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História Medieval

Caroline Silveira Bauer


A Idade Média: diferentes
visões ao longo do tempo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Relacionar o tempo histórico com as diferentes formas de se referir


à Idade Média.
 Reconhecer a influência da Renascença na divisão cronológica histórica
que conhecemos atualmente.
 Diferenciar as perspectivas de análise e de definição da Idade Média
nos períodos renascentista, romântico e contemporâneo.

Introdução
Idade Média, Idade das Trevas, Medievo: são muitas as denominações
utilizadas para designar o recorte espacial e temporal relativo à Europa
dos séculos V a XV. Como você sabe, os períodos históricos são épocas
que compartilham fatos culturais, econômicos, ideológicos, nacionais,
políticos, religiosos e sociais, estabelecendo rupturas em relação a mo-
mentos anteriores. Essas divisões são artificiais, e o seu emprego pode
ocultar a pluralidade de concepções de história e de tempo, como ocorre
com a divisão quadripartite da história em antiga, medieval, moderna e
contemporânea. Mas você sabe de onde vem a expressão “Idade Média”,
como ela foi forjada e de que modo se consolidou como uma periodi-
zação hegemônica?
Neste capítulo, você vai estudar a história da historiografia do
Renascimento à contemporaneidade. A ideia é que você perceba
como, ao longo do tempo, foi forjada uma compreensão da Idade
Média que se consolidou, sendo hoje encontrada nos currículos de
ensino e nos livros didáticos. Você vai conhecer cada um dos momen-
tos dessa historiografia e ver quais são as possibilidades atuais de se
analisar o Medievo.
2 A Idade Média: diferentes visões ao longo do tempo

Periodização: em busca da Idade Média


O historiador francês Jacques Le Goff, um dos maiores especialistas na Idade
Média, escreveu o seguinte em um livro de divulgação científica:

Eu diria que a Idade Média não é o período dourado que certos românticos
quiseram imaginar, mas também não é, apesar das fraquezas e aspectos
dos quais não gostamos, uma época obscurantista e triste, imagem que os
humanistas e os iluministas queriam propagar. É preciso considerá-la no seu
conjunto (LE GOFF, 2007, p. 18).

Quem eram esses historiadores que forjaram representações tão distintas sobre
o que foi a Idade Média? A que interesses correspondiam essas imagens, ou
quais eram os objetivos de periodizar e conceituar o passado dessa forma? A
seguir, você vai conhecer melhor a história da historiografia e ver como se
moldou a ideia de Idade Média.
O primeiro ponto que você deve considerar é que a denominação “Idade
Média” não é contemporânea aos acontecimentos. Ou seja, os habitantes do
território que posteriormente seria a Europa não chamavam a sua época de
“Idade Média”. Como pontua Franco Jr. (2006, p. 17), “Se utilizássemos numa
conversa com homens medievais a expressão Idade Média, eles não teriam
ideia do que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os
tempos históricos, se viam vivendo na época contemporânea”.
Isso mostra que, no geral, as cronologias e as periodizações são operações
intelectuais realizadas a posteriori. Assim, as expressões “Idade das Trevas” e
“Idade Média” surgiram posteriormente àqueles momentos, marcando um “antes”
e um “depois”. Tais denominações correspondem a determinados interesses por
parte dos humanistas e renascentistas, primeiramente, e, posteriormente, dos
historiadores iluministas. Franco Jr. (2006, p. 17) afirma o seguinte:

[...] o termo [Idade Média] expressava um desprezo indisfarçado pelos séculos


localizados entre a Antiguidade Clássica e o próprio século XVI. Este se
via como o Renascimento da civilização greco-latina, e, portanto, tudo que
estivera entre esses picos de criatividade artístico-literária (de seu próprio
ponto de vista, é claro) não passava de um hiato, de um intervalo. Logo, de
um tempo intermediário, de uma Idade Média.

A expressão “Idade Média” consolidou-se historiograficamente. Ela sugere


um “meio” ou um “intervalo” entre a queda do Império Romano do Ocidente
(476 d.C.) e a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453).
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Contudo, nas últimas décadas, esses marcos têm sido questionados, como
aponta Baschet (2006, p. 34):

Na verdade, as datas retidas importam pouco, pois toda periodização é uma


convenção artificial, em parte arbitrária, e enganadora se lhe são conferidas
mais virtudes do que ela pode oferecer. Reter-se-á apenas que a ideia tradi-
cional da Idade Média refere-se a esse milênio de história europeia, que se
estende do século V ao século XV.

Assim, é importante você considerar a diversidade de experiências culturais,


econômicas, políticas e sociais durante os mil anos que se costumam rotular
como Idade Média. Havia diferenças cronológicas (ao longo do tempo), mas
também espaciais. Muitas vezes, contudo, tem-se a impressão de que a Idade
Média foi um tempo de homogeneidade, de ausência de mudanças, o que está
longe de ser verdade.

Frente aos problemas de definição cronológica e de periodização da Idade Média,


e ainda à percepção de que esses mil anos formam um todo homogêneo, alguns
historiadores propuseram divisões internas dentro do Medievo. Essas periodizações
internas permitem, também, salientar as especificidades de cada reino ou região.
Baschet (2006, p. 34–35) afirma que “[...] alguns (especialmente na Itália e na Espanha)
distinguem uma ‘Alta Idade Média’, que se estende do século V ao século X, e, depois,
uma ‘Baixa Idade Média”, do século XI ao século XV”. Outros preferem uma divisão
tripartite: Alta Idade Média (séculos V a X), Idade Média Central (séculos XI a XIII) e Baixa
Idade Média (séculos XIV e XV). Veja o que afirma Baschet (2006, p. 34–35):

Trata-se, então, de três épocas extremamente diferentes umas das ou-


tras, [...] [havia] profundas transformações e [é necessário considerar]
as contradições de um milênio que não tem nada de estático e que não
se poderia em nenhum caso resumir em uma só palavra.

Quando se fala em “medievalismo”, está em jogo a operação de escrita da


história sobre o período que se convencionou chamar de “Idade Média”. Nesse
sentido, existem três abordagens diferentes, de acordo com Leslie J. Workman
(apud MARTINS, 2017): o estudo da Idade Média a partir da academia; a
representação ou o uso desse passado em um período pós-medieval; e o estudo
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dessas representações. Porém, essa divisão é apenas aparente, pois, como afirma
o autor, “[...] o estudo da Idade Média é sempre, por definição, pós-medieval,
ou seja, pode ser considerado uma ‘representação’ ou ‘uso’ desta, faz parte do
‘processo contínuo de criação’ da própria Idade Média” (MARTINS, 2017, p. 34.).
De acordo com Franco Jr. (2006, p. 17), o historiador italiano Petrarca
(1304–1374), assim como outros autores, já se referia ao período como tenebrae,
termo a partir do qual se originou a ideia das “trevas”. Contudo, foi durante
o Renascimento e o Humanismo que se popularizaram as noções de tempo
médio, ruínas e trevas, como você vai ver a seguir.

Os renascentistas e a Idade Média


O Renascimento foi o período de apogeu de algumas cidades italianas (em
especial no século XV), com a ascensão de uma burguesia e a renovação das
expressões artísticas a partir de mudanças de mentalidade — principalmente
devido à retomada de estudos sobre a Antiguidade Clássica e o Humanismo.
Diferentemente do que ocorreu em outros momentos históricos, os homens e
mulheres renascentistas pareciam saber que viviam em um período distinto,
por isso utilizaram a palavra “renascimento” para designar sua época. O
termo era usado com conotações filológicas, opondo-se “[...] o século XVI,
que buscava na sua produção literária utilizar o latim nos moldes clássicos,
aos séculos anteriores, caracterizados por um latim ‘bárbaro’” (FRANCO JR.,
2006, p. 18). Dessa forma, seriam demarcadas as mudanças de consciência e
as formas de expressão artística do período.
Veja o que afirmam Silva e Silva (2009, p. 359):

O significado mais difundido de Renascimento, como o rejuvenescimento cul-


tural a partir das formas de expressão da Antiguidade clássica, já era usado por
seus contemporâneos, como Marcílio Ficino no século XVI. A historiografia
tradicional, principalmente do século XIX, costumava olhar para o Renasci-
mento como um momento de ruptura com a Idade Média, considerada então
a Idade das Trevas. O Renascimento, portanto, seria a volta aos valores da
Arte mais pura e avançada, a Arte greco-romana. Essa concepção tradicional
estava baseada no discurso proferido pelos próprios renascentistas. Segundo
Will Durant, os italianos chamaram de Renascimento o que consideravam a
ressurreição do espírito clássico depois de mil anos de trevas.

Franco Jr. (2006, p. 17) afirma que a cunhagem do termo “Renascimento”


para designar um período histórico se deu na obra As vidas dos artistas, de
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Giorgio Vasari, publicada em 1550. Vasari procurava demarcar um rompimento


com um momento anterior, que se popularizou como “Idade Média”, ou seja,
um tempo entre outros dois períodos da história europeia.

Para saber mais sobre a obra de Vasari e compreender as mudanças ocorridas no


período em que ele viveu, assista ao vídeo disponível no link a seguir.

https://qrgo.page.link/q9Khw

A utilização do termo “Renascimento” e, por consequência, a comparação


dessa fase histórica com o período anterior parecem ter sido constantes durante
o século XV. Baschet (2006, p. 25) traz mais informações sobre a difusão de
uma ideia de Idade Média que começa a surgir naquele período. Além disso,
demonstra como ocorreu a divisão tripartite da história, com o aparecimento
da noção de uma “idade intermediária”:

Foram os humanistas italianos da segunda metade do século XV — como


Giovanni Andrea, bibliotecário do papa, em 1469 — que começaram a utilizar
tais expressões para glorificar seu próprio tempo, ornando-o com prestígios
literários e artísticos da Antiguidade e diferenciando-o dos séculos imedia-
tamente anteriores. Más é preciso esperar o século XVII para que o recorte
da história em três Idades (Antiguidade, Idade Média, Tempos Modernos)
se torne um instrumento historiográfico corrente, notadamente nas obras
dos eruditos alemães (Rausin, em 1639; Voetius, em 1644; e Horn, em 1666).

Como você já viu, essa visão foi mantida pelos iluministas, que acentuaram
os preconceitos com o período, em função da prevalência da nobreza e do clero.

A filosofia da época, chamada de iluminista por se guiar pela luz da Razão,


censurava sobretudo a forte religiosidade medieval, o pouco apego da Idade
Média a um estrito racionalismo e o peso político de que a Igreja então des-
frutara (FRANCO JR., 2006, p. 18).

Houve, então, a construção de uma periodização a partir de determinações


do presente para se estabelecer uma ruptura com o passado próximo. Assim,
consolidou-se a assimilação entre a Idade Média e o obscurantismo.
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Entretanto, no século XIX, houve uma mudança na compreensão sobre a


Idade Média, ou, pelo menos, uma visão alternativa, formulada a partir das
leituras que os historiadores românticos fizeram sobre o período.
Considere o que afirma Franco Jr. (2006, p. 19):

Com o Romantismo da primeira metade do século XIX o preconceito em


relação à Idade Média se inverteu. O ponto de partida fora a questão da iden-
tidade nacional, que ganhara forte significado com a Revolução Francesa.
As conquistas de Napoleão alimentaram o fenômeno, com a pretensão do
imperador francês de reunir a Europa sob uma única direção, despertando em
cada região dominada ou ameaçada uma valorização de suas especificidades,
de sua personalidade nacional, enfim, de sua história. Ao mesmo tempo, tudo
isso punha em xeque a validade do racionalismo, tão exaltado na centúria
anterior, e que levara a Europa àquele contexto de conturbações, revoluções e
guerras. Aí estavam as raízes do Romantismo e sua nostalgia pela Idade Média.

A recuperação de uma imagem romântica da Idade Média, nessa conjuntura


do Iluminismo, corresponde, portanto, a um novo objetivo a partir daquele
presente. Tal objetivo consistia em reforçar a “longa duração” dos naciona-
lismos incipientes, buscando as “origens” das nações em tempos longínquos,
dotando-as de uma história e de uma memória.

Veja o que diz Franco Jr. (2006, p. 19) sobre a visão romântica da Idade Média e sobre o
modo como esse passado foi instrumentalizado para a construção das nacionalidades
no século XIX:

Assim, vista como momento de origem das nacionalidades, [a Idade


Média] satisfazia os novos sentimentos políticos do século XIX. Vista
como época de fé, autoridade e tradição, a Idade Média oferecia um
remédio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exa-
gerado ao cientificismo. Vista como fase histórica das liberdades, das
imunidades e dos privilégios, reforçava o liberalismo burguês vitorioso
no século XIX. Desta maneira, o equilíbrio e a harmonia na literatura e
nas artes, que o Renascimento e o Classicismo do século XVII tinham
buscado, cedia lugar à paixão, à exuberância e à vitalidade encontráveis
na Idade Média. A verdade procurada através do raciocínio, que guiara
o Iluminismo do século XVIII, cedia lugar à valorização dos sentidos,
do instinto, dos sonhos, das recordações.
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Martins (2017) mostra como a Idade Média era vista pelo Romantismo,
seguindo as definições de Michael Löwy e Robert Sayre para esse movimento.
Segundo ele, o Romantismo seria uma crítica à Modernidade e uma reação
contra o modo de vida das sociedades capitalistas, procurando valorizar certas
tradições do passado.
Para Martins (2017), a Idade Média seria um repositório para esses valores e
ideais, a “época dourada” dos povos europeus, quando as suas línguas, estados
e territórios já haviam se formado e as suas caraterísticas originais podiam
ser encontradas. Essa visão se contrapunha à ideia do Medievo concebida
pelos iluministas, que o associavam ao primitivismo, ao irracionalismo ou
ao sentimentalismo.
Em outra parte de seu trabalho, Martins (2017, p. 60–61) reforça essa argu-
mentação, demonstrando quais eram os pares conceituais que caracterizavam
o Medievo e a Modernidade para esses autores românticos:

[...] ascensão/declínio; progresso/atraso; infância (ou juventude)/velhice; liber-


dade/opressão; variedade/unidade; pureza/corrupção; ordem/caos; tolerância/
intolerância; municipalismo/centralismo; norte/sul; nacional/estrangeiro;
trabalho/ociosidade; idealismo/materialismo; fé/ceticismo; teocentrismo/
antropocentrismo.

Essas seriam as características conferidas à Modernidade, descrita


sempre em tons muito negativos, e os valores e ideias que os românticos
gostariam de recuperar da Idade Média. Foi apenas no século XX, com uma
série de transformações na historiografia, que se forjaram outras ideias
e cronologias para a Idade Média. Essas mudanças estiveram vinculadas
aos questionamentos sobre o modo de se escrever a história, desenvolvidos
principalmente pela escola dos Annales. Você vai ler mais sobre isso no
próximo tópico.

A Idade Média no século XX


As transformações conceituais, metodológicas e teóricas pelas quais a ci-
ência histórica passou ao longo do século XX influenciaram de maneira
decisiva a escrita da história da Idade Média. Para o campo, essas mudanças
significaram a incorporação de novas fontes, a abordagem de temas ante-
riormente considerados secundários e o questionamento de conceituações
e periodizações estanques.
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Franco Jr. (2006) oferece um panorama das transformações ocorridas


na historiografia sobre a Idade Média. Houve um esforço dos historiadores
para compreender o período da mesma forma que os contemporâneos de
tal época, desapegados dos preconceitos e estereótipos assentados por uma
historiografia. Veja:

A partir dessa postura, e elaborando, para concretizá-la, inúmeras novas meto-


dologias e técnicas, a historiografia medievalística deu um enorme salto qualita-
tivo. Sem o risco de exagerar, pode-se dizer que o medievalismo se tornou uma
espécie de carro-chefe da historiografia contemporânea, abrindo caminhos ao
propor temas, experimentar métodos, rever conceitos, dialogar intimamente com
outras ciências humanas. Curiosamente, isso não apenas deu um grande prestígio
à produção medievalística nos meios cultos, como também popularizou a Idade
Média diante de um público mais vasto, porém de forma bem mais consciente
do que o entusiasmo relevado pelo século XIX (FRANCO JR., 2006, p. 20).

Entre as inovações historiográficas do século XX, destacam-se os trabalhos


do historiador francês Jacques Le Goff. Para Baschet (2006), Le Goff inovou
na compreensão da Idade Média ao apresentar uma nova periodização para o
Medievo, rompendo com os quadros habituais e superando a dicotomia entre a
Idade Média e o Renascimento. O autor propôs uma “longa Idade Média”, que
iria do século IX ao XVIII, ou seja, entre o fim do Império Romano e a Revo-
lução Industrial. Essa “longa Idade Média” possuiria especificidades de acordo
com os diferentes períodos, como durante os “Tempos Modernos” “(efeitos da
unificação do mundo e da difusão da imprensa, ruptura da Reforma, fundação
das ciências modernas com Galileu, Descartes e Newton, Revolução Inglesa e
Estado absolutista, afirmação do Iluminismo etc.)” (BASCHET, 2006, p. 44).
O grande objetivo de Le Goff com essa nova periodização seria chamar a
atenção para as permanências e as possíveis unidades e coerências. Ou seja:

[...] as continuidades são múltiplas, dos ritos da realeza sagrada ao esquema


das três ordens da sociedade, dos fundamentos técnicos da produção material
ao papel central exercido pela Igreja. Sobretudo, uma análise global leva a
concluir que os quadros dominantes da organização social não são ques-
tionados, de modo que as mesmas “estruturas fundamentais persistem na
sociedade europeia do século IV ao século XIX” (BASCHET, 2006, p. 44).
A Idade Média: diferentes visões ao longo do tempo 9

Novamente, isso não significa negar as transformações e as dinâmicas


que levaram às modificações culturais, econômicas, políticas e sociais, mas
apenas enfatizar alguns aspectos das continuidades.

De acordo com Baschet (2006), o conceito de “longa Idade Média” de Le Goff é fun-
damental para se problematizar a ideia de um rompimento drástico entre o Medievo
e o Renascimento e os Tempos Modernos. Isso porque:

[...] a incapacidade de pensar a novidade de outro modo que um retorno


a um passado glorioso é uma das marcas de continuidade da longa Idade
Média (com a qual a modernidade começará a romper na virada do
século XVIII para o século XIX, dando nascimento à ideia moderna
da história) (BASCHET, 2006, p. 44–45).

O Renascimento, portanto, é um fenômeno intrínseco à Idade Média, que se ca-


racteriza por uma busca de orientação no passado, uma ideia de “idade de ouro”
que ficou para trás. Então, se a Idade Média se prolonga para os períodos que se
costumam denominar como “Renascimento” ou “Tempos Modernos”, é importante
assinalar as condições de transformação do pensamento e as coerências existentes
nessa longa duração.

As pesquisas mais recentes sobre a Idade Média têm demonstrado, seguindo


esse viés de Le Goff, que o Medievo não foi um período de ruptura com a
Antiguidade. Da mesma forma, os tempos modernos não apresentam rupturas
drásticas em relação à sociedade medieval.
Em síntese, a Idade Média não foi apenas um período intermediário, de
suspensão, entre outros períodos, mas uma época de transformações que
lentamente constituíram os alicerces da sociedade europeia moderna. No
Quadro 1, a seguir, veja uma síntese das compreensões sobre a Idade Média
durante o Renascimento, o Iluminismo, o Romantismo e o século XX.
10 A Idade Média: diferentes visões ao longo do tempo

Quadro 1. Diferentes compreensões a respeito da Idade Média

Renascimento Iluminismo Romantismo Século XX

Forja-se uma ideia Acentuam-se os Recupera-se a Com as inovações


de Idade Média estereótipos do Idade Média como conceituais, meto-
como contrapo- período medieval berço e origem dológicas e teóricas,
sição ao Renasci- em função da das nações, além existe uma reno-
mento. Surgem as postura antiaristo- de se ressaltarem vação no campo
primeiras referên- crática e anticleri- suas tradições e da historiografia
cias ao Medievo cal dos historiado- valores como forma da Idade Média, a
como “período das res iluministas. de contrapor o partir da crítica às
trevas”. pensamento liberal fontes, da abor-
burguês do século dagem de temas
XIX. antes relegados a
segundo plano e
da problematização
dos conceitos e das
periodizações.

Como você viu, a história da historiografia responde a demandas internas


da disciplina histórica, como seus jogos de força e de poder, suas inovações
metodológicas e teóricas. Além disso, ela se modifica em função de transfor-
mações culturais, econômicas, políticas e sociais.

BASCHET, J. A civilização feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo:


Globo, 2006.
FRANCO JR., H. A idade média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.
LE GOFF, J. A idade média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
MARTINS, P. A. G. Uma época de grandeza: Idade Média, decadência e regeneração
na historiografia portuguesa (1842-1942). Revista de Teoria da História, v. 17, n. 1, jun./
jul. 2017. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/48006. Acesso
em: 6 out. 2019.
SILVA, K.; SILVA, M. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.

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