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Introdução
Idade Média, Idade das Trevas, Medievo: são muitas as denominações
utilizadas para designar o recorte espacial e temporal relativo à Europa
dos séculos V a XV. Como você sabe, os períodos históricos são épocas
que compartilham fatos culturais, econômicos, ideológicos, nacionais,
políticos, religiosos e sociais, estabelecendo rupturas em relação a mo-
mentos anteriores. Essas divisões são artificiais, e o seu emprego pode
ocultar a pluralidade de concepções de história e de tempo, como ocorre
com a divisão quadripartite da história em antiga, medieval, moderna e
contemporânea. Mas você sabe de onde vem a expressão “Idade Média”,
como ela foi forjada e de que modo se consolidou como uma periodi-
zação hegemônica?
Neste capítulo, você vai estudar a história da historiografia do
Renascimento à contemporaneidade. A ideia é que você perceba
como, ao longo do tempo, foi forjada uma compreensão da Idade
Média que se consolidou, sendo hoje encontrada nos currículos de
ensino e nos livros didáticos. Você vai conhecer cada um dos momen-
tos dessa historiografia e ver quais são as possibilidades atuais de se
analisar o Medievo.
2 A Idade Média: diferentes visões ao longo do tempo
Eu diria que a Idade Média não é o período dourado que certos românticos
quiseram imaginar, mas também não é, apesar das fraquezas e aspectos
dos quais não gostamos, uma época obscurantista e triste, imagem que os
humanistas e os iluministas queriam propagar. É preciso considerá-la no seu
conjunto (LE GOFF, 2007, p. 18).
Quem eram esses historiadores que forjaram representações tão distintas sobre
o que foi a Idade Média? A que interesses correspondiam essas imagens, ou
quais eram os objetivos de periodizar e conceituar o passado dessa forma? A
seguir, você vai conhecer melhor a história da historiografia e ver como se
moldou a ideia de Idade Média.
O primeiro ponto que você deve considerar é que a denominação “Idade
Média” não é contemporânea aos acontecimentos. Ou seja, os habitantes do
território que posteriormente seria a Europa não chamavam a sua época de
“Idade Média”. Como pontua Franco Jr. (2006, p. 17), “Se utilizássemos numa
conversa com homens medievais a expressão Idade Média, eles não teriam
ideia do que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os
tempos históricos, se viam vivendo na época contemporânea”.
Isso mostra que, no geral, as cronologias e as periodizações são operações
intelectuais realizadas a posteriori. Assim, as expressões “Idade das Trevas” e
“Idade Média” surgiram posteriormente àqueles momentos, marcando um “antes”
e um “depois”. Tais denominações correspondem a determinados interesses por
parte dos humanistas e renascentistas, primeiramente, e, posteriormente, dos
historiadores iluministas. Franco Jr. (2006, p. 17) afirma o seguinte:
Contudo, nas últimas décadas, esses marcos têm sido questionados, como
aponta Baschet (2006, p. 34):
dessas representações. Porém, essa divisão é apenas aparente, pois, como afirma
o autor, “[...] o estudo da Idade Média é sempre, por definição, pós-medieval,
ou seja, pode ser considerado uma ‘representação’ ou ‘uso’ desta, faz parte do
‘processo contínuo de criação’ da própria Idade Média” (MARTINS, 2017, p. 34.).
De acordo com Franco Jr. (2006, p. 17), o historiador italiano Petrarca
(1304–1374), assim como outros autores, já se referia ao período como tenebrae,
termo a partir do qual se originou a ideia das “trevas”. Contudo, foi durante
o Renascimento e o Humanismo que se popularizaram as noções de tempo
médio, ruínas e trevas, como você vai ver a seguir.
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Como você já viu, essa visão foi mantida pelos iluministas, que acentuaram
os preconceitos com o período, em função da prevalência da nobreza e do clero.
Veja o que diz Franco Jr. (2006, p. 19) sobre a visão romântica da Idade Média e sobre o
modo como esse passado foi instrumentalizado para a construção das nacionalidades
no século XIX:
Martins (2017) mostra como a Idade Média era vista pelo Romantismo,
seguindo as definições de Michael Löwy e Robert Sayre para esse movimento.
Segundo ele, o Romantismo seria uma crítica à Modernidade e uma reação
contra o modo de vida das sociedades capitalistas, procurando valorizar certas
tradições do passado.
Para Martins (2017), a Idade Média seria um repositório para esses valores e
ideais, a “época dourada” dos povos europeus, quando as suas línguas, estados
e territórios já haviam se formado e as suas caraterísticas originais podiam
ser encontradas. Essa visão se contrapunha à ideia do Medievo concebida
pelos iluministas, que o associavam ao primitivismo, ao irracionalismo ou
ao sentimentalismo.
Em outra parte de seu trabalho, Martins (2017, p. 60–61) reforça essa argu-
mentação, demonstrando quais eram os pares conceituais que caracterizavam
o Medievo e a Modernidade para esses autores românticos:
De acordo com Baschet (2006), o conceito de “longa Idade Média” de Le Goff é fun-
damental para se problematizar a ideia de um rompimento drástico entre o Medievo
e o Renascimento e os Tempos Modernos. Isso porque: