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DA HISTÓRIA “ILUSTRADA”

UNIDADE 3
DO ILUMINISMO
À HISTÓRIA “CIENTÍFICA”
DOS POSITIVISTAS

Objetivos
• Compreender as principais características da História
iluminista.

• Conhecer as concepções históricas dos principais


pensadores da Ilustração.

• Apresentar a contribuição dos metódicos para a efetivação


da disciplina de História.

• Enfatizar as influências do positivismo para a construção


de uma metodologia da História.

Conteúdos
• A História dos Iluministas.

• A Ilustração Francesa: concepções da História em Voltaire,


Montesquieu, Rousseau e Condorcet.

• A Ilustração Britânica: Ferguson e Adam Smith.

• A Escola Metódica.

• O Positivismo de Auguste Comte.


UNIDADE 3
Licenciatura em História

ATENÇÃO!

1
Ao iniciar seus estudos, procure
ter à mão todos os recursos
de que irá necessitar, tais
INTRODUÇÃO
como: dicionário, caderno para
anotações, canetas, lápis, Nas unidades anteriores, vimos o que é, para que serve e como se escreve
obras etc. Desse modo, você a História, bem como seu desenvolvimento na Antiguidade, na Idade Média e no
poderá evitar as interrupções
e aproveitar seu tempo para Renascimento.
ampliar sua compreensão. Pense
nisso... Nesta unidade, vamos estudar o pensamento histórico dos movimentos que
contribuíram para o surgimento da nossa historiografia moderna e para a consolidação da
História como disciplina.

Assim, veremos como os historiadores procuraram solucionar os desafios


colocados por sua época ao modo de se fazer História.

Veremos, também, a contribuição de alguns escritores iluministas, metódicos e


positivistas para uma nova maneira de ver, conceber, interpretar e escrever a História.

Aqui, você poderá acompanhar os passos mais importantes para a constituição


da História como ciência e como um campo autônomo dentro das Ciências Sociais.

Vamos lá!

2 HISTÓRIA DOS ILUMINISTAS


Geralmente, chamamos de Iluminismo, Ilustração ou, ainda, Filosofia das
Luzes o movimento de renovação filosófica e intelectual ocorrido na Europa, cujo limite
cronológico pode ser estabelecido entre a Revolução Inglesa do século 17 e a Revolução
Francesa do século 18.

Conforme sabemos, durante esse período, ocorreu um amplo processo de


transformação política, econômica e social que colocou fim ao modo de produção feudal
e às instituições do Antigo Regime, possibilitando, assim, a eclosão de uma sociedade
tipicamente burguesa e o advento do capitalismo como sistema hegemônico.

Mas, afinal, qual a relação que podemos estabelecer entre esse período de
mudanças e uma nova maneira de ver, conceber, interpretar e escrever a História? O
chamado século das luzes realmente foi decisivo no estabelecimento de uma nova forma
de se entender a História? Existiu nesse período um grupo de autores que influenciaram
gerações futuras de historiadores?

No decorrer desta unidade, vamos tentar responder a essas perguntas, de


modo a deixar claro o papel exercido pela Ilustração no desenvolvimento da chamada
historiografia moderna.

As transformações em curso na Europa ocidental no decorrer dos séculos 17 e


18 provocaram alterações na forma de pensar o mundo e na maneira como os homens
concebiam a História.

Alguns filósofos, como René Descartes (1596-1650) e John Locke (1632-


1704), combatiam as explicações baseadas na vontade divina, típicas da Idade Média. No
entanto, essa nova atitude não provocou uma completa ruptura com a visão mística de
interpretação histórica da época medieval, conforme podemos observar, especialmente,
nos escritos de Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), que ainda apresentam a crença
num sentido de História fixado por Deus, ou seja, numa concepção providencialista da
História humana.

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Consideramos, portanto, que a existência simultânea dessas duas maneiras de


ver o mundo – a providencialista e a crítica da vontade divina – ocorreu por dois motivos
principais:

• Período de transição em que as estruturas da antiga sociedade feudal coexistem


com estruturas da nova sociedade capitalista.
• Os referenciais metodológicos que norteiam o trabalho do historiador são
construídos lentamente e não de maneira imediata.

Nesse sentido, o uso da razão (inteligência) para entender e explicar a realidade


teve seu papel reforçado e aperfeiçoado pelos expoentes da Ilustração no desenvolvimento
do processo histórico.

Os iluministas acreditavam que se a sociedade fosse organizada por princípios


racionais, ela se tornaria cada vez melhor e mais justa.

Essa visão de mundo baseada no racionalismo foi fortemente influenciada pela


física de Newton (1642-1727), cujos estudos afirmavam que havia leis naturais que regiam
a dinâmica de funcionamento do Universo.

Na verdade, de acordo com Fontana (1998, p. 60), “os ‘ilustrados´ transportaram


os esquemas elaborados pelas ciências naturais para o campo das Ciências Sociais,
estabelecendo uma espécie de física da sociedade”. Fizeram isso visando compreender PARA VOCÊ REFLETIR:
as relações humanas, já que achavam que a sociedade poderia ser organizada do mesmo E você, acredita que o mesmo
modo de raciocínio útil para
modo que a natureza. as ciências naturais pode ser,
também, usado pela História?
Envolvidos nessas transformações que contribuíram para um visível aumento Quais seriam as implicações de
se proceder de tal maneira?
qualitativo e quantitativo tanto no campo do conhecimento quanto no das técnicas,
os pensadores do Iluminismo foram cultivando uma crença apaixonada na ideia de
progresso.

Desse modo, muitos “ilustrados” acreditavam que a História caminhava de


maneira linear rumo a um progresso humano contínuo e ininterrupto.

Devemos mencionar ainda que, durante o século 18, sob o impacto das ideias
iluministas, ganharam forma as chamadas filosofias da História, cuja visão teleológica
afirmava que a evolução da humanidade estava orientada para um determinado fim.

Nas palavras de Bourdé e Martin (1983, p. 44), que escreveram o livro As


escolas históricas, “o ponto em comum das diversas filosofias da história era descobrir um
sentido para a história”.

Essa visão (de estabelecer um sentido para a História) influenciou diversos


pensadores como Voltaire, Kant, Condorcet e Hegel, e, mais tarde, Comte, Marx, Spengler
e Toynbee.

Esses estudiosos tentaram, cada um à sua maneira, criar modelos explicativos


visando desvendar os nexos do curso dos acontecimentos passados para perceber para
onde caminhava a História ou, em outras palavras, para descobrir qual era o sentido da
História.

Certamente, os grandes problemas colocados ao ofício do historiador por essa


maneira de se fazer História, reduzindo-a a processos ou leis gerais, foram, ao mesmo
tempo, a limitação das possibilidades de pesquisa histórica e a ausência de preocupação
com os aspectos específicos e particulares dos acontecimentos históricos, já que havia
uma opção por estudos generalizantes.

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3 ILUSTRAÇÃO FRANCESA: CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA EM


VOLTAIRE, MONTESQUIEU, ROUSSEAU E CONDORCET
Apesar de haver algumas características comuns entre os pensadores iluministas,
não podemos incorrer no erro de acharmos que havia uma uniformidade de pensamento
entre eles. Conforme veremos, cada um encarava a História de uma maneira diferente.

Iniciaremos a apresentação das concepções históricas dos “ilustrados franceses”


por François Marie Arouet (1649-1778), nascido em Paris e mais conhecido como Voltaire.
Esse autor, segundo Fontana (1983, p. 64-65), definiu a História na Enciclopédia da
seguinte maneira:

A história é o relato dos fatos que se tem por verdadeiros, ao contrário da


fábula, que é o relato dos fatos que se tem por falsos. Há a história das opiniões,
que não é muito mais que a compilação dos erros humanos. A história das
artes pode ser a mais útil de todas, quando une ao conhecimento da invenção
e do progresso das artes a descrição de seus mecanismos. A história natural,
impropriamente chamada história, é uma parte essencial da física. Tem-se
dividido a história dos acontecimentos em sagrada e profana; a história sagrada
é uma seqüência das operações divinas e milagrosas, pelas quais tem agradado
a Deus conduzir no passado a nação judia e pôr à prova no presente a nossa
fé.

Pela definição citada anteriormente, fica clara a preocupação de Voltaire com a


exatidão dos fatos históricos, ou seja, pela busca de sua veracidade. A crítica às fábulas,
que, na época, eram muito apreciadas por seus contemporâneos, mostra seu interesse em
transformar o modo como até então a História era explicada.

Além disso, conforme ensina Fontana (1998, p. 67), Voltaire foi responsável pelo
alargamento das perspectivas históricas, já que se empenhou “em superar o estreito marco
da história política tradicional, para construir em seu lugar, ‘a do espírito humano’”.

Assim, podemos dizer que, para Voltaire, cabia à História se envolver com
os estudos dos motivos e das paixões que guiam as ações humanas, privilegiando as
mudanças nos costumes e nas leis. Ademais, esse campo do saber deveria abrir-se a tudo
o que é humano, à diversidade das civilizações. No que diz respeito à escrita da História,
o historiador deveria procurar ser agradável, escrevendo de maneira breve e evitando
acrescentar demasiadamente detalhes inúteis e descrições numerosas em sua narrativa
(BOURDÉ; MARTIN, 1983).

De acordo com o exposto até aqui, você deve ter percebido que a concepção
histórica de Voltaire privilegia os aspectos culturais da humanidade; daí a sua preocupação
com as mudanças nos costumes, com a diversidade das civilizações.

Esse iluminista também atribui uma grande importância aos feitos dos grandes
homens (príncipes, militares, imperadores), conforme podemos depreender de sua divisão
em quatro grandes épocas para distinguir a evolução da História humana:

• Grécia de Filipe e Alexandre.


• Roma imperial de César e Augusto.
• Renascimento com os Médicis.
• França de Luís XIV.

Em cada uma dessas fases, a razão humana teria progredido e aperfeiçoado-


se, levando-o a acreditar que a ilustração poderia ser um agente capaz de reformar a
sociedade. Fontana (1983, p. 67) ilustra muito bem esse aspecto:

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[...] A uma visão de história que se funda na evolução do espírito humano,


corresponde uma concepção política que sustenta que é a ilustração dos homens,
como instrumento de modificação de sua consciência, que transformará o
mundo. E a essa concepção política corresponde, por sua vez, um programa de
ação como o dos ilustrados, que Voltaire pôs em prática, não só por meio de
seus escritos, como também dos seus combates pela justiça e pela tolerância
[...].

Um outro pensador de destaque no Iluminismo francês é Charles-Louis de


Secondat (1689-1755), mais conhecido como Montesquieu, autor da obra O Espírito das
Leis, publicada em 1748. Além disse, ele é famoso por sua doutrina dos três poderes, