movimento Women in Print [Mulheres na impressão]. Só na
América do Norte, mais de cem livrarias feministas
construíram “uma rede transnacional que ajudou a moldar
alguns dos debates mais complexos do feminismo”, como
apontou Kristen Hogan em The Feminist Bookstore
Movement [O Movimento Livreiro Feminista]. No Brasil, a
imprensa feminina e feminista tem uma longíssima tradição
que vem sendo explorada por muitas pesquisas recentes,
desde períodicos do século XIX como Belona Irada (1833-
1834) ou Jornal das Senhoras (1852-1955), passando por
títulos como Nós Mulheres (1976-1978), Mulherio (1981-
1989), Nzinga Informativo(1985-1989)[2], até iniciativas
atuais, como a plataforma digital AzMina, iniciada em 2015.
De jornais, boletins, revistas e outros periódicos a editoras
feministas, como Virago, Spinifex, Kali for Women, Kitchen
Table Press e tantas outras; esse surto de publicações
feministas criou uma infraestrutura de comunicação
controlada por mulheres que foi verdadeiramente
internacional em escala e escopo. Sua força não estava
numa única editora ou título internacional, mas em sua
interconectividade. Segundo a estudiosa feminista Agatha
Beins[3], os periódicos fizeram circular informação, ajudaram
a construir e reforçar redes e criaram uma comunidade
imaginária de feministas, articulando teorias e contando
histórias de mulheres. As publicações constituíam
verdadeiros locais de encontro onde as leitoras estabeleciam
relações com o movimento e entre si, construindo
comunidades a despeito da distância geográfica.
A edição feminista entrelaçou historicamente o pensar e o
fazer. As mulheres tiveram que assumir o controle dos meios
de produção – as prensas – para poder se expressar e levar
adiante suas ideias. Quando Maryam, Matilda e Sara se
debruçaram sobre tipos de metal, colaborando
reciprocamente no ajuste dos detalhes de seu design,
entenderam algo profundo não apenas sobre o trabalho
coletivo, mas sobre suas próprias condições materiais como
designers. Elas foram capazes de compreender na prática as
mudanças tecnológicas ao longo da história, ao mesmo
tempo que se conectaram com muitas mulheres que lhes
antecederam.
Em seu livro Feminist Literacies [Letramentos feministas]
[4], Kathryn Thoms Flannery reflete sobre os periódicos
feministas como contrainstituições à universidade. A criação
de periódicos forçou as mulheres a aprenderem tudo
sozinhas – não apenas a imprimir, mas também a pesquisar
e a escrever. No fim da década de 1990, no entanto, muitas
editoras e instituições de mulheres autônomas fecharam ou
faliram. Quando nossa geração pesquisa sobre elas hoje,
luta com frequência para encontrar as fontes documentais,
problema que só se agrava quando procuramos publicações
e materiais ainda mais antigos, como Bookmaking on the
Distaff Side. É por isso que o momento do encontro desse
material pode ser tão emocionante. Encontrar dá sentido e
contexto à nossa vida atual e ao ativismo diário, mas esse
prazer só é completo quando compartilhado com outras.

***
A MMS inicialmente não pretendia vincular sua pesquisa a
um livro, mas seu material era precioso demais para não ser
compartilhado. Natural Enemies of Books, versão original
em inglês do livro traduzido que você tem em mãos, foi
publicado pela Occasional Papers no início de 2020, assim
que a pandemia de Covid-19 começava a abalar nosso
mundo. A pandemia suspendeu rapidamente o plano de
viajar com o livro por várias feiras especializadas na Europa.
Por outro lado, isso não significa que o livro deixou de viajar
– passou a circular nas redes sociais.
Na mesma época, o acaso estava novamente prestes a
surpreender, dessa vez na Suíça confinada. O Centro
Nacional de Artes Gráficas da França solicitou que minha ex-
parceire de trabalho Eliot Gisel e eu organizassemos um
workshop on-line como forma de compensar o programa
cancelado previsto para os próximos meses. Ao optar por
coletivizar nossa pesquisa sobre a história da publicação
feminista, não esperávamos a magia que se desenrolaria
nas semanas seguintes. Embora isoladas em nossas
respectivas mesas de cozinha ou quartos, nos encontramos
através das luzes das nossas telas de computador para
mergulhar fundo no passado, revelando histórias pouco
conhecidas sobre periódicos impressos feministas que
vieram antes de nós. Para saber mais sobre essas crônicas,
vasculhamos arquivos digitais, contrabandeamos textos
acadêmicos e pesquisamos nas entrelinhas e nas margens
de jornais digitalizados, revistas, zines, jornais e boletins
informativos. Buscamos histórias perdidas de trabalhos,
amores, redes, hierarquias, amizades, desentendimentos,
lutas, vitórias, finanças, conflitos, perdas e cotidiano de
mulheres no passado, elaborando o que poderia significar a
organização de uma práxis feminista. O resultado foi o zine
Feminist Findings [Achados feministas], exposição
homônima na A—Z Design Gallery em Berlim, que lançou a
base do que mais tarde emergiria como a plataforma
feminista para a política de design FUTURESS, da qual hoje
sou codiretora.

***
A cerca de 10 mil quilômetros da Suíça, a designer gráfica
Tereza Bettinardi passava as primeiras semanas do
confinamento olhando para o teto de seu apartamento em
São Paulo, assustada com o futuro. Além do isolamento
social, estava lidando com a pressão de ter que se manter
“ágil” e se adaptar ao “novo normal” – um discurso de
pânico então generalizado. Nos últimos quinze anos, Tereza
vinha fazendo principalmente livros, o meio perfeito para
uma jornalista-designer. Ela ouviu que talvez fosse
necessário aprender uma nova habilidade, mudar o foco de
atuação, enquanto assistia a uma enxurrada de novos cursos
e workshops on-line com a promessa implícita de dar conta
dessa ansiedade coletiva.
Então, o acaso entrou novamente em ação. Tereza foi
convidada a resenhar de um novo livro de design e, quando
publicou o vídeo nas redes sociais, foi inundada por
mensagens pedindo mais e mais recomendações de livros.
Ela começou a vislumbrar: nesses tempos de
distanciamento social, quando estamos todos isolados em
nossas casas, e se começássemos a ler livros juntos? Foi
assim que surgiu o Clube do Livro do Design.
Juntamente com sua amiga, a produtora cultural Bruna
Knabem, Tereza escolheu alguns dos livros de design em sua
biblioteca e planejou um programa de palestras e
discussões mensais. Ambas esperavam que talvez trinta
pessoas se interessassem, mas ficaram surpresas com mais
de trezentas inscrições de todos os cantos do Brasil. Duas
edições depois, elas começaram a complementar a
bibliografia do curso com a encomenda de artigos curtos, e
aos poucos a ideia foi crescendo: será que o Clube do Livro
do Design poderia se tornar uma editora também?
Mesmo quando as pessoas não podem viajar, os livros
continuam viajando. Além de serem viagens em si mesmos,
livros rompem fronteiras e constroem pontes. Portais,
introduções, caminhos e bifurcações: livros forjam
colaborações, tecem relações e produzem amizades. Mais
do que tudo, são objetos fundamentalmente coletivos.
Dependem de muitas mãos – escritoras, tradutoras, editoras,
designers gráficas, ilustradoras, revisoras, impressoras,
produtoras gráficas, distribuidoras e tantas outras,
trabalhando em parceria, na proximidade e a distância. O
livro que você tem em mãos, Inimigas naturais dos livros, é
uma miscelânea de tudo isso, e muito mais.
Nina Paim é designer gráfica, pesquisadora, curadora, educadora e ativista
brasileira atualmente radicada em Portugal. Depois de passagens pelas
faculdades de economia e filosofia, Nina estudou design na Escola Superior
de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Esdi/Uerj) e
na Gerrit Rietveld Academie (Holanda) e fez mestrado na Hochschule der
Künste Bern (Suíça), investigando a história e a filosofia pedagógica da
editora suíça Niggli. Atualmente faz doutorado na Esdi/Uerj. É diretora da
Futuress, uma plataforma editorial sobre feminismo, design e política.
Coeditou o livro Design Struggles: Intersecting Histories, Pedagogies and
Perspectives e editou Taking a Line for a Walk.
Primeira página de Echo das Damas – “Órgão dos Interesses da Mulher. Crítico,
Recreativo, Científico, Literário e Noticioso”, 18 de abril de 1879. Segundo conta a
pesquisadora Constância Lima Duarte, a publicação surgida no Rio de Janeiro em
1879 circulou até 1888, provavelmente com algumas interrupções e
irregularidades. Crédito da imagem: Biblioteca Nacional
Capa de Nós, mulheres, nº 1, jun. 1976. Acervo Fundação Carlos Chagas.
Capa do jornal Nzinga Informativo, nº 4, jul.-ago. 1988. Acervo Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro. Capa do jornal Mulherio. No conselho
editorial do jornal há nomes como Lélia Gonzalez, Maria Carneiro da Cunha, Maria
Rita Kehl, Ruth Cardoso. A editora responsável era a jornalista (e atualmente
curadora) Adélia Borges. Ano 1, nº 3, set.-out. 1981. Acervo Fundação Carlos
Chagas.
Introdução

Maryam Fanni, Matilda Flodmark e Sara Kaaman

Este livro começa com a curiosidade e um desejo de mapear


raízes (europeias e estadunidenses) da paisagem
profissional que uma designer gráfica[1] recém-formada
encontra hoje. Queremos entender o que há atrás (e nos
primórdios) da identidade profissional e das condições de
trabalho apresentadas como dadas – ou até mesmo
desejáveis – da designer gráfica como uma figura “criativa”
independente, que trabalha por conta própria e se torna
bem-sucedida sozinha.

Ela conhece a flexibilidade do trabalho, sem controles


externos, por causa da casa. Ela trabalha quando quer.
No entanto, precisa dar conta de uma quantidade
incalculável de trabalho para formar um salário. Isso
quer dizer que ela não faz outra coisa em casa a não ser
trabalhar. O percurso até a mesa para ler e responder e-
mails no computador se tornou tão rotineiro quanto o
caminho até a cozinha para fazer café. O trabalho pelo
qual ela é remunerada, o que está feito e o que está por
fazer, é só uma pequena parte do que ela faz todo dia.
Organizar uma reunião, lavar roupa, aprender a usar um
novo programa, preparar o jantar, escrever a justificativa
de um projeto, fazer compras, declarar imposto de
renda, comprar passagens, manter contatos
profissionais, demonstrar interesse – tudo isso, às vezes,
é demais para ela.

Esse trecho de “A Comment by”, texto de 2011 assinado


pelo coletivo de artistas alemãs Kleines postfordisches
Drama[2], descreve a vida de muitas profissionais freelancer.
Uma condição precária e, de várias formas, solitária. Mas, ao
mesmo tempo, tratada com palavras aparentemente
positivas, como liberdade e flexibilidade.
Ao longo de nossa colaboração, tentamos formular outras
formas de trabalhar. Queríamos encontrar uma identidade
profissional construída na coletividade, na comunidade e em
uma compreensão das condições materiais, em vez de uma
baseada na individualidade e em histórias de sucesso.
O ponto de partida deste livro foi o encontro com
Bookmaking on the Distaff Side [A produção de livros pelo
lado não masculino][3], publicado em São Francisco em
1937, que reúne mais de vinte contribuições, muitas delas
experimentais, de um grupo diverso de profissionais
envolvidas com publicações, tipografia e produção gráfica.
Na página 47 deste volume, a historiadora do livro Kathleen
Walkup o descreve como “uma mistura eclética de artigos,
poemas e homenagens em geral bem-humorados e
eventualmente apologéticos [e que] contém diversos
ensaios bem documentados que analisam o papel que as
mulheres têm desempenhado na história da indústria
gráfica na Europa e nos Estados Unidos”[4].
Embora quase 80 anos nos separem de Bookmaking on
the Distaff Side – computadores e horários flexíveis de
trabalho substituíram o metal pesado da tipografia e a
prática de bater o ponto —, somos surpreendidas por como
alguns dos testemunhos soam contemporâneos. Em sua
crítica feminista de uma profissão dominada por homens,
Jane Grabhorn escreve sobre tipógrafos como “farsantes
cambaleantes pomposos, papagaiando conceitos e
transpirando decadência”. Achamos o livro reconfortante e
encorajador, uma vez que nos ofereceu uma ligação com
uma história das mulheres em nossas profissões. Ao ler
várias histórias de mulheres desempenhando funções que
depois viriam a ser identificadas como parte do campo do
“design gráfico”, fomos capazes de entender melhor nossas
identidades profissionais. Nós nos tornamos capazes de ver
com mais clareza como aquilo que fazemos e o modo como
trabalhamos são parte de uma colcha de retalhos que se
altera de acordo com as mudanças tecnológicas e
econômicas e que vão continuar se transformando.
Inicialmente nos perguntamos como seria uma versão
contemporânea de Bookmaking on the Distaff Side. Quais
seriam os testemunhos das mulheres nas profissões
correspondentes hoje?
No entanto, tal responsabilidade – a de selecionar uma
variedade de vozes contemporâneas que coubessem bem
organizadas em um livro – nos pareceu mais excludente do
que inclusiva. Havia o risco de que a tarefa se tornasse uma
manifestação dos nossos pontos de vista necessariamente
limitados do “campo” e do “ofício” de designer gráfica. Em
geral, as tentativas de reescrever a história, num esforço de
criar espaço para as mulheres, são feitas sob a forma de
busca e apresentação de histórias de sucesso individual.
Novos nomes são adicionados ao cânone. Sem minimizar a
importância dessa estratégia, achamos que tende a ofuscar
trabalhadoras anônimas e coletivos, assim como histórias
menos glamourosas, como as dos sindicatos, por exemplo.
Quando procuramos por histórias de trabalho coletivo e
colaborações que não resultam em apenas alguns nomes
destacados, emerge uma outra imagem do passado, que,
por sua vez, pode nos ajudar a reimaginar o futuro.
Em busca dessa imagem, reunimos uma seleção de textos
sobre o que aconteceu entre 1937 (quando Bookmaking on
the Distaff Side foi publicado) e hoje (2020). Queremos
compreender algumas das condições materiais das nossas
precursoras. O que editar (juntas) significava para mulheres,
como engajamento na luta por direitos e em termos de
sustento? Este livro reúne esse tipo de perspectiva sobre
gênero e edição.
Partindo da publicação de 1937, Kathleen Walkup e a
poeta Ida Börjel escreveram colaborações individuais e
coletivas para este livro. Kathleen[5] apresenta figuras-
chave, entre elas, Edna Beilenson, Jane Grabhorn e Beatrice
Warde, e contextualiza a iniciativa Distaff Side e como
Bookmaking on the Distaff Side, que ela descreve como uma
festa americana, se tornou possível. O ensaio de Ida Börjel
começa com o envolvimento de Gertrude Stein e retrata o
relacionamento entre Gertrude e Laura Riding, que girava
em torno da edição e especialmente de uma prensa manual
Albion. Esses ensaios oferecem exemplos de mulheres se
articulando para ganhar o controle sobre a produção gráfica,
no que mais tarde viria a ser conhecido como o movimento
das gráficas particulares.
Outro exemplo da necessidade de assumir o controle da
impressão é o surgimento das gráficas radicais durante os
anos 1960 e 1980. Jess Baines, uma das integrantes da See
Red Women’s Workshop, fez uma extensa pesquisa
entrevistando pessoas envolvidas nessas gráficas para
coletar e registrar suas histórias. A contribuição dela a este
livro amplia a compreensão das atividades e princípios das
gráficas feministas em Londres durante o Movimento de
Libertação das Mulheres.
A última contribuição é o trecho de um livro da
historiadora da economia Ulla Wikander, no qual ela
apresenta uma perspectiva histórica das condições nas
quais as mulheres entraram no ofício da tipografia no fim do
século XIX e no início do século XX, o que ela descreve como
uma batalha entre homens e mulheres.
Essa batalha voltou a acontecer durante a revolução
tecnológica provocada pela digitalização nos anos 1970 e
1980. Para lançar uma luz sobre as condições de trabalho,
as organizações e lutas da época, entrevistamos quatro
mulheres com diferentes experiências no ofício da
impressão. As conversas com Inger Humlesjö e Ingegärd
Waaranperä abordam, respectivamente, a construção da
masculinidade e as condições de ser uma tipógrafa durante
as reorganizações de um dos maiores jornais da Suécia. Na
Inglaterra, nos encontramos com Gail Cartmais e Megan
Dobney, dois nomes importantes dos sindicatos
contemporâneos. Essas conversas mencionam a disputa de
Wapping de 1986 e a organização de trabalhadores gráficos
britânicos contra o apartheid da África do Sul, assim como
as questões desafiadoras nas estratégias sindicais em
tempos de avanços tecnológicos.
O título do nosso livro se baseia na contribuição de Anne
Lyon Haight em Bookmaking on the Distaff Side, na qual ela
menciona o historiador de livros William Blades, que incluía
as mulheres entre “outros inimigos dos livros: umidade, pó,
sujeira, traças, leitores descuidados, tomadores de
empréstimos, ladrões de livros, assombrações de biblioteca
etc.”[6] Anne escreve sobre a freira medieval Rosvita de
Gandersheim e outras colecionadoras de livros reconhecidas
ao longo da história. A contribuição de Anne é ilustrada por
uma xilogravura de Anne Heyneman que retrata freiras
bêbadas zanzando descuidadas em uma biblioteca, que
escolhemos como a capa do livro.
Com a pesquisa para editar este livro, nós
experimentamos várias técnicas manuais gráficas e
tipográficas, tendo Bookmaking on the Distaff Side como
fonte de inspiração. Uma das técnicas usadas é paste
papers, a criação de estampas no papel usando pincéis ou
esponjas, como um tributo a Delight Rushmore, que fez
capas únicas com paste papers para cada exemplar da
tiragem de 100 livros. Na verdade, o nosso exemplar foi o
que pertenceu a ela – na parte interna da capa é possível ler
“nº 37, Delight”.
Alguns dos papéis marmorizados que fizemos
coletivamente podem ser encontrados ao longo do livro
como divisões de capítulos. Folheando este livro – que teve o
projeto gráfico concebido pelo trio de designers Eller med a
– quem o lê também encontrará fac-símiles, assim como
pequenos elementos gráficos utilizados em Bookmaking on
the Distaff Side.
Este livro é uma colagem de imagens, testemunhos e
histórias pessoais nos cruzamentos entre a tecnologia, o
trabalho e a vida. Uma “história conturbada” em oposição a
uma “história organizada”, nas palavras da historiadora do
design gráfico Martha Scotford[7]. Nossa ambição é não
sermos exaustivas sobre o assunto, mas contribuir para uma
historiografia feminista expandida do design gráfico.
Esperamos que você goste.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side
O Comitê, Introdução
Introdução
Desde os tempos do Sr. Gutenberg, as mulheres estão envolvidas com a
arte da impressão; agora, mais do que nunca, elas podem ser encontradas
em editoras e gráficas atuando na fabricação de livros. Entretanto, nunca
antes, ao menos não chegou ao nosso conhecimento, elas tinham se
organizado em um grupo com o propósito de produzir um livro por, para e
sobre elas. Bookmaking on the Distaff Side é o resultado da escrita, do
design, da tipografia e da impressão de mulheres; e embora em alguns
momentos tenha sido necessário chamar homens para algumas tarefas
braçais na gráfica, ele permanece essencialmente um livro de mulheres.
Nossos modestos agradecimentos aos vários cavalheiros galantes que nos
ajudaram tão gentilmente, cujos nomes aparecem ao fim de várias
assinaturas. E nossos agradecimentos também para as pessoas e
organizações a seguir, cujos nomes não aparecem em outros lugares por
uma razão ou outra:
Srta. M. E. Stewart, da J. C. Valentine & Co., pela encadernação.
Srta. Delight Rushmore, pelas folhas de guarda.
Sr. Bennet A. Cerf, por garantir uma carta original de Gertrude Stein.
Alling & Cory Company, pelos anúncios.
Truart Reproduction Company, pela tintura da encadernação.
H. P. Ulich & Company, pelas caixas.
Ernst Reichl, da H. Wolff, pelos textos de Gertrude Stein & Louise Bonino.
O Comitê
Cem cópias deste livro foram impressas.
Esta é a cópia nº 14.
O livro como uma festa
americana: Edna Beilenson,
Jane Grabhorn & as
publicações da Distaff Side
Kathleen Walkup
Desde os tempos do Sr. Gutenberg, as mulheres estão
envolvidas com a arte da impressão; agora, mais do que
nunca, elas podem ser encontradas em editoras e
gráficas atuando na fabricação de livros. Entretanto,
nunca antes, ao menos não chegou ao nosso
conhecimento, elas tinham se organizado em um grupo
com o propósito de produzir um livro por, para e sobre
elas. Bookmaking on the Distaff Side é o resultado da
escrita, do design, da tipografia e da impressão de
mulheres; e embora em alguns momentos tenha sido
necessário chamar homens para algumas tarefas braçais
na gráfica, ele permanece essencialmente um livro de
mulheres.

Em 1937, um grupo informal de mulheres, cuja colaboração


girava em torno do hobby e do negócio da impressão,
produziu Bookmaking on the Distaff Side, que, de acordo
com a introdução assinada por elas, era o primeiro livro
produzido por e para mulheres sobre o tema das mulheres
na impressão. O livro, uma mistura eclética de artigos,
poemas e homenagens em geral bem-humorados e
eventualmente apologéticos, contém diversos ensaios bem
documentados que analisam o papel que as mulheres têm
desempenhado na história da indústria gráfica na Europa e
nos Estados Unidos. Ruth Shepard Grannis escreveu “Printer
Maids, Wives e Widows” [Servas, esposas e viúvas da
impressão], Edna K. Rushomore apresentou um texto sobre
duas mulheres que comandaram gráficas na América do
Norte durante a era colonial e Margerite Swanton escreveu
sobre mulheres que atuaram como tipógrafas em períodos
históricos diferentes. Suas análises destacavam a seriedade
com que cada uma dessas mulheres, apesar de uma
aparência de frivolidade, encarava o seu trabalho.
Esse grupo de mulheres não criou uma organização
formal. A introdução do livro, que começa com a citação
acima, foi escrita anonimamente e assinada por “O
COMITÊ”. E, embora os agradecimentos sejam dedicados a
vários apoiadores do projeto, as verdadeiras integrantes do
comitê não são listadas, e a edição não traz um colofão com
os nomes das organizadoras.
O livro em si foi produzido de uma maneira incomum e
inventiva. Bookmaking on the Distaff Side não apresenta
sumário, índice ou lista de colaboradoras. Há uma folha de
rosto com o título e nenhuma autora, editora nem sequer
gráfica creditadas abaixo do título, em itálico floreado, e a
data. A página de dedicatória tem um buquê criado com
ornamentos tipográficos entregue por um outro ornamento
em formato de mão e acompanhado das palavras “de BR
para as Damas”. “BR” é o distinto designer gráfico Bruce
Rogers. A posição do buquê logo após a folha de rosto indica
que Rogers é o designer, não do livro, mas desta única
página, embora isso nunca seja destacado, exceto pelo seu
estilo ornamental, uma estética da qual Rogers era
particularmente adepto.
Esse livro e as edições-irmãs organizadas pelo mesmo
grupo de mulheres, Goudy Gaudemus (1939) e The
Children’s Sampler (1950) são livros que seguem a lógica
das festas americanas – em que cada uma das convidadas
leva um prato para contribuir com a refeição. Os livros foram
impressos e agrupados em cadernos que vão de quatro até
vinte páginas, a maioria em dobra francesa, e, por isso, as
páginas são impressas apenas de um lado. Os cadernos
impressos têm o mesmo formato por motivos práticos de
encadernação, mas não apresentam outros traços comuns:
os papéis, a tipografia, o design e as cores são diferentes
para cada uma delas.
O lançamento desses livros, em especial do primeiro,
nesse formato colaborativo, ao estilo de uma festa
americana, nunca é explicado pelas mulheres d’O Comitê,
que no prefácio informam que o livro é “o resultado da
escrita, do design, da tipografia e da impressão de
mulheres; e embora em alguns momentos tenha sido
necessário chamar homens para algumas tarefas braçais na
gráfica, ele permanece essencialmente um livro de
mulheres”.
O registro mais próximo das integrantes do Comitê
original é uma pequena brochura sem data, mas impressa
quase com certeza no início de 1937, anunciando um livro
“provavelmente intitulado” Women in Bookmaking
[Mulheres na produção de livros]. As três signatárias são
Edna Beilenson, Evelyn Harter e Beatrice Warde. O nome de
Beatrice Warde é seguido por uma anotação entre
parênteses “(representando a Inglaterra)”. O anúncio afirma
a intenção das mulheres de publicar “um bom e pequeno
volume… composto por textos assinados apenas por
mulheres, sobre as contribuições de mulheres no passado e
para o avanço das mulheres nestas artes”. A brochura
também informa o formato do livro (19 × 11 cm tamanho
de corte) e encoraja colaborações que sejam “históricas,
factuais ou extravagantes” usando qualquer papel ou
quaisquer tipos, “quanto mais diverso o estilo, melhor!”. A
publicação lista as mulheres que já tinham oferecido
contribuições: Ruth Granniss (Grolier Club), Helen Gentry
(“Impressora”), Emily Connor (Marchbanks Press), Edna
Rushmore (Golden Hind Press), Anne Heyneman
(“Ilustradora”), Alison Davis (Simon and Schuster) e “as três
integrantes do nosso Comitê”.
Na Nova York dos anos 1930, Edna Beileson, Evelyn Harter
e Beatrice Warde, tinham perfis fortes nas áreas da edição e
das artes gráficas, nas quais as mulheres raramente se
destacavam. Em 1937, Edna era uma sócia bem-
estabelecida da editora e gráfica Peter Pauper Press,
fundada por seu marido Peter Beilenson antes do
casamento. Evelyn, que começou sua trajetória profissional
como secretária na Scribner’s Magazine e tinha experiência
como professora em uma escola rural que funcionava numa
cabana de madeira em Michigan, era editora e colunista em
Nova York na época em que o convite foi feito. Em memórias
tardias, ela afirmou “pelo que sei, eu era a única mulher nos
anos 1930 fazendo um trabalho completo no design e na
produção gráfica de uma editora que lançava de 20 a 30
livros por ano”. Ela deixou seu emprego na Random House
em 1937 para dar à luz um filho[1].
A terceira signatária, Beatrice Warde, era a única que não
enviou sua contribuição ao livro. Em 1937, ela era bem
conhecida nos Estados Unidos e na Inglaterra, que tornou
seu país de adoção, como praticamente a única mulher
escrevendo sobre tipografia. Os primeiros ensaios de
Beatrice sobre história da tipografia foram na verdade
escritos sob um pseudônimo masculino, Paul Beaujon. O
ensaio de Beaujon sobre Claude Garamond, Jean Jannon e as
origens da fonte que viria a ser chamada Garamond lhe
rendeu uma oferta de trabalho de meio período como
editora na The Monotype Recorder. Quando Beatrice
apareceu, os executivos da Monotype Corporation não
retiraram a oferta, apesar da surpresa com o gênero dela.
Em 1930, ela deu uma palestra, “Printing Should be
Invisible”[2], no Instituto St. Bride em Londres, que
possivelmente se tornou o ensaio mais citado na história da
tipografia ocidental. A associação do nome de Beatrice
Warde à chamada de contribuições para Women in
Bookmaking ajudaria a conferir fama e relevância ao
projeto.
É possível que essa chamada de contribuições tenha sido
combinada durante a visita de Beatrice aos Estados Unidos
no início de 1937, vinda da Inglaterra onde estava radicada.
Em 26 de fevereiro daquele ano, uma organização
respeitável de Nova York, The Typophiles [Os Tipófilos],
enviou um convite. Assinado pelo Comitê, o convite era para
um jantar em homenagem a Beatrice Warde antes de seu
retorno ao país que a adotou:
“Paul Beaujon, que têm impressionado a Gelehrten [os
eruditos], os estetas e os artistas da impressão por aqui nas
últimas quatro semanas, está quase pronto para encerrar
sua visita e retornar para o escritório del_ em Londres.” O
convite segue se referindo timidamente ao gênero de
Beatrice diversas vezes com o uso dos pronomes ela/dela
censurados (el_/del_). A promessa era de uma noite informal
desprovida dos comuns discursos após a refeição. O convite
se refere a esse jantar como um “encontro de família” entre
não mais de 50 Typophiles “e alguns amigos e *Damas-da-
gráfica”. O asterisco é uma chamada de nota de rodapé “*E
não pensem que nós não tivemos a nossa crise
constitucional!”. Embora não haja uma explicação sobre a
crise que as “Damas” poderiam estar enfrentando, a
sugestão é de um modelo de revolta de gênero no espírito
que a declaração de amor de Eduardo VIII a uma
estadunidense divorciada teria provocado. O fato de
Beatrice Warde ser mencionada por seu pseudônimo
masculino só enfatiza essa questão.
Convite para um jantar oferecido pelos Typophiles em homenagem a Beatrice
Warde, 1937. Cortesia da Special Collections, Bibliotecas da Universidade de
Delaware.
A força motriz por trás do projeto sem dúvida era Edna
Beilenson. Por meio de seu trabalho na Peter Pauper Press,
ela firmou uma reputação como designer gráfica que era
quase única em um campo praticamente dominado por
homens durante as décadas de 1930, 1940 e 1950 nos
Estados Unidos. Em 1949, a Universidade de Harvard
publicou uma coletânea de ensaios sobre design de livros,
Graphic Forms: The Arts as Related to the Book [Formas
gráficas: As artes relacionadas ao livro], na qual Edna era a
única mulher entre os designers e artistas anunciados, entre
eles, Paul Rand, W. A. Dwiggins e György Kepes. Embora o
ensaio dela, “Experimentation” [Experimentação], só
mencione designers homens, nega a separação entre áreas
“masculinas” e “femininas” no design.
Edna prezava a cor em seu trabalho como designer
gráfica, e geralmente saturava as publicações da Peter
Pauper com fontes e imagens vibrantes inspiradas pelas
artes populares. Uma marca da abordagem editorial de
Edna Beilenson eram os livros-presente em formato
pequeno, incluindo uma coleção chamada The ABC of
Cookery [O ABC da culinária], que imediatamente se tornou
uma série de livros de culinária como Holiday Party Desserts
[Sobremesas para das festas de fim de ano]. O mais famoso
dos livros de receita era Cooking to Kill: The Poison
Cookbook [Cozinhando para matar: O livro das receitas
venenosas]. Assinando como Ebenezer Murgatroyd, o livro
era inquestionavelmente escrito com o humor peculiar de
Edna. Os cartuns que acompanhavam a edição foram feitos
por um ilustrador de verdade, Herb Roth.
A inclusão de diversas contribuições cômicas em
Bookmaking on the Distaff Side atestam uma afinidade das
colaboradoras do livro com o humor. Ensaios como o de
Madeleine Forgue, “Beaten to a Pulp” [Batida em uma
polpa], escrito do ponto de vista de uma banheira
transformada num tanque para fabricação de papel, torna o
tom mais leve, assim como o texto de Jane Grabhorn “A
Typographic Discourse for the Distaff Side of Printing, a Book
by Ladies” [Um discurso tipográfico para o lado não
masculino da impressão, um livro de senhoras]. Jane era
esposa de um dos famosos irmãos Grabhorn de São
Francisco, cuja Grabhorn Press era fundamental para o
desenvolvimento daquela cidade que se tornaria um dos
centros estadunidenses das impressões artesanais e da
edição. E embora Jane contribuísse bastante para o trabalho
da Grabhorn Press, da contabilidade à tipografia, passando
pela encadernação manual, sua natureza entusiasmada
encontrou um lar em seu próprio selo, Jumbo Press. Ela
nomeou seu selo em homenagem a uma prensa que
comprou para uso próprio, longe da produção comercial do
marido e do cunhado. Nessa prensa, ela produziu seus
pronunciamentos sobre impressão, todos zombando do
mundo sério e tradicional das impressões artísticas. Em “A
Typographic Discourse” [Um discurso tipográfico], Jane
Grabhorn demonstra em versos sem sentido o seu desprezo
pela separação convencional de sílabas e pela tirania do
espaçamento preciso quando o texto é composto com tipos
de metal.

“que os homens chafurdem neste tipo de


insi-gnificância, e para as mulheres a liberdade
da ventania e da errância”
Folha de rosto de Holiday Party Desserts, Peter Pauper Press, 1951.

Verso de Cooking to Kill: The Poison Cookbook, Peter Pauper Press, 1956, autoria
e projeto gráfico de Edna Beilenson. Cortesia da autora.
Página da esquerda: “Caramba, tio Osbert, o senhor quer dizer que gostou de
verdade?”
Cozinhando para matar: O livro das receitas venenosas
Receitas cômicas para assombrações, canibais, bruxas & assassinos. Cozinhe e
conserve sogras. Receitas testadas para crianças mimadas, rivais no trabalho e
ex-amantes. Piquenique com carne canibal. Saladas incendiárias. Como fazer seus
amigos morrerem rindo!
Receitas de Ebenezer Murgatroyd
Cartuns de Herb Roth
Peter Pauper Press, Mount Vernon, NY
Oh
por favor seja meu namorado
serei boa serei legal
serei rápida serei sagaz
não te deixarei jamais
II
Agora você pode pensar
que sou apaixonada demais
mas isso é muito forte
eu não consigo racionar
III
e esse tem sido um
inverno horroroso
Oh, Deus, como é difícil
ser uma impressora.
“Oh please be my Valentine”, de Jane Grabhorn, autora e impressora. The
Compleat Jane Grabhorn , Arion Press, 1968. Cortesia da autora.

Jane Grabhorn também formou uma parceria com William


Matson Roth e, por um breve período, com Jane Swinerton
para publicar uma lista eclética de livros para o público em
geral pelo selo Colt Press. Suas edições pelo Colt Press
incluíram uma coleção de livros de receitas (embora nada
ao estilo de Cooking to Kill), assim como a ficção de
importantes escritores como Janet Lewis e Frank Norris, que
também viviam na Califórnia. Mas foi o trabalho no selo
Jumbo Press que lhe deu a alegria e um alívio da rotina
exigente da Grabhorn Press. “Jumbo se tornou a fuga de
Jane, seu veículo de autoexpressão pelo resto de sua vida,
uma vez que buscava o reconhecimento pessoal em vez de
ficar à sombra dos irmãos Grabhorn… Uma vez, escreveu
‘Agora impressões artesanais precisam ser tão difíceis que
só Gutenberg e os Grabhorn realmente fizeram algumas.
Mas a Jumbo zomba desse mito faz tempo. A Jumbo Press
afirma que a impressão é tão fácil quanto a impressora
quiser que seja’”.
Dadas as contribuições às vezes tumultuadas e
irreverentes em Bookmaking on the Distaff Side (além dos
textos de Jane Grabhorn e de Madeleine Forgue, há “An
Interview with the Eminent Professor Hugo. K.O.
Muttonquad” [Uma entrevista com sua eminência o
professor Hugo. K.O. Muttonquad], “Are Women the Natural
Enemies of Books?” [Seriam as mulheres inimigas naturais
dos livros?], de Anne Lyon Haigth, “The Printer’s Mistress to
His Wife” [Para a esposa do impressor, da amante dele], de
Barbara Cowles e Ellen Bentley, e “A Few Disadvantages of
Being a Woman” [Umas poucas desvantagens de ser uma
mulher], de Mary D. Alexander), o texto de Edna Beilenson é
intrigante. Intitulado “Men in Printing” [Homens na
impressão], o ensaio lista onze homens da indústria gráfica,
incluindo seu próprio marido. Enquanto a breve lista é
escrita com ironia (o parágrafo sobre seu marido é dedicado
inteiramente a temas domésticos e menciona o hábito dele
de arrancar o lençol da cama), as homenagens a Frederic
Goudy, Bruce Rogers e os demais soam como uma apologia
aos homens que podem ter se ressentido pela natureza do
livro que essas mulheres fizeram.
Se a revolta de gênero estava ou não dando um passo
atrás, com o ensaio de Edna, a questão da defesa de gênero
parece clara com a escolha final do título. No início de 1937,
o livro era mencionado como Women in Bookmaking
[Mulheres na produção de livros]. Esse título aparece duas
vezes, uma na chamada da brochura, e em outro momento
no seu interior, em versalete. O formulário de inscrição, que
ocupa as últimas quatro páginas da brochura, afirma “Esta é
a melhor ideia desde o Movimento Sufragista”. O formulário
apresentava diversos tópicos possíveis que as autoras
poderiam abordar em suas colaborações: bibliófilas,
encadernadoras, mulheres gravuristas, viúvas de
impressores[3], o lugar das mulheres no movimento das
gráficas particulares. Só dois “A arte de ser a esposa de um
impressor” e “O que a Sra. Estienne disse quando Robert
instalou sua nova prensa manual”[4] sugeriam uma
abordagem cômica dos temas possíveis.
Pedido de contribuições para um livro sobre mulheres e impressão enviado pelo
“Comitê” em 1937. Cortesia da Special Collections, Bibliotecas da Universidade de
Delaware.

Na época do lançamento do livro, no fim do ano, as


contribuições bem-humoradas eram pelo menos sete de 31
textos, e o título tinha se transformado em Bookmaking on
the Distaff Side. Embora o termo “distaff” (roca) carregasse
um tom um pouco antifeminista nos anos 1930, caiu
significativamente em desuso desde o século XIX. “Distaff”
(roca) é uma palavra definida pelo seu correspondente,
“staff” (fuso de fiar, bastão, mastro). Na genealogia, em
inglês, “staff” (o bastão ou a lança) representa o lado
masculino da família, o “distaff” é seu correspondente
feminino. Portanto o “distaff side” (lado feminino) é definido
em termos de negatividade, ou seja, não masculino. Mais
adiante, a palavra seria usada para se referir à roca, uma
ferramenta de fiadura, que era um trabalho das mulheres. A
mudança do título de uma voz ativa – Women in
Bookmaking – para sua enunciação passiva – Bookmaking
on the Distaff Side [A produção de livros pelo lado não
masculino] – muda significativamente a intenção de um
trabalho proativo feito por mulheres, que celebra as
contribuições delas ao campo, para um tratado mais passivo
oferecido como um contraponto reticente à presença
masculina no setor.
Na “Introdução do autor” de um chapbook[5] em memória
de sua esposa Bertha, o tipógrafo e impressor Frederic
Goudy (que colaborou com um ensaio sobre Bertha em
Bookmaking on the Distaff Side) confirma essa escolha mais
tímida em relação ao livro:
“Na primavera de 1937, algumas mulheres jovens
‘envolvidas na arte da publicação’ decidiram seguir os
passos dos The Typophiles e produziram um livro – um livro
sobre mulheres na impressão –, no qual elas eram a maioria
das autoras, mas também participaram da produção”.
Goudy explica então que ele foi convidado por Edna
Beilenson para colaborar com texto sobre Bertha, que tinha
morrido em 1935, a quem Goudy descreve apenas como “a
esposa de um dos editores mais distintos”, apesar do papel
central de Edna na Peter Pauper Press. Goudy segue
elogiando Edna com os termos mais elevados, afirmando
que ela tinha “a grande habilidade de se tornar conhecida
pelo próprio nome, ao menos, por inúmeras pessoas
interessadas em tipografia, mais do que qualquer outra
mulher nos Estados Unidos”[6].
The Typophiles era ao mesmo tempo uma provável
inspiração para Bookmaking on the Distaff Side e um criador
de barreiras para o livro. Como organização formada em
Nova York no início dos anos 1930, The Typophiles era um
grupo só de homens, uma exclusão que durou até 1970. Os
homens se encontravam mensalmente em vários
restaurantes para trocar histórias, anedotas e,
invariavelmente, nesse ambiente, fazer negócios. A exclusão
das mulheres dos encontros não significava que elas apenas
eram poupadas de alguma discussão machista que poderia
acontecer; isso também evitava que elas soubessem sobre
abertura de vagas de emprego, ou se alguma delas quisesse
trabalhar como impressora, que elas estivessem disponíveis
para assumir a função.
Havia uma exceção à regra de só homens entrarem. Como
a reputação dela foi estabelecida sob o pseudônimo Paul
Beaujon, isso permitiu que Beatrice Warde fosse premiada
com um lugar na mesa dos Typophiles. É provável que a
conexão de Beatrice com Stanley Morison e Eric Gill e o fato
de ela ter posado nua para algumas das xilogravuras de Eric
tenham contribuído para que ela fosse convidada a se juntar
aos Typophiles. (E como ela morava na Inglaterra, esperava-
se que ela não comparecesse a muitas reuniões.) Embora
Beatrice pudesse ou não se deleitar sendo um dos rapazes,
sua presença notável entre os Typophiles ofereceu um forte
incentivo para que ela desempenhasse um papel como uma
das integrantes do “Comitê” a iniciar o projeto de um livro
sobre mulheres no campo da publicação. O fato de Beatrice
Warde ter dado seu apoio nos estágios iniciais indica que, ao
mesmo tempo, ela acreditava nessa missão e que ela deve
ter se percebido em uma posição única que poderia ajudar o
livro a acontecer.
A tática dos Typophiles de criar pequenas séries de livros a
partir de cadernos encomendados em tamanhos específicos
para serem encadernados juntos sem dúvida inspirou o
Comitê a iniciar seu livro-festa-americana sobre mulheres e
impressão. O primeiro livro dos Typophiles nesse formato, de
fato, foi Festschrift para homenagear ninguém menos que
Frederic Goudy em seu aniversário de 70 anos em 1935. Os
Typophiles viriam a criar mais seis projetos nesse modelo.
Para O Comitê, a abordagem de reunir diferentes
colaborações tornava viável um projeto que, de outro jeito,
seria quase impossível – registrar a contribuição de
mulheres na tipografia e em áreas relacionadas.
Se as mulheres não podiam se juntar aos Typophiles (e de
fato a quase nenhum outro clube de profissionais e/ou
colecionadores que se proliferavam pelos Estados Unidos),
elas podiam formar suas próprias organizações, e assim o
fizeram. Um desses grupos era o Club of Printing Women
[Clube das mulheres impressoras] (CPW), fundado em Nova
York em 1930 como um fórum para a “troca de ideias e
experiências”. A ideia do clube, como ficou conhecido,
surgiu em uma reunião do Printing Estimators Club of New
York [Clube dos Orçamentistas Gráficos de Nova York], que
dedicou seu encontro de maio de 1930 ao tema “Mulheres
na impressão”. Três mulheres falaram naquela reunião,
todas em posições de executivas ou proprietárias de
indústrias gráficas. Duas delas, Dorothy Doty e Annie L.
Green, se juntaram a três colegas e identificaram uma lista
de 31 mulheres que mantinham cargos executivos no
mercado gráfico em Nova York. Quando 22 dessas mulheres
se encontraram para jantar e debater a formação de uma
organização, elas listaram seus empregos de secretárias,
mas também de orçamentistas, vendedoras, diretoras de
arte, proprietárias e presidentes. Seus primeiros protocolos
organizacionais definiam os critérios para aceitar
integrantes. Ao escrever sobre as origens do clube 25 anos
depois, Biruta Sesnan lembrava de questões como “quais
seriam as qualificações para aceitar integrantes? O clube
seria restrito apenas a executivas? Como se pode definir
uma executiva? E as mulheres em negócios afins?”.
De acordo com Biruta, inicialmente ficou estabelecido que
a exigência para o ingresso no clube seria que a mulher
fizesse parte da New York Employing Printers Association
[Associação dos Empregadores Gráficos de Nova York], uma
organização que oferecia apoio ao setor, mas que não tinha
obrigações específicas. A afiliação, que terminou durante a
Grande Depressão, não ajudou a expandir o número de
sócias do CPW, que permaneceu por volta de 30 membras
durante a Segunda Guerra Mundial. A questão de afiliação
de profissionais de negócios afins (encadernação, fabricação
de papel e outros setores relacionados que empregavam
mulheres) foi resolvida por uma sistema de cotas que
estipulou que no mínimo 60% das membras deveriam ser
de gráficas e não mais de 40% de negócios afins. A principal
atividade do clube envolvia visitas a “lugares de interesse”,
como o parque gráfico do The New York Times e uma fábrica
de montagem de linotipos no Brooklyn.
O clube lutava para incluir mulheres envolvidas nos
setores gráficos, em detrimento daquelas em posições
administrativas, e mesmo se uma mulher atuando no
mercado incipiente da impressão offset estivesse de fato
“imprimindo”, o grupo seguia colecionando profissionais em
posições de chefia. Em 1937, o CPW fez sua parte ao apoiar
a ideia de “agora, mais do que nunca” as mulheres estavam
envolvidas com a impressão e enviou uma contribuição,
embora modesta, de quatro páginas, para Bookmaking on
the Distaff Side. Em sua contribuição, Biruta diz que “A
indústria gráfica encontra mulheres na caixa de tipos e na
máquina tipográfica, na sala de provas e na
encadernadora…”, mas na página seguinte ela afirma que a
organização dessas trabalhadoras permaneceu
“essencialmente informal”.
Edna Beilenson nunca fez parte do CPW, nem Evelyn
Harter, a segunda das três integrantes do Comitê. Se
Beatrice Warde, a terceira integrante, tinha recebido uma
afiliação honorária no clube, não há registros. Na verdade,
só duas colaboradoras de Bookmaking on the Distaff Side,
Priscilla Cranne (que escreveu uma introdução aos poemas
de Anne Bradstreet) e Lucina Wakefield (que participou com
uma xilogravura colorida para um poema anônimo) foram
listadas como membras do CPW entre 1930 e 1955. E só
uma, Emily Connor da Marchbank Press, apareceu no rol de
integrantes do CPW em Antique, Modern & Swash [Antiga,
moderna & floreada], publicação que celebra os 25 anos da
organização e sua história. Emily, que tinha sido presidenta
do CPW entre 1932 e 1933, é uma das seis mulheres citadas
no ensaio de Annie L. Green “A Few First Ladies in Printing in
New York in the Twentieth Century” [Algumas das pioneiras
da indústria gráfica de Nova York no século XX].
As razões de haver tão poucas interseções entre as duas
organizações (uma alegando informalidade enquanto tinha
escritórios e reuniões regulares, a outra não apresentando
uma estrutura formal) não estão documentadas. Um motivo
pelo qual não se pode duvidar é a geografia; o nome
completo do CPW era Club of Printing Women of New York e
algumas mulheres simplesmente moravam em outros
lugares. Sem filiais do clube, não havia incentivo para que
as mulheres participassem à distância. Dado o desafio
presente dentro do CPW, de identificar sua constituição
central por outros critérios além do gênero, algumas
mulheres podem ter tido dificuldades de se verem na
organização. Mulheres cuja ocupação principal era parte dos
negócios de seus maridos, por exemplo, podem ter decidido
não se alinhar às profissionais do clube. Marie Carré Phelps,
autora do ensaio “Bookbinding in the Home” [Encadernação
em casa], que falava sobre preencher seu tempo livre como
uma encadernadora autodidata, provavelmente não se veria
como integrante de uma organização de mulheres
profissionais. (Embora se apresente com modéstia, ela
menciona que aprender encadernação a levou a se
interessar por “fabricação de papel, ilustração, iluminuras e
xilogravura” e que pesquisou todos esses temas como parte
de seu trabalho.) Ruth Shepard Granniss, que contribuiu
com um ensaio curto, mas com uma pesquisa considerável
sobre a história das mulheres na impressão, “Printer Maids,
Wives e Widows” [Servas, esposas e viúvas da impressão],
era bibliotecária no Grolier Club e, por isso, se enquadrava
numa categoria muito auxiliar para ser aceita no CPW.
Edna Beilenson que morava e trabalhava em Mount
Vernon, uma cidade nos arredores de Nova York, não estava
muito fora do alcance geográfico. Ela começou a trabalhar
na Peter Pauper no mesmo ano em que o CPW foi fundado,
em 1930, e pode não ter se visto como parte de uma
organização profissional naquele momento de sua jovem
carreira (ela tinha 21 anos quando se casou com Peter e
começou na editora).
Mas a falta de interação entre o CPW e a Distaff Side é
intrigante. A contribuição modesta do CPW em Bookmaking
on the Distaff Side (quatro páginas, como mencionado,
contendo quatro parágrafos em uma fonte preta simples
acompanhados de um título tipográfico que dizia apenas
“CPW”) poderia sugerir que as duas organizações tinham
perspectivas e objetivos diferentes. Por outro lado, a
simplicidade da participação do CPW podia ser um reflexo
do foco das integrantes em aspectos administrativos em vez
de gráficos.
O CPW também colaborou, mais uma vez modestamente,
com a publicação seguinte da Distaff Side. Goudy
Gaudeamus, lançado com tiragem de 195 exemplares em
1939, era uma celebração ao amado designer de tipos
Frederic Goudy depois que um incêndio destruiu sua gráfica,
a Village Press. (Foi o segundo incêndio que dizimou
completamente a oficina. O primeiro aconteceu quando
Edna Beilenson ainda estava viva.)
Goudy Gaudeamus é outro livro-festa-americana. Dessa
vez, quatro mulheres assinaram a introdução: Edna
Beilenson e Evelyn Harter foram acompanhadas por Emily
Connor e Fanny Duschnes, que era, junto com seu marido
Philip, uma vendedora de livros raros de Nova York. A
introdução explica os motivos de as colaborações não
estarem limitadas às “damas”, pois pessoas de todos os
gêneros querem celebrar o famoso e querido Goudy. Além
do CPW, os Typophiles, o American Institute for Graphic Arts
(AIGA) e o Advertising Agencies’ Service Company Inc.,
todos enviaram contribuições que se intersectam com
algumas das mulheres (Jane Grabhorn, Lucina Wakefield,
três das quatro integrantes do Comitê e outras) que
participaram do primeiro livro. A publicação ainda contém a
reprodução de uma pequena carta de condolências sobre o
incêndio, juntamente com votos de feliz aniversário da
primeira-dama Eleanor Roosevelt.
O contexto do lançamento do livro foi muito
impressionante. Concebido depois do incêndio, em meados
de janeiro, foi apresentado no jantar da Distaff Side em
homenagem a Goudy em seu aniversário de 74 anos, em 8
de março de 1939. O cardápio sofisticado (frutas tropicais
da Flórida, pombo recheado e gratinado à la Polonaise e
bolo de chocolate com café ao rum, entre outras iguarias) e
o baile foram supervisionados pela mestra de cerimônias
Edna Beilenson, que recebeu uma menção em maiúsculas
no programa impresso, com as outras três integrantes do
Comitê da Distaff Side dividindo as demais
responsabilidades. O nome de Edna, junto de grande parte
do restante do programa, foi composto em Truesdell Italic,
uma fonte desenvolvida por Goudy em 1930. Os desenhos e
matrizes foram totalmente perdidos no incêndio de 1939.
Embora as publicações da Distaff Side tenham sido
interrompidas durante a Segunda Guerra Mundial, as
mulheres “patrocinaram um imenso festival de livros”
depois que um “cheque substancial” foi enviado ao Bundles
for Britain[7]. Em 1950, a Distaff Side publicou seu terceiro e
último livro-festa-americana A Children’s Sampler [Uma
amostra infantil]. Com o subtítulo Selections from famous
children’s books, printed with care and solicitude by the
ladies of The Distaff Side [Seleções de livros infantis famosos
impressos com carinho e dedicação pelas damas da Distaff
Side], no ano da glória de 1950, o livro contém 14 seções
com trechos que vão do trabalho original de Anne Lyon
Haight (“Morals, Manners, Etiquette and the Three R’s from
the Sixth to the Sixteenth Century” [Moral, boas maneiras,
etiqueta e os três Rs do século VI ao XVI]) a amostras de um
livro imaginário do renomado designer W. A. Dwiggins para
“Five Chinese Fairy Tales” [Cinco contos de fada chineses].
Embora Anne e Jane, colaboradoras das duas edições
anteriores da Distaff Side, também tenham participado
desse livro, vários nomes são novos. A introdução é assinada
só por “Edna Beilenson em nome do The Distaff Side”. E ao
mesmo tempo que ela afirma o “caráter altruísta” das
mulheres da Distaff Side, que tinham dedicado “seu tempo,
dinheiro e energia impiedosamente em um espírito de
cooperação que foi visto em cada projeto até a conclusão”, a
falta de assinaturas na introdução, a quantidade da tiragem
(375 exemplares) e a aparência muito mais habilidosa e
bem cuidada de A Children’s Sampler sugerem que a
principal idealizadora do projeto era Edna, com a ajuda de
algumas amigas bem relacionadas no design gráfico e na
impressão. Todos os lucros foram direcionados para crianças
com problemas cardíacos. Diversos títulos apareceram de
tempos em tempos se dizendo relacionados à Distaff Side,
mas, em resumo, o legado delas consiste principalmente em
seu primeiro livro, junto dos outros dois títulos adicionais.
Edna se tornaria a primeira mulher a presidir o American
Institute of Graphic Arts, entre outras honras. Após a morte
de seu marido em 1962, ela manteve a Peter Pauper Press
funcionando e continuou a publicar até a sua morte em
1981.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Um discurso tipográfico para o lado não masculino
da edição, um livro feito por mulheres
Um discurso tipográfico para o lado não masculino da edição, um livro feito
por mulheres do laboratório tipográfico de Jane Grabhorn
Jumbo Press, São Francisco, 1937

A poderosa elefoa
agora está
em movimento

PREFÁCIO
Louca,/ abandonada,/ a Jumbo Press está
revolucionando o mundo editorial/vir
ando de ponta/cabeça de pernas pro ar, ex
pondo todo seu feitiço/mandinga, e se des
pindo de todo salamaleque e de todo seu gla
mour. A Jumbo faz cair a máscara do ti
pógrafo Médico/Curandeiro e seus discí
pulos os verão como eles são: farsantes cam
baleantes pomposos, papagaiando con
ceitos e transpirando decadência.
Três princípios tipográficos
desenvolvidos no laboratório da Elefoa
Os princípios são 3 (ver Um guia e Man
ual para gráficos amadores):
1/ não hifenize as palavras. Isso n
ão é por causa do efeito inusitado ob
tido e portanto chama a atenção, m
as por causa da bela lógica de tal pr
ocedimento. Considerem essas ideias, sen
horas, e permitam que qualidades tão pecu
liares das mulheres/ coragem, imaginaç
ão, adaptabilidade & o desejo de experim.
entar/ dê espaço a elas e deixe que os res
ultados sejam cáusticos, páginas decoradas
com tipos caídos do céu do papel e da tinta.
Não tenham gosto por imitar bonecas de pano es
tufadas com memórias cantando “antes de p e
b, só com m posso escrever” nem desperdicem horas
preciosas separando sílabas e franzindo su
as belas sobrancelhas finas. Agora que o cho
que inicial passou, você não lê isso com natur
alidade? (tudo bem, tudo bem mas nem o próp
rio Gutenberg resolveu aquela interrogação no f
im daquela linha). Segue um resumo deste imp
ortantante princípio em verso para as jovens:
Não estupre suas palavras
em vergonha ou embaraço//
pois o hífen é no máximo um trav
essão emasculado//
É melhor ser uma editora cor
ajosa
E deixar as palavras caírem com
o querem quando chegar a hora.
FIM DO PRINCÍPIO NÚMERO UM

Princípio número dois


considerações sobre o tema
técnica e a falácia de sua ênfase exces
siva. Tudo bem saber os nomes dos tip
os & ser capaz de reconhecê-los com
um olhar; deve ser uma grande satisfaç
ão conhecer a matemática e a teoria d
os tamanhos das fontes. Mas é tolice des
perdiçar muito tempo com isso. O que com
bina com Garamond? Tudo e qualquer coisa.
Bodoni? Aí já é diferente; a Bodoni desap
areceu. Mas uma boa página deveria ter, p
or exemplo a fonte Goudy black, Italian Oldstyle
em itálico, Garamond em caixa-alta e um amper
sand em Centaur; numa sucessão rápida,
Caslon Janson Deepdene Poliphilus Lutetia / e
por aí vai até a folha ser preenchida. Impressores
soam assim enquanto meditam sobre o
“design” da folha de rosto (sempre a pág
ina de abertura; poucos impressores se importam
de refletir sobre uma página de texto):
“O que você acha dessa página?”
“Tá ótima, Jo. Uma pena que esses
tipos não combinam juntos, senão
poderíamos usá-la.”
A própria Jumbo sofre com a presunção
de seu companheiro /um sujeito orgulhoso/
que há muitos anos se tornou um entend
ido da vida e das obras de todos os impres
sores desde a invenção da prensa. Ele tamb
ém pode identificar o nome de um tipo e encontrar o
ponto da fonte a 9 metros de distância. Es
se macho maravilhoso também interrom
pe a Jumbo periodicamente e comenta sobr
e um grupo de algarismos apavorantes evid
entemente diagramados para demonstrar
com quanta tranquilidade uma pessoa, contan
to que tenha informações privilegiadas, pode
usar determinados tamanhos de espaço
com fontes de diferentes tamanhos e tudo
vai caber. Ou algo do tipo. Da parte da Jumbo,
ela procura por aí até encontrar al
go que queira. E com que alegria &
fanfarra ela celebra quando encontra! As
vigas estremecem com o som da alegria
da pequena elefoa.
Não se deixe amarrar como burros
e bobos
por espaços-eme, picas e regras dos homens
que os homens chafurdem neste tipo de insi-gnificância,
e para as mulheres a liberdade da ventania
e da errância
FIM DO PRINCÍPIO NÚMERO DOIS agradeça & respire fundo

Princípio número três


sobre correções e as pessoas que as fazem
No que diz respeito a correções, os sentimentos fortes
da Jumbo são: não faça. A maior emoção do Leitor
é intervir nas páginas. Ele vai riscando o livro esp
ecialmente como se fosse um editor, riscando um ‘o’
aqui, colocando um ‘t’ ali/ até mesmo fazendo anot
ações isso não é verdade!!! com um floreado. Se
ele não for um editor, também ele fará várias afir
mações sobre tipografia. Se for um editor, ele di
rá que não há tinta suficiente ou que tem tinta dem
ais. Se ele tiver o verdadeiro espírito de um colecio
nador (doença predominantemente masculina), ele
se sentará e escreverá uma longa carta presunçosa
para o editor observando todos os erros & concluirá
ansiosamente: “estes são apenas alguns dos erros
mais sérios; o tempo não me permite listar todos”.
Ele quer dizer que não encontrou mais nenhum, é
claro, mas deixemos ele pra lá. É quase um passa
tempo pitoresco para as pessoas hoje em dia. A id
eia de que algo tão inofensivo poderia divertir
um grupo considerável de seres humanos nestes
tempos de prazeres sinistros deve ser encorajada.
A gentil impressora deixa as coisas
como estão. Escute a filosofia da Jumbo:
De outras elefoas, essa aqui difere
essa elefoa sempre esquece
os erros e os espaços imensos
que em cada página ela comete.
A vampira e a querida
sacerdotisa do
modernismo
Ida Börjel
“Como eu disse, um motor de carro funciona, mas meu
interesse, meu principal interesse como artista não era
aonde o carro vai enquanto está indo, mas o movimento
dentro do que é a essência dessa ida.”
Gertrude Stein, Portraits and Repetition (1935)

“Estamos de acordo: uma correspondência


desencontrada nos enreda uma a uma, todas com o
todo.”
Laura Riding, A Letter to Any Friend (1935)

Em 1929, a palestra de Gertrude Stein An Acquaintance


with Description [Um conhecimento com descrição] foi
publicada pela poeta, ensaísta, crítica, escritora (e mais
tarde teórica da linguagem) Laura Riding e pelo poeta
Robert Graves. Na época desse lançamento, os dois eram
proprietários e administradores da Seizin Press há dois anos.
No coração, ou pelo menos no meio, do apartamento deles
na Praça St. Peter em Londres, ficava uma prensa manual
Crown Albion, equipada com uma fonte Caslon. Não era o
modelo mais recente, mas funcionava muito bem.
A Albion era confiável, embora não fosse especialmente
leve. Ainda assim, era mais leve e menos trambolhuda do
que outras prensas manuais, como a Stanhope. A Albion era
conhecida por ser poderosa, até demais, especialmente
quando se tratava de imprimir materiais pequenos. A Albion
se tornaria uma das prensas mais populares no Reino Unido,
semelhante ao modelo Washington nos Estados Unidos. A
Albion tinha uma alavanca articulada um pouco diferente.
De modo geral, ela era mais compacta, mas, para amadores,
não era tão fácil de manusear.
Paciência, paciência. Vyvyan Richards, uma amiga que
praticamente morou na casa dos Riding-Graves por vários
meses; se tornou mentora deles, ensinando-os a imprimir e
dando conselhos. Uma vez que ela tinha uma prensa móvel,
sabia bem o que estava fazendo.
Laura e Robert tinham usado o adiantamento de um dos
livros dele para pagar pela Albion. Eles provavelmente
lidavam com bastante intromissão de editores em seu
trabalho, vários erros de impressão e problemas nas
negociações comerciais. O desejo de uma ação contrária já
estava evidente nas publicações A Survey of Modernist
Poetry [Um levantamento da poesia modernista] (1927) e A
Pamphlet Against Anthologies [Um panfleto contra
antologias] (1928), que se tornariam cruciais para a escola
da Nova Crítica da teoria literária estadunidense. Talvez
Laura tenha se cansado de ser acusada de ser obscura,
como escreveu no prefácio de The Progress of Stories [O
progresso das histórias] (1935), de ser feita de bode
expiatório “para a incapacidade de as pessoas entenderem o
que elas só fingem saber”.
Na época, como Jerome J. McGann escreveu em seus
estudos sobre o Modernismo, Black Riders, de 1993, estava
florescendo algo próximo de um movimento de editores
independentes que, de posse de suas prensas manuais, se
opunham à produção comercial dos livros e das grandes
editoras. A maioria das grandes editoras não dava atenção a
gêneros além dos romances, e os leitores contemporâneos
queriam mais páginas por menos dinheiro.
Seizin. A palavra é um termo arcaico para posse,
propriedade. Tomar os meios de produção e, ao fazer isso,
também assumir o controle das condições de produção.
Buscar espaço para o livre pensar – para criar as condições
que libertam a forma do pensamento da forma da página do
livro, ou das demandas de um livreiro. No comando de uma
editora independente, os tensionamentos de gêneros
literários de Laura, suas quebras de página e concepções de
como o design deveria ser eram demandas acomodadas
dentro do processo criativo, de modo que a ideia não
precisava se contorcer para se ajustar aos padrões
tradicionais.
Uma nova forma de fazer as coisas, mas com velhos
métodos? Em termos puramente financeiros, os resultados
eram medíocres, ruins até. Considerando o preço, quais
custos deveriam ser aceitos? De qualquer jeito, Laura queria
publicar “livros necessários para pessoas específicas”,
“decididamente não destinados a colecionadoras, mas para
aquelas interessadas na obra em vez da edição”. Primeiro,
ela publicou um título de sua autoria: o livro número um da
Seizin foi Love as Love, Death as Death [Amor como amor,
morte como morte] (1928), com 64 páginas em uma
tiragem de 175 exemplares (um número considerável na
época).
O segundo livro da Seizin veio a ser An Acquaintance with
Description, em 1929. Dois anos antes, Laura tinha
publicado um ensaio no jornal de vanguarda transition,
intitulado “Gertrude Stein and the New Barbarism”
[Gertrude Stein e o Novo Barbarismo], no qual a poeta, com
grande ambivalência, escreve que Gertrude “é talvez a
única artesã da linguagem que já teve sucesso ao praticar o
barbarismo científico literalmente. Suas palavras são
primitivas no sentido de que são nuas, inamovíveis,
posicionadas matematicamente, abstratas”. Gertrude era a
única que ousava ser simples, primitiva, burra e bárbara o
suficiente para ter sucesso no barbarismo, afirmou Laura,
acrescentando que Gertrude era “a querida sacerdotisa do
modernismo […] se ao menos o tempo dela soubesse disso”.
Os bardos da história, neste caso os respectivos biógrafos
de Laura Riding e de Robert Graves, apresentam relatos
divergentes das origens do manuscrito de Gertrude Stein.
De acordo com Richard Perceval Graves, eles viajaram para
se encontrar com Gertrude no verão de 1928, e esta,
envolvida pelo magnetismo sexual de Laura, imediatamente
escreveu um livro para o casal. Entretanto, em A Mannered
Grace: The Life of Laura Riding Jackson [Uma graça
abrandada: A vida de Laura Riding Jackson], Elizabeth
Friedmann afirma que elas vinham se correspondendo
desde a publicação da crítica de Laura ao trabalho de
Gertrude, e isso criou nas duas o desejo de se encontrarem.
Quando elas finalmente se reuniram em Paris, no verão de
1928, já tinham concordado em publicar An Acquaintance
with Description pela Seizin.
Em A autobiografia de Alice B. Toklas[1], surge outra
versão: “Foi durante esse verão que Gertrude Stein começou
dois textos longos… O primeiro se tornou An Acquaintance
with Description, que depois seria publicado pela Seizin
Press. Na época, ela começou a descrever paisagens como
se qualquer coisa que ela visse fosse um fenômeno natural,
algo existente em si, ela achou esse exercício muito
interessante e no fim ele a levou à sua futura série Operas
and Plays. Tento ser tão banal quanto posso, ela costumava
me dizer. E às vezes um pouco preocupada, isso não é muito
banal”.
Seis meses depois, no início de 1929, Laura viu seu trisal
se desintegrar. Em desespero, ela bebeu Lysol na frente de
Robert Graves, da esposa dele e do poeta irlandês Geoffrey
Phibbs, e então se jogou de uma janela do quarto andar. Há
registros de que Robert pulou logo atrás dela, mas do
terceiro andar. Os dois sobreviveram; a polícia a chamou de
“vampira”. Laura quebrou o osso pélvico e fraturou sua
coluna. Disseram que ela não conseguiria voltar a andar
outra vez, mas ela se recuperou miraculosamente. Há
relatos de que Laura, chapada de morfina e convalescendo
na cama, chamava por Gertrude, que logo enviou uma
resposta para ela em uma carta para Robert: “Laura é tão
pungente e tão direta que ela te atinge na sua ternura assim
como nos seus interesses, e eu estou com o coração
totalmente partido por causa dela. Mas diga a ela e continue
repetindo que nós a queremos conosco. Eu tinha um
sentimento infeliz de que cedo ou tarde Laura teria alguma
grande desilusão e isso teria que trazer à luz uma certa
vulgaridade e isso fará de Laura uma pessoa muito
maravilhosa de um jeito estranho, uma destruição e
recriação da purificação dela, mas tudo isso não ajuda com
a dor e eu tenho muito carinho por todos vocês. Diga a ela
tudo e mais um pouco sobre mim e, acima de tudo, diga a
ela que muito em breve, dentro do que é razoável, ela virá
ficar com a gente e todo o meu amor”.
Laura descreveu a situação em um dos primeiros poemas
de sua convalescência:

O que dizer quando a aranha


diz quando a aranha o que
a aranha faz o que

Faz morre não morre


não vive e então não
pernas pernas então nada

Um pouco antes, ou não muito depois, Laura publicou An


Acquaintance with Description. Gertrude Stein assinou
pequenos cartões que foram enviados a Londres para serem
encartados nos exemplares. O livro tinha 50 páginas e foi
impresso numa edição limitada de 225 cópias. A capa foi
elaborada em branco osso, 14 × 21,5 cm e, na lombada, as
letras douradas reluziam.
Após a escandalosa tentativa de suicídio, Laura Riding e
Robert Graves escaparam dos círculos londrinos, levando
seu amor e sua prensa manual, com todo o seu peso – 800
kg – para uma casinha em Deià, Maiorca. Insumos eram
enviados pelo correio regularmente de Londres. Laura
começou a planejar um catálogo mais amplo, incluindo
títulos mais complexos e mais comerciais. A Seizin passou a
fazer parte de uma aliança com a editora londrina
Constable, uma colaboração que duraria até 1937. A
parceria produziu a revista Epilogue, que graças ao trabalho
de Laura como editora contava com uma composição
incomum de literatura, crítica social e cultural, que viria a
ter uma grande influência nos círculos literários no
entreguerras.
Como era a rotina na prensa? Na réplica à carta de uma
amiga, Laura respondeu: “Como é? Como é qualquer coisa
que você conhece, ou não? […] em papel comum […]
Impresso por mim e por Robert […] Sim, eu coloco a tinta,
ele prensa, nós remendamos o que saiu cinza […] Ou
limpamos as letras que estão manchadas […]”.
Era financeiramente viável? An Acquaintance with
Description foi vendido por 11 xelins e 6 pences na livraria
William Bain em Londres. Nos anos 1920, um romance novo
custava em torno de 8 xelins e 6 pences, o que era um
quinto do pagamento semanal de um trabalhador na
indústria. Livros de não ficção eram ainda mais caros. A
precificação dos livros da Seizin basicamente os colocava
fora do alcance da classe trabalhadora. Provavelmente
pessoas alinhadas às políticas radicais não estavam entre
aqueles que Laura Riding queria alcançar. O conceito, como
ela o descreveu, era voltado a pessoas leitoras e escritoras
com um interesse especial.
An Acquaintance with Description pode ser interpretado
como um comentário peculiar de Gertrude Stein à discussão
ontológica de seu antigo professor William James em sua
grande obra The Principles of Psychology [Princípios de
psicologia] e Knowledge by Acquaintance and Knowledge by
Description [Conhecimento por contato e conhecimento por
descrição], de Bertrand Russell, nos quais os dois investigam
a questão do que podemos afirmar que sabemos quando
tomamos conhecimento de algo por meio de uma descrição
versus o que podemos dizer que sabemos via contato direto.
Por meio da práxis, Stein mostra que as frases podem ter
significados sem se referir a nada que conhecemos como
verdadeiro. Uma sentença pode ser considerada falsa sem
ser nonsense. A investigação dela é empírica, prática e
focada na percepção da realidade concreta – ficando longe
de alegorias, metáforas e escolhas de palavras complexas.
Talvez fosse a ideia de que o Modernismo demandava um
novo tipo de narrativa que unisse Laura Riding e Gertrude
Stein. A conexão entre elas começou e terminou via troca de
cartas. Carismáticas, independentes, afiadas, precursoras e
intratáveis em seu fazer artístico e talvez em suas visões de
si mesmas – é um tanto surpreendente que haja tão pouca
pesquisa sobre influências mútuas e sua colaboração.
Suas cartas são cheias de conversas sobre a escrita de
cartas. Essa era uma época em que antologias epistolares,
como a popular Everybody’s Letter-Writer [Cartas de
escritores para todo mundo], ensinavam a arte de escrever
cartas – e as pessoas realmente escreviam um grande
volume de correspondências. O livro de Laura Riding, Four
Unposted Letters to Catherine [Quatro cartas não enviadas a
Catherine] (Paris, Hours Press, 1930, 200 exemplares) era
repleto de conselhos sobre a vida para a filha de Robert
Graves, que tinha 8 anos de idade, como “As pessoas
cuidam de si mesmas quando são elas mesmas”. A segunda
edição era dedicada a Gertrude, com as palavras: “Querida
Gertrude./ A função da Opinião é ser aquela que não será
postada. Como você odeia Opinião e ama Tudo O Que É
Postado, você deve aplaudir meu gesto de não enviar essas
cartas, contudo deve deplorar que eu as tenha escrito. /Com
amor, /Laura”. Ela supunha que Stein não gostaria da
publicação de algo que deveria ter permanecido na esfera
privada, e então escolhe o confronto – ao publicar.
Em uma outra carta para Gertrude, ela escreve que
embora não houvesse polêmica, pedia uma contribuição
para o que se tornaria a antologia epistolar e pesquisa de
Everybody’s Letters [Cartas de todo mundo] (1933): “Estou
fazendo um Compêndio Todo de Cartas Verdadeiras […] Se
você se deparar com algumas boas que não precisem de
muita edição e os autores tenham morrido […] deve haver
milhares de cartas verdadeiras que atendam a ambos os
critérios e anseiam pelo reconhecimento em Paris”.
Everybody’s Letters é uma reunião de cartas
contemporâneas de amigos e conhecidos (com os nomes
alterados). Várias dessas cartas são desconhecidas, por
exemplo a da jovem viúva norueguesa que escreve a história
de sua vida para um romancista britânico depois de ter lido
apenas um dos livros dele. “Envio essa carta para você para
compartilhar informações e você pode fazer o que quiser
com ela”. Laura categoriza a carta dela entre as “cartas
universais”, definidas como aquelas que a escritora escreve
para contar histórias para si mesma, “como se fosse a
fascinação personificada de todos os ouvintes imagináveis”.
Em uma carta universal, ela destaca a relação entre quem
escreveu a carta e quem a receberá, que ainda não começou
ou já terminou, e o que acontece com a carta, se é enviada
ou não, é o menos importante. Outra questão que
interessava Laura era como a literatura se distinguia da
escrita de cartas quando quase todas as pessoas podem
escrever cartas. Ela responde: onde uma carta pode ser
“humana e odiosamente inteligente”, a poesia faz outra
coisa e pode ser “humanamente estúpida e desprovida de
arte”. Além disso, ela argumenta, cartas são escritas para
liberar a tensão emocional, enquanto poemas geralmente
são criados para formular uma intensidade intelectual. Ela
acrescenta: “Você deve concordar comigo que a relação
entre correspondentes é inamistosa, embora a essência
mágica das cartas consista numa ocultação amigável do
fato”.
Everybody’s Letters, de Laura Riding, e Everybody’s
Autobiography [A autobiografia de todo mundo], de
Gertrude Stein, publicada em 1937 (na sequência do
sucesso de A autobiografia de Alice B. Toklas). Uma
coincidência que parece intencional. Por que elas
procuravam uma à outra, onde a correspondência delas as
levou e por que elas se afastaram? De acordo com uma
versão, Laura perdeu a paciência com uma das últimas
cartas de Gertrude, que eram páginas e páginas sobre seu
cão, o poodle Basket, e o jeito como ele lambia a água. Dali
em diante, e até o fim de sua vida, Laura escreveria sobre a
obra e a personalidade de Gertrude com críticas severas. De
acordo com outra versão, foi Gertrude quem parou de
responder às cartas de Laura, e a descrição de um cão
bebendo água era na verdade uma referência à sua poética
contínua e sua distinção entre frases e parágrafos.
Em 1933, Laura escreveu para seu amigo e colega Jacob
Bronowski que a Seizin pararia de publicar. “Em geral é
muito caro e um negócio que consome tempo demais para
nós aqui…”. Roderick Cave observa em The Private Press
[Prensas privadas], um livro sobre pequenas gráficas e
editoras dessa época, que a necessidade de viabilidade
comercial e o aumento da demanda por títulos populares
significavam que pequenos selos se tornaram dependentes
de editoras maiores e de suas capacidades gráficas, o que
frequentemente levava à morte das pequenas editoras.
Laura Riding e Robert Graves deixaram sua casa em
Maiorca em 2 de agosto de 1936, poucas semanas depois do
início da Guerra Civil Espanhola. Eles só podiam levar uma
mala de bordo no navio de guerra. A velha prensa manual
foi deixada para trás. O último livro com a assinatura
Seizin/Constable foi A Trojan Ending [Um final troiano]
(1937), de Laura.
Dez anos depois, Laura se afastaria publicamente da
poesia, alegando que ela era incompatível com a verdade.
Em vez disso, ela se dedicou à administração de uma
fazenda de frutas cítricas na Flórida, que ela, agora
chamada Laura (Riding) Jackson, comandava junto com
Schuyler B. Jackson para financiar a obra de sua vida, um
tesauro com o objetivo de destilar cada palavra a uma única,
inerente e verdadeira definição. Rational Meaning: a New
Foundation for the Definition of Words [Significado racional:
Um novo fundamento para a definição de palavras] foi
publicado pela editora da Universidade da Virginia, em
1997, após a morte da autora.
No entanto, Laura publicou mais um livro após seu
afastamento, em 1967, seu verdadeiro manifesto, The
Telling [O significativo], no qual ela defende a necessidade
de um modelo diferente de relato: “Nós podemos nos
defender melhor daqueles que nos encarcerariam todos
numa prisão de um destino encolhido… conhecendo nossa
história desaparecida, habitando-a, como um lar para o
nosso pensamento. Deixar que sejamos mexidas a ponto de
trazer nossas almas completamente até nós mesmas, e falar
a verdade a partir deste eu-alma uns para os outros e para
nós mesmos. Para derrotá-los, nós só precisamos contar a
nossa verdade, que também é a deles”. Ela prossegue:
“nossa verdade não pode ser contada inteiramente, contada
desde o início, a menos que a contemos para outro alguém”.
Por outro lado, Gertrude Stein continuou sua própria busca
pela verdade depois da sua troca com Laura Riding, por
meio da investigação e da representação da descrição.
Conforme ela já tinha destacado em seu imenso The Making
of Americans [O modo de ser dos americanos] (1925): “Eu
estava começando a perceber que tudo descrito não faria
mais do que contar tudo o que eu sabia sobre qualquer
coisa porque eu deveria contar tudo o que eu sabia sobre
qualquer coisa, afinal de contas eu não sei tudo o que eu
sabia sobre tudo”.
Ela não parecia se preocupar particularmente com Laura e
com suas simpatias e aversões interpessoais. Ela encontrou
seu desejado e duradouro sucesso com A autobiografia de
Alice B. Toklas, publicada pela primeira vez em Nova York
em 1933 pela Harcourt, Brace & Co. Não consegui rastrear
qual prensa foi usada. Mas a edição original do livro pode ser
visualizada online, com descrições como: “Condições do
livro: boas. Primeira edição. Identificada como a 1ª edição. A
capa está curvada ou foi enrolada. Tecido da lombada
escurecido. Pontas amassadas. Nome do proprietário
anterior escrito em tinta na primeira guarda. Pequena
anotação de lápis azul no lado do cartão da guarda. A
encadernação está firme e as páginas estão limpas”.
Todavia, do seu jeito, Gertrude Stein ofereceu um relance
de sua relação com sua amiga/inimiga/colega/competidora
em How to Write [Como escrever] (1931), em tradução livre:
“Um adjetivo precisa ser encarado. Um adjetivo no som
baseado em fugas. Deixe as estradas livres. Elas ficarão
satisfeitas. Cobri-las com quem está só ali. Talvez elas terão
tido um adjetivo. May Rider. Mary Riding. Minna Riding,
Martha Riding, Melanchta Riding. Muito obrigada.”[2]

A prensa Albion na qual Laura Riding e Robert Graves imprimiram vários de seus
trabalhos sob o selo Seizin Press em sua casa em Deià (Maiorca, Espanha).
Licença Creative Commons de compartilhamento 4.0 Internacional. Fotografia:
Manuel Ramirez Sánchez.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
texto de Gertrude Stein
Eu me lembro e isso foi há muito tempo, eles estavam falando sobre
automóveis e estavam dizendo o que era um e o que era o outro e um
homem lá que tinha tido automóveis desde o começo e disse bem tudo o
que eu posso dizer sobre automóveis talvez seja que uns são melhores que
os outros mas todos os automóveis são bons. É assim eu me sinto em
relação à impressão desde que as prensas imprimam palavras eu gosto
delas quando elas imprimem minhas palavras eu gosto muito mais
naturalmente mas todas as palavras têm que ser impressas e eu gosto
quando estão sendo impressas. Para ser exata, eu tenho sentimentos em
relação a margens, eu não gosto das grandes, gosto das pequenas, você
pode dizer que isso é natural pois eu gosto que palavras sejam impressas e
quando as margens são grandes você tem menos delas, devo dizer que eu
gostava imensamente da editora da Geographical History of America, é
provavelmente a melhor impressão que eu já vi de livros puramente
comerciais, mas ainda que com margens grandes se tenha menos palavras
do que com as pequenas eu gosto do jeito como a página parece melhor
com as muito pequenas, eu até sonhei que não havia margem nenhuma,
mas então não haveria livro, e então fiz Maurice Derantiere imprimir quase
sem margem nenhuma e era um livro. Deixe-me ver o que mais sobre
impressão quando eu era mais nova meu irmão e eu tínhamos uma prensa
bem pequena mas nunca conseguimos fazer nada além de imprimir cartões
de visitas eu não acho que imprimimos quaisquer palavras que não fossem
nomes e nunca desde então imprimi mais nada. Livros estadunidenses têm
uma aparência muito diferente dos ingleses e dos franceses, eu imagino que
gosto mais dos estadunidenses, naturalmente.
Gertrude Stein
Uma baita ideia:[1]
gráficas feministas e
Movimento de Libertação
das Mulheres na Inglaterra
Jess Baines
A cultura da impressão era central para o Movimento de
Libertação das Mulheres (MLM), que cresceu e se espalhou
pela Inglaterra nos anos 1970, com uma gama de flyers e
newsletters, pôsteres e panfletos, revistas e livros que
constituíam uma parte vital da dissidência na esfera
pública[2]. Coisas novas estavam sendo ditas, imaginadas e
descobertas. Novos discursos eram construídos e
contestados. A linguagem estava sendo desmontada como
uma ferramenta de opressão, e as palavras enquanto
discurso, conversa, poesia, informação e polêmica eram
concebidas de outra maneira, como instrumentos de
libertação. A principal tecnologia para disseminação de toda
essa verborragia, assim como as imagens concomitantes,
era a impressão. No entanto, para grupos autônomos de
mulheres adotando ideias impopulares, os recursos
disponíveis eram inicialmente restritos. O “Women’s Lib” era
ridicularizado e criticado com frequência na cultura
mainstream – sentimentos que se refletiam no mercado
editorial e gráfico. Imprimir também era caro. O mimeógrafo
de segunda mão ou emprestado desempenhava um papel
importante nessa insurgência, mas suas capacidades eram
limitadas em termos de quantidade, qualidade e formato. O
MLM precisava de uma gráfica toda sua ou, melhor ainda, de
gráficas. Para as feministas, comandar suas editoras e
gráficas significava assumir o controle dos meios de
produção e, principalmente, da representação. “Estávamos
convencidas de que para sermos ouvidas, para que nossas
palavras fossem publicadas, nós teríamos que controlar o
processo de publicação. E, para nós, naquela época, isso
significava aprender a imprimir”, disse Sheila Shulman da
Onlywomen Press[3]. No fim dos anos 1970, havia uma série
de gráficas feministas independentes administradas por
mulheres espalhadas pelo Reino Unido e o arco da
existência coletiva delas refletia a situação do MLM[4]. Neste
ensaio, eu rascunho uma breve história do que poderia ser
chamado de um movimento de mulheres na impressão na
Inglaterra naquele momento, das motivações e das formas
que assumiu até os desafios que encarou. O foco aqui é
principalmente as gráficas offset menos estudadas (porém
mais difundidas), em vez de ateliês de impressão de
pôsteres em serigrafia[5], embora eles certamente sejam
parte da história e recebam menções no texto. Uso
informações reunidas pela minha pesquisa de doutorado[6],
que teve origem no meu envolvimento com gráficas
feministas independentes e com gráficas “mistas” de
esquerda e em um desejo de entender mais aquilo com que
passei tantos anos envolvida.
O MLM na Inglaterra começou a se unir no fim dos anos
1960, quando pequenos grupos de mulheres começaram a
organizar “grupos de formação de consciência” e fundaram
o Ateliê da Libertação das Mulheres em Londres. Assim foi
fundada a revista Shrew, que circulou regularmente entre
1969 e 1974, com algumas edições especiais após esse
período. A Shrew foi produzida por diferentes grupos de
mulheres por todo o país, cada um ficava responsável por
uma edição específica. Como a revista era impressa, nos dá
uma percepção inicial do surgimento das gráficas feministas
independentes. Ao longo do primeiro ano, normalmente, a
revista era mimeografada, para então ser impressa em
offset por várias gráficas de esquerda até 1974. Na edição
de verão daquele ano, um anúncio na revista propunha uma
nova possibilidade: “Vamos imprimir a Shew nós mesmas da
próxima vez. Uma gráfica feminista está se formando”[7]. É
provável que a gráfica tenha sido a Women in Print,
localizada em Londres, que começou suas atividades em
1975. Naquele momento, as mulheres que deram início à
Onlywomen Press também estavam recebendo treinamento
em impressão em uma das universidades londrinas e
imprimindo materiais feministas nas máquinas dessas
instituições – mas ainda assim havia objeções[8]. A
Onlywomen finalmente montaria sua gráfica em 1978. Elas
deixavam claro que a gráfica era parte de uma operação
editorial, e a maioria das mulheres envolvidas também era
escritora. Enquanto isso, em 1976, um grupo de feministas
tinha assumido o comando de uma gráfica comunitária em
Manchester: a Moss Side Community Press se tornou a Moss
Side Women’s Community Press (também conhecida como
Amazon Press). Mais tarde aconteceriam outras
“conversões”, como a Bradford Printshop, Open Road em
York, Rye Express e, por um breve período, a Islington
Community Press, ambas em Londres. A Ramoth Prints foi
estabelecida em Nottingham, e, em 1979, nasceu a
Sheffield Women’s Printing Co-op. As últimas edições de
Shrew então poderiam ser, e foram, impressas por gráficas
feministas, junto de outros materiais do movimento.
Durante esse período, duas gráficas de pôsteres que viriam
a ter uma vida longa também foram montadas, a See Red
Women’s Workshop (1974) e a Lenthall Road Workshop
(1975). A maioria operava em tempo integral, utilizando
espaços baratos disponíveis em regiões decadentes no
centro das cidades, e dependiam de mão de obra gratuita
ou barata das participantes. Em 1977, havia tantas
feministas envolvidas (ou querendo se envolver) com as
gráficas e editoras do movimento que foi realizada uma
conferência nacional, a Womenprint. O evento foi realizado
em outra base que o MLM tinha formado, o Camden
Women’s Centre em Londres. A Womenprint foi organizada
pelas fundadoras da Onlywomen Press e contou com a
presença de 60 mulheres.
As gráficas feministas independentes eram uma extensão
de um fenômeno emergente mais amplo de pequenas
gráficas radicais e/ou comunitárias aparecendo em cidades
inglesas, como a já mencionada Moss Side Community
Press. Elas eram montadas para atender às necessidades de
comunicação de uma crescente atividade política de
esquerda plural após os anos 1960. Havia várias condições
que viabilizavam essa cena “alternativa” mais ampla de
gráficas, não só a oferta de espaços mais baratos
mencionada anteriormente, como também a oferta de
tecnologias de impressão acessíveis, o que é relevante aqui,
especialmente pequenas impressoras offset e a serigrafia
para a produção de pôsteres. Pequenas impressoras offset,
embora usassem a mesma tecnologia que máquinas offset
de grande formato, tinham sido comercializadas para o uso
em escritórios, como uma alternativa superior e mais flexível
ao onipresente mimeógrafo. Impressoras de segunda mão
podiam ser compradas a valores relativamente baixos e com
facilidade, e se tornaram a pedra fundamental desse campo
da impressão alternativa, incluindo muitas das novas
gráficas feministas.
A conferência Womenprint de 1977 incluiu uma série de
debates – sobre propaganda feminista, distribuição, troca de
habilidades, finanças, autopublicação e impressão, é claro.
Mulheres de todas as gráficas já citadas participaram, junto
de um bom número de feministas que trabalhavam com as
gráficas radicais comunitárias “mistas”. As apresentações
sobre as gráficas foram esclarecedoras, e uma indicação de
práticas – e ideias – que persistiu. Quero destacar aqui, em
particular, a organização e a habilidade dentro das gráficas
feministas. No relatório do evento, há a seguinte
observação: “Embora tenhamos como objetivo trabalhar
coletivamente em um arranjo não hierárquico, é difícil
eliminar padrões patriarcais de ensino e aprendizado,
especialmente quando vários níveis de experiência estão
envolvidos em ambas as etapas”[9]. Entre outras coisas, essa
declaração revela uma dimensão-chave que constituía o
caráter dessas gráficas feministas: todas eram
administradas coletivamente. Essa forma de trabalho era
um aspecto intrínseco do MLM – parte da práxis feminista
em geral. Um desdobramento comum dessa perspectiva era
o objetivo de que todo mundo no grupo fosse capaz de
fazer/aprender tudo, ou que no mínimo não estivesse
limitada a um cargo, função ou parte do processo, fosse ela
“administrativa”, “design” ou “impressão”. Em certo sentido,
esse objetivo era pragmático, para lidar com a flutuação de
membras, mas também tinha a ver com o
“compartilhamento de habilidades”, outro ideal difundido
pelo MLM. O compartilhamento de habilidades era parte do
ethos “faça você mesma” do movimento de decompor e
disseminar habilidades até então percebidas como
“especialidades”, principalmente aquelas que estavam
concentradas nas mãos dos homens. O compartilhamento
de habilidades e o autodidatismo estavam relacionados ao
empoderamento – e à autonomia. É notável que o relatório
da Womenprint afirme que “todo mundo que não pode
imprimir quer aprender”. Dentro de uma gráfica feminista, o
compartilhamento de habilidades e a duplicação de funções
também estava relacionada com uma distribuição anti-
hierárquica de conhecimento e de poder. O relatório da
Womenprint destaca como as gráficas feministas
geralmente eram um lugar para aprender como imprimir
em primeiro lugar. Como vimos no caso da Onlywomen
Press, algumas mulheres fizeram cursos de impressão, mas
isso geralmente envolvia entrar em uma arena sexista
dominada pelos homens, então com frequência o ideal para
as mulheres era uma ensinar à outra, apesar dos desafios
em potencial. Muitas se juntavam às gráficas sem
conhecimentos prévios, embora eles sempre fossem
desejáveis. No entanto, o envolvimento com o MLM era
praticamente um pré-requisito. Encorajar mulheres a
considerar a impressão como um emprego viável em geral e
pressionar os sindicatos de gráficas era algo que as
feministas começaram a fazer, especialmente o grupo
Women in Printing Trades, formado no fim dos anos 1970,
que mais tarde também patrocinou o vídeo educacional No
Set Type[10].
As motivações para se juntar a uma gráfica feminista, em
vez de outras formas de organização, eram variadas,
embora uma questão frequente fosse “fazer alguma coisa”
dentro do movimento das mulheres – e aprender a imprimir.
Da, que participou da Women in Print, se recorda: “Eu só
pensei uau, trabalhar com mulheres seria incrível... e fazer
parte de um coletivo… Comecei sem nenhuma
experiência… E pensava: assim eu posso aprender isso e vai
ser divertido e empolgante aprender uma habilidade toda
nova... Dava a sensação de que nós éramos uma parte
essencial do movimento feminista e acho que no lugar de
um pagamento havia uma verdadeira satisfação com o
trabalho”.[11]
Para outras mulheres, além de ser algo prático para o
movimento, o fato de que a impressão era considerada uma
área inacessível para elas significava que essa atividade
ressoava fortemente em suas identidades e políticas
feministas. Jo, que era integrante da Moss Side Women’s
Press, recorda: “Eu fui atraída por aprender um trabalho
manual… A impressão era um negócio muito dominado
pelos homens e de repente estava aberto para mim… era
um coletivo e tudo isso fazia com que me parecesse algo
bom pra mim… A gráfica era parte do meu ativismo”[12].
Em alguns setores do movimento de mulheres, também
havia certo prestígio em trabalhar numa gráfica, porque isso
era percebido como uma quebra dos papéis e das
habilidades atribuídas ao gênero. De acordo com Jesse, da
Sheffield Women’s Printing Co-Op, “também havia alguma
coisa em torno de ser uma impressora A3, não havia muitas.
As pessoas [mulheres] ficavam bem impressionadas!”[13].
Para muitas mulheres que se envolveram com as gráficas,
imprimir não era uma “escolha de carreira” – entre aspas
porque esse tipo de planejamento futuro era contrário à
ética da “estrutura de sentimento” predominante (pegando
emprestada a expressão de Raymond Williams) –, mas era
parte de um período de ativismo mais amplo e uma
experimentação na vida delas. Embora algumas mulheres
permanecessem muitos anos dentro ou trocando de gráficas
feministas, ou às vezes fossem para gráficas mistas radicais,
muitas fizeram uma passagem e se envolveram com outras
coisas que nada tinham a ver com impressão.
A questão das mulheres que aprendiam um ofício e então
deixavam a oficina era um desafio para as gráficas
feministas. Geralmente isso significava mais treinamento e
compartilhamento de habilidades, o que, por sua vez,
impactava na qualidade e na quantidade do que elas
podiam imprimir. Conseguir uma demanda suficiente de
impressões para manter as atividades também era um
problema em si. Muitos dos grupos com quem queriam
trabalhar tinham orçamentos baixos ou zero, e, no caso das
organizações feministas, havia expectativas explícitas de
que as clientes que eram parte do movimento de mulheres
fossem atendidas. Tabelas de preços mutáveis eram
comuns. O que uma gráfica feminista era realmente capaz
de imprimir era determinado pela tecnologia de que
dispunham. A maior impressora offset que qualquer uma
delas tinha era uma A3, que não era eficiente para revistas
com muitas páginas, livretos, muito menos para livros. Por
exemplo, era inconcebível para qualquer uma dessas
gráficas ser capaz de assumir a impressão da revista mais
popular do MLM, Spare Rib. Desse modo, as feministas
acabavam tendo que levar algumas de suas produções para
serem impressas em gráficas de esquerda, que em alguns
casos eram simpáticas à causa e geralmente tinham
ativistas feministas nas suas equipes. Uma mensagem no
relatório da Womenprint de uma das integrantes de uma
gráfica alternativa de esquerda é sintomática: “Três gráficas
feministas estão famintas por material feminista. Alguma
proposta??”. Embora o apoio do movimento estivesse
estabelecido, para a maioria não havia demanda suficiente
para sustentar as gráficas. Em 1979, a Moss Side Women’s
Press declarou: “Não conseguiríamos sobreviver imprimindo
apenas coisas de mulheres”[14]. O trabalho vindo de outros
grupos “aceitáveis” criava o equilíbrio, embora para isso as
gráficas feministas entrassem em competição com as
gráficas radicais e comunitárias. Geralmente havia uma
espécie de política relacionada ao que uma gráfica feminista
se recusava a imprimir; nada sexista, racista ou homofóbico,
obviamente. Também poderia haver discussões sobre a
possibilidade de imprimir para grupos de esquerda
organizados, como o Partido Socialista dos Trabalhadores, ou
para indivíduos[15]. No fim, uma quantidade significativa de
impressões continuava a ser feita no mimeógrafo, e anos
depois nas fotocopiadoras, quando elas se tornaram uma
opção de baixo custo.
As gráficas comandadas por mulheres descritas neste
texto surgiram com o MLM dos anos 1970. Como qualquer
movimento social, ele era complexo e dinâmico, reunindo
muitos grupos e posicionamentos, e isso se refletia nas
gráficas feministas. O movimento estava sujeito ao fluxo
interno e a contestações, e talvez seja mais exato falar de
movimentos de mulheres naquele período – no plural. No
entanto, o que se definiu a princípio como o MLM era e é
uma referência, historicamente e como um ponto a ser
criticado, conforme mais mulheres encontraram suas vozes
e articularam as falhas e omissões do MLM.
Em meados dos anos 1980, o movimento tinha mudado
consideravelmente, e algumas das bases da atividade
comunista que tinha caracterizado os anos 1970 pareciam
estar diminuindo na década seguinte. Relacionando a
sensação da morte de uma atividade política feminista com
mudanças de expectativas, Lyser, da Women in Print,
recordou: “Tinha a sensação de que havia menos
publicações acontecendo… e todas elas se tornaram
artísticas… nós não conseguíamos fazê-las do jeito que os
clientes queriam”[16]. A questão da estética e da qualidade
talvez fosse definida pelo processo inevitável de uma nova
geração de feministas rejeitando a política e os significantes
de suas antecessoras imediatas, junto de uma maior
atenção cultural ao design e ao estilo nos anos 1980[17].
Ao longo de suas existências, as gráficas feministas foram
em grande parte financeiramente marginais, embora
fossem parte da cultura de um movimento de mulheres que
queria suas gráficas próprias e as via como uma
contribuição e um prenúncio de uma realidade feminista
alternativa. Eram lugares onde feministas podiam aprender
novas habilidades, forjar relacionamentos, experimentar
formas anti-hierárquicas de trabalhar, ao mesmo tempo que
forneciam recursos tangíveis e que viabilizavam o
movimento das mulheres. Entretanto, conforme a
efervescência do movimento feminista diminuiu, ficou ainda
mais difícil encontrar mulheres motivadas a se juntarem às
gráficas. Feministas se movimentaram em diferentes
direções: trabalhando politicamente com homens gays, se
dedicando a “carreiras” ou à terapia e ao autoconhecimento.
A promessa radical de trabalho coletivo teve impacto sobre
muitas mulheres, assim como os anos de precariedade
financeira. Gráficas rápidas, editoração eletrônica e
fotocopiadoras contribuíram para a diminuição do valor
material da gráfica feminista. (A popularização do acesso à
internet ainda estava por vir.) Não havia mulheres, nem
condições de impressão, muito menos parecia ser o
momento do MLM sustentar as gráficas feministas
subcapitalizadas. A Onlywomen Press fechou no início de
1984, a Women in Print em 1986, a Rye Express em 1987,
Moss Side Women’s/Amazon Press em 1988, a See Red
Women em 1990, a Lenthall Road Workshop em 1992, e por
aí vai. Outros recursos culturais do movimento das mulheres
também desapareceram, como as revistas, livrarias e
centros de mulheres. O caso atípico foi a Sheffield Women’s
Printing Co-op, que continuou em atividade até o início do
século XXI e que tinha, surpreendentemente, conseguido se
estabelecer como a principal gráfica “alternativa” em
Sheffield.
A confluência do revival feminista contemporâneo de uma
cultura gráfica de impressão em pequena escala tem
resultado em um novo interesse em atividades de impressão
dos feminismos anteriores. Pode-se argumentar que o
acesso extraordinário à comunicação possibilitado pelas
ferramentas digitais e tecnologias em rede significam que
realmente não há necessidade de que as feministas
imprimam algo hoje. No entanto, elas o fazem.
Comparativamente, o impresso é uma mídia lenta e
complicada, um contraponto à onipresença, à facilidade e à
velocidade do material online e dos comentários. Imprimir
agora, de certo modo, pode ser um ato de dissidência.
Imprimir também cria um material cultural tangível, objetos
visuais imutáveis que agem como símbolos e afirmações de
presença, identidade e talvez de comunidade –
especialmente a impressão em pequena escala. Talvez
então isso seja necessário de um novo jeito.
Meus agradecimentos ao Arquivo Bishopsgate, a
Biblioteca Feminista de Londres e a todas que me
concederam entrevistas.
Breaching the Peace: A Collection of Radical Feminist Papers [Perturbando a paz:
Uma coletânea de escritos feministas radicais], editado e impresso pela
Onlywomen Press, em 1983. Livreto A5 de 44 páginas: capa de Cath Jackson. Na
quarta capa, está impresso: “A Onlywomen Press é uma editora e gráfica de um
grupo pela libertação das mulheres, produzindo obras de e para mulheres como
parte da criação de uma rede de comunicação feminista e, no fim, de uma
revolução feminista”.
“A liberdade de imprensa pertence a quem controla a imprensa”, do calendário da
See Red Women’s Workshop, 1978.
Cabeçalho do relatório da conferência Womenprint, 1977.

Selo da Onlywomen Press, 1983. Um dos selos usados nas edições da


Onlywomen desde 1979.
Pôster publicitário da Moss Side Women’s Community Press, 1979. Cortesia do
Arquivo Bishopsgate.
Logotipo da Sheffield Women’s Printing Co-op, 1990.
Capa de Rolling Our Own [Imprimindo nós mesmas], de Eileen Cadman, Gail
Chester e Agnes Pivot. Design de Margo Xeridat, Minority Press Group, 1981.
Capa da revista Shrew, verão de 1978. Edição produzida pelo grupo de estudos
Mulheres e Não Violência. Cortesia da Biblioteca Feminista de Londres.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Animais da pontuação
Animais da pontuação
Uma apologia aos gramáticos
As & Pas, as corujas gêmeas
Pata Ponto e Vírgula
O Pinguim Exclamador
Gaspar, o porco parênteses
Apostrofo-freirinha
Ratífen
Cegonha dois pontos
Interrogatinho
Salsichinha travessão
Pontoruga
Lebre vírgula
Desenhados pela primeira vez por tédio
Janeiro de 1936
Redesenheados num bloco de rascunho
Julho de 1937
Reproduzidos por
The Meridien Gravure Company
Direitos cinematográficos reservados!
A batalha entre homens
e mulheres
no ofício tipográfico
Ulla Wikander
Excerto do livro de Ulla Wikander, Women’s Work in Europe 1789-1950: Gender,
Power and Division of Labor [O trabalho das mulheres na Europa de 1798-1950:
Gênero, poder e divisão do trabalho]. Atlas, 1999, pp. 80-89. Excerto traduzido do
sueco por Kira Josefsson.
Quando a impressão era um negócio completamente novo
no século XVI, havia mulheres que desempenhavam funções
nesse campo de trabalho. Mas, relativamente cedo, por meio
do sistema de guildas, os homens se asseguraram o direito
de serem os únicos a exercerem a profissão. Por exemplo,
em 1800, não havia uma tipógrafa sequer em Londres, e é
provável que a situação fosse semelhante em outras cidades
e países. Isso mudou no fim do século XIX, e teve início uma
luta entre homens e mulheres. Os empregados, a
tecnologia, o direito ao aprendizado, as atividades sindicais,
as regulações estatais e os valores de pagamentos se
tornaram ferramentas manejadas pelos dois lados. As
mulheres queriam o direito de trabalhar por conta própria,
mas em condições melhores. Os homens queriam excluir as
mulheres do setor ou, no mínimo, queriam que o trabalho
delas fosse regulado de formas que eles considerassem
aceitáveis. As mulheres foram subordinadas desde o início:
elas eram as recém-chegadas, as intrusas.
Os problemas tiveram início quando os donos de gráficas
começaram a contratar mulheres para atender as
necessidades de um setor em rápida expansão. As mulheres
pediam remunerações mais baixas que as dos homens,
portanto, as gráficas estavam felizes em contratá-las. Para
as mulheres, o pagamento ainda era bom – os salários como
tipógrafas eram mais altos do que receberiam por outras
modalidades de serviços. As mulheres desempenhariam
mais ou menos a mesma função que os homens e elas
aprendiam relativamente rápido. É possível que se
tornassem mais especializadas, uma vez que não recebiam
o mesmo treinamento que os aprendizes, que eram todos
meninos. As meninas não eram aceitas em programas de
aprendizagem. Recusar a educação das mulheres era um
método de exclusão.
Por toda a Europa, os tipógrafos eram articulados e se
organizaram desde cedo. As antigas guildas se
transformaram em poderosos e influentes grupos de
interesses. Ao longo do continente, essas organizações
trabalhavam para manter as mulheres fora de seus locais de
trabalho. Elas regulavam as admissões de aprendizes, e não
aceitavam funcionários sem treinamento. No entanto, as
mulheres conseguiram adentrar na profissão em vários
países nas últimas décadas do século XIX. Na França, o
número de mulheres empregadas em gráficas mais que
dobrou entre 1866 e 1896, crescendo de 7 mil para a marca
de 16 mil funcionárias. Entretanto, isso não significa que a
proporção de mulheres nas gráficas aumentou; mas elas
representavam consistentemente cerca de 20% do total da
força de trabalho até 1906. Na Inglaterra, poucas mulheres
trabalhavam nesses empregos, os sindicatos masculinos
eram mais eficientes em sua resistência. Por outro lado, na
Escócia, a situação era semelhante à da França.
Uma série de eventos na antiga capital norueguesa,
Christiania, ilustra as relações contraditórias que
caracterizavam esse antigo negócio. Conforme a impressão
lentamente se tornou mecanizada, ocorreu maior presença
de mulheres no setor e uma nova configuração da presença
masculina. Nas décadas de 1870 e 1880, as organizações
tipográficas norueguesas fizeram esforços para retirar as
mulheres das gráficas. Aqui, como em qualquer outro lugar,
as organizações mantinham boas relações com os donos das
gráficas. Os tipógrafos tentaram fazer com que os
funcionários ficassem do seu lado em detrimento das
funcionárias. Eles observaram que algumas gráficas
praticavam concorrência desleal ao contratar um grande
número de mulheres, cuja mão de obra era mais barata. Se
todos os tipógrafos e empregados concordassem em excluir
as mulheres, os salários e os preços continuariam altos.
Todos – isto é, todos os homens – se beneficiariam. Mas era
impossível convencer os donos das gráficas a darem as
costas a uma força de trabalho nova e barata. Os tipógrafos
falharam em suas tentativas de criar uma aliança
antimulheres com seus empregados.
Quais eram os argumentos dos tipógrafos contra o
trabalho das mulheres? Diziam que as mulheres puxavam a
remuneração dos homens para baixo, que a falta de
conhecimentos gerais que só os homens detinham as
tornariam pouco rentáveis, que o trabalho as adoeceria.
Tuberculose e envenenamento por chumbo eram doenças
comuns entre tipógrafos. Além disso, diziam que a moral
das mulheres seria arruinada, e elas não seriam capazes de
desempenhar seus deveres naturais como mães e esposas.
O lugar de uma mulher era em casa, não numa prensa de
gráfica! Mas nenhum argumento foi convincente o
suficiente. Os donos de gráficas não se impressionaram, e as
mulheres permaneceram. Uma vez que o debate se
desenrolou publicamente, as mulheres agora estavam bem
conscientes das opiniões e das atitudes de seus colegas
homens.
Em uma greve organizada por um sindicato masculino em
1889, as mulheres não sindicalizadas não aderiram. A greve
falhou, dando uma lição valiosa ao sindicato sobre a
importância das vozes femininas. Eles não podiam mais
vencer uma batalha sem as mulheres, e eles não tinham
conseguido se livrar delas. A estratégia subsequente do
sindicato foi tentar atrair as mulheres para se juntar à
organização, e dessa forma tentar aumentar todos os
salários. A nova postura foi levada adiante, baseada em uma
análise de inspiração socialista – não era culpa das mulheres
se elas agiam como competidoras dos homens: elas eram
jogadas contra os homens pelo capitalismo. Na verdade,
homens e mulheres estavam do mesmo lado, em oposição
aos donos de gráfica. Ainda receosas por causa do jogo sujo
anterior dos homens, as mulheres resistiram à
sindicalização. Contudo, ainda hesitantes, concordaram em
se organizar durante os anos 1890. Os homens continuavam
com opiniões variadas se as mulheres deveriam ou não
desempenhar trabalho assalariado.
O ano de 1896 trouxe uma cisão ao sindicato. Sem
perguntar a opinião das mulheres, os homens pediram que
a jornada de trabalho delas e dos aprendizes fossem
encurtadas. Em protesto, as tipógrafas fundaram seu próprio
subcomitê (Sätterskornas Klubb) – mas ainda dentro do
sindicato comandado pelos homens. Elas concordavam com
um princípio de igualdade: “[…] nós pedimos que sejam
mantidas as mesmas jornadas de trabalho na tipografia para
homens e mulheres, uma vez que uma restrição, por
exemplo, a proibição de que nós tipógrafas não possamos
fazer horas extras, enquanto os homens podem,
representaria uma maior dificuldade para que encontremos
trabalho”. O paradoxo de que as mulheres eram forçadas a
se organizarem para fortalecerem seus direitos trabalhistas
é óbvio. Elas queriam a mesma jornada de trabalho e não
desejavam perder seu atrativo enquanto força de trabalho,
mas também queriam manter seus salários baixos – para
continuarem competitivas. Por que elas exigiriam igualdade
salarial quando não podiam fazer treinamento e
capacitação?
Mulheres e homens tinham tentado se unir com os
empregadores contra o subgrupo, e aqui as mulheres
levaram a melhor. Mas os trabalhadores foram incapazes de
encontrar uma estratégia que atendesse a todos. Os
elementos centrais na recusa dos homens em aceitar as
mulheres como trabalhadoras iguais, assim como na atitude
deles em relação a suas habilidades laborais únicas, eram
moldados por ideias de masculinidade e por uma estratégia
de monopólio educacional.
Entretanto, em 1868, homens e mulheres tiveram sucesso
uma vez ao se unirem em uma nova luta por salários. As
tipógrafas formularam uma exigência: elas só participariam
se “os tipógrafos não trabalhassem contra os nossos
interesses”. Um desses interesses era manter os salários
mais baixos para as mulheres, o que finalmente fez com que
os donos acatassem a demanda de aceitar mulheres como
aprendizes. No longo prazo, isso possibilitaria uma demanda
sindical por igualdade salarial.
A resistência dos homens às trabalhadoras cresceu
quando mulheres casadas, que às vezes trabalhavam por
salários ainda mais baixos do que suas colegas solteiras,
eram contratadas pelas gráficas de livros em números cada
vez maiores ao mesmo tempo que o desemprego
aumentava.
A organização nacional de tipógrafos noruegueses
respondeu à nova situação entrando nas negociações por
salários sem dialogar com as mulheres, exigindo a
igualdade salarial imediata em 1902, e então convocando
uma greve pela demanda. As mulheres ficaram chocadas e
entraram em negociações separadas com os empregadores,
um gesto que os sindicatos masculinos consideraram como
furar a greve. Como resultado, durante anos a colaboração
entre homens e mulheres se tornou impossível.
A igualdade salarial sempre foi uma questão complicada
no mercado de trabalho. “Pagamento igual por um trabalho
igual” era uma exigência feita em diversos congressos
internacionais na Europa dessa época: nos congressos de
mulheres e na Segunda Internacional Socialista (1889). Ao
mesmo tempo, muitas mulheres trabalhavam para se
sustentarem e quando entravam em setores de trabalho
predominantemente masculinos queriam o direito de levar
seus salários a níveis competitivos. O que era a igualdade? A
quem se deveria mostrar solidariedade? O que era a luta de
classes? Mulheres casadas não deveriam se envolver com
trabalho assalariado? Mulheres deveriam receber uma
verdadeira educação?
Durante os anos 1890 e o início dos 1900, uma proibição
de que mulheres exercessem funções no turno da noite
estava se tornando comum na Europa. Isso causou discórdia
e conflito. As dificuldades eram evidentes para as tipógrafas,
uma vez que os jornais eram impressos à noite e as horas
extras também eram comuns em gráficas. As mulheres
queriam manter seus trabalhos relativamente bem pagos
nesses campos, e a proibição do trabalho noturno criava
entraves.
Leis separadas para mulheres e a proibição de trabalhar à
noite, em particular, eram discutidas em termos de teoria e
práxis nos congressos internacionais de mulheres, como o
Congrès Féministe International de Bruxelas no início de
agosto de 1897. A jornalista e editora de revista Maria
Martin apresentou uma crítica da proibição francesa ao
trabalho noturno. Antes da introdução da lei em novembro
de 1892, havia mulheres empregadas em gráficas, ela
argumentou. Depois da aprovação da lei, mulheres foram
obrigadas a deixar várias dessas gráficas. Por quê? A lei não
só regulava o trabalho noturno, mas também os outros
turnos. Depois de determinado horário do turno da noite, os
empregados deveriam pedir dispensa se eles quisessem
colocar as mulheres nas horas extras. Era difícil prever a
necessidade de trabalho extra, mas a formalidade tinha que
ser providenciada com antecedência. Assim, muitos
empregadores preferiam contratar homens, uma vez que
isso exigia menos burocracia.
A conclusão drástica de Maria, portanto, era que a lei
significava garantir que idealmente as mulheres perdessem
seus empregos para os homens: “Essas foram as
consequências de leis que supostamente deveriam proteger
as mulheres. Foi o trabalho que foi protegido, o lucro dos
homens. A proteção das mulheres se revelou uma opressão”.
A Noruega, é claro, também viu as tipógrafas protestarem
contra a proibição do trabalho noturno enquanto a lei estava
prestes a ser aprovada pelo governo cerca de uma década
depois, quando a medida foi aceitar como uma convenção
internacional de proteção do trabalho. Em locais de trabalho
já segregados, como fábricas têxteis, a proibição do turno da
noite foi abraçada de modo geral, enquanto mulheres em
indústrias com remunerações mais altas, que trabalhavam
com homens, protestaram. Esses empregos não eram
comuns, então um bom número de trabalhadoras aceitou a
proibição do turno da noite. Ela não se aplicava à maioria
das funções comumente ocupadas por mulheres, como
profissionais de saúde e trabalhadoras domésticas, nem
regulava os negócios familiares. A primeira convenção de
proteção do trabalho de 1906, a Convenção de Berna, só
proibia as mulheres de trabalharem à noite em fábricas e
em menos de dez outras funções. A base dessa lei era o
entendimento de que mulheres e homens pertenciam a
categorias diferentes, nas quais um grupo era capaz de se
proteger por meio da organização de trabalhadores e o
outro necessitava da proteção do governo, ao mesmo tempo
que tinha um valor especial para o estado-nação como
potenciais produtoras das próximas gerações.
Leis e sindicatos, então, classificavam as mulheres como
uma força de trabalho separada e diferente, enquanto estas
usavam todos os meios necessários para alcançarem
empregos melhores, ainda que as estratégias delas
pudessem ser entendidas como falta de solidariedade com o
sindicato masculino. As lutas das tipógrafas são muito
interessantes para quem quer entender a participação
limitada das mulheres nos sindicatos e as atitudes dos
homens em relação a elas mesmo depois de elas se
sindicalizarem. Um grande número de mulheres
simplesmente se sentia perseguida por organizações
políticas predominantemente compostas por homens, algo
que evidentemente feria a luta sindical, mas que feria as
mulheres ainda mais, uma vez que isso geralmente as
deixava sem o apoio do sindicato, ainda que dele fossem
membras.
Uma contribuição realmente amarga aos registros do que
estava se passando entre homens e mulheres foi dada pela
jornalista Camille Belilon, em um congresso organizado pelo
Conselho Internacional de Mulheres, em Londres, em 1899.
Ela acusou homens de todas as classes sociais de tentar
impedir o acesso de mulheres a determinados empregos.
Organizações políticas masculinas eram definidas por um
“espírito misógino”. No caso das tipógrafas, ela escolheu
uma palavra forte, “ódio”, para descrever a atitude do
sindicato em relação às mulheres. De acordo com Camille,
as leis separadas eram o resultado das tentativas do
sindicato de eliminar a competição. Representantes
parlamentares tinham sido manipulados a aprovar a
proibição do trabalho noturno devido a argumentos que
apelavam à mortalidade infantil e ao futuro da nação – um
discurso sobre a maternidade que ativou os ouvidos dos
legisladores. Camille apresentou sua análise feminista sobre
dependência e independência:

O que é isso, tornam uma mulher dependente de um


homem? De todas as injustiças, é a mais horrível! Sim,
porque embora a desigualdade existente entre as
classes seja injusta, não é mais injusta do que a
desigualdade entre os sexos, essa injustiça é altamente
imoral, mas também porque dela resultam atos imorais.
Sim, não é apenas um ataque ao princípio da liberdade:
é também tomar todo o poder das mulheres e dar todo o
apoio aos homens, é colocar a depravação antes da
competência e da virtude. Forçar a mulher a pedir a um
homem pelo pão, isto é, apresentá-la à prostituição ou, o
que é pior, dar poder à prostituta. Nós realmente já
estamos fartas dessa humilhação contínua.

A entrada das mulheres no ramo tipográfico criou uma


situação volátil com aliança em constante movimento. As
tensões transbordavam por causa das tipógrafas casadas
que trabalhavam há mais tempo na profissão. Na França, os
conflitos entre trabalhadores homens e mulheres podiam
ser ilustrados pelo célebre caso Couriau, que veio a público
em 1913. Emma e Louis Couriau se casaram em 1912 e se
mudaram para Lyon. Ele era tipógrafo há 20 anos e, como
sindicalista, participava da luta trabalhista em toda a
França. Ela trabalhava como tipógrafa há 17 anos. A
Fédération du Livre, a organização nacional de tipógrafos,
tinha decidido em 1910 – depois de muitas inquietações e
vários anos tentando excluir as mulheres da profissão –
permitir que as mulheres participassem da organização. O
motivo era os novos linotipos mecânicos que tornavam as
mulheres contratações ainda mais atraentes. Ao sindicalizá-
las, os homens esperavam ter unidade nas negociações pela
igualdade salarial. Assim como na Noruega, a aceitação da
exigência pela igualdade salarial se tornou uma demanda
de longo prazo.
Em Lyon, o casal Couriau pediu para entrar no sindicato
local. Mas essa grande e conservadora organização se
recusava a aceitar mulheres, então Emma não pôde fazer
parte. Louis foi aceito inicialmente, mas foi expulso quando
não proibiu sua esposa de trabalhar como tipógrafa. No fim,
a decisão da liderança do sindicato central de permitir a
filiação de mulheres na organização não significava nada
para as sucursais locais que criavam e seguiam suas
próprias regras.
O caso Couriau se tornou um escândalo nacional, com
páginas e páginas na imprensa sobre ele, especialmente na
imprensa socialista e anarquista. Muitos representantes de
sindicatos tinham opiniões divergentes em relação ao
posicionamento do sindicato de Lyon. O debate também
envolveu grupos burgueses e feministas socialistas. O casal
recebeu amplo apoio, e Louis pôde se tornar integrante da
organização nacional de tipógrafos individualmente. Em
1914, eclodiu a Primeira Guerra Mundial e a história foi
esquecida. Poucas melhorias na situação das mulheres
aconteceram depois da guerra, uma vez que a organização
sindical se despedaçou na França. O que talvez receberia
mais interesse do grande público em relação ao caso de
Emma tinha empalidecido e desaparecido. O resultado a
longo prazo foi que os homens mantiveram, ou para ser
mais exata, retomaram o monopólio que tinham sobre a
profissão de tipógrafo.
As circunstâncias materiais tinham sido benéficas para as
mulheres. Para as tipógrafas, a introdução de máquinas de
tipografia tornou o trabalho mais fácil do que a composição
manual. A demanda crescente por força de trabalho no fim
do século junto do aumento dos conhecimentos gerais das
mulheres e seus salários mais baixos contribuíram para dar
a elas a oportunidade de trabalhar com tipografia.
Ideologicamente, a integração das mulheres a setores
dominados pelos homens era apoiada por grupos defensores
dos direitos das mulheres e pelas feministas, enquanto a
oposição mais fervorosa vinha daqueles que apoiavam
ideologicamente determinadas ideias de família e de uma
divisão “natural” do trabalho baseada no gênero, segundo a
qual homens e mulheres não deveriam ocupar as mesmas
profissões. Isso tinha reverberações nas condições de
trabalho em geral, uma vez que os homens – a maioria deles
– ainda sentiam que o trabalho doméstico era um domínio
exclusivo das mulheres, fossem elas trabalhadoras
assalariadas ou não. Um dos tipógrafos que apoiava Emma
descrevia a dupla jornada das mulheres em termos
dramáticos.

Se um homem é escravo do salário, a mulher também o


é. Além disso, ela geralmente é a escrava do escravo.
[…] Embora ela trabalhe tanto quanto o homem […]
seja afetada pelo mesmo tipo de exaustão, os mesmos
perigos e riscos, a mulher recebe menos. […] Além
disso, quando seu companheiro chega em casa, ele
espera que ela esquente a sopa enquanto ele fuma seu
cachimbo e lê o jornal. […] Exposta à influência do
homem, à autoridade, à estupidez e à crueldade dele, a
mulher está limitada – ainda que ela não queira – a se
tornar uma mãe várias e várias vezes, além de uma
empregada doméstica e uma amante. […] O trabalho é
o jeito como ela consegue viver livremente, libertada da
dependência do homem.

Esse homem teria ficado contente de ver uma “intrusão”


bem-sucedida de mulheres naqueles setores de trabalho
entendidos pelos homens como seus domínios exclusivos.
Se um número maior de mulheres assalariadas produzisse
uma divisão do trabalho menos rígida, as mulheres se
libertariam da “dependência de um homem”, e as relações
matrimoniais também mudariam. O debate não costumava
mencionar a divisão do trabalho doméstico baseada no
gênero, uma situação que raramente era questionada. Sem
ajuda, a maioria das mulheres tinha que suportar uma carga
de trabalho maior na condição de empregada assalariada,
atuar em um mercado de trabalho segregado por gênero e
cuidar de seus lares.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Como uma delas chegou lá
Como uma delas chegou lá
de Alison W. Davis
De todas as mulheres que conheci em gráficas, sou a única que não se
casou com alguém da área nem chegou lá por meio de outro trabalho. Na
verdade, soube desde tempos de caloura da faculdade qual seria o meu
destino. Eu me lembro de zanzar pela minha cidade natal respondendo a
amigos e parentes que eu seria uma tipógrafa e dar a eles a ideia de que eu
ia fazer alguma coisa que tinha a ver com mapas. Acabei me tornando
alguém que explicava o que era a tipografia, mas não acho que ficava claro
para qualquer um dos vizinhos, projetar um livro era bem desnecessário,
uma vez que os livros, para eles, simplesmente brotavam das gráficas.
Eu me interessei pelos livros ao lê-los e então acidentalmente comecei a
prestar atenção nas ilustrações, na encadernação e na tipografia, nessa
ordem, ao longo dos anos. Durante meu primeiro ano de faculdade, eu
mergulhei nos dois volumes de Updike e fiquei realmente encantada com as
diferenças entre Swabacher e Fraktur e arranjei um cartão na biblioteca
Morgan para ver a Bíblia de Gutenberg e ficar ligeiramente paralisada por
estar perto de tantos itens raros e das aprendizes tão atentas de Belle
DaCosta Greene.
Trabalhei em uma revista da faculdade, e na primavera do meu último ano
comecei a procurar emprego nessa profissão hostil. Por alguma razão,
ninguém nunca recomendava nenhum dos cursos como os que eu sabia que
eram oferecidos na Universidade de Nova York e pela Associação de
Empregados de Gráficas. Parecia não existir nenhum jeito de conseguir
trabalhos como tipógrafa ou adquirir experiência. As pessoas que tinham
empregos na área tinham aprendido na prática e eram evasivas e
indispostas a me dizer como eu conseguiria me tornar uma tipógrafa. Talvez
eu as tenha abordado vagamente e provavelmente tenha aparentado ter um
conhecimento falho e pouca experiência, o que era verdade. Eu só tinha uma
ideia, mas ela bem convicta.
Voltei para casa e mofei até mais ou menos o Natal do ano seguinte, e
então um dia, enquanto lia BIBLIOTYPOGRAPHICA de Paul Johnston, que eu já
tinha há algum tempo, meu olhar caiu sobre um título de uma página que
trazia o selo “Laboratório Gráfico”. Aquilo parecia com uma escola, e do tipo
certo para mim. Em um estado bem desesperado naquela época, eu me
sentei e escrevi uma carta um tanto arrogante sobre uma jovem que queria
muito ser tipógrafa e ninguém, especialmente os conservadores de
Houghton, Mifflin e Riverside, lhe daria o menor encorajamento. Aquela carta
acabou atingindo o diretor do Laboratório Gráfico em um momento de
fraqueza. Ele me respondeu dizendo que gostaria de ter-me como uma
estudante especial, pois cuidaria de uma carpa em um tanque de peixes
para mantê-los todos vivos por nenhuma razão em especial. Minha carta o
fez pensar que eu poderia ser uma pessoa interessante – ou ao menos
animada –, e talvez os estudantes daquele ano fossem um bando um pouco
enfadonho sem muita imaginação ou qualquer reverência pela impressão
úmida em papel artesanal.
Chegamos a um ponto em que estávamos escrevendo duas a três cartas
por dia, e eu tinha começado a compor tipos em uma gráfica local para
aprender a montar um leiaute e pegar alguma velocidade nas mãos, quando
Porter Garnett veio a Nova York em março de 1932, para receber a Graphic
Arts Medal. Nós nos encontramos em Boston e ele gostou de mim como
pessoa, mas minhas possibilidades tipográficas ainda eram um tanto
desconhecidas. Penso que a minha adequação ao papel de carpa num
tanque cheio de peixes técnicos interessou Porter um pouco mais do que
minha capacidade de manipular tipos de latão, cobre e os famosos espaços
de papel higiênico. E então meus sete meses em Pittsburgh foram gastos a
contragosto – e sem sucesso – tentando ficar longe do nevoeiro poluído de
Pittsburgh que assediava a visão física e mental das almas de seus
habitantes mais sensíveis.
Eu só fiz um semestre na escola técnica e gastava quase todas as tardes
lá compondo tipos, brincando com ornamentos e tentando me provar útil.
Deve ter sido um ano um pouco fraco nas aulas, porque acabei como uma
das melhores alunas. Eu fiquei hábil em composição manual e aprendi um
pouco sobre como manejar ornamentos. Também aprendi muito bem a
empilhar papel ensopado pelo excesso de umidade. Cada um de nós montou
alguns leiautes e os imprimiu. Mas em relação a aprender como fazer o
projeto gráfico de um livro, lidar com os problemas da produção de livros,
descrições de outros processos além de letterpress, simples realidades da
encadernação – a sagacidade, qualquer coisa útil no aprendizado de como se
tornar uma produtora de livros em uma casa editorial, tudo isso era omitido
do curso. O curso era uma experiência agradável e estimulante para os
alunos da Faculdade de Indústrias Gráficas, que gastaram três anos
estudando o lado prático da impressão e precisavam de algum polimento
para terminar sua formação, mas eu nunca tinha tido a experiência prática
para me preparar para isso!
No inverno seguinte, eu fui para uma gráfica aprender algo que pudesse
ser útil para mim. Mas não sem antes passar um verão de partir o coração
fazendo ligações e escrevendo cartas até que esse emprego de cinco dólares
por semana como uma impressora dos diabos parecesse um grande salto
em direção ao sucesso. Gastei um ano correndo atrás de serviço, em
empregos esquisitos, descobrindo que eu não era tão legal assim e
conseguindo pouca experiência de verdade nas áreas da profissão que
escolhi. Eventualmente decidi me tornar uma vendedora da gráfica e, como
desde então meu chefe não teve nenhum desejo nem necessidade de novos
negócios, eu fui para outro trabalho.
Meu novo chefe pensou que eu ainda precisava de experiência com
vendas e disse que eu deveria ficar “lá dentro” por algumas semanas até
que eu o entendesse e aos seus métodos, e eu aprendi muito de um jeito
amargo e exaustivo com os métodos dele. Passei longas horas lendo provas,
alimentando a máquina de dobradura, costurando cadernos, fazendo
intervenções manuais, colando, embrulhando, amarrando pacotes e, quando
não estava ocupada, estudando papéis e tipos. Além disso, eu estava
trabalhando para o homem que inventou a jornada de 14 horas. O queridinho
capitalista almoçava com jornalistas e começava a visualizar a vida
totalmente pela perspectiva deles.
Aguentei isso durante sete meses porque eu não ia desistir tão fácil, mas,
na verdade, a minha saúde começou a ser afetada, então aquele sábado em
que trabalhei o dia inteiro ajudando a fazer a mudança para uma nova gráfica
foi o meu último dia, fui para casa em busca de um longo descanso que
restaurasse minhas energias e meu interesse por um novo emprego.
Tentei vender serviços gráficos durante três semanas e fui devidamente
desiludida de que eu queria ser uma vendedora de gráfica. Depois uma
agência de empregos me conseguiu uma vaga como assistente de tipografia
numa editora e essa foi a triste e doce história de como Essie May deu um
jeito de entrar na área!
No entanto, eu não dei a vocês nenhum detalhe da curiosa história do
espaçamento de letras no Laboratório.
Os referidos componentes se adequam em três divisões: 1.
Dimensional (tamanho e proporções); 2. Tectônica (planejamento e
construção); e 3. Visual (aparência).
Pressione com lenço de papel, encaixando as vírgulas para que caibam em
linhas estreitas. Olhe o corte do parágrafo no qual gastei oito horas tentando
eliminar a linha apertada. É do texto de um BOM LIVRO e tem me ajudado
bastante no meu trabalho atual.
O triste desfecho é que eu nunca fiz nenhum projeto gráfico. Ah, meu
superior diz que, quando eu quiser, posso assumir qualquer trabalho chato
que eu consiga fazer. Mas quem quer levantar uma mão lânguida sequer
para designar qual cor na grade mais barata de tecido deve ser usada no
mais novo livro “inspiracional”? Eu conheço os espaços de lenço de papel e
as longas horas nas caixas de ornamentos onde há muita comédia, mas
também há gritos no telefone: “Pelo amor de Deus, use qualquer tecido, mas
nos consiga o livro anteontem!”. É uma grande tragédia. Se você não se
incomoda, eu penso em me aposentar, ir para o campo e criar Welsh Corgi
Cardigans.

Composto em Walbaum 10 pt e impresso pela Stratford Press em uma


prensa Albion, usando papel creme da Whitaker Paper Company. Fotogravura
da Eagle Photo Engraving Company.
Conversas
“Ainda que elas tenham trabalhado a vida inteira
com tipografia como as filhas e as esposas, elas não
eram vistas como parte de um coletivo profissional.”
Trecho de uma
conversa com
Inger Humlesjö
Ainda estou trabalhando na minha tese sobre as primeiras
organizações de tipógrafas na Suécia, uma vez que fiz
muitas outras coisas ao mesmo tempo – trabalhei no
mercado editorial, como professora, trabalhei em particular
com Häften för kritiska studier [Cadernos para estudos
críticos], que nós produzíamos inteiramente. Mas eu
permanecia perto da história da tipografia e das
trabalhadoras. Meu ângulo é a história das tipógrafas. É
baseada em estudos sociais, estudos das estruturas
familiares. Mulheres têm estado mais ou menos presentes
no trabalho com a tipografia, mas nunca foram vistas como
tipógrafas nem como trabalhadoras ou designers, nem
levadas a sério nesses aspectos. Isso é verdade no setor
inteiro, e também em outras áreas com a entrada de
mulheres em negócios estabelecidos. Sempre foi difícil. A
atitude em relação às contribuições das mulheres é sempre
tratá-las como se fossem menores. O trabalho delas tem
sido desvalorizado. Teria sido desvalorizado se não
soubessem que foi feito por mulheres? Essa é a questão.

O que você descreve como mulheres não sendo


levadas a sério em seus papéis profissionais
continua como um problema comum. Sobretudo na
tipografia, que geralmente é vista como uma área
em que apenas determinado perfil de homem
consegue aguentar o trabalho.

Sim. Está fortemente ligada à masculinidade. A teoria sobre


a produção da masculinidade é um dos meus pontos de
partida. Durante os anos 1860 e 1870, se viu uma grande
discussão na Suécia sobre o que fazer com as mulheres
tipógrafas. Enquanto isso, havia uma aceitação mais ampla
das tipógrafas nos Estados Unidos, onde elas eram filiadas a
sindicatos e eram percebidas como boas em seus trabalhos.
Nos Estados Unidos havia uma terceira dimensão – a raça.
Com os homens negros trabalhando como tipógrafos, a
discussão estava centrada em se eles poderiam ser vistos
como verdadeiros tipógrafos, e isso facilitava a aceitação
das mulheres brancas. Nos anos 1880, o sindicato de
tipógrafos Typografiska föreningen em Estocolmo publicou
um jornal chamado Svensk typograftidning. Este reunia
relatórios de congressos nos Estados Unidos, que
descreviam a questão racial e como ela mudou a forma
como as tipógrafas eram vistas. Na Suécia em 1890, a
questão das mulheres se tornou um divisor de águas. Os
socialistas em geral eram a favor da participação das
mulheres, mas os socialistas e os liberais tinham
dificuldades em ver as mulheres como iguais, tanto em
relação ao salário quanto à presença delas em outros
sindicatos.

Existe algum motivo em especial pelo qual


deveríamos nos importar com as tipógrafas hoje em
dia?

Elas não existem mais como um grupo profissional, é claro.


Se você saísse pela rua e perguntasse para as pessoas sobre
tipógrafas, elas diriam “quem são essas?”. Se você fizesse a
mesma pergunta em 1985, a resposta teria sido “elas são
parte da luta sindical”. Fria Proteatern produziu uma peça
de teatro chamada Typerna och draken (1972), sobre a luta
sindical no mundo jornalístico dos anos 1930 em diante.
Mas hoje a situação é diferente. Não há uma luta da qual
falar, e isso está relacionado a uma mudança na paisagem
midiática. Hoje nós consumimos principalmente imagens.
Mas tipógrafas fizeram muito, há tradições da tipografia que
permanecem relevantes e conectadas com os
desenvolvimentos atuais e a nova paisagem da mídia.

Você considera que uma razão pela qual se


interessar pelas tipógrafas é que elas eram um
grupo de trabalhadoras mais próximo do mundo
letrado, o que significa que elas estavam mais perto
do poder e eram uma ameaça maior para os
empregadores?

Sim, você está certa, do século XIX até 1986. Em particular,


elas pensaram em si mesmas como um pouco melhores,
precisamente porque eram tipógrafas e alfabetizadas. Na
metade do século XIX, tipógrafos conservadores estavam
pressionando por uma cultura de trabalhadores
“organizados”, em vez de agitadores briguentos. Eles
destacavam a dignidade por meio da colaboração com os
empregadores e de um ouvido aguçado para os sinais
vindos daqueles que estavam no poder. Eles não tinham
recuado de uma colaboração com a monarquia. Mas, em
1870, a ala liberal chegou – na época era considerado
radical ser um liberal – e questionou essa posição. A questão
das mulheres ganhou destaque na mesma época. Os
antigos liberais tinham uma fé rígida nas estruturas
familiares, nas quais os homens cuidavam das mulheres.
Mas havia mulheres no campo, que eram vistas como nada.
Elas eram servas. Elas estavam fortemente ligadas a
estruturas de trabalho familiar, na qual as mulheres
também trabalhavam. Ainda que elas tenham trabalhado a
vida inteira com tipografia, como as filhas e as esposas, elas
não eram vistas como parte de um coletivo profissional. Na
década de 1870, as mulheres se tornaram mais
interessantes para os empregadores – elas eram mais
baratas, mais rápidas e não causavam problemas. Isso as
tornava uma ameaça para a estrutura profissional
estabelecida, e se argumentava que os homens eram os
trabalhadores escolhidos e os provedores da família. Eles
precisavam ter salários mais altos que os das mulheres, uma
vez que elas, sob esse ponto de vista, não poderiam ser
provedoras. Eles nunca tinham ouvido falar de uma mulher
solteira. Havia mulheres que eram provedoras para seus
pais, mas elas não contavam. O debate foi ficando afiado
por volta da virada do século, ao mesmo tempo que as
demandas para que as mulheres fossem aceitas nos
sindicatos se tornavam mais estridentes, do contrário não
havia controle sobre elas. Os homens queriam controlar as
mulheres e eles também queriam que elas não existissem –
havia muitas contradições. Nos anos 1920, o sindicato
Typografiska föreningen criou sua agência de empregos,
mas relegaram as mulheres ao desemprego. Sim, quero
dizer que eles não ofereceram empregos para as mulheres,
em vez disso contribuíram para que elas ficassem
desempregadas.

O movimento dos trabalhadores sempre criticou o


movimento trabalhista liberal com conceitos tirados da
década de 1890. É preciso ser realmente cuidadosa ao olhar
para os antigos liberais em relação à época em que eles
viviam, para ver o que era novo na perspectiva que tinham
da sociedade em 1840. Durante esse período, eu diria que
eram radicais, mas não nos termos em que usamos essa
palavra hoje. Mas eu vim do passado em direção ao futuro,
em vez de olhar para trás com nossos conceitos atuais. Fiz
isso para entender o que as tipógrafas estavam fazendo em
1840, para descobrir como elas se viam. Quero evitar o que
eu mesma critico, que é a construção da história feita pelo
movimento dos trabalhadores.

Sobre quais elementos da construção da


masculinidade você escreve?
Sobre como esse conhecimento prático profissional é
construído com base em um tipo de masculinidade que
demanda e apresenta diferentes aspectos da cultura dos
tipógrafos. É sobre como eles construíram a si mesmos. Sou
muito crítica à historiografia do movimento dos
trabalhadores. Ela romantiza o desenvolvimento do
movimento dos trabalhadores e seu radicalismo histórico,
porque tem sido desdenhoso com as mulheres e com os
direitos democráticos. Há uma conexão entre os sindicatos e
a evolução do estado de bem-estar social, a ideia que o
movimento dos trabalhadores tinha de como o estado do
bem-estar social deveria ser e no que ele deveria ser se
baseava nos homens como provedores da família e nas
mulheres como as ajudantes. É uma história profundamente
alojada em nosso pensamento e nosso comportamento, e
por meio dessa história nós conseguimos entender as
posturas atuais na nossa sociedade.
“Eles tiveram que contratar muitas mulheres que
sabiam como fazer aquele trabalho. Elas eram
chamadas de perfuradoras. Elas não eram tipógrafas
naquele tempo.”
Trecho de uma
conversa com
Ingegärd Waaranperä
Eu trabalhava na gráfica da editora Ordfront. No início, ela
era chamada U-aktionen e estava localizada em Estocolmo.
Então mudamos o nome para Ordfront [Front da Palavra] e
mudamos para Småland no Sul, e eu trabalhei lá. Quando
nós começamos, por volta de 1969, estávamos muito
defasadas em relação à nova tecnologia da época. Os livros
eram feitos da forma mais barata possível. Nós passamos
por 200 anos de evolução tecnológica em pouco tempo – no
início, era uma gráfica de livretos. Nossos primeiros livros
foram escritos numa máquina de escrever com margens
esquerdas manuais e sem kerning ou nada do tipo. Quando
mudamos a gráfica de volta para Estocolmo, conseguimos
uma máquina de escrever IBM semielétrica. Aquele foi o
primeiro embrião da loja de impressos.
Basicamente não éramos remuneradas. Quando
chegamos em Estocolmo com este modo de trabalho, o
sindicato de impressores (Grafiska Fackförbundet) nos
procurou e disse “ei, vocês estão colocando pressão no
mercado e dificultando para outras pessoas por não
cobrarem de acordo com o combinado”. Nós entendíamos
isso, mas não entendíamos como resolver, então eles nos
ajudaram. Nós não éramos capazes de negociar por nossa
conta, uma vez que agíamos como empregadas e
empregadoras ao mesmo tempo. Nós tivemos que dividir a
força de trabalho para que algumas de nós assumissem o
papel de empregadoras. Nós formamos um segmento do
sindicato, começamos a negociar umas com as outras e
alcançamos o pagamento mínimo de acordo com o Grafiska
Fackförbundet. Nós tivemos que ajustar os nossos preços e
finalmente nos adequamos ao restante do setor, e também
recebemos treinamento. O sindicato realmente nos ajudou
com o nosso desenvolvimento. Eles nos acolheram, em vez
de apenas nos dizer que estávamos estragando tudo.
Todo mundo fazia de tudo na Ordfront, mas no fim você
acabava trabalhando onde se encaixava melhor. No entanto,
eu era a única que conseguia compor numa velocidade
razoável, e assim consegui o emprego de tipógrafa. Se você
calculasse com antecedência, era possível conseguir uma
margem da mão direita limpa, mas nós não nos
importávamos. Ficava bom assim mesmo. Mas você não
podia fazer correções, então, se errasse, tinha que encontrar
aquela linha e escrever uma nova e colá-la em cima da
primeira tentativa. Era muito trabalho.
Nós experimentamos diferentes sistemas de typeset – o
trabalho implicava a produção de textos longos.
Formatávamos e imprimíamos entre 70% e 80% de todas as
publicações de esquerda da Suécia durante os anos 1970.
Nós tínhamos um problema com quebras de linha: jornais
como o Clarté tinham colunas estreitas e precisávamos
encaixar “Marxismo-Leninismo” e “o pensamento invencível
de Mao Tsé-Tung”. Era preciso quebrar as palavras nos
lugares certos e evitar muitos espaços vazios. Você
consegue imaginar o quanto esses clichés prolixos nos
irritavam, porque eles arruinavam a aparência do texto.
Depois, nós mudamos para aquelas máquinas de escrever
amarelas em que você digitava em uma fita, que era lida
por um computador que convertia aqui num pequeno disco
fonte. Um pequeno estroboscópio dentro do disco expunha a
letra relevante, projetando-a em um papel sensível à luz,
então você tinha que montar a fita numa sala escura.
Tínhamos comprado seis fontes diferentes e você tinha que
programá-las enquanto escrevia. Você levava as provas para
a mesa de luz onde um tipógrafo usava uma máquina para
espalhar cera no verso do papel. Em seguida, os pedaços
eram cortados e colocados em templates da mesa de luz.
Eles usavam folhas finas então não era possível mudar o
template toda hora. Isso era realmente o mais próximo que
chegamos do design gráfico. O design final da página era
desenhando como uma referência tosca, dentro da qual o
tipógrafo ou a tipógrafa poderia fazer como bem
entendesse. Mas eu não estava envolvida nisso, eu digitava
o tempo todo, no fim, fiquei bem rápida nisso.
Christer Hellmark também trabalhou lá. Nós nos
conhecemos em 1969 e fomos casados por 35 anos. Christer
estava por trás de uma expressão cunhada pela Ordfront no
fim dos anos 1970: “o bom livro utilitário”. Os primeiros
livros da Ordfront eram folhas soltas coladas em um celeiro
gelado em Småland, e assim que você os abria, eles se
desfaziam. Nos cansamos daquilo e insistimos na ideia de
que nossos livros deveriam ter uma boa aparência e serem
úteis. Todo mundo estava se mexendo à sua maneira; um
texto ligeiramente maior se tornava uma manchete e por aí
vai. Christer começou a se interessar por design gráfico e
percebeu que havia regras tipográficas importantes que
poderiam nos ser úteis. Ele aprendeu as regras para compor
com tipos de chumbo, todos aqueles pequenos quadrados
de indentação e outras coisas que as pessoas pensavam
“mas que inferno, que diferença faz?”. Dependendo da
máquina, aprendíamos diferentes sistemas de medidas. Na
tipografia com chumbo, havia “cicero” e todas aquelas
palavras engraçadas que diferentes tipógrafos tinham para
diferentes unidades de medida.
Quando você era membra do Grafiska Fackförbundet e
estava tentando ser uma boa integrante do sindicato, os
homens mais velhos chamavam você de “meio pequena” –
era como eles praticavam a machexplicação. Mas eles eram
gentis e educados, os tipógrafos. Era um grupo de
companheiros, pessoas realmente divertidas, muito
conscientes, engajadas politicamente e radicais.
Eu saí da Ordfront no início dos anos 1980. O único motivo
foi Christer e eu estarmos trabalhando no mesmo lugar –
ficou muito chato. O Grafiska Fackförbundet tinha seu
próprio serviço de empregos; quando você precisava de
trabalho, procurava primeiro o sindicato. E eles diziam
“estão precisando de gente no jornal Dagens Nyheter, vai
lá”. Era impressionante, é claro. Mas depois esse serviço
desapareceu completamente.
Eu fui para o Dagens Nyheter em 1981 como uma
“perfuradora”, e eles tinham um sistema ao qual eu me
adequava bem. Os linotipos antigos tinham dois teclados,
um de caixa-baixa e um de caixa-alta. E os homens mais
velhos ficavam sentados em seus linotipos martelando
assim [faz um gesto como se estivesse martelando um
teclado sobre a mesa]. Eles eram rápidos, mas quando as
novas máquinas chegaram, elas tinham teclados comuns.
Eles tiveram que contratar muitas mulheres que sabiam
como fazer aquele trabalho. Elas eram chamadas de
perfuradoras. Elas não eram tipógrafas naquele tempo.
Também havia muitas outras diferenças, é claro, diferenças
salariais e tudo isso. Mas aqueles velhos não conheciam essa
tecnologia. Havia muitas tensões.
Nós, as perfuradoras, estávamos digitando em
computadores. Estávamos trabalhando em terminais de
formatação. As diagramadoras eram as verdadeiras
tipógrafas e é claro que ainda eram tipógrafas no sentido de
que produziam páginas inteiras, o que nós não fazíamos.
Ainda tinham a etapa de montar o texto no papel, e então
faziam as chapas para impressão offset. Antes você mudava
da composição com chumbo para impressão offset. Agora,
eles podiam ir direto dos negativos para a offset.
Na gráfica, quando os chefes tentavam nos pressionar, por
exemplo, durante as negociações salariais, o sindicato dizia
“estamos em negociações de salário agora, então lembrem-
se de que a área em torno da sua máquina typeset precisa
estar muito limpa”. Então, na época, enquanto o jornal
precisava sair rápido, nós limpávamos e aspirávamos nossas
mesas e levava uma eternidade para os textos saírem, e os
chefes estavam prontos para nos matar. Era uma tática: não
era greve, era operação tartaruga.
Eu trabalhava das 14h às 22h. Nesse horário, nós
tínhamos uma coisa maravilhosa chamada “hora de ir pra
casa”. Quando tudo terminava, encartes de anúncios e tudo,
o chefe do sindicato batia palmas e dizia “hora de ir pra
casa”. Levava 20 segundos para todo mundo sair. Nós íamos
para casa assim que terminávamos o trabalho, mas ainda
recebíamos pela jornada inteira. Eu pensava que tinha
morrido e ido para o céu, porque na Ordfront as coisas
nunca acabavam, a gente nunca recebia.
A Ordfront também era muito dominada pelos homens.
Embora houvesse mulheres lá, os caras estavam em
vantagem. Só nos últimos anos que o feminismo entrou nas
publicações. Em contraste, a gráfica do Dagens Nyheter
tinha muito mais mulheres. Deve ter sido bem pior quando
as primeiras mulheres entraram, porque os homens mais
velhos tinham medo de serem demitidos – era o sustento
deles que estava em jogo. Mas acho que o jornal fez bem.
Eles não demitiram as pessoas quando mudaram a
tecnologia. Muitos trabalhadores estavam lá há tanto tempo
que tiveram envenenamento por chumbo, eles tinham se
sacrificado por causa da tecnologia antiga.
As mulheres tiveram vantagem quando vieram para o
Dagens Nyheter como perfuradoras, mas a luta tinha
acabado quando cheguei. Na época havia um coletivo de
senhoras acolhedor que lhes davam as boas vidas de braços
abertos. Eu cheguei bem no meio dessa transformação, mas
isso não era notável em um terminal de diagramação da
gráfica. Quando eu cheguei já era um local de trabalho
predominantemente feminino. Ainda assim, os homens mais
velhos tinham garrafas de uísque escondidas nas gavetas de
suas mesas. Não aconteceu de nenhum desses caras me
assediar ou me tocar; eu podia perceber que esse tempo
tinha ficado para trás. No entanto dava para perceber no
refeitório, não no sentido do assédio sexual, mas as piadas
machistas eram intermináveis. Eram alguns dos homens
mais velhos, não muitos, mas você escolhia não se sentar
naquela mesa do refeitório. Havia muitas pessoas boas. As
lutas que existiam eram por privilégios profissionais. Quem
poderia dominar a nova tecnologia?
Por volta de 1986, a reestruturação seguinte aconteceu. O
Dagens Nyheter decidiu desmanchar a gráfica, e os
jornalistas iam assumir as tarefas de composição. Isso criou
um grande conflito. Os diagramadores estavam perdendo
seus empregos, e os jornalistas tinham que aprender a
digitar e nunca cometer erros. Eles estavam acostumados a
montar textos que eu nem sei dizer com o que pareciam. A
primeira coisa que aconteceu quando os jornalistas
começaram a digitar em computadores foi que seus textos
se tornaram longos demais. Antes, eles tinham laudas
manuscritas de 15 linhas, metade de um A4. Eles recebiam
um pedido junto das folhas que dizia “escrever três laudas”
e não passavam disso. Mas então não havia a mesma
limitação concreta, então eles se excediam. Dava para notar
nos jornais da época. Naquele momento, as pessoas
aprenderam a se controlar.
Profissionais da tipografia lutaram contra jornalistas
fazendo o trabalho de diagramação. Mas não havia a menor
chance – para o espírito do tempo esse era o novo acordo.
Os tipógrafos eram bons negociadores, eu me lembro disso.
O Dagens Nyheter teve bem mais ondas de demissões
recentemente. Eu estava entre as primeiras a serem
dispensadas, e falei que queria me juntar à redação. Então
comecei como editora na editoria de TV. Era o cargo mais
baixo na hierarquia, mas eu queria continuar e não era
muito velha na época. Ainda havia algum potencial.
Algumas tipógrafas se tornaram ótimas técnicas de
computador. Quanto aos homens, alguns deles são agora
supervisores na unidade de tecnologia, ou designers
gráficos muito bons; eles aproveitaram a oportunidade para
se desenvolver. O forte senso de honra e o orgulho que os
tipógrafos tinham de sua profissão significava que eles
estavam bem preparados para a nova tecnologia. Eles
tinham noção de seus conhecimentos e não ficaram
perdidos. Estavam mais bem equipados do que jornalistas,
que não sabiam nada de diagramação e tecnologia.
Jornalistas que deviam escrever de forma tipográfica
precisavam de máquinas pré-programadas que facilitassem
isso.
A unidade de tipografia inteira foi integrada à unidade de
jornalismo, mas quando essa fusão se completou,
começaram a fazer cortes no departamento editorial para
que a equipe coubesse no espaço. Eles se mudaram do
arranha-céu – desde o início o Dagens Nyheter inteiro cabia
em um grande arranha-céu com uma enorme impressora de
três andares no porão. Mudaram as rotatórias para o
subúrbio, e então fecharam o porão, encolheram a cantina,
integraram as diferentes unidades no prédio, e finalmente
conseguiram espremer a equipe editorial no prédio que
antes abrigava o Expressen. Agora a equipe inteira cabia em
um prédio, exceto por equipes auxiliares, como o marketing,
que tinha seu próprio andar. O espírito enfraquece um
pouco quando poucos grupos profissionais são envolvidos.
As pessoas costumavam se reunir e ter um monte de
discussões sobre diferentes áreas, sobre design e tecnologia
também, não só sobre o conteúdo dos textos. Editorial e
impressão eram uma única unidade, no mesmo andar. Era
legal.
Grafiska Fackförbundet começou como a união de vários
sindicatos: litógrafos, encadernadores, impressores, entre
outros, tinham suas próprias organizações. Mais tarde, eles
se juntariam, encolheriam com o passar do tempo, mas eles
se apegaram aos seus conhecimentos e ao seu orgulho
profissional. Eram antifascistas durante a guerra e sempre
foram uma força intensa na defesa da liberdade de
expressão. Quando penso nisso, sinto um orgulho imenso de
ter feito parte dessa tradição profissional.
“Na época, a tecnologia estava ultrapassando a
indústria inteira e no sindicato havia uma luta real
entre o convencional e a nova tecnologia. Nós
demoramos para perceber que tínhamos que
abraçar o sindicalismo e a tecnologia.”
Trecho de uma
conversa com
Gail Cartmail
Deixa eu te contar um pouco sobre a minha experiência
profissional, porque isso se relaciona com o meu ativismo na
National Graphical Association [Associação Gráfica Nacional]
(NGA). Como muitas da minha geração, eu saí da escola
com 15 anos e sem nenhuma qualificação profissional. As
opções para mulheres sem formação – é o que se pode dizer
– eram fábricas, serviços de auxiliar de escritório ou o
comércio e serviços. Meus pais achavam que a melhor coisa
seria conseguir uma vaga de aprendiz, e isso parecia
maravilhoso, com o problema que a única aprendizagem
disponível para mulheres era a de cabeleireira. Eu não me
saí bem. Eventualmente eu consegui uma vaga na imprensa
vendendo espaço publicitário. E o rapaz sentado do meu
lado fazia o mesmo trabalho que eu, mas o salário dele era
maior. Eu reclamava com o meu pai, e ele me dava o melhor
conselho que alguém poderia dar: “Não reclame, entre para
o sindicato e se organize”. Eu me tornei uma sindicalista
ativa, o que me levou a me educar dentro do sindicato. Eu
sempre tive interesse em arte e eventualmente tive a
oportunidade de trabalhar em gráficas. Não com design
gráfico, mas era mais interessante do que vender anúncios.
A igualdade é uma coisa muito forte ao longo de nossas
vidas. Sabe que a coisa que eu mais odiava naquele
trabalho não era o fato de que eu ganhava menos, porque
eu lidava com isso, mas eram as reclamações dos
empregadores de que os únicos anunciantes que eles
conseguiam eram não brancos. Isso foi antes das leis de
igualdade, antes de ser ilegal pagar mais a um homem e
antes de ser ilegal discriminar alguém descaradamente com
base na cor da pele. Isso era tão ofensivo, e embora
tenhamos leis contrárias, ainda acontece.
Conheci pessoas que administravam uma gráfica que
publicava jornais e revistas progressistas e, como eu estava
interessada em design gráfico, comecei a fazer um trabalho
voluntário no setor de arte lá. Eu também trabalhava para
um coletivo de mulheres chamado Red Lion Setters. Um dos
motivos pelos quais trabalhei lá era a conexão do coletivo
com o Congresso Nacional Africano da África do Sul (CNA).
Fazíamos muitos trabalhos de arte para o partido, assim
como trabalhos comerciais. Era bom doar minha força de
trabalho para um movimento. Algumas de nós estávamos
trabalhando na área comercial, e usávamos os recursos da
empresa, nos nossos locais de trabalho, à noite, para nos
envolvermos como organizações sem fins lucrativos. Tenho
amigas que ainda fazem o trabalho comercial e então
trabalho voluntário para causas comunitárias e ambientais –
acho que isso é uma tradição. Eventualmente fiquei
conhecida pelo trabalho com tipografia e gráfica, um
percurso muito diferente se comparado ao trajeto
acadêmico ou ao caminho tradicional da aprendizagem. E,
obviamente, eu era uma ativista sindical, então me tornei
uma ativista na gráfica do sindicato, a NGA, que na
realidade tinha até uma piada, de NGA era a sigla de “No
Girls Allowed” [Proibida a entrada de garotas] no sindicato.
Mas eu era jovem e confiante, e não me ocorria que eu
poderia ser banida. É claro, mulheres que trabalhavam meio
expediente não podiam se filiar, e isso era uma grande
desgraça. Sem dúvida era necessário para as mulheres no
sindicato trabalharem juntas e também trabalhar com
mulheres em outros sindicatos de outras indústrias como a
Society of Graphical and Allied Trades [Sociedade de
Gráficos e Negócios Afins], então nós tentamos formar uma
rede. Acho que nós mudamos o comportamento e a cultura.
Por exemplo, eu discuti sobre isso na minha capela do
sindicato, nacionalmente, para que nos dissociássemos do
Sindicato de Tipógrafos Sul-africano, que era um sindicato
racista. E tivemos sucesso ao levar isso do meu local de
trabalho para todas as estruturas sindicais até a
confederação gráfica internacional, até que eles foram
expulsos. Na prática, os caras não faziam essas coisas,
lidavam com questões mais estreitas. Nós fazíamos
reivindicações pela associação de trabalhadores
desempregados e fazíamos reivindicações por creches. Nós
olhávamos mais adiante – “como está indo a demanda pela
creche?” –, quando você não tem muitas mulheres no
sindicato, também não tem muitas mulheres com filhos. É
como um círculo vicioso, né? Enfim conseguimos rompê-lo
porque formamos alianças. Acho que mudamos um pouco a
linguagem e conseguimos algum respeito, e eu tive o
fantástico privilégio de ser a primeira mulher eleita para
representar o sindicato. Foi no Trade Union Congress
[Congresso de Sindicatos] e isso foi uma grande coisa.
Realmente parece muito incrível que as conquistas naquele
contexto, em relação ao que esperávamos, seja o normal
hoje. O que aprendi com isso é que a diversidade fortalece
as organizações, e as mulheres tornaram isso possível para
os sindicatos ao encorajarem uma diversidade muito mais
ampla, incluindo a diferença étnica e compreendendo
questões de deficiência.
Muitas mulheres na NGA estavam lá porque elas tinham
habilidades com o teclado QWERTY. É claro, eram mulheres
inteligentes, então como seria difícil digitar num
computador? Não estou dizendo que seja um trabalho que
não requer habilidades – é altamente qualificado. Mas
acredito que as habilidades atribuídas às mulheres não são
valorizadas como competências até que sejam vistas num
ambiente masculino. Aí de repente todo mundo está
dizendo “isso é uma habilidade”. Então, usar um teclado
QWERTY com desenvoltura assim como acompanhar a
diagramação do projeto gráfico são competências.
Eu era o que eles chamavam de “a mãe da capela”[1], uma
representante sênior. Eu convocava os homens para uma
reunião, e se eles não viessem os fazia pagar uma multa. E
eles vinham às reuniões. Então, nós conversávamos
regularmente sobre questões econômicas e políticas que
eram relevantes para os nossos locais de trabalho, mas às
vezes sobre temas maiores do que o ambiente de trabalho,
como o racismo no Sindicato de Tipógrafos Sul-africano. Um
erro que as pessoas cometem é achar que trabalhadores não
têm bússola moral e não estão interessados. Minha
experiência é que nós temos. Mas precisamos criar um
ambiente onde os trabalhadores conversem entre si para
entenderem uns aos outros. Entender o que é certo e errado,
o que temos que defender.
Fiquei na indústria até 1987, e minha capela ainda tinha
uma lista de contratação fechada nas gráficas com listas de
empregos e green card. Eu sempre pegava trabalhos que
vinham com o green card e conseguia me manter neles,
sem exceção. Minha capela era realmente diversa e éramos
fortes, mas você já conseguia perceber um enfraquecimento
na confiança em outros lugares. Por exemplo, uma agência
de publicidade deveria se sindicalizar e precisava incluir em
seus materiais o selo do sindicato, então nos procurava
porque fazíamos a diagramação da revista. E na minha
capela se nós não víssemos o selo, nós a mandávamos de
volta, pois fazíamos pressão pelo sindicato. Mas por causa
do que aconteceu na época, com as leis contra as
organizações de trabalhadores, o ataque horrendo de
Margaret Thatcher aos sindicatos e as campanhas
coordenadas pelos empregadores – eu sabia que havia um
enfraquecimento. Sei disso porque nossa administração
colocou mais pressão para que aceitássemos trabalhos que
não passavam pelas negociações do sindicato. Na época, a
tecnologia estava ultrapassando a indústria inteira e no
sindicato havia uma luta real entre o convencional e a nova
tecnologia. Nós demoramos a perceber que tínhamos que
abraçar o sindicalismo e a tecnologia. Há uma lição para nós
aqui com a automação. A organização se tornou muito mais
fraca, e menos organizada no setor gráfico, em parte porque
se tornou uma área individualizada. Todo designer gráfico
que eu conheço é freelancer, não é um ambiente coletivo.
Enquanto eu estava na indústria, nós tínhamos a
organização nas capelas. Todo mundo estava trabalhando
como parte de uma empresa maior; no minuto em que você
se desvinculava, trabalhava por conta própria, você se
tornava vulnerável. Na verdade, trabalhadores são
vulneráveis em muitos sentidos. A força do sindicato é a
organização coletiva, do contrário é o trabalho
individualizado.
No entanto, nós organizamos trabalhadores autônomos,
por exemplo, as organizações de guias de turismo
autônomos, organizados como integrantes de um sindicato
em um ramo no qual eles definem valores e condições para
trabalharem. São um grupo forte mesmo quando estão
competindo entre si, de certa forma. Isso não é comum, mas
em um sindicato do tamanho do nosso aceitamos
organizações menores porque elas podem ser beneficiadas
pelos nossos serviços. Recentemente, artistas no Reino
Unido formaram a organização União de Artistas da
Inglaterra. Só porque existe criatividade intelectual em
competição com criatividade intelectual isso não significa
que você não tenha um terreno comum e objetivos comuns.
“Uma dor em um é uma dor para todos” é um slogan que
acredito ser muito verdadeiro. É do seu interesse que exista
um ponto de partida, um limite que você não ultrapassa em
um acordo – “este é o valor pelo trabalho” e “esses são os
termos razoáveis nos quais podemos negociar com um
cliente”. Formar alguma solidariedade para que você não
seja prejudicada. E apresentar demandas para os seus
clientes sobre como respeitar questões ambientais. Ou
chegar a um acordo sobre como não ser conivente com
práticas discriminatórias. Há muitas coisas horríveis na
indústria contra as quais se pode fazer demandas comuns.
Eu, enquanto consumidora, sei que o que coloca as pessoas
nesta associação que as afasta umas das outras é que elas
podem ser éticas com as quais consigo me identificar e sinto
que isso pode ser um negócio justo. Eu consigo ver, que com
algum esforço, isso pode funcionar. Tudo é possível.
Nada, nunca, é conquistado por uma única pessoa. Na
minha experiência, nenhum empregador nunca nos deu
nada a menos que usássemos a força. Nada vai acontecer se
nós apenas desejarmos. Eu nunca consegui nada
individualmente; sempre foi coletivamente. Mas o que eu
digo para as mulheres é que nós sempre abrimos mão das
nossas conquistas. E nós usamos a palavra “nós” quando, às
vezes, na verdade, ocupamos uma liderança individual e nós
deveríamos nos orgulhar dos papéis de liderança. Alguém
precisa se colocar à frente e liderar, então o meu conselho é:
se fortaleça com o seu coletivo, mas também não abra mão
de suas realizações, porque esse é motivo pelo qual
mulheres não são vistas frequentemente como poderosas.
Você sabe que está sobre os ombros de outras mulheres que
também foram as primeiras a conseguir algo. Uma vez que
você ultrapassa um limite, outras mulheres seguirão seu
exemplo. Eu estou nessa posição fantástica em que sou
capaz de dizer “eu sei que vou escolher as mulheres”.
Então, na verdade, é isso o que eu faço, eu escolho as
mulheres. Eu sei que vocês também estarão em posições
para fazer isso e que desse jeito nós vamos mudar o mundo.
“A tipografia se tornou digitar em vez de combinar
26 soldadinhos de chumbo.”
Trecho de uma
conversa com
Megan Dobney
Eu fui para London College of Printing e fiz um curso de três
anos de design tipográfico[1]. Quando saí de lá em 1972,
arrumei um emprego em um pequeno estúdio como
designer júnior. Naquela época, os sindicatos gráficos
estavam começando a ver uma “mudança tecnológica”.
Antes disso, as coisas eram “nós homens e nossos metais
pesados” e “as garotas lá fora digitando”. Mas, quando a
tecnologia mudou, a formatação começou a ser feita em
teclados QWERTY em vez do velho teclado de linotipo. A
tipografia se tornou digitar em vez de combinar 26
soldadinhos de chumbo.
E na Inglaterra, por volta dos anos 1970, havia mulheres
que eram datilógrafas, não homens, então, se houvesse uma
vaga para digitação, em geral, seria uma mulher que se
candidataria. O que estava acontecendo, é claro, é que
garotas digitando não custavam muito em comparação a
homens com cinco anos de aprendizado, então havia uma
preocupação de que os empregos começariam a migrar para
um setor não sindicalizado.
Havia a expressão: “diluir”. Diluir os termos de condições,
mas é claro que isso tinha tudo a ver com os empregadores.
Eram os empregadores que viam a oportunidade de romper
com o controle que o sindicato mantinha dos salários e
condições trabalhistas. E a resposta do sindicato foi “nós não
temos qualquer controle. Se você é uma mulher e trabalha
aqui, você ganha o mesmo salário que eu”. Você sabe,
dentro de um sindicato de gráficos. E assim eles se
acomodaram com isso.
Naquela época, tínhamos um sistema de “gráfica fechada”
no mercado editorial, o que significava que você precisava
ser filiada a um sindicato para conseguir um emprego.
Então, eles decidiram ampliar a participação do sindicato
para profissionais que trabalhavam nos setores com novas
tecnologias. Os dois sindicatos realmente relevantes eram a
National Graphical Association [Associação Nacional de
Artes Gráficas] (NGA) e a SLADE, que depois se tornaria
parte da NGA.
A SLADE era a Sociedade de Artistas Litográficos,
Designers, Gravadores e profissionais de áreas afins.
Basicamente eles faziam gravações de fotolitos, em
algumas escolas antigas faziam litografia, mas não
trabalhos gráficos de modo geral. Era um processo pré-
impressão, a composição era com a NGA. No entanto, a nova
tecnologia era relevante para ambos os sindicatos.
Enquanto havia demarcações muito mais claras na velha
tecnologia, a nova tecnologia criava uma fluidez muito
maior.
A NGA e a SLADE entraram numa espécie de guerra por
novos integrantes e aceitavam como membros quem não
tinha passado por uma formação.
Houve tempos interessantes no início dos anos 1980,
quando algumas poucas mulheres montaram cooperativas.
A maioria delas tipógrafas, mas também impressoras,
produzindo pequenos impressos, livretos e folhetos em vez
de jornais. Aquilo provocou algumas dificuldades para os
sindicatos, porque eles sempre detinham o controle sobre as
vagas de emprego. Se um empregador queria uma pessoa
para trabalhar como compositora tipográfica, informava ao
sindicato, e o sindicato mandava alguém rapidamente. É
claro que isso criava uma grande vantagem por um lado. Eu
poderia entrar num emprego e como eu não me pareço com
um cara, seria recebida com “você tem certeza de que
consegue fazer isso?”. Então, você mostrava sua carteirinha
do sindicato e uma vez que eles não podiam mandar uma
pessoa qualificada embora, eles diziam “tudo bem, vamos
te dar quinze dias de experiência”.
Não podiam nos dizer que não éramos adequadas ao
trabalho sem uns quinze dias de experiência – e é lógico que
nós sempre éramos qualificadas. Mas algumas dessas
gráficas administradas por mulheres só queriam força de
trabalho feminina. Se elas tinham uma vaga, o sindicato
enviava a primeira pessoa da lista, que geralmente era um
homem, é claro, porque era uma indústria
predominantemente masculina. Então, havia discussões
interessantes sobre como elas poderiam resolver isso sem
desistir das gráficas fechadas e do controle de tudo.
Eu estava muito envolvida com o sindicato e sempre senti
que havia camaradagem ao meu redor. Não era
necessariamente em relação ao local de trabalho, mas entre
meus colegas de sindicato. Talvez a minha memória esteja
falhando, mas eu não consigo me lembrar de uma fase ruim
com os companheiros da organização. Os empregadores,
em geral, não estavam nem aí, não se interessavam pelo
gênero, na verdade. O único momento em que isso se
tornou uma questão era quando uma mulher começava a
ter filhos. Quando eu tive os meus, eu não tive muitos
direitos. Nós não temos direitos muito melhores hoje em
relação à licença-maternidade, entre outros.
Também havia certo protecionismo. Os ludistas na
Inglaterra se opunham ao uso de máquinas industriais
porque os empregadores as viam como uma oportunidade
de rebaixar os salários, o poder e as condições dos
trabalhadores. No entanto, também havia progresso. Então,
tinha a ver com acompanhar o progresso, enquanto se
mantinha o controle, o que nem sempre é fácil.
Banner da NGA no escritório de Megan Dobney em 2017.
Fotografia de Sara Kaaman.

