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Direitos Humanos e saúde

mental - Curso permanente


Damião Ximenes Lopes

Direitos Humanos
Fundação Escola Nacional de Administração Pública

Diretoria de Desenvolvimento Profissional

Conteudista/s
Ana Raquel Torres Menezes (Conteudista, 2023).

Curso desenvolvido no âmbito da Diretoria de Desenvolvimento Profissional – DDPRO

Enap, 2023
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Diretoria de Desenvolvimento Profissional
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF
Sumário
Módulo 1 – Introdução ao Direito Internacional dos Direitos
Humanos
1. Direitos humanos................................................................................................. 6
1.1. Conceito de direitos humanos ................................................................................. 6
1.2. Histórico dos direitos humanos ............................................................................ 13
1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais .......................................................... 21

2. Dimensões dos direitos humanos..................................................................... 26


2.1. Direitos civis e políticos............................................................................................ 27
2.2. Direitos econômicos, sociais e culturais................................................................ 30

3. Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de


Direitos Humanos................................................................................................... 36
3.1. Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos............................................... 36
3.2. Sistema ONU de Direitos Humanos ...................................................................... 41
3.3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos.................................................... 48
3.4. Sistema Europeu de Direitos Humanos................................................................ 58
3.5. Conclusão.................................................................................................................. 61

Módulo 2 – Saúde e Direitos Humanos


1. Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde.................... 63
1.1. Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde......... 65
1.2. Redução da vulnerabilidade no processo saúde-doença por meio dos
direitos humanos............................................................................................................. 69
1.3. Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde..................... 72

2. Direito à saúde.................................................................................................... 77
2.1. Direito à saúde: conteúdo, elementos e monitoramento................................... 77
2.2. Direito à saúde mental............................................................................................ 87

3. Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados em saúde................. 92


3.1. Direito à privacidade ............................................................................................... 92
3.2. Direito de não ser discriminado............................................................................. 97

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3.3. Direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento cruel,
desumano ou degradante.............................................................................................. 99
3.4. Direito à liberdade.................................................................................................. 103
3.5. Conclusão................................................................................................................ 107

Módulo 3 – Direitos humanos aplicados às pessoas sob cuidados


em saúde
1. Direitos humanos no contexto da saúde mental......................................... 108
1.1. Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e
para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU............................ 109
1.2 Tortura, tratamento desumano e degradante no contexto
da saúde mental............................................................................................................ 121
1.3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e saúde mental............................................................................................................... 124
1.4. Quality Rights........................................................................................................... 131

Módulo 4 – Jurisprudência internacional sobre direitos humanos e


saúde mental
1. Relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de
Direitos Humanos................................................................................................. 141
1.1. Relatórios e decisões do Sistema ONU ............................................................... 141
1.2. Relatórios e decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos ...... 156
1.3. Relatórios e decisões do Sistema Europeu de Direitos Humanos .................. 159
1.4. Conclusão................................................................................................................ 168

2. Casos julgados pelos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos........ 170


2.1. Caso Ximenes Lopes ............................................................................................. 170
2.2. Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental ........................................................ 179
2.3. Conclusão................................................................................................................ 184

Referências............................................................................................................ 185

Glossário................................................................................................................ 196

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Olá!
Desejamos boas-vindas ao curso Direitos Humanos e saúde mental – Curso
permanente Damião Ximenes Lopes.
Este curso tem o objetivo de apresentar os princípios e as normas de direitos humanos
que devem reger os cuidados em saúde das pessoas com transtorno mental, bem
como a sua aplicação, de modo a alcançar as melhores práticas estabelecidas com
base nos padrões internacionais sobre a matéria.
Desejamos um excelente estudo!

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Módulo

1 Introdução ao Direito Internacional


dos Direitos Humanos

Olá, estudante!

Neste primeiro módulo, abordaremos os conceitos de direitos humanos e sua


perspectiva histórica e reconheceremos as dimensões dos direitos humanos, que
englobam os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Por fim, vamos
conhecer o Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Direitos
Humanos.

1. Direitos humanos

Compreender o conceito de direitos humanos.

1.1. Conceito de direitos humanos

1.1.1. O que são direitos humanos?

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os direitos
humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres
humanos.

Os direitos humanos orientam o modo como os seres humanos vivem em sociedade


e entre si, assim como a relação deles com o Estado. Além disso, esses direitos
determinam obrigações do Estado em relação aos indivíduos. Os direitos humanos
são direitos que temos simplesmente por existirmos enquanto seres humanos. Eles
são inerentes a todas as pessoas, independentemente de sua origem nacional ou
étnica, nacionalidade, sexo, origem, cor, religião, idioma ou qualquer outro “status”.

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Os direitos à vida, à alimentação adequada, à educação, ao trabalho, à saúde e à
liberdade são alguns exemplos de direitos humanos.

Figura 1 - Direito Figura 2 - Direito à Figura 3 - Direito


à vida alimentação adequada à educação

Figura 4 - Direito Figura 5 - Direito Figura 6 - Direito


ao trabalho à saúde à liberdade

Fonte: https://www.flaticon.com/br

Uma característica importante dos direitos humanos é a sua essência ética. Além
desse aspecto, esses direitos são normas jurídicas estabelecidas em diferentes
fontes de direito internacional.

Assim, pode dizer que os direitos em questão são demandas sociais que buscam
realizar bens éticos que permitem que os indivíduos desfrutem de uma vida digna,
e que sejam reconhecidos pela sociedade. Os direitos humanos desempenham
a função de concretizar a dignidade humana para que todos os seres humanos
possam desenvolver suas capacidades pessoais.

1.1.2. Quais são as características dos direitos humanos?


O conceito amplamente adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) atribui
aos direitos humanos as seguintes características:

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Figura 7 - Características dos direitos humanos

Fonte: elaborada pela autora.

O conceito de direitos humanos pode ser aplicado ao âmbito da saúde da seguinte


forma:

Na esfera da saúde, todos os pacientes,


independentemente do status pessoal e da relação
travada com o profissional de saúde ou o provedor
privado de saúde, ou seja, se de consumo ou de
usuário de serviço público, são detentores de direitos
humanos, o que, obviamente, os diferencia dos
direitos do consumidor, que pressupõe a existência
de uma relação de consumo (ALBUQUERQUE, 2016, p.
27).

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Figura 8 - Direitos humanos e saúde

Fonte: “A young patient has his vital signs checked” by World Bank Photo
Collection is licensed under CC BY-NC-ND 2.0. To view a copy of this license, visit
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/?ref=openverse.

1.1.3. Conteúdo dos direitos humanos


Conforme você viu anteriormente, os direitos humanos consistem em normas
jurídicas com essência ética que se encontram em diferentes fontes de direito
internacional. Assim, entendemos que esses direitos possuem duplo conteúdo:
ético e jurídico. Se não estiverem presentes em dispositivos legais internacionais, os
enunciados serão apenas exigências éticas, sem configurar direitos.

Sobre isso, é importante destacar que apenas fontes de direito internacional podem
originar direitos humanos: normas constitucionais ou leis nacionais não geram
direitos humanos.

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Figura 9 –Duplo conteúdo dos direitos humanos

Fonte: elaborada pela autora.

Conforme falamos anteriormente, os direitos humanos estão dispostos em


documentos jurídicos internacionais. Porém, no que diz respeito ao texto, a forma
como esses direitos estão descritos nos referidos documentos é relativamente
vaga. Por esse motivo, é necessário pormenorizar o conteúdo dos direitos humanos
para que possam ser aplicados. A jurisprudência internacional é quem explora e
demarca esse conteúdo.

1.1.4. Titulares e sujeitos de direitos humanos


Os titulares de direitos humanos são os indivíduos (ou grupos de indivíduos)
que podem exigir do Estado e de seus agentes que seus direitos humanos sejam
respeitados, protegidos e colocados em prática. Quando um titular do direito
humano tem uma demanda, existe do outro lado o sujeito responsável por atender
a essa exigência, que é o Estado.

O Estado é o sujeito que tem obrigações para com os indivíduos no plano do Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Por esse motivo, a relação de direitos humanos
se estabelece exclusivamente entre o Estado e os indivíduos.

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Figura 10 - Titulares e sujeitos de direitos humanos

Fonte: elaborada pela autora.

Como exemplo, temos a importante situação da primeira condenação do Brasil no


âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no caso Ximenes Lopes vs.
Brasil (2006):

O Sr. Damião Ximenes Lopes foi internado na Casa de Repouso


Guararapes em outubro de 1999. A Casa era um centro de
atendimento psiquiátrico privado que operava no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), em Sobral, Ceará. O Sr. Ximenes
Lopes veio a falecer na Casa de Repouso três dias após a sua
internação.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)


entendeu que o Sr. Damião Ximenes Lopes foi submetido a
condições desumanas e degradantes durante sua hospitalização,
tendo sofrido violação da sua integridade pessoal por parte dos
funcionários da Casa de Repouso Guararapes.

Como falamos acima, no âmbito do Direito Internacional dos


Direitos Humanos, o Estado é quem tem obrigações para com
os indivíduos. Sendo assim, a Corte IDH estabeleceu, no caso
Ximenes Lopes vs. Brasil, que os Estados têm o dever de garantir
atendimento médico eficaz aos pacientes com transtorno
mental. Ademais, ressaltou, entre outros aspectos, que o lugar e
as condições físicas em que o tratamento se desenvolve devem
estar de acordo com o respeito à dignidade humana.

Segundo a Corte, o Estado brasileiro violou, com relação ao


Sr. Damião Ximenes Lopes, o direito de não ser torturado ou
submetido a pena ou tratamento desumano ou degradante,
que é um direito absoluto. O Estado é o sujeito da obrigação

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de atender à demanda de direitos humanos e, portanto, é ele
quem tem o dever de alocar recursos suficientes para satisfazer
às necessidades básicas dos pacientes e de mover a máquina
administrativa no sentido de implantar políticas, programas e
legislações que evitem a prática de tais condutas por parte dos
profissionais da saúde.

Por esse motivo, o Estado (e não os profissionais da saúde


envolvidos no caso Ximenes Lopes vs. Brasil) foi punido no âmbito
internacional: ele é o responsável por assegurar o cumprimento
dos direitos humanos com relação aos seus indivíduos.

Sobre isso, citamos o seguinte trecho do livro “Direitos Humanos dos Pacientes”, da
especialista e pós-doutora em Direitos Humanos Aline Albuquerque:

Na esfera dos cuidados em saúde, a responsabilização


internacional pela violação dos direitos humanos
recairá sobre o Estado e não sobre os profissionais da
saúde, embora a prática do ato violador possa ter sido
efetivada pelos últimos. Sendo assim, o Estado tem o
dever de adotar medidas legislativas, administrativas
ou de outra natureza que impeçam a violação dos
direitos humanos dos pacientes. Contudo, se a
despeito de tais medidas, houver o desrespeito a
determinado direito humano, o Estado não pode
permanecer passivo, pois tem o dever de prover os
remédios legais efetivos ao paciente para reparar a
violação ocorrida, assegurando a reparação do dano e
a responsabilização dos agentes violadores com base
na legislação nacional. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 27)

É importante esclarecer que as relações entre os indivíduos, entre estes e entidades


privadas e as relações entre Estados não constituem relações de direitos humanos:

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Figura 11 - Não são relações de direitos humanos

Fonte: elaborado pela autora

1.2. Histórico dos direitos humanos


1.2.1. Introdução
Estudaremos a seguir alguns fatos relevantes na história dos direitos humanos e
como se deu a evolução desses direitos ao longo do tempo por meio de diferentes
documentos. O estudo da história está dividido por séculos, para facilitar a
compreensão do todo.

1.2.2. Antes do século XVIII


Durante a idade média, a concepção sobre a igualdade dos seres humanos era
fundada em concepções religiosas. A nobreza possuía maior status moral do que o
chamado Terceiro Estado, o poder político era ilimitado e a relação política da época
era desigual, pois um dos sujeitos da relação se encontrava “no alto”, enquanto o
outro estava “em baixo”.

Os seguintes documentos desse período são considerados importantes para os


direitos humanos.

+ Carta Magna da Inglaterra (1215)


A assinatura da Carta Magna da Inglaterra, em 1215, trouxe importantes avanços
no que diz respeito à limitação do poder político. A Carta foi uma reação aos
excessos cometidos pelo Rei João no exercício dos seus direitos feudais e
estabeleceu limitações à sua autoridade.

+ Bill of Rights britânica (Carta de Direitos de 1689)


Ainda no sentido de limitação do poder, a Bill of Rights, de 1689, estabeleceu
importantes direitos e liberdades. Entre eles, os princípios de eleições livres e de

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liberdade de expressão no parlamento, bem como a proibição de tributar sem a
aprovação do parlamento, o tratamento justo perante as cortes e os direitos de
petição.

Porém, é preciso observar que os avanços promovidos pela Carta de Direitos,


embora representassem importante evolução de direitos humanos, ainda
precisariam ser aprimorados ao longo do tempo:

Embora a Bill of Rights britânica de 1989 proibisse


expressamente o castigo cruel, os juízes ainda
sentenciavam os criminosos ao pode dos açoites, ao
banco dos afogamentos, ao tronco, ao pelourinho,
ao ferro de marcar, a execução por arrastamento
e esquartejamento [...] ou, para as mulheres,
arrastamento, esquartejamento e morte na fogueira
(HUNT, 2009, p. 77).

1.2.3. Século XVIII


No século XVIII, surgem as primeiras declarações que estabelecem direitos que
posteriormente seriam reconhecidos como direitos humanos. Foi a primeira vez
que as ideias liberais foram afirmadas na história, e isso permitiu que os direitos
humanos fossem reconhecidos em instrumentos normativos dos Estados Unidos
da América e da França, que podem ser considerados marcos jurídicos.

Nesse ponto, é importante que você entenda que os direitos humanos surgiram
com base em uma teoria de direitos naturais.

A teoria dos direitos naturais é uma ideia central da filosofia


política e ética que sustenta que certos direitos são inerentes
à natureza humana e, portanto, são universais, inalienáveis e
inerentes a todas as pessoas. Essa teoria foi fundamental para
a formulação dos direitos humanos, uma vez que os direitos
humanos são considerados como direitos naturais que todas as
pessoas possuem simplesmente por serem humanas.

A teoria dos direitos naturais sustenta que todos os seres


humanos possuem direitos fundamentais, como o direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à dignidade. Esses direitos
são considerados universais, ou seja, são aplicáveis a todas as
pessoas, independentemente de nacionalidade, raça, gênero,

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orientação sexual, religião ou de qualquer outra característica
individual. Os direitos humanos são uma aplicação prática dessa
teoria, buscando garantir a dignidade e a liberdade de todos os
seres humanos.

Os direitos previstos nos documentos de direitos humanos do século XVIII previam


a existência de direitos baseados em preceitos não religiosos.

A ideia mais revolucionária do século XVIII para os


direitos humanos é a de que todas as pessoas possuem
direitos inatos, ou seja, nascem com direitos que
devem ser reconhecidos pela associação política ou
Estado. [...] Sendo assim, o século XVIII caracterizou-
se pelo reconhecimento de uma esfera de liberdade
pessoal na qual a associação política ou o Estado não
poderia adentrar, logo, o indivíduo passa não apenas
a ter deveres para com a autoridade, mas também
a ter direitos, que devem ser por esses respeitados.
(ALBUQUERQUE, 2021, p. 11)

Na era moderna, verifica-se a ascensão dos ideais de liberdade, de direito à


propriedade privada e de rejeição do poder total e centralizador. Esses ideais
influenciaram revoluções como a inglesa, a francesa e a haitiana.

É importante destacar que, embora tenha havido grande avanço em prol dos
direitos humanos no século XVIII, a afirmação de direitos inatos não abrangeu
todas as pessoas: mulheres, escravos, minorias religiosas, crianças, pessoas com
deficiência e privadas de liberdade não foram abarcados. Esse progresso somente
seria alcançado nos séculos seguintes.

A seguir, você verá os principais documentos relacionados aos direitos humanos


que foram implementados no século XVIII, bem como as inovações trazidas por eles.

+ Documentos dos Estados Unidos da América (1776)

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) foi o


primeiro documento que declarou a liberdade de todos os cidadãos. Esse
documento rechaçou a monarquia, reconhecendo a proteção dos direitos à
liberdade, à vida e à busca pela liberdade. Veja um trecho da declaração a seguir:

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“Nós consideramos essas verdades como auto evidentes, que todos
os homens foram criados iguais, que eles são dotados de Direitos
inalienáveis pelo Criador, dentre eles a vida, a liberdade e a busca pela
felicidade. Para assegurar esses direitos, os Governos são instituídos
pelos homens, derivando seu justo poder do consentimento dos
governados.” (OS TREZE ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,1776, p. 2)

Essa Declaração foi profundamente influenciada pela Declaração de Direitos


da Virgínia (1776), que contemplava uma série de direitos considerados inatos,
como o direito à vida, à segurança, à liberdade, à liberdade de imprensa e de
religião, e o direito a instituir um novo governo no caso de o governo vigente
fracassar em seu dever de garantir a segurança pessoal.

Com relação às Declarações de Independência e de Direitos da Virgínia (ambas de


1776), é importante mencionar ainda a Constituição dos Estados Unidos (1787),
em que foi introduzida a teoria de Montesquieu sobre a separação dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa divisão de Poderes é essencial para que
sejam asseguradas as liberdades políticas e alguns direitos humanos.

+ Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)

A independência dos Estados Unidos exerceu grande influência sobre os


membros do Terceiro Estado francês. Cansados dos abusos e da corrupção
do regime político vigente, esse setor da sociedade passou a reivindicar seus
direitos. Assim, podemos afirmar que existe inegável influência da Declaração
de Independência dos Estados Unidos sobre a Declaração francesa, aprovada
em 1789.

É importante destacar que, nesse período, ocorreu a Revolução Francesa.


Considerada a mais importante das revoluções liberais, a Revolução Francesa teve
como lema os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Com acontecimentos
anteriores, como as expedições marítimas e a emergência de uma classe média
revolucionária, criou-se um ambiente propício para que se contestasse a divisão
da sociedade. À época, esta se dividia entre indivíduos com título de nobreza
e pessoas que não os possuíam, sendo a ideia dominante a de que nobres
detinham um status moral superior. A Revolução Francesa culminou na criação
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

“A Declaração consiste em um dos documentos de direitos humanos


mais relevantes do século XVIII, abarcando conceitos de lei universal,
igualdade entre cidadãos e a soberania coletiva dos indivíduos. A
Declaração francesa desencadeou um movimento forte em torno

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das ideias liberais que sustentavam os direitos do indivíduo e
impulsionou a utilização da linguagem dos direitos.” (ALBUQUERQUE,
2021, p. 11)

Assim, algumas das principais inovações trazidas pela Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão são:
- atribuição da soberania aos indivíduos, e não ao rei;
- rechaço à ideia de privilégios para a ocupação de cargos públicos; e
- introdução da meritocracia, na medida em que estabelecia que “todos são
igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos,
segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes
e dos seus talentos”.

1.2.4. Direitos humanos no século XIX


Alguns acontecimentos importantes no século XIX foram:

• a queda de Napoleão na batalha de Waterloo;


• o clima repressivo do Congresso de Viena;
• a Revolução Industrial; e
• a escravidão.

Em termos de direitos humanos, o século XIX foi marcado pela busca por direitos no
trabalho, acesso universal à educação, abolição da escravidão e maior expansão
do direito ao voto. Vamos agora falar sobre os movimentos sociais que aconteceram
na Europa nesse século e que foram fundamentais para o reconhecimento de novos
direitos humanos.

Entre os movimentos sociais do século XIX, destacam-se o socialista e o antiescravagista.


Esses movimentos apoiaram a luta das mulheres por direitos sociais e políticos,
denunciaram a situação das crianças nas fábricas e reivindicaram o direito de todas
as crianças à educação pública e o direito de trabalhar em condições seguras, além
da redução das horas diárias de trabalho.

Nesse sentido, cabe mencionar a Comuna de Paris, que consistiu em um levante


popular ocorrido na cidade francesa durante um período de dois meses, entre 18
de março e 21 de maio de 1871. Cidadãos provenientes das classes mais baixas de
Paris se uniram em uma mobilização política para manifestar-se contra a crise social
e política que afetava a França naquele momento. Em 1871, a Comuna liderou uma
reivindicação por melhores condições de trabalho e desafiou o poderio econômico
e político dos burgueses, aristocratas e clérigos. Embora tenha sido derrotada, a
Comuna de Paris inspirou a luta por direitos relacionados ao trabalho em toda a
Europa e nos Estados Unidos.

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Ainda no século XIX, a Revolução Industrial provocou o deslocamento de pessoas
do meio rural para as cidades, gerando condições desumanas de habitação e
trabalho. As lutas dos trabalhadores por direitos levaram à promulgação de leis
que proibiram o trabalho infantil e limitaram as horas trabalhadas. A conquista
de direitos trabalhistas e de seguridade social foi criticada por defensores do livre
mercado, mas a questão da pobreza tornou-se central no final do século XIX, o que
levou ao reconhecimento de direitos sociais e ao entendimento de que o Estado
deveria atuar em prol da proteção dos trabalhadores.

Nesse ponto, podemos destacar o reconhecimento do direito à saúde, que teve


origem no liberalismo social da América Latina e de lutas políticas locais. O direito
à saúde tem suas raízes na perspectiva latino-americana de direitos humanos, que
se baseia em ideias católicas que enfatizam a dignidade humana. A Constituição
do México, de 1917, foi a primeira a incluir os direitos sociais, inclusive o direito
das mulheres à atenção médica e obstétrica, assim como a obrigação do Estado de
adotar medidas preventivas de saúde. Embora essa experiência latino-americana
seja significativa, o reconhecimento do direito à saúde como um direito humano
no plano internacional se deve à Primeira Guerra Mundial e ao papel da saúde na
manutenção da paz global.

Durante o século XIX, a abolição da escravatura foi uma das questões mais importantes
dos direitos humanos. Portugal aboliu a escravatura, em 1761, apenas na Metrópole
e em suas colônias nas Índias. A Grã-Bretanha proibiu o tráfico de escravos em
suas colônias, em 1807, e aprovou a Lei da Abolição, em 1833. A lei britânica teve
impacto na América Latina, onde a escravidão foi abolida em vários países, como:
Venezuela, em 1810; Argentina, em 1812; Chile, em 1823; México, em 1829; Peru,
em 1854; Cuba, em 1880; e Brasil, em 1888. Nos Estados Unidos, a escravidão foi
mantida na Constituição, em razão dos interesses dos proprietários de fazendas
do sul. Um tribunal na Carolina do Sul decidiu que as escravas não tinham direitos
legais sobre seus filhos, o que permitia que as crianças fossem vendidas e separadas
de suas mães a qualquer momento. Organizações internacionais, como a Sociedade
Contra Escravidão, empreenderam esforços para obstruir o comércio de escravos
no Atlântico e proibir a escravidão nas colônias europeias e nos Estados Unidos. A
Declaração Universal da Abolição do Comércio de Escravos, de 1815, foi o primeiro
documento internacional contra a escravidão. Acordos bilaterais e multilaterais
entre países também passaram a proibir o comércio de escravos e a escravidão.
É importante destacar que o direito ao voto, conquistado no século anterior, era
restrito ao homem branco proprietário ou detentor de determinada renda.

No século XIX, a França foi o primeiro país a adotar o sufrágio universal para homens,
mas depois retomou os requisitos referentes à propriedade para o voto. Os socialistas
defendiam a educação pública para todos como um direito social dos cidadãos e,
no final do século XIX, acreditava-se que a educação pública seria importante para
formar um eleitorado educado e mão de obra qualificada. O século XIX apresentou

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avanços em termos de direitos humanos, como a ampliação do direito ao voto, a
abolição da escravatura e o reconhecimento de direitos trabalhistas e à educação
pública.

Entre os avanços relacionados aos direitos humanos no século XIX, inclui-se o


surgimento do direito humanitário, com o objetivo de proteger a pessoa durante
conflitos armados. Em 1859, Henri Dunant fundou o Comitê da Cruz Vermelha e, em
1864, foi adotada a Convenção para Aliviar a Condição dos Feridos das Forças Armadas
em Campo, estabelecendo princípios como o auxílio aos feridos sem distinção de
nacionalidade, a neutralidade do pessoal médico e dos estabelecimentos médicos,
e o uso do símbolo da cruz vermelha sobre fundo branco.

A partir do estudo de fatos históricos e de movimentos sociais do século XIX, podemos


compreender o desenvolvimento dos direitos humanos ao longo do tempo.
No final do século XVIII, a visão predominante dos direitos humanos enfatizava
principalmente os direitos inatos das pessoas, sem levar em consideração as
condições sociais e econômicas em que viviam. No entanto, o século XIX trouxe a
ampliação dessa concepção de direitos humanos para incluir demandas por uma
rede de proteção social para os mais vulneráveis, como trabalhadores, crianças
e mulheres. Essa nova forma de liberalismo social propunha uma restrição da
liberdade dos mais fortes para proteger os mais fracos. A seguir, você estudará
importantes acontecimentos que provocaram o surgimento de novas perspectivas
em direitos humanos no século XX.

1.2.5. Direitos humanos no século XX


Veja, na animação a seguir, fatos e documentos do século XX que são considerados
importantes para a história dos direitos humanos.

Animação 1: Histórico dos direitos humanos – Século XX

1.2.6. Direitos humanos no século XXI


A partir do século XX, verifica-se um movimento de limitação dos direitos humanos
(ou até mesmo de supressão destes). Essa tendência pode ter sido causada por três
fatores:

+ A guerra contra o terrorismo


A partir de 11 de setembro de 2001, percebe-se um movimento negativo com
relação aos direitos humanos e à democracia. Nesse sentido, pode-se dizer que

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os direitos humanos foram marginalizados por meio da aceitação de restrições
de algumas liberdades individuais e do emprego de meios condenáveis por
agentes estatais.

Como exemplo, o Ato para Prover Instrumentos Exigidos para Interceptar e


Obstruir o Ato Terrorista, assinado pelos Estados Unidos em 2001 (Ato Patriota),
ampliou os poderes do Estado para que este pudesse realizar vigilâncias a pessoas
suspeitas de praticar terrorismo. Esse Ato é questionado sob a perspectiva do
direito à privacidade.

+ O avanço do neoliberalismo e a contestação do bem-estar social

Nas últimas décadas do século XIX, a visão do Estado como violador dos direitos
humanos ganhou ênfase. No século XXI, porém, passa-se a focar no papel do
Estado como garantidor e protetor dos direitos humanos.

“O desmantelamento do estado do bem-estar social por meio de


políticas liberais-econômicas coloca em risco os direitos à educação,
saúde, trabalho e seguridade social. A realização de tais direitos
pressupõe uma ambiência política especifica, de modo que o estado
assegure para todos os indivíduos certos bens econômicos e sociais,
serviços e oportunidades, independentemente do valor que o
mercado confere ao seu trabalho.” (ALBUQUERQUE, 2021, p. 30)

+ A revolução digital

A tecnologia digital pode gerar diversos benefícios para o avanço dos direitos
humanos. Alguns desses benefícios são o empoderamento e a informação de
grupos vulneráveis e a visibilidade dada a violações de direitos humanos.

“Nesse sentido, a rede social pode promover o acesso à informação


e facilitar debates globais, de modo a fomentar a democracia
participativa. No entanto, o lado obscuro da rede social e sua
potencialidade de causar graves danos aos indivíduos tem sido objeto
dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos.” (ALBUQUERQUE,
2021, p. 31)

No que diz respeito ao direito à privacidade, a Assembleia Geral da ONU adotou,


em 2013, a Resolução 68/167, em que expressa sua apreensão com o impacto
negativo da vigilância e interceptação de comunicações. Nessa Resolução, a
Assembleia encoraja os Estados a proteger e respeitar o direito à privacidade,
inclusive no contexto da comunicação digital.

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Outros desafios ao avanço dos direitos humanos no século XXI são os persistentes
conflitos armados, o aumento e envelhecimento da população global, as questões
ambientais e a questão dos refugiados.

Para saber mais sobre a questão dos refugiados, você pode acessar
o sítio eletrônico da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR):
https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/.

Conforme discutido, a evolução dos direitos humanos consiste em um caminho de


conquistas que combina o reconhecimento gradativo de direitos com os movimentos
sociais que ocorreram paralelamente a estes.

Embora muitos avanços tenham sido alcançados nos últimos séculos, ainda há um
longo caminho a ser percorrido até que todas as pessoas tenham acesso a uma vida
digna nos moldes da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais


Conforme estudamos anteriormente, os direitos humanos estão dispostos em
fontes de direito internacional, porém com certa imprecisão textual, de forma
abrangente e abstrata. Assim, o conteúdo desses direitos é explorado e definido
pela jurisprudência internacional.
Os direitos fundamentais, que conhecemos por estarem preceituados nas
Constituições dos países, têm relação com os direitos humanos. Isso vale
especialmente no que diz respeito à redação desses dois tipos de direitos, que
muitas vezes é semelhante. Existem, porém, algumas diferenças entre os direitos
humanos e os direitos fundamentais, conforme pode ser visualizado no Quadro 1:

Quadro 1 - Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

Direitos
Direitos Humanos (DH)
Fundamentais (DF)
Tratados e declarações
Órgão criador da norma de organismos Constituições dos Estados
internacionais
Jurisprudência
Demarcação de conceito internacional – decisões Tribunais nacionais
(concretização da norma) de órgãos judiciais, quase (jurisprudência nacional)
judiciais e políticos

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Direitos
Direitos Humanos (DH)
Fundamentais (DF)
Não há órgãos específicos
para o monitoramento,
Sistemas de Direitos
e sim instrumentos
Órgãos de Humanos
jurídicos. No Brasil, esse
monitoramento do
instrumento é a Arguição
cumprimento do direito
de Descumprimento
de Preceito
Fundamental (ADPF).
Relatórios, inquéritos,
Mecanismos de
comunicações entre Não há meios de
monitoramento do
Estados e comunicações monitoramento próprios.
cumprimento do direito
individuais.
Medidas de reparação
na íntegra, garantias de
Não há medidas
Medidas de reparação não repetição, satisfação,
específicas.
compensatórias
e reabilitação.
Linguagem dos ativismos
sociais, dos órgãos Linguagem restrita
Impacto social
governamentais e das à esfera jurídica.
políticas públicas.

Fonte: Adaptado de Albuquerque, 2021, p. 79.

No sistema jurídico brasileiro, os direitos fundamentais estão definidos nos artigos 5º


a 17 da Constituição Federal de 1988 (CF). Alguns exemplos de direitos fundamentais
são os destacados a seguir:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: [...]

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

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No Quadro 2, visualizaremos algumas diferenças entre os direitos humanos e os
direitos fundamentais, utilizando o direito à saúde como exemplo:

Quadro 2 - Direito à saúde

Direito à Saúde
Enquanto direito Enquanto direito
humano fundamental
Direito de toda pessoa
Direito fundamental
de desfrutar o mais
Nome do direito à saúde
elevado nível de saúde
física e mental
Pacto Internacional
Em que norma está sobre os Direitos Constituição Federal
disposto esse direito? Econômicos, Sociais (Arts. 6º e 196)
e Culturais (Art. 12)
Comentário Geral nº
Quem concretiza o 14, produzido pelo
conceito e as obrigações Comitê sobre os Direitos Supremo Tribunal Federal
que esse direito gera? Econômicos, Sociais
e Culturais da ONU
Quem monitora
Sistema ONU de
o cumprimento ADPF
Direitos Humanos
desse direito?

Fonte: elaborado pela autora.

A própria CF diferencia os direitos humanos dos direitos fundamentais quando, ao


se referir aos direitos humanos, trata-os como direitos conectados com a esfera
internacional:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais


pelos seguintes princípios:

[...]

II - Prevalência dos direitos humanos; (BRASIL, 1988, art. 4º)

Ainda, ao abordar obrigações decorrentes de tratados (documentos internacionais),


a CF faz referência aos direitos humanos, não aos direitos fundamentais:

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Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

[...]

V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;   

[...]

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral


da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais
o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça,
em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal.   (BRASIL, 1988, art. 109)

Sendo assim, qual é a relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais?


No âmbito nacional, os tribunais têm cada vez mais utilizado normas de direitos
humanos como base para suas decisões. No contexto das Américas, a Corte IDH,
corte suprema em termos de direitos humanos, definiu que suas decisões podem
guiar as autoridades nacionais nas decisões de casos relacionados a direitos
fundamentais.

Ainda, a Corte IDH tem a autoridade para emitir pareceres consultivos sobre questões
relacionadas aos direitos humanos que são protegidos pelo Sistema Interamericano
de Direitos Humanos, bem como para avaliar a conformidade das leis nacionais dos
Estados com esses mesmos direitos.

Por outro lado, os Estados devem colocar em prática as decisões vinculantes da


Corte que interpretarem e definirem as normas de proteção dos direitos humanos.

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Figura 12 - Relação entre direitos humanos e direitos fundamentais

Fonte: elaborada pela autora.


Sendo assim, pode-se dizer que as jurisdições internas e externas dialogam para
que se possa conferir significado e conteúdo concreto aos enunciados de direitos
humanos.

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2. Dimensões dos direitos humanos

Reconhecer as dimensões dos direitos humanos (direitos civis,


políticos, econômicos, sociais e culturais).

Os direitos humanos podem ser classificados em dimensões, para fins didáticos:


primeira, segunda e terceira dimensão.

Esta unidade irá tratar apenas dos direitos de primeira e de segunda dimensão, pois
os chamados direitos de terceira dimensão não estão estabelecidos de forma sólida
nas normas dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos.

Os direitos humanos passaram por um processo de amplo reconhecimento ao


longo dos séculos. Para o autor Norberto Bobbio, esse processo de proliferação se
deu de três maneiras:

a. O aumento da quantidade de bens considerados merecedores da tutela


jurídica.

b. O reconhecimento de outros sujeitos de direitos humanos. Por exemplo,


as mulheres, as pessoas com deficiência e as crianças só passaram a ser
sujeitos de direitos humanos no século XX. Com o avanço dos direitos
humanos, outros sujeitos foram reconhecidos, como pessoas com
deficiência e pessoas privadas de liberdade.

c. A atribuição de direitos humanos que derivam de outros existentes a


sujeitos jurídicos particulares. Um exemplo dessa hipótese é o direito da
criança de ser ouvida em decisões que lhe são afetas.

Assim, percebemos que os direitos humanos que são atualmente reconhecidos nas
normas internacionais apresentam características de grupos distintos. Eles derivam
de um longo processo de lutas sociais e avanços nas sociedades e na comunidade
internacional.

Para saber mais sobre a história dos direitos humanos, acesse:


https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-
direitos-humanos/.

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2.1. Direitos civis e políticos
Os direitos civis e políticos são fruto desse contexto de desenvolvimento das
burguesias europeias e da luta contra o Antigo Regime. Esses direitos se
fundamentam em uma perspectiva individualista e liberal política de sociedade, que
defende a limitação do poder estatal com base nos direitos do indivíduo.

Alguns dos valores adotados pela perspectiva liberal política são as liberdades de:

Figura 13 - Circulação Figura 14 - Crença Figura 15 - Expressão

Figura 16 - Autodeterminação Figura 17 - Autodeterminação


da própria vida do próprio corpo

Fonte: https://www.flaticon.com

Os direitos civis e políticos são também chamados de “direitos humanos clássicos”


e de “direitos de liberdade”. Eles abarcam as chamadas liberdades negativas de
religião, de opinião, de imprensa, de não ser torturado e de ter sua vida privada
respeitada, ou seja, a liberdade de não sofrer interferência estatal nessas áreas.

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Figura 18 - Limite às liberdades individuais

Fonte: Elaborada pela autora

Os direitos civis e políticos possuem aplicação imediata. Isso quer dizer que, uma
vez ratificada a normativa que prevê esses direitos, os Estados são obrigados a
aplicá-los. Por exemplo, uma vez que o Brasil se comprometeu, por meio do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado pela ONU em 1966, a não
prender um indivíduo arbitrariamente, ele se torna imediatamente obrigado a
cumprir essa determinação.

Nesse ponto, os direitos civis e políticos se diferenciam dos direitos econômicos,


sociais e culturais, pois estes demandam gastos públicos maiores para que possam
ser implementados. Falaremos mais sobre esse assunto mais adiante.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) estabelece, no Artigo 2.1,
a aplicação imediata de todos os direitos nele previstos:

Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir


a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a
sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação
alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
qualquer condição. (Assembleia Geral das Nações Unidas, 1966, Art. 2.1)

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A obrigação que esse artigo impõe tem, ao mesmo tempo, caráter positivo e negativo:

O caráter positivo consiste na obrigação estatal de


adotar medidas legislativas, judiciais, administrativas
e outras para cumprir todas as obrigações
decorrentes dos direitos civis e políticos previstos
no Pacto. O negativo implica o dever de abster-se de
violar qualquer um desses direitos, por exemplo, de
impedir que alguma pessoa manifeste sua opinião
sobre o governo, ou de prendê-la arbitrariamente.
(ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 110)

O Quadro 3 apresenta exemplos de direitos civis e de direitos políticos:

Quadro 3 - Exemplos de direitos civis e políticos

Direitos Civis Direitos Políticos

Direito de tomar parte na direção dos


negócios públicos do seu país, quer
Direito à vida
diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos
Direito de acesso, em condições de
Direito à liberdade
igualdade, às funções públicas do seu país
Direito à segurança pessoal

Direito a não ser mantido em


escravatura ou em servidão
Proibição à escravatura e trato dos
escravos, sob todas as formas
Direito ao reconhecimento,
em todos os lugares, da sua
personalidade jurídica
Direito a ter uma nacionalidade
Direito à propriedade

Fonte: Elaborado pela autora.

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A seguir, estudaremos os direitos econômicos, sociais e culturais.

2.2. Direitos econômicos, sociais e culturais


Os direitos econômicos, sociais e culturais frequentemente demandam a atuação
do Estado para serem implementados. Essa ação se materializa mediante políticas
públicas e o fornecimento de bens e serviços.

O documento das Nações Unidas que aborda os direitos econômicos, sociais e


culturais é conhecido como Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, datado de 1966. O Pacto apresenta vários trechos que ressaltam a
importância de os Estados tomarem medidas para garantir a implementação desses
direitos. Abaixo estão alguns exemplos desses trechos:

ARTIGO 2º

1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas,


tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais,
principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos
disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios
apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto,
incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

ARTIGO 6º

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que


compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida
mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas
apropriadas para salvaguardar esse direito.

2. As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim de assegurar
o pleno exercício desse direito deverão incluir a orientação e a formação técnica
e profissional, a elaboração de programas, normas e técnicas apropriadas para
assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno
emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das
liberdades políticas e econômicas fundamentais.

ARTIGO 12

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de


desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

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2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim
de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam
necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o
desenvolvimento são das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais
e outras, bem como a luta contra essas doenças;
 d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços
médicos em caso de enfermidade.

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, arts. 2º, 6º e 12)

Diferentemente dos direitos civis e políticos, que são normas de aplicação imediata,
os direitos econômicos, sociais e culturais são normas de realização progressiva.

Esses direitos são garantidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, adotado pela ONU em 1966. Esse documento estabelece que o
Estado se compromete a adotar medidas para o pleno exercício dos direitos neles
reconhecidos. Nesse sentido:

• As medidas devem ser adotadas por esforço próprio ou pela


assistência e cooperação internacionais, principalmente
nos planos econômico e técnico, até o máximo dos recursos
disponíveis.

• Tais medidas visam assegurar, progressivamente, e por


todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos
reconhecidos no pacto.

• A adoção de medidas legislativas é particularmente


importante nesse contexto.

Os Princípios de Limburg são diretrizes interpretativas especificamente relacionadas


ao artigo 2º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Eles preceituam que compete aos Estados dar início imediato à adoção de medidas
para a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais.

Ou seja, diferentemente dos direitos civis e políticos, cuja própria


aplicação é imediata, no caso dos direitos econômicos, sociais e

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culturais, o que deve ser imediato é a adoção das medidas para a
aplicação dos direitos.

Os Estados deverão, assim, fazer uso dos meios apropriados, incluindo medidas
legislativas, administrativas, judiciais, econômicas, sociais e educacionais,
consistentes com a natureza dos direitos, a fim de realizá-los. Ainda no que diz
respeito aos recursos, os Princípios de Limburg preceituam que os Estados devem
prever recursos efetivos, e que é esse mesmo Estado parte quem avalia a adequação
dos meios a serem aplicados por ele.

A obrigação de realização progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais


existe independentemente do aumento de recursos, pois o que é imposto aos
Estados é que utilizem de forma eficaz os recursos disponíveis. Assim, para verificar
se o Estado cumpre suas obrigações relacionadas à realização progressiva desses
direitos, deve-se observar se os recursos disponíveis estão sendo utilizados de
forma eficiente.

Existem, porém, algumas obrigações derivadas dos direitos econômicos, sociais e


culturais que não se sujeitam à realização progressiva. Elas se chamam obrigações
essenciais.

Nesse sentido, o Comentário Geral nº 3 do Comitê sobre os Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais da ONU trata da natureza das obrigações dos Estados partes
constantes no artigo 2º, parágrafo 1º, do Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.

De acordo com o Comentário nº 3, os Estados têm a obrigação fundamental


de assegurar como mínimo a satisfação de níveis essenciais de cada um dos
direitos enunciados no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. É por esse motivo que existem algumas obrigações derivadas dos direitos
econômicos, sociais e culturais que são classificadas como obrigações essenciais e
que possuem caráter imediato.

Assim, veja alguns trechos do Comentário Geral nº14/2000 sobre a obrigação


essencial derivada do direito à saúde, que é um direito social:

19. No que respeita ao direito à saúde, é necessário realçar a igualdade de acesso


aos cuidados de saúde e serviços de saúde. Os Estados Partes têm uma obrigação
especial de proporcionar a quem não tenha meios suficientes, o necessário seguro
médico e acesso a centros de saúde e impedir qualquer descriminação com base
em motivos internacionalmente proibidos na prestação de cuidados de saúde e

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de serviços de saúde, em especial no que respeita às obrigações fundamentais
do direito à saúde.

22. O artigo 12º, n.º 2 alínea a) descreve a necessidade de adotar medidas para
reduzir a mortalidade infantil e promover o desenvolvimento saudável de bebés
e crianças. Em subsequentes instrumentos internacionais de direitos humanos é
reconhecido que crianças e adolescentes têm o direito de gozar o melhor estado
de saúde possível e o acesso a centros de tratamento de doenças. Uma atribuição
inapropriada de recursos de saúde pode dar lugar a uma discriminação que
poderá não ser manifesta. Por exemplo, os investimentos não devem favorecer
desproporcionadamente os serviços curativos caros que muitas vezes são apenas
acessíveis a uma pequena fração privilegiada da população, em detrimento
da atenção primária e preventiva da saúde que beneficie uma parte maior da
população.

(COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU, 2000, p. 8)

Um aspecto importante relacionado aos direitos econômicos, sociais e culturais é


a vedação ao seu retrocesso. Conforme a jurisprudência internacional, a adoção
de medidas que possam limitar os recursos destinados a gastos sociais podem ser
ou não, por si só, violadoras dos direitos humanos. Sobre isso, o Comitê sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU entende que:

O fato de que até em tempos de severas restrições de recursos disponíveis, se


causadas por um processo de ajustamento, de recessão econômica ou por
outros fatores, os membros vulneráveis da sociedade podem e de fato devem
ser protegidos pela adoção de programas relativamente de baixo custo para o
alcance das metas almejadas.

(COMITÊ SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU, 1990,


p. 12)

Isso quer dizer que, se o Estado limitar os recursos com gastos sociais, ele pode
ser responsabilizado internacionalmente por violar direitos humanos.

As medidas que retroagem em termos de direitos sociais são aquelas que fazem
com que os Estados abandonem políticas e programas destinados a assegurar os
direitos sociais. Além disso, as restrições causadas por essas medidas repercutem

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 33


negativamente sobre a fruição desses direitos. Um exemplo disso seria o corte de
gastos públicos com cuidados em saúde materno-infantil e o aumento considerável
da mortalidade materna e infantil.

Conforme afirmado anteriormente, os direitos humanos são universais, indivisíveis,


interdependentes, inter-relacionados e de igual importância. À luz dessa afirmação,
verifique no Quadro 4 a diferenciação entre os direitos civis e políticos, e os direitos
econômicos, sociais e culturais:

Quadro 4 - Diferenças entre as dimensões de direitos

Critério de distinção Direitos civis e políticos Direitos econômicos,


sociais e culturais
Fundamento Burguesia e Movimentos sindicalistas,
teórico-filosófico liberalismo político socialistas e contestação
do liberalismo político
e econômico
Tipo de obrigação Ênfase na obrigação Ênfase na obrigação
de respeitar de realizar
Aplicação do direito Aplicação imediata Realização progressiva
Exigibilidade Exigibilidade Exigibilidade
perante Cortes jurisdicional ampla jurisdicional restrita
Estado Estado democrático Estado do bem-
estar social
Finalidade primordial Autonomia Proteção do Estado

Fonte: Adaptado de Albuquerque, Barroso. 2021, p. 118.

O direito à saúde é considerado um direito de segunda dimensão porque sua


realização depende de ações positivas por parte do Estado para garantir o acesso a
serviços e recursos de saúde adequados para toda a população. Ou seja, é um direito
que exige uma intervenção ativa do Estado para ser efetivado, diferentemente dos
direitos de primeira dimensão, como a liberdade de expressão e de associação, que
são direitos negativos e que não requerem ações estatais para sua proteção.

Alguns exemplos de direitos de segunda dimensão, além do direito à saúde, incluem:

• Direito à educação: este direito exige que o Estado providencie educação


gratuita e de qualidade para todos os cidadãos, além de garantir
igualdade de acesso e oportunidades educacionais.
• Direito à previdência social: este direito implica que o Estado forneça
proteção social aos cidadãos em situações de desemprego, velhice,

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 34


doença, acidente, entre outras.
• Direito ao trabalho: este direito implica que o Estado tome medidas para
garantir o pleno emprego e para proteger os direitos trabalhistas dos
cidadãos, incluindo salário justo, condições de trabalho adequadas e
proteção contra discriminação no local de trabalho.

Para compreender como funcionam as obrigações geradas pelos direitos de


primeira e de segunda geração, bem como as violações a esses direitos no âmbito
internacional, ouça o podcast a seguir:

Podcast 1 - Dimensões dos Direitos Humanos

Como vimos, nosso estudo não aborda os chamados direitos humanos de terceira
dimensão, visto que esta classificação não apresenta significativa relevância. Isso
acontece porque esses direitos não são usualmente objeto de peticionamento e
monitoramento dos órgãos internacionais de direitos humanos, ou seja: não é
comum que se denuncie a violação desses direitos aos sistemas de direitos humanos
e nem que esses sistemas possuam mecanismos para acompanhar o cumprimento
de tais direitos.

Nesse contexto, é importante destacar que os direitos humanos


não são meramente ideias morais ou defesas de alguns grupos. A
força desses direitos se baseia em dois pilares:

- São direitos de todas as pessoas, independentemente de


qualquer fator ou característica pessoal.

- Os direitos humanos geram obrigações jurídicas para os Estados:


são práticos, concretos e jurídicos.

Sobre isso, Albuquerque e Barroso (2021) acreditam que a proliferação de dimensões


de direitos humanos deve ser vista com preocupação, pois, em muitos casos,
dimensões de direitos são criadas sem o amparo da comunidade internacional e
sem a possibilidade de que sejam tornados exigíveis aos Estados.

As autoras explicam que “os direitos humanos não são uma mera ideia ou discurso,
são direitos que acarretam obrigações para os Estados”. Nesse sentido, “se o mundo
conseguir assegurar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para
todas as pessoas, não se vislumbra a utilidade de se lançar novos catálogos de
direitos” (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 119).

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 35


3. Sistema ONU de Direitos Humanos e Sistemas
Regionais de Direitos Humanos

Entender os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos


com enfoque nos Sistemas ONU e Interamericano de Direitos
Humanos.

3.1. Os Sistemas Internacionais de Direitos


Humanos
Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos (Sistemas Internacionais de DH)
são os conjuntos de normas, órgãos e mecanismos internacionais que surgiram,
a partir de 1945, com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos no
mundo.

Assim, eles se caracterizam por apresentar três elementos:

• Normas
• Órgãos
• Mecanismos

Para que uma região do planeta possa contar com um Sistema Internacional de DH,
esses três elementos precisam estar presentes.

As normas dos Sistemas Internacionais de DH compreendem o conjunto de tratados,


declarações, princípios e outras normativas que integram esses Sistemas. Alguns
exemplos de normas, nesse contexto, são os tratados, acordos, pactos, convenções,
declarações, princípios, diretrizes, entre outros.

Os órgãos são as instâncias e os organismos criados para monitorar o cumprimento


dos tratados pelos Estados e aplicar as disposições desses tratados nos casos
concretos específicos ou nas situações de graves violações de direitos humanos. Os
órgãos de direitos humanos podem ser classificados como políticos, quase judiciais
ou judiciais:

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 36


Quadro 5 - Tipos de órgãos de Direitos Humanos

Políticos Quase judiciais Órgãos judiciais

Não recebem
Processam petições e
comunicações e
comunicações individuais,
petições individuais e,
e desse processamento
portanto, não expedem Detêm o poder
resulta uma decisão
recomendações jurisdicional, logo,
que serve de base
destinadas a casos proferem sentenças
para recomendações
específicos e assim internacionais.
que ensejam a
não responsabilizam
responsabilização
o Estado por violação
internacional do Estado.
de direitos humanos.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os mecanismos são os meios pelos quais os órgãos realizam o monitoramento da


aplicação dos tratados pelos Estados.

Quadro 6 - Tipos de mecanismos

Tipo de mecanismo Definição


Procedimento iniciado por
Comunicação feita por um Estado contra outro
comunicação interestatal
Estado perante órgão de direitos humanos
(entre Estados)
Petição ou comunicação feita pela
Procedimento iniciado por
vítima/representante ou peticionário
petição/comunicação individual
ao órgão de direitos humanos
Comunicação feita por uma
Procedimento iniciado por
organização não governamental a
comunicação coletiva
um órgão de direitos humanos
Documento que contempla a situação
Relatório de direitos humanos referente a
um Estado, grupo ou temática
Visita realizada em qualquer lugar da jurisdição
Visita in loco de determinado Estado com o intuito de
analisar a situação de direitos humanos
Averiguação confidencial de denúncia de
Inquérito sistemática violação de direitos humanos,
que pode abranger visita ao Estado
Medida requerida ao Estado a fim de prevenir
Medidas Cautelares
dano irreparável à vítima em determinado caso

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 37


Fonte: Elaborado com base em Albuquerque; Barroso. 2021, p. 178.
Outro ponto relevante que deve ser mencionado refere-se à jurisprudência
em direitos humanos. Para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a
jurisprudência é constituída pelas decisões reiteradas das Cortes de Direitos
Humanos, mas não somente delas: também estão incluídos nesse conjunto os
documentos produzidos pelos diversos mecanismos de direitos humanos
aprovados pelos Estados que integram a comunidade internacional.

Atualmente, há quatro Sistemas de Direitos Humanos. Um deles tem abrangência


global, pois envolve todos os países membros da ONU (Sistema ONU de Direitos
Humanos). Além desse sistema, que é universal, há três Sistemas Regionais de Direitos
Humanos, abarcando, cada um deles, um continente: Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, Sistema Europeu de Direitos Humanos e Sistema Africano de
Direitos Humanos. Nesta unidade, abordaremos os Sistemas ONU, Interamericano
e Europeu de Direitos Humanos.

Para saber mais sobre o Sistema Africano de Direitos Humanos,


acesse: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/jurisprudencia/
sistema_africano.asp

É importante destacar que as experiências em direitos humanos


de outras regiões do planeta, como a da Liga Árabe ou da Ásia, não
podem ser categorizadas como Sistemas, pois não compreendem
os três elementos necessários para a classificação em Sistema de
Direitos Humanos.

A ONU tem incentivado os Estados a criarem Sistemas Regionais de Direitos


Humanos, visto que estes muitas vezes se mostram mais eficazes por três motivos
principais:

1) São mais próximos das realidades dos Estados que os integram;

2) Possuem maior capacidade de lidar com questões de direitos específicas da


região;

3) Esses sistemas contam com Cortes de Direitos Humanos e, portanto, têm


maior poder de constrangimento e persuasão jurídica. Nesse sentido, a Corte
Interamericana e a Corte Europeia são consideradas exemplos da maturidade dos
sistemas judiciais de proteção dos direitos humanos em nível regional.

Assim, a ONU enfatiza o papel dos sistemas regionais na promoção e proteção


desses direitos. Não existe, porém, hierarquia entre os Sistemas Global e Regionais

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 38


de Direitos Humanos.
É importante esclarecer que diferentes órgãos de direitos humanos proferem
diferentes tipos de decisões, que são elaboradas após o trâmite de comunicação
ou petição relacionada a um caso específico de violação de direitos humanos. Como
dito anteriormente, os órgãos judiciais e quase judiciais são os órgãos capazes
de proferir decisões. As decisões tomadas por cada um desses órgãos possuem
diferentes naturezas jurídicas:

Figura 19 - Natureza das decisões de órgãos de direitos humanos

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, você pode perceber que os Estados devem cumprir tanto as sentenças
quanto as recomendações dos relatórios, porque ambos derivam da ratificação de
tratados, não importando se a decisão é proveniente de órgão judicial ou quase
judicial. Ou seja:

Os Estados que aderem aos tratados e demais normas de


direitos humanos têm o dever de adimplir suas obrigações e,
conseguintemente, executar espontaneamente os preceitos
contidos na sentença e nos relatórios dos órgãos quase judiciais.
(ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p. 181).

3.1.1. Princípios que regem os Sistemas Internacionais de Direitos


Humanos

Os Sistemas Internacionais de Direitos humanos são guiados por alguns princípios.


Vejamos a seguir.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 39


3.1.1.1. Princípio da subsidiariedade ou complementaridade
Os Sistemas de DH atuam de forma subsidiária com relação aos órgãos e remédios
domésticos. Assim, os órgãos de direitos humanos serão acionados pelas vítimas
e peticionários somente após o Estado não ter respondido adequadamente às
violações (conforme as normas de direitos humanos).

Assim, perceba que o primeiro responsável pela observância dos direitos humanos é
o Estado, e os próprios tratados de direitos humanos atribuem importantes funções
de proteção aos órgãos dos Estados. Quando os Estados ratificam esses tratados,
passam a ter a obrigação geral de adequar o seu ordenamento jurídico interno às
diretrizes de proteção dos direitos humanos estabelecidas no instrumento que
ratificaram.

Para compreender como se dá a aplicação do princípio da subsidiariedade a um


caso concreto, veja o vídeo a seguir, que demonstra esse princípio aplicado ao caso
Ximenes Lopes vs. Brasil (2006), o primeiro caso de condenação do Estado brasileiro
no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Vídeo 1 - O princípio da subsidiariedade aplicado ao caso Ximenes


Lopes vs. Brasil

3.1.1.2. Princípio da livre escolha


Graças ao princípio da livre escolha, a vítima de violação de direitos humanos pode
escolher para qual Sistema de Direitos Humanos deseja apresentar o seu caso,
depois que os mecanismos internos do Estado não tiverem funcionado. A vítima
deve, porém, escolher um Sistema ao qual o Estado que ela pretende denunciar
seja subordinado. Por exemplo, uma vítima de violação de direitos humanos no
Brasil não pode apresentar uma petição contra o Estado perante a Corte Europeia
de Direitos Humanos, pois o Estado brasileiro não está submetido a essa jurisdição.

3.1.1.3. Princípio da boa-fé e princípio da cooperação e do diálogo

Os princípios da boa-fé e da cooperação e do diálogo serão apresentados juntos


devido à concordância desses temas.

Nesse sentido, é importante frisar que os Órgãos de Tratados do Sistema ONU


de DH adotam o chamado “diálogo construtivo” como metodologia de trabalho,
especialmente quando examinam os relatórios dos Estados.

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3.2. Sistema ONU de Direitos Humanos
O Sistema ONU é o sistema global de direitos humanos e possui diversos órgãos
e normas. A seguir, vamos falar um pouco sobre a ONU e sobre esse Sistema,
apresentando os pontos mais relevantes no âmbito da unidade estudada.

A ONU passou a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, após ter sido


ratificada a sua Carta pelos países membros originários, entre eles: China, Estados
Unidos, França, Reino Unido, União Soviética e Brasil. Os propósitos da ONU são, de
acordo com a Carta das Nações Unidas:

• Manter a paz e a segurança internacionais


• Desenvolver relações amistosas entre as nações
• Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter
° Econômico
° Social
° Cultural
° Humanitário
• Promover e estimular o respeito aos direitos humanos
• Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações

3.2.1. Normativas de direitos humanos


O sistema ONU de Direitos Humanos é composto por diversos instrumentos
normativos. Entre eles está a Carta Internacional de Direitos Humanos, que é
composta por:

• Declaração Universal dos Direitos Humanos


• Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
• Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Além disso o Sistema ONU conta com sete Convenções Temáticas que incluem:

1. Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de


Discriminação Racial (1965)
2. Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres (1979)
3. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
4. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006)

Falaremos a seguir sobre algumas normativas de direitos humanos. Para melhor


compreensão, consulte a imagem a seguir sempre que precisar, durante a leitura
sobre os instrumentos normativos do Sistema ONU.

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Figura 20 - Normativas do Sistema ONU

Fonte: Elaborada pela autora.

Veja a seguir os instrumentos que compõem a Carta Internacional de Direitos


Humanos, os principais direitos protegidos por eles e sua relevância universal.

Quadro 7 - Instrumentos da Carta Internacional de Direitos Humanos

Instrumentos da Carta Internacional de Direitos Humanos


e principais direitos protegidos por eles
Pacto Internacional sobre Pacto Internacional sobre Direitos
Direitos Civis e Políticos Econômicos, Sociais e Culturais
Direito à vida Direito ao trabalho
Liberdade de pensamento,
Direito à educação
consciência e religião
Direito à igualdade perante a lei Direito à saúde
Proibição da tortura e tratamentos
Direito à alimentação adequada
cruéis, desumanos ou degradantes
Direito à liberdade e à
Direito à moradia adequada
segurança pessoal
Liberdade de expressão Direito à segurança social
Direito à privacidade Direito à cultura
Direito à participação política Direito ao meio ambiente saudável

Fonte: Elaborado pela autora.

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Quadro 8 - Relevância Universal dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos

Relevância Universal dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos


Pacto Internacional sobre Pacto Internacional sobre Direitos
Direitos Civis e Políticos Econômicos, Sociais e Culturais
Protege os direitos civis e
Protege os direitos econômicos, sociais
políticos dos indivíduos, como
e culturais dos indivíduos, como
a liberdade de expressão,
o direito ao trabalho, à educação,
de reunião pacífica e de
à saúde e à segurança social.
participação política
Visa à garantia da liberdade Visa à garantia da igualdade social e à
e dignidade humana, eliminação das desigualdades econômicas,
incluindo o direito à vida e promovendo a distribuição justa dos
a proibição da tortura. recursos sociais e econômicos.
A aplicação dos seus princípios
A aplicação dos seus princípios é
é fundamental para a
fundamental para a promoção da
promoção da democracia
justiça social e da dignidade humana
e do Estado de direito.
É um instrumento essencial
É um instrumento essencial na promoção
na proteção dos direitos
da justiça social, na luta contra a pobreza
humanos e na luta contra a
e na garantia da igualdade social.
discriminação e a violência.

Fonte: Elaborado pela autora.

Além dos instrumentos que compõem a Carta Internacional de Direitos Humanos,


o conjunto normativo da ONU também contém sete Convenções Temáticas. São
elas:
• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (1965)
• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (1979)
• Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (1984)
• Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
• Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes (1990)
• Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006)
• Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados (2006)

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Cada uma dessas convenções possui um órgão de monitoramento, que supervisiona
seu cumprimento pelos Estados que ratificaram o tratado correspondente. Por
exemplo, o órgão que monitora o cumprimento da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência é o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
constituído por doze peritos.

Veja, a seguir, mais algumas informações acerca das duas Convenções mais
relevantes para o escopo desta unidade: a Convenção contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:

+ Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis,


Desumanos ou Degradantes
Há diversas normativas no âmbito da ONU sobre o tema da tortura e de outras
penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A Convenção contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi
adotada em 1984.

De acordo com essa Convenção, tortura é qualquer ato pelo qual dores ou
sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma
pessoa, a fim de:

• Obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões;


• Castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou
seja suspeita de ter cometido;
• Intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas por qualquer motivo
baseado em discriminação de qualquer natureza.

A tortura se configura quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um


funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou
por sua instigação, ou com seu consentimento e aquiescência.

+ Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


Assim como a tortura, o assunto dos direitos das pessoas com deficiência também
foi abordado em outros instrumentos normativos da ONU, como a Declaração
dos Direitos das Pessoas com Retardo Mental de 1971.

A definição de pessoa com deficiência, para essa Convenção, compreende as


pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza:

• Física
• Mental
• Intelectual
• Sensorial

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Em interação com diversas barreiras, esses impedimentos podem obstruir
a participação plena e efetiva dessa pessoa na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.

A Convenção defende o igual direito de todas as pessoas com deficiência de viver


na comunidade com a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas.

Estes são os princípios da Convenção:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a


Liberdade de fazer as próprias escolhas, e a Independência das pessoas
b) A não discriminação
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade
d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência
como parte da diversidade humana e da humanidade
e) A igualdade de oportunidades
f) A Acessibilidade
g) A igualdade entre o homem e a mulher
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com
deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade

Ainda, a Convenção trata do reconhecimento igual perante a lei, ou seja, as


pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar
como pessoas perante a lei. Isso quer dizer que elas têm capacidade legal e
igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida.

A Convenção pede que os Estados adotem as medidas apropriadas e efetivas


para assegurar às pessoas com deficiência o direito de, como as demais pessoas:
• possuir ou herdar bens;
• controlar as próprias finanças;
• ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de
crédito financeiro;
• não serem arbitrariamente destituídas de seus bens.

Como afirmado anteriormente, o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiência monitora essa Convenção.

3.2.2. Os sistemas de direitos humanos da ONU


O Sistema ONU de Direitos Humanos é estruturado em dois outros sistemas: o
Sistema Baseado na Carta da ONU e o Sistema Baseado nos Tratados. Veja a
seguir uma ilustração dos dois sistemas de direitos humanos da ONU posicionados
lado a lado, para a melhor compreensão, e consulte-a sempre que necessário:

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Figura 21 - Os dois sistemas de direitos humanos da ONU

Fonte: Elaborada pela autora.

3.2.2.1. O Sistema Baseado na Carta


O Sistema Baseado na Carta é relacionado aos direitos protegidos pela Carta da
ONU. Esse sistema é composto pelo Conselho de Direitos Humanos, que é um
órgão da Carta. O Conselho é de natureza política, por isso não recebe comunicação
ou petição relacionada a caso singular de violação de direitos humanos, e é composto
por representantes dos Estados. Como o Conselho de Direitos Humanos se baseia na
Carta das Nações Unidas, todos os Estados membros se encontram submetidos a ele.

Na figura a seguir, observe como está estruturado o Sistema Baseado na Carta da


ONU:

Figura 22 - Sistema Baseado na Carta da ONU

Veja, a seguir, um resumo das atribuições de cada um desses mecanismos:

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Quadro 9 – Atribuições dos mecanismos do Sistema Baseado na Carta da ONU

Mecanismos Funções
A proposta é realizar revisões periódicas universais baseadas
em informações objetivas e confiáveis sobre o cumprimento
das obrigações e compromissos de direitos humanos de
cada Estado, garantindo a universalidade e igualdade de
Revisão
tratamento para todos os Estados membros da ONU.
Periódica
Os Estados avaliam mutuamente a situação de direitos
Universal
humanos em seus respectivos países e têm a oportunidade
de demonstrar as ações desenvolvidas para melhorar essa
situação. O Grupo de Trabalho da RPU é composto pelos
47 Estados membros do Conselho de Direitos Humanos.
Qualquer pessoa, grupo ou organização pode apresentar
uma comunicação confidencial sobre violações graves e
sistemáticas de direitos humanos em qualquer parte do
Procedimento mundo. Um grupo de trabalho verifica se a queixa preenche
de Queixa os requisitos necessários para prosseguir e, em seguida,
um outro grupo analisa a comunicação e a resposta do
Estado denunciado, apresentando um relatório com
recomendações ao Conselho de Direitos Humanos.
Os procedimentos especiais consistem em especialistas
independentes que elaboram relatórios e orientações sobre
direitos humanos, seja a partir de uma perspectiva temática
Procedimentos
ou de um país específico. Eles monitoram e informam sobre
Especiais
violações de direitos humanos, recomendando soluções e
realizando missões para avaliar a situação em um país e
apresentando relatórios ao Conselho de Direitos Humanos.

Fonte: Elaborado pela autora.

A seguir, veremos como é estruturado o Sistema Baseado nos Tratados.

3.2.2.2. O Sistema Baseado nos Tratados


Esse Sistema é composto por órgãos criados pelos tratados temáticos específicos
para monitorar o cumprimento desses tratados pelos Estados. O primeiro tratado
temático foi a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, adotado em 1965.

Os Órgãos dos Tratados foram criados para monitorar as Convenções Temáticas a


que se referem. Esses Órgãos monitoram apenas os países que ratificaram aquele
tratado específico.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 47


Os Órgãos são compostos por especialistas independentes que não são escolhidos
como representantes de Estados, mas sim pela sua expertise. Para realizar suas
atividades de monitoramento, eles empregam os meios elencados a seguir,
chamados de mecanismos.

Além das atividades de monitoramento realizadas, os Órgãos de


Tratados emitem Comentários Gerais que consistem em estudos
aprofundados sobre determinados direitos humanos. Esses
Comentários orientam os Estados sobre como cumprir o tratado
correlato.

+ Relatórios
Os relatórios são enviados dentro de um ou dois anos após o tratado entrar em
vigor e, depois, seguem a periodicidade de quatro ou cinco anos, a depender do
tratado.
Nos relatórios, os Estados informam as medidas, em particular, legislativas,
judiciais e administrativas adotadas para assegurar a fruição dos direitos
constantes do tratado, bem como os fatores e as dificuldades que influenciam a
efetivação dos direitos humanos em seu território.

+ Comunicações Individuais
Os órgãos dos tratados podem também receber comunicações de indivíduos
que aleguem ter sofrido violações de direitos humanos. Para que a comunicação
seja aceita, alguns requisitos precisam ser atendidos:

3.3. Sistema Interamericano de Direitos Humanos


O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está constituído no âmbito da
Organização dos Estados Americanos (OEA). A OEA é o organismo Internacional
mais antigo do mundo. Sua origem remonta à Primeira Conferência Internacional
Americana realizada em Washington, Estados Unidos (1889-1890).

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é formado, fundamentalmente,


pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Sistema apresenta duas sistemáticas:
uma baseada na Carta da OEA e outra baseada na Convenção Americana (daqui em
diante, esta será chamada de “Convenção”).

A Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor


em 1978 e estabelece as obrigações dos Estados de respeitar e
proteger os direitos humanos. Esse documento será detalhado
mais adiante.

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O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está dividido em duas partes:

1. Mecanismos aplicáveis aos Estados membros da OEA: aplicáveis aos


Estados que se submetem à Carta da OEA.
2. Mecanismos concernentes aos Estados que fazem parte da Convenção:
aplicáveis aos Estados que ratificaram a Convenção Americana e
reconheceram a jurisdição da Corte IDH.

3.3.1. Normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos


O Sistema Interamericano de Direitos Humanos possui dois tipos de instrumentos:
os gerais e os temáticos.

Os instrumentos gerais são:

• Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem


• Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica)
• Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San
Salvador)

Veja, a seguir, algumas informações relevantes sobre esses instrumentos:

Quadro 10 – Instrumentos gerais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Instrumento Ano Escopo Pontos principais


Proclamou o direito à
Direitos civis, saúde. Embora não seja
Declaração Americana
políticos, legalmente vinculante,
de Direitos e Deveres 1948
econômicos, suas disposições geram
do Homem
sociais e culturais obrigações legais
para os Estados
Estabeleceu obrigações
para os Estados
respeitarem e protegerem
os direitos humanos, criou
Convenção Americana a Corte Interamericana
sobre Direitos Direitos civis de Direitos Humanos e
1969
Humanos (Pacto de e políticos detalhou as funções da
San José da Costa Rica) Comissão Interamericana
de Direitos Humanos.
Também afirma o direito à
vida, à integridade pessoal
e à proteção judicial

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Instrumento Ano Escopo Pontos principais
Define os direitos à
educação, saúde, trabalho,
Protocolo Adicional
Direitos seguridade social,
à Convenção
econômicos, alimentação, cultura
Americana sobre
sociais e culturais e ambiente saudável,
Direitos Humanos em
1988 entre outros. Estabelece
Matéria de Direitos
obrigações para os Estados
Econômicos, Sociais
garantirem esses direitos
e Culturais (Protocolo
a todas as pessoas,
de San Salvador)
sem discriminação.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os instrumentos temáticos são os listados a seguir:

• Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1987).


• Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à.
Abolição da Pena de Morte (1990).
• Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (“Convenção de Belém Do Pará”) (1994).
• Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999)
• Carta Democrática Interamericana.
• Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e
Formas Conexas de Intolerância (2013).
• Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das
Pessoas Idosas (2015).

3.3.2. Órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos


Conforme vimos anteriormente, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos
é formado essencialmente por dois órgãos: a CIDH e a Corte IDH. Veja, a seguir,
importantes informações sobre cada um desses órgãos.

3.3.2.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH


A CIDH é um órgão principal e autônomo da OEA. Ela está sediada em Washington
e sua principal competência é a de promover e proteger os direitos humanos
no continente americano. Para isso, a CIDH conta com o mecanismo de petição
individual e o monitoramento da situação de direitos humanos nos Estados
membros da OEA. A Comissão é composta por sete especialistas independentes, ou
seja, eles não são representantes dos Estados. Os especialistas são escolhidos pela
Assembleia Geral da OEA.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 50


A CIDH possui diversos mecanismos para cumprir o seu papel de monitoramento
dos direitos humanos pelos Estados membros da OEA. Esses mecanismos são: as
Visitas in loco, as Relatorias Temáticas, os Relatórios de País e Relatórios Temáticos,
as Comunicações Interestatais e o Mecanismo de Petição.

3.3.2.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH


A Corte IDH está sediada em São José, Costa Rica, e é o órgão judicial do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos e autônomo da OEA. A Corte possui duas
competências:

• Competência contenciosa
• Competência consultiva

A competência contenciosa da Corte precisa ser reconhecida pelo Estado, no


momento da ratificação à Convenção Americana ou de adesão a ela, ou em qualquer
momento posterior. Os Estados que reconheceram a competência contenciosa da
Corte IDH são: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica,
Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguai e
Venezuela. Note que os Estados Unidos e o Canadá não se submetem à jurisdição
contenciosa da Corte IDH.

É importante notar que os Estados possuem liberdade para se


submeterem ou não aos pactos internacionais. O Estado brasileiro
escolheu reconhecer a competência contenciosa da Corte IDH ao
ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos. Por causa
desse compromisso assumido internacionalmente, o Brasil
deverá se submeter às decisões e sentenças proferidas por essa
Corte.

A Corte IDH é composta por sete juízes, nacionais dos Estados membros da OEA,
eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal para um período de seis anos,
e que só podem ser reeleitos uma vez. As audiências da Corte IDH são, geralmente,
públicas e podem ocorrer em qualquer Estado membro da OEA, se assim for
decidido.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 51


Figura 23 - Corte Interamericana de Direitos Humanos

Fonte: https://www.flickr.com/photos/65759046@N07/39665090455

Na competência consultiva da Corte IDH não há partes ou caso a ser solucionado:


seu propósito é conferir uma interpretação à Convenção Americana ou outro tratado
Interamericano de direitos humanos. Sobre a competência consultiva da Corte IDH,
leia o trecho a seguir.

No que diz respeito à relação entre a CIDH e a Corte IDH, perceba


os pontos a seguir:

• A Corte IDH é a intérprete última da Convenção


Americana, pois é o único órgão judicial do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos.

• A Corte IDH não é limitada pelas decisões que a CIDH


tenha adotado em determinado caso que lhe tenha sido
submetido anteriormente.

• A CIDH não é uma primeira instância da Corte IDH,


logo, a Corte não pode ser considerada uma corte de
apelação.

• A Corte IDH pode rever o procedimento adotado pela


CIDH quando a parte alega que houve grave erro da
CIDH que comprometeu o direito de defesa da parte.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 52


3.3.3. Processo Interamericano de Direitos Humanos
Para que uma demanda de violação de direitos humanos seja apreciada pelos órgãos
do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é necessário que esta percorra
um caminho processual.

A petição ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos pode ser apresentada


por:
• Pessoa
• Grupo de pessoas
• Entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais
Estados membros da OEA

O peticionário, ou seja, quem denuncia a violação de direitos humanos ao Sistema,


não precisa ser a mesma pessoa que sofreu a violação. Em outras palavras, o
peticionário não precisa ser a vítima.

Considerando que apenas pessoas ou grupos de pessoas podem


ser titulares de direitos humanos, somente estas duas categorias
podem ser consideradas vítimas no processo perante o Sistema.
Entidades não governamentais, como organizações da sociedade
civil, podem ser peticionárias perante o Sistema, porém não
podem ser vítimas.

Além disso, ressalta-se que não é necessário ser representado por um advogado
para apresentar petição ao Sistema.

O processo perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos será apresentado


a seguir de forma geral, com vistas a atender às necessidades deste estudo.

3.3.3.1. O Processo perante a CIDH


Veja, a seguir, uma tabela com as fases do processo perante a CIDH:

Quadro 11 - O processo perante a CIDH

Fase do Processo Descrição

O peticionário apresenta a
Apresentação da petição
petição perante a CIDH.
A CIDH analisa a petição e solicita
Análise da petição
informações ao Estado envolvido.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 53


Fase do Processo Descrição

A CIDH avalia se a petição atende aos


Avaliação dos requisitos
requisitos de admissibilidade e o Estado
de admissibilidade
apresenta suas exceções preliminares.
A CIDH produz um relatório sobre a
Relatório de Admissibilidade/
admissibilidade ou inadmissibilidade
Inadmissibilidade
da petição, que é público.
Se a petição for admitida, o caso é aberto
Abertura do caso e as partes apresentam observações
adicionais sobre as questões de conteúdo.
Se possível, os Estados e os peticionários
Solução amistosa chegam a uma solução amistosa, que
é transmitida às partes e publicada.
A CIDH deliberará sobre o mérito do
caso e elaborará um relatório com os
Deliberação sobre o mérito fatos alegados, as provas apresentadas,
as informações obtidas nas audiências
e nas investigações in loco.
Se a CIDH decidir que houve violação, ela
Decisão sobre a violação elaborará um relatório preliminar com
recomendações ao Estado envolvido.
Implementação das O Estado deve informar as medidas adotadas
recomendações para cumprir as recomendações da CIDH.

Fonte: Elaborado pela autora.

É importante lembrar que o processo perante a CIDH pode variar de acordo com o
caso e as circunstâncias específicas envolvidas. As fases apresentadas na tabela são
uma síntese geral do processo.

3.3.3.2. O Processo perante a Corte IDH


A tramitação do caso na Corte IDH se divide em três fases:
1. Procedimento Escrito
2. Procedimento Oral
3. Procedimento Escrito Final

A CIDH submeterá um caso à Corte IDH por meio de relatório que contenha todos
os fatos supostamente violadores dos direitos humanos, inclusive a identificação
das supostas vítimas. Um Estado parte também poderá submeter um caso à Corte,

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 54


conforme disposto no artigo 61 da Convenção Americana.
A apresentação do caso será notificada à presidência da Corte e aos juízes, ao Estado
demandado, à suposta vítima e seus representantes, e à CIDH (se não tiver sido ela
quem apresentou o caso).

Na fase do procedimento escrito, uma vez notificada a vítima ou seus representantes,


esta deverá apresentar à Corte IDH, no prazo definido, seu escrito de petições,
argumentos e provas, também chamado de EPAP.

Na fase do procedimento final escrito, as vítimas (ou seus representantes) e o


Estado demandado (e, se for o caso, o Estado demandante) têm a oportunidade de
apresentar à Corte as alegações finais escritas, ou seja, suas observações quanto
ao conteúdo do processo, antes de ser proferida a sentença. A CIDH também pode,
se entender conveniente, apresentar as suas observações finais escritas.

A Corte irá, então, deliberar privadamente e aprovar a sentença, que será notificada
às partes.

Um ponto de destaque é que, em caso de extrema gravidade e urgência, quando for


necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte IDH poderá, nos assuntos de
que estiver conhecendo, tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes.
As medidas provisórias podem ser adotadas pela Corte por iniciativa própria ou a
pedido da suposta vítima ou de seus representantes. A Corte pode, ainda, atuar a
pedido da CIDH, quando se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos
ao seu conhecimento. A supervisão do cumprimento dessas medidas será feita com
base nos relatórios do Estado e nas observações correlatas apresentadas pelos
representantes dos beneficiários, bem como nas observações da CIDH.

Uma vez proferida a sentença, cabe à Corte IDH assegurar que os


direitos proferidos na decisão se tornem realidade. Assim, a Corte
é competente para supervisionar o cumprimento da sentença.

A supervisão do cumprimento da sentença é feita por meio de:

• Relatórios elaborados pelo Estado indicando as medidas adotadas para


cumprir a sentença
• Observações apresentadas pelos representantes dos beneficiários às
medidas que o Estado afirme ter adotado
• Observações da CIDH aos Relatórios do Estado e aos apontamentos dos
beneficiários

A Corte IDH pode, quando entender conveniente, convocar as partes para uma
audiência de supervisão da sentença. A Corte IDH apontará à Assembleia Geral da
OEA os casos em que o Estado não tenha dado cumprimento à sua sentença com
as recomendações correlatas.

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Quando a Corte IDH decidir na sentença que houve violação de direitos humanos,
fará três determinações:

1. Que se assegure à vítima a fruição do direito ou da liberdade que foi


violado;
2. Que sejam reparadas as consequências da situação que tenha
configurado a violação de seus direitos, quando couber;
3. O pagamento de indenização justa à parte lesada.

Sobre isso, veja a seguir trechos da sentença do caso Ximenes Lopes vs. Brasil, de
2006. Na sentença, a Corte dispõe que:

6. O Estado deve garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado


a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos
efeitos, nos termos dos parágrafos 245 a 248 da presente Sentença. (CORTE IDH,
2006, p. 84)

No ponto nº 6, a Corte exige que o estado investigue os responsáveis pela violação


e os puna de acordo com a lei interna brasileira.

7. O Estado deve publicar, no prazo de seis meses, no Diário Oficial e em outro


jornal de ampla circulação nacional, uma só vez, o Capítulo VII relativo aos fatos
provados desta Sentença, sem as respectivas notas de pé de página, bem como
sua parte resolutiva, nos termos do parágrafo 249 da presente Sentença. (CORTE
IDH, 2006, p. 84)

Nesse ponto resolutivo, a Corte exige que o Estado publique no Diário Oficial da
União e em outro jornal trechos da sentença, visando dar publicidade ao caso.

8. O Estado deve continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação


para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares
de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde

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mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas
portadoras de deficiência mental, conforme os padrões internacionais sobre a
matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos termos do parágrafo 250 da
presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84)

O ponto nº 8 da sentença estabelece uma garantia de não


repetição, ou seja, a Corte exige do Estado uma medida que
contribua para que as violações ocorridas no caso não voltem a
ocorrer no futuro. No caso do ponto nº 8, a medida exigida é a
capacitação dos profissionais da área da saúde sobre os princípios
e padrões internacionais que devem nortear os cuidados em
saúde das pessoas com transtornos mentais.

9. O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes


e Irene Ximenes Lopes Miranda, no prazo de um ano, a título de indenização
por dano material, a quantia fixada nos parágrafos 225 e 226, nos termos dos
parágrafos 224 a 226 da presente Sentença.

10. O Estado deve pagar em dinheiro para as senhoras Albertina Viana Lopes
e Irene Ximenes Lopes Miranda e para os senhores Francisco Leopoldino Lopes
e Cosme Ximenes Lopes, no prazo de um ano, a título de indenização por dano
imaterial, a quantia fixada no parágrafo 238, nos termos dos parágrafos 237 a
239 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2006, p. 84)

Os pontos nº 9 e nº 10 ordenam o pagamento das indenizações devidas aos familiares


da vítima.

12. Supervisionará o cumprimento íntegro desta Sentença e dará por concluído


este caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto nesta
Sentença. No prazo de um ano, contado a partir da notificação desta Sentença,
o Estado deverá apresentar à Corte relatório sobre as medidas adotadas para o
seu cumprimento. (CORTE IDH, 2006, p. 84)

Nesse ponto, a Corte informa que irá supervisionar o cumprimento da sentença, e


que só considerará o caso como concluído quando todos os dispositivos tiverem sido
cumpridos. O ponto também exige que o Estado apresente um relatório informando
as atividades que realizou no sentido de cumprir a sentença.

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A obrigação do Estado de cumprir imediatamente as decisões
judiciais da Corte é parte intrínseca da sua obrigação de cumprir
de boa-fé as disposições da Convenção Americana, e vincula
todos os Poderes e órgãos desse Estado, incluindo os membros
do Poder Legislativo, seus juízes e os órgãos vinculados à
administração de justiça. Por isso, não cabe a tais agentes
públicos invocar disposições do direito interno (as leis do país)
para se esquivar de cumprir as sentenças da Corte IDH, conforme
falamos anteriormente.

O Estado brasileiro executa a sentença da Corte IDH espontaneamente, ou seja,


sem a necessidade de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou de que seja
proposta qualquer medida judicial.

3.4. Sistema Europeu de Direitos Humanos


O Sistema Europeu de Direitos Humanos iniciou-se por meio da adoção da
Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais,
no ano de 1950, pelo Conselho da Europa. O Conselho da Europa é uma organização
internacional com sede em Estrasburgo.

3.4.1. Órgãos do Sistema Europeu


A disposição dos órgãos de direitos humanos do Conselho da Europa se baseia em
três temas. A cada um desses temas estão vinculados órgãos do Sistema Europeu
de Direitos Humanos:

1. Proteção dos Direitos Humanos


• Corte Europeia de Direitos Humanos
• Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

2. Promoção dos Direitos Humanos


• Comissário para os Direitos Humanos
• Grupo de Peritos sobre a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos
• Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância
• Comitê de Peritos da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias
• Comitê Consultivo da Convenção Quadro para a Proteção das Minorias
Nacionais
3. Garantia dos Direitos Sociais
• Comitê Europeu dos Direitos Sociais

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O Sistema Europeu possui um órgão judicial: a Corte Europeia de Direitos Humanos.
Os demais órgãos são políticos, porque não solucionam casos por meios alternativos
ao julgamento, e a eles cabe avaliar a situação dos direitos humanos nos Estados
membros do Conselho da Europa.

A Corte Europeia de Direitos Humanos foi instituída em 1959. O órgão funciona


de forma permanente e possui competência para decidir todas as questões
relacionadas à interpretação e à aplicação da Convenção Europeia e dos seus
respectivos protocolos.

A Corte possui competência contenciosa e consultiva, pois pode emitir pareceres


sobre questões jurídicas relacionadas à interpretação da Convenção e de seus
protocolos. O número de juízes da Corte Europeia é igual ao número de Estados
partes: 47 juízes.

3.4.2. Normas do Sistema Europeu


O Sistema Europeu de Direitos Humanos possui instrumentos gerais e instrumentos
temáticos.

Instrumentos gerais:
• Convenção Europeia de Direitos Humanos
• Carta Social Europeia de Direitos Humanos

Instrumentos Temáticos:
• Convenção Europeia sobre o Status Legal dos Trabalhadores Migrantes
(1977)
• Convenção para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos
Desumanos ou Degradantes (1987)
• Convenção sobre a Participação de Estrangeiros na Vida Pública (1992)
• Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais (1994)
• Convenção de Oviedo (Convenção para a Proteção dos Direitos
Humanos e Dignidade do Ser Humano em Relação à Aplicação na
Biologia e Medicina) (1997)
• Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças (2000)
• Convenção Europeia sobre Nacionalidade (2000)
• Convenção sobre o Cibercrime (2001) e seu Protocolo sobre Xenofobia e
Racismo (2003)
• Convenção sobre a Ação Contra o Tráfico de Pessoas (2005)
• Convenção do Conselho da Europa para a Proteção da Criança Contra a
Exploração Sexual e Abuso Sexual (Convenção Lanzarote) (2007)
• Convenção sobre a Prevenção e Combate à Violência Contra a Mulher e
Violência Doméstica (Convenção de Istambul) (2011)

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Veja a seguir informações sobre os instrumentos normativos gerais do Sistema
Europeu.

+ Convenção Europeia de Direitos Humanos


A Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), de 1950, foi o primeiro
tratado de direitos humanos adotado no mundo. A CEDH, adotada por
doze Estados membros do Conselho da Europa foi o primeiro instrumento a
possibilitar que os indivíduos usassem instrumentos de petição individual para
responsabilizar os Estados no plano Internacional.

Entre os direitos e liberdades protegidos pela CEDH, podemos citar o direito à


vida (art. 2º) e a proibição de discriminação (art. 14).

+ Carta Social Europeia de Direitos Humanos


A Carta Social Europeia de Direitos Humanos foi adotada em 1961 e revista em
1996. Por meio desse instrumento, o Conselho da Europa proclamou os direitos
econômicos e sociais.

3.4.3. Processo perante a Corte Europeia de Direitos Humanos


A petição perante a Corte pode ser apresentada por qualquer pessoa singular,
organização não governamental ou grupo de pessoas que se considere vítima de
violação dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos, que tenha
sido cometida por qualquer Estado parte. Os Estados também podem submeter à
Corte Europeia violações das disposições da Convenção que acreditem que outro
Estado tenha cometido.

Em resposta, a Corte pode conceder medidas provisórias, decidir sobre a


admissibilidade da petição e proferir sentenças, que geralmente ordenam uma
reparação razoável ou “satisfação equitativa”. Os Estados, por sua vez, deverão
respeitar as sentenças definitivas da Corte Europeia.

3.4.4. Mecanismos do Sistema Europeu de Direitos Humanos


O Sistema Europeu adota, de modo similar aos Sistemas ONU e Interamericano,
mecanismos para monitorar o cumprimento das normas de direitos humanos pelos
Estados. Entre eles, destacam-se, além do mecanismo judicial executado pela Corte
Europeia:

+ Mecanismos no âmbito do Comitê Europeu de Direitos Sociais


O Comitê de Direitos Sociais monitora o cumprimento da Carta Social Europeia
por meio dos mecanismos de petições coletivas, que são apresentadas por

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 60


parceiros sociais e organizações não governamentais (procedimento de petição
coletiva), e através de relatórios nacionais elaborados pelos Estados (sistema
de relatórios).

+ Mecanismos no âmbito do Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e


Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
O Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes “realiza visitas a lugares de detenção de
pessoas para verificar como estão sendo tratadas. Após a visita, o Comitê elabora
relatório detalhado ao estado envolvido com recomendações, comentários e
pedidos de informação” (ALBUQUERQUE; BARROSO, 2021, p 315).

3.5. Conclusão
Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos são responsáveis por promover a
proteção dos direitos humanos em todo o globo. Esses Sistemas são formados por
normas, que os conduzem; órgãos, que monitoram o cumprimento das normas; e
mecanismos, que são as ferramentas usadas pelos órgãos no monitoramento.

Estudamos três Sistemas de Direitos Humanos, o sistema global (ONU) e os sistemas


regionais (Interamericano e Europeu). Esses sistemas são independentes entre si
e atuam de forma não hierárquica. Cada um desses órgãos possui seus próprios
elementos e estruturas de funcionamento.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos conta com a Convenção Americana


de Direitos Humanos, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos julga as petições
individuais que denunciam descumprimentos aos dispositivos da Convenção.

Nesse contexto, o caso Ximenes Lopes vs. Brasil consistiu em uma demanda
apresentada à Corte IDH contra o Estado brasileiro pela violação aos artigos 4 (Direito
à Vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial)
da Convenção Americana. O Estado brasileiro foi condenado, em 2006, pela violação
desses artigos e vem desde então adotando medidas para cumprir o disposto na
sentença. Uma dessas medidas é o desenvolvimento de:

(...) um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria


e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas
vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que
devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental, conforme os

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padrões internacionais sobre a matéria. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2006, p. 84)

O estudo dos Sistemas de Direitos Humanos é relevante para que possamos


compreender o caminho percorrido pelas demandas de direitos humanos até que
os Estados sejam internacionalmente compelidos a tomar medidas para a promoção
desses direitos.

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Módulo

2 Saúde e Direitos Humanos

Olá, estudante!

Neste módulo, trabalharemos os três campos de interação entre direitos humanos


e saúde. A seguir, trataremos do direito à saúde e, particularmente, do direito à
saúde mental. Por fim, entenderemos de que forma os direitos humanos se aplicam
às pessoas sob cuidados em saúde.

1. Os três campos de interação entre direitos


humanos e saúde

Identificar a aplicação dos direitos humanos no contexto da


saúde mental.

Os direitos humanos são universais. Eles foram criados com a finalidade de proteger
a dignidade e o inerente e igual valor de todas as pessoas. Esses direitos são
inalienáveis, interdependentes e se relacionam entre si.

Para fins didáticos, os direitos humanos foram divididos em direitos civis, culturais,
econômicos, políticos e sociais.

Os direitos humanos se definem e são garantidos por meio do direito estabelecido


pelos instrumentos internacionais. Com base no Direito Internacional, os Estados
assumem a obrigação de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos:

• A obrigação de respeitar esses direitos quer dizer que os Estados


precisam se abster de interferir ou limitar o seu usufruto.
• A obrigação de proteger os direitos humanos exige dos Estados que
protejam os indivíduos e grupos contra uma interferência indevida no
gozo dos direitos humanos por parte de outras pessoas ou entidades.
• A obrigação de cumprir significa que os Estados precisam adotar
medidas positivas para garantir a fruição dos direitos humanos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 63


Entre os direitos humanos reconhecidos em diversos instrumentos normativos está
o direito à saúde. Esse direito está afirmado diretamente em documentos de direitos
humanos internacionais e regionais, como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre
outros documentos.

Alguns direitos humanos estão relacionados à saúde de forma indireta, o que nos
mostra que há um relacionamento complexo entre a saúde e o campo dos direitos
humanos. Para ilustrar essa ligação, as conexões entre saúde e direitos humanos
são muitas vezes descritas como os três campos de interação entre direitos
humanos e saúde, que compreendem:

• Violações dos direitos humanos que resultam em problemas de saúde;


• Redução da vulnerabilidade relacionada a problemas de saúde por
meio dos direitos humanos; e
• Promoção ou violação dos direitos humanos por meio da saúde.

Figura 24 - Os três campos de interação entre direitos humanos e saúde

Fonte: Elaborada pela autora, com base em ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Direitos
humanos e saúde. [S.l.]: OMS, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/
fact-sheets/detail/human-rights-and-health#:~:text=The%20right%20to%20health%2C%20
as,consensual%20medical%20treatment%20and%20experimentation). Acesso em: 17 mar. 2023.

Você verá, a seguir, o detalhamento de cada um desses campos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 64


1.1. Violações dos direitos humanos que resultam
em problemas de saúde
Violações de direitos humanos como práticas tradicionais prejudiciais, tortura,
escravidão ou violência contra mulheres e crianças podem resultar em sérios
problemas de saúde.

Figura 25 - Violações de direitos humanos e problemas de saúde

Fonte: Elaborada pela autora.

+ Práticas tradicionais prejudiciais


São procedimentos persistentes e formas de comportamento fundamentados
na discriminação com base em sexo, gênero e idade, entre outros aspectos,
além de múltiplas formas de discriminação que comumente envolvem violência
e causam sofrimento e dano físico e/ou psicológico. Essas práticas tradicionais
podem ser novas ou regressas, e são prescritas e/ou mantidas por normas sociais
que perpetuam a dominação masculina e a desigualdade de mulheres e crianças
com base em sexo, gênero, idade e outros fatores.

Um exemplo de prática tradicional prejudicial é a mutilação genital feminina,


que consiste em qualquer procedimento que implique a remoção, parcial
ou total, dos órgãos genitais das mulheres, ou qualquer dano provocado aos
órgãos genitais, seja por razões culturais ou por outras razões não terapêuticas.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 65


Entre os danos à saúde causados pela mutilação genital feminina, incluem-se
a maior vulnerabilidade a diferentes tipos de infecções, como as sexualmente
transmissíveis e ao HIV, visto que o procedimento é normalmente feito sem
condições de higiene, com instrumentos rudimentares e não esterilizados.

A mutilação genital feminina é praticada em mais de 40 países, o que inclui regiões


na América do Sul, no continente Africano, Arábia Saudita, Paquistão e Índia.
A proibição de práticas tradicionais nocivas contra as mulheres está articulada
na Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres e na
Recomendação Geral 24 sobre Mulheres e Saúde do Comitê para a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1999).

+ Tortura
Há diversas normativas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre o tema da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes. A Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi adotada em 1984.

De acordo com essa Convenção, tortura é qualquer ato pelo qual dores ou
sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma
pessoa a fim de:
• Obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões;
• Castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou
seja suspeita de ter cometido;
• Intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza.

A tortura se configura quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um


funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação, ou com o consentimento e aquiescência desses agentes.

É importante destacar que não se consideram tortura as dores ou sofrimentos


que são consequência unicamente de sanções legítimas ou que são inerentes a
tais sanções, ou delas decorram. Além da Convenção contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a proibição contra
a tortura está articulada em outros instrumentos de direitos humanos, incluindo
o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: o artigo sétimo afirma
que ninguém deve ser submetido a tortura ou a outros tratamentos ou penas
cruéis desumanos ou degradantes. Em particular, ninguém pode ser submetido
sem seu livre consentimento a experimentos médicos ou científicos.

A tortura provoca severas consequências na saúde da vítima. É comum que


sobreviventes de tortura apresentem estresse pós-traumático, comorbidades
psicológicas e deficiências físicas. As respostas à experiência de tortura podem

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 66


ser complexas, envolvendo alterações na capacidade de regular as emoções,
prejuízo no processamento das relações interpessoais, percepção reduzida
de controle e perda de identidade. Ademais, sobreviventes de tortura podem
enfrentar desafios no ajuste pós-trauma, como conflito interno contínuo e, no
caso de pessoas deslocadas e migrantes, estresse pós-migração, incluindo as
questões relacionadas à separação familiar, preocupações socioeconômicas,
incerteza de visto e discriminação.

Assim, as necessidades dos sobreviventes de tortura apresentam desafios


substanciais às abordagens tradicionais de tratamento. O conhecimento
relacionado a outros grupos afetados por traumas não pode ser generalizado
para essa população.

De acordo com a Convenção sobre a Escravatura ou Convenção sobre a Escravidão


de 1926, a escravidão é o estado ou condição de uma pessoa sobre a qual são
exercidos todos ou alguns dos poderes inerentes ao direito de propriedade.
O artigo 1.2 da Convenção afirma que:

O tráfico de escravos inclui todos os atos que envolvam a captura,


aquisição ou alienação de uma pessoa com a intenção de reduzi-la à
escravidão; todos os atos que envolvam a aquisição de um escravo
com vistas a vendê-lo ou trocá-lo; todos os atos de alienação por
venda ou troca de um escravo adquirido com o objetivo de ser
vendido ou trocado e, em geral, todo ato de comércio ou transporte
de escravos. (CONVENÇÃO SOBRE A ESCRAVATURA, 1926, Art. 2.1,
tradução nossa)

Sobre esse assunto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que
“ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de
escravos serão proibidos em todas as suas formas” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL
DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

Em alguns países, o estigma associado ao tráfico sexual pode ser reforçado por
sistemas legais que criminalizam a prostituição. O tráfico sexual pode também
levar a consequências em saúde, como HIV/AIDS, e ao abuso de substâncias,
que estão associados a mais estigma. É importante perceber que fatores gerais
de risco de estresse pós-traumático incluem condições da vítima, como ser
do sexo feminino, ter baixo nível educacional e transtornos de saúde mental
preexistentes, que são fatores comumente percebidos em vítimas de tráfico.
No que diz respeito às crianças, formas de trabalho infantil, como a servidão
doméstica, constituem formas contemporâneas de escravidão. As crianças
submetidas a essas violações normalmente não têm acesso efetivo à educação e
a serviços básicos de saúde.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 67


No caso de trabalhadores migrantes, sua vulnerabilidade à escravidão aumenta,
já que ficam relegados à economia informal para contornar as vias legais de
trabalho e estão sujeitos ao pagamento de taxas de contratação e a práticas
fraudulentas de intermediários de mão de obra. Isso os leva à baixa participação
na sociedade, à saúde precária e à falta de rede de segurança, fatores condutores
da escravidão.

+ Violência contra as mulheres


A Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (1993) define a
violência contra as mulheres como:

Qualquer ato de violência baseado no gênero do qual resulte, ou


possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para
as mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, a coação ou a privação
arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na
vida privada”. (DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES, 1993, Art. 1)

Além dessa Declaração, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação contra a Mulher (1979) também se refere ao assunto, pois afirma
que os Estados partes devem tomar todas as medidas apropriadas para eliminar
a discriminação contra as mulheres no campo dos cuidados em saúde e para
assegurar, com base na igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços
de cuidado em saúde, incluindo aqueles relacionados ao planejamento familiar.

A violência contra as mulheres se manifesta de diversas formas, entre as quais


podemos citar a violência obstétrica. De acordo com a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), a violência obstétrica é definida como:

“Apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres


pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado,
abusivo, intervencionista, discriminatório e sem base em evidências
científicas, e inclui a recusa de atenção obstétrica e neonatal” (CIDH,
2019, p. 1).

As consequências desse tipo de violência afetam a saúde física e mental da vítima.


No quesito da saúde mental, são consequências o aparecimento de quadros
de tristeza, episódios psicóticos e probabilidade de surgimento de transtornos
psiquiátricos durante o período pós-parto, o que interfere na formação de um
vínculo afetivo saudável entre a mãe e o bebê.

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1.2. Redução da vulnerabilidade no processo saúde-
doença por meio dos direitos humanos
A observância de diversos direitos tem o potencial de reduzir a vulnerabilidade a
problemas de saúde. Alguns desses direitos são: o direito à informação, à educação,
à comida e à nutrição, e à água.

A vulnerabilidade e o impacto dos problemas de saúde podem ser reduzidos se


forem tomadas medidas para proteger, respeitar e cumprir os direitos humanos.

Figura 26 - Direitos humanos e vulnerabilidade em relação a problemas de saúde

Fonte: Elaborada pela autora.

O direito à informação é protegido pelo artigo 19 do Pacto Internacional sobre


Direitos Civis e Políticos, e pode ser definido como a liberdade de buscar, receber
e difundir informações de qualquer natureza. A informação é importante
ferramenta no desenvolvimento de uma cultura de responsabilização e realização
dos direitos humanos.

No âmbito da saúde, o respeito ao direito à informação afeta diretamente a saúde


das pessoas sob cuidados em saúde, na medida em que a falta de conhecimento da
população sobre informações em saúde as torna mais vulneráveis em relação à sua
própria condição. Sobre isso, assista ao vídeo a seguir, que explica a vulnerabilidade
da pessoa sob cuidados em saúde internada:

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 69


Vídeo 2 - A vulnerabilidade da pessoa sob cuidados em saúde na
internação hospitalar

Nesse sentido, ganha importância o conceito do consentimento informado, que


pode ser definido como:

Uma decisão voluntária e suficientemente informada


capaz de promover autodeterminação, integridade
física e bem-estar da pessoa sob cuidados em saúde
(ALBUQUERQUE, 2016).

Desse modo, o consentimento informado é a


concretização do respeito da autonomia da pessoa
sob cuidados em saúde para decidir sobre aquilo que
lhes é mais íntimo: o corpo. (ELER; ALBUQUERQUE,
2020, p. 121)

Por meio do direito à informação, é possível reduzir a vulnerabilidade em relação a


problemas de saúde, como pode ser observado no exemplo a seguir:

[...] em 2015, no Caso Montgomery versus Lanarkshire


Health Board no qual uma mulher diabética sofreu
complicações obstétricas ao optar pelo parto normal,
que gerou redução severa da oxigenação no cérebro
do feto. Esse problema, frequente em mulheres
diabéticas que têm fetos maiores, ocorreu em razão da
dificuldade de passagem do feto pelo canal vaginal. A
pessoa sob cuidados em saúde alegou que se soubesse
do risco, teria optado por fazer uma cesárea. A médica
obstetra, por sua vez, defendeu-se dizendo que não
havia informado tal risco por ser a probabilidade de
ocorrência pequena (ELER; ALBUQUERQUE, 2020, p.
120).

O direito à educação é protegido pelo artigo 13 do Pacto Internacional sobre


Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Esse direito inclui o acesso à
educação em apoio aos conhecimentos básicos de saúde e nutrição infantil, as

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 70


vantagens do aleitamento materno, higiene e saneamento ambiental e prevenção
de acidentes. A adoção de medidas relacionadas a esses conhecimentos diminui a
vulnerabilidade a problemas de saúde: diversos estudos e pesquisas demonstram
a relação entre a escolaridade materna e a mortalidade infantil. De acordo com
um estudo realizado por Victora et al. (2003), o aumento do nível de escolaridade
das mães está associado à redução na mortalidade infantil. Os autores afirmam
que a educação e a informação para as mães são fundamentais para promover a
equidade social e reduzir as desigualdades na saúde infantil.

O direito à alimentação adequada está previsto no artigo 11 do Pacto Internacional


sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), o direito à informação em saúde é fundamental para
prevenir doenças relacionadas à nutrição, tais como a desnutrição e a obesidade.
Por exemplo, o acesso à informação sobre os benefícios de uma dieta equilibrada e
variada pode ajudar a prevenir o diabetes, o colesterol elevado e o câncer causado
por práticas alimentares inadequadas (OMS, 2021). Além disso, a falta de informação
também pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos alimentares, como
a anorexia nervosa e a bulimia.

A Resolução das Nações Unidas A/RES/64/292 declarou que a água limpa e segura,
bem como o saneamento, são direitos humanos essenciais para que se possa gozar
plenamente a vida e todos os outros direitos humanos. O respeito ao direito à água
reduz a vulnerabilidade a diversos problemas de saúde:

São vários os problemas relacionados à desigualdade e


à precariedade no acesso à água potável, dentre estes
estão as doenças ligadas à falta de higiene pessoal
e doméstica, em decorrência do déficit no acesso;
as causadas pela ingestão de água com qualidade
sanitária insatisfatória; as relacionadas ao contato
com a água contaminada; e as transmitidas por meio
de transmissores aquáticos. Nessa conjuntura, está
a pandemia da Covid-19, que surgiu em 2020, com
uma significativa desigualdade social, onde pessoas
sobrevivem em condições precárias de habitação ou
não a tem, e sem acesso a serviço de abastecimento
de água adequado, o que intensifica os problemas e
dificulta o enfrentamento da crise sanitária. (SILVA et
al., 2022, p. 115)

Assim, verifica-se que respeitar os direitos humanos é uma forma de diminuir a


vulnerabilidade dos indivíduos a problemas de saúde. Nesse sentido, cabe aos

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 71


Estados promover o cumprimento desses direitos como medida de saúde para os
seus jurisdicionados.

1.3. Promoção ou violação dos direitos humanos


por meio da saúde
Políticas e programas em saúde podem promover os direitos humanos ou violá-
los, a depender da forma como são formulados ou implementados. Alguns dos
direitos humanos que podem ser afetados pelos programas e políticas em saúde
são o direito à participação, o direito a não discriminação, o direito à privacidade e o
direito à liberdade de movimento.

Por exemplo, se uma prática ou política em saúde discriminar um grupo de pessoas,


isso constitui uma violação de direitos humanos. Por outro lado, assegurar o direito
a não discriminação por meio de uma política em saúde promoveria os direitos
humanos.

Nesse sentido, é importante ter em mente que grupos vulneráveis e marginalizados


em sociedades costumam sofrer com problemas de saúde de forma desproporcional
com relação à maioria. A discriminação aberta ou implícita é comumente a causadora
de Estados de saúde deficitários. Na prática, a discriminação pode se manifestar por
meio de programas de saúde direcionados inadequadamente e do acesso restrito
aos serviços de saúde.

Assim, de acordo com a OMS:

A proibição da discriminação não significa que as diferenças não devam ser


reconhecidas, mas apenas que o tratamento diferenciado – e a falta de tratamento
igualitário de casos iguais – deve ser baseado em critérios objetivos e razoáveis
destinados a corrigir os desequilíbrios dentro de uma sociedade. Em relação
à saúde e aos cuidados de saúde, os fundamentos para a não discriminação
evoluíram e podem agora ser resumidos na proibição de “qualquer discriminação
no acesso aos cuidados de saúde e aos determinantes subjacentes da saúde,
bem como aos meios e direitos para a sua aquisição, motivos de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, deficiência física ou mental, estado de saúde (incluindo HIV/
AIDS), orientação sexual, orientação civil, política, social ou outro status, que
tenha a intenção ou o efeito de anular ou prejudicar o igual gozo ou exercício do
direito à saúde”. (OMS, 2002, p. 11, tradução nossa)

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 72


Nesse ponto, é relevante destacar o tema do racismo estrutural e institucional.
Essas são formas de discriminação que estão enraizadas nas estruturas e instituições
da sociedade, afetando negativamente grupos específicos, especialmente as pessoas
negras. O jurista e professor Silvio Almeida, atual Ministro de Estado dos Direitos
Humanos e da Cidadania, é um dos principais pesquisadores e teóricos brasileiros
sobre o tema.

Segundo Almeida, o racismo estrutural é um tipo de racismo que está presente nas
estruturas e instituições da sociedade, perpetuando a desigualdade racial. Essas
desigualdades não são resultado de ações individuais, mas sim de uma estrutura
social que perpetua o racismo e a exclusão. No que diz respeito à saúde mental,
o racismo estrutural se manifesta, por exemplo, na falta de acesso equitativo a
serviços de saúde mental para grupos raciais historicamente marginalizados: a
falta de recursos para tratamentos em áreas de baixa renda, a falta de profissionais
de saúde mental em comunidades negras e a estigmatização da saúde mental em
algumas comunidades.

O racismo institucional é uma forma de discriminação que ocorre em instituições


sociais, prejudicando ou favorecendo grupos raciais de forma indireta: “O racismo
institucional, por sua vez, é resultado do funcionamento das instituições, que passam
a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e
privilégios com base na raça” (ALMEIDA, 2019, p. 26).

O racismo institucional pode ser relacionado à saúde mental quando há falta de


acesso a serviços de saúde mental de qualidade para grupos raciais marginalizados.
Isso pode se manifestar através de políticas e práticas de saúde que desconsideram
as necessidades e experiências desses grupos, além de perpetuar estereótipos e
preconceitos em relação a eles.

É importante reconhecer a existência do racismo institucional na área da saúde


mental para que se possa agir para combatê-lo, promovendo a diversidade e a
inclusão na equipe de saúde mental e desenvolvendo políticas que garantam o
acesso equitativo a serviços de saúde mental de qualidade para todos.

Você pode saber mais sobre o tema racismo institucional e


estrutural por meio da leitura da obra “Racismo Estrutural”, de
Silvio Luiz de Almeida (ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural.
São Paulo: Editora Polen, 2010).

No que diz respeito ao direito à participação, a abordagem de direitos humanos


aplicada à saúde envolve o exercício desse direito, na medida em que os beneficiários
das políticas de saúde devem participar de forma livre, significativa e efetiva dos

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processos que os afetam. O direito à participação está previsto na Declaração
sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, e em outros instrumentos de direitos
humanos. Nesse sentido, destaca-se a disposição presente no Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos:

Art. 25. Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas
de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) De participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente escolhidos;
(PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966, Art. 25)

Assim, quando a formulação e implementação políticas públicas e práticas em


saúde envolvem a contribuição da população afetada, pode-se dizer que acontece a
promoção do direito à participação. Por outro lado, tais políticas podem violar o direito
à participação quando excluem de seu processo de formulação e implementação os
beneficiários dessas medidas.

Por outro lado, um Estado que encarcera ou restringe os movimentos de pessoas


com HIV/AIDS, se recusa a permitir que médicos tratem pessoas que se acredita
serem opostas a um governo, ou deixa de fornecer imunização contra as principais
doenças infecciosas da comunidade por motivos como segurança nacional ou
a preservação da ordem pública, tem o ônus de justificar medidas tão graves.
(OMS, 2002, p. 19, tradução nossa)

Essas medidas podem violar o direito humano à liberdade de movimento.


O direito à privacidade é protegido pelo artigo 17 do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos:

ARTIGO 17

1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida


privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de
ofensas ilegais às suas honra e reputação.

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2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

(PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1966, Art. 17)

Em respeito a esse direito, os dados pessoais de saúde devem ser tratados com
confidencialidade:

A coleta de informações pessoais de indivíduos sobre seu estado de saúde (por


exemplo, infecção por HIV, câncer ou distúrbios genéticos) ou comportamento
(por exemplo, orientação sexual ou uso de álcool ou outras substâncias
potencialmente nocivas) têm o potencial de uso indevido pelo Estado, seja
diretamente ou porque esta informação é intencionalmente ou inadvertidamente
disponibilizada a outros. (OMS, 2002, p. 19, tradução nossa)

Ainda, a existência de normas e padrões de direitos humanos deve estimular


a coleta de evidências indicando os dados que são necessários para enfrentar
complexos desafios de saúde:

Mais amplamente aceita é a noção de que os direitos humanos são relevantes


para a maneira como os dados de saúde devem ser coletados. Isso inclui a
escolha dos métodos de coleta de dados que devem incluir considerações sobre
como garantir o respeito aos direitos humanos, como privacidade, participação
e não discriminação. Em segundo lugar, os instrumentos internacionais podem
ser úteis na definição de vários grupos populacionais. Por exemplo, a Convenção
da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais fornece uma base oficial para identificar
e diferenciar os povos indígenas e tribais de outros grupos populacionais. (OMS,
2002, p. 19, tradução nossa)

Embora saibamos que os direitos humanos são muitas vezes violados por políticas e
medidas de saúde, alguns direitos humanos não podem ser restritos em nenhuma
circunstância, como o direito a não ser torturado e a não ser escravizado, e a
liberdade de pensamento, de consciência e de religião. As cláusulas de limitação e
de derrogação nos instrumentos de direitos humanos reconhecem a necessidade
de limitar direitos humanos em algumas situações. A saúde pública é, muitas vezes,
usada pelos Estados como base para limitar o exercício de direitos humanos.

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Um fator chave para determinar se as proteções necessárias existem quando os
direitos são restringidos é que cada um dos cinco critérios dos Princípios de Siracusa
deve ser atendido. Mesmo em circunstâncias em que as limitações por motivos de
proteção da saúde pública são basicamente permitidas, elas devem ser de duração
limitada e sujeitas a revisão.

Somente como último recurso é que os direitos humanos podem sofrer


interferências para atingir uma meta de saúde pública. Tal interferência só
pode ser justificada quando todas as circunstâncias estritamente definidas
estabelecidas na lei de direitos humanos, conhecidas como Princípios de Siracusa,
forem atendidas. (OMS, 2002, p. 18, tradução nossa)

São os critérios dos princípios de Siracusa:

• A restrição ao direito é prevista e realizada de acordo com a lei;

• A restrição atende a um objetivo legítimo de interesse geral;

• A restrição é estritamente necessária, em uma sociedade


democrática, para atingir o objetivo;

• Não existem meios menos intrusivos e restritivos disponíveis


para atingir o mesmo objetivo;

• A restrição não é redigida ou imposta arbitrariamente, ou seja,


de forma irracional ou discriminatória.

Assim, percebemos que, a depender da forma como políticas e programas em saúde


são implementados, eles podem causar a promoção dos direitos humanos ou a sua
violação. Sendo assim, cabe aos Estados verificar seus compromissos internacionais
de direitos humanos ao formular medidas em saúde, com vistas a evitar práticas
violadoras de direitos humanos.

Nesse sentido, cabe destacar que a implementação de políticas de saúde para


combater a propagação do vírus da Covid-19 e tratar seus efeitos tem impacto
significativo nos direitos humanos. Por exemplo, medidas como quarentenas e
lockdowns limitam o direito de liberdade de movimento, enquanto a falta de acesso
a tratamentos e equipamentos de proteção individual pode afetar o direito à saúde
e à vida. Dessa forma, é fundamental que os Estados garantam que suas medidas de
saúde durante a pandemia estejam em conformidade com os padrões internacionais
de direitos humanos e evitem violações desses direitos.

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2. Direito à saúde

Reconhecer a saúde e a saúde mental enquanto direitos.

O direito à saúde é um direito humano. Sendo assim, ele está protegido em diversos
documentos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, no artigo 12:

ARTIGO 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de
desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim
de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam
necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o
desenvolvimento são das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais
e outras, bem como a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços
médicos em caso de enfermidade.

(Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, art.


12).

A seguir, estudaremos o direito à saúde, abordando o seu conteúdo, os seus


elementos e as formas de monitoramento desse direito. Por fim, trataremos do
direito à saúde mental.

2.1. Direito à saúde: conteúdo, elementos e


monitoramento
Para compreender o direito à saúde, é necessário estudar o seu conteúdo, os seus
elementos e as formas de monitoramento pelos órgãos internacionais de direitos
humanos. Vejamos a seguir esses fatores.

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2.1.1. Conteúdo do direito à saúde
Conforme disposto no artigo 12 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, mencionado anteriormente, toda pessoa tem o direito de
desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental, ou seja, o direito à
saúde. Esse direito é definido pelo Comitê da ONU sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais como o direito ao desfrute de:

• Bens
• Serviços

Determinantes sociais da saúde

Para que se possa alcançar o mais alto nível possível de saúde física e mental.

Para o Comitê, o direito à saúde não consiste somente no cuidado em saúde


oportuno e apropriado, mas também envolve os principais fatores determinantes
da saúde, como:

• O acesso à água potável


• Condições sanitárias e habitação adequada
• Condições sadias de trabalho e meio ambiente
• Acesso à educação e à informação sobre questões relacionadas à saúde

O direito à saúde inclui, ainda, serviços de proteção e prevenção no campo da


saúde.

Assim, é importante compreender que o direito à saúde não


consiste no direito de estar saudável. Ele consiste no direito a
um conjunto de bens, serviços e instalações que devem estar
disponíveis, acessíveis e ser aceitáveis e de qualidade.

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Figura 27 - Direito à saúde

Fonte: Elaborada pela autora.

O direito à saúde é guiado por cinco princípios:

1. Igualdade
2. Não discriminação
3. Accountability
4. Participação
5. Proteção dos vulneráveis

Os princípios da igualdade e da não discriminação demandam dos Estados que


abordem a discriminação em leis políticas e práticas, assim como na distribuição e
provisão de recursos e serviços de saúde.

A discriminação pode ser indireta e ocorrer, por exemplo, por


meio de políticas e ações que ignorem questões de gênero, e que
por isso levem a desigualdades no acesso e usufruto de direitos a
bens e serviços de saúde.

O funcionamento dos sistemas nacionais de informação sanitária e a disponibilidade


de dados são essenciais para que se possa identificar os grupos mais vulneráveis e
suas diversas necessidades. Grupos comumente marginalizados incluem: crianças
e adolescentes; mulheres; pessoas com deficiências; povos indígenas, minorias

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étnicas, religiosas ou linguísticas; deslocados internos e refugiados; migrantes,
particularmente indocumentados; e pessoas vivendo com HIV ou AIDS.

A seguir, observe alguns trechos do Comentário Geral número 14 de 2000, do Comitê


de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que tratam dos princípios da
igualdade e da não discriminação:

12 b (i) Não discriminação: os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de


ser acessíveis a todos, em especial os sectores mais vulneráveis e marginalizados
da população, nos termos da lei e de facto, sem discriminação alguma por
quaisquer dos motivos proibidos – p 152

(iii) Os pagamentos por serviços de cuidados de saúde, bem como serviços


relacionados com os factores determinantes subjacentes à saúde, têm de se basear
no princípio da equidade, a fim de assegurar que esses serviços, sejam públicos
ou privados, estejam ao alcance de todos, incluindo dos grupos socialmente
desfavorecidos. A equidade exige que não recaia uma carga desproporcionada
nos lares mais pobres, no que se refere a gastos de saúde, em comparação com
os lares mais ricos. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS,
2000)

19. [...] No que respeita ao direito à saúde, é necessário realçar a igualdade


de acesso aos cuidados de saúde e serviços de saúde. Os Estados Partes têm
uma obrigação especial de proporcionar a quem não tenha meios suficientes,
o necessário seguro médico e acesso a centros de saúde e impedir qualquer
discriminação com base em motivos internacional respeita às obrigações
fundamentais do direito à saúde. Uma atribuição inapropriada de recursos de
saúde pode dar lugar a uma discriminação que poderá não ser manifesta. Por
exemplo, os investimentos não devem favorecer desproporcionadamente os
serviços curativos caros que muitas vezes são apenas acessíveis a uma pequena
fracção privilegiada da população, em detrimento da atenção primária e
preventiva da saúde que beneficie uma parte maior da população. (COMITÊ DE
DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000).

Sobre o princípio da participação, o Comitê estabelece que os Estados precisam


respeitar o direito dos indivíduos e grupos de participar nos processos de tomada
de decisão que possam lhes afetar. Para o Comitê, o respeito a esse direito precisa
ser um fator integrante de toda estratégia, política ou programa desenvolvido
com o objetivo de cumprir as obrigações estatais que foram estabelecidas no Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. “Uma prestação

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efetiva de serviços de saúde pode apenas ser garantida se a participação das pessoas
for assegurada pelos Estados” (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS, 2000).

O Comentário Geral nº 14 de 2000 possui vários trechos relacionados ao princípio


da proteção dos vulneráveis:

12 b) Acessibilidade. Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de se


encontrar num alcance geográfico seguro por parte de todos os setores da
população, em especial os grupos vulneráveis ou marginalizados da população,
como as minorias étnicas e populações indígenas, as mulheres, as crianças, os
adolescentes, os idosos, pessoas com incapacidades e pessoas com VIH/ SIDA.

37. [...] A obrigação de realizar (promover) o direito à saúde requer que os


Estados Partes realizem ações que criem, mantenham e restabeleçam a saúde da
população. Entre essas obrigações figuram as seguintes: (...) (ii) assegurar que os
serviços de saúde sejam culturalmente apropriados e que o pessoal responsável
pelos cuidados de saúde receba formação de modo a reconhecer e a dar resposta
às necessidades concretas dos grupos vulneráveis ou marginalizados.

65. O papel da OMS, do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, do Comité Internacional da Cruz Vermelha/Crescente Vermelho e do
UNICEF, bem como de organizações não governamentais e associações médicas
nacionais, é de particular importância no que respeita à prestação de auxílio
em casos de desastre e de assistência humanitária em casos de emergência,
incluindo assistência a refugiados e a deslocados internos. Ao proporcionar
ajuda médica internacional e ao distribuir e gerir recursos como água limpa e
potável, alimentos e equipamento médico, bem como ajuda financeira, há que
dar prioridade aos grupos mais vulneráveis ou marginalizados da população.

19. O Comitê recorda o nº 12 do Comentário Geral nº 3, que afirma que mesmo


em alturas de limitações graves de recursos é preciso proteger os membros
vulneráveis da sociedade mediante a adoção de programas especiais de relativo
baixo custo. (COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000).

Pelo princípio da accountability, os Estados devem ser transparentes sobre seus


processos de tomada de decisão, suas ações ou omissões, e devem implementar
mecanismos de reparação de falhas. Existem muitas formas de aplicar o princípio
da accountability do Estado, por exemplo:

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• Quando o Estado ratifica tratados e incorpora as normas internacionais
na legislação nacional;
• Por meio de mecanismos judiciais e quase judiciais, como decisões
judiciais, revisões constitucionais, comissões nacionais de direitos
humanos;
• Por meio de mecanismos administrativos e de política, como revisões de
políticas e estratégias de saúde, auditorias e avaliações de impacto sobre
direitos humanos;
• Por mecanismos políticos, por exemplo, processos parlamentares,
monitoramento e advocacia por ONGs.

Você pode saber mais sobre os princípios norteadores do direito


à saúde por meio da leitura do Comentário Geral nº 14 de 2000,
do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
O documento, que possui linguagem simples e acessível, é a
referência internacional do conteúdo do direito à saúde. Para isso,
acesse o link https://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/
Compilation-of-HR-instruments-and-general-comments-2009-
PDHJTimor-Leste-portugues.pdf e inicie sua leitura na página 150
do documento.

2.1.2. Elementos do direito à saúde


Considerando que os conteúdos do direito à saúde (serviços, bens e instalações de
saúde) devem ser disponíveis, acessíveis, de qualidade e aceitáveis, podemos dizer
que o direito à saúde compreende quatro elementos:

• Disponibilidade
• Acessibilidade
• Qualidade
• Aceitabilidade

Esses elementos são essenciais e inter-relacionados, e sua aplicação dependerá


das condições predominantes no Estado. Os elementos possuem uma função
diagnóstica, pois direcionam a atenção para o que ainda precisa ser feito, à medida
que os governos nacionais avançam para a cobertura de saúde. Os governos podem
proteger o direito à saúde por meio do aumento da capacidade e da qualidade de
saúde, assegurando que esses serviços permaneçam acessíveis a todos.

A seguir, veja o detalhamento de cada um dos elementos do direito à saúde, definidos


pelo Comentário Geral nº 14/2000 no parágrafo nº 12.

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+ Disponibilidade
Para que seja identificado o elemento da disponibilidade, os bens, os serviços e
as instalações de saúde precisam existir em número suficiente e incluir fatores
determinantes de saúde:

Cada Estado Parte tem de ter disponível um número suficiente


de estabelecimentos, bens e serviços públicos de saúde e centros
de atendimento de cuidados de saúde, assim como programas. A
natureza precisa dos estabelecimentos, bens e serviços irá depender
de inúmeros fatores, incluindo o nível de desenvolvimento do Estado
Parte. Estes serviços irão, no entanto, incluir os fatores determinantes
básicos da saúde, como água limpa e potável e condições sanitárias
adequadas, hospitais, clínicas e outros estabelecimentos relacionados
com a saúde, pessoal médico e profissional capacitado e com
salários competitivos a nível doméstico, assim como medicamentos
essenciais definidos no Programa de Acção sobre Medicamentos
Essenciais da OMS [Organização Mundial da Saúde]. (COMITÊ DE
DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 2000)

+ Acessibilidade
Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de ser acessíveis a todos,
sem discriminação, no âmbito do Estado parte. A acessibilidade consta de quatro
dimensões sobrepostas:

(i) Não discriminação: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de ser


acessíveis a todos, em especial os sectores mais vulneráveis e marginalizados da
população, nos termos da lei e de facto.

(ii) Acessibilidade física: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde têm de


se encontrar num alcance geográfico seguro por parte de todos os setores da
população, em especial os grupos vulneráveis ou marginalizados, como as minorias
étnicas e populações indígenas, as mulheres, as crianças, os adolescentes, os
idosos, pessoas com incapacidades e pessoas com VIH/ SIDA. A acessibilidade
também implica que os serviços médicos e os determinantes sociais da saúde,
como a água limpa e potável e os serviços sanitários adequados, se encontrem
a uma distância geográfica segura e razoável, inclusive no que se refere a zonas
rurais. Além disso, a acessibilidade também inclui acesso adequado aos edifícios
por parte de pessoas com deficiência.

(iii) Acessibilidade econômica: Os estabelecimentos, bens e serviços de saúde


devem estar ao alcance de todos. Os pagamentos por serviços de cuidados de
saúde, bem como serviços relacionados com os fatores determinantes subjacentes
à saúde, têm de se basear no princípio da equidade, a fim de assegurar que esses
serviços, sejam públicos ou privados, estejam ao alcance de todos, incluindo dos

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 83


grupos socialmente desfavorecidos. A equidade exige que não recaia uma carga
desproporcionada sobre a camada mais pobre da população, no que se refere a
gastos de saúde, em comparação com as mais ricas.

(iv) Acesso à informação: Este acesso inclui o direito de solicitar, receber e difundir
informações e ideias relativas a questões de saúde. No entanto, o acesso à
informação não deve comprometer o direito de que os dados pessoais relativos
à saúde sejam tratados com confidencialidade.

+ Qualidade e Aceitabilidade
A qualidade dos cuidados em saúde impacta diretamente no gozo dos outros
direitos humanos, como o direito à vida e o direito ao respeito pela vida privada,
pois cuidados em saúde sem qualidade, como os providos por profissionais de
saúde e peritos, baseados em tecnologia insegura ou não centrados na pessoa
sob cuidados em saúde podem causar danos à pessoa sob cuidados em saúde e
desrespeitar seus valores e crenças privadas. (ALBUQUERQUE, 2016, p.174)

A aceitabilidade, por sua vez, pode ser definida como o respeito pela ética
médica e pelos padrões culturais por parte dos serviços de saúde.

2.1.3. Monitoramento do direito à saúde


Os Estados, ao se comprometerem com instrumentos internacionais de direitos,
passam a ter obrigações com relação a esses direitos. Nesse sentido, podemos dizer
que o Estado possui três tipos de obrigações com relação aos direitos humanos:

1. Obrigação de respeitar
A obrigação de respeitar corresponde à chamada obrigação negativa, que é
a obrigação de deixar de fazer algo. Nesse caso, os Estados devem abster-se
de negar ou limitar o acesso de todas as pessoas a bens e serviços de saúde.
Além disso, devem deixar de impor práticas discriminatórias.

2. Obrigação de proteger
A obrigação de proteger envolve uma atuação do Estado. Essa atuação deve
acontecer no sentido de evitar que terceiros violem o direito à saúde dos seus
jurisdicionados. Por exemplo, o Estado deve estabelecer requisitos para a
formação de profissionais de saúde e controlar a produção, distribuição e
venda de medicamentos para garantir que o atendimento em saúde e os
medicamentos ofertados sejam aceitáveis e de qualidade.

3. Obrigação de realizar
A obrigação de realizar está relacionada a ações de “garantir” por parte
do Estado. Um status deve garantir os cuidados em saúde, bem como os
serviços de promoção e a prevenção em saúde.

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Quanto à obrigação de realizar, indaga se qual é a
amplitude dessa obrigação, ou seja, qual é a cesta de
bens e serviços que os Estados devem prover, direta
ou indiretamente, na medida em que o direito à saúde
é um direito de realização progressiva, pois depende
de recursos orçamentários. Quanto a tal aspecto,
embora se reconheça as implicações financeiras
concernentes à efetivação do direito à saúde, os
Estados têm a obrigação de avançar constantemente
o mais rápido e eficazmente até a plena realização do
direito. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 172)

O Estado possui, ainda, de acordo com o Comitê sobre os Direitos Econômicos Sociais
e Culturais da ONU, as chamadas obrigações básicas, que dizem respeito ao mínimo
de cumprimento do direito à saúde. Algumas dessas obrigações básicas são:

• A atenção à saúde primária


• O acesso a bens e serviços sobre base não discriminatória
• Medicamentos essenciais
• Alimentação essencial mínima

Assim, podemos concluir que, sob a perspectiva do direito à


saúde, os Estados precisam assegurar a disponibilidade e a
acessibilidade a bens e serviços de saúde de qualidade, aceitáveis
sob o ponto de vista ético e cultural.

+ Quais bens e serviços devem ser proporcionados pelo Estado?


Apesar de haver alguns parâmetros, como os serviços de emergência e a atenção
primária à saúde, a jurisprudência internacional não define a cesta de bens e
serviços que os Estados devem prover para todos.

Como foi dito anteriormente, os Estados devem cumprir as obrigações com as


quais se comprometeram por meio de normas internacionais de direitos humanos.
Para avaliar se e como os Estados têm cumprido essas obrigações, os órgãos
internacionais de direitos humanos possuem ferramentas de monitoramento
chamadas mecanismos.

Os mecanismos são os meios pelos quais os órgãos realizam o


monitoramento da aplicação dos tratados pelos Estados.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 85


No que diz respeito ao direito à saúde, o cumprimento desse direito pelos Estados é
monitorado, no âmbito da ONU, por um órgão chamado Comitê sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Para realizar esse monitoramento, o Comitê usa
o mecanismo de Procedimentos Especiais.

O procedimento especial que monitora o direito à saúde se materializa por meio de


uma pessoa, que é o Relator Especial sobre o Direito à Saúde. É importante destacar
que os Estados têm a obrigação internacional de cooperar com os Procedimentos
Especiais.

O Relator Especial sobre o Direito à Saúde é um especialista independente que elabora


relatórios e orientações sobre o direito à saúde. Além disso, ele pode realizar visitas
aos Estados, contribuir para a produção de padrões internacionais relacionados
ao direito à saúde, atuar em casos singulares de violação de direitos humanos e
pode, ainda, enviar comunicações aos Estados em contextos de sistemática e ampla
violação do direito à saúde.

O Relatório do Relator Especial sobre o Direito à Saúde Dainius Pūras, publicado em


junho e julho de 2020, mencionou o Brasil. Em relação ao tema “modelos alternativos
de serviços de saúde mental como direitos humanos na prática: conceitos-chave e
princípios de apoio baseado em direitos”, o relator afirmou que:

Tais práticas alternativas com potencial transformador existem há décadas, com


muitos se mostrando eficazes. Eles assumem muitos formatos, desde o louvável
trabalho global da OMS com sua iniciativa Quality Rights para melhorar a qualidade
dos cuidados e serviços de saúde mental, passando por reformas de saúde
comunitária em nível de sistemas no Brasil e na Itália, e até inovações altamente
localizadas em diferentes configurações de recursos ao redor o mundo, como
Soteria House, Open Dialogue, centros de descanso entre pares desenvolvimento,
enfermarias livres de medicamentos, comunidades de recuperação e modelos de
desenvolvimento comunitário. Uma revolução silenciosa vem ocorrendo em bairros
e comunidades em todo o mundo. Na raiz dessas alternativas está um profundo
compromisso com os direitos humanos, a dignidade e as práticas não coercitivas,
que continuam sendo um desafio indescritível nos sistemas tradicionais de saúde
mental que dependem muito de um paradigma biomédico. (HUMAN RIGHTS
COUNCIL, 2020, p. 13, tradução nossa).

O Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elabora comentários


gerais, ou seja, estudos aprofundados sobre seus temas, que visam guiar os

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 86


Estados no cumprimento das disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.

Os Comentários Gerais relacionados ao direito à saúde são:

+ E/C.12/2000/4: Comentário Geral Nº 14 sobre o mais alto padrão de saúde


alcançável (2000)
Nesse Comentário, o Comitê discorreu sobre questões substanciais decorrentes
da implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais. O Comentário definiu o conteúdo normativo do artigo 12 do Pacto,
que trata do direito à saúde, detalhou as obrigações dos Estados e de outros
atores, mencionou as violações ao direito à saúde e estabeleceu diretrizes para
a implementação do direito em nível nacional.

+ Comentário Geral nº 22 (2016) sobre o Direito à Saúde Sexual e


Reprodutiva (artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais)

Considerando as graves violações do direito à saúde sexual e reprodutiva, o


Comitê decidiu por emitir um Comentário Geral em separado sobre o tema, já
que o Comentário Geral anterior, de 2000, havia abordado apenas em parte a
questão da saúde sexual e reprodutiva.

2.2. Direito à saúde mental


Começaremos definindo o que é direito à saúde mental.

No relatório de 2017 para a Assembleia Geral da ONU (A/HRC/35/21), o então


Relator Especial sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão Atingível de
Saúde Física e Mental, Dainius Pūras, afirmou que há evidências de que não pode
haver saúde sem saúde mental. Apesar disso, em nenhum lugar do mundo a saúde
mental tem paridade com a saúde física em termos de orçamento ou educação e
prática médica.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece,


no artigo 12, que a saúde mental é uma parte integral da saúde, e que, portanto,
a saúde mental é igualmente uma parte integral do direito à saúde.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 87


Nesse sentido, os Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental
e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde da ONU apresentam importantes
diretrizes a serem adotadas em prol do direito à saúde mental.

O parágrafo 1 desse documento afirma que “todas as pessoas têm direito aos
melhores cuidados de saúde mental disponíveis, que devem fazer parte do sistema
de saúde e assistência social” (GENERAL ASSEMBLY, 1991, tradução nossa).

Assim podemos identificar quatro características do direito à


saúde mental:

• Esse é um direito de todas as pessoas;

• Os cuidados de saúde mental a que os titulares fazem


jus devem ser os de maior qualidade dentre aqueles
disponíveis;

• Os cuidados de saúde mental devem fazer parte do


sistema de saúde e assistência social;

• Todas as pessoas têm direito aos cuidados de saúde


que forem oferecidos no sistema de saúde e assistência
social.

Perceba que os direitos à igualdade e a não discriminação, que se encontram


presentes no direito à saúde, também podem ser identificados no direito à saúde
mental, na medida em que esse é um direito de todas as pessoas. Sobre isso, o
relatório de 2019 do Relator Especial sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais
Alto Padrão Atingível de Saúde Física e Mental afirma que a discriminação por
qualquer motivo, dentro e fora do contexto da saúde mental, é tanto causa quanto
consequência de uma saúde mental precária.

Para que o direito à saúde mental seja atendido, deve haver cuidados e instalações
de apoio e bens e serviços disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade.

Conforme o parágrafo 1 dos Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno
Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde da ONU, que mencionamos
anteriormente, “todas as pessoas têm direito aos melhores cuidados de saúde
mental disponíveis” (GENERAL ASSEMBLY, 1991 - tradução nossa). Nesse sentido,
veja, no Quadro a seguir, o que o relatório A/HRC/35/21 de 2017 afirma sobre a
qualidade e a disponibilidade dos serviços de saúde mental:

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 88


Quadro 12 - Qualidade e disponibilidade dos serviços de saúde mental

Tema Conteúdo
Devem abranger um amplo pacote de serviços integrados e
coordenados de promoção, prevenção, tratamento, reabilitação,
Serviços de atenção e recuperação, incluindo serviços de saúde mental
saúde mental integrados aos cuidados de saúde primários e gerais. Os
adequados serviços devem apoiar os direitos das pessoas com deficiência
intelectual, cognitiva e psicossocial e com autismo a viver de
forma independente e serem incluídas na comunidade.
Requer o uso de práticas baseadas em evidências para
apoiar a prevenção, promoção, tratamento e recuperação.
A colaboração eficaz entre os diferentes prestadores de
Qualidade serviços e as pessoas que utilizam os serviços e suas famílias
dos serviços e parceiros de cuidados também promove a melhoria
da qualidade dos cuidados. O abuso de intervenções
biomédicas e o uso de coerção e internações forçadas
comprometem o direito à assistência de qualidade.
Os Estados devem repensar a forma como prestam assistência
e apoio à saúde mental, considerando os usuários como
Usuários como
titulares ativos de direitos. É necessário acabar com as
titulares ativos
práticas discriminatórias e priorizar a ampliação dos serviços
de direitos
psicossociais baseados na comunidade e a mobilização de
recursos sociais que possam apoiar todos ao longo de sua vida.

Fonte: Elaborado pela autora, com base em HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2017, p. 13-14.

A saúde mental, assim como a saúde de forma geral, possui
estreita relação com os direitos humanos: essa é uma relação
integral e interdependente.

A relação entre direitos humanos e saúde mental é fundamental para entendermos


a importância do acesso universal aos serviços de saúde mental. A violação dos
direitos humanos pode afetar negativamente a saúde mental das pessoas, causando
traumas, depressão, ansiedade, entre outros problemas. Por exemplo, em situações
de conflito armado, as pessoas podem ser submetidas a torturas e violências que
afetam diretamente sua saúde mental.

Da mesma forma, as práticas de tratamento coercitivo podem violar os direitos


humanos e prejudicar a saúde mental das pessoas. Por exemplo, quando as pessoas
são internadas em instituições psiquiátricas sem seu consentimento, isso pode
causar traumas e aumentar a estigmatização social.

Por outro lado, a convergência entre direitos humanos e determinantes da saúde é

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 89


crucial para promover a saúde mental. A pobreza, a desigualdade, a discriminação e a
violência são determinantes sociais que podem afetar negativamente a saúde mental
das pessoas. Por exemplo, a falta de acesso à educação e ao emprego pode levar ao
isolamento social e à exclusão, afetando negativamente a saúde mental das pessoas.

Assim, é essencial que os Estados invistam em políticas públicas que promovam a


igualdade social, a justiça e a garantia dos direitos humanos. A saúde mental é um
direito humano, e a promoção da saúde mental é essencial para garantir a dignidade
e a qualidade de vida das pessoas. Além disso, investir em saúde mental pode trazer
benefícios clínicos e econômicos para a sociedade, reduzindo o custo do tratamento
de transtornos mentais e melhorando a produtividade e o bem-estar dos indivíduos.

O direito ao mais alto padrão possível de saúde mental está protegido pelo Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Por estar previsto nesse
documento, o respeito a esse direito é obrigatório pelos Estados partes. Padrões legais
complementares são estabelecidos em outros instrumentos de direitos humanos,
como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção para
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção
sobre os Direitos da Criança. Ainda, os Estados partes têm a obrigação de respeitar,
proteger e cumprir o direito à saúde mental nas leis, nos regulamentos, nas políticas,
nas medidas orçamentárias, nos programas e em outras iniciativas nacionais.

Os Estados têm a obrigação tripartida de respeitar, proteger e cumprir o direito


à saúde mental. Veja, a seguir, como o Relator Especial sobre o Direito de Todos à
Fruição do Mais Alto Padrão Atingível de Saúde Física e Mental definiu cada tipo de
obrigação do Estado no Relatório de 2019.

Podcast 2 - Obrigações dos Estados quanto à saúde mental

No Brasil, a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, é o principal


instrumento legal de proteção aos direitos das pessoas com
transtorno mental. Assim, o respeito aos seus direitos pode
consolidar a efetivação do direito à saúde mental.

Acesse o texto da lei pelo link: http://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm

Podemos perceber que o direito à saúde e o direito à saúde mental são direitos
humanos, sendo o segundo parte importante do primeiro. Afinal, aprendemos

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 90


que não há saúde sem saúde mental. Esses direitos não consistem somente no
alcance do bem-estar físico ou mental, mas também envolvem os principais fatores
determinantes da saúde, como discriminação, violência, acesso à água potável e
condições sadias de trabalho e meio ambiente. Para que se possa alcançar os direitos
à saúde e à saúde mental, é necessário que os bens, os serviços e as instalações
relacionados a eles sejam disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de qualidade.

Os Estados possuem, com relação aos direitos à saúde e à saúde mental, três
tipos de obrigações: de respeitar, de proteger e de cumprir esses direitos. Para
monitorar o comportamento dos Estados com relação ao direito à saúde, a ONU
usa o mecanismo de Procedimentos Especiais do Comitê sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Esse mecanismo se materializa na figura de uma
pessoa, a Relatora sobre o Direito de Todos à Fruição do Mais Alto Padrão de
Saúde Física e Mental.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 91


3. Direitos humanos aplicados às pessoas sob
cuidados em saúde
Os direitos humanos são aplicáveis de diversas formas à esfera dos cuidados em
saúde. Entre esses direitos, destacam-se direito à privacidade, o direito de não
ser discriminado, o direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento
cruel, desumano ou degradante e o direito à liberdade.

A seguir, vamos apresentar o conteúdo geral desses direitos de acordo com


a jurisprudência internacional e com a literatura produzida por especialistas.
Abordaremos também as definições, as obrigações decorrentes desses direitos e
sua conexão com o tema dos cuidados em saúde.

Ademais, você verá a aplicação desses direitos em uma ou mais temáticas relevantes
na atualidade e, ao final de cada tópico, uma tabela contendo direitos da pessoa sob
cuidados em saúde decorrentes do direito humano que foi analisado.

3.1. Direito à privacidade


O direito ao respeito da vida privada envolve questões relativas à privacidade da
pessoa sob cuidados em saúde e a confidencialidade de seus dados pessoais,
sendo largamente aplicado na esfera dos cuidados em saúde. Como consequência
do direito ao respeito da vida privada, o Estado tem o dever de proteger a pessoa
sob cuidados em saúde de interferências de profissionais de saúde e provedores
públicos ou privados de saúde.

Assim, o Estado deve adotar medidas legislativas e outras para


concretizar a proibição contra essas interferências, garantindo a
proteção da vida privada da pessoa sob cuidados em saúde.

O direito ao respeito da vida privada designa que a pessoa sob cuidados em saúde
tem o direito de conduzir a sua própria vida sem interferência:
• Em seu corpo;
• Em suas escolhas pessoais;

Salvo em situações excepcionais e definidas pela lei.

O direito à vida privada é um direito relativo, ou seja, ele pode ser restringido
(diferentemente do direito de não ser submetido à tortura ou a tratamento desumano
ou degradante, que é um direito absoluto e, por isso, não pode ser restringido).
Para que o direito à vida privada seja restringido, é necessário que alguns critérios
estejam presentes:

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1. Quando houver uma lei que preveja a restrição
2. Quando essa limitação tiver fundamento legítimo sob o ponto de vista
do direito Internacional dos Direitos Humanos
3. Quando a interferência no direito for proporcional

De acordo com a Convenção Europeia, o direito à privacidade envolve:

• A confidencialidade dos dados de saúde


• O direito de recusar cuidados em saúde

Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o direito à vida privada é amplo


e, portanto, não pode ter a sua abrangência definida de forma rígida. Ele inclui, entre
outras áreas protegidas, o direito de estabelecer e desenvolver relações com outros
seres humanos e de definir a maneira com que o indivíduo percebe a si mesmo.

Um exemplo de jurisprudência internacional da aplicação do direito à vida privada


na esfera da saúde mental é o caso X e Y v. Países Baixos, julgado pela Corte Europeia
de Direitos Humanos em 1985. Nesse caso, a Corte considerou que a internação
involuntária em um hospital psiquiátrico sem o consentimento da pessoa viola o
direito à privacidade.

Os requerentes, um casal, foram internados involuntariamente em um hospital


psiquiátrico pelos serviços de saúde mental dos Países Baixos. Eles alegaram que
essa internação foi ilegal e violou seus direitos à liberdade e à privacidade. A Corte
concordou com os requerentes e afirmou que a internação involuntária constitui
uma interferência na vida privada e familiar, devendo ser justificada de acordo com
os princípios do artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

A Corte considerou que a internação involuntária só poderia ser justificada se fosse


feita de acordo com a lei, se fosse necessária para a proteção da saúde física ou
mental do paciente e se fosse realizada de acordo com procedimentos adequados
e com a supervisão de um juiz independente. Além disso, a Corte destacou a
importância do consentimento informado e da participação ativa do paciente na
tomada de decisões sobre seu tratamento.

Esse caso é um exemplo importante da aplicação do direito à vida privada na esfera


da saúde mental e reforça a necessidade de garantir a proteção dos direitos das
pessoas com transtornos mentais.

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Quadro 13 - Direito de recusar cuidados em saúde

Direito de recusar cuidados em saúde


1. Direito de não realizar exames, testes e
outros procedimentos terapêuticos.
2. Direito de buscar outra opinião médica.
3. Direito de ter tempo suficiente para tomar
decisões, salvo em situações de emergência.
4. Direito de ter suas diretivas antecipadas
respeitadas pela família e pelos médicos.

Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 130.

3.1.1. Participação de estudantes de Medicina em tratamentos e


procedimentos médicos da pessoa sob cuidados em saúde

A pessoa sob cuidados em saúde tem o direito de negar a presença de pessoas


estranhas ao seu tratamento em seus exames físicos e em outros procedimentos
médicos.

No âmbito dos casos clínicos, é preciso seguir as seguintes condutas:

• Preservar a identificação da pessoa sob cuidados em saúde, salvo nas


hipóteses em que esta consentir com a sua divulgação final.
• Quando a discussão do caso clínico revelar a identidade da pessoa sob
cuidados em saúde em razão de sua particularidade, o consentimento
daquela deve ser dado para que o profissional de saúde possa divulgar
o caso.
• O direito ao respeito da vida privada da pessoa sob cuidados em saúde
envolve qualquer informação relativa à sua identidade pessoal e à sua
imagem, como nome, fotografia, identidade física, e se estende a
qualquer informação que se possa legitimamente esperar que não seja
exposta ao público sem o consentimento da pessoa a quem se refere.

Assim, os profissionais de saúde devem se preocupar em não


identificar a pessoa sob cuidados em saúde quando tornarem
público o caso clínico, para evitar a ofensa à sua privacidade.

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Quadro 14 - Direito da pessoa sob cuidados em saúde hospitalizada de ter sua vida
privada respeitada

Direito da pessoa sob cuidados em saúde hospitalizada


de ter sua vida privada respeitada
1. Direito de não ter estudantes e outros profissionais
de saúde presentes quando for examinado.
2. Direito de ser examinado em lugar privado, salvo em
situações de emergência ou de cuidados intensivos.
3. Direito de recusar qualquer visita.
4. Direito de ser informado em momento adequado
acerca da presença de estudantes de Medicina
em seu tratamento ou procedimento.

Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 132.

3.1.2. Confidencialidade das informações relacionadas à saúde da


pessoa sob cuidados em saúde

As informações sobre as condições de saúde de uma pessoa são confidenciais em


razão da própria natureza da informação. Essa confidencialidade também permeia
a relação médico-pessoa sob cuidados em saúde.

Confidencialidade quer dizer manter protegida toda informação


a respeito da pessoa sob cuidados em saúde e não a divulgar para
terceiros sem que esta consinta. Assim, o direito ao respeito da
vida privada confere à pessoa sob cuidados em saúde o controle de
qualquer dado sobre sua condição de saúde. Nenhuma condição
sobre a pessoa sob cuidados em saúde, inclusive sua condição de
pessoa sob cuidados em saúde, resultados de exames, história
de vida ou histórico clínico, podem ser revelados sem o seu
consentimento.

A quebra da confidencialidade pode ser considerada violação de direitos humanos,


afinal o acesso à informação sobre a pessoa sob cuidados em saúde precisa ser
controlado pelo profissional responsável pela sua guarda. Em geral, o acesso aos
dados só deve ser permitido àqueles profissionais que estiverem diretamente
envolvidos nos cuidados de saúde e no pagamento de seu tratamento, exames
e outros procedimentos médicos. Outras pessoas que não estejam legalmente
autorizadas precisam requerer anuência específica, incluindo familiares, já que

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 95


as informações sobre o estado de saúde ou qualquer outra informação de cunho
pessoal só podem ser reveladas aos familiares caso haja o consentimento da pessoa
sob cuidados em saúde.

Para a Corte Europeia, o respeito à confidencialidade da informação de saúde é


essencial também por preservar a confiança nos profissionais e nos serviços de
saúde em geral. O respeito à privacidade da pessoa sob cuidados em saúde e a
confidencialidade de seus dados impactam a relação e a condução do tratamento,
já que a falta de confiança no profissional de Medicina pode desmoralizar a prática
médica e afetar as políticas e os programas de saúde pública.

Assim, de acordo com a jurisprudência internacional, os requisitos que precisam ser


atendidos para que se possa revelar as informações sobre a saúde de determinada
pessoa sob cuidados em saúde são:

a) Lei
b) Necessidade de prevenção da ocorrência de crime, a proteção da saúde
ou da moral ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros,
entre outros
c) Proporcionalidade da medida

Quadro 15 - Direito de respeito à confidencialidade das informações relacionadas


à saúde

Direito de respeito à confidencialidade das


informações relacionadas à saúde

1. Direito de ter seus dados e registros devidamente manuseados


e arquivados de modo a preservar sua confidencialidade.

2. Direito de consentir ou não com a revelação de informações


relacionadas à saúde para terceiros não autorizados,
incluindo familiares, salvo as exceções consentâneas com as
normas legais e consentâneas com os direitos humanos.

3. Direito de ser ouvido previamente em procedimento


que vise à quebra da confidencialidade das
informações relacionadas à saúde.

Fonte: ALBUQUERQUE. 2016, p. 137.

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3.1.3. Consentimento informado da pessoa sob cuidados em saúde
no âmbito dos cuidados em saúde
O consentimento informado é um aspecto fundamental do direito à saúde. Ele
consiste em uma decisão voluntária e suficientemente informada, que deve
promover a autonomia, a autodeterminação, a integridade física e o bem-estar da
pessoa sob cuidados em saúde, e se abre para duas dimensões:

1. Dimensão geradora do direito da pessoa sob cuidados em saúde de


participar da adoção de decisões
2. Dimensão ensejadora de obrigações aos provedores dos serviços de
saúde

A informação transmitida à pessoa sob cuidados em saúde precisa abranger os


benefícios associados ao procedimento, os riscos e as alternativas existentes, e deve
ser acessível e adequada às circunstâncias em que a pessoa sob cuidados em saúde
se encontra. Além disso, o consentimento informado deve ser obtido sem coerção
e influência indevida.

As informações sobre questões de saúde precisam ser acessíveis, de acordo com


as necessidades de comunicação de cada pessoa, incluindo suas particularidades
culturais e físicas. A divulgação de informações deve considerar os diferentes níveis
de compreensão e, dessa forma, a informação não deve ser demasiadamente
técnica e complexa.

O consentimento informado se conecta com outros direitos humanos:

• O direito a não discriminação


• A liberdade de pensamento e de expressão
• O reconhecimento diante da lei

Assim, os profissionais e provedores precisam estar conscientes dos níveis de


desigualdade relacionados ao conhecimento técnico detido por eles e pelas pessoas
sob cuidados em saúde.

3.2. Direito de não ser discriminado


Entre os elementos do direito à saúde, encontramos a acessibilidade. Nesse sentido,
é importante destacar que a não discriminação é uma dimensão da assessibilidade,
daí a sua importância na esfera dos cuidados em saúde.

Todos têm direito de acesso a bens e serviços de saúde sobre


bases não discriminatórias.

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Cabe aos Estados adotar medidas em prol da igualdade para impedir a discriminação
vedada pelas normas de direitos humanos. Essas medidas podem conferir, durante
certo tempo, a determinados grupos, o trato preferencial em questões concretas
para corrigir a discriminação. Nesse aspecto, é importante compreender que nem
toda diferenciação de trato constitui discriminação:

[...] se os critérios para tanto, são razoáveis, objetivos


e se pretende-se com eles alcançar uma finalidade
legítima perante as normas de direitos humanos. A
Corte Europeia de direitos humanos, similarmente,
assentou que a proibição da discriminação não
impede qualquer diferença de tratamento baseada
em características ou status pessoais, pois a
diferença de tratamento pode ser justificada, ou seja,
apresentar objetivo legítimo e proporcionalidade
quanto aos meios empregados e o alvo que se almeja.
(ALBUQUERQUE, 2016, p. 165)

Assim, existe uma margem de discricionariedade para se estabelecer distinções entre


pessoas. Porém, quando a distinção envolve grupos historicamente vulneráveis,
essa margem se mostra mais restrita e os Estados devem fundamentar solidamente
o tratamento diferenciado. A avaliação da distinção será feita caso a caso.

O direito da pessoa sob cuidados em saúde de não ser discriminada


quer dizer que, em situações similares, esta não deve ser tratada
distintamente, a não ser que o trato diferenciado se justifique
pelas exceções citadas anteriormente.

Um exemplo de jurisprudência internacional da aplicação do direito de não ser


discriminado na esfera da saúde mental é o caso Stanev vs. Bulgária, julgado pela
Corte Europeia de Direitos Humanos em 2012.

Nesse caso, o Sr. Stanev, que sofria de esquizofrenia e outras doenças mentais,
foi mantido em instituições psiquiátricas pelo governo da Bulgária por mais de dez
anos, sem nenhuma perspectiva de ser libertado. Ele argumentou que sua detenção
prolongada e a falta de medidas alternativas violavam seus direitos à liberdade e a
não discriminação.

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A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que a detenção prolongada de
Stanev em instituições psiquiátricas sem nenhuma perspectiva de libertação violou
seus direitos à liberdade e a não discriminação. A Corte também destacou que as
autoridades búlgaras não haviam fornecido a Stanev uma avaliação e um tratamento
adequados às suas condições de saúde mental, o que também representava uma
forma de discriminação.

Portanto, o caso Stanev vs. Bulgária é um exemplo de jurisprudência internacional


que destaca a importância do direito a não discriminação na esfera da saúde mental
e a necessidade de tratamento e avaliação adequados às as pessoas com transtornos
mentais.

Quadro 16 – Direito de não ser discriminado

Direito de não ser discriminado

1. Direito de não ser tratado com distinção, exclusão, restrição


ou preferência baseadas em raça, orientação sexual, religião,
deficiência, identidade de gênero, origem nacional ou
étnica, renda, de modo que provoque restrições em seus
direitos humanos na esfera dos cuidados em saúde.

2. Direito de não ser tratado com distinção, exclusão, restrição


ou preferência nos serviços de saúde em razão de sua
enfermidade ou deficiência, de modo que provoque restrições
em seus direitos humanos na esfera dos cuidados em saúde.

3. Direito de ser chamado pelo nome de sua preferência.

4. Direito de ter suas especificidades consideradas quando fizer


parte de grupos vulneráveis, como mulheres, pessoas idosas,
pessoas com deficiência, crianças e povos indígenas.

Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 169.

3.3. Direito de não ser submetido à tortura, nem a


tratamento cruel, desumano ou degradante
O direito de não ser submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis
desumanos ou degradantes é um direito absoluto da pessoa sob cuidados em
saúde. Isso significa que esse direito não pode ser derrogado ou restringido em
nenhuma situação.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 99


Esse direito impõe ao Estado o dever de proteger as pessoas sob cuidados em
saúde de atos dessa natureza praticados por profissionais ou provedores de saúde,
públicos ou privados, o que deve ser feito por meio de medidas legislativas, entre
outras. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da ONU, os profissionais de
saúde devem receber formação e instrução adequadas sobre a proibição da tortura
e de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, segundo os padrões
de direitos humanos.

Ainda nesse sentido, a Corte Interamericana afirmou, na sentença do Caso Ximenes


Lopes vs. Brasil, que:

Nos ambientes institucionais em hospitais públicos ou


privados, o pessoal médico encarregado do cuidado da
pessoa sob cuidados em saúde exerce forte controle
ou domínio sobre as pessoas que se encontram
sujeitas à sua custódia. Este desequilíbrio intrínseco
de poder entre uma pessoa internada e as pessoas
que detêm a autoridade se multiplica muitas vezes nas
instituições psiquiátricas. A tortura e outras formas de
tratamento cruel, desumano ou degradante, quando
infringidas a essas pessoas, afetam sua integridade
psíquica, física e moral, supõem uma afronta a sua
dignidade e restringem gravemente sua autonomia,
o que poderia ter como consequência o agravamento
da doença. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, apud Albuquerque, 2016, p. 108)

A tortura é definida com base na intenção específica de quem a pratica:

• Obter da vítima ou de uma terceira pessoa informações ou confissões


• Castigar, intimidar ou coagir a vítima ou outras pessoas

O tratamento considerado desumano é aquele que causa intenso sofrimento


físico ou psíquico, e o tratamento degradante provoca na vítima sentimentos de
medo, angústia e humilhação ou retira-lhe a possibilidade de resistir moral ou
fisicamente a uma situação adversa.

No caso dos cuidados em saúde, a classificação de um tratamento como desumano


ou degradante depende de alguns fatores:

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 100


a) Natureza, gravidade e duração do tratamento;
b) Se o tratamento afeta a vítima, física e mentalmente;
c) Idade, sexo e estado de saúde da pessoa com transtorno mental.

Também pode-se dizer que há tratamento desumano quando ocorre uma falha em
prover cuidados em saúde, por meio da negativa desses cuidados ou da demora
em fazê-lo, ou na sua supressão, quando a pessoa sob cuidados em saúde vem
recebendo determinado tratamento e este é interrompido.

O tratamento degradante pode também ser caracterizado


quando uma pessoa sob cuidados em saúde é internada em um
hospital e medicada de forma ultrajante, ou seja, sem respeito
às suas decisões, à sua higiene pessoal e ao seu direito de visita,
situação que não é incomum em hospitais psiquiátricos.

Sobre isso, vejamos o que diz a Corte Europeia de Direitos Humanos em um caso
concreto.

+ Caso Herczegfalvy vs. Áustria (Sistema Europeu)

[A Corte] entendeu que a pessoa com transtorno mental poderia


ser forçada a receber cuidados em saúde, incluindo o emprego
de contenção física, se presente a necessidade terapêutica, não
se caracterizando a violação do direito de não ser submetido a
tratamento desumano ou degradante. Importante ressaltar que a
necessidade terapêutica deve estar fartamente provada, as condições
do procedimento médico não devem ser degradantes ou desumanas,
bem como a intervenção médica não pode se fundamentar apenas
em atitude paternalista do médico, ou seja, que desconsidere os
direitos do paciente sob cuidados em saúde mesmo acreditando
que lhe está fazendo o bem. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 109)

Como dito anteriormente, o direito de não ser torturado ou submetido a pena ou


tratamento desumano ou degradante é absoluto, o que significa que os Estados
devem agir no sentido de implantar políticas, programas e legislações que evitem
a prática dessas condutas por profissionais de saúde. A submissão de uma pessoa
indefesa, que é a situação da pessoa sob cuidados em saúde, a esse tipo de
condição, tem efeitos arrasadores na vida da pessoa sob cuidados em saúde e de
seus familiares. Por isso, é importante frisar que:

• A escassez de recursos humanos e financeiros não justifica qualquer


tratamento desumano ou degradante;

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 101


• Os Estados têm a obrigação de destinar recursos suficientes para
satisfazer as necessidades básicas das pessoas sob cuidados em saúde;
• É dever do Estado proteger as pessoas sob cuidados em saúde contra o
sofrimento causado pela falta de alimentos, roupas, recursos humanos,
higiene e outras condições desumanas ou degradantes.
Vamos ver, no vídeo a seguir, como se deu a violação do direito de não ser submetido
à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante no caso Ximenes Lopes
vs. Brasil.

Vídeo 3 - Identificando a violação ao direito de não ser submetido


à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes
no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil

Além do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, um exemplo de jurisprudência internacional


da aplicação do direito de não ser submetido à tortura na esfera da saúde mental
é o caso Aggerholm vs. Dinamarca, julgado perante a Corte Europeia de Direitos
Humanos em 2020.

Nesse caso, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o direito do


demandante de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante foi
violado. Niels Lund Aggerholm, pessoa com transtorno psiquiátrico (esquizofrenia),
foi condenado em 2005 a ser internado em um hospital psiquiátrico após ter
cometido cinco episódios de violência contra funcionários públicos.

Durante sua internação, Aggerholm ficou amarrado a uma cama de contenção


em um hospital psiquiátrico por quase 23 horas, um dos períodos mais longos
de imobilização já examinados pelo Tribunal Europeu. O tribunal considerou que
a contenção física prolongada do demandante foi desnecessária e não justificada,
apesar do histórico de violência contra os funcionários.

Embora o tribunal reconhecesse a necessidade de restringir o paciente para evitar


danos imediatos à equipe e aos pacientes, criticou a equipe médica e os tribunais
domésticos por não abordarem a continuidade e a duração da medida de contenção
física. Essa medida foi considerada uma violação do artigo 3 da Convenção Europeia
dos Direitos Humanos, que proíbe tortura e tratamento desumano ou degradante.

A decisão destaca a importância de garantir que as restrições físicas sejam usadas


apenas quando estritamente necessárias e que sua duração e continuidade sejam
cuidadosamente monitoradas, para garantir que não haja violação dos direitos
humanos dos pacientes.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 102


Quadro 17 – Direito de Pessoas com transtorno mental

Direito de Pessoas com transtorno mental


1. Direito a cuidados em saúde individualizados que
considerem os bens particulares da pessoa sob cuidados
em saúde, como crenças, valores e cultura.
2. Direito a tratamentos menos restritivos o possível e
menos alteradores de sua capacidade mental.
3. Direito a ser submetido a qualquer terapia apenas
após seu consentimento informado.
4. Direito a receber cuidados em saúde mental em locais
salubres e de ter sua higiene pessoal assegurada.

Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 115.

3.4. Direito à liberdade


O direito à liberdade se refere à restrição física, não abarcando uma liberdade
geral de ação. Esse direito engloba todas as formas de privação de liberdade, o que
envolve a severa restrição de mobilidade dentro de um espaço restrito.

Para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, a hospitalização


involuntária é uma das hipóteses de restrição da liberdade
individual.

O Estado tem a obrigação de garantir que nenhuma pessoa seja privada de


sua liberdade, exceto nas hipóteses legais, conforme padrões substantivos e
procedimentais que assegurem os direitos humanos. Assim, quando a lei nacional
concede a pessoas ou a entidades privadas a autorização para a restrição da
liberdade individual, o Estado permanece sendo responsável por assegurar que
esse procedimento se dê em conformidade com as normas de direitos humanos.

Sobre isso, é importante destacar que o direito à liberdade não


é um direito absoluto, o que quer dizer que, atendidos alguns
critérios, esse direito pode ser restringido, diferentemente do
direito de não ser submetido à tortura ou a tratamento cruel,
desumano ou degradante, que é absoluto.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 103


Os critérios para que o Estado possa restringir a liberdade de alguém são:

• a medida restritiva de liberdade deve estar prevista na lei; e


• nessa previsão deve constar a adequada proteção contra a interferência
arbitrária ou ilegal.

A detenção arbitrária é aquela desproporcional, não razoável ou desnecessária em


relação ao seu objetivo. Na esfera dos cuidados em saúde da pessoa sob cuidados
em saúde, o direito à liberdade se aplica principalmente com relação à restrição de
liberdade de pessoa sob cuidados em saúde mental.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU pede que os Estados revejam suas legislações
sobre saúde mental para evitar detenções arbitrárias. Para o Comitê, a privação
de liberdade é, em si, um ato gravoso e, por esse motivo, medidas alternativas que
sejam menos restritivas devem ser implementadas mediante políticas e programas
estatais de forma permanente.

A presença de transtorno mental ou deficiência intelectual não


justifica, por si só, a adoção de medidas de privação de liberdade.
A adoção dessas medidas precisa:

• Ser necessária

• Ser proporcional

• Ter o propósito de proteger a pessoa sob cuidados em


saúde de sério dano ou de impedir dano a outros

Na esfera dos cuidados em saúde, o direito à liberdade normalmente é mencionado


nas situações de admissão e retenção involuntárias de pessoas com transtorno
mental, de quarentena e outras formas de restrição da liberdade individual.

A temática da admissão e retenção involuntária também pode dizer respeito à


pessoa sob cuidados em saúde com deficiência intelectual. A institucionalização
dessas pessoas também as afeta tanto quanto as pessoas sob cuidados em saúde
com transtornos mentais.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


demanda dos Estados que exijam de seus profissionais de saúde que obtenham o
consentimento livre e esclarecido das pessoas com deficiência. Assim, a Convenção
dispõe que os Estados devem realizar atividades de formação e definir regras éticas
para os setores de saúde pública e privada, com o objetivo de conscientizar os
profissionais de saúde sobre os direitos humanos, a dignidade, a autonomia e as
necessidades das pessoas com deficiência.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 104


Sobre isso, é importante destacar que a admissão e a retenção
involuntárias se caracterizam como restrições de direitos
humanos da pessoa sob cuidados em saúde e, por esse motivo,
devem ser adotadas com muita cautela pelos profissionais de
saúde e pelas autoridades estatais. Todos os esforços devem ser
empreendidos pelos profissionais e pelas autoridades estatais
para evitar o emprego dessas medidas.

Os princípios para a proteção das pessoas com transtorno mental e a melhoria da


atenção à saúde mental estabelecem que a admissão e a retenção involuntárias
devem seguir diversos requisitos legais, por exemplo a presença de um documento
subscrito por médico qualificado e legalmente autorizado que afirme que:

a) A pessoa sob cuidados em saúde padece de transtorno mental;


b) Em razão do transtorno mental, há sério risco de dano imediato ou
iminente à pessoa sob cuidados em saúde ou a terceiros;
c) No caso de pessoa cujo transtorno mental seja grave e sua capacidade
de julgamento esteja afetada, deixar de admiti-la ou retê-la provavelmente
levará a uma séria deterioração de sua condição, ou impedirá a oferta de
tratamento adequado, o qual somente será possível por meio da
admissão em estabelecimento de saúde mental de acordo com o
princípio da alternativa menos restritiva. Nesse caso, deve ser consultado,
sempre que possível, um segundo profissional que seja independente
do primeiro. Quando a consulta ocorrer, a admissão e a retenção
involuntárias não poderão ser efetivadas, a menos que o segundo
profissional concorde com a medida.

Ainda, é importante ressaltar que a pessoa sob cuidados em saúde tem o direito de
ser internada em unidade de saúde apropriada. Se isso não ocorrer, o objetivo da
sua admissão ou retenção involuntária não será cumprido, o que atinge a legalidade
da medida restritiva de liberdade do paciente.

Vejamos, a seguir, um exemplo.

+ Caso H.L. vs. Reino Unido (Sistema Europeu):


No caso H.L. vs. Reino Unido, da Corte Europeia sob cuidados em saúde
autista sem possibilidade de se comunicar oralmente e com um certo
nível de deficiência intelectual foi transferido para hospital psiquiátrico
como um “informal”. A transferência se deu pelo fato de se automutilar,
segundo alega o Estado. A corte entendeu que o direito à liberdade do
requerente foi violado depois, em razão da ausência de previsão legislativa
para o caso específico dos profissionais de saúde exerceram o completo
controle sobre vulnerável e incapaz fundamentados apenas em sua

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própria avaliação médica. De acordo com a corte a falta de salvaguardas
legais conduziu a falha na proteção contra a privação de sua liberdade
com base na necessidade médica. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 149)

Quadro 18 – Direito de não ter a liberdade restringida arbitrariamente.

Direito de não ter a liberdade restringida arbitrariamente


1. Direito de ser informado acerca da natureza do tratamento e de
todas as alternativas possíveis e de ser envolvido tanto quanto
seja possível no desenvolvimento do plano de tratamento.
2. Direito de ser sempre submetido à alternativa menos restritiva.
3. Direito de ser internado em unidade de saúde
apropriada para a sua condição de saúde, nas hipóteses
aceitas pelas normas de direitos humanos.
4. Direito de ter sua admissão ou retenção involuntárias
revistas por um corpo de revisão independente e
imparcial e que conte com assistência de profissionais
de saúde mental, qualificados e independentes.
5. Direito de ter sua admissão ou retenção involuntária determinada
por um período curto, para observação e tratamento preliminar.

Fonte: ALBUQUERQUE, 2016, p. 151.

Assim, percebe-se que a proteção do direito à liberdade de pessoas com transtorno


mental e de pessoas com deficiência intelectual permanece um desafio. Por um
lado, deve-se reconhecer que, em algumas situações, a admissão e a retenção
involuntárias se fazem necessárias. Por outro lado, a jurisprudência internacional
demonstra que ainda há falhas nas legislações dos Estados em assegurar os
procedimentos que formalizam as medidas de garantia dos direitos humanos.

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3.5. Conclusão
Conforme vimos anteriormente, a jurisprudência internacional vem aplicando
dispositivos de direitos humanos para proteger a pessoa sob cuidados em saúde.
Para detalhar essa aplicação, de cada direito humano apresentado foram extraídos
outros direitos mais específicos, que podem ser aplicados na esfera dos cuidados
em saúde.

Embora o foco da obrigação recaia sobre autoridades estatais, os profissionais


de saúde possuem papel fundamental na materialização dos direitos humanos
aplicados aos cuidados em saúde. Afinal, são estes que convivem diariamente com
a pessoa sob cuidados em saúde e, portanto, cabe a eles, em última instância, a
observância concreta dos direitos humanos dessas pessoas. Por fim, é importante
lembrar que os profissionais de saúde também são titulares de direitos humanos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 107


Módulo

3 Direitos humanos aplicados às


pessoas sob cuidados em saúde
Olá, estudante!

Neste módulo, abordaremos os Princípios para a Proteção das Pessoas com


Transtorno Mental e para o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU.
Em seguida, observaremos os desdobramentos da tortura, tratamento desumano e
degradante no contexto da saúde mental, e os principais dispositivos da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no que diz respeito à saúde mental.
Por fim, conheceremos os chamados Quality Rights.

Identificar a aplicação dos direitos humanos no contexto da


saúde mental.

1. Direitos humanos no contexto da saúde


mental
A relação entre os direitos humanos e a saúde pode ser explicada de três formas:

Figura 28 - Direitos Humanos e Saúde

Fonte: Elaborada pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 108


Conforme demonstrado na Figura 28, percebemos que os direitos humanos possuem
grande influência sobre a saúde e, por consequência, sobre os cuidados em saúde.
No que diz respeito à saúde mental, sabemos que esta é um campo fundamental da
saúde e que, por conseguinte, o direito à saúde mental é um componente essencial
do direito à saúde. Vamos, agora, identificar a aplicação dos direitos humanos no
contexto da saúde mental.

1.1. Princípios para a Proteção das Pessoas com


Transtorno Mental e para o Melhoramento dos
Cuidados em Saúde Mental da ONU
O documento “Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para
o Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU”, adotado pela Assembleia
Geral da ONU em 1991, é um instrumento internacional que tem o objetivo específico
de proteger as pessoas com transtornos mentais que se encontram sob cuidados
em saúde.

Os Princípios se aplicam a todas as pessoas com transtornos mentais sob cuidados


em saúde, sem discriminação de qualquer tipo, como por motivos de deficiência,
raça, cor, sexo, língua e outros fatores.

No âmbito dos Princípios, os cuidados em saúde mental incluem a análise e o


diagnóstico da condição mental de uma pessoa, o tratamento, o cuidado e a
reabilitação para uma doença mental ou suspeita de doença mental. O documento
também define os conceitos de “estabelecimento de saúde mental”, “profissional de
saúde mental” e “paciente”.

Para os Princípios, “estabelecimento de saúde mental” é qualquer estabelecimento,


ou unidade de um estabelecimento, que tenha como função principal a prestação
de cuidados de saúde mental. “Profissional de saúde mental” é o médico, psicólogo
clínico, enfermeiro, assistente social ou outra pessoa adequadamente treinada
e qualificada com habilidades específicas relevantes para os cuidados de saúde
mental. Por fim, “paciente” é quem recebe cuidados de saúde mental, o que inclui
todas as pessoas que estão internadas em estabelecimentos de saúde mental.

É importante ressaltar que os direitos estabelecidos nesses


Princípios somente podem ser limitados por determinações
prescritas por lei e que sejam necessárias para proteger a saúde
ou a segurança da pessoa em questão ou de terceiros, ou para
proteger a segurança, ordem, saúde ou moral, ou os direitos e
liberdades fundamentais de outras pessoas.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 109


Liberdades Fundamentais e Direitos Fundamentais
Os Princípios para a Proteção das Pessoas com Transtorno Mental e para o
Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU protegem uma série de
liberdades e direitos fundamentais (Princípio 1). De acordo com o documento, todas
as pessoas têm direito aos melhores cuidados de saúde mental disponíveis, que
devem fazer parte do sistema de saúde e assistência social. Além disso, todas as
pessoas com transtorno mental, ou que sejam tratadas como tal, devem ser tratadas
com humanidade e respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. Ainda, todas
têm direito a ser protegidas contra:

• Exploração econômica, sexual e outras formas de exploração


• Abuso físico e outros tipos de abuso
• Tratamento degradante

No que diz respeito à discriminação com base em transtorno mental, os Princípios


definem o termo discriminação como:

[...] qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou
prejudicar o gozo igualitário de direitos. Medidas especiais exclusivamente para
proteger os direitos ou garantir o progresso de pessoas com doença mental não
devem ser consideradas discriminatórias. A discriminação não inclui qualquer
distinção, exclusão ou preferência realizada de acordo com as disposições destes
Princípios e necessária para proteger os direitos humanos de uma pessoa com
doença mental ou de outros indivíduos. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991,
Princípio 1.4, tradução nossa)

É garantido, ainda, a toda pessoa com transtorno mental, o direito de exercer todos
os direitos civis políticos, econômicos, sociais e culturais reconhecidos nos seguintes
documentos, bem como em outros instrumentos relevantes (Princípio 1.5):

• Declaração Universal dos Direitos Humanos;


• Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;
• Declaração sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; e
• Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer
Forma de Detenção ou Prisão.

Quando um tribunal competente considerar que uma pessoa com doença mental é
incapaz de administrar seus próprios assuntos, medidas serão tomadas, na medida
do necessário e apropriado à condição dessa pessoa, para garantir a sua proteção
ou o seu interesse (Princípio 1.7).

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Ainda, deve ser respeitado o direito à confidencialidade da informação relativa a
todas as pessoas a quem se aplicam esses Princípios (Princípio 6).

Os Princípios da ONU afirmam a importância da vida em comunidade para o


desenvolvimento dos cuidados em saúde mental. Sobre isso, o documento defende
que toda pessoa com transtorno mental deve ter o direito de viver, trabalhar na
comunidade (Princípio 3), bem como de receber tratamento e cuidado na comunidade
em que vive (Princípio 7.1). Essas disposições serão aplicáveis na medida do possível.
Ademais, os Princípios definem que:

2. Quando o tratamento for realizado em um estabelecimento de saúde mental, o


paciente terá o direito, sempre que possível, de ser tratado perto de seus parentes
ou amigos e terá o direito de retornar à comunidade o mais rápido possível.

3. Todo paciente tem direito a um tratamento adequado à sua origem cultural.


(ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípios 7.2 e 7.3, tradução nossa)

A determinação de que uma pessoa tem um transtorno mental precisa ser feita
de acordo com os padrões de saúde internacionalmente aceitos (Princípio 4). Isso
quer dizer que jamais se pode determinar um transtorno mental com base em
status político, econômico ou social, ou em pertencimento a grupo cultural racial
ou religioso, ou em qualquer outra razão que não seja diretamente relevante para
o estado de saúde mental da pessoa. Nesse sentido, nunca serão determinantes no
diagnóstico de transtorno mental de uma pessoa:

• Conflitos familiares ou profissionais


• Inconformidade com os valores morais, sociais, culturais ou políticos
• Crenças religiosas vigentes na comunidade

Além disso, o histórico de tratamento ou hospitalização anterior


na condição de paciente não deve vir por si só a justificar qualquer
determinação presente ou futura de transtorno mental.

Nenhuma pessoa ou autoridade deve classificar uma pessoa como tendo transtorno
mental, ou de qualquer outra forma indicar que uma pessoa tem um transtorno
mental, exceto para fins relacionados diretamente ao transtorno mental ou às
consequências do transtorno mental. Ainda nesse sentido, os Princípios afirmam que
nenhuma pessoa será obrigada a submeter-se a exame de saúde com o objetivo de
determinar se tem ou não um transtorno mental. A obrigatoriedade só pode ocorrer
se houver procedimento autorizado pela legislação interna do país (Princípio 5).

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Os Princípios para a Proteção das Pessoas Com Transtorno Mental e para o
Melhoramento dos Cuidados em Saúde Mental da ONU trazem importantes
disposições sobre a forma como as pessoas com transtornos mentais devem ser
tratadas no âmbito dos cuidados em saúde, especialmente no que diz respeito a:

• Padrões de atendimento (Princípio 8)


• Tratamento (Princípio 9)
• Medicamento (Princípio 10)
• Consentimento para tratamento (Princípio 11)

Sobre isso, veja o texto dos Princípios da ONU com relação a alguns desses fatores:

+ Padrões de atendimento (Princípio 8)


1. Todo paciente tem direito a receber os cuidados de saúde e
sociais adequados às suas necessidades de saúde, e tem direito
a cuidados e tratamento de acordo com os mesmos padrões que
os demais doentes (sic). 2. Todo paciente deve ser protegido contra
danos, incluindo medicação injustificada, abuso por parte de outros
pacientes, funcionários ou outros ou outros atos que causem
sofrimento mental ou desconforto físico. (ASSEMBLEIA GERAL DA
ONU, 1991, Princípio 8, tradução nossa)

+ Tratamento (Princípio 9)
1. Todo paciente deve ter o direito de ser tratado no ambiente
menos restritivo e com o tratamento menos restritivo ou intrusivo
adequado às necessidades de saúde do paciente e à necessidade de
proteger a segurança física de outras pessoas.

2. O tratamento e os cuidados de cada paciente devem ser baseados


em um plano prescrito individualmente, discutido com o paciente,
revisado regularmente, revisado conforme necessário e fornecido
por profissionais qualificados.

3. Os cuidados de saúde mental serão sempre prestados de acordo


com as normas de ética aplicáveis aos profissionais de saúde
mental, incluindo as normas internacionalmente aceites, tais como
os Princípios de Ética Médica adoptados pela Assembleia Geral das
Nações Unidas. O conhecimento e as habilidades de saúde mental
nunca devem ser abusados.

4. O tratamento de cada doente deve ser orientado para a preservação


e reforço da autonomia pessoal. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991,
Princípio 9, tradução nossa)

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+ Medicamento (Princípio 10)
1. A medicação deve atender às melhores necessidades de saúde do
paciente, deve ser dada a um paciente apenas para fins terapêuticos
ou diagnósticos e nunca deve ser administrada como punição ou para
conveniência de terceiros. Sujeito às disposições do parágrafo 15 do
Princípio 11, os profissionais de saúde mental devem administrar
apenas medicamentos de eficácia conhecida ou comprovada.

2. Todos os medicamentos devem ser prescritos por um profissional


de saúde mental autorizado por lei e devem ser registrados no
prontuário do paciente. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio
10, tradução nossa)

Ainda sobre esse assunto, deve ser dada atenção especial às disposições sobre o
consentimento para tratamento (Princípio 11):

1. Nenhum tratamento deve ser dado a um paciente sem o seu consentimento


informado, exceto conforme previsto nos parágrafos 6, 7, 8, 13 e 15 abaixo.

2. Consentimento informado é o consentimento obtido livremente, sem ameaças


ou incentivos impróprios, após divulgação apropriada ao paciente de informações
adequadas e compreensíveis em forma e linguagem compreendidas pelo paciente
em:
(a) A avaliação diagnóstica;
(b) A finalidade, método, duração provável e benefício esperado do tratamento
proposto;
(c) Modos alternativos de tratamento, incluindo os menos invasivos; e
(d) Possível dor ou desconforto, riscos e efeitos colaterais do tratamento proposto.
(ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 11, tradução nossa)

Assim, de acordo com os Princípios da Assembleia Geral da ONU (1991), um


tratamento pode ser dado a um paciente sem o seu consentimento informado se:

• O paciente estiver, no momento do tratamento, sendo mantido como


paciente involuntário (Parágrafo 6.a);
• Uma autoridade independente, estando de posse de todas as informações
relevantes, inclusive da informação especificada no parágrafo 2 acima,

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 113


estiver convencida de que, no momento relevante, o usuário está
incapacitado para dar ou recusar o consentimento informado ao plano
de tratamento proposto ou, se a legislação nacional permitir, e
considerando a sua própria segurança ou a de outros, o usuário tenha
recusado irracionalmente tal consentimento (Parágrafo 6.b);
• A autoridade independente estiver convencida de que o plano de
tratamento proposto é do melhor interesse para as necessidades de
saúde do paciente (Parágrafo 6.c);
• O representante pessoal do paciente, tendo recebido as informações
descritas no parágrafo 2 acima, consentir no lugar do paciente (Parágrafo
7);
• Um profissional de saúde mental qualificado autorizado por lei
determinar que é urgentemente necessário para prevenir dano imediato
ou iminente ao paciente ou a outras pessoas. Esse tratamento não deve
ser prolongado além do período estritamente necessário para esse fim
(Parágrafo 8);
• No que diz respeito a grandes procedimentos de saúde ou cirúrgicos,
estes podem ser realizados após revisão independente (Parágrafo 13);
• No caso de ensaios clínicos e tratamentos experimentais, um paciente
incapaz de dar consentimento informado pode ser admitido em um
ensaio clínico ou receber tratamento experimental com a aprovação de
um órgão de revisão independente e competente especificamente
constituído para este fim (Parágrafo 15).

O tratamento também pode ser dado a qualquer paciente sem seu consentimento
informado se um profissional de saúde mental qualificado autorizado por
lei determinar que é urgentemente necessário para prevenir dano imediato
ou iminente ao paciente ou a outras pessoas. Esse tratamento não deve ser
prolongado além do período estritamente necessário para esse fim. Porém, essa
disposição não se aplica nos seguintes casos (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991),
ou seja, é necessário que haja o consentimento do paciente, além da determinação
do profissional de saúde, se:

• No que diz respeito a grandes procedimentos de saúde ou cirúrgicos,


estes podem ser realizados após revisão independente (Parágrafo 13);
• No caso de psicocirurgia e outros tratamentos intrusivos e irreversíveis
para doenças mentais, que, além de necessitar da determinação do
profissional de saúde e do consentimento informado do paciente, só
podem ser realizados se um órgão externo independente tiver se
certificado de que há consentimento informado genuíno e de que o
tratamento atende melhor às necessidades de saúde do paciente
(Parágrafo 14);
• No caso de ensaios clínicos e tratamentos experimentais, um paciente
incapaz de dar consentimento informado pode ser admitido em um
ensaio clínico ou receber tratamento experimental com a aprovação de

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 114


um órgão de revisão independente e competente especificamente
constituído para este fim (Parágrafo 15).

Além disso, o procedimento não pode consistir em esterilização, pois esta não pode
ser realizada como tratamento para transtornos mentais (Parágrafo 12).

Sobre a autorização de tratamento sem o consentimento


informado do paciente, é importante destacar que toda vez que
esta ocorrer, todos os esforços devem ser feitos para informar o
paciente sobre a natureza do tratamento e quaisquer alternativas
possíveis a este, e para envolver o paciente tanto quanto possível
no desenvolvimento do plano de tratamento (ASSEMBLEIA GERAL
DA ONU, 1991, Parágrafo 9).

O paciente tem o direito de solicitar que pessoas de sua escolha estejam presentes
durante o procedimento de consentimento e pode recusar ou interromper o
tratamento, recebendo as informações sobre as consequências da recusa ou
interrupção de seu tratamento. As exceções à possibilidade de recusa estão listadas
nos parágrafos de números 6, 7, 8, 13 e 15, acima descritos. Ainda nesse sentido,
um paciente nunca pode ser convidado ou induzido a renunciar ao direito de
consentimento informado. Se o paciente tentar fazê-lo, deve ser explicado a ele que
o tratamento não pode ser administrado sem consentimento informado.

No que diz respeito à contenção física ou ao isolamento involuntário, estes não


devem ser empregados (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Parágrafo 11). Porém,
podem ser adotados:

• De acordo com os procedimentos oficialmente aprovados do


estabelecimento de saúde mental;
• Somente quando forem os únicos meios disponíveis para evitar danos
imediatos ou iminentes ao paciente ou a outros.

Além disso, no caso de adoção desses procedimentos, as seguintes condutas devem


ser adotadas (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991):

• Não podem ser prorrogados para além do período estritamente


necessário para o efeito pretendido.
• Todos os casos de contenção física ou isolamento involuntário, as razões
para eles e sua natureza e extensão devem ser registrados no prontuário
do paciente. O princípio nº 10 determina que todo tratamento deve
ser imediatamente registrado no prontuário do paciente, com a indicação
se involuntário ou voluntário.
• Um paciente contido ou isolado deve ser mantido em condições
humanas e estar sob os cuidados e supervisão estreita e regular de
membros qualificados da equipe. Um representante pessoal, se houver

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 115


e se for relevante, deve ser notificado imediatamente sobre qualquer
restrição física ou isolamento involuntário do paciente.

Com relação às condições e condutas adotadas nos estabelecimentos de saúde


mental, destacam-se os seguintes aspectos determinados pelos Princípios da ONU
(1991):

• Direitos e condições em estabelecimentos de saúde mental


• Recursos para instalações de saúde mental
• Princípios de admissão
• Admissão involuntária

Sobre isso, veja o texto original dos Princípios da ONU (1991) com relação a alguns
desses fatores:

+ Direitos e condições em estabelecimentos de saúde mental


Princípio 13

1. Todo paciente em um estabelecimento de saúde mental deve, em


particular, ter direito ao pleno respeito a:
(a) O reconhecimento em todos os lugares como pessoa perante a
lei;
(b) Privacidade;
(c) Liberdade de comunicação, que inclui a liberdade de se comunicar
com outras pessoas na instalação; liberdade de enviar e receber
comunicações privadas sem censura; liberdade de receber, em
privado, visitas de um advogado ou representante pessoal e, em todos
os momentos razoáveis, de outros visitantes; e liberdade de acesso
aos serviços postais e telefónicos e aos jornais, rádio e televisão;
(d) Liberdade de religião ou crença.
2. O ambiente e as condições de vida nos estabelecimentos de saúde
mental devem ser tão próximos quanto possível da vida normal de
pessoas da mesma idade e, em particular, devem incluir:
(a) Instalações para atividades recreativas e de lazer;
(b) Instalações para educação;
(c) Instalações para comprar ou receber itens para a vida diária,
recreação e comunicação;
(d) Instalações e encorajamento para usar tais instalações, para o
envolvimento de um paciente em ocupação ativa adequada ao seu
contexto social e cultural, e para medidas apropriadas de reabilitação
vocacional para promover a reintegração na comunidade. Essas
medidas devem incluir orientação vocacional, treinamento vocacional
e serviços de colocação para permitir que os pacientes assegurem
ou mantenham um emprego na comunidade.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 116


3. Em nenhuma circunstância um paciente será submetido a trabalhos
forçados. Dentro dos limites compatíveis com as necessidades
do paciente e com as exigências da administração institucional, o
paciente poderá escolher o tipo de trabalho que deseja realizar.
4. O trabalho de um paciente em um estabelecimento de saúde mental
não deve ser explorado. Cada paciente terá o direito de receber a
mesma remuneração por qualquer trabalho que ele ou ela fizer, de
acordo com a lei ou costume doméstico, seria pago por tal trabalho a
um não paciente. Cada um desses pacientes deve, em qualquer caso,
ter o direito de receber uma parte justa de qualquer remuneração paga
ao estabelecimento de saúde mental por seu trabalho. (ASSEMBLEIA
GERAL DA ONU, 1991, Princípio 13, tradução nossa)

+ Recursos para instalações de saúde mental


Princípio 14
1. Um estabelecimento de saúde mental deve ter acesso ao mesmo
nível de recursos que qualquer outro estabelecimento de saúde e,
em particular:
(a) Pessoal médico qualificado e outros profissionais apropriados
em número suficiente e com espaço adequado para proporcionar
privacidade a cada paciente e um programa de terapia ativa e
apropriada;
(b) Equipamento diagnóstico e terapêutico para o paciente;
(c) Cuidado profissional apropriado; e
(d) Tratamento adequado, regular e abrangente, incluindo
fornecimento de medicamentos.
2. Todos os estabelecimentos de saúde mental devem ser
inspecionados pelas autoridades competentes com a frequência
necessária para assegurar que as condições, o tratamento e
os cuidados prestados aos doentes cumprem estes Princípios.
(ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 14, tradução nossa)

+ Princípios de admissão
Princípio 15
1. Quando uma pessoa necessitar de tratamento em um
estabelecimento de saúde mental, todos os esforços devem ser
feitos para evitar a internação involuntária.
2. O acesso a um estabelecimento de saúde mental será administrado
da mesma forma que o acesso a qualquer outro estabelecimento
para qualquer outra doença.
3. Todo paciente não admitido involuntariamente terá o direito de
deixar o estabelecimento de saúde mental a qualquer momento, a
menos que se apliquem os critérios para sua retenção como paciente

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 117


involuntário, conforme estabelecido no Princípio 16, e ele ou ela
deve ser informado sobre este direito. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU,
1991, Princípio 15, tradução nossa)

+ Admissão involuntária
Princípio 16
1. Uma pessoa pode (a) ser internada involuntariamente em um
estabelecimento de saúde mental como paciente; ou (b) já tendo sido
admitido voluntariamente como paciente, ser retido como paciente
involuntário no estabelecimento de saúde mental se, e somente se,
um profissional de saúde mental qualificado e autorizado por lei para
esse fim determinar, de acordo com o Princípio 4, que essa pessoa
tem uma doença mental e considera:
(a) Que, por causa dessa doença mental, existe uma probabilidade
séria de dano imediato ou iminente para essa pessoa ou para outras
pessoas; ou
(b) Que, no caso de uma pessoa cuja doença mental é grave e cujo
julgamento é prejudicado, a falha em admitir ou reter essa pessoa
provavelmente levará a uma deterioração séria em sua condição
ou impedirá a administração de tratamento adequado que só pode
ser dada por admissão em um estabelecimento de saúde mental de
acordo com o princípio da alternativa menos restritiva.
No caso referido no subparágrafo (b), um segundo profissional
de saúde mental, independente do primeiro, deve ser consultado
sempre que possível. Se tal consulta ocorrer, a admissão ou retenção
involuntária não poderá ocorrer, a menos que o segundo profissional
de saúde mental concorde.
2. A admissão ou retenção involuntária será inicialmente por um
curto período, conforme especificado pela legislação nacional,
para observação e tratamento preliminar enquanto se aguarda a
revisão da admissão ou retenção pelo órgão de revisão. Os motivos
da admissão devem ser comunicados ao paciente sem demora
e o fato da admissão e os motivos da mesma também devem ser
prontamente e detalhadamente comunicados à comissão de revisão,
ao representante pessoal do paciente, se houver, e, a menos que
haja objeção do paciente, à sua família.
3. Um estabelecimento de saúde mental pode receber pacientes
admitidos involuntariamente somente se o estabelecimento tiver
sido designado para fazê-lo por uma autoridade competente
prescrita pela legislação nacional. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU,
1991, Princípio 16, tradução nossa)

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 118


Com relação às garantias processuais do paciente, o Princípio 18 estabelece
alguns padrões. Entre eles, podemos destacar:

• O paciente terá o direito de escolher e nomear um advogado para


representá-lo como tal, bem como um intérprete. Se o paciente não
conseguir tais serviços, um profissional será disponibilizado. O paciente
será dispensado do pagamento, na medida em que não tenha meios
suficientes para pagar (Parágrafos 1 e 2).
• O paciente e seu representante pessoal e advogado terão o direito de
comparecer, participar e ser ouvidos pessoalmente em qualquer
audiência (Parágrafo 5).
• A decisão resultante da audiência e os seus fundamentos devem ser
expressos por escrito. Cópias devem ser entregues ao paciente, a seu
representante pessoal e a seu advogado (Parágrafo 8).
• Ao decidir se a decisão deve ser publicada no todo ou em parte, deve-se
levar em consideração a vontade do próprio paciente, a necessidade de
respeitar a sua privacidade e a de outras pessoas, o interesse público na
administração aberta da justiça e a necessidade de prevenir danos
graves à saúde do paciente ou evitar colocar em risco a segurança de
terceiros.

Sobre o prontuário do paciente, o Parágrafo 4 dispõe que:

4. Cópias do prontuário do paciente e quaisquer relatórios e documentos a


serem apresentados devem ser entregues ao paciente e ao advogado do paciente,
exceto em casos especiais em que seja determinado que uma revelação específica
ao paciente causaria sérios danos à saúde do paciente ou colocaria em risco a
segurança de terceiros. Conforme estabelecido pela legislação nacional, qualquer
documento não entregue ao paciente deve, quando isso puder ser feito em sigilo,
ser entregue ao representante e advogado pessoal do paciente. Quando qualquer
parte de um documento for retida de um paciente, o paciente ou o advogado do
paciente, se houver, receberá notificação da retenção e dos motivos para isso e
estará sujeito a revisão judicial. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 18,
tradução nossa)

Ainda nesse sentido, o Princípio nº 11 determina que “o paciente ou seu representante


pessoal, ou qualquer pessoa interessada, terá o direito de apelar para uma autoridade
judicial ou outra autoridade independente em relação a qualquer tratamento dado
a ele ou a ela”. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 11, tradução nossa)

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 119


O direito à informação é essencial para reduzir a vulnerabilidade
da pessoa com transtorno mental sob cuidados em saúde.

Nesse sentido, o Princípio nº 19 garante ao paciente ou ex-


paciente o direito a ter acesso às suas informações de saúde
e aos seus registros pessoais que estejam sendo mantidos por
estabelecimento de saúde mental.

Qualquer informação não fornecida ao paciente deve ser fornecida ao representante


e ao advogado pessoal do paciente, quando isso puder ser feito em sigilo e conforme
estabelecido pela legislação nacional.

Quando qualquer informação for obtida de um paciente, a decisão da retenção e os


motivos que a fundamentaram serão informadas ao paciente ou ao seu advogado,
e estarão sujeitas a revisão judicial.

Monitoramento de Soluções e Implementação


Quanto aos deveres dos Estados, cabe a estes implementar os princípios por meio
de medidas legislativas, judiciais e administrativas e de outras medidas apropriadas.
Os Estados devem revisar essas medidas periodicamente. Além disso, é dever dos
Estados tornar esses princípios amplamente conhecidos pelos meios apropriados
(Princípio 23). É dever dos Estados, também, assegurar a existência de mecanismos
para promover o cumprimento desses princípios, bem como de mecanismos para:

A inspeção de estabelecimentos de saúde mental, para a apresentação,


investigação e resolução de denúncias e para a instituição de procedimentos
disciplinares ou judiciais apropriados por má conduta profissional ou violação
dos direitos de um paciente. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1991, Princípio 22)

Sabemos que, idealmente, todos esses princípios seriam amplamente adotados


e eficientemente aplicados. Porém, a prática clínica pode apresentar desafios à
adoção dessas diretrizes. Sobre isso, ouça o podcast a seguir.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 120


Podcast 3 – Desafios à aplicação dos Princípios para a Proteção
das Pessoas com Transtorno Mental e para o Melhoramento dos
Cuidados em Saúde Mental da ONU à prática clínica

Assim, podemos perceber que a Assembleia Geral da ONU estabeleceu importantes


princípios para proteger as pessoas com transtornos mentais que estão sob cuidados
em saúde. A concretização desses princípios beneficia não somente o paciente e
a instituição, mas também os profissionais de saúde envolvidos, que também são
titulares de direitos humanos.

1.2 Tortura, tratamento desumano e degradante no


contexto da saúde mental

O tratamento desumano e degradante de pessoas com transtorno mental traduz


uma violação aos seus direitos humanos que, apesar de ser uma clara forma de
desrespeito ao direito, é uma situação que ocorre com frequência em diversas
partes do mundo.

O Relator Especial da ONU sobre o Direito à Saúde (2002-2008) relatou ter recebido
muitas denúncias de institucionalização inadequada de pessoas com transtorno
mental, bem como de casos em que essas pessoas foram vítimas de violações de
direitos humanos, incluindo:

• Pacientes amarrados a camas por longos períodos sem justificativa


terapêutica
• Violência e tortura
• Eletroconvulsoterapia sem anestesia ou relaxantes musculares
• Pacientes alojados em ambulatórios com saneamento totalmente
inadequado
• Privação de comida
• Hipotermia

As pessoas com transtorno mental que estão sob cuidados em


saúde são protegidas, na esfera da ONU, pelos Princípios para
a Proteção das Pessoas com Transtornos Mentais e a Melhoria
da Atenção à Saúde Mental, adotados pela Assembleia Geral da
ONU em 1991.

No que diz respeito especificamente ao tratamento desumano e degradante, os


Princípios definem que as pessoas com transtorno mental, ou que estão sendo

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atendidas por quaisquer transtornos mentais, têm direito a ser protegidas contra os
maus tratos físicos e de outra natureza, bem como contra o tratamento degradante.

Ainda no âmbito da ONU, a Declaração de Caracas, que foi adotada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) em 1990, trata da reestruturação da atenção psiquiátrica
nos sistemas locais de saúde. A Declaração determina que o cuidado e o tratamento
da pessoa com transtorno mental devem proteger a sua dignidade pessoal e os
seus direitos.

Para que um procedimento terapêutico seja considerado tratamento desumano ou


degradante, um nível mínimo de severidade deve estar presente. A avaliação acerca
do que seja esse nível mínimo dependerá:

• Das circunstâncias do caso concreto


• De seus efeitos físicos e mentais
• Em alguns casos, do sexo, da idade e do estado de saúde do paciente

Sobre as condições de tratamento das pessoas com transtorno mental em instituições


psiquiátricas, estas devem envolver o alojamento em ambiente seguro e limpo, que
lhes assegure higiene pessoal adequada.

A garantia de um ambiente seguro e higiênico não é apenas


essencial para a a saúde física, mas também é crucial para a
saúde mental e o bem-estar.

Alguns pacientes institucionalizados são obrigados a viver em condições insalubres,


com falta de alimentos e de investimentos. Ainda, muitas vezes constata-se a
ausência de medidas de segurança para evitar a propagação de doenças infecciosas
nas instalações em que se encontram. Registra-se, ainda, que, devido ao número
reduzido de funcionários em algumas unidades de saúde mental, os pacientes
são muitas vezes obrigados a realizar tarefas de manutenção e limpeza das suas
instalações sem receber qualquer remuneração.

Sobre isso, tem-se como referência a decisão da Corte Interamericana de Direitos


Humanos no caso Ximenes Lopes vs. Brasil, que é a primeira condenação do Estado
brasileiro:

O Sr. Ximenes Lopes foi internado na Casa de


Repouso Guararapes em outubro de 1999, um
centro de atendimento psiquiátrico privado que
operava no âmbito do sistema único de saúde, no
município de Sobral, estado do Ceará. O Sr. Ximenes
Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999, na Casa de

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 122


Repouso citada, após três dias de internação. De
acordo com a decisão da Corte, o Sr. Ximenes Lopes
foi submetido a condições desumanas e degradantes
em sua hospitalização, tendo sofrido violação de sua
integridade pessoal por parte dos funcionários da
Casa de Repouso Guararapes. Segundo o relato de
Irene Ximenes Lopes Miranda, irmã do Sr. Ximenes
Lopes, o corpo apresentava marcas de tortura.
(ALBUQUERQUE, 2016, p. 113-114)

A Corte entendeu, nesse caso, que os cuidados de saúde para pacientes com
transtorno mental devem ter como finalidade principal o bem-estar do paciente e o
respeito à sua dignidade como ser humano. Essa finalidade se concretiza por meio
do dever do Estado de adotar o respeito à intimidade e a autonomia das pessoas
como princípios orientadores do tratamento psiquiátrico. Sendo assim, o lugar e as
condições físicas em que o tratamento se desenvolve devem estar de acordo com o
respeito à dignidade humana.

A Corte considera que as precárias condições de funcionamento da Casa de


Repouso Guararapes, tanto as condições gerais do lugar, quanto o atendimento
médico, se distanciavam de forma significativa das adequadas à prestação de
um tratamento de saúde digno, particularmente em razão de que afetavam
pessoas de grande vulnerabilidade por sua deficiência mental, e eram per se
incompatíveis com uma proteção adequada da integridade pessoal e da vida.
(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, apud ALBUQUERQUE,
2016, p. 114-115)

O direito de não ser torturado ou submetido a pena ou tratamento desumano ou


degradante é absoluto, o que significa que os Estados devem agir no sentido de
implantar políticas, programas e legislações que evitem a prática dessas condutas
por profissionais de saúde. A submissão de uma pessoa indefesa, que é a situação
do paciente, a esse tipo de condição, tem efeitos arrasadores na vida do paciente e
de seus familiares. Por isso, é importante frisar que:

• A escassez de recursos humanos e financeiros não justifica qualquer


tratamento desumano ou degradante;
• Os Estados têm a obrigação de destinar recursos suficientes para
satisfazer às necessidades básicas dos pacientes.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 123


• É dever do Estado proteger os pacientes contra o sofrimento causado
pela falta de alimentos, roupas, recursos humanos, higiene e outras
condições desumanas ou degradantes.

Assim, podemos observar que as violações aos direitos humanos das pessoas
com transtornos mentais são recorrentes nas próprias instituições que deveriam
prestar-lhes cuidados. Por esse motivo, as disposições da Convenção Contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes devem
ser aplicadas aos serviços em saúde mental por meio de políticas, programas e
legislações elaboradas pelos Estados.

1.3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiência e saúde mental

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CIDPD) é


um instrumento internacional de  direitos humanos  elaborado no âmbito da
ONU. O texto da Convenção foi aprovado pela  Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 2006, e passou a fazer parte do ordenamento jurídico do Brasil em 25
de agosto de 2009, por meio do Decreto nº 6.949.

A CIDPD tem como objetivo proteger os direitos e a dignidade das pessoas


com  deficiência (PcD). Os países que se comprometeram com a Convenção são
obrigados a promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos
humanos das pessoas com deficiência e garantir que usufruam de plena igualdade
perante a lei.

• Os princípios gerais da CIDPD são:


• O respeito à dignidade humana
• A autonomia individual, incluindo a liberdade de tomar as próprias
decisões e a independência das pessoas
• A participação e a inclusão plena e efetiva na sociedade
• O respeito à diferença e a aceitação das PcD como parte da diversidade
e da condição humanas
• A igualdade de oportunidades
• A acessibilidade
• A igualdade entre o homem e a mulher

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 124


Sobre a Convenção, pode-se dizer que:

Esse documento é um marco histórico dos deveres do


Estado para suplantar os obstáculos que atravancam
o pleno exercício de direitos pelas PD [pessoas com
deficiência], viabilizando o crescimento de suas
potencialidades, e passando a serem contempladas
como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos.
(CANDIDO, Mariluce et al., 2020, p. 224)

O artigo 1º da CIDPD estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Assim, há um entendimento (Candido et al., 2020) no sentido de


que é possível dizer que a pessoa com transtorno mental (PTM)
deve ser caracterizada como pessoa com deficiência, já que pode
desenvolver e apresentar tal condição, encaixando-se, assim, na
definição do artigo 1º da CIDPD.

Sobre o reconhecimento da pessoa com transtorno mental como pessoa com


deficiência, os autores explicam:

Entretanto, não há o seu reconhecimento expresso.


Também se percorre um longo caminho para fazer
valer tais direitos no contexto nacional, onde a PTM
não recebe o mesmo tratamento jurídico dispensado
à PD. Um exemplo disso é o Brasil, em seu Decreto
Legislativo Nº 186, de 2008, que aprova o texto da
CRPR e seu Protocolo Facultativo. (CANDIDO et al.,
2020, p. 227)

Embora, no contexto internacional, alguns


instrumentos especiais de deficiência incorporem o
TM [Transtorno Mental], o único do tipo mandatório,
a CIDPD e seu Protocolo Facultativo não fazem
nenhuma menção à PTM [Pessoa com Transtorno
Mental]. Essa situação a torna significativamente
exposta às violações de seus DHs, impedindo que
tenham uma vida digna. Diante do exposto, pode-

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 125


se inferir que o avanço dos direitos da PTM requer a
criação de instrumentos internacionais especiais do
tipo mandatório, pois podem significar uma maior
carga obrigatória, além de servir de parâmetro para
o legislador, quando no exercício da sua atividade
legiferante, bem como para o judiciário na aplicação
de suas decisões. Do mesmo modo, ao executivo, na
elaboração e implementação de políticas. É possível
dizer que não basta só o reconhecimento internacional
da deficiência na PTM, mas se faz emergencial a
sua aplicação efetiva no âmbito regional, nacional,
estadual e municipal para o fortalecimento da
criação, expansão, vigilância e avaliação da eficácia
dos DHs, e assim serem alcançados no exercício de
direitos dessas pessoas. (CANDIDO et al., 2020, p. 227,
tradução nossa)

O artigo 12 da CIDPD reconhece o direito das pessoas com deficiência de serem


reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. Essa afirmação
reconhece que as PcD possuem capacidade para usufruir e exercer seus direitos
em todos os aspectos da vida:

Artigo 12

Reconhecimento igual perante a lei

1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de
ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei.

2.Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de


capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os
aspectos da vida.

3.Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso


de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua
capacidade legal. 

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 126


4.Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício
da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir
abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas
salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade
legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de
conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas
às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e
sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário
competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao
grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 

5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas


apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito
de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso
a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro,
e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente
destituídas de seus bens. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, art. 17) 

Nesse sentido, a Presidência da República elaborou um documento com comentários


à CIDPD, em que se afirma, sobre o artigo 12:

Com isso, [a CIDPD] provoca uma ruptura na clássica


separação que reconhecia a todos os seres humanos
a capacidade de direito, consistente em usufruir de
todos os direitos e liberdades fundamentais, ao passo
que limitava a capacidade de exercício desses direitos
em razão da condição de deficiência (usualmente
mental ou auditiva, como ainda ocorre no código civil
brasileiro). (BRASIL, 2008, p. 4)

No que diz respeito à abordagem da Convenção ao tratamento involuntário em


saúde mental, há uma discussão em torno do assunto. A introdução da CIDPD e o
Comentário Geral 1 do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre
o Artigo 12 da Convenção geraram um debate considerável sobre a afirmação de
que pessoas com transtornos mentais sempre possuem capacidade de decisão.

Nesse sentido, há uma série de questões importantes não resolvidas relacionadas


a casos mais complexos e se o direito garantido pela CIDPD é absoluto e imediato
ou sujeito a limitações.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 127


No Dia Mundial da Saúde Mental de 2015, os Relatores Especiais das Nações Unidas
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Catalina Devandas-Aguilar, e sobre o
Direito à Saúde, Dainius Pûras, exortaram os Estados a erradicar todas as formas de
tratamento psiquiátrico não consensual.

O Dia Mundial da Saúde Mental, apoiado pelas Nações Unidas,


é celebrado anualmente em 10 de outubro para aumentar a
conscientização pública sobre problemas de saúde mental em
todo o mundo. O tema de 2015 foi “Dignidade na Saúde Mental”
e, em 2022, foi “Fazer da saúde mental e do bem-estar para todos
uma prioridade global”.

Os especialistas independentes instaram os governos a acabar com a detenção


arbitrária, a institucionalização forçada e o tratamento forçado, a fim de garantir
que as pessoas com transtornos mentais sejam tratadas com dignidade e tenham
seus direitos humanos respeitados:

Trancados em instituições, amarrados com restrições, muitas vezes em


confinamento solitário, injetados à força com drogas e supermedicados, são
apenas algumas ilustrações das maneiras pelas quais pessoas com deficiência,
ou aquelas percebidas como assim, são tratadas sem seu consentimento, com
severas consequências para a sua integridade física e mental.
[...]
Com muita frequência, pessoas com deficiências psicossociais e de
desenvolvimento são formal ou informalmente destituídas de sua capacidade
legal e arbitrariamente privadas de sua liberdade em hospitais psiquiátricos,
outras instituições especializadas e outros locais semelhantes.

A dignidade não pode ser compatível com práticas de tratamento forçado que
podem constituir tortura.  Os Estados devem interromper esta situação com
urgência e respeitar a autonomia de cada pessoa, incluindo seu direito de
escolher ou recusar tratamento e cuidados.
[...]
O conceito de ‘necessidade médica’ por trás da colocação e tratamento não
consensuais fica aquém das evidências científicas e dos critérios sólidos.  O
legado do uso da força na psiquiatria vai contra o princípio ‘ primum non nocere ‘
(primeiro não fazer mal) e não deve mais ser aceito.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 128


[...]
Apelamos aos Estados para que ponham fim a todas as instâncias de detenção
arbitrária, institucionalização forçada e tratamento forçado, para garantir que
as pessoas com deficiências de desenvolvimento e psicossociais sejam tratadas
com dignidade e tenham o direito de ter suas decisões respeitadas em todos os
momentos e de ter acesso a o apoio e acomodação necessários para comunicar
efetivamente tais decisões”. (NAÇÕES UNIDAS, 2015, n.p., tradução nossa)

Especificamente sobre a CIDPD, os Relatores Especiais afirmaram:

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência oferece uma ocasião
promissora para uma mudança de paradigma nas políticas e práticas de saúde
mental. O Dia Mundial da Saúde Mental deste ano enfatiza mais do que nunca a
necessidade de elaborar novos modelos e práticas de serviços comunitários que
respeitem a dignidade e a integridade da pessoa.

É um bom momento para fazer um balanço da recente entrada em vigor da


Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para abrir um diálogo
entre todas as partes interessadas, incluindo usuários de serviços, formuladores
de políticas e profissionais de saúde mental para trabalhar em soluções baseadas
em direitos humanos que podem fornecer respostas às questões trazidas pelas
normas da Convenção. (NAÇÕES UNIDAS, 2015, n.p., tradução nossa)

Assim, prossigamos no estudo dos dispositivos da CIDPD que podem ser aplicados
ao âmbito da saúde mental. O artigo 17 assim dispõe:

Artigo 17

Proteção da integridade da pessoa 

Toda pessoa com deficiência tem o direito a que sua integridade física e mental
seja respeitada, em igualdade de condições com as demais pessoas. (CONVENÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, art.
17) 

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 129


Nesse sentido, percebe-se a preocupação da ONU em proteger as condições físicas
e mentais das PcD:

A princípio, o referido artigo sendo lido num país


desenvolvido ou onde o ordenamento jurídico tenha
alcançado algum status de justiça, fica sem sentido,
pois pode parecer que a norma trata do óbvio. No
entanto, temos que ter em mente que a Convenção é
internacional, busca ratificação e reconhecimento por
todos os países do planeta. Dentro dessa premissa,
devemos ter em conta que em muitos destes países
ainda é comum a prática de abusos físicos e mentais
contra pessoas com deficiência, até por acreditarem
que pessoas na condição de “deficientes” são impuras
e vítimas de sua própria sorte. (BRASIL, 2008, p. 69-70)

Ainda com relação ao artigo 17, podemos observar que a Convenção diferencia a
integridade física da integridade mental. No que diz respeito à integridade física, a
norma objetiva garantir que as pessoas com deficiência tenham os mesmos direitos
das demais pessoas quanto à preservação e utilização física de partes do seu
corpo, independentemente de sua condição física. Quanto à integridade mental,
visa proteger a pessoa com deficiência de danos morais ou intelectuais que possam
atingi-la na condição de pessoa com deficiência.

A CIDPD é um instrumento de direitos humanos de grande relevância por definir o


conceito de “pessoa com deficiência” e por contemplar as pessoas com deficiência
como titulares de direitos. Embora haja posições no sentido de considerar a pessoa
com transtorno mental sob o prisma da deficiência mental, não há reconhecimento
expresso nesse sentido. A CIDPD e o seu Protocolo não mencionam especificamente
a pessoa com transtorno mental, mas a Convenção possui importantes artigos que
se aplicam a esse grupo, como o artigo 12, que determina a capacidade legal das
pessoas com deficiência, e o artigo 17, que protege sua integridade física e mental.

Observando que existe uma divisão entre os direitos das pessoas com deficiência
e a prática clínica, a OMS desenvolveu diretrizes de melhores práticas, por meio
da iniciativa Quality Rights, incentivando os profissionais de saúde a participar da
implementação da CIDPD. A iniciativa Quality Rights será estudada a seguir.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 130


1.4. Quality Rights
Tendo observado que existe uma disparidade entre os direitos das pessoas com
deficiência e a prática clínica, a OMS desenvolveu diretrizes de melhores práticas
por meio da iniciativa Quality Rights, incentivando os profissionais de saúde a
participar da implementação da CIDPD, inclusive por meio da aplicação de tomadas
de decisão apoiadas, e oferecendo suportes, como materiais de treinamento, para
avançar nesse novo paradigma.

O chamado kit de ferramentas Quality Rights fornece materiais


de treinamento para capacitar profissionais de saúde sobre as
disposições da CIDPD e o uso de instrumentos como diretivas
antecipadas.  Em português, esse kit é chamado de kit de
ferramentas Direito é Qualidade da OMS.

O kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS tem como objetivo apoiar os países
na avaliação e na melhoria da qualidade e no respeito aos direitos humanos nos
serviços de saúde mental e de assistência social. Ele baseia-se em uma revisão
internacional extensa realizada por pessoas com transtornos mentais e organizações
formadas por elas ou organizações que as protegem. O kit destina-se a ser aplicado
em países de baixa, média e alta renda, tendo sido testado de maneira experimental
em todos esses contextos.

Aqui, é necessário delimitar o conceito do termo “serviços” para aplicação do kit de


ferramentas:

O termo “serviços” refere-se a qualquer lugar onde


pessoas com desabilidades mentais vivem ou
recebem atendimento, tratamento e/ou reabilitação.
Estes incluem: hospitais psiquiátricos, enfermarias
psiquiátricas em hospitais gerais, serviços
ambulatoriais (incluindo centros comunitários de
saúde mental ou de substâncias psicoativas, clínicas
de atenção primária e atendimento ambulatorial
realizado por hospitais gerais), centros de cuidados
diurnos para pessoas com transtornos mentais e
serviços de acolhimento institucional e assistência
social (incluindo serviços de acolhimento institucional
para idosos, crianças com deficiências e para outros
“grupos” de pessoas). (BRASIL, 2015, p. 3)

Serviços psiquiátricos de internação e de estadia prolongada são comumente


associados ao atendimento de baixa qualidade e a violações de direitos humanos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 131


Por isso, a OMS recomenda aos países que desativem progressivamente esse tipo
de instituição, estabelecendo, em seu lugar, serviços de base comunitária, e que a
saúde mental seja integrada aos serviços de atenção primária e aos hospitais gerais.

Embora essa ferramenta não endosse instituições de


longa permanência como ambiente apropriado para
tratamento e cuidado, enquanto esse tipo de serviço
continuar a existir em países de todo o mundo é
necessário impedir violações e promover os direitos
daqueles que residem nessas instituições. (BRASIL,
2015, p. 3)

A CIDPD consiste na base que define os padrões dos direitos


humanos que precisam ser respeitados, protegidos e cumpridos
nos serviços que atendem a essa população.

O kit de ferramentas aborda cinco temas extraídos da CIDPD:

1. O direito a um padrão de vida e proteção social adequado (Artigo 28 da


CIDPD)
2. O direito a usufruir o padrão mais elevado possível de saúde física e
mental (Artigo 25)
3. O direito a exercer capacidade legal e o direito à liberdade pessoal e à
segurança da pessoa (Artigos 12 e 14)
4. Prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes e contra a exploração, violência e abuso (Artigos 15 e 16)
5. O direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade
(Artigo 19)

Cada um desses “temas” ou “direitos” é decomposto em uma série de “padrões”, os


quais são ainda repartidos em uma série de “critérios”:

É em relação a esses critérios que os serviços serão


avaliados, mediante entrevistas, observação e
revisões de documentação. A avaliação de cada
critério possibilita aos avaliadores determinar se um
determinado padrão foi cumprido. Os padrões, por
sua vez, ajudam a determinar se o tema global foi
cumprido. (BRASIL, 2015, p. 3)

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 132


Sobre isso, veja a figura a seguir:

Figura 29 - Exemplo de divisão de cada tema em padrões e critérios


a serem cumpridos em uma avaliação da qualidade e direitos
humanos de serviços de saúde mental e de assistência social

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito é qualidade: kit de ferramentas de


avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de
saúde mental e de assistência social. Brasília, 2015, página 7. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.
pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53. Acesso em: 25 nov. 2022.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 133


É importante destacar que o kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS oferece
instruções detalhadas sobre como uma avaliação deve ser conduzida e os seus
resultados, relatados e utilizados. Ele inclui, ainda, alguns tipos de ferramentas,
como:

• Ferramentas de avaliação, como a ferramenta de entrevista, que fornece


orientação sobre como conduzir entrevistas com usuários do serviço,
membros das famílias (ou amigos ou cuidadores) e profissionais do
serviço.
• Formulários para relatórios, como o relatório de avaliação de serviço,
que se destina a auxiliar as equipes de avaliação na consolidação e
apresentação de seus resultados, conclusões e recomendações para
cada serviço.

O kit de ferramentas Direito é Qualidade da OMS pode ser adotado e usado por
diversos grupos e organizações, tanto nacionais como internacionais. Ele pode ser
usado para uma única avaliação ou como parte de um programa de nível nacional
para melhorar os serviços no país. Assim, alguns dos grupos e organizações que
podem usar o kit de ferramentas são:

• Órgãos internacionais de direitos humanos e organizações não


governamentais
• Órgãos e mecanismos nacionais
• Instituições nacionais de direitos humanos
• Comissões nacionais de saúde ou de saúde mental
• Órgãos de acreditação de serviços de saúde
• Organizações nacionais não governamentais
• Comitê ou órgão “dedicado” à avaliação

Para implementar o projeto Direito é Qualidade da OMS, a primeira etapa é estabelecer


uma equipe de gerenciamento. Essa equipe central de pessoas será responsável
por:

• Supervisionar o projeto
• Fornecer orientação ao comitê que realizará a avaliação
• Gerenciar e coordenar a avaliação
• Relatar os resultados e dar seguimento às ações

A equipe de gerenciamento do projeto poderia


compreender representantes do Ministério da Saúde,
de outros ministérios apropriados (por exemplo, do
bem-estar social), representantes de organizações
de pessoas com desabilidades, organizações de
familiares, comissões ou órgãos nacionais de direitos

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 134


humanos ou de saúde, profissionais de saúde mental
e da área jurídica.

[...]

A equipe de gerenciamento deve determinar os


objetivos da avaliação. O objetivo principal é avaliar
e melhorar todos os serviços ambulatoriais e de
internação, ou o projeto se limitará a serviços de
internação? Sua finalidade é subsidiar a política
e a legislação ou, quando estas já estão em vigor,
fortalecer a sua implementação? A determinação
dos objetivos da avaliação esclarecerá a estrutura do
projeto e o modo como os resultados serão relatados.
(BRASIL, 2015, p. 14)

Uma vez determinada a finalidade da avaliação, algumas questões serão consideradas


pela equipe de gerenciamento antes de que aquela seja iniciada. É necessário:

1. Determinar o escopo da avaliação


2. Entender a organização de serviços no país
3. Selecionar serviços para avaliação
4. Selecionar temas para a avaliação
5. Determinar quais e quantas pessoas de cada serviço entrevistar

Quando o escopo da avaliação e o número de serviços


a serem avaliados tiverem sido definidos, a equipe de
gerenciamento deverá determinar quantos comitês
de avaliação serão necessários. “Em alguns contextos
(por exemplo, em países pequenos ou quando
somente um ou dois serviços estão sendo avaliados),
somente um comitê pode ser necessário. Em outros
contextos (por exemplo, avaliações em nível nacional
ou distrital), serão necessários diversos comitês”
(BRASIL, 2015, p. 22).

Assim, a equipe de gerenciamento irá selecionar membros dos comitês de avaliação,


determinar as diferentes funções dos membros do comitê, treinar esses membros,
estabelecer a autoridade do(s) comitê(s) e preparar termos de consentimento (dos
profissionais, dos usuários dos serviços e de membros da família que participam na
avaliação) antes que as entrevistas sejam conduzidas, e buscar aprovação ética.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 135


A avaliação deve ser conduzida de forma a seguir algumas orientações. Por exemplo:

Quando possível, o comitê de avaliação deve efetuar


visitas não anunciadas aos serviços. Se souberem a
data e a hora de uma visita, os profissionais de um
serviço podem preparar-se para a visita, “limpando”
o serviço de modo que os membros do comitê vejam
uma versão “higienizada” do serviço, em vez das
condições reais. As visitas não anunciadas asseguram
que os membros do comitê vejam as condições que
são realmente vivenciadas pelos usuários do serviço
todos os dias. (BRASIL, 2015, p. 27).

Ainda, as visitas devem, se possível, ser realizadas ao mesmo serviço em


diferentes horários do dia. Antes de iniciada a visita, o comitê deve se reunir com
os profissionais e os usuários do serviço e, quando possível, com membros das
famílias dos usuários para explicar a finalidade da avaliação e para descrever o
que farão e o que esperam alcançar.

O comitê deve tentar estabelecer um sentido de


parceria e cooperação com os profissionais, os usuários
do serviço e seus familiares. Os profissionais podem
sentir-se desconfortáveis em relação à avaliação,
temendo que seu trabalho esteja sendo monitorado
e julgado. Os usuários do serviço e familiares também
podem ficar desconfiados da avaliação e temerem
represálias se participarem em entrevistas. O comitê
deve, portanto, empenhar-se em promover um
espírito de colaboração, enfatizando que todos os
envolvidos possuem um objetivo comum – melhorar
as condições do serviço – e que esse objetivo pode ser
alcançado somente com as informações recebidas e
a participação ativa de todos. A equipe de avaliação
não deverá, contudo, levantar expectativas irrealistas
sobre o resultado que a avaliação alcançará, e deve
esclarecer que as condições provavelmente não
melhorarão imediatamente, mas somente com o
passar do tempo. (BRASIL, 2015, p. 27)

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 136


As ferramentas do Direito é Qualidade para revisão da documentação e observação dos
serviços servem de guia para os membros do comitê sobre o que devem observar
durante suas visitas, com espaço para registrar seus achados. A observação é uma
atividade central na avaliação das condições dos serviços. Assim,

A observação não deve se restringir a um exame das


condições físicas; deve incluir também o que acontece
no serviço. Por exemplo, quando visita serviços
ambulatoriais e de internação, o comitê de avaliação
deve observar as interações entre profissionais e
usuários dos serviços para determinar se os usuários
estão sendo atendidos com dignidade e respeito e se
os seus direitos e sua capacidade legal são respeitados.
Por conseguinte, como parte da observação, os
membros do comitê devem acompanhar atividades/
atendimentos envolvendo profissionais e usuários
dos serviços, incluindo:

• Consultas entre profissionais e usuários


dos serviços: Os usuários do serviço estão
participando na elaboração de seu projeto
terapêutico? Os usuários podem expressar
suas opiniões e escolhas referentes ao seu
tratamento, e estas são respeitadas? Ou estas
decisões são tomadas sem sua participação?
Ações de reabilitação: Os profissionais estão
simplesmente fazendo palestras para os
usuários do serviço, ou os usuários estão
participando ativamente no processo de
reabilitação psicossocial para aquisição de
habilidades? (BRASIL, 2015, p. 28)

O kit Direito é Qualidade da OMS também fornece a ferramenta de observação e


documentação, que serve de guia para os membros do comitê sobre os tipos de
documentação a serem revisados na avaliação. De acordo com a ferramenta, a
documentação pode ser dividida em quatro grandes categorias:
• Projetos técnicos, diretrizes, normas e outras diretivas oficiais do serviço;
• Registros administrativos (por exemplo, número e categorias de
profissionais, número, idade e sexo de usuários do serviço, registros de
internação e alta);
• Registros de eventos específicos (por exemplo, queixas, petições contra

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 137


internação e tratamento involuntários, incidentes de roubo, abuso,
óbitos); e
• Prontuários ou arquivos de usuários do serviço.

Outra ferramenta no âmbito do kit Direito é Qualidade da OMS é a ferramenta de


entrevista.

Entrevistar usuários, familiares e profissionais de um serviço e


ouvir suas visões e perspectivas é fundamental para a avaliação.

Essa ferramenta descreve os temas, os padrões e os critérios em relação aos quais


as condições dos serviços devem ser avaliadas. A ferramenta também contém
perguntas associadas a cada critério para auxiliar o entrevistador. Alguns dos
aspectos que devem ser considerados com relação à entrevista são:
• A seleção dos entrevistados
• O procedimento de entrevista
• O conteúdo da entrevista: relatos de casos de abuso

Com relação à forma de relatar os resultados da avaliação, o formulário de relatório


do Direito é Qualidade da OMS por serviço fornece uma estrutura para que o comitê
de avaliação documente sistematicamente a extensão em que cada um dos cinco
temas da ferramenta Direito é Qualidade da OMS foi aplicada em um serviço específico
de saúde mental ou de assistência social. Todas as sessões devem ser preenchidas.
São elas:

1. Resumo executivo
2. Método utilizado para a avaliação
3. Resultados da avaliação (inclusive a pontuação quantitativa e os achados
qualitativos)
4. Discussão
5. Conclusões e recomendações

No caso de mais de um serviço ter sido avaliado (por exemplo, uma avaliação
nacional ou distrital), “todos os comitês que conduzem avaliações deverão se reunir
para discutir, integrar e compilar seus resultados de cada serviço e preparar uma
avaliação global em nível nacional ou distrital” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015, p.
37). Nessa hipótese, o formulário de relatório do Direito é Qualidade da OMS para
avaliações nacionais fornece uma estrutura para consolidação das avaliações locais:

O formulário do relatório nacional possui as mesmas


seções que aqueles voltados para cada serviço
individualmente, fornece as mesmas categorias para
classificação (embora as classi- ficações para cada

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 138


serviço sejam listadas e apresentadas por tema no
formulário do relatório nacional ou por distrito) e
inclui um modelo para integrar achados quantitativos
e qualitativos em um único relatório em nível nacional
ou de distrito. (BRASIL, 2015, p. 37)

Quanto ao uso dos resultados obtidos na avaliação, “as avaliações da qualidade e


direitos humanos em serviços de saúde mental e de assistência social podem servir
para diversas finalidades, e os resultados podem ser utilizados de muitas maneiras
diferentes” (BRASIL, 2015, p. 37).

É essencial que todos os envolvidos em uma avaliação entendam


claramente e concordem sobre a sua finalidade e o modo como
os resultados serão utilizados.

Os resultados de uma avaliação podem:


• No nível macro, ser utilizados para orientar políticas, planos e legislação
sobre saúde mental e abuso de substâncias.
• Ser utilizados para entender a extensão e o tipo de violações de direitos
humanos que ocorrem em serviços, e para aumentar a conscientização
sobre essas questões entre as autoridades competentes e as partes
envolvidas, quando apropriado.
• (E devem) ser utilizados como base para formular um plano de melhoria
da qualidade, o qual deve ser integrado na gestão e prestação de
cuidados do serviço avaliado.
• Ser utilizados para identificar lacunas no conhecimento em relação a
questões sobre direitos humanos e qualidade.

Para conhecer mais sobre o kit de ferramentas


Quality Rights, clique no link https://apps.who.int/iris/
bitstream/10665/70927/53/9788533423282_por.pdf e acesse o
documento “Kit de ferramentas de avaliação e melhoria da
qualidade e dos direitos humanos em serviços de saúde mental
e de assistência social”, produzido pelo Ministério da Saúde em
2015.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 139


Figura 30 – Manual Direito é Qualidade

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito é qualidade: kit de ferramentas de


avaliação e melhoria da qualidade e dos direitos humanos em serviços de
saúde mental e de assistência social. Brasília, 2015, capa. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70927/9788533423282_por.
pdf;jsessionid=DC0BD6A7EDB7F2204C557903A17B7D14?sequence=53. Acesso em: 25 nov. 2022.

Assim, os Quality Rights ou, em português, kit de ferramentas Direito é Qualidade da


OMS, são importantes instrumentos de orientação para profissionais de saúde
que visam à aplicação das disposições da CIDPD à prática clínica. Nesse sentido, o
kit fornece materiais de treinamento para capacitar médicos sobre as disposições
da CIDPD e o uso de instrumentos, como diretivas antecipadas. 

O kit de ferramentas busca identificar problemas nas práticas existentes de


atendimento à saúde e, a partir disso, planejar meios para que os serviços prestados
sejam de boa qualidade. Para atingir esse fim, o kit oferece uma série de ferramentas
para que se possa realizar uma avaliação completa, abrangente e efetiva dos serviços
em saúde, e para que a utilização dos dados obtidos nessas avaliações seja feita
de modo a promover a mudança necessária nos serviços de cuidados em saúde
destinados a pessoas com transtornos mentais.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 140


Módulo

4 Jurisprudência internacional sobre


direitos humanos e saúde mental
Olá, estudante!

Neste módulo, trabalharemos os principais relatórios, casos e decisões dos Sistemas


Internacionais de Direitos Humanos que se relacionam com o tema “saúde mental”.

1. Relatórios e decisões dos Sistemas ONU,


Interamericano e Europeu de Direitos Humanos

Reconhecer a Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos


e os casos analisados pelo sistema interamericano sobre saúde
mental.

Os Sistemas ONU, Interamericano e Europeu de Direitos Humanos possuem diversos


relatórios e decisões interessantes relacionados ao tema “saúde mental e direitos
humanos”. Esses documentos constituem a principal fonte de conhecimento sobre
os padrões internacionais de tratamento das pessoas com transtorno mental sob
cuidados em saúde. A seguir, vamos estudar os documentos relacionados a cada
um desses sistemas.

1.1. Relatórios e decisões do Sistema ONU

Para facilitar a compreensão, observe a figura a seguir, que mostra um organograma


dos órgãos de monitoramento de direitos humanos da ONU. Na última fileira,
encontram-se os nomes dos mecanismos de monitoramento utilizados por cada
um desses órgãos. Os tipos de documentos utilizados nessa pesquisa (Relatórios
de Relatores Especiais; Relatórios e Comentários Gerais das Convenções temáticas)
encontram-se destacados em amarelo na figura.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 141


Figura 31 - Sistema ONU de Direitos Humanos - Mecanismos de monitoramento

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, passamos a apresentar as recomendações expedidas por órgãos de direitos


humanos da ONU sobre o tratamento que deve ser dado a pessoas com transtorno
mental.

Os órgãos cujos documentos foram considerados para a pesquisa


são os organismos responsáveis por monitorar a proibição da
tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e os
direitos da pessoa com deficiência.

No que diz respeito à proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou


degradantes, a pesquisa se baseou nos relatórios temáticos do Relator Especial
da ONU sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
bem como nos comentários gerais e recomendações. Assim, são enfocados três
documentos:

• Relatório temático A/HRC/22/53 (2013)


• Recomendação Geral nº 2 de 2011
• Nota do Relator Especial “Maus tratos em ambientes de saúde: quando
um cuidador se torna um torturador”, de 13 de março de 2013

A pesquisa também levou em consideração os documentos emitidos pelo Comitê


contra a Tortura (CAT), órgão de monitoramento da Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Os documentos
utilizados na pesquisa foram aqueles classificados como “comentários gerais” e
“relatórios”. O documento encontrado sob esses parâmetros foi o Relatório do CAT
A/64/44, de 2009.

No que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, foram considerados
para a pesquisa os relatórios e relatórios temáticos publicados pelo Relator Especial

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 142


da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Relatórios temáticos A/
HRC/40/54 (2019), A/74/186 (2019), A/73/161 (2018) e A/HRC/37/56 (2018).

• Comentários Gerais CRPD/C/5 (2022), CRPD/C/GC/6 (2018) e CRPD/C/


GC/1 (2014)
• Relatório A/72/55 (2017)

Nos documentos pesquisados, foram encontradas importantes


recomendações feitas pelos órgãos da ONU aos Estados com
relação a padrões internacionais de tratamento de pessoas com
transtornos mentais sob cuidados em saúde.

As recomendações foram sistematizadas por temas, conforme demonstrado nos


quadros a seguir.

1.1.1. Consentimento informado

Quadro 19 - Recomendações sobre consentimento informado

Comitê/ Documento
Recomendação
Relatoria fonte e ano
Garantir que a prestação de serviços de Comitê das
saúde, incluindo serviços de saúde mental, Pessoas com Relatório
seja baseada no consentimento livre e Deficiência A/72/55 (2017)
informado da pessoa em questão. (CRPD)
Os Estados Partes têm a obrigação de Comitê das
não permitir que tomadores de decisão Pessoas com Relatório
substitutos forneçam consentimento em Deficiência A/72/55 (2017)
nome de pessoas com deficiência. (CRPD)
Relator Especial
da ONU sobre
Os regimes de decisão substituída devem Relatório
Tortura e Outros
ser trocados por regimes de decisões temático A/
Tratamentos
assistidas, que respeitem a autonomia, a HRC/22/53
Cruéis,
vontade e as preferências da pessoa. (2013)
Desumanos ou
Degradantes
Relator Especial
Na transmissão de informações, os da ONU sobre
Relatório
profissionais de saúde devem estar Tortura e Outros
temático A/
cientes e se adaptar às necessidades Tratamentos
HRC/22/53
específicas de pessoas lésbicas, gays, Cruéis,
(2013)
bissexuais, transgêneros e intersexuais. Desumanos ou
Degradantes

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 143


Comitê/ Documento
Recomendação
Relatoria fonte e ano
Os Estados devem assegurar-se de que a
informação sobre saúde esteja totalmente Relator Especial
disponível, aceitável, acessível e de boa da ONU sobre
Relatório
qualidade; e que seja transmitida e Tortura e Outros
temático A/
compreendida por meio de medidas de Tratamentos
HRC/22/53
apoio e proteção, como, por exemplo, uma Cruéis,
(2013);
ampla gama de serviços e apoios baseados Desumanos ou
na comunidade, como aconselhamento e Degradantes
envolvimento em redes comunitárias.

Fonte: Elaborado pela autora.

1.1.2. Grupos vulneráveis

Quadro 20 - Recomendações sobre grupos vulneráveis

Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
Assegurar a proteção especial de grupos e
indivíduos minoritários e marginalizados Relator Especial
como um componente crítico da obrigação de da ONU sobre
Relatório
prevenir a tortura e os maus-tratos, investindo Tortura e Outros
temático A/
e oferecendo aos indivíduos marginalizados Tratamentos
HRC/22/53
uma ampla gama de apoios voluntários Cruéis,
(2013)
que lhes permitam exercer sua capacidade Desumanos ou
legal e que respeitem sua autonomia, sua Degradantes
vontade e suas preferências individuais.
Os Estados devem revogar qualquer lei
que permita tratamentos intrusivos e
irreversíveis, incluindo cirurgia forçada
de normalização genital, esterilização Relator Especial
involuntária, experimentação antiética, da ONU sobre
Relatório
exibição médica, “terapias reparadoras” ou Tortura e Outros
temático A/
“terapias de conversão”, quando aplicadas Tratamentos
HRC/22/53
ou administradas sem o consentimento Cruéis,
(2013)
livre e informado da pessoa em questão. Desumanos ou
Devem, ainda, proibir a esterilização forçada Degradantes
ou coagida em todas as circunstâncias e
fornecer proteção especial a indivíduos
pertencentes a grupos marginalizados.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 144


Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
Integrar os direitos dos idosos com deficiência
em todas as políticas e programas para idosos
e pessoas com deficiência. Por exemplo,
a situação dos idosos com deficiência é
abordada nos planos de ação nacionais sobre
deficiência da Alemanha e da Eslovênia. As
estratégias nacionais e os planos de ação
sobre envelhecimento e deficiência devem
Relator Especial Relatório
se complementar e garantir que as pessoas
sobre os Direitos temático
idosas com deficiência, independentemente
da Pessoa com A/74/186
de sua idade ou deficiência, não caiam
Deficiência (2019)
no esquecimento. As pessoas idosas
com deficiência psicossocial devem ser
totalmente incluídas nessas políticas e não
devem ser abandonadas ou abordadas
apenas por meio de estratégias de saúde
mental que carecem de uma abordagem
baseada em direitos para a deficiência e
que podem violar seus direitos humanos.

Fonte: Elaborado pela autora.

1.1.3. Medicação e cuidados paliativos

Quadro 21 - Recomendações sobre medicação e cuidados paliativos

Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Relator Especial
Adotar uma abordagem baseada em
da ONU sobre
direitos humanos para o controle de Relatório
Tortura e Outros
medicamentos como questão prioritária temático A/
Tratamentos
para prevenir as contínuas violações de HRC/22/53
Cruéis,
direitos decorrentes das abordagens atuais (2013)
Desumanos ou
de redução da oferta e da demanda.
Degradantes

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 145


Assegurar que as leis nacionais de
Relator Especial
controle de medicamentos reconheçam
da ONU sobre
a natureza indispensável dos narcóticos Relatório
Tortura e Outros
e psicotrópicos para o alívio da dor e do temático A/
Tratamentos
sofrimento, e revisar a legislação nacional HRC/22/53
Cruéis,
e os procedimentos administrativos para (2013)
Desumanos ou
garantir a disponibilidade adequada desses
Degradantes
medicamentos para usos médicos legítimos.
Garantir medicamentos essenciais – Relator Especial
que incluem, entre outros, analgésicos da ONU sobre
Relatório
opioides – como parte de obrigações Tortura e Outros
temático A/
básicas mínimas decorrentes do direito Tratamentos
HRC/22/53
à saúde e tomar medidas para proteger Cruéis,
(2013)
as pessoas sob sua jurisdição de Desumanos ou
tratamento desumano e degradante. Degradantes
Relator Especial
Garantir o acesso total aos cuidados
da ONU sobre
paliativos e superar os atuais obstáculos Relatório
Tortura e Outros
regulatórios, educacionais e atitudinais temático A/
Tratamentos
que restringem a disponibilidade de HRC/22/53
Cruéis,
medicamentos essenciais para cuidados (2013)
Desumanos ou
paliativos, especialmente a morfina oral.
Degradantes
Relator Especial
da ONU sobre
Elaborar e implementar políticas que Relatório
Tortura e Outros
promovam a compreensão generalizada temático A/
Tratamentos
sobre a utilidade terapêutica de substâncias HRC/22/53
Cruéis,
controladas e seu uso racional. (2013)
Desumanos ou
Degradantes
Desenvolver e integrar os cuidados Relator Especial
paliativos no sistema público de saúde, da ONU sobre
Relatório
incluindo-os em todos os planos e em Tortura e Outros
temático A/
todas as políticas nacionais de saúde, nos Tratamentos
HRC/22/53
currículos e nos programas de treinamento, Cruéis,
(2013)
e desenvolvendo os padrões, as diretrizes Desumanos ou
e os protocolos clínicos necessários. Degradantes

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 146


1.1.4. Institucionalização e intervenções forçadas

Quadro 22 - Recomendações sobre institucionalização e intervenções forçadas

Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
Relator Especial
da ONU
sobre Tortura Relatório
A proibição absoluta de todas as medidas
e Outros temático A/
coercitivas e não consensuais, incluindo
Tratamentos HRC/22/53
contenção e confinamento solitário de pessoas
Cruéis, (2013);
com deficiências psicológicas ou intelectuais,
Desumanos ou Comentário
deve ser aplicada em todos os locais de
Degradantes; Geral
privação de liberdade, inclusive em instituições
Comitê das CRPD/C/5
psiquiátricas e de assistência social.
Pessoas com (2022)
Deficiência
(CRPD)
Relator Especial
Os critérios que determinam os fundamentos da ONU
pelos quais o tratamento pode ser sobre Tortura Relatório
administrado na ausência de consentimento e Outros temático A/
livre e informado devem ser esclarecidos Tratamentos HRC/22/53
na lei, e nenhuma distinção entre pessoas Cruéis, (2013)
com ou sem deficiência deve ser feita. Desumanos ou
Degradantes
Relator Especial
Somente em emergência com risco de da ONU
vida, em que não há desacordo quanto sobre Tortura Relatório
à ausência de capacidade legal, pode um e Outros temático A/
prestador de cuidados de saúde proceder Tratamentos HRC/22/53
sem consentimento informado para realizar Cruéis, (2013)
um procedimento de salvamento. Desumanos ou
Degradantes
Relator Especial
da ONU
A legislação que autoriza a institucionalização sobre Tortura Relatório
de pessoas com deficiência com base em e Outros temático A/
sua deficiência, sem seu consentimento Tratamentos HRC/22/53
livre e informado, deve ser abolida. Cruéis, (2013)
Desumanos ou
Degradantes

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 147


Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
Impor a proibição absoluta de todas as
intervenções médicas forçadas e não
consensuais contra pessoas com deficiência,
Relator Especial
incluindo a administração não consensual
da ONU
de psicocirurgia, eletrochoque e drogas que
sobre Tortura Relatório
alteram a mente, como neurolépticos, o uso
e Outros temático A/
de contenção e confinamento solitário, tanto
Tratamentos HRC/22/53
para períodos longos como para aplicação de
Cruéis, (2013)
curto prazo. A obrigação de acabar com as
Desumanos ou
intervenções psiquiátricas forçadas baseadas
Degradantes
apenas na deficiência é de aplicação imediata
e a escassez de recursos financeiros não pode
justificar o adiamento da sua implementação.
Substituir tratamento forçado por serviços
na comunidade. Esses serviços devem Relator Especial
atender às necessidades expressas por da ONU
pessoas com deficiência e respeitar a sobre Tortura Relatório
autonomia, as escolhas, a dignidade e e Outros temático A/
a privacidade da pessoa em questão, Tratamentos HRC/22/53
com ênfase em alternativas ao modelo Cruéis, (2013)
biomédico de saúde mental, incluindo Desumanos ou
apoio de pares, conscientização e Degradantes
treinamento em saúde mental.
Relator Especial
Relatório
da ONU
temático A/
sobre Tortura
Revisar e abolir as disposições HRC/22/53
e Outros
legais que permitem: (2013);
Tratamentos
A detenção por motivos de saúde mental ou Comentário
Cruéis,
em estabelecimentos de saúde mental; e Geral CRPD/C/
Desumanos ou
Quaisquer intervenções ou tratamentos GC/1 (2014);
Degradantes;
coercivos no ambiente de saúde Comentário
Comitê das
mental sem o consentimento livre e Geral CRPD/C/
Pessoas com
informado da pessoa em questão. GC/6 (2018);
Deficiência
Relatório
(CRPD); CRPD
A/72/55 (2017)
; CRPD

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 148


Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
Relator Especial
da ONU
Fechar sem demora os centros de
sobre Tortura Relatório
detenção compulsória e de “reabilitação”
e Outros temático A/
de drogas e implementar serviços sociais
Tratamentos HRC/22/53
e de saúde voluntários, baseados em
Cruéis, (2013)
evidências e direitos na comunidade.
Desumanos ou
Degradantes
Usuários de drogas ilícitas detidos em
centros de reabilitação compulsórios, Relator Especial Nota “Maus
geralmente administrados por militares da ONU tratos em
ou paramilitares, forças policiais ou de sobre Tortura ambientes de
segurança, ou por empresas privadas, sofrem e Outros saúde: quando
uma dolorosa retirada da dependência de Tratamentos um cuidador
drogas sem assistência médica, ou sofrem Cruéis, se torna um
abuso físico ou sexual. Os Estados devem Desumanos ou torturador”,
fechar esses centros e implementar serviços Degradantes (2013)
sociais e de saúde na comunidade.
Comentário
Comitê das
A reforma da legislação sobre capacidade Geral
Pessoas com
jurídica deve ser realizada de forma imediata e CRPD/C/5
Deficiência
em simultâneo com a desinstitucionalização. (2022)
(CRPD)

Comitê contra
Relatório
Iniciar reformas sociais e sistemas a Tortura (CAT);
A/64/44
alternativos de apoio comunitário Relator Especial
(2009);
em paralelo com o processo em dos Direitos
Relatório
andamento de desinstitucionalização das Pessoas
temático A/
de pessoas com deficiência. com Deficiência
HRC/40/54
da ONU
Fornecer imediatamente aos indivíduos
oportunidades de deixar as instituições,
Comentário
revogar qualquer detenção autorizada por Comitê das
Geral
disposições legislativas que não estejam Pessoas com
CRPD/C/5
em conformidade com o artigo 14 da Deficiência
(2022)
Convenção, seja sob leis de saúde mental (CRPD)
ou de outra forma, e proibir a detenção
involuntária com base na deficiência.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 149


Órgão Documento
Recomendação
recomendante fonte
O exercício da tomada de decisão Comentário
Comitê das
pelas pessoas com deficiência que se Geral
Pessoas com
encontram atualmente institucionalizadas CRPD/C/5
Deficiência
deve ser respeitado no processo (2022)
(CRPD)
de desinstitucionalização.

Suspender imediatamente novas colocações Comentário


Comitê das
em instituições, adotar moratórias sobre Geral
Pessoas com
novas admissões e sobre a construção CRPD/C/5
Deficiência
de novas instituições e alas, e abster-se (2022)
(CRPD)
de reformar instituições existentes.

As pessoas que deixam as instituições


requerem uma ampla gama de possibilidades
para a vida diária, experiências de vida
e oportunidades para prosperar na
comunidade. Os Estados partes devem
cumprir suas obrigações gerais de defender Comentário
Comitê das
os direitos dessas pessoas, em igualdade Geral
Pessoas com
de condições com os demais, no que diz CRPD/C/5
Deficiência
respeito à acessibilidade, à mobilidade (2022)
(CRPD)
pessoal, à privacidade, à integridade física
e mental, à capacidade legal, à liberdade, à
isenção de violência, abuso e exploração,
tortura e outros maus-tratos, à educação,
à participação na vida cultural e recreação
e à participação na vida política.

Fonte: Elaborado pela autora

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 150


1.1.5. Capacidade

Quadro 23 - Recomendações sobre capacidade

Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Comitê das
Deficiências reais ou percebidas na capacidade Comentário
Pessoas com
mental não devem ser usadas como Geral CRPD/C/
Deficiência
justificativa para negar a capacidade legal. GC/1 (2014)
(CRPD)
O apoio ao exercício da capacidade Comitê das Comentário
legal deve continuar, se necessário, Pessoas com Geral
depois que as pessoas com deficiência Deficiência CRPD/C/5
se estabelecerem na comunidade. (CRPD) (2022)

Fonte: Elaborado pela autora

1.1.6. Legislação

Quadro 24 - Recomendações sobre legislação

Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte

A legislação de saúde mental, desde que


Relatório
autorize e regule a privação involuntária
temático A/
da liberdade e o tratamento forçado de Relator Especial
HRC/40/54
pessoas com base em uma deficiência dos Direitos das
(2019); Relatório
real ou percebida (ou seja, diagnóstico de Pessoas com
temático A/
“condição de saúde mental” ou “distúrbio Deficiência da
HRC/37/56
mental”), deve ser abolida. Para tanto, os ONU; Comitê
(2018);
Estados devem iniciar um processo de revisão das Pessoas
Comentário
legal abrangente, que abarque diferentes com Deficiência
Geral CRPD/C/5
áreas do direito, com a participação (CRPD)
(2022); Relatório
ativa das pessoas com deficiência e de
A/72/55 (2017)
suas organizações representativas.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 151


Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Relator Especial
Promover a responsabilização por tortura
da ONU
e maus-tratos em ambientes de saúde,
sobre Tortura Relatório
identificando leis, políticas e práticas
e Outros temático A/
que levam ao abuso; e permitir que os
Tratamentos HRC/22/53
mecanismos preventivos nacionais realizem
Cruéis, (2013)
monitoramento sistemático, recebam
Desumanos ou
reclamações e iniciem ações judiciais.
Degradantes
Proteger o consentimento livre e informado Relator Especial
de forma igualitária para todos os indivíduos, da ONU
sem exceção, por meio de estrutura legal e sobre Tortura Relatório
de mecanismos judiciais e administrativos, e Outros temático A/
inclusive por meio de políticas e práticas de Tratamentos HRC/22/53
proteção contra abusos. Adotar políticas e Cruéis, (2013)
protocolos que defendam a autonomia, a Desumanos ou
autodeterminação e a dignidade humana. Degradantes
Garantir que a legislação anti-discriminação Comitê das
Comentário
se estenda às esferas pública e privada, Pessoas com
Geral CRPD/C/
abranja áreas como educação, emprego, bens Deficiência
GC/6 (2018)
e serviços e aborde a institucionalização. (CRPD)
A legislação de saúde mental, tal como Relator Especial
Relatório
existe hoje, deve ser revogada, pois cria dos Direitos
temático A/
um regime jurídico separado para pessoas das Pessoas
HRC/37/56
com deficiência psicossocial, contrário às com Deficiência
(2018)
obrigações dos Estados sob a Convenção. da ONU
A regulamentação da prática de serviços
de saúde mental deve centrar-se na
Relator Especial
aceitabilidade e qualidade, enquanto os Relatório
dos Direitos
direitos e liberdades das pessoas com temático A/
das Pessoas
deficiência psicossocial devem ser iguais HRC/37/56
com Deficiência
aos de outras pessoas em todas as áreas (2018)
da ONU
do direito, incluindo capacidade legal
e liberdade e segurança da pessoa.
Os Estados partes devem examinar de
Comitê das
forma holística todas as áreas do direito, Comentário
Pessoas com
para garantir que o direito das pessoas Geral CRPD/C/
Deficiência
com deficiência à capacidade legal não GC/1 (2014)
(CRPD)
seja restringido de forma desigual.

Fonte: Elaborado pela autora

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 152


1.1.7. Capacitação de profissionais
Quadro 25 - Recomendações sobre capacitação de profissionais

Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Relator Especial
Fornecer educação e informações da ONU sobre Relatório
adequadas sobre direitos humanos aos Tortura e Outros temático A/
profissionais de saúde sobre a proibição Tratamentos HRC/22/53
de tortura e maus-tratos e a existência, Crueis, Desumanos (2013);
extensão, gravidade e consequências ou Degradantes; Relatório
de várias situações que equivalem Relator Especial temático
a tortura e tratamento ou punição sobre os Direitos A/73/161
cruel, desumana ou degradante da Pessoa com (2018)
Deficiência
Relator Especial
da ONU sobre Relatório
Tortura e Outros temático A/
Promover uma cultura de respeito à Tratamentos HRC/22/53
integridade e à dignidade humana, o Cruéis, Desumanos (2013);
respeito à diversidade e a eliminação de ou Degradantes; Relatório
atitudes de patologização e homofobia. Relator Especial temático
sobre os Direitos A/73/161
da Pessoa com (2018)
Deficiência
Relator Especial
da ONU sobre Relatório
Tortura e Outros temático A/
Capacitar profissionais de saúde, Tratamentos HRC/22/53
juízes, promotores e policiais Cruéis, Desumanos (2013);
sobre as normas relativas ao ou Degradantes; Relatório
consentimento livre e informado. Relator Especial temático
sobre os Direitos A/73/161
da Pessoa com (2018)
Deficiência
Fortalecer a formação profissional
tanto em instituições de proteção social Comitê contra a Relatório
para pessoas com deficiência mental Tortura (CAT) A/64/44 (2009)
como em hospitais psiquiátricos.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 153


1.1.8. Controle e monitoramento

Quadro 26 - Recomendações sobre controle e monitoramento

Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Relator Especial
As organizações não governamentais e
da ONU
outros órgãos de monitoramento também
sobre Tortura
devem ter acesso a instituições estatais não Recomendação
e Outros
penais que cuidam de idosos, pessoas com Geral nº 2
Tratamentos
transtornos mentais e órfãos, bem como (2011)
Cruéis,
centros de detenção para estrangeiros,
Desumanos ou
incluindo requerentes de asilo e migrantes.
Degradantes
Investigar denúncias de tortura
Relatório
ou tratamento ou punição cruel, Comitê contra
A/64/44 (2009)
desumana ou degradante de pessoas a Tortura (CAT)
com deficiência em instituições.
Os dados coletados pelos Estados Partes
devem ser desagregados de acordo com raça,
origem étnica, idade, gênero, sexo, orientação
sexual, situação socioeconômica, tipo de
deficiência, motivo da institucionalização,
data de admissão, data prevista ou real de
liberação e outros atributos. Isso inclui a
coleta de registros confiáveis, acessíveis Comitê das Comentário
e atualizados dos números e dados Pessoas com Geral CRPD/C/5
demográficos de pessoas em ambientes Deficiência (2022)
psiquiátricos ou de saúde mental, registros (CRPD)
sobre se o dever de permitir que pessoas
com deficiência deixem as instituições
foi cumprido, registros do número de
pessoas que já exerceram a opção de
desligamento, e outras informações
referentes ao planejamento para os que
ainda não saíram das instituições.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 154


Órgão Documento
Recomendação ao(s) Estado(s)
recomendante fonte
Garantir que todas as pessoas com
deficiência que sofreram qualquer forma
de exploração, violência ou abuso no
contexto de regimes de tomada de decisão
substituídos ou apoiados, incluindo Relator Especial
Relatório
detenção arbitrária ou violações da dos Direitos
temático A/
integridade pessoal, de acordo com a das Pessoas
HRC/37/56
legislação de saúde mental, tenham acesso com Deficiência
(2018)
à justiça e a remédios eficazes. Esses da ONU
recursos devem incluir compensação e
reparações adequadas, inclusive restituição,
compensação, satisfação e garantias de
não repetição, conforme apropriado.
Instituições nacionais de direitos humanos
e mecanismos independentes para a
promoção, a proteção e o monitoramento Relator Especial
Relatório
da implementação da Convenção devem dos Direitos
temático A/
ser mandatados para realizar inquéritos e das Pessoas
HRC/37/56
investigações em relação ao gozo do direito à com Deficiência
(2018)
capacidade legal de pessoas com deficiência da ONU
e para prestar assistência a pessoas com
deficiência no acesso a recursos legais.

Fonte: Elaborado pela autora.

1.1.9. Outras recomendações


O CRPD recomenda, por meio do Comentário Geral CRPD/C/5 (2022), que haja uma
coordenação internacional de esforços para apoiar a desinstitucionalização, já que
essa cooperação é importante para evitar a replicação de más práticas, como a
promoção do modelo biomédico de deficiência e leis coercitivas de saúde mental.

Nesse sentido, o Comitê insta os Estados a estabelecerem uma plataforma


internacional para boas práticas de desinstitucionalização, em estreita consulta a
pessoas com deficiência, especialmente sobreviventes de institucionalização e suas
organizações representativas.

Sendo assim, podemos observar que os órgãos de monitoramento de direitos


humanos da ONU – em particular os que monitoram os direitos a não ser torturado
ou submetido a tratamento cruel, desumano ou degradante, e os direitos das
pessoas com deficiência – recomendam padrões internacionais de direitos humanos
que devem ser adotados pelos Estados nos cuidados em saúde a pessoas com
transtornos mentais.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 155


A adoção desses padrões beneficia não somente as pessoas sob cuidados em
saúde, mas também seus familiares, os profissionais da saúde e o próprio Estado,
na medida em que promove uma cultura de direitos humanos.

1.2. Relatórios e decisões do Sistema


Interamericano de Direitos Humanos

Nos casos julgados pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, podemos


encontrar importantes determinações relacionadas aos cuidados em saúde de
pessoas com transtorno mental.

As tabelas a seguir apresentam as disposições de sentenças da Corte Interamericana


de Direitos Humanos (Corte IDH) relacionadas ao tratamento de pessoas com
transtornos mentais, relativas aos seguintes casos:
• Ximenes Lopes vs. Brasil (2006)
• Dacosta Cardogan vs. Barbados (2009)
• Furlan e Familiares vs. Argentina (2012)
• Guachalá Chimbo e Outros vs. Ecuador (2021)
• Guevara Dias vs. Costa Rica (2022)

1.2.1. Informação

Quadro 27 - Informação

Disposição da sentença Caso da Corte IDH


O Estado deve assegurar que todas as pessoas acusadas
de um crime, punível com a pena de morte obrigatória,
sejam devidamente informadas, no início do processo Dacosta Cardogan
penal contra elas, do seu direito a obter uma avaliação vs. Barbados (2009)
psiquiátrica por um psiquiatra contratado pelo Estado
(de acordo com o parágrafo 105 da Sentença).
O Estado deve adotar as medidas necessárias para
que, quando uma pessoa for diagnosticada com
problemas graves ou sequelas relacionadas à sua
deficiência, seja entregue à pessoa ou seu grupo Furlan e Familiares
familiar uma declaração de direitos que resuma vs. Argentina (2012)
de forma sintética, clara e acessível os benefícios
contemplados pela regulamentação argentina, (conforme
o disposto nos parágrafos 294 e 295 da Sentença).

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 156


Disposição da sentença Caso da Corte IDH
O Estado elaborará uma publicação ou brochura que
desenvolva de forma sintética, clara, acessível e de
fácil leitura os direitos das pessoas com deficiência na
Guachalá Chimbo
prestação de cuidados em saúde na qual deverá ser
e Outros vs.
feita menção específica à assistência prévia, gratuita e
Ecuador (2021)
integral informados e a obrigação de prestar o apoio
necessário às pessoas com deficiência (de acordo
com o disposto no parágrafo 251 da Sentença).
O Estado realizará um vídeo informativo sobre os direitos
das pessoas com deficiência ao receber cuidados de
saúde, bem como as obrigações dos profissionais de
Guachalá Chimbo
saúde na atenção às pessoas com deficiência, no qual
e Outros vs.
deve ser feita menção específica ao consentimento
Ecuador (2021)
prévio, gratuito, pleno e informado e à obrigação de
prestar o apoio necessário às pessoas com deficiência (de
acordo com o disposto no parágrafo 251 da Sentença).

Fonte: Elaborado pela autora.

1.2.2. Cuidados em saúde


Quadro 28 - Atenção e assistência médica/psicológica

Disposição da sentença Caso da Corte IDH

O Estado deve prestar cuidado em saúde, incluindo


o cuidado psicológico ou psiquiátrico gratuito de
forma imediata, adequada e eficaz, por meio de Furlan e Familiares
suas instituições especializadas de saúde pública, às vs. Argentina (2012)
vítimas que o solicitarem (em conformidade com o
disposto nos parágrafos 282 e 284 da Sentença).

O Estado deve formar um grupo interdisciplinar que,


levando em consideração a opinião de Sebastián
Furlan (vítima), determinará as medidas de proteção e Furlan e Familiares
assistência mais adequadas para sua inclusão social, vs. Argentina (2012)
educacional, profissional e laboral (de acordo com o
disposto nos parágrafos 285 e 288 da Sentença).
O Estado regulará a obrigação internacional de prestar
Guachalá Chimbo
apoio às pessoas com deficiência para que possam
e Outros vs.
dar seu consentimento informado ao tratamento de
Ecuador (2021)
saúde (nos termos do parágrafo 245 da Sentença).

Fonte: Elaborado pela autora.

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1.2.3. Capacitação de profissionais

Quadro 29 - Capacitação de profissionais

Disposição da sentença Caso da Corte IDH

O Estado elaborará e implementará um curso de


Guachalá Chimbo
capacitação sobre consentimento informado e obrigação
e Outros vs.
de apoio às pessoas com deficiência para o pessoal médico
Ecuador (2021)
e de saúde do Hospital Júlio Endara (em conformidade
com o disposto no parágrafo 250 da Sentença).
O Estado deve continuar a desenvolver um programa
de educação e formação para médicos, psiquiatras,
psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e
Ximenes Lopes
todas as pessoas ligadas à saúde mental, em particular,
vs. Brasil (2006)
sobre os princípios que devem reger o tratamento de
pessoas com deficiência mental, de acordo com as normas
internacionais sobre a matéria e as estabelecidas na
Sentença do caso (nos termos do parágrafo 250 da mesma).

Fonte: Elaborado pela autora

1.2.4 Medidas de regulamentação


Quadro 30 - Medidas de regulamentação

Disposição da sentença Caso da Corte IDH


O Estado elaborará um protocolo de atuação em Guachalá Chimbo
casos de desaparecimento de pessoas internadas e Outros vs.
em centros públicos de saúde (de acordo com Ecuador (2021)
o disposto no parágrafo 253 da Sentença).
O Estado deve estabelecer expressamente a obrigação Guevara Dias vs.
de prestar apoio às pessoas com deficiência, a fim Costa Rica (2022)
de garantir o direito à saúde sem discriminação.

Fonte: Elaborado pela autora.

Assim, verificamos que a Corte IDH emitiu diversas disposições sobre os cuidados
em saúde a pessoas acometidas de transtornos mentais, e que as disposições são
compatíveis, em seu conteúdo, com as recomendações propostas pela ONU sobre a
matéria. Nesse sentido, é interessante observar as disposições do Sistema Europeu
de Direitos Humanos sobre o assunto.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 158


1.3. Relatórios e decisões do Sistema Europeu de
Direitos Humanos
Assim como os Sistemas ONU e Interamericano de Direitos Humanos, o Sistema
Europeu apresenta uma série de determinações que estabelecem os padrões
internacionais de tratamento das pessoas com transtornos mentais sob cuidados
em saúde.

Devido à grande quantidade de casos envolvendo cuidados em saúde a pessoas


com transtorno mental, foram selecionados aqueles em que o órgão julgador
emitia determinação geral, direcionada a todos os Estados, e não só ao Estado sob
julgamento. Assim, os casos selecionados foram:

• Sy vs. Itália (2022)


• Blokhin vs. Rússia (2016)
• Murray vs. Holanda (2016)
• Claes vs. Bélgica (2013)
• Ţicu vs. Romênia (2013)
• DD vs. Lituânia (2012)
• Stanev vs. Bulgária (2012)
• Shtukaturov vs. Rússia (2008)
• Rivière vs. França (2006)
As determinações foram divididas por temas, para facilitar a compreensão.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 159


1.3.1. Direito à liberdade e à segurança (artigo 5º da Convenção)
Quadro 31 - Direito à liberdade e à segurança

Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
O requerente tem um
histórico de doença mental
e foi declarado oficialmente
inválido em 2003.
Após um pedido apresentado Factsheet
Nos casos de
por sua mãe, os tribunais Pessoas
internação
russos o declararam com
compulsória, o
Shtukaturov legalmente incapaz em Deficiência
doente mental
vs. Rússia dezembro de 2004. Sua ea
deve ser ouvido
(2008) mãe foi posteriormente Convenção
pessoalmente ou, se
nomeada sua tutora e, em Europeia
for o caso, através
novembro de 2005, ela o dos Direitos
de qualquer forma
internou em um hospital Humanos
de representação.
psiquiátrico. O recorrente (2022)
alegou, em particular, que
tinha sido privado da sua
capacidade jurídica sem
o seu conhecimento.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 160


Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte

A Grande Secção
observou que há
agora uma tendência
em nível europeu
no sentido de
conceder às pessoas
legalmente incapazes
acesso direto aos
tribunais para buscar
a restauração de
sua capacidade.

Instrumentos
internacionais
para a proteção
Colocado sob tutela parcial de pessoas com Factsheet
contra a sua vontade e transtornos mentais Pessoas
internado em um lar de também atribuem com
assistência social para importância Deficiência
Stanev vs.
pessoas com transtornos crescente a ea
Bulgária
mentais, o requerente conceder-lhes Convenção
(2012)
queixou-se, nomeadamente, o máximo de Europeia
de não poder recorrer a autonomia jurídica dos Direitos
um tribunal para obter a possível. Humanos
libertação da tutela parcial. (2022)
O artigo 6º, § 1º, da
Convenção deve
ser interpretado no
sentido de garantir,
em princípio, que
qualquer pessoa que
tenha sido declarada
parcialmente
incapaz, como foi o
caso do requerente,
tenha acesso direto
a um tribunal
para buscar a
restauração de sua
capacidade jurídica.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 161


Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
Neste julgamento,
a Grande Câmara
sublinhou em
particular que
Este caso dizia respeito à era essencial que
detenção, por 30 dias, de salvaguardas
um menino de 12 anos, que processuais
sofria de transtorno mental adequadas Factsheet
e neurocomportamental, estivessem em vigor Pessoas
em um centro de detenção para proteger o com
Blokhin temporária para menores melhor interesse e Deficiência
vs. Rússia infratores. O demandante bem-estar de uma ea
(2016) sustentou, em particular, criança quando Convenção
que o processo contra ele sua liberdade Europeia
havia sido injusto, porque estava em jogo. dos Direitos
ele teria sido interrogado Humanos
pela polícia na ausência de Além disso, crianças (2022)
seu tutor, de um advogado com deficiência
ou de um professor. podem exigir
salvaguardas
adicionais para
garantir que estejam
suficientemente
protegidas.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 162


1.3.2. Direito a um julgamento justo (Artigo 6º da Convenção
Europeia de Direitos Humanos)

Quadro 32 - Direito a um julgamento justo

Determinação
Caso Resumo do caso Documento fonte
aos Estados
Sofrendo de
esquizofrenia, a
requerente foi
legalmente incapacitada
em 2000.
Quando uma
pessoa capaz de
Seu pai adotivo foi
se manifestar,
posteriormente
apesar de privada
nomeado seu tutor
de capacidade
legal e, a pedido deste,
jurídica, também
ela foi internada em Factsheet Pessoas
for privada de
junho de 2004. com Deficiência
DD vs. liberdade a pedido
e a Convenção
Lituânia de seu tutor, deve
Em seguida, ela foi Europeia dos
(2012) ser concedida a
colocada em uma Direitos Humanos
ela a oportunidade
casa de repouso, onde (2022)
de contestar essa
permaneceu até 2012.
detenção perante
um tribunal com
A recorrente queixou-
representação
se, nomeadamente,
legal separada.
de ter sido internada
neste lar sem o seu
consentimento e
sem possibilidade
de revisão judicial.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 163


1.3.3. Saúde mental e detenção

Quadro 33 - Saúde mental e detenção

Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
Neste acórdão, o Tribunal
sublinhou que a situação
do requerente resultava,
na realidade, de um
problema estrutural: por
Este caso diz respeito
um lado, o apoio prestado
ao confinamento de um
às pessoas detidas nas alas
agressor sexual com
psiquiátricas prisionais era
doença mental, que
insuficiente e, por outro Factsheet
havia sido considerado
Claes vs. lado, a sua colocação em Saúde
não responsável
Bélgica instalações fora da prisão Mental e
criminalmente, na ala
(2013) revelou-se muitas vezes Detenção
psiquiátrica de uma prisão
impossível, quer devido (2022)
comum, sem cuidados de
à escassez de vagas em
saúde apropriados, por
hospitais psiquiátricos,
mais de quinze anos.
ou porque a legislação
pertinente não permite
que as autoridades de
saúde mental ordenem
sua internação em
unidades externas.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 164


Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
O requerente estava
cumprindo uma O Tribunal notou que as
sentença de vinte recomendações relevantes
anos por participação do Comitê de Ministros
em assalto à mão do Conselho da Europa
armada que ocasionou aos Estados membros, ou
a morte da vítima. seja, a Recomendação No.
R(98)7 sobre os aspectos
Na infância, ele sofreu de éticos e organizacionais
uma doença que levou dos cuidados de saúde na Factsheet
Ţicu vs. a atrasos consideráveis prisão e a Recomendação Saúde
Romênia em seu desenvolvimento Rec(2006)2 sobre as Regras Mental e
(2013) físico e mental. Penitenciárias Europeias, Detenção
defenderam que os (2022)
Ele queixou-se, em prisioneiros que sofrem
particular, das más de graves problemas de
condições de detenção saúde mental devem ser
nas várias prisões onde mantidos e tratados em
cumpria a sua pena instalações hospitalares
e, especialmente, da adequadamente
superlotação e das equipadas e com pessoal
deficiências na prestação devidamente formado.
de cuidados de saúde.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 165


Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
Este caso diz respeito
à denúncia de um
homem condenado por
assassinato em 1980,
sobre sua sentença de
prisão perpétua sem
qualquer perspectiva
realista de libertação.
Neste caso, o Tribunal
O recorrente cumpriu
sublinhou que os Estados
consecutivamente sua
tinham a obrigação de Factsheet
sentença de prisão
Murray vs. fornecer cuidados de Saúde
perpétua nas ilhas de
Holanda saúde adequados aos Mental e
Curaçao e Aruba (parte
(2016) detidos que sofriam de Detenção
do Reino dos Países
problemas de saúde (2022)
Baixos), até ser perdoado
– incluindo problemas
em 2014, devido à
de saúde mental.
deterioração de sua saúde.
O recorrente, que
entretanto faleceu,
sustentou designadamente
que não dispunha de
regime prisional especial
para reclusos com
problemas psiquiátricos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 166


Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
Este caso refere-se ao
fato de o requerente, que
sofria de perturbação
da personalidade e
perturbação bipolar,
ter permanecido detido
em uma prisão comum,
apesar de decisões
judiciais nacionais
declararem que a Os governos devem
sua saúde mental era organizar seus sistemas
Factsheet
incompatível com tal penitenciários de forma
Sy vs. Saúde
detenção e ordenarem a garantir o respeito à
Itália Mental e
a sua transferência para dignidade dos detentos,
(2022) Detenção
um Centro Residencial independentemente
(2022)
para a aplicação de de suas dificuldades
medidas preventivas financeiras ou logísticas.
(REMS) e, posteriormente,
a um serviço
psiquiátrico prisional.
O requerente alegou,
em particular, que sua
detenção contínua numa
prisão comum o impediu
de beneficiar-se de
cuidados terapêuticos.

Fonte: Elaborado pela autora

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 167


1.3.4. Detentos com tendências suicidas
Quadro 34 - Detentos com tendências suicidas

Determinação Documento
Caso Resumo do caso
aos Estados fonte
O requerente queixou-se da sua
prisão continuada apesar dos
Os presos com graves
seus problemas psiquiátricos.
transtornos mentais
e tendências suicidas
Rivière Este havia sido diagnosticado Factsheet
requerem medidas
vs. com um distúrbio psiquiátrico Saúde
especiais adaptadas
França envolvendo tendências suicidas, e Mental e
à sua condição,
(2006) os peritos estavam preocupados Detenção
independentemente
com certos aspectos do seu (2022)
da gravidade do
comportamento, em particular
delito pelo qual
uma compulsão para o
foram condenados.
autoestrangulamento, que exigia
tratamento fora da prisão.

Fonte: Elaborado pela autora.

1.4. Conclusão
Com base nos relatórios e decisões dos Sistemas ONU, Interamericano e Europeu
de Direitos Humanos sobre o tema de saúde mental e direitos humanos, é evidente
que as pessoas com transtornos mentais têm direitos fundamentais que devem ser
respeitados. Os profissionais de saúde devem tratar essas pessoas com dignidade
e respeito, garantindo que seus direitos humanos sejam protegidos em todos os
momentos.

Os tratamentos fundamentados em direitos humanos são baseados em evidências,


voluntários e fornecidos com consentimento informado. Eles devem ser projetados
para serem menos invasivos e menos restritivos, garantindo que a autonomia e a
privacidade das pessoas sejam preservadas. O acesso a serviços de saúde mental
de qualidade e a um sistema de justiça eficaz também deve ser garantido. Os
profissionais de saúde devem garantir que as pessoas com transtornos mentais
tenham acesso a serviços de saúde mental de qualidade e que os sistemas de justiça
garantam a proteção e a promoção dos direitos humanos.

Assim, os profissionais de saúde devem sempre lembrar que as pessoas com


transtornos mentais são detentoras de direitos humanos fundamentais e que esses
direitos devem ser protegidos em todos os momentos. O tratamento baseado em
direitos humanos é um conceito-chave que deve ser sempre aplicado na prática

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 168


clínica e assistencial, garantindo que o cuidado com a saúde mental respeite e
promova a dignidade humana.

No que diz respeito à importância de tratar as pessoas sob


cuidados em saúde mental com respeito, dignidade e humanidade,
recomendamos a obra “Nise: O Coração da Loucura”, de 2016.

O filme conta a história da luta da psiquiatra Nise da Silveira


contra as práticas abusivas de tratamento psiquiátrico no
Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, na década de 1940.

Através de seu trabalho, Nise aplicou uma abordagem


revolucionária para o tratamento de pacientes com transtornos
mentais, baseada na arte e na criatividade. “Nise: O Coração da
Loucura” é um filme emocionante e inspirador que destaca a
importância do tratamento humanizado e baseado na arte para
o cuidado com a saúde mental.

Você pode assistir o trailer do filme através do link: https://youtu.


be/UeAUNvcM_xk

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 169


2. Casos julgados pelos Sistemas Internacionais
de Direitos Humanos

Reconhecer os casos judiciais sobre direitos humanos e saúde


mental.

Os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos apresentam diversas decisões


acerca dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental e sobre como
essas pessoas devem ser tratadas quando sob cuidados em saúde.

Esse conjunto de decisões revela os padrões internacionais de tratamento, que


devem ser seguidos pelos Estados membros dos Sistemas de Direitos Humanos.
Assim, por meio do avanço da jurisprudência em direitos humanos e saúde mental,
promove-se o desenvolvimento das práticas domésticas de tratamento a pessoas
com transtorno mental.

Veja, a seguir, alguns dos principais julgamentos do Sistema Interamericano de


Direitos Humanos e do Sistema Europeu de Direitos Humanos.

2.1. Caso Ximenes Lopes


O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil trata da morte do senhor Damião Ximenes Lopes,
pessoa com transtornos mentais que se encontrava internada em instituição
psiquiátrica ligada ao SUS, e da impossibilidade de seus familiares alcançarem a
justiça no âmbito doméstico. O falecimento ocorreu devido a maus-tratos sofridos
durante a internação.

O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos


Humanos por ter violado o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito
às garantias judiciais e o direito à proteção judicial, tendo sido responsabilizado
internacionalmente. A sentença do caso foi cumprida parcialmente e a Corte
permanece supervisionando o seu cumprimento.

2.1.1. Relevância do caso no estudo de direitos humanos das pessoas


com transtornos mentais
O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil possui ampla relevância no estudo dos direitos
humanos, especificamente no que diz respeito às pessoas com transtorno mental.
Sobre isso, ouça o áudio a seguir.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 170


Podcast 4 - A relevância do Caso Ximenes Lopes no estudo dos
direitos humanos das pessoas com transtornos mentais

2.1.2. O caso
A sentença do caso descreve, em detalhes, as circunstâncias da morte do senhor
Damião Ximenes Lopes:

112.9. Em 4 de outubro de 1999, aproximadamente às 9h, a mãe do senhor


Damião Ximenes Lopes chegou à Casa de Repouso Guararapes para visitá-
lo e o encontrou sangrando, com hematomas, com a roupa rasgada, sujo e
cheirando a excremento, com as mãos amarradas para trás, com dificuldade
para respirar, agonizante e gritando e pedindo socorro à polícia. Continuava
submetido à contenção física que lhe havia sido aplicada desde a noite anterior, já
apresentava escoriações e feridas e pôde caminhar sem a adequada supervisão.
Posteriormente, um auxiliar de enfermagem o deitou em uma cama, da qual
caiu. Então o deitaram num colchonete no chão.

[...]

112.11. O senhor Damião Ximenes Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999,


às 11h30, na Casa de Repouso Guararapes, em circunstâncias violentas,
aproximadamente duas horas depois de haver sido medicado pelo Diretor Clínico
do hospital, sem ser assistido por médico algum no momento de sua morte, já
que a unidade pública de saúde em que se encontrava internado para receber
cuidados psiquiátricos não dispunha de nenhum médico naquele momento. [...]
Posteriormente à morte do senhor Damião Ximenes Lopes, o médico Francisco
Ivo de Vasconcelos foi chamado e regressou à Casa de Repouso Guararapes.
Examinou o corpo da suposta vítima, declarou sua morte e fez constar que o
cadáver não apresentava lesões externas e que a causa da morte havia sido uma
“parada cardio-respiratória”. O médico não ordenou a realização de necropsia
no corpo do senhor Damião Ximenes Lopes. Albertina Viana Lopes se inteirou
da morte de seu filho ao chegar a sua casa, no Município de Varjota. (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006, p. 31-32)

A irmã do Sr. Damião Ximenes Lopes, Irene Ximenes Lopes, apresentou a petição
contra o Estado brasileiro em novembro de 1999 à Comissão Interamericana de

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 171


Direitos Humanos (CIDH). A Comissão, por sua vez, ofereceu a demanda à Corte em
1º de outubro de 2004, originando a denúncia contra o Estado brasileiro.

O Estado foi acusado de violar os direitos a seguir, previstos nos seguintes artigos
da Convenção Americana de Direitos Humanos, ferindo a obrigação de respeitar
os direitos, estabelecida no artigo 1.1 da Convenção.

• Artigo 4 (Direito à Vida)


° Morte da vítima enquanto se encontrava submetida ao tratamento
psiquiátrico.

• Artigo 5 (Direito à Integridade Pessoal)


° Condições desumanas e degradantes da hospitalização
° Golpes e ataques contra a integridade pessoal de que foi vítima
por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes

• Artigo 8 (Garantias Judiciais) e Artigo 25 (Proteção Judicial)


° A falta de investigação e garantias judiciais que caracteriza o caso.

Veja, a seguir, os quadros que apresentam alguns dos posicionamentos dos


representantes das vítimas, do Estado, da CIDH e da Corte IDH sobre cada uma das
violações cometidas pelo Estado:

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 172


Artigo 4º (Direito à Vida)
Quadro 35 – Direito à vida

Representantes Estado CIDH Corte IDH


das vítimas
O Estado falhou O Estado O Estado não A Corte reitera que
em sua obrigação reconhece sua cumpriu sua o reconhecimento
de preservar responsabilidade obrigação de de responsabilidade
e proteger a internacional proteger e efetuado pelo
vida do senhor pela violação preservar a vida Estado pela violação
Damião Ximenes dos artigos 4 e do senhor Damião dos artigos 4 e 5
Lopes, já que não 5 da Convenção Ximenes Lopes. da Convenção,
adotou medidas Americana, em Esta violação pode em detrimento do
de prevenção demonstração de ser percebida senhor Damião
para impedir seu compromisso não somente Ximenes Lopes,
sua morte, não com a proteção porque seus constitui uma
fiscalizou nem dos direitos agentes causaram contribuição
monitorou o humanos. sua morte, mas positiva para o
funcionamento da porque o Estado desenvolvimento
Casa de Repouso não exerceu desse processo e
Guararapes. devidamente a reveste fundamental
Além disso, a falta fiscalização da importância
de investigação Casa de Repouso para a vigência
séria e efetiva e Guararapes. dos princípios
de sanção dos Além disso, a falta que inspiram
responsáveis pela de investigação a Convenção
morte da suposta séria e punição Americana
vítima constitui dos responsáveis no Estado.
violação do Estado pela morte de
de sua obrigação Ximenes Lopes
de garantir o constitui uma
direito à vida. violação por
parte do Estado
de sua obrigação
de garantir o
direito à vida.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 173


Artigo 5º (Direito à Integridade Pessoal)

Quadro 36 - Direito à Integridade Pessoal

Representantes Estado CIDH Corte IDH


das vítimas
O senhor Damião O Estado As condições de A Corte
Ximenes Lopes reconhece sua hospitalização na reitera que o
foi submetido responsabilidade Casa de Repouso reconhecimento de
a tratamentos internacional Guararapes responsabilidade
cruéis, desumanos pela violação eram por si sós efetuado pelo
e degradantes na dos artigos 4 e incompatíveis com o Estado pela
Casa de Repouso 5 da Convenção respeito à dignidade violação dos
Guararapes. Americana, em da pessoa humana. artigos 4 e 5 da
As agressões demonstração Pelo simples fato de Convenção, em
foram realizadas de seu haver sido internado detrimento do
pelos indivíduos compromisso nesta instituição senhor Damião
que detinham a com a proteção como paciente Ximenes Lopes,
custódia do senhor dos direitos do SUS, o senhor constitui uma
Damião Ximenes humanos. Damião Ximenes contribuição
Lopes e que Lopes foi submetido positiva para o
deviam dele cuidar a tratamento desenvolvimento
e resguardar desumano ou desse processo
sua saúde e degradante. e reveste
sua integridade A contenção física fundamental
pessoal. aplicada ao senhor importância
As condições Damião Ximenes para a vigência
de internação Lopes não levou em dos princípios
e os cuidados conta as normas que inspiram
oferecidos por esse internacionais a Convenção
hospital autorizado sobre a matéria. Americana
pelo Sistema A suposta vítima no Estado.
Único de Saúde não foi mantida
(SUS) eram, por si em condições
sós, atentatórios dignas, nem sob
ao direito à o cuidado e a
integridade supervisão imediata
pessoal. e regular de pessoal
qualificado em
saúde mental.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 174


Artigo 8º (Garantias Judiciais) e Artigo 25 (Proteção Judicial)
Quadro 37 - Garantias Judiciais e Proteção Judicial

Representantes Estado CIDH Corte IDH


das vítimas
A investigação O Estado não violou O processo A Corte conclui
policial o direito à proteção e interno não foi que o Estado não
apresenta às garantias judiciais, efetivo, já que proporcionou
uma série de uma vez que respeitou as autoridades às familiares de
irregularidades os princípios do foram omissas em Ximenes Lopes
que devido processo legal, recolher provas e um recurso efetivo
comprometem do contraditório e que a investigação para garantir o
a elucidação da ampla defesa. apresentava erros. acesso à justiça, a
da morte do A investigação determinação da
senhor Damião Segundo o Estado, sua policial só foi verdade dos fatos,
Ximenes Lopes. seriedade em busca de instaurada 35 a investigação, a
Transcorridos justiça foi devidamente dias depois identificação, o
mais de seis demonstrada na da prestação processo e, se for
anos da morte tramitação do caso na da queixa. A o caso, a punição
do senhor jurisdição interna, bem inexistência de dos responsáveis
Damião como nos argumentos uma sentença de e a reparação das
Ximenes Lopes, apresentados à Corte primeira instância consequências
o procedimento na contestação da depois de seis das violações.
judicial contra demanda, em que anos da morte O Estado tem,
os responsáveis se fez uma descrição violenta do senhor por conseguinte,
por sua morte histórica de todas Damião Ximenes responsabilidade
ainda não as medidas por ele Lopes e a situação pela violação
havia sido adotadas com a do processo dos direitos às
concluído, em finalidade de investigar penal interno em garantias judiciais e
consequência as circunstâncias do 2006, ainda na à proteção judicial
dos atrasos falecimento do senhor fase de instrução, consagrados nos
indevidos, Damião Ximenes mostram que artigos 8.1 e 25.1
atribuídos Lopes e sancionar os os familiares da da Convenção
exclusivamente responsáveis pelos suposta vítima Americana, em
ao Estado. maus-tratos a ele se encontram relação com o
infligidos e por sua em situação de artigo 1.1 desse
morte na Casa de denegação de mesmo tratado,
Repouso Guararapes. justiça por parte em detrimento das
das autoridades senhoras Albertina
estatais. Viana Lopes e
Irene Ximenes
Lopes Miranda.

Fonte: Elaborado pela autora.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 175


Na sentença, a Corte apresenta interessantes considerações sobre os deveres do
Estado com relação às pessoas com transtorno mental. Assista a seguir o vídeo
sobre esses deveres.

Vídeo 4 - Os deveres do Estado com relação às pessoas com


transtorno mental.

Se desejar ler o conteúdo completo da Sentença, acesse o link


a seguir: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/
seriec_149_por.pdf.

2.1.3. A decisão da Corte


Com base nos fatos provados e nas alegações das partes e da CIDH, a Corte entendeu
que:

• O Estado descumpriu os artigos 4.1, 5.1 e 5.2 da Convenção Americana:


violou os direitos à vida e à integridade pessoal do senhor Damião
Ximenes Lopes.
• O Estado descumpriu o artigo 5 da Convenção Americana: em detrimento
das senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda
e dos senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes,
em virtude do sofrimento adicional por que passaram, em consequência
das circunstâncias especiais das violações praticadas contra seus seres
queridos e das posteriores ações ou omissões das autoridades estatais
frente aos fatos.
• O Estado violou os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção: em detrimento das
senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, já
que o Estado não lhes proporcionou um recurso efetivo para garantir o
acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação, a
identificação, o processo e a punição dos responsáveis e a reparação das
consequências das violações.
• Todos esses artigos foram violados com relação ao artigo 1.1 da
Convenção, que estabelece o dever de respeitar os direitos e as liberdades
nela reconhecidos.

Sendo assim, a Corte determinou que o Estado deverá cumprir as medidas descritas
no Quadro seguir, que também apresenta o estado de cumprimento dos pontos
dispositivos da sentença. A situação de cumprimento de cada ponto dispositivo a

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 176


seguir baseia-se no que a Corte afirmou em suas resoluções de cumprimento de
sentença, documentos que visam esclarecer o estado de cumprimento de cada
ponto.

Quadro 38 – Sentença e cumprimento

Ponto Estado de
Conteúdo
dispositivo cumprimento
Garantir, em um prazo razoável, que o
processo interno destinado a investigar e
6 sancionar os responsáveis pelos fatos do caso Descumprido
alcance seus devidos efeitos, nos termos dos
parágrafos 245 a 248 da presente Sentença.
O Estado deve publicar, no prazo de seis meses,
no Diário Oficial e em outro jornal de ampla
circulação nacional, uma só vez, o Capítulo VII
7 relativo aos fatos provados desta Sentença, Cumprido
sem as respectivas notas de pé de página,
bem como sua parte resolutiva, nos termos
do parágrafo 249 da presente Sentença.
O Estado deve continuar a desenvolver um
programa de formação e capacitação para o
pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de
enfermagem e auxiliares de enfermagem e para
todas as pessoas vinculadas ao atendimento de Pendente de
8
saúde mental, em especial sobre os princípios que cumprimento
devem reger o trato das pessoas com deficiência
mental, conforme os padrões internacionais sobre
a matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos
termos do parágrafo 250 da presente Sentença.
O Estado deve pagar em dinheiro para as
senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes
Lopes Miranda, no prazo de um ano, a título
9 de indenização por dano material, a quantia Cumprido
fixada nos parágrafos 225 (US$10.000,00) e
226 (US$1.500,00), nos termos dos parágrafos
224 a 226 da presente Sentença.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 177


Ponto Estado de
Conteúdo
dispositivo cumprimento
O Estado deve pagar em dinheiro para as
senhoras Albertina Viana Lopes (US$ 12500 +
US$30.000,00) e Irene Ximenes Lopes Miranda
(US$ 12500 + US$25.000,00) e para os senhores
Francisco Leopoldino Lopes (US$ 12500 +
10 Cumprido
US$10.000,00) e Cosme Ximenes Lopes (US$
12500 + US$10.000,00), no prazo de um ano,
a título de indenização por dano imaterial, a
quantia fixada no parágrafo 238, nos termos dos
parágrafos 237 a 239 da presente Sentença.
O Estado deve pagar em dinheiro, no prazo
de um ano, a título de custas e gastos gerados
no âmbito interno e no processo internacional
perante o sistema interamericano de proteção dos
11 Cumprido
direitos humanos, a quantia fixada no parágrafo
253 (US$10.000.00), a qual deverá ser entregue
à senhora Albertina Viana Lopes, nos termos dos
parágrafos 252 e 253 da presente Sentença.
No prazo de um ano, contado a partir da
notificação desta Sentença, o Estado deverá
12 Cumprido
apresentar à Corte relatório sobre as medidas
adotadas para o seu cumprimento.

Fonte: elaborado pela autora.

Você pode assistir à audiência de 23 de abril de 2021, que


supervisionou o cumprimento da sentença, acessando o seguinte
link: https://www.youtube.com/watch?v=3jb6u-M2NJE

Assim, verifica-se que o ponto dispositivo nº 8 é o último pendente de cumprimento


na sentença do Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. A Corte decidiu encerrar a supervisão
de cumprimento sobre o ponto nº 6, considerando-o descumprido.

Nesse sentido, é importante destacar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)


aprovou, em fevereiro de 2023, a Resolução 487 de 2023, que institui a Política
Antimanicomial do Poder Judiciário. O objetivo da medida é adequar a atuação do
Judiciário às normas nacionais e internacionais de respeito aos direitos fundamentais
das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial em conflito com a

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 178


lei. Para a elaboração da Resolução, foram observadas as determinações constantes
na sentença proferida no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil.

A Resolução 487/2023 reflete a evolução das normas jurídicas que buscam reconhecer
e proteger os direitos das pessoas com transtornos mentais ou deficiências
psicossociais. Ela contribui para a expansão do projeto de desinstitucionalização ao
longo do sistema de justiça criminal, fornecendo diretrizes para que juízes lidem com
o tema de acordo com as normas do Direito Internacional e da legislação vigente.
A aprovação dessa Resolução mostra que o Poder Judiciário está se engajando
na política de tratamento diferenciado para pessoas com transtornos mentais e
convidando outros profissionais da justiça a participarem desse processo, a fim de
garantir o respeito aos direitos humanos e construir uma sociedade mais justa e
democrática.

Você pode acessar o texto completo da Resolução


por meio desse link: https://atos.cnj.jus.br/files/
original2015232023022863fe60db44835.pdf

O Estado brasileiro vem empenhando esforços no sentido de aperfeiçoar os cuidados


em saúde a pessoas com transtorno mental, mas ainda tem um longo caminho a
percorrer. O Caso Ximenes Lopes vs. Brasil impulsionou os avanços no sistema de
assistência em saúde mental no Brasil e seguirá exercendo influência sobre este,
por meio do programa de capacitação a ser ministrado em cumprimento ao ponto
dispositivo nº 8 da sentença.

2.2. Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental


Além do importante Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, alguns casos do Sistema Europeu
também apresentam importantes diretivas de tratamento a pessoas com transtorno
mental sob cuidados em saúde.

Nesse sentido, apresentamos o Fact Sheet sobre Detenção e Saúde Mental, da


Corte Europeia de Direitos Humanos, um relatório não exaustivo que apresenta
diversos casos da Corte Europeia sobre o tema de seu título.

Em várias ocasiões, a Corte Europeia de Direitos Humanos afirmou que a detenção


de uma pessoa com transtorno mental pode gerar questões sob o artigo 3º da
Convenção Europeia de Direitos Humanos, que afirma que “Ninguém pode ser
submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes”
(Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950,
Art. 3º).

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 179


A Corte considera que a falta de cuidados de saúde adequados pode constituir
um tratamento contrário ao disposto nesse artigo. Para avaliar se as condições de
detenção de pessoas com transtornos mentais são compatíveis com os padrões
estabelecidos no artigo 3º, é preciso levar em consideração sua vulnerabilidade e
sua possibilidade (ou impossibilidade) de informar sobre como estão sendo afetadas
por determinado tratamento.

Nesse sentido, é preciso considerar três elementos na avaliação da compatibilidade


entre a saúde de uma pessoa e a sua permanência em detenção:

Figura 32 – Elementos

Fonte: Elaborada pela autora.

Sendo assim, vamos falar sobre alguns casos encontrados no Factsheet. O


documento apresenta 35 casos, a maioria dos quais se refere a violações ao artigo
3º da Convenção (proibição da tortura). Também há casos de alegada violação aos
artigos 2º (direito à vida, 9 casos), 5º (direito à liberdade e à segurança, 6 casos) e 13
(direito a um recurso efetivo, 3 casos).

Assim, podemos concluir que, no âmbito do Sistema Europeu de


Direitos Humanos, a detenção de pessoas com transtorno mental
está comumente relacionada à violação de alguns desses quatro
direitos.

A seguir, você verá como a Corte Europeia decidiu sobre violações a cada um desses
direitos no que diz respeito a pessoas com transtorno mental no contexto de sua
detenção.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 180


2.2.1. Violação do direito à vida (Artigo 2º)
O caso De Donder e De Clippel vs. Bélgica, de 2011, apresenta a violação do direito
à vida, previsto no artigo 2º da Convenção Europeia.

A demanda foi apresentada por meio dos pais da vítima, que era um jovem em
tratamento psiquiátrico que cometeu suicídio enquanto estava internado na seção
comum de uma prisão.

Os requerentes reclamaram, em particular, sobre a detenção de seu filho e sobre


sua colocação em isolamento. Eles ainda afirmaram que, em tais circunstâncias,
era previsível que o filho perderia o autocontrole e tentaria tirar a própria vida.

A Corte alegou estar consciente dos esforços do Estado belga para assistir o filho dos
requerentes, que teve, por exemplo, acesso a clínicas especializadas, onde recebeu
apoio e terapia adequados à sua condição. Além disso, o Tribunal reconheceu as
graves dificuldades enfrentadas diariamente pelas autoridades penitenciárias e
da equipe médica. A Corte, no entanto, concluiu que houve violação do artigo 2º
(direito à vida) da Convenção em seu aspecto substantivo, ou seja, com relação ao
seu conteúdo.

A Corte observou, em particular, que a vítima tinha sido detida com base na Lei
da Proteção Social, que previa que as pessoas a quem essa lei se aplicava não
estavam sujeitas às regras da detenção ordinária, mas sim às regras da admissão
compulsória. Por meio desta última, poderiam receber o apoio psicológico e
médico que a sua condição exigia. Além disso, a decisão do procurador-adjunto
de reconduzir o jovem à prisão especificava que ele deveria ser internado na ala
psiquiátrica. Consequentemente, o filho dos requerentes nunca deveria ter sido
mantido na seção comum de uma prisão.

Além disso, a Corte não encontrou nenhuma prova que sugerisse que a investigação
realizada no presente caso não cumpriu os requisitos de uma investigação efetiva
e, portanto, considerou que não houve violação do artigo 2º da Convenção em seu
aspecto processual.

2.2.2. Proibição da tortura (Artigo 3º)


O caso G. vs. França, de 2012, apresenta a violação da proibição da tortura, prevista
no artigo 3º da Convenção Europeia.

O requerente, que sofre de um transtorno psiquiátrico crônico do tipo esquizofrênico,


foi detido e posteriormente condenado a dez anos de prisão. Porém, o Tribunal de
Apelação de Assize decidiu que o requerente não tinha responsabilidade criminal,
ou seja, não podia ser responsabilizado criminalmente pelos seus atos.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 181


O requerente alegou que não havia recebido tratamento adequado entre 2005
e 2009, embora seu transtorno mental exigisse tratamento próprio em hospital
psiquiátrico. Ele argumentou, ainda, que seu retorno à prisão, cada vez que sua
condição melhorava, equivalia a um tratamento desumano e degradante.

A Corte considerou que houve violação do artigo 3º (proibição de tratamento


desumano ou degradante) da Convenção, considerando que a detenção contínua
do requerente por um período de quatro anos tornou mais difícil o fornecimento da
assistência médica que sua condição exigia. Além disso, o Tribunal considerou que a
prática o havia submetido a privações que excediam o inevitável nível de sofrimento
inerente à detenção.

A Corte também observou que o tratamento alternado do demandante (na


prisão e em uma instituição psiquiátrica), somado ao seu período de detenção na
prisão, claramente impediu a estabilização de sua condição. Isso demonstrou que
o requerente era inapto para ser detido, sob o ponto de vista do artigo 3º da
Convenção.

Além disso, a Corte observou que as condições físicas de detenção na unidade


psiquiátrica da prisão, onde o requerente foi mantido em várias ocasiões, foram
descritas pelas próprias autoridades nacionais como humilhantes e só poderiam
ter exacerbado seus sentimentos de angústia, ansiedade e medo.

2.2.3. Direito à liberdade e à segurança (Artigo 5º)


O caso L.B. vs. Bélgica, de 2012, apresenta a violação do direito à liberdade e à
segurança, previsto no artigo 5º da Convenção Europeia.

Esse caso diz respeito à detenção praticamente contínua, entre 2004 e 2011, de um
homem com transtorno mental. O demandante foi mantido em alas psiquiátricas
de duas prisões, apesar da insistência das autoridades na necessidade de colocação
em uma estrutura adaptada à sua patologia.

O recorrente queixou-se principalmente de que a instituição onde estava internado


não estava adaptada à situação de pessoas com transtornos mentais.

A Corte considerou que houve violação do artigo 5º, § 1º, (direito à liberdade e
segurança) da Convenção. A decisão afirmou que as condições da detenção foram
incompatíveis com o propósito desta, visto que o demandante foi mantido por
sete anos em uma instituição prisional, apesar de todos os médicos, os pareceres
dos assistentes psiquiátricos e sociais, e as autoridades competentes concordarem
que o local era mal adaptado à sua condição e readaptação.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 182


O Tribunal enfatizou, em particular, que a permanência em ala psiquiátrica deveria
ter sido temporária, ocorrendo somente durante o período em que as autoridades
procuravam uma instituição que melhor se adaptasse à condição e readaptação
do requerente. De fato, uma internação foi sugerida pelas autoridades já em 2005.
Além disso, a Corte concluiu que o local de detenção era inapropriado e notou, em
particular, que os cuidados terapêuticos do requerente eram muito limitados na
prisão.

2.2.4. Direito a um recurso efetivo (Artigo 13)


O caso W.D. vs. Bélgica, de 2016, apresenta a violação do direito a um recurso
efetivo, previsto no artigo 13 da Convenção Europeia.

Esse caso diz respeito a um agressor sexual que sofria de transtornos mentais e
estava detido indefinidamente em uma ala psiquiátrica da prisão. O requerente
queixou-se de ter estado detido em ambiente prisional durante mais de nove anos,
sem qualquer tratamento adequado ao seu estado mental ou qualquer perspectiva
realista de reintegração na sociedade. O demandante também reclamou que sua
privação de liberdade e detenção contínua eram ilegais. Por fim, alegou que não
havia recurso efetivo para reclamar das condições de sua detenção.

O Tribunal considerou que houve violação do artigo 3º (proibição de tratamento


desumano ou degradante) da Convenção, uma vez que o requerente foi submetido
a tratamento degradante por ter estado detido em ambiente prisional por mais
de nove anos, sem tratamento para seu transtorno mental e sem perspectiva de
reintegração à sociedade. Essas condições lhe causaram dificuldades e sofrimento
particularmente agudos, de uma intensidade que excedeu o inevitável nível de
sofrimento inerente à detenção.

A Corte também considerou que houve violação do artigo 5º, § 1º, (direito à liberdade
e segurança) da Convenção, observando que a detenção do requerente, desde 2006,
em uma instalação inadequada à sua condição havia rompido o vínculo exigido pelo
artigo 5º, § 1º, alínea “e”, entre a finalidade e as condições práticas da detenção,
e que o motivo da internação do requerente em ala psiquiátrica prisional foi a falta
estrutural de alternativas.

O Tribunal considerou, ainda, que houve uma violação do artigo 5º, § 4º, (direito a
revisão rápida da legalidade da detenção) e uma violação do artigo 13 (direito
a um recurso efetivo) da Convenção, em conjunto com o artigo 3º, declarando
que o sistema belga, tal como estava em vigor na altura dos fatos, não tinha
proporcionado ao requerente uma solução efetiva na prática relativamente
às suas queixas à Convenção. Em outras palavras, o sistema não proporcionou
um recurso capaz de compensar a situação de que era vítima e de impedir a
continuação das supostas violações.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 183


Por fim, constatando que a situação do requerente teve origem em uma deficiência
estrutural específica do sistema de internação psiquiátrica belga, a Corte, de
acordo com o artigo 46 (força obrigatória e execução de sentenças) da Convenção,
considerou que a Bélgica era obrigada a organizar seu sistema para a detenção
psiquiátrica de infratores de forma que a dignidade dos detidos fosse respeitada.

2.3. Conclusão
A partir da análise dos casos apresentados, podemos concluir que a jurisprudência
internacional sobre os direitos humanos de pessoas com transtorno mental tem
se desenvolvido no sentido de promover o tratamento dessas pessoas em locais
adequados para tal. Quando o tratamento ocorre em instalação imprópria ou
de forma inadequada, o Estado pode até mesmo ter que responder pela vida do
paciente, caso este venha a falecer. Além disso, as decisões têm responsabilizado
o Estado por não prover os recursos efetivos para que as pessoas com transtornos
mentais possam ter acesso a meios de interromper tratamentos degradantes e de
receber a devida reparação pelas violações ocorridas. Por fim, podemos notar que
as decisões dos órgãos de direitos humanos exigem dos Estados que reparem as
vítimas por violações à sua integridade física e pessoal.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 184


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com/search?q=cache:Yci5guQFxUsJ:https://www.ohchr.org/sites/default/files/
documents/issues/health/draftguidance/2022-06-30/WHO_OHCHR_mental_health_
human_rights_and_the_law.docx&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 2 nov.
2022.

ZUIN, Aparecida. Direito e Segurança Alimentar nas Relações de Produção e Consumo


Global. Revista Pensamento Jurídico, São Paulo, v. 12, n. 1, p.234-263, jan./jun. 2018.
Disponível em: https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/
article/download/129/170. Acesso em: 2 nov. 2022.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 195


Glossário

N°: Termo: Definição / significado:

As normas jurídicas de direito internacional


Fontes De são encontradas nas diferentes fontes de
1 Direito direito internacional. Alguns exemplos dessas
Internacional fontes são: tratados, direito costumeiro
internacional, princípios gerais.

Para o Direito Internacional, a dignidade


Dignidade humana é o princípio basilar dos Direitos
2
Humana Humanos. Seu comando central é o igual
respeito a todos os seres humanos.

Conjunto das decisões e interpretações dadas


pelas Cortes Internacionais. A jurisprudência
internacional também compreende as decisões
Jurisprudência
3 adotadas em comunicações individuais,
Internacional
comentários gerais e observações gerais
elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas
ONU e Regionais de Direitos Humanos.

É um dos três tribunais regionais de proteção


Corte
dos direitos humanos. A Corte IDH tem como
Interamericana
4 objetivo aplicar e interpretar a Convenção
de Direitos
Americana e está inserida no Sistema
Humanos
Interamericano de Direitos Humanos.

O Terceiro Estado era a Plebe, que constituía


a maioria da população francesa (por volta de
98%), havendo assim cortesãos, burgueses e
5 Terceiro Estado
camponeses. A função do Terceiro Estado era
sustentar a sociedade e o Estado. Ao contrário do
Clero e da Nobreza, pagavam impostos ao Estado.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 196


N°: Termo: Definição / significado:

São os conjuntos de normas, órgãos e


mecanismos internacionais surgidos a partir
Sistemas de 1945 com o intuito de promover a proteção
6 de Direitos dos direitos humanos em todo o mundo. Na
Humanos atualidade, existem três sistemas regionais de
proteção (Interamericano, Europeu e Africano)
e um sistema universal (Nações Unidas).

São decisões que precisam ser cumpridas


obrigatoriamente. Nesse caso, as decisões das
Decisões
7 Cortes internacionais vinculam os Estados, pois
Vinculantes
eles escolheram se submeter à sua jurisdição
por meio da assinatura de tratados.

Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade


8 Jurisdições para fazer cumprir determinada categoria de lei e
punir quem as infrinja em uma área predefinida. 

Entende-se por organizações ou organismos


Órgãos internacionais as instituições internacionais e
9
Internacionais agregam em si ações de vários países sob um
objetivo ou bem comum. (ROSA, 2022, p. 640)

A burguesia consiste na classe social dominante


Burguesia dentro do sistema capitalista. Trata-se, na prática,
10
daquele grupo de pessoas que detém os bens
de produção ou o capital. (MORAES, 2019)

Referem-se aos meios de trabalho que


significam tudo aquilo de que se vale o homem
Meios de para trabalhar (instrumentos, ferramentas,
11
Produção instalações etc.) bem como a terra, que é um
meio universal de trabalho, e aos objetos
do trabalho. (NETTO; BRAZ. 2006, p. 58).

Foi um regime político que surgiu na transição


entre a Idade Média e a Idade Moderna. Sua
Estado
12 principal característica era a concentração do
Absolutista
poder nas mãos do rei, que podia tomar decisões
e emitir ordens sem precisar justificar suas ações.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 197


N°: Termo: Definição / significado:

A expressão Antigo Regime se refere


13 Antigo Regime
ao período absolutista.

Liberdades Liberdade negativa é a liberdade de impedir


14
Negativas ou conter a intervenção externa.

Comitê sobre
os Direitos É o órgão da ONU responsável por monitorar
Econômicos, o cumprimento do Pacto Internacional
15
Sociais e sobre os sobre os Direitos Econômicos,
Culturais Sociais e Culturais pelos Estados.
da ONU

Conjunto das decisões e interpretações dadas


pelas Cortes Internacionais. A jurisprudência
internacional também compreende as decisões
Jurisprudência
16 adotadas em comunicações individuais,
Internacional
comentários gerais e observações gerais
elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas
ONU e Regionais de Direitos Humanos.

É um acordo Internacional concluído por escrito


entre Estados e regido pelo direito internacional.
17 Tratado Ele pode ser um instrumento único, ou ser
constituído por dois ou mais instrumentos conexos,
qualquer que seja sua denominação específica.

A pessoa ou grupo de pessoas que apresenta


18 Peticionário
a petição, ou seja, a demanda.

Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade


19 Jurisdição para fazer cumprir determinada categoria de lei e
punir quem as infrinja em uma área predefinida. 

É o ato internacional pelo qual um Estado


demonstra o seu comprometimento com
20 Ratificação as disposições de um tratado. A partir
desse momento, ele se torna obrigado a
esse tratado na esfera internacional.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 198


N°: Termo: Definição / significado:

É a decisão que precisa ser cumprida


obrigatoriamente. Nesse caso, as decisões das
21 Vinculante Cortes internacionais vinculam os Estados, pois
eles escolheram se submeter à sua jurisdição
por meio da assinatura de tratados.

Uma medida cautelar é um mecanismo de proteção,


um ato de precaução. Esse mecanismo permite
Medidas que seja realizada uma ação para proteger o direito
22
Cautelares que está sob ameaça de ser violado. A medida
cautelar é empregada quando há situação grave
e urgente que possa gerar danos irreparáveis.

Tipificar significa fazer com que uma


23 Tipificados
conduta seja considerada um crime.

Quando um Estado denuncia um tratado,


24 Denunciar ele declara formalmente que está se
desobrigando desse instrumento.

Contencioso é o que envolve o


25 Contencioso
conflito de interesses.

É o primeiro nível de decisão. Quando a parte


Primeira
26 discordar da decisão, poderá recorrer à segunda
Instância
instância, ou seja, a um segundo nível de decisão.

Nesse contexto, “Corte de apelação” é o nível


Corte de
27 judicial que irá decidir sobre o recurso que a parte
Apelação
apresentou contra a decisão da qual discorda.

São argumentos que afirmam que aquele


Exceções
órgão não tem competência legal para julgar
28 em Razão da
o processo, ou seja: legalmente, outro órgão
Competência
deveria decidir sobre essa demanda.

A execução da sentença é a fase do processo


Execução de que tem como objetivo transformar a decisão
29
Sentenças do juiz em fato concreto. Exemplo: o pagamento
da indenização definida na sentença.

Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 199


N°: Termo: Definição / significado:

Comitê da ONU
É o órgão da ONU responsável por
sobre os Direitos
monitorar o cumprimento do Pacto
30 Econômicos,
Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e
Sociais e Culturais pelos Estados.
Culturais

Jurisdição é o poder atribuído a uma autoridade


para fazer cumprir determinada categoria
de lei e punir quem as infrinja em uma
31 Jurisdicionados
área predefinida. Assim, os jurisdicionados
são as pessoas que se encontram
submetidas à jurisdição naquela área.

Conjunto das decisões e interpretações dadas


pelas Cortes Internacionais. A jurisprudência
internacional também compreende as decisões
Jurisprudência
32 adotadas em comunicações individuais,
internacional
comentários gerais e observações gerais
elaborados por órgãos integrantes dos Sistemas
ONU e Regionais de Direitos Humanos.

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