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HISTÓRIA

MODERNA

Caroline Silveira Bauer


A era das revoluções
inglesas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Relacionar o crescimento do poder da burguesia e o enfraquecimento


do antigo regime.
 Descrever as principais revoluções que ocorreram na Inglaterra.
 Reconhecer as principais dinastias envolvidas nos processos de revolução.

Introdução
Durante o século XVI, a monarquia inglesa se fortaleceu, mesmo que
envolvida em conflitos religiosos e nos dilemas enfrentados com a
existência do parlamento. Contudo, no século XVII, os confrontos entre
o rei e as câmaras legislativas se tornaram constantes, explicitando
divergências na condução da economia mercantilista (que não atendia
os anseios da burguesia) e da política (o autoritarismo e a falta de re-
presentatividade dos proletários, que buscaram apoio no parlamento).
Esse processo deu início a uma Guerra Civil, em 1640, e a uma sucessão
de eventos que culminaria com a Revolução Gloriosa de 1688, que
marcou o fim do Absolutismo inglês e permitiu o desenvolvimento da
chamada Revolução Industrial.
Neste capítulo, você vai aprender de que forma o crescimento do
poder da burguesia inglesa se relaciona com o enfraquecimento do po-
der do rei. Para isso, verá as diferentes fases do processo revolucionário
inglês e suas principais características, assim como as especificidades
e os projetos de cada uma das dinastias envolvidas nos conflitos do
século XVII.
2 A era das revoluções inglesas

1 O crescimento do poder da burguesia


e o enfraquecimento do antigo regime
Para compreender o desenvolvimento das revoluções inglesas, é neces-
sário contextualizar a situação econômica, política, religiosa e social da
Inglaterra no século XVII. Do ponto de vista econômico e social, havia,
no mínimo, três grandes configurações na Inglaterra. No Norte e no Oeste
do país, prevalecia uma estrutura agrária do tipo feudal, ainda que com o
rompimento das relações servis e com o assalariamento da mão de obra
camponesa. Predominava socialmente a nobreza tradicional, que procurava
assegurar seus direitos feudais. No Sul e no Leste da Inglaterra, a produção
agrícola era do tipo capitalista, com manufaturas voltadas para o mercado.
Nessa região, havia dois grupos principais: gentry, proprietários rurais
que exploravam as terras nos moldes capitalistas, incluindo aristocratas,
nobres decadentes e burgueses em ascensão e que foram a liderança do
processo revolucionário; e yomanry, pequenos posseiros que constituíram
a força social de massa que impulsionou o processo revolucionário. Por
fi m, nos grandes centros urbanos, predominavam os comércios interno e
externo, com o domínio da burguesia comercial, industrial e fi nanceira, os
mestres das corporações de ofício e dos centros manufatureiros, bem como
o proletariado marginalizado.
Segundo Modesto Florenzano (1981, p. 70-71):

Todas as mudanças sociais que estavam transformando a sociedade inglesa


da época tinham por base a terra, sua posse e seu uso. A propriedade da terra,
ainda a principal forma e fonte de riqueza, dava a quem a possuía prestígio
social (status) e poder (político). Por isso as pessoas ligadas ao mundo dos
negócios, às atividades urbanas, investiam suas fortunas na aquisição de pro-
priedades rurais. [...] Havia uma verdadeira compulsão, por parte da burguesia,
para adquirir terras. [...] A existência de uma agricultura comercial, com
características capitalistas, e de uma nobreza com mentalidade empresarial
acabaram transformando a terra em uma mercadoria, como outra qualquer,
que se comprava e vendia livremente.