A tecnologia está sempre mudando. Mas como você


mantém o controle enquanto introduz uma nova técnica
que possivelmente lhe ofereceria melhores condições? Uma
impressora mais rápida é a mesma tecnologia básica, mas
opera com mais velocidade. O que os sindicatos
normalmente tentavam fazer era colher algumas vantagens,
para que elas não fossem todas para o empregador.
Quando os empregadores diziam que estavam trazendo
uma nova máquina, o sindicato dizia: “Ok, em que medida
ela produz mais na mesma janela de tempo? A qualidade da
impressão será melhor? Ela vai demandar um novo tipo de
trabalho? Nós vamos ter que correr mais ou o quê?”.
E então você pega um pouco dessa postura, ao dizer “nós
vamos receber mais por isso”, ou “vamos ter três dias de
folga”, ou “menos meia hora por semana”, você sempre
tenta conseguir algo, porque, do contrário, tudo vai para o
empregador, e não é só o empregador quem está
investindo. A força de trabalho tem que investir também,
senão não funciona.
Nós reclamávamos que queríamos um comitê de mulheres
há um tempo. Mas quando a NGA se fundiu com a União
Nacional de Papéis de Parede, Decorativos e Negócios afins
(NUWDAT, na sigla em inglês), em 1981 ou 1982, isso
aconteceu. Havia muitas integrantes no NUWDAT,
especialmente no design e na parte administrativa dessas
fábricas. Eles tinham um histórico de reconhecer que as
mulheres precisavam de um pouco de espaço na ocasião,
então elas entraram na organização e pressionaram junto
com a gente. Acho que era chamado de “comitê consultivo”
para garantir que não tínhamos a ver com nenhuma ideia de
poder. E era comandado por um membro do conselho
nacional que era um homem, é claro, pois o conselho só era
formado por homens.
Depois da disputa Wapping em 1985-1986[2], houve uma
convocação para uma conferência em Londres para a
criação de um comitê LGBTQIA+ no sindicato. Ah, não, acho
que ainda não estávamos pensando nas pessoas trans na
época, era um comitê GLS, e isso foi fascinante porque por
um lado os caras diziam “daqui a pouco elas vão querer um
comitê para marinheiros de uma perna só”, mas por outro
lado você tinha os trabalhadores de Wapping que diziam
“[pessoas homossexuais] estão com a gente todo sábado”,
uma vez que existia um grupo de apoio durante a greve
chamado “Lésbicas e gays apoiam os gráficos”.
Naqueles dias, existia uma confederação nacional de
impressão, e talvez ainda exista hoje em dia (mas não sei
nada sobre isso). Uma consequência disso era que, se você
trabalhasse na Suécia e se filiasse a um sindicato de
gráficos lá, você era membra do sindicato internacional.
Você poderia chegar com a sua carteirinha no meu sindicato
e dizer “gostaria de trabalhar em Londres” e eles teriam que
dizer “tudo bem, assine aqui”, e eu poderia fazer o mesmo
na Suécia. Um dos resultados disso é que havia uma grande
proporção de profissionais negros que vinham das antigas
colônias, da Jamaica e das ilhas das Índias Ocidentais,
mulheres inclusive. A comunidade de gráficos e impressores
me parecia um pouco mais misturada em termos de gênero.
Antes da mudança tecnológica, o jeito de entrar na
indústria era por meio de aprendizados de pai para filho e
era raro que as filhas se tornassem aprendizes. Obviamente
eles eram todos brancos e seus filhos eram brancos.
Outra coisa com a qual eu estava muito envolvida eram as
discussões pela expulsão do Sindicato de Tipógrafos Sul-
africanos[3] da Federação Gráfica Internacional durante a
época do apartheid. Nós dizíamos que eles não estavam
aptos a serem membros de uma federação internacional por
causa da discriminação. Eles participavam do apartheid
uma vez que os membros eram todos brancos, e eles não
tinham filiados negros, e por aí vai. Então, nós nos
envolvemos com questões mais amplas. Você via pela greve
dos mineiros que milhões de pounds foram doados daqui e
dali, de sindicatos do mundo inteiro. O mesmo aconteceu
durante a disputa de Wapping.
Margaret Thatcher foi eleita em 1979 e nos cinco ou seis
anos seguintes ela apresentou uma série de leis que foram
cortando pouco a pouco os direitos dos sindicatos. O ponto-
chave para a indústria gráfica foi a abolição das gráficas
fechadas. Ela tornou ilegal você ter que ser sindicalizada
para conseguir um emprego. Isso teve um grande impacto.
Os sindicatos não estavam acostumados a recrutar pessoas
porque todo mundo sabia que era preciso entrar no
sindicato em algum momento para conseguir trabalho. Eu
não tinha que convencer ninguém de que seria bom se filiar,
algo que os sindicatos precisam fazer hoje em dia. Ao
mesmo tempo, nós encaramos o aumento da globalização,
que nesse sentido não teve nada a ver com a Margaret, mas
os empregos em gráficas naquele momento estavam
migrando para a Índia ou para as Filipinas, onde o trabalho
era mais barato e a nova tecnologia era fabricada.

Participantes dos cursos de formação de Pais de Capelas em 1981; obviamente eu


era uma Mãe de Capela, mas, como você pode ver, não havia muitas mulheres na
turma!
Megan Dobney e Arthur Scargill na época da greve dos mineiros de 1984-1985.
“Profissionais de gráficas levantaram uma enorme quantia de dinheiro para apoiar
os mineiros em greve e suas famílias, e eu fui, junto dos membros das capelas do
News of the World , encontrar Arthur Scargill, então secretário do Sindicato
Nacional de Mineiros, para levar os cheques e essa peça de propaganda
comemorativa!”.

Assim, não se podia confiar que o seu emprego de


designer ou o meu de tipógrafa acabaria em uma gráfica na
Inglaterra. Antes você tinha que mandar um fotolito; agora
você manda direto de um computador para uma chapa em
Nova Deli. Aconteceram muitas coisas que minaram nossas
forças.
Eu sempre penso que essa foi uma época de grande
camaradagem no sindicato, na tentativa de mudar as coisas.
Realmente havia um apoio muito bom. E nós tínhamos
salários decentes em comparação a outros empregos. Agora
as coisas não são tão claras, mas, naquela época, com
certeza, se você tivesse uma graduação você conseguia um
trabalho mais bem remunerado do que se você não tivesse
uma formação. Agora há muitas pessoas com graduação e
esse diferencial está diminuindo.
Mas para alguém como eu, sem um diploma universitário,
o setor oferecia empregos que eram bem remunerados.
Quando eu trabalhei à noite em uma agência de anúncios,
eu era incrivelmente bem paga em comparação a todo
mundo que eu conhecia. Quatro noites por semana, e se eu
trabalhasse mais uma noite, o que às vezes acontecia, o
adicional era o equivalente ao pagamento de meia semana,
além do salário. Como a estrutura de hora extra estava
realmente definida e não era “só fique aí e faça mais um
pouco”, mas “é isso, estou indo embora” ou “vou fazer mais
um turno de trabalho” e então você seria paga por isso. Tudo
muito direto, e isso era uma boa lição para qualquer
trabalho. Você não estava ali para ajudar o patrão.
Eu não sou uma pesquisadora, mas acho que se pode
dizer que os sindicatos não foram ágeis o bastante. Talvez
eles tenham se fiado muito no controle que sempre tiveram
sem olhar para o futuro, quando as coisas poderiam ser
diferentes.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Seriam as mulheres inimigas naturais dos livros?
Na minha busca por conhecimento sobre bibliófilas, subi as escadas de
bibliotecas e, entre livros sobre colecionadores, encontrei The Library [A
biblioteca] de Andrew Lang, publicado em Londres, em 1881. Confiante de
que encontraria algum texto simpático e charmoso sobre o tema, eu o tirei
da prateleira e me voltei para o sumário, mas evidentemente tinha me
esquecido do preconceito de Andrew, pois, para o meu horror, as linhas
iniciais “Mulheres, as inimigas naturais dos livros” logo me chamaram a
atenção. Elas eram classificadas entre outros inimigos dos livros: umidade,
poeira, sujeira, traças, leitores descuidados, pessoas que pegam livros
emprestados, ladrões de livros, assombrações de biblioteca etc., então,
precipitadamente virei a página e li: “Quase todas as mulheres são inimigas
inveteradas não dos romances, é claro, nem das histórias da nobreza ou de
títulos populares de história, mas dos livros que merecem ser levados a
sério. É verdade que Isabelle d’Este e Madame de Pompadour e Madame de
Maintenon eram colecionadoras; e sem dúvida houve muitas outras
brilhantes exceções à regra. Mas, em geral, as mulheres detestam os livros
que os colecionadores desejam e admiram. Primeiro, elas não os entendem;
segundo, elas têm ciúmes de seus feitiços misteriosos; terceiro, livros
custam caro, e é realmente difícil para uma dama ver o dinheiro ser gasto no
que parece uma velha encadernação surrada, ou um papel amarelado
coberto de caracteres apertados. Portanto, as senhoras travam uma guerra
intensa contra catálogos de livreiros e a história fala de maridos que
precisaram ter a astúcia de contrabandistas ao levar uma nova compra para
dentro de suas fronteiras. Assim, muitos homens casados foram reduzidos a
colecionar Elzevirs[1], que cabiam facilmente nos bolsos, pois não se pode
contrabandear facilmente um volume in-fólio”.
Pobre homem, a experiência dele com o belo sexo deve ter sido de
pouquíssima sorte. Talvez ele tenha sido desiludido ao ler a história da
abadessa do convento de Rumsey, em Hampshire, no século XVI, contada
por Dibdin. A inclinação dela era mais etílica do que bibliófila e trocava os
livros da abadia por bebidas fortes, sendo consequentemente acusada de
beber sem moderação, sobretudo durante a noite, quando convidava as
freiras para participar desses excessos nos seus aposentos. Mas felizmente
as mulheres descritas por Andrew Lang em sua diatribe são de fato
exceções raras à regra e é apenas a falta de espaço que me impede de
escrever um volume sobre as muitas mulheres colecionadoras que têm sido
amigas e não inimigas dos livros ao longo de séculos.
É verdade que as fêmeas de nossa espécie nunca foram tão suscetíveis à
doença dos livros quanto os machos, possivelmente porque elas nunca
tiveram a mesma oportunidade. A menos que uma mulher seja
economicamente independente, há muitas demandas sobre dinheiro de que
ela dispõe para os próprios gastos, de modo que ela realmente precisa
querer muito um livro para comprá-lo em vez um chapéu novo ou qualquer
outra coisa que fale ao coração dela. Ela não está apta a comprar por
especulação ou porque um livro é um item tradicional de colecionador, porém
é mais independente e aventurosa ao seguir seu gosto pessoal, embora o
espírito de colecionar livros seja algo que homens e mulheres podem ter.
Curiosamente, o primeiro registro sobre uma coleção de livros é de uma
mulher. Ela era uma abadessa beneditina chamada Rosvita que viveu na
Saxônia no século X, e não só livros eram escritos em seu convento, ela
também escrevia peças e traduzia a obra de Terêncio. Seu exemplo foi
seguido no século seguinte pela adorável e inteligente condessa Judite de
Flanders, que, onde quer que ela acompanhasse seu marido inglês com
quem tinha um relacionamento conflituoso, fazia com que manuscritos com
as mais refinadas iluminuras fossem produzidos. Ela manteve seus
interesses quando se mudou para o continente anos depois, ao se casar com
o Duque da Bavária. Quatro de seus manuscritos, encadernados
magnificamente, estão preservados hoje na biblioteca The Pierpont Morgan,
onde “livros que merecem ser levados a sério” por sua beleza podem ser
apreciados por mulheres que não são sequer “brilhantes exceções à regra
geral” dos colecionadores.
A era dourada das mulheres bibliófilas na França se deu do século XV ao
XVIII e foi uma época gloriosa para se viver. As rainhas, princesas, amantes
dos reis e todas as grandes damas tinham as suas bibliotecas. Elas eram
formadas por breviários, missais e manuscritos cheios de iluminuras, e das
prensas de grandes impressores da época vinham romances, histórias,
peças e livros religiosos, verdadeiras obras de arte. Esses livros e
manuscritos eram encadernados com ouro, prata, joias e forrados com
veludo e algumas das capas de couro mais lindas que o mundo já viu.
Brevemente, Marguerite de Navarro foi a única pesquisadora famosa de sua
época e autora de uma coletânea de histórias de amor, “The Heptameron”.
Disseram a seu respeito “L’amour du livre, chez la fille de Catherine fut une
véritable passion”[2]. Os livros dela eram encadernados pelos famosos Clovis
e Nicolas Eve e decorados com margaridas. Durante muitos anos, Madame
Pompadour foi uma influência nas artes e nas letras, embora se interessasse
mais por colecionar peças, romances e outras “produções breves” do que
obras sérias. Ela tinha uma sala de impressão em Versalhes e também
gravava placas para ilustrações como presente para seus amigos. A
Condessa de Verrue era uma colecionadora distinta, uma patrona de todas
as artes e uma mulher fascinante. Madame Du Barry adquiriu 1.068
volumes. Quando ela começou sua biblioteca, ela mal sabia ler e escrever. No
entanto, com a prática, rapidamente aprendeu a ler muito bem, mas, como
muitas de nós, nunca aprendeu a soletrar. Anne da Áustria era sortuda por
ter Mazarin como amiga, conselheira e uma alma irmã na bibliomania. Marie
Antoinette tinha duas bibliotecas. Ela mantinha seus livros particulares em
seus aposentos no Trianon, e os títulos de seu acervo são muito
interessantes. Marie Stuart tinha um gosto católico na literatura, e os livros
dela eram excepcionalmente bem escolhidos. Em consideração à morte de
seu primeiro marido, alguns de seus livros eram encadernados com a capa e
os acabamentos pretos. É reconfortante saber que quando ela foi embora da
França como uma jovem viúva e retornou à sua terra natal, a Escócia, onde
tantas tragédias aguardavam por ela “qu’elle avait pour les livres un gôut
profond, et ils etaient pour ainsi dire sa seule consolation loin de ce beau Pays
de France”[3]. Na Inglaterra, uma das damas mais afortunadas entre as
muitas que apreciavam a literatura era a Rainha Elizabeth, pois ela vivia em
uma era em que obras-primas estavam sendo escritas, muitas delas
dedicadas a ela e várias inspiradas por ela. Quando era jovem, bordava o
veludo com fios de ouro e de prata para encadernar seus tesouros. Entre os
manuscritos na Biblioteca de Bodleian, estão as Epístolas de São Paulo, etc.,
que era o livro de Elizabeth. Ela tinha escrito no início “Caminho tanto pelos
campos agradáveis das Sagradas Escrituras, onde colho algumas frases
como ervas benéficas ao podá-las: as mastigo ao refletir sobre elas:
penduro-as no alto num assento elevado na memória ao reuni-las: assim,
tendo provado a sua doçura, percebo menos a amargura dessa vida infeliz”.
Uma das homenagens mais belas e tocantes já escritas para uma mulher
é a dedicatória de Arcadia de Sir Philip Sidney para sua “querida dama e
irmã”, a condessa de Pembroke, para quem ele escreveu parte da obra;
“você desejou que eu fizesse isso, e o seu desejo, para o meu coração, é um
mandamento absoluto. Agora que está pronto somente para você,
especialmente para você”. Ela foi a maior inspiração dele e o ajudou a editar
o livro.
Onde há um desejo, há um jeito, e as mulheres parecem capazes de
contrabandear in-fólio assim como duodécimos para bibliotecas. Catarina de
Médici, por exemplo, tinha tal paixão pelos livros que ela os conseguia por
bem ou por mal. Ela desejava se apropriar da biblioteca de seu primo,
Marshal Strozzi, assim que ele morreu. Catarina se recusou a pagar por ela e
ficou devendo também aos livreiros, então, após sua morte, seus livros
foram levados pelos credores, De Thou levantou dinheiro para pagar por eles
e assim os títulos foram salvos para o estado. A fascinante e glamourosa
Diane de Poitiers era uma prática executiva de negócios, assim como uma
bibliófila, por isso foi ela quem supostamente aconselhou Henrique II a
aprovar uma ordem exigindo que todos os editores entregassem uma cópia
de cada livro às bibliotecas reais em Blois e Fontainbleau, aumentando assim
os acervos das duas em mais de setecentos volumes. Desse modo, a lei de
copyright como conhecemos hoje foi iniciada por uma mulher. Catarina da
Rússia também era corajosa em seus métodos de satisfazer seus gostos
literários. Ela dividiu a Polônia em 1772 e enviou livros suficientes para formar
a biblioteca em Hermitage. Ela costumava pedir a embaixadores,
especialmente o embaixador da Inglaterra, que conseguissem livros
estrangeiros para ela e, se ela não tivesse dinheiro para pagar por eles na
hora, ela convenientemente esquecia o assunto.
Anos depois, haveria mulheres na jovem colônia nas Américas que
gostavam de seus livros em meio ao seu entorno rústico. Em 1643, em
Eman, Nova York, o inventário da viúva Bronck incluía livros dinamarqueses. A
senhora Willoughby, da Virgínia, deixou cerca de 100 volumes ao morrer em
1673 e, em 1700, Elizabeth Tatham, de Nova Jersey, deixou 552 títulos,
enquanto sua contemporânea na Nova Inglaterra, Hannah Sutton, adquiriu
uma biblioteca de quase 700 livros.
No início do século XIX, a senhorita Richardson Currer de Eshton Hall, em
Craven, Yorkshire, arrematou uma grande coleção acadêmica de livros sobre
diversos assuntos. Ela foi acomodada em uma grande sala com uma galeria
que deve ter causado inveja em todos os amantes de livros. Ela era a
sortuda dona do raro Livro de St. Albans, escrito e compilado por Juliana
Berners, a madre superiora do convento de Sopwith em Hertfordshire. Dizem
que o fervoroso colecionador Richard Heber, sendo incapaz de conseguir o
livro de outra maneira, fez uma proposta de casamento emocionada para
srta. Currer. No entanto, ela foi firme em sua recusa, preferindo manter o
primeiro livro sobre esportes a ser escrito por uma mulher para si. Uma das
damas bibliófilas mais conhecidas dos Estados Unidos nesta época foi a srta.
Amy Lowell, de Cambridge, Massachusetts. Os livros e manuscritos dela,
incluindo a coleção de Keats, estão preservados para a posteridade no
Memorial Harry Elkins Widener, em Harvard. Ela sempre gostou de fumar um
bom charuto enquanto escrevia ou tinha suas conversas animadas, pois ela
achava que isso fazia seus pensamentos fluírem mais facilmente.
Não se pode escrever sobre mulheres relacionadas aos livros sem falar de
duas distintas guardiãs de bibliotecas famosas, pesquisadoras e que são bem
conhecidas nos Estados Unidos e no estrangeiro, srta. Belle da Costa
Greene, a brilhante diretora da Biblioteca Pierpont Morgan, e srta. Ruth
Sheppard Granniss, a bibliotecária do The Grolier Club e amiga querida de
amantes de livros, homens e mulheres. Elas estão na categoria dos
exemplos excepcionais de Andrew Lang.
Mas quais seriam as outras exceções? Será que Andrew pensou que a
srta. Lowell não conseguia entender os livros? Ou que Diane de Poitiers
poderia ser ciúmes de seus feitiços misteriosos? Ou que Catarina da Rússia
hesitaria em gastar qualquer dinheiro do qual dispusesse para satisfazer sua
paixão por eles? O que essas damas amigáveis poderiam ter feito para
serem classificadas como inimigas dos livros – e inimigas em relação a quê?
Parece que colecionar livros é um passatempo verdadeiramente feminino,
contendo muitos elementos que têm apelo entre as mulheres, como o
romance, a curiosidade intelectual, o amor pela beleza e as missões em
busca de algo difícil de se obter. Mas colecionadoras deveriam ter cuidado
com armadilhas, pois, às vezes, essa mania desperta os instintos mais
baixos, como a inveja, a extravagância e a autoindulgência. Esposas até
ficaram conhecidas por gastar o dinheiro destinado ao supermercado em
livros em vez de no pão de cada dia, e de desperdiçarem horas lendo
catálogos de compra de livros em vez de se dedicarem a seus afazeres
domésticos. No entanto, colecionar livros é um denominador comum de
várias épocas e um meio pelo qual mentes de ambos os sexos encontram
prazer, o que torna tal ocupação deliciosa e recomendável.
Biografias

Jess Baines tem doutorado sobre a história das gráficas


radicais no fim do século XX pela London School of
Economic (LSE), mestrado em História e Teoria da Arte com
foco no século XX pela Goldsmith, Universidade de Londres.
Desde 2003, é professora do curso de design no London
College of Communications (LCC). Jess trabalhou como
impressora em várias gráficas radicais coletivas durante 12
anos.

Ida Börjel é poeta e tradutora radicada em Malmö, na


Suécia. Seu livro de estreia Sond foi publicado em 2004. Sua
obra já foi traduzida para 21 idiomas. Ida traduziu obras de
Solmaz Sharif (junto com Jennifer Hayashida) para o sueco,
e em suas viagens ao Oriente Médio traduziu as autoras
Samira Negrouche, Dahlia Taha e Mona Saffar.

Gail Cartmail é assistente da secretaria geral do sindicato


Unite no Reino Unido. Gail trabalhou no mercado editorial e
na indústria gráfica nos anos 1970 e 1980, e estudou design
gráfico na London College of Printing. Ela se filiou ao
sindicato pela primeira vez em 1975 e eventualmente se
tornou a mãe da capela do sindicato de gráficos, a National
Graphical Association (NGA), onde fez campanha pela
igualdade salarial entre homens e mulheres.

Megan Dobney atou como secretária regional do Southern


and Eastern Regional Council of the Trades Union Congress
(SERTUC) no Reino Unido, entre 2007 e 2018, antes de se
aposentar. Começou seu ativismo como trabalhadora da
indústria gráfica ao se filiar a NGA. Nos últimos anos, tem
feito uma campanha pela instalação de uma estátua da
sufragista e ativista socialista Sylvia Pankhurst em
Clerkenwell Green em Londres.
Eller med a é um estúdio de design gráfico e publicações
em Copenhague e Oslo, formado pelas designers Lotte
Grønneberg, Marte Meling Enoksen e Karen
Grønneberg.

Inger Humlesjö era editora e doutoranda em História


Econômica na Universidade de Uppsala, na Suécia. Sua tese
em desenvolvimento foca na sindicalização de tipógrafos na
Suécia e na masculinização da história dos trabalhadores.
Desde 1968, editou e publicou o jornal independente
socialista Häften för kritiska studier [Cadernos para
estudos críticos] junto com seu companheiro Göran
Fredriksson.

Maryam Fanni, Matilda Flodmark e Sara Kaaman


colaboram desde 2012 sob o codinome MMS em pesquisas
e textos relacionados à cultura visual, com foco no
feminismo e na história das trabalhadoras.

Kathleen Walkup é professora de arte dos livros na Mills


College, em Oakland, Califórnia, onde ensina impressão em
tipografia e letterpress, dá cursos e seminários sobre
publicação de artista que combinam cultura impressa,
história do livro e projetos de estúdio. Seus interesses de
pesquisa incluem a história das mulheres na cultura
impressa e a prática conceitual em livros de artista. Nos
anos 1970, foi sócia na Five Trees Press em São Francisco,
onde fundou a primeira gráfica de mulheres em letterpress
na cidade desde o século XIX.

Ingegärd Waaranperä é uma jornalista cultural e crítica


de teatro que vive em Estocolmo. Foi tipógrafa na revista e
editora Ordfront entre 1972 e 1980 e no jornal diário
Dagens Nyheter entre 1980 e 1983, até se tornar editora e
crítica. Hoje ela é jornalista freelancer e uma voz crítica
sobre as condições de trabalho e os cortes no setor cultural.
Ulla Wikander é professora emérita no departamento de
História da Economia na Universidade de Estocolmo. Sua
tese de 1977 aborda o monopólio de fósforos de Ivan
Kreuger. Desde os anos 1980, seu foco tem sido a vida
laboral a partir de uma perspectiva de gênero. Seu livro,
Kvinnoarbete i Europa [O trabalho das mulheres na Europa],
publicado em 1999, analisa os efeitos da industrialização e
da democratização no trabalho e nos salários das mulheres.
Leituras recomendadas

Em inglês

Becker, Beatrice Lamberton. A Printers’ Widow (1981).


Cadman, Eileen; Chester, Gail; Pivot, Agnes. Rolling Our
Own (1981). Londres: Minority Press-Group.
Cockburn, Cynthia. Brothers: Male Dominance and
Technological Change (1991). Nova ed. Londres: Pluto
Press.
Deakin, Phyllis A. Press On (1984). Women’s Press Club of
London, H. E. Walter.
Grabhorn, Jane Bissell; Teiser, Ruth. The Colt Press (1966).
Berkeley: University of California.
Hayton, Annette. Women, Work and New Technology: The
Case of Desktop Publishing: Implications for Education
and Training (1995). University of London Post Sixteen
Education Centre.
No Set Type (1985). Women in Printing Trades.
Oldfield, Otis. The Compleat Jane Grabhorn: a Hodge-podge
of Typographic Ephemera, Three Complete Books,
Broadsides, Invitations: Greetings, Place cards, &c., &c.
(1968). São Francisco: Grabhorn Hoyem.
Sands, Jennifer. Jane Grabhorn: A Professional Biography of a
Woman Printer (2010). Dissertação de mestrado, Arizona
State University.
Stein, Gertrude et al. Bookmaking on the Distaff Side
(1937). Nova York: Distaff Side.
Em sueco

Ekdahl, Lars. Arbete mot kapital — Typografer och ny teknik


— Studier av Stockholms tryckeriindustri under det
industriella genombrottet (1983). Lund: Studentlitteratur.
Humlesjö, Inger. Manlighetskonstruktion i arbetarhistoria
och fackföreningar. Häften för kritiska studier. 1998
(31):3, s. 3 –13.
Johansson, Elin. Typografiska kvinnoklubben 1904 – 1939
(1939). Estocolmo: Typografiska föreningen.
Lundin, Susanne. En liten skara äro vi-: en studie av
typografer vid 1900-talets första decennier, (1992).
Estocolmo: Carlsson.
Rehnberg, Mats. Typografminnen (1952). Estocolmo:
Nordiska museet.
Wikander, Ulla. Feminism, familj och medborgarskap:
debatter på internationella kongresser om
nattarbetsförbud för kvinnor 1889 –1919 (2006).
Göteborg: Makadam.
Wikander, Ulla. Kvinnoarbete i Europa 1789 –1950: genus,
makt och arbetsdelning (2006). [Ny utg.] Estocolmo:
Atlas.
Agradecimentos

A Göran Fredriksson, companheiro de Inger Humlesjö, por


sua ajuda inestimável para editar a entrevista com Inger e
por ser um interlocutor importante para nós ao longo do
processo; a Ann Field, arquivista e bibliotecária da Marx
Memorial Library em Londres, por sua ajuda generosa ao nos
fornecer material de pesquisa e por nos apresentar às
tipógrafas Megan Dobney e Gail Cartmail; a Heather Jardine
e Penny Dynan da St. Bride Foundation Library por recuperar
livros para nós; à artista gráfica Ulla Wennberg por seu
grande apoio e por compartilhar generosamente seu
conhecimento de impressão e os momentos maravilhosos
em seu incrível estúdio; a Olof Sandahl, diretor da galeria
Kretsen Södertälje, por compartilhar sua expertise em
tipografia e por seu envolvimento genuíno com o nosso
projeto; a Nina Beckman, diretora do museu Grafikens hus,
por acreditar no nosso projeto, nos apoiando como artistas
residentes e por nos apresentar a Olof Sandahl; à artista
Ciara Phillips pela oficina de serigrafia divertida e
inspiradora na galeria Konsthall C; à artista gráfica Emmy
Dijkstra por nos ensinar a fascinante técnica da litografia no
papel; à encadernadora Katja Winkes na Leksands
folkhögskola por nos guiar no processo de marmorizar
papel; a Elisabeth Alsheimer Evenstedt, diretora da
Konstakademien (Academia Sueca de Belas Artes); ao
técnico Fritz Quasthoff e à assistente Jennifer Bergkvist por
nos ajudarem a organizar a exposição. Por último e não
menos importante, agradecemos a todas vocês, escritoras
colaboradoras e entrevistadas, pela paciência e todos os
seus esforços que tornaram este livro possível.
Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side,
Lazer
Lazer
O que seria dessa vida, com tanto para cuidar
Se não tivermos tempo de parar e admirar;
Sem tempo de parar debaixo dos galhos das árvores
E observar por muito tempo como vacas e ovelhas;
Sem tempo para ver, ao passar pela floresta,
onde os esquilos escondem as nozes que coletam;
Sem tempo para ver, na luz ampla do dia,
Riachos cintilantes, como a noite estrelada;
Sem tempo de se voltar para um relance da Beleza,
E admirar os pés dela, que dançam com leveza;
Sem tempo de esperar até que a boca possa se enfeitar
com o sorriso que nos olhos começa a se formar?
Triste seria essa vida, com tanto para cuidar
Se não tivermos tempo de parar e admirar!
[Versos de uma livraria especializada em poesia de
Londres. Design, xilogravura e coloração manual por Lucina Wakefield.]
Notas

Prefácio à edição brasileira


[1] Ritu Menon, “Feminist Publishing Today: Victim of its Own
Success?”. Logos, 1º jan. 2001.
[2] Para mais informações, ver, por exemplo: Imprensa feminina e
feminista no Brasil século XIX, de Constância Lima Duarte,
publicado pela editora Autêntica em 2016; e Feminismos na
imprensa alternativa brasileira, de Viviane Gonçalves Freitas,
lançado pela Paco Editorial em 2018.
[3] Agatha Beins, Liberation in Print: Feminist Periodicals and
Social Movement Identity. Athens: University of Georgia Press,
2017.
[4] Kathryn Thoms Flannery, Feminist Literacies, 1968-75. Illinois:
University of Illinois Press, 2010.

Introdução

[1] Nesta edição, optamos flexionar sujeitos indeterminados no


feminino. [N. E.]
[2] Casco Issues XII: Generous Structures, organizado por Binna
Choi e Axel Wieder. Utrecht, Nova York e Berlim: Casco and
Sternberg Press, 2011, pp. 49-55.
[3] Embora na edição original não haja nenhuma menção a isso,
é possível também que o termo bookmaking contenha uma
ambiguidade, uma vez que é também relacionado a apostas de
cavalos, uma atividade geralmente associada ao gênero
masculino. [N. T.]
[4] A primeira vez que nos deparamos com Bookmaking on the
Distaff Side foi no catálogo da exposição online Unseen Hands –
Women Printers, Binders & Book Designers, organizada pela
biblioteca da Universidade de Princeton (2002-2003). Disponível
em:
http://libweb2.princeton.edu/rbsc2/ga/unseenhands/index.html.
Acesso em: 18 jan. 2020.
[5] Optamos por substituir as menções que utilizam apenas o
sobrenome pelo primeiro nome. Entendemos que o prenome é
um elemento que individualiza a pessoa (para além da história
patriarcal de uma família), além de tornar, dessa forma, seu
gênero mais facilmente identificável. [N. E.]
[6] Anne Lyon Haight, “Are Women the Natural Enemies of
Books?”, em Bookmaking on the Distaff Side. Nova York: Distaff
Side, 1937, p. 91.
[7] Martha Scotford, “Toward an Expanded View of Women in
Graphic Design: Messy History vs Neat History”. Visible Language,
vol. 28, nº 4, 1994, pp. 368-388. Disponível em:
http://www.marthascotford.org/wp-
content/uploads/2015/12/MessyvsNeatHistory.article.pdf. Acesso
em: 27 nov. 2019.

O livro como uma festa americana


[1] Evelyn Harter, “The Life of The Work”, Books at Iowa vol. 4,
nov. 1984.
[2] O ensaio foi traduzido para o português em Beatrice Warde,
“A Taça de Cristal, ou por que a tipografia deve ser invisível” em
H. Armstrong (org.). Teoria do design gráfico. São Paulo: Ubu,
2019, pp. 47-54. [N. E.]
[3] Aqui vale contextualizar a existência desse tópico entre as
opções de temas. Muitas mulheres assumiram um papel mais
proeminente no ofício da impressão por meio de conexões
familiares, especialmente após a morte de seus maridos. Na
ausência de filhos ou no caso de existir um herdeiro jovem
demais para assumir o negócio da família, era também comum
que a viúva se casasse com o tipógrafo mais experiente dentro
da oficina. Além da opção por um novo casamento, continuar o
negócio familiar era um esforço difícil, mas possível. Ver “Women
in the Book Trade in Italy, 1475-1620”. Renaissance Quarterly,
vol. 49, 1996, pp. 509-541. [N. E.]
[4] Robert Estienne (1503-1559), também conhecido pelo nome
latinizado Stephanus, foi um tipógrafo e impressor parisiense do
século XVI. É reconhecido por ter sido o primeiro a imprimir a
Bíblia com a inclusão de capítulos e versículos numerados. Vem
de uma família tradicionalmente ligada à impressão e algumas
de suas produções são até hoje consideradas obras-primas de
tipografia francesa.[N. E.]
[5] Chapbook é um termo genérico em inglês para se referir a
pequenos livretos, baratos para fazer e comprar. Na maioria das
vezes impressos em uma única folha dobrada em livros de 8, 12,
16 e 24 páginas, vendidos sem capa. Eram muito comuns na
Inglaterra entre os séculos XVII e XIX. O termo ainda é usado hoje
para se referir a livretos curtos e baratos. Um equivalente
próximo no Brasil ou em Portugal seria a literatura de cordel. [N.
T.]
[6] Frederic Goudy, Bertha M. Goudy: Recollections by One Who
Knew Her Best. Nova York: Village Press, 1939, p. 3.
[7] Edna Beilenson, “The Distaff Side: By Way of Introduction”,
em A Children’s Sampler. [S.l], 1950.

A vampira e a querida sacerdotisa do modernismo


[1] A autobiografia de Alice B. Toklas. São Paulo: Cosac Naify,
2009. [N. E.]
[2] No original: “An adjective have to be faced. An adjective in
sound based on fugitives. Leave roads alone. They will be
pleased. To cover it with whoever it is only there. An adjective
they will have had May. May Rider. Mary Riding. Minna Riding,
Martha Riding, Melanchta Riding. Thank you.”. Há um trocadilho
intraduzível, pois “May” pode ser um nome próprio e o verbo
modal que indica possibilidade. Gertrude Stein usa essa
ambiguidade para tratar de um adjetivo possível, seguido de May
Rider, que poderia ser um nome ou “possível passageira” e então
segue uma sequência de nomes com o sobrenome Riding, o
mesmo de Laura, que também pode significar cavalgar ou pilotar.
[N. T.]

Uma baita ideia

[1] Em inglês, “A darn good idea” foi como Angela Cooper, da


Amazon Press, descreveu o sentimento coletivo de estimular a
criação de uma gráfica independente composta por mulheres em
Manchester em meados dos anos 1970, em uma entrevista
concedida à autora em 2013.
[2] Ver, por exemplo, o excelente artigo de Lucy Delap, “Feminist
Bookshops, Reading Cultures and the Women’s Liberation
Movement in Great Britain, c. 1974–2000”. History Workshop
Journal, vol. 81, 2016.
[3] Em “A Press of One’s Own”. Trouble & Strife, vol. 26, verão
1993, p. 47.
[4] Para um panorama informativo, ver Eileen Cadman, Gail
Chester e Agnes Pivot, Rolling Our Own: Women as Printers,
Publishers and Distributors. Minority Press Group, 1981.
[5] Para um relato sobre a mais conhecida e longeva oficina de
serigrafia, ver See Red Women’s Workshop: Feminist Posters
1974-1990. Four Corners, 2016.
[6] Jessica Baines, Democratising Print? The Field and Practices of
Radical and Community Printshops in Britain 1968–98, 2016.
Disponível em: http://etheses.lse.ac.uk/3452/. Acesso em: 19 jan.
2020.
[7] Shrew, verão 1974, p. 6.
[8] “A Press of One’s Own”, op. cit.
[9] Relatório Womenprint, 1977, p. 1.
[10] Direção de Jane Harris, Wide Angle Productions, 1985.
[11] Da Chong, entrevista concedida à autora, 2011.
[12] A sensação de que o pequeno mundo da impressão em
offset era predominantemente masculino não era totalmente
precisa.
[13] Jess Osborn em entrevista concedida à autora, 2011.
[14] Em Wires, newsletter interna do MLM, 1979.
[15] Declaração do Women in Print, enviada à conferência How
Can Radical Publishing Survive the Eighties?, organizada pelo
Minority Press Group, Londres, 1980.
[16] Lyser em entrevista concedida à autora, 2011.
[17] Angela Phillips, “The Alternative Press”, em The Alternative
Media Handbook. Routledge, 2007.

Trecho de uma conversa com Gail Cartmail

[1] Algumas entrevistadas se referem às suas seções no sindicato


como “capela”. Há casos também da descrição de posições de
liderança como “pai” ou “mãe da capela”. A opção por manter o
termo se faz pelo sentido do deslocamento do termo “capela” de
um contexto religioso para denominar um coletivo de pessoas
lutando por uma causa, pois evoca o sentido de comunidade.
Segundo o dicionário Aulete, no português brasileiro, essa
palavra também designa um pequeno povoado ou um grupo de
foliões de festa junina. [N. T.]

Trecho de uma conversa com Megan Dobney

[1] Diferentemente de uma type designer (designer de tipos),


uma typography designer (designer tipográfica) não desenha
nenhuma letra, mas trabalha com tipos que já existem. A
diferença para uma designer gráfica é que esta também faz uso
do design tipográfico, porém, não é seu foco, já que também
trabalha com imagens, fotografias, direção de arte etc. [N. E.]
[2] A disputa de Wapping foi um conflito trabalhista entre quase
6 mil impressores e funcionários da maior empresa jornalística
do Reino Unido com o magnata da imprensa mundial Rupert
Murdoch, durando mais de um ano. A disputa começou como
resultado da demissão em massa dos 5.500 trabalhadores
ligados aos sindicatos após terem entrado em greve contra a
introdução dos computadores, as quais permitiam cortar
substancialmente a folha de pagamento e baixar os custos de
produção. A nova oficina localizada em Wapping, leste da capital
britânica, só demandava 650 pessoas para mantê-la
funcionando. Os piquetes não conseguiram impedir que os
quatro jornais fossem distribuídos por todo o país com absoluta
normalidade. [N. E.]
[3] Fundado em 1898, o Sindicato de Tipógrafos Sul-africano só
passou a aceitar trabalhadores negros a partir de 1980. [N. E.]

Fac-símile de Bookmaking on the Distaff Side, Seriam as


mulheres inimigas naturais dos livros?

[1] Elzevir é o nome de uma célebre família de livreiros, editores


e impressores holandeses entre 1587 e 1681. A série de livros
duodécimos com medidas aproximadas de 12 × 6 cm tornou-se
muito famosa e desejada entre os bibliófilos. São
frequentemente considerados os precursores do livro de bolso.
[N. E.]
[2] O amor pelo livro, para a filha de Catherine, foi uma
verdadeira paixão.
[3] Ela tinha um profundo carinho pelos livros, e eles eram, por
assim dizer, seu único consolo longe do belo país de França.
© As autoras e Occasional Papers, 2020
© Clube do Livro do Design, 2022
Direitos de edição da obra em língua portuguesa adquiridos pelo Clube do Livro
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qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a
permissão por escrito do detentor do copyright.
1ª edição, 2022
Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
EDIÇÃO ORIGINAL
Maryam Fanni, Matilda Flodmark e Sara Kaaman
TEXTOS
Maryam Fanni, Matilda Flodmark, Sara Kaaman, Kathleen Walkup, Ida Börjel, Jess
Baines, Ulla Wikander e Nina Paim
TRADUÇÃO
Stephanie Borges
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Tereza Bettinardi
PREPARAÇÃO
Alícia Toffani
REVISÃO
Alícia Toffani e Livia Azevedo Lima
PROJETO GRÁFICO ORIGINAL
Eller med a
ADAPTAÇÃO DO PROJETO GRÁFICO
Tereza Bettinardi
PRODUÇÃO GRÁFICA
Lilia Goes e Marina Ambrasas
ADAPTAÇÃO PARA E-BOOK
Laura Lotufo
AGRADECIMENTO ESPECIAL À
Bruna Knabem e Gabriela Araújo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Inimigas naturais dos livros: uma história conturbada das mulheres na impressão e na tipografia / organização Maryam Fanni, Matilda
Flodmark, Sara Kaaman; tradução Stephanie Borges. — 1. ed. — São Paulo: Clube do Design, 2022.
recurso digital

Título original: Natural enemies of books: a messy history of women in printing and typography
Formato: ebook
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-997850-1-6 (recurso eletrônico)

1. Design gráfico (Tipografia) - História 2. Ensaios - Coletâneas 3. Impressão gráfica - História 4. Mulheres na indústria gráfica 5. Poesias
Diversas I. Fanni, Maryam. II. Flodmark, Matilda. III. Kaaman, Sara.
22-111096 / CDD-686.2209
1. Tipografia: Artes gráficas 686.2209
Aline Graziele Benitez — Bibliotecária — CRB-1/3129

Todos os esforços foram feitos para reconhecer os direitos morais, autorais e de


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Table of Contents
Folha de rosto
Sumário
Prefácio à edição brasileira
Introdução
Fac-símile, O Comitê, Introdução
O livro como uma festa americana: Edna Beilenson, Jane
Grabhorn & as publicações da Distaff Side
Fac-símile, Um discurso tipográfico para o lado não
masculino da edição, um livro feito por mulheres
A vampira e a querida sacerdotisa do modernismo
Fac-símile: texto de Gertrude Stein
Uma baita ideia: gráficas feministas e Movimento de
Libertação das Mulheres na Inglaterra
Fac-símile, Animais da pontuação
A batalha entre homens e mulheres no ofício tipográfico
Fac-símile, Como uma delas chegou lá
Conversas
Trecho de uma conversa com Inger Humlesjö
Trecho de uma conversa com Ingegärd Waaranperä
Trecho de uma conversa com Gail Cartmail
Trecho de uma conversa com Megan Dobney
Fac-símile, Seriam as mulheres inimigas naturais dos livros?
Fac-símile, Lazer
Notas
Créditos

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