Você está na página 1de 16

HISTÓRIA DA

AMÉRICA: ORIGEM
E COLONIZAÇÃO

Caroline Silveira Bauer


A origem dos povos
da América
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever a Mesoamérica.
 Discutir as hipóteses sobre o povoamento e a demografia das
Américas.
 Identificar aspectos geográficos e os povos que habitavam a América
do Norte.

Introdução
Existem diferentes teorias sobre o povoamento do continente americano.
Autores divergem quanto à origem, se exclusivamente ou não pelo Estreito
de Bering; quanto às datas, abrangendo um período entre 12 a 30 mil
anos atrás; e quanto ao número de ondas migratórias que se sucederam.
São muitas perguntas sem respostas, e que talvez jamais sejam respon-
didas, em função dos achados arqueológicos esparsos e das limitações
tecnológicas do presente. Contudo, as interpretações interdisciplinares
permitem que já saibamos muitos detalhes sobre a origem e sobre o
povoamento da América.
Neste capítulo, você estudará a região da Mesoamérica, local em
que inúmeras sociedades se desenvolveram durante o período pré-
-colombiano da história da América. Além disso, examinará as principais
teorias sobre a origem e o povoamento do continente americano. Por fim,
conhecerá alguns aspectos das populações que ocupavam o território
da América do Norte.
2 A origem dos povos da América

1 A Mesoamérica
Em sua definição estritamente geográfica, a Mesoamérica é uma região de-
limitada ao norte pelo rio Sinaloa e pelas bacias de Lerma e de Soto de la
Marina, no México, e delimitada ao sul pelo rio Ulúa, em Honduras, pelos
grandes lagos de Xolotlán e Cocibolca, na Nicarágua e pela Península de
Nicoya, na Costa Rica (Figura 1) (CABEZAS CARCACHE, 2005). Porém,
em sentido mais amplo, a Mesoamérica é uma área cultural que abrigou povos
que compartilhavam muitas características entre si.

Figura 1. Delimitação geográfica do termo Mesoamérica.


Fonte: Mesoamérica (2014, documento on-line).

O termo surgiu em 1943, quando, em um congresso, o etnógrafo alemão


Paul Kirchhoff sugeriu seu emprego para se referir a uma região do continente
americano que, antes da conquista espanhola, compartilhava os seguintes
elementos culturais: organização social patrilinear; emprego de certos artefatos
líticos; pirâmides escalonadas e palácios localizados ao redor de praças; jogos
de bola; escrita hieroglífica e numeração vigesimal; calendário solar (haab) e
calendário ritual (tzolkín) de 260 dias; cosmovisão em que a inter-relação entre
as divindades do mundo inferior e do mundo superior, o culto aos antepassados
A origem dos povos da América 3

e os autossacrifícios de sangue incidiam no destino dos indivíduos e dos povos;


deformação do crânio e mutilação dental; e guerras para capturar pessoas a
serem sacrificadas como oferendas (CABEZAS CARCACHE, 2005).

Os povos que habitavam a América antes da chegada dos europeus tinham inúmeras
denominações para o território que posteriormente viria a ser chamado de América,
como Tawantinsuyu, nos Andes, Anáhuac, no México, e Pindorama, no Brasil. Atual-
mente, movimentos indígenas e outros movimentos sociais vêm reivindicando o uso
do termo “Abya Yala”, proveniente da língua e da nação Kuna, que vive no litoral do
Panamá, que significa “vida” ou “terra madura”, para designar o território americano,
em uma perspectiva descolonial (LISBOA, 2014, p. 516).

Pesquisadores de diferentes áreas dividem a história da Mesoamérica em


diferentes períodos, com a predominância de alguns povos. Utilizaremos
as informações provenientes das análises de Cabezas Carcache (2005), que
respeita a seguinte cronologia:

 Paleoíndio — antes de 8 mil a.C.


 Arcaico — de 8 mil a.C. a 1500 a.C.
 Pré-clássico ou formativo — de 1500 a.C. a 250 d.C.
 Clássico — de 250 a 900.
 Pós-clássico — de 900 a 1525.

A Mesoamérica é uma região cuja geografia é bastante variada, com ca-


deias montanhosas e altiplanos, presença de inúmeros vulcões, até planícies
litorâneas. Essas variações geográficas configuraram diferentes características
climáticas, algumas mais tropicais, outras mais áridas, o que influenciou
diretamente nas práticas agrícolas e nos produtos cultivados e consumidos.
Também determinaram bolsões de isolamento, tendências de deslocamento
e o estabelecimento de redes de intercâmbios e trocas, podendo explicar as
variações linguísticas (AUSTIN; MILLONES, 2008). Ainda que essa situação
tenha configurado certa diversidade entre os povos, havia, como já mencionado,
uma base cultural comum, permitindo identificar uma unidade na diversidade
cultural da Mesoamérica.
4 A origem dos povos da América

Para citarmos outro exemplo de diversidade, vejamos a questão linguís-


tica em relação à demografia da região: em meados dos anos 1970, havia 70
idiomas distintos falados por uma população de aproximadamente 6 milhões
de pessoas. No período da conquista espanhola, em 1519, estima-se que a
Mesoamérica fosse ocupada por 20 milhões de pessoas (KAUFMAN, 1974).
A história da Mesoamérica — não necessariamente a história da ocupação
da região, que será abordada no próximo tópico — começa aproximadamente
5 mil anos antes do presente, com os processos de cultivo e sedentarização
de povos naquele espaço, cujos artefatos de cerâmica atestam sua presença e
desenvolvimento. Ambos processos marcam o início do período Pré-clássico,
que se caracteriza pelo desenvolvimento de técnicas de cultivo e de sistemas
de controle de água. Por consequência, houve um aumento populacional que,
por sua vez, ocasionou a transformação de casebres em grandes aldeias, que
dariam origem às cidades. Quanto às questões políticas, havia povos que se
organizavam de forma igualitária, enquanto outros formavam sociedades
fortemente hierarquizadas. Entre esses povos, se estabeleceram rotas comer-
ciais. O trabalho se especializou, o que é explicitado por talhas em rochas
e pelo polimento de pedras preciosas e esculturas monumentais (AUSTIN;
MILLONES, 2008).
É nesse período, também, em torno de 1200 a.C. a 400 a.C., que surge uma
diferenciação social mais explícita, bem como uma diferenciação hierárquica
entre as aldeias, destacando-se o povo Olmeca. Nesse momento, também
surgem os primeiros calendários. Entre 400 a.C. a 200 d.C., há um aumento da
rivalidade entre aldeias, com frequentes conflitos bélicos e com demonstrações
de poder mediante a construção de praças, plataformas e tempos monumentais
(AUSTIN; MILLONES, 2008).
Foi chamado de Clássico o período em que surgiram as grandes cidades,
com alta concentração populacional, em sociedades hierarquizadas. Nas ci-
dades, desenvolviam-se as atividades administrativas, comerciais, políticas e
religiosas, enquanto nos campos as pessoas dedicavam-se às práticas agrícolas.
As cidades estabeleciam alianças comerciais e políticas entre si, e as mais
poderosas irradiavam sua influência por longas distâncias. Nesse sentido,
os exércitos desempenharam atividades muito importantes, controlando as
redes comerciais e protegendo as áreas urbanas e rurais. Ainda nesse período,
comerciava-se cacau, algodão, plumas e peles, além de objetos de obsidiana,
de cerâmica e de pedra talhada. No aspecto religioso, os sacerdotes, além de
realizarem cultos e rituais, passaram a ser concebidos como autoridades em
questões como conhecimento do calendário, escrita, iconografia, astronomia,
A origem dos povos da América 5

arquitetura e urbanismo. Houve também um desenvolvimento das técnicas agrí-


colas, da irrigação, da drenagem e do abastecimento hídrico. As artes tiveram
um grande florescimento no período Clássico (AUSTIN; MILLONES, 2008).
Entre os anos 200 e 650, houve um predomínio comercial da cidade de
Teotihuacán, e entre 650 a 900, após sua derrocada, outras cidades desponta-
ram na região, como Monte Albán, em Oaxaca, além de uma série de cidades
maias: Tikal, Calakmul, Palenque, Copán, Becán, Uaxactún, Uxmal, Yaxchilán,
Quiriguá, Cobá, entre outras. Porém, a conjuntura era de muitos conflitos entre
as cidades, o que levou ao enfraquecimento de todos esses centros ao longo
do tempo. A parte final do período Clássico foi o momento de apogeu das
cidades de El Tajín, no Golfo do México, e Cacaxtla, Cholula e Xochicalco,
na área central do país (AUSTIN; MILLONES, 2008).
No período chamado de Pós-clássico, houve um progressivo abandono
da região norte da Mesoamérica, devido à escassez de chuvas, levando a
população dessa região a migrar para o sul, o leste e o oeste, o que, por con-
sequência, levou a conflitos com os povos já instalados nessas localidades.
O clima belicoso levou ao estabelecimento de alianças entre algumas cidades
e à ruptura de acordos entre as demais. Outra questão decorrente dessa onda
migratória foi o convívio, na mesma cidade, de pessoas de etnias diferentes,
o que também foi motivo de conflitos. Nesse período, podemos afirmar que
existiam seis subáreas que abrigavam culturas relativamente afins: no norte, a
cultura Chalchihuites; na parte ocidental, surgiu o estado Tarrasco; no centro, a
cidade de Teotihuacán, posteriormente Tula, e, por, fim, México-Tenochtitlán.
No Golfo do México, houve um domínio dos huastecos, e, posteriormente
dos totonacos; a região de Oaxaca foi ocupada por muitos povos, entre eles
os zapotecos e os mixtecos; e, no sudeste, desenvolveu-se a sociedade maia.

A quais fontes os historiadores recorrem para escrever a história da Mesoamérica?


As informações apresentadas até aqui demonstram a complexidade das sociedades
mesoamericanas e sua longevidade. Para o estudo desses povos e suas histórias,
historiadores e outros pesquisadores utilizam diferentes recursos, entendidos como
rastros, registros ou vestígios do passado que, a partir dos questionamentos elaborados
pelos investigadores, se transformam em fontes primárias. Assim, podemos referenciar
as fontes arqueológicas (cultura material), a antropologia física e as fontes documentais
(escritos indígenas e dos colonizadores) (AUSTIN; MILLONES, 2008).
6 A origem dos povos da América

Após essa suscinta apresentação da região da Mesoamérica, de sua história


e dos principais povos que ocuparam esse espaço, resta ainda compreender
como se deu a ocupação do território americano, estudando as teorias sobre
a migração e a colonização do continente, o que veremos no próximo tópico.

2 Hipóteses sobre o povoamento das Américas


Existem algumas hipóteses concorrentes quanto ao povoamento das Américas
e a origem dos povos ameríndios. Para que compreendamos essas diferentes
teorias, é preciso levar em consideração os achados arqueológicos e suas data-
ções, e, a partir deles, considerar as hipóteses elaboradas pelos pesquisadores.
São três as principais teorias para o povoamento das Américas: a teoria asiática
(povos migrantes da Ásia Oriental, a partir do Estreito de Bering); a teoria
malaio-polinésia, e sua migração pelo Oceano Pacífico; e a teoria australiana,
que também argumenta pela migração pelo Oceano Pacífico. Lembramos que
essas teorias não necessariamente são excludentes entre si, apenas apontam
origens diferentes para as populações americanas, a partir das datações da
cultura material encontrada nos sítios arqueológicos. Vamos conhecer um
pouco mais sobre cada uma dessas teorias, nos detendo um pouco mais sobre
a teoria asiática, que inclui mais evidências genéticas (SALAZANO, 1997).

A comunidade científica e a ciência não são neutras. Os debates sobre a origem dos
povos ameríndios e o povoamento das Américas nos permitem compreender algumas
dinâmicas da comunidade científica e da ciência. As primeiras teorias sobre esse tema,
surgidas no século XX, foram formuladas a partir de achados arqueológicos em sítios
localizados nos Estados Unidos. A partir de então, firmou-se nesse país uma tradição
de rechaço às teorias que propusessem outras datações que não aproximadamente
11 mil anos atrás, com outros referentes, principalmente de outros locais na América.
Pesquisadores com conclusões alternativas a esses achados iniciais muitas vezes não
encontram reconhecimento na comunidade científica, nem conseguem publicar seus
resultados em revistas de impacto internacional. Esse é o caso, por exemplo, de algumas
descobertas feitas no Brasil, que, a partir de estudos que procuraram estabelecer sua
datação, encontraram culturas anteriores aos achados norte-americanos (PROUS, 1997).
A origem dos povos da América 7

A teoria asiática
Essa teoria defende que os primeiros habitantes do continente americano são
de origem mongoloide, e entraram na América através do Estreito de Bering,
no Pleistoceno, durante os períodos glaciais, quando os níveis dos oceanos
baixaram 100 metros, formando a chamada Ponte Terrestre de Bering, ou
Beríngia (PROUS, 1997).
De acordo com Meggers (1979, p. 24):

A mais antiga ponte terrestre existiu entre cerca de 50.000 e 40.000 anos [...]
e foi usada por várias espécies de mamíferos do Velho Mundo, incluindo o
caribu e o mamute peludo, para invadir as Américas. Após um intervalo de
submergência que durou uns 12.000 anos, a ponte reapareceu entre cerca de
28.000 e 10.000 anos atrás. [...] No decorrer de alguns milênios, antes que os
segmentos de Leste e Oeste se fundissem e um corredor se abrisse novamente,
a ponte terrestre foi transitável. Aproximadamente há 10.000 anos [...], o nível
do mar elevou-se suficientemente para cobrir o Estreito de Bering e desde
essa época o Novo Mundo tem sido atingido somente por água.

Pesquisadores que utilizam análise genética divergem entre si quanto ao


número de migrações ocorridas para a América através do Estreito de Bering,
defendendo que houve entre uma e quatro ondas migratórias (SALAZANO,
1997, p. 38). Em resumo, seus argumentos são os seguintes:

 Existem autores que defendem uma migração única pelo Estreito de


Bering há 30 mil anos, via corredor livre de gelo de Alberta. O colapso
do corredor, entre 14 e 20 mil anos atrás, isolou os ameríndios dos
demais grupos, originando a diferenciação entre os ameríndios e os
na-denes, inuits e chukchis.
 Há aqueles que argumentam pela existência de três ondas migratórias
distintas, provenientes da Sibéria, que trouxeram à América os ame-
ríndios (11 mil anos atrás), os na-denes (9 mil anos atrás) e os inuits
(4 mil anos atrás). Essa teoria, além de análise genética, utiliza análise
linguística e odontológica.
 Por fim, há um conjunto de pesquisadores que sustentam a existência
de quatro ondas migratórias, mas que, entre si, divergem quanto à
denominação dos grupos migratórios e as datas de migração. Alguns
autores desses grupos, além das análises genéticas, utilizam a morfologia
craniana como fonte para suas análises.
8 A origem dos povos da América

No mapa exibido na Figura 2, temos a representação gráfica da migração hu-


mana via Estreito de Bering, e os dois mais antigos sítios arqueológicos encontrados
nos Estados Unidos, o de Folsom e o de Clovis, que estimaram a chegada dos
seres humanos na América em aproximadamente 11 mil anos atrás. Entretanto,
outros sítios arqueológicos, como Monte Verde, no Chile, e Lagoa Santa, no
Brasil, colocam em dúvida essa periodização, pois suas datações são anteriores.

Figura 2. Migração para a América via Estreito de Bering.


Fonte: Adaptada de Roblespepe (2008, documento on-line).

Outra questão a ser considerada em relação à teoria asiática é que houve


processos de “microevolução” que ocorreram dentro do continente americano
após as ondas migratórias, o que explicaria a heterogeneidade da população
ameríndia. Assim:

[...] apesar de suas limitações, os estudos genéticos, tanto em nível de prote-


ína como de DNA, têm fornecido importantes contribuições para a análise e
eventual solução da questão da origem de nossos indígenas. Atualmente, há
consenso quanto à entrada no continente através do estreito de Bering, mas
dúvidas quanto ao número de ondas migratórias (SALAZANO, 1997, p. 43).
A origem dos povos da América 9

Outro consenso apontado pelo autor é a data de entrada da primeira leva


migratória, que teria ocorrido 30 mil anos antes do presente.

Outras teorias
As demais teorias para a origem e o povoamento do território americano levam
em consideração a migração oceânica. Trata-se de teorias de difícil investigação,
em função da limitação dos achados arqueológicos. Porém, segundo especialistas,
há fortes indícios de migrações transpacíficas mais tardias em nosso continente,
principalmente pelos achados parasitológicos. Foi encontrada nos intestinos de
uma múmia peruana e de corpos mumificados em Minas Gerais e no Piauí uma
parasitose que, em função de suas condições de sobrevivência, não poderia ter
sido introduzida no continente americano através do Estreito de Bering (SILVA;
RODRIGUES-CARVALHO, 2006). Além dos achados parasitológicos, pesquisa-
dores encontraram similitudes entre os crânios de antigos habitantes do Equador,
de Lagoa Santa, no Brasil, e da Polinésia. Contudo, os trabalhos arqueológicos
na região da Polinésia estimam que a ocupação daquela região não ocorreu antes
de 3 mil anos atrás, o que não é um empecilho para suas viagens até a América,
apenas torna essas possíveis ondas migratórias mais recentes (DA-GLORIA, 2019).
Nesse sentido, não se trata apenas de acrescentar novas rotas migratórias à
história da ocupação da América, mas pensar novos grupos como componentes
dos povos ameríndios:

[...] a questão central relativa à dinâmica de ocupação do continente certamente


é o reconhecimento de uma leva migratória adicional, constituída de grupos
não mongolizados, aparentemente anterior à entrada das populações com mor-
fologia mongoloide típica (SILVA; RODRIGUES-CARVALHO, 2006, p. 191).

3 Os indígenas da América do Norte


O extenso território da América do Norte foi ocupado por diferentes etnias
indígenas ao longo do tempo. Esses grupos desenvolveram características mais ou
menos similares em cada uma das zonas ocupadas. De acordo com Kavin (2006),
essas etnias podem ser agrupadas conforme a região em que se estabeleceram:

 Na costa noroeste do Pacífico, viviam os povos Haida, Tsimshian,


Tlingit, Tillamook, Chinook, Älsé, Coos, Coquille, Nootka, Makah,
Washo e Wishram.
10 A origem dos povos da América

 No Ártico, encontramos o povo Inuit.


 Na região nordeste e dos Grandes Lagos, viviam os povos Algonquian,
Iroquois, Mohawk, Oneida, Onondaga, Cayunga e Seneca.
 No sudoeste, viviam os povos Cherokee, Catawba, Creek e Seminole.
 No sul e sudeste, ou seja, na “fronteira” com a Mesoamérica, viviam
os povos Pima, Papago, Hopi, Navajo e Apache.
 Na região das grandes planícies, no interior do continente, vivam os
Cheyenne, Lakota, Sioux e Comanche.

