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reflexões e apontamentos
Miriam Adelman
Renata Senna Garraffoni
O início
Pensar o papel das mulheres e saber mais sobre elas foi uma das pre-
ocupações de Brenda Knight ao organizar a coletânea Women of the beat
generation. Knight foi pioneira nesse sentido: incentivada pelo universo fe-
minista em que desenvolveu seus estudos, estranhou o silêncio e a pouca
quantidade de escritos publicados por mulheres durante a época marcada
pelos movimentos contraculturais. A partir desse estranhamento, pesquisou a
fundo, encontrou muita documentação sobre a vida e a produção das mulhe-
Estrada
10 Ronna C. Johnson e Nancy M. Grace comentam esse primeiro romance escrito por uma beat (e
reeditado, após muitas décadas, apenas em 2014!), com o seguinte balanço: “Recusando-se a ser um
franguinho, Susan renuncia ao papel designado a ela no discurso beat e torna-se autora de sua
própria subjetividade. ‘E ela foi’: não mais passageira ou espectadora, sua renúncia à submissão
se expande e reconstitui noções da iconoclastia beat. Com essa narrativa chacoalhando seu
silêncio, a mulher beat emerge como sujeito, contendo e reconfigurando o que significa ser beat”
(JOHNSON; GRACE, 2002, p. 92, tradução de Renata Senna Garraffoni).
Vejo a garota Joyce Glassman, vinte e dois anos, com o cabelo comprido
passando dos seus ombros, vestida toda de preto, como Masha no livro A
Gaivota – meia-calça preta, camisa preta, blusa preta –, mas a diferença
em relação à Masha é que ela não está de luto por sua vida. Nem pode-
ria, nessa cadeira, na mesa, no exato centro do universo, este lugar de
meia-noite para onde tanta coisa converge, o único lugar na América que
está vivo. Como fêmea, não pertence completamente a essa convergên-
cia. Um fato que ela ignora, sentada na sua excitação, enquanto as vozes
dos homens, sempre dos homens, sobem e descem de tom apaixona-
damente, seus copos de cerveja acumulam a fumaça dos seus cigarros,
que sobe rumo ao teto, e a cultura morta está seguramente despertando.
Simplesmente estar nesse lugar, isso em si – ela o diz a si mesma – é
suficiente13 (JOHNSON, 1999, p. 261-262).
“Claro”, eu disse, sorrindo para a ironia, desde que eu estava onde estava
porque não tinha certeza ao certo. Mas a ideia, como eu vi, foi facilitar o
possível passado esperado, e, nessa solitude estranha quando o resto do
mundo estava em casa, na cama, eu me sentia mais perto do precipício,
o ponto de transbordamento que poderia empurrar para fora algo, fazer o
que está por vir claro. O que eu deveria fazer agora para que eu pudesse
acontecer? O que vem a seguir?15 (JONES, 1990, p. 27).
15 Idem.
16 Hoje, autora de uma quantidade de livros – desde poesia à literatura infantojuvenil, sendo até
a coautora de memórias de Rita Marley, viúva de Bob Marley –, trabalha com oficinas e cursos
de criação literária não só na prestigiosa New School, como também em um programa para
mulheres presas (New York State Correctional Facility for Women, Bedford Hills).
Transgressão e empoderamento
17 Fragmento do poema “The poet, seeking her”, do livro Loba. Tradução de Miriam Adelman.
18 Tradução das autoras.
CASSADY, Carolyn. Off the road: my years with Cassady, Kerouac and Ginsberg. New York:
William Morrow and Company, 1990.
______. Recollections of my life as a woman: the New York years. New York: Penguin, 2002.
FRAZER, Brenda. Troia: a Mexican memoir. Dublin; Champaign; London: Dalkey Archive
Press, 2007.
GINSBERG, Allen. Uivo e outros poemas. Tradução: Claudio Willer. Porto Alegre: L&PM, 2005.
JACK Kerouac: the king of the beat. Direção: John Antonelli. EUA: Dist. Magunus Opus: 1985.
Documentário.
______. The voice is all: the lonely victory of Jack Kerouac. New York: Penguin, 2013.
______. Come and join the dance. New York: Open Road Media, 2014. [1961].
JONES, Hettie. How I became Hettie Jones. New York: Grove Press, 1990.
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L&PM, 2004. [1957].
Referências
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New York: Anchor Books, 1983.
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WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.