A história política inglesa durante a Idade Moderna foi marcada pelos


confrontos entre o rei e suas pretensões absolutistas e o parlamento, compre-
endido como uma instituição da nobreza.
No ano de 1628, por meio da Petição de Direitos, o parlamento determinou
que o rei não poderia criar impostos, convocar o exército ou realizar prisões
A era das revoluções inglesas 3

sem o consentimento do legislativo. No ano seguinte, a reação de Carlos I foi o


fechamento do parlamento e a perseguição dos líderes políticos oposicionistas.
Em 1640, entretanto, o rei foi obrigado a convocar o parlamento para que
aprovassem recursos financeiros para o combate a uma revolta, ocorrida na
Escócia, contra seu governo. O parlamento, contudo, aprovou uma série de
medidas que desagradaram o monarca, entre elas, uma lei que proibia o rei
de dissolver o parlamento e que tornava obrigatória a convocação do órgão
pelo menos uma vez a cada três anos. Os sucessivos conflitos entre o rei e o
parlamento desencadearam as chamadas revoluções inglesas.

2 As revoluções inglesas
As revoluções inglesas podem ser compreendidas como um conjunto de
acontecimentos resultantes do conflito entre certas estruturas feudais ainda
vigentes na Inglaterra e as forças do capitalismo em expansão. Essa abordagem
permite compreender o caso inglês como a primeira revolução burguesa da
Europa Ocidental, antecipando em 150 anos a Revolução Francesa no sentido
da superação do Absolutismo e da criação de condições para o desenvolvi-
mento industrial. Além disso, as revoluções inglesas permitiram aos homens
de propriedade a conquista e o usufruto da liberdade civil e política, então
asseguradas como direitos pelos próprios indivíduos.

De acordo com Hill (1984), é possível compreender as revoluções inglesas como revo-
luções burguesas, mesmo que não tenham sido revoluções feitas ou conscientemente
desejadas pela burguesia. Durante a Guerra Civil, parte da burguesia, especialmente
os ricos comerciantes, apoiou o Rei Carlos I, enquanto os demais burgueses, que não
se beneficiavam com monopólios e privilégios, desejavam mudanças, mas temiam a
vontade revolucionária dos estratos mais baixos da sociedade.
Hill (1984) afirma que houve na Inglaterra uma união entre a burguesia e a
maioria dos proprietários rurais, que compreendiam as vantagens de uma produção
agrícola voltada para o mercado. Essa aliança possibilitou o controle das propostas
mais radicais, que impulsionavam a revolução para além dos desejos dos mais
moderados. O resultado foi a configuração de um Estado que aboliu as institui-
ções que impediam o desenvolvimento do capitalismo, rompendo com heranças
feudais (HILL, 1984).
4 A era das revoluções inglesas

Assim, podemos considerar a Revolução Inglesa como um conjunto de


acontecimentos que englobam os seguintes eventos (ou etapas de um processo):

 Guerra Civil ou Revolução Puritana (1642-1648);


 República de Cromwell (1649-1658);
 Restauração Monárquica (1660-1688);
 Revolução Gloriosa (1688-1689).

Vamos estudar com um pouco mais de detalhes, a seguir, cada um desses


momentos históricos.

Guerra Civil ou Revolução Puritana (1642-1648)


A Guerra Civil foi deflagrada quando o monarca inglês convocou o exército
para sufocar uma rebelião na Irlanda sem consultar o parlamento. Carlos I
revoltou-se contra as medidas adotadas pela câmara legislativa, ordenando
que a guarda real invadisse o órgão e prendesse suas lideranças. Estes, por
sua vez, organizaram milícias para lutar contra as tropas do rei. Iniciou-se,
assim, a Guerra Civil, que opôs os seguintes grupos:

 Grupos favoráveis à monarquia (cavaleiros): burguesia financeira,


mestres das corporações de ofício, alto clero anglicano.
 Grupos favoráveis ao parlamento (“cabeças redondas”): burguesia
mercantil, gentry, mestres manufatureiros e os camponeses.

Além desses dois grupos, surgiram outros, como os levellers (os “nivelado-
res”) e os diggers (ou “cavadores”). Os “niveladores” foram assim intitulados
por seus adversários políticos porque queriam “nivelar todos os homens por
baixo”. Eram republicanos, defendiam a igualdade de todos perante a lei, a
liberdade de culto, o fim dos dízimos cobrados pela Igreja e a extinção dos
monopólios comerciais. Além disso, defendiam que a Câmara dos Comuns
deveria assumir o poder no lugar do rei e que a Câmara dos Lordes deveria ser
dissolvida. Já os “cavadores” eram muito mais radicais: defendiam a reforma
agrária, fazendo com que as terras pertencentes à Igreja, ao governo e aos
grandes proprietários fossem entregues aos pobres para serem cultivadas.
De acordo com Hill (1995, p. 121), esses grupos “eram formados por homens
e mulheres pobres, sem sofisticação ou educação e, talvez por isso, raramente
suas opiniões foram consideradas a sério. Porém muitas de suas exigências,
tradicionalmente descartadas como fantasias impraticáveis, aproximam-se
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do radicalismo próprio do nosso próprio tempo”. Ou seja, esses grupos eram


considerados uma ameaça ao processo revolucionário pela possibilidade de
radicalização das lutas políticas e sociais.
Em função da frenagem desse radicalismo, o historiador inglês afirma
que houve duas revoluções na Inglaterra no século XVII, uma vitoriosa e
outra derrotada:

Houve duas revoluções nos anos 1640, talvez mais, mas as duas em que estou
pensando eram: a revolução política, que foi bem sucedida, que se estabeleceu
e que na verdade removeu o poder da rei e o transferiu para o Parlamento, que,
por sua vez, representava os mercadores e a pequena nobreza da Inglaterra.
Esta revolução durou algum tempo, com seus altos e baixos, e foi finalmente
confirmada em 1688 quando a Inglaterra se tornou um país no qual o rei era
relativamente sem importância e o Parlamento soberano na política. A segunda
revolução, que falhou, foi a revolução radical a favor de mudanças sociais em
grande escala, e pela democratização da Inglaterra. O Parlamento representava
as classes proprietárias: apenas os homens que tivessem alguma propriedade
tinham direito de voto, e nenhuma mulher, obviamente. As pessoas comuns
não participavam diretamente na eleição dos membros do Parlamento e menos
ainda das decisões políticas (HILL, 1995, p. 113).

As tropas do parlamento foram lideradas pelo deputado puritano Oliver


Cromwell, que organizou um exército cujos postos de comando eram definidos
pelo critério do merecimento militar, e não pela origem da família, como
ocorria no exército da nobreza.

República de Cromwell (1649-1658)


Ao final da Guerra Civil, o exército do parlamento venceu as tropas de Carlos I,
que foi preso e condenado à morte, sendo decapitado em 30 de janeiro de 1649.
Instaurou-se, então, o regime republicano sob a liderança de Oliver Cromwell.
Seu governo, ainda que de curta duração, significou um período de profun-
das transformações na história inglesa, e não somente pela mudança de regime
político — Cromwell implementou um regime republicano, com a unificação
britânica, ocorrida em 1651, que uniu a Inglaterra, a Irlanda e a Escócia.
Internamente, de acordo com Florenzano (1981), Cromwell suprimiu as
estruturas feudais ainda vigentes, eliminando os entraves institucionais para
o desenvolvimento econômico de moldes capitalistas. Externamente, houve
uma consolidação da Inglaterra como potência marítima e colonial a partir
da assinatura, em 1651, do chamado Ato de Navegação, que determinou que
todas as mercadorias que entrassem ou saíssem dos portos britânicos deveriam
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ser transportadas por navios dessa nacionalidade. Houve um enriquecimento


de setores da burguesia britânica com essa medida e, além disso, como o Ato
prejudicou bastante os comerciantes holandeses, que realizavam muitas dessas
transações comerciais, a Holanda declarou guerra à Inglaterra, gerando um
conflito que se estendeu por dois anos e que resultou na derrota dos holandeses.
A vitória inglesa também significou a transformação da Inglaterra na maior
potência naval de guerra do mundo.
De acordo com Hill (1995, p. 132-133):

Quando alcançou o poder supremo como Lord Protector, presidiu a imple-


mentação dos primeiros passos da nova política imperial inglesa. Ele orga-
nizou a primeira expedição patrocinada pelo Estado para conquistar o Novo
Mundo, visando as Índias Ocidentais e que, de fato, conquistou a Jamaica e
ali estabeleceu a mais importante base da colonização inglesa no Caribe. Ele
herdou uma frota muito grande que havia sido criada para vencer a guerra
civil e para a qual também contribuiu. Estabeleceu o poder naval inglês no
Mediterrâneo, [...]. Fazendo tudo isso, Cromwell estabelece o poder marítimo
inglês, utilizando-o para a expansão imperialista. E ainda estabelece o modelo
para a política externa da Inglaterra, para os próximos cento e cinquenta anos.

A partir de 1683, com a outorga a Cromwell do título de Lorde Protetor da


Comunidade Britânica, houve uma guinada de seu governo para uma ditadura.
Cromwell transformaria seu governo em vitalício e hereditário, dissolvendo o
parlamento. Após sua morte, ocorrida em 1658, seu filho Ricardo assume o
poder, mas não consegue dar continuidade ao governo republicano.

Restauração Monárquica (1660-1688)


Ricardo conseguiu permanecer no governo por apenas oito meses (de setembro
de 1658 a maio de 1659). A agitação novamente tomou conta do país, e o parla-
mento, eleito em 1660, decidiu restaurar a monarquia dos Stuarts, convidando
Carlos II a assumir o trono britânico. O rei, entretanto, deveria ceder ao domínio
do parlamento, que estava dividido entre os whigs (defensores do governo
controlado pelo parlamento) e os tories (absolutistas) (FLORENZANO, 1981).
Durante a restauração monárquica dos Stuarts, que se estendeu dos reina-
dos de Carlos II e seu irmão Jaime II, houve um crescente descontentamento
de setores da burguesia e da nobreza anglicana devido ao estilo absolutista
e autoritário do governo e sua inclinação para o catolicismo, motivos que
levariam a um novo enfrentamento. Em outras palavras, houve uma reativação
do conflito entre o rei e o parlamento que, segundo Mello (2011, p. 78), “se
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opunha à política pró-católica e pró-francesa dos Stuart. Em 1680, no reinado


de Carlos II, o Parlamento cindiu-se em dois partidos, os tories e os whigs,
representando, respectivamente, os conservadores e os liberais”.

Revolução Gloriosa (1688-1689)


Jaime II, que era católico, tomou uma série de medidas contrariando o parla-
mento. Este, temendo a volta do Absolutismo, estabeleceu um acordo com o
príncipe holandês Guilherme de Orange (casado com Maria Stuart, filha de
Jaime II). Pelo acordo, Guilherme assumiria o trono inglês com a condição
de respeitar os poderes do parlamento. Iniciava-se, então, a Revolução Glo-
riosa, a luta entre as tropas de Guilherme de Orange e as forças de Jaime II
(FLORENZANO, 1981).
O rei inglês foi derrotado e Guilherme de Orange e sua esposa Maria Stuart
assumiram o poder na Inglaterra, tendo, entretanto, que assinar, em 1689, a
chamada Declaração de Direitos (Bill of Rights), que determinou, entre outras
medidas, “a supremacia legal do Parlamento sobre a realeza e instituiu na
Inglaterra uma monarquia limitada” (MELLO, 2011, p. 82).
O historiador Lawrence Stone (2016, p. 13-14) traz uma importante reflexão
sobre o legado das revoluções inglesas:

Ainda que a Revolução fracasse aparentemente, sobreviveram ideias de tole-


rância religiosa, limitações do poder executivo central a respeito da liberdade
pessoal das classes proprietárias e uma política baseada no consentimento de
um setor muito amplo da sociedade. Essas ideias reaparecerão nos escritos de
John Locke e se consolidarão no sistema político dos reinados de Guilherme
III e Ana, com organizações partidárias bem desenvolvidas, com a transfe-
rência de amplos poderes ao Parlamento, com um Bill of Rights [Declaração
de direitos de 1689] e um Toleration Act [Ato de tolerância de 1689], e com a
existência de um eleitorado [...] numeroso, ativo e articulado. É precisamente
por essas razões que a crise inglesa do século XVII pode aspirar a ser a primeira
'Grande Revolução' na história mundial, e, portanto, um acontecimento de
importância fundamental na evolução da civilização ocidental.

Além desses legados listados por Stone (2016), podemos citar que a Revo-
lução Gloriosa, como um último episódio das revoluções inglesas, significou o
fim do Absolutismo da Inglaterra. A monarquia constitucional e parlamentarista
que se seguiu ao processo revolucionário traduzia uma limitação do poder real
pelo poder legislativo. A partir do término dos conflitos, a aliança econômica
entre a burguesia das grandes cidades e a nobreza latifundiária se consolidou,
porque ambos os grupos econômicos tinham interesses no incipiente processo
8 A era das revoluções inglesas

de industrialização, gerando riquezas para as duas classes. Essa aliança tornou


possível que a Inglaterra fosse o país em que primeiro ocorreu a chamada
Revolução Industrial (HOBSBAWM, 2014).
No plano político, a Revolução Gloriosa marcou o fim do Absolutismo
na Inglaterra. O poder do rei passou a ser limitado pelo parlamento, e a
monarquia adquiriu um caráter constitucional. No plano socioeconômico,
a Revolução Gloriosa selou um compromisso entre a burguesia urbana e
a nobreza proprietária de grandes terras, cultivadas em moldes capitalis-
tas. Unidas, essas duas classes poderosas promoveram o desenvolvimento
econômico inglês, tornando o país a maior potência comercial da época, e
lançaram as bases para o desenvolvimento do capitalismo industrial. De
acordo com Hobsbawm (1991, p. 68), “[...] os ricos do século XVIII estavam
preparados para investir seu dinheiro em certas empresas que beneficiavam
a industrialização; mais notadamente nos transportes (canais, facilidades
portuárias, estradas e mais tarde também nas ferrovias) e nas minas, das
quais os proprietários de terras tiravam royalties mesmo quando eles próprios
não as gerenciavam”.

3 As dinastias envolvidas no conflito


e seus interesses
Entre todas as nobrezas da Europa Ocidental, a britânica foi a primeira que
se envolveu com atividades voltadas para o desenvolvimento do capitalismo
e, por consequência, aquela que primeiramente foi obrigada a lidar com as
demandas culturais, econômicas, políticas e sociais decorrentes da ascensão de
grupos burgueses (FERREIRA, 2011). As dinastias envolvidas nas revoluções
inglesas do século XVII possuem um longo histórico de enfrentamentos que
remetem ao século XV.
Após a derrota na Guerra dos Cem Anos, a Inglaterra entra em crise,
levando ao confronto que ficou conhecido como Guerra das Duas Rosas entre
1455 e 1485, uma disputa entre as famílias de York (cujo símbolo era uma rosa
branca) e de Lancaster (cujo símbolo era uma rosa vermelha) e seus aliados
pelo trono inglês. O episódio foi marcado por extrema violência, massacres,
destruição de aldeias, castelos, incluindo o desaparecimento de famílias in-
teiras. Aproveitando-se dessa situação de caos, Henrique IV, vitorioso nessa
guerra civil, contém os grupos rebeldes e sua linhagem dinástica compõe uma
A era das revoluções inglesas 9

aliança com a burguesia, ansiosa pelo fim das tantas guerras prejudiciais ao
desenvolvimento de seus negócios, o que, posteriormente, levaria Henrique
VIII ao poder (HILL, 1984).
A dinastia Tudor se manteve no poder até 1603, quando morreu a rainha
Elisabeth I, o maior nome do Absolutismo inglês. A dinastia dos Tudors, que
governava a Inglaterra no século XVI, exerceu o chamado Absolutismo de
fato, sem a oposição da burguesia, pois realizava uma série de ações admi-
nistrativas que correspondiam aos anseios burgueses, como centralização do
poder com garantia de ordem social, unificação das moedas, dos pesos e das
tarifas alfandegárias, permissão da atividade dos corsários. Nesse período,
a Igreja Anglicana dava ênfase no conteúdo puritano (pela compatibilidade
com a ideologia burguesa) (HILL, 1984).
De acordo com D’Avila (2017, p. 304):

Contraditoriamente à tendência de evidenciar os ancestrais e a linhagem por


meio de brasões do passado, o período Tudor foi marcado pela presença de
teóricos políticos que enfatizavam a instrução e a capacidade de servir ao
Estado como o supremo teste e justificativa para a existência de uma classe
que vivia no conforto e era assistida pelo trabalho de outros — como Thomas
More e Francis Bacon. Contudo, a obsessão com a ascendência nesse período
demonstra que o nascimento e a riqueza continuavam servindo como indica-
dores de status mais que aspectos meritocráticos; ao mesmo tempo em que
a origem sanguínea se tornava mais rara como fonte de distinção social: no
medievo era comum que um nobre personalizasse seu brasão, no tempo em
que os brasões se tornaram artigo de mercado era mais elitizado apresentar
um brasão ancestral que cunhar o próprio.

Apesar do cercamento dos campos (posse de propriedades e meios de


produção) e das reorganizações das relações de trabalho já configurarem uma
hierarquização social no sentido da formação de classes, é somente a partir
da ascensão dos Stuarts ao poder, em 1603, que essa divisão da sociedade
em classes sociais aparece em termos políticos, explicitados nos confrontos
entre a monarquia e o parlamento que caracterizaram os reinados de Jaime
I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), e que acabaram resultando na Guerra
Civil, origem das revoluções inglesas.
De acordo com Florenzano (1981, p. 75-76):

Quando a dinastia Stuart subiu ao trino em 1603, recebeu como herança da dinas-
tia anterior, Tudor (1485-1603) um Estado que, embora tivesse acompanhado o
processo de centralização e fortalecimento do poder monárquico que se verificou
10 A era das revoluções inglesas

em toda a Europa durante o Renascimento (séculos XV e XVI), havia fracassado


na consecução dos três instrumentos básicos, necessários à sua plena efetivação:
exército permanente, autonomia financeira e burocracia (corpo de funcionários
dependentes do Estado e a ele fiéis). Não bastasse isso, os reis Stuart receberam
também, como herança um Parlamento ampliado em seu número e fortalecido
em seu poder e uma Igreja Reformada, a Igreja Anglicana [...].

Você sabe como se constituiu o parlamento na Inglaterra e como se deu seu for-
talecimento ao longo dos séculos? O historiador Modesto Florenzano nos ajuda a
compreender a história dessa instituição. De acordo com o autor, ainda que durante
a Idade Média a Inglaterra possuísse um poder monárquico relativamente forte e
centralizado, organizou-se uma “assembleia de vassalos, que logo se transformaria
numa instituição coletiva e unificada da classe dirigente feudal da ilha — o parlamento”
(FLORENZANO, 1981, p. 81). O objetivo dessa assembleia era votar e aprovar, em caráter
extraordinário, medidas econômicas e/ou políticas para a monarquia. O que distingue
essa instituição inglesa das congêneres existentes na Europa Ocidental (os Estados
Gerais na França e as Cortes na Espanha, por exemplo), é que:

[...] na Inglaterra só existia uma única assembleia deste tipo, coincidindo


com as fronteiras do país, e não várias, correspondendo cada uma às
diferentes províncias; de outro, o fato de que no Parlamento inglês não
existia a tradicional divisão ternária que havia no continente — clero,
nobreza e burguesia. Por sua vez, o sistema de duas Câmaras — dos
Lordes e dos Comuns —, que é um desenvolvimento posterior, ao invés
de consagrar a divisão entre as três ordens, ou estados, estabelecia uma
distinção no seio da própria nobreza. Enquanto a Câmara dos Lordes
era reservada ao alto clero e à alta nobreza (os pares do reino), à Câ-
mara dos Comuns pertenciam não apenas os burgueses das cidades,
mas também a gentry do campo (FLORENZANO, 1981, p. 81-82).

No século XVII, como forma de legitimação do absolutismo monárquico


vigente na Inglaterra, os Stuarts promoveram algumas reformas para a conso-
lidação do regime no âmbito jurídico. Dessa forma, procurava-se uma funda-
mentação para os poderes absolutistas, que estavam em constante conflito com
o parlamento, dominado pela burguesia puritana, que, além de contrária aos
desígnios reais, procurava limitar juridicamente o poder do rei. A monarquia,
A era das revoluções inglesas 11

por sua vez, no intuito de preservar seus poderes políticos, buscou alianças
com a aristocracia tradicional católica, o que se deu por meio da religião, com
uma aproximação da religião oficial do Estado, o anglicanismo, com preceitos
do catolicismo (FLORENZANO, 1981).
Nesse sentido, é importante assinalar que, comparativamente com o desenvol-
vimento das monarquias absolutistas na Europa Ocidental, o Absolutismo inglês
fracassava por sua faceta “reacionária e bloqueadora das novas forças econômicas
e sociais” (FLORENZANO, 1981, p. 95). A existência das especificidades estru-
turais inglesas e de uma burguesia já constituída fez com que se deflagrassem os
sérios confrontos entre o rei e o parlamento, que geraram as revoluções inglesas.

D’AVILA, L. A aristocracia inglesa do início da modernidade e a dissolução da nobreza


feudal. Revista TEL, Irati, v. 8, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2017. Disponível em: http://www.
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FERREIRA, L. D. Aristocracia Britânica, Ideias Econômicas e Historiografia. In: CONGRESSO
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FLORENZANO, M. As Revoluções Burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1981.
HILL, C. A biografia na história da Inglaterra setecentista. Varia História, Belo Horizonte,
v. 11, n. 14, p. 124-144, set. 1995.
HILL, C. Uma Revolução Burguesa? Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 4, n. 7, p. 7-32,
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HILL, C. Virando o mundo de ponta-cabeça: o outro lado da revolução inglesa. Varia
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HOBSBAWM, E. J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e
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MELLO, L. I. A. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, F. (Org.). Os clássicos
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STONE, L. A revolução inglesa. In: MARQUES, A.; BERUTTI, F.; FARIA, R. (Org.). História
contemporânea através de textos. São Paulo: Contexto, 2016.
12 A era das revoluções inglesas

Leituras recomendadas
ARRUDA, J. J. A. A. Perspectivas da Revolução Inglesa. Revista Brasileira de História, São
Paulo, n. 7, p. 121-131, 1984.
HILL, C. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revolução inglesa de 1640.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
HILL, C. Origens intelectuais da Revolução Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2014.
LIMA, V. C. “Impresso para ser vendido Crown em Pape’s Head Alley”: Hannah Allen, Livewell
Chapman e a disseminação de panfletos radicais religiosos durante a Revolução Inglesa
(1646- 1665). 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de São
Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2016.
RUDÉ, G. A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e na
Inglaterra, 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
STONE, L. Causas da Revolução Inglesa. Bauru: Edusc, 2000.

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