Percebemos, dessa forma, a diversidade de povos que ocupavam o território


da América do Norte. Essa não é uma listagem exaustiva e entre cada um
desses grupos étnicos há subdivisões. Na impossibilidade de abordarmos todos
esses povos, apresentaremos as características dos povos que vivem no Ártico.
No globo, a região do Ártico, que abrange o Canadá, a Dinamarca, a
Rússia e os Estados Unidos (Alasca) pode parecer bastante inóspita para a
maioria de nós, mas os indígenas Inuit ocupam há milhares de anos a região,
adaptando-se à geografia, caracterizada pela tundra plana, e ao clima, com
invernos longos, rigorosos e escuros. “Inuit” é o plural de “Inuk”, que significa
“pessoa” no idioma nativo, o qual se subdivide em diferentes dialetos, além de
uma linguagem não verbal, baseada na expressão corporal. Até pouco tempo,
os inuits eram chamados de esquimós, uma palavra proveniente do idioma
dos algonquianos (outro povo indígena), que significa “comedores de carne
crua”. Entretando, os inuits consideram esse termo ofensivo e lutam para
não serem identificados como “esquimós”. Existem outras etnias vivendo na
região do Ártico, mas os inuits são os mais numerosos. Em relação a outros
povos originários da América, seu contato com europeus e descendentes se
deu tardiamente, somente a partir de 1780, e alguns grupos foram contatados
apenas no século XX (KAVIN, 2006).
Os inuits dedicam-se à caça e à pesca como subsistência, Organizam-se
em famílias nucleares como unidade básica, mas reconhecem uma família
estendida, e eventualmente formam acampamentos ou assentamentos sazonais
com uma ou mais famílias, formando alguns bandos. Não existe uma liderança
específica, a não ser em episódios pontuais, como em expedições baleeiras,
em que se destacam homens mais velhos. Quanto a essa organização social,
ela não pode ser universalizada para todas as etnias e as regiões do Ártico; no
Alasca, por exemplo, onde se estabeleceu um maior contato com as culturas
da região noroeste do território do atual Estados Unidos, costuma haver uma
formalização da autoridade (KAVIN, 2006).
A origem dos povos da América 11

Entre os inuits, havia uma divisão de gênero nas atividades a serem de-
sempenhadas, sendo as mulheres responsáveis pela elaboração de artefatos e
ferramentas de marfim ou ossos, como agulhas, facas, raspadores de peles,
etc. Além disso, os habitantes do Ártico usavam artefatos de pedras lascadas,
como pontas, lâminas e panelas. As vestimentas eram elaboradas com couros
e peles de animais caçados (KAVIN, 2006).
Com variações regionais, os povos do Ártico acreditavam que todas as
coisas, animadas ou inanimadas, possuíam alma ou espírito, que eram bastante
respeitados, a partir de uma moral e de um conjunto de regras compartilha-
das. O respeito às almas ou aos espíritos era necessário para a manutenção
do bem-estar geral, em uma noção de equilíbrio. Por isso, também usavam
amuletos e rituais de magia, existindo a figura de um xamã, que estava em
contato com esse mundo espiritual (KAVIN, 2006).

Os inuits possuem uma mitologia com diferentes relatos sobre a origem do mundo.
Vejamos um exemplo, registrado a partir do relato de uma xamã de nome Iqallijuq,
De acordo com esse relato:

[...] os inuits do Ártico Central narram que antes da atual humanidade


havia outra. A terra era um disco redondo rodeado de águas e ela su-
portava uma abóboda celeste que abrigava, à imagem da terra, outro
mundo povoado de humanos e animais. Por sua vez, sob o disco terrestre
se encontrava um pequeno mundo, o mundo inferior, onde somente se
permanecia deitado, sendo que esse também tinha a imagem da terra.
Sucede-se que a terra caiu com seus habitantes; uma chuva diluviana
desceu do céu e afogou todos os seres vivos. A obscuridade passou a
reinar permanentemente sobre a terra. O tempo passou e apareceram
dois pequenos montículos de onde saíram dois homens adultos: os
primeiros inuits. Eles logo desejaram se reproduzir e um deles tomou
o outro por esposa. O homem-esposa tornou-se grávida, e quando
chegou o tempo do parto, o seu companheiro ansioso por fazer sair o
feto, compôs o seguinte canto mágico: “Este humano! Este pênis! Que
uma abertura suficientemente espaçosa se forme! Abertura, abertura,
abertura”. Esses primeiros ancestrais dos inuits se chamavam: o homem,
Uumarnituq; o homem-esposa, Aakuluujjusi. Eles fizeram ressurgir os
animais, ou criando ou trazendo de outros mundos (ROSA, 2011, p. 103).
12 A origem dos povos da América

AUSTIN, A. L.; MILLONES, L. Dioses del norte, dioses del sur: religiones y cosmovisión en
Mesoamérica y los Andes. México: Era, 2008.
CABEZAS CARCACHE, H. Unidad geográfica y cultural. In: CABEZAS CARCACHE, H. (Ed.).
Mesoamérica. Guatemala: Universidad Mesoamericana, 2005.
DA-GLORIA, P. Ocupação inicial das Américas sob uma perspectiva bioarqueológica.
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 14, n. 2, p. 429–457,
maio-ago. 2019.
KAUFMAN, T. Idiomas de Mesoamérica. Guatemala: José de Piñeda Ibarra, 1974.
KAVIN, K. Tools of native Americans: a kid's guide to the history & culture of the first
americans. Norwich, VT: Nomad Press, 2006.
LISBOA, A. M. De América a Abya Yala-semiótica da descolonização. Revista de Educação
Pública, v. 23, n. 53/2, p. 501–531, 2014.
MEGGERS, B. América pré-histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MESOAMÉRICA relief map with continental scale.png. Wikimedia Commons, the free
media repository, 31 dez. 2014. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Mesoam%C3%A9rica_relief_map_with_continental_scale.png. Acesso em: 29 abr.
2020.
PROUS, A. O povoamento da América visto do Brasil: uma perspectiva crítica. Revista
USP, n. 34, p. 8–21, jun./ago. 1997.
ROBLESPEPE. Poblamiento de America - Teoría P Tardío.png. Wikimedia Commons,
the free media repository, 2008. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Poblamiento_de_America_-_Teor%C3%ADa_P_Tard%C3%ADo.png. Acesso em:
29 abr. 2020.
ROSA, R. R. G. Mitologia e xamanismo nas Relações Sociais dos Inuit e dos Kaingang.
Espaço Ameríndio, v. 5, n. 3, p. 98–122, jul./dez. 2011.
SALZANO, F. M. As origens extracontinentais dos primeiros americanos. Revista USP,
n. 34, p. 34–43, jun./ago. 1997.
SILVA, H. P.; RODRIGUES-CARVALHO, C. Questões não respondidas, novas indagações
e perspectivas futuras. In: SILVA, H. P.; RODRIGUES-CARVALHO, C. (Org.). Nossa origem: o
povoamento das Américas: visões multidisciplinares. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2006.
A origem dos povos da América 13

Leituras recomendadas
BUENO, L. Arqueologia do povoamento inicial da América ou História Antiga da Amé-
rica: quão antigo pode ser um ‘Novo Mundo’? Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Ciências Humanas, Belém, v. 14, n. 2, p. 477–495, maio/ago. 2019.
DORNELLES, S. S.; MELO, K. M. R. S. Sobrevoando histórias: sobre índios e historiadores
no Brasil e nos Estados Unidos. Anos 90, Porto Alegre, v. 22, n. 41, p. 173–208, jul. 2015.
NEVES, W. A.; BERNARDO, D. V.; OKUMURA, M. M. M. A origem do homem americano
vista a partir da América do Sul: uma ou duas migrações?. Revista de Antropologia, v.
50, n. 1, p. 9–44, jun. 2007.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar