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HISTÓRIA

ANTIGA

Caroline Silveira Bauer


História Antiga
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer as origens e periodizações da História Antiga.


 Identificar os diferentes tipos de fontes investigativas em História Antiga.
 Relacionar os principais temas estudados em História Antiga.

Introdução
Muitas produções artísticas e culturais são responsáveis pelas imagens
que as pessoas costumam ter em mente ao pensar na História Antiga.
Essas representações estão constantemente interpelando a produção
historiográfica e, por sua vez, a historiografia problematiza as formas
de uso desse passado. Mas, para além da interação entre uma história
acadêmica e uma “história pública”, que outros questionamentos são
possíveis a respeito da História Antiga? Será que todos os povos, de todo
o mundo, se encontraram, ao mesmo tempo, em um momento histórico
chamado “História Antiga”? Quem criou essa nomenclatura e com quais
interesses? Como enfrentar o debate sobre o ensino da História Antiga
e do eurocentrismo?
Neste capítulo, você vai estudar a História Antiga. Você vai ver como
ela surgiu e se consolidou dentro da historiografia. Você também vai
conhecer algumas fontes utilizadas para a escrita da história desse pe-
ríodo. Por fim, vai conhecer alguns autores, brasileiros e estrangeiros,
pesquisadores do período, bem como alguns temas da História Antiga.

História Antiga: um campo historiográfico


Antes de verificar o que é a História Antiga ou Antiguidade (também chamada
de Antiguidade Clássica e Oriental — as denominações são muitas), você
deve refletir sobre a periodização na história. Os períodos históricos são
determinadas épocas cujo recorte pode ser estabelecido por fatos culturais, eco-
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nômicos, ideológicos, nacionais, políticos, religiosos e sociais, estabelecendo


rupturas em relação a uma época anterior. Essas divisões são artificiais, e o
seu emprego pode ocultar a pluralidade de concepções de história e de tempo,
como ocorre com a divisão quadripartite da história em antiga, medieval,
moderna e contemporânea. A Revolução Francesa (1789), nessa proposição,
é considerada o marco para o início da História Contemporânea. Mas será
que essa periodização serve para compreender o que acontecia na África ou
no Brasil naquele momento? O ano de 1789 é um marco para esses outros
dois continentes, faz sentido apenas para a realidade europeia, ou será que é
somente uma data francesa?
E como adaptar as formas de contagem do tempo das sociedades antigas às
formas ocidentais de datação? Os gregos contavam os anos a partir da realização
da primeira olimpíada; os romanos, a partir da fundação de Roma; os súditos
dos reinos do Oriente Próximo orientavam-se pelos anos dos reinados de seus
soberanos; e outras tantas sociedades utilizavam fenômenos naturais como
formas de medir o tempo. Como conciliar essa multiplicidade de experiências
com o calendário cristão?
Os historiadores atribuem o surgimento da ideia de uma história antiga ao
Renascimento, período em que se recuperam algumas concepções do “mundo
clássico” greco-romano. A citação a seguir é longa, mas é bastante importante
para você compreender essa “construção” do mundo antigo:

O que hoje denominamos de História Antiga foi, no princípio, um movimento


cultural e literário de produção de memória a partir de textos e objetos. Após
a dissolução do Império Romano ocidental, a lembrança de um passado pré-
-cristão foi aos poucos se dissolvendo. [...] A partir do século XII, esses textos
passaram a ser cada vez mais procurados e difundiu-se, a partir da Itália, a
ideia de que eles representavam algo diferente da cultura contemporânea: eram
a herança escrita dos antigos. Muitos pensadores, poetas, artistas e curiosos
da natureza começaram a debruçar-se sobre esses textos, extraindo os livros
originais das grandes compilações manuscritas. A ideia de que tinha havido
um mundo “antigo”, anterior ao cristianismo, com uma cultura rica e singular,
difundiu-se, aos poucos, pelas cortes europeias e pelos literatos. Essa cultura
laica, livre do domínio da Igreja, parecia muito adequada aos novos tempos.
Fornecia novos padrões estéticos, novas formas de pensar as relações entre
sociedade e Estado, de valorizar a riqueza e o comércio, de projetar novos
futuros. [...] A queda de Constantinopla para os turcos, no século XV, acentuou
a redescoberta de textos gregos, ao mesmo tempo em que colocou, de forma
dramática, a oposição entre a Europa cristã e clássica e o mundo islâmico. As
antigas ruínas, às quais não se prestava atenção, passaram a ser consideradas
testemunhos desse mundo “antigo”. Edifícios foram descritos ou desenhados,
estátuas e pinturas foram resgatadas, inscrições foram copiadas, moedas foram
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colecionadas e formaram-se as primeiras coleções de objetos “antigos”. O


impacto na cultura erudita, dos sábios e das cortes europeias, foi imenso. É
a esse processo que se dá o nome equivocado de Renascimento. Não foi um
renascer passivo, mas uma reconstrução profunda da memória, com objetivos
bem presentes: rejeitar uma parte do passado mais recente, definindo-o como
“Idade Média” ou “Idade das Trevas”, para construir uma nova identidade,
voltada para o presente e para o futuro (GUARINELLO, 2014, p. 173–176).

Posteriormente, a nomenclatura “História Antiga” vai se afirmando como


um “período histórico”, na medida em que a história adquire contornos de
cientificidade. Ao longo do século XIX, torna-se hegemônica junto às ideias
de civilização, nação e progresso para compreender a história universal em
uma lógica linear, em que cada etapa deve “[...] supostamente desenvolver
forças que estariam contidas, em gestação, nas etapas anteriores. Assim é
que o Renascimento sucede à Idade Média e inaugura os Tempos Modernos”
(GRUZINSKI, 2001, p. 58).
Você deve notar ainda que: “a ideia de um tempo linear acompanha-se em
geral da convicção de que existiria uma ordem das coisas. Custamos a nos livrar
da ideia de que todo sistema possuiria uma espécie de estabilidade original a
que ele tenderia inexoravelmente” (GRUZINSKI, 2001, p. 58).
E o que isso significou para a narrativa histórica? “A civilização grega (e a
tradição cristã) e sua história foram redefinidas para serem menos orientais e
africanas, mais europeias. Foram, assim, apropriadas como herança exclusiva da
Europa Ocidental” (SOVIK, 2009, p. 57). Veja o que afirma Silva (2018, p. 76):

A tradicional seleção quadripartite da história, somada a uma temporalidade


linear, nos leva a crer que a origem de quase todos os processos históricos está
no ocidente branco e cristão. [...] Porém, outras articulações entre passado,
presente e futuro são possíveis. Diferentes contatos culturais na história pro-
vocaram misturas, mas também alterações nas formas de conceber o tempo
e os processos históricos que nos orientam. [...] Também é muito destacada
a cultura greco-romana como matriz da cultura ocidental e de uma cultura
erudita, embora se possa estudar também a história antiga através dos contatos
entre diferentes culturas constituintes do oriente e do ocidente.

A História Antiga foi concebida como o período que vai do surgimento da escrita
(aproximadamente 4000 a.C.) à queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).
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Como você deve imaginar, há críticas à História Antiga enquanto dis-


ciplina. Muitas vezes, ela é encarada como uma disciplina imperialista,
já que disseminou uma narrativa focada em processos europeus como
influenciadores de fenômenos globais. Porém, grande parte das críticas
é embasada por um contexto de desconhecimento a respeito da refor-
mulação da disciplina, que traz propostas cada vez menos imperialistas
(FRANCISCO, 2017).
Considere, por exemplo, que a História Antiga tradicional tem se reor-
ganizado; muitas vezes, é denominada “História do Mediterrâneo Antigo”.
Assim, ela deixa de ser tanto uma história generalista/universal como uma
história clássica. Isso faz com que as partes do mundo que não participaram
efetivamente da História Antiga deixem de ser necessariamente periféricas
e se tornem espectadoras de uma experiência alheia, o que não deixa de
ser, como pontua Francisco (2017), um exercício de alteridade. Considere
ainda que:

Essa situação parece ter especial importância por dois motivos. O primeiro é
a base da crítica à História Antiga. Em termos panfletários, pode-se dizer que
ela não nos serve, que ela é necessariamente imperialista, que ela contribuiu
para a organização de uma identidade periférica na maior parte do planeta,
inclusive no Brasil. Muitos desses argumentos são bastante válidos, mas
sua validade é parcial. A História Antiga vem mudando e essas mudanças
apresentam um forte componente autocrítico. Por exemplo, a perspectiva
racista dos Estudos Clássicos ao longo do século XIX e XX, apresentada
por Martin Bernal (1990), ainda é tema de debate e promoveu uma ampla
reflexão sobre alguns critérios narrativos da História Antiga. O que quero
dizer é que a crítica estabelecida à História Antiga (se ela é importante ou
não para nós) deveria partir de um conhecimento mais profundo do campo.
Sem isso, restam apenas impressões um tanto desatualizadas sobre ela, o
que afeta sensivelmente a qualidade do argumento crítico (FRANCISCO,
2017, p. 55–56).

Além disso, como afirma Francisco (2017), hoje se desenvolve uma cons-
ciência crítica em relação à História Antiga. Atualmente, é mais aceita a
ideia de que não é possível elaborar narrativas em termos exclusivos de uma
herança cultural. Isto é: sabe-se que não existe uma linha direta entre o mundo
contemporâneo e o antigo. O fato de existirem elementos “antigos” presentes
no cotidiano atual não significa que a contemporaneidade seja herdeira dos
gregos e dos romanos; talvez signifique, contudo, que tenha herdado um
projeto moderno europeu que estabeleceu uma trajetória civilizatória a partir
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da História Antiga. Nesse sentido, você deve considerar que o afastamento


desse processo funciona como uma nova tomada de posição: a própria noção
de periferia pode ser reavaliada (FRANCISCO, 2017).
Assim, um dos desafios para a historiografia do século XXI é romper
com a concepção de História Antiga como parte de uma história universal
e como ponto de partida para o estudo da civilização ocidental. Será neces-
sário refletir de forma mais global os processos de integração realizados no
Oriente Médio e no Mediterrâneo entre os séculos X a.C. e V d.C, interli-
gando África, Ásia e Europa. É preciso repensar a perspectiva eurocêntrica
e linear da História Antiga, bem como a sua leitura a partir de conceitos
como civilização, nação e progresso.

Fontes para pesquisa


Uma fonte histórica é determinado documento (escrito, material, oral, visual)
que possibilita ao historiador elaborar suas narrativas históricas, fornecendo
evidências, indícios e rastros sobre determinado passado. Algumas sociedades
deixaram inúmeros materiais que podem ser convertidos em fontes históricas.
Em outras, esses registros podem ter sido destruídos com a passagem do
tempo ou deliberadamente, pela ação do homem. Há ainda aquelas em que,
culturalmente, as transmissões geracionais são feitas de forma oral, e muitas
informações acabam se perdendo.
Enfim, são múltiplas as razões pelas quais atualmente existe mais ou
menos acesso às culturas escrita, material, oral e visual de uma sociedade.
Além disso, cada uma dessas fontes pressupõe conceitos, metodologias e
teorias específicas, como a arqueologia, a etnografia, a paleografia, etc.
Considerando as sociedades egípcia, grega, mesopotâmica e romana, que
fontes podem ser utilizadas para a escrita da história? A seguir, você vai
ver alguns exemplos.

Arqueologia: trabalhando com a cultura material


A arqueologia é considerada uma ciência que trata particularmente da
cultura material das sociedades, de tudo o que se refere à vida humana, no
passado e no presente. Existem muitas subáreas, resultantes da especiali-
zação em alguns períodos, em alguns métodos ou até mesmo em locais a
serem pesquisados.
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No link a seguir, assista à websérie Conhecendo a Arqueologia e aprenda mais sobre o


trabalho de um arqueólogo.

https://qrgo.page.link/zDRWf

Você sabe o que é cultura material? Veja o que afirma Meneses (1983, p. 112):

Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico


que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém
pressupor que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio
físico, segundo propósitos e normas culturais. Essa ação, portanto, não é
aleatória, casual, individual, mas se alinha conforme padrões, entre os quais
se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito pode tanto abranger
artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas animadas (uma
sebe, um animal doméstico), e também o próprio corpo, na medida em que ele é
passível desse tipo de manipulação (deformações, mutilações, sinalizações), ou
ainda os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cerimônia litúrgica).

Assim, podem ser considerados cultura material: objetos de uso pessoal,


roupas, artefatos, cerâmicas, ferramentas feitas em madeira, pedra e metal,
moedas, joias, construções arquitetônicas, monumentos, maquinários, habita-
ções, etc. Como as fontes escritas não são abundantes para o caso da História
Antiga, é necessário seguir as recomendações de Febvre (1985, p. 249):

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles exis-
tem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos escritos, se
os não houver. [...] Numa palavra, com tudo aquilo que pertence ao homem,
depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença,
a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.

Ao estudar esses artefatos, o arqueólogo ou o historiador extrapola a questão


utilitária do objeto e pensa nas relações de sua produção, seu comércio e sua
circulação, bem como nos significados que as sociedades lhe atribuem. Desse
modo, é possível estudar formas de convivência, de comércio, de relações
sociais; tudo isso a partir de um único objeto.
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Paleografia: transcrevendo outros mundos


A paleografia é uma prática para o estudo da escrita antiga e a transcrição de
sua caligrafia ou de seus símbolos. Essa técnica está presente desde os primeiros
“tradutores” dos hieróglifos e da escrita cuneiforme e foi se especializando
ao longo do tempo.
Você já ouviu falar sobre a Pedra de Roseta? Ela é um documento his-
tórico muito importante para o estudo da sociedade egípcia, pois, além de
permitir a decifração dos hieróglifos, ofereceu aos historiadores vestígios
sobre o funcionamento dos sistemas cultural, econômico e político do Egito
na época ptolomaica (III a II a.C.). Esse bloco de granito (Figura 1) foi
encontrado em 1799, durante as escavações de uma comitiva francesa na
cidade de Roseta, e uma primeira tradução foi feita por Champollion, que
utilizou algumas práticas já empregadas para tentar interpretar os antigos
hieróglifos (SALES, 2007).

Figura 1. Pedra de Roseta.


Fonte: Curiosidades... (2019).
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Filosofia, literatura, teatro e religião


Os escritos filosóficos, literários e teatrais, bem como as práticas religiosas,
são fontes inestimáveis para o estudo das sociedades antigas. Para os gregos,
por exemplo, o teatro era uma forma muito importante de relação social. São
diversas as formas de os homens se relacionarem com a natureza e entre si
mesmos, o que gerou diferentes mitos e cosmogonias. Além disso, o pensamento
filosófico deixou um legado para a humanidade.
Considere dois exemplos que são obras de referência para o estudo da
história grega: a Ilíada e a Odisseia. Ambos os textos são poemas épicos
cuja autoria é atribuída a Homero e que permitem conhecer alguns costumes
e algumas tradições da Grécia antiga. A Ilíada narra alguns episódios entre
o 9º e o 10º ano da Guerra de Troia. Já a Odisseia narra o retorno de Ulisses
após a Guerra de Troia para a sua cidade natal, Ítaca.

Temáticas de pesquisa
Desde a constituição da história enquanto disciplina, no século XIX, houve
interesse na pesquisa e no estudo da Antiguidade. Contudo, o desenvolvimento
dessas investigações foi distinto de acordo com o período histórico e com o
local de produção. Naquela conjuntura, por exemplo, a história do mundo antigo
estava ligada a um pensamento nacional, e houve uma instrumentalização da
Antiguidade para forjar histórias e identidades nacionais. A ideia era buscar as
origens em um passado longínquo glorificado, procurando legitimar práticas
do presente.
Porém, conforme a história da historiografia foi debatendo seus métodos
e suas teorias, bem como a relação que as sociedades desenvolvem com a
história, houve mudanças na forma de pesquisar e estudar a Antiguidade.
Veja o que afirma Silva (2010, p. 99):

Ainda no domínio dos avanços epistemológicos, a História da Antiguidade


Clássica, e do mundo antigo de maneira geral, tem sido acompanhada, ao
longo dos últimos anos, principalmente a partir do início da década de 1990, de
grandes mudanças ocorridas nos domínios da História. A consciência de que
o historiador produz, com seu ofício, espaços, tempos, indivíduos e práticas,
ao passo em que ele próprio se encontra inserido em contextos e conjunturas
específicas, aportou, desde algumas décadas, significativas mudanças para
a epistemologia da História Antiga. A convicção por parte de muitos histo-
riadores da cultura, mas não só, de que os objetos são criados, constituídos
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e de que o historiador é também uma espécie de narrador tem conferido um


deslocamento da acentuação de grandes paradigmas explicativos do mundo
antigo (que estabeleciam conhecimentos definitivos e sínteses totalizadoras
a respeito da cidadania, da escravidão, das relações sociais, das instituições)
para uma História Antiga que se quer mais plural, mais diversa.

Assim, você pode considerar que a possibilidade de estudos em História Antiga


é bastante variada, dependendo da disponibilidade de fontes e das problemáticas
elaboradas pelos pesquisadores. Existem estudos que se dedicam a analisar a
história de determinadas sociedades (egípcios, sumérios, babilônicos, hebreus,
gregos, romanos, berberes, dálmatas, trácios, núbios), suas relações sociais, suas
estruturas políticas e sua cultura. É possível ainda estabelecer recortes mais
delimitados, trabalhando com os escravizados ou as mulheres, por exemplo.
Além disso, existem estudos que se dedicam às regiões, chamando a aten-
ção para a especificidade geográfica e para a relação do homem com o meio.
Também há pesquisas que problematizam o que é ser ocidental ou oriental.
Ainda, existem os estudos que se dedicam às produções culturais e também
à historiografia produzida sobre a História Antiga desde o Renascimento,
passando pelo século XIX e chegando aos dias de hoje.

Entre as mais diversas temáticas e entre os incontáveis profissionais que se dedicam


ao estudo da História Antiga, dois deles seguem como referência para as pesquisas
na área. O primeiro deles, Moses Finley, historiador inglês, elaborou suas análises
realizando críticas a uma historiografia da Antiguidade de viés marxista, relatando os
problemas de utilizar o conceito de classe social na Antiguidade Clássica e sugerindo,
em seu lugar, as ideias de ordem ou status para se referir a determinados grupos
sociais. Outro grande pesquisador na área é o francês Jean-Pierre Vernant, que, por
meio de um trabalho interdisciplinar, congregando a antropologia, a sociologia, a
psicologia e a história, estudou os símbolos e a dimensão do simbólico, bem como a
sua importância para o homem grego.

Embora os temas de pesquisa em História Antiga tenham sido muito am-


pliados desde os anos 1990, a dificuldade de construir uma visão plausível de
qualquer aspecto da sociedade para além dos mais altos estratos de riqueza,
poder ou status social continuou sendo uma característica marcante da disci-
plina, em contraste com os desenvolvimentos ocorridos nas ciências sociais
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e em outros campos da história. Nos últimos anos, porém, a reflexão mais


aprofundada sobre o lugar da História Antiga no mundo atual têm levado os
classicistas e historiadores da Antiguidade a colocar questões de um modo
diverso e mais dinâmico. Afinal, hoje a tradição clássica deixou de ser domi-
nante e há a emergência de centros periféricos de pesquisa em países como
o Brasil, com suas experiências de exclusão, violência e desigualdade social.
Assim, temáticas como gênero, sexualidade, relações escravistas e ainda o
cotidiano passaram a ser exploradas pelos historiadores.

A pesquisa sobre História Antiga no Brasil


Nos últimos anos, houve uma expansão do campo de pesquisas sobre a História
Antiga no Brasil. Isso ocorreu devido a novas problemáticas advindas de
reflexões conceituais, teóricas e metodológicas, bem como por um acesso mais
facilitado às fontes primárias, por meio de recursos digitais (BELLEBONI-
-RODRIGUES; SILVA, 2012). Essas alterações foram fundamentais para que
se repensasse o que era compreendido como Antiguidade e para que houvesse
mudanças nos métodos, nos objetos e na abordagem das pesquisas.
O impacto dessas transformações na produção brasileira pode ser atestado
qualitativa e quantitativamente pelo número de trabalhos inscritos nos sim-
pósios temáticos dos encontros regionais e nacional da Associação Nacional
de História (ANPUH), pelo aumento do número de eventos específicos e pelo
surgimento de grupos e laboratórios de pesquisas. De acordo com Funari,
Silva e Martins (2009 apud SILVA, 2010, p. 103):

Houve uma ampliação de objetos de pesquisa, de paradigmas interpretativos,


mas, o que não é menos importante, houve uma significativa ampliação do
universo social dos historiadores do mundo antigo. O caráter aristocrático
da História, e da História Antiga, em particular, foi superado pela inclusão
de estudiosos não oriundos das elites, cuja formação intelectual e acadêmica
não era de berço, mas aprendida, tanto no Brasil como, de maneira crescen-
te, também no estrangeiro. Os paradigmas interpretativos tradicionais, que
enfatizam a homogeneidade social e o respeito às normas foram, de forma
crescente, contrapostos às visões multifacetadas e atentas ao conflito.

Silva (2010) afirma que houve, no Brasil, um progressivo abandono de


abordagens aristocráticas e elitistas da história, baseadas em histórias nacionais.
Além disso, passou-se a desenvolver uma História Antiga mais problematizada,
com reflexões sobre os discursos, menos linear e menos presentista:
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Desprovida de vínculos com uma tradição de estudos clássicos estabelecida


e com vínculos que a ligam a uma fictícia história nacional (Roma antiga/
Roma moderna, Gália/França, Germânia/Alemanha, Bretanha/Inglaterra,
e.g.), a História Antiga desenvolvida no Brasil, e em outros países vistos
como periféricos no cenário historiográfico mundial da disciplina, beneficia-
-se de um não comprometimento ou de um comprometimento menor com
questões identitárias nacionais, que comumente afetaram a produção de
conhecimento nesse campo. [...] O grande número de temas e subtemas de
livros, de autoria individual ou coletiva, de colóquios entre especialistas e
de atas publicadas desses mesmos colóquios apontam para um novo rumo
nas pesquisas sobre a Antiguidade no Brasil. Nesses, palavras como identi-
dades, diversidade, fronteiras, margens, imagens, símbolos, representações,
percepções, encontros, conflitos, presença, usos do passado etc., indicativas
de inovadoras preocupações epistemológicas, apontam para uma Antiguidade
cujas leituras têm sido menos normativas e mais problematizadas (SILVA,
2010, p. 104–105).

No Brasil, um marco significativo no desenvolvimento de pesquisas sobre


a História Antiga foi a organização em torno de sociedades e grupos de
trabalho e pesquisa, que, além dos historiadores, congregaram pesquisadores
de outras áreas, como a arqueologia, a filosofia e as letras. A organização
da pesquisa nesses grupos deu origem à Sociedade Brasileira de Estudos
Clássicos, fundada em 1985 (SILVA, 2010). Como exemplos de grupos
de trabalho e pesquisa que, além de congregar pesquisadores, organizam
eventos nacionais e internacionais e publicam revistas, você pode conside-
rar: Laboratório de Estudos do Império Romano (LEIR–USP), Laboratório
de História Antiga (LHIA–UFRJ) e Núcleo de Estudos da Antiguidade
(NEA–UERJ), entre muitos outros.

Destacam-se pelo pioneirismo os trabalhos de Pedro Paulo Funari, de Ciro Flamarion


Cardoso, bem como de uma geração de pesquisadores que defenderam suas teses de
doutorado relacionadas à temática da História Antiga nos anos 2000. Entre eles: Nathália
Monseff Junqueira, que analisa os usos do passado egípcio na França oitocentista e
a questão da identidade; Glaydson José da Silva, que trata das questões de gênero
em documentação literária; e Luciane de Munhoz Omena, que aborda os setores
subalternos romanos como atores políticos à luz da obra de Sêneca (BELLEBONI-
-RODRIGUES; SILVA, 2012).
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BELLEBONI-RODRIGUES, R. C.; SILVA, S. C. Os desafios e a importância da história antiga


na formação do professor de história. In: BATISTA, E. L.; SILVA, S. C.; SOUZA, T. N. (org.).
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Leituras recomendadas
CONHECENDO a arqueologia: escavação. [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo (3 min). Publi-
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watch?v=Kr9sgFn4VXw&t=3s. Acesso em: 20 jun. 2019.
FAVERSANI, F. A história antiga nos cursos de graduação em história no Brasil. Hélade, v.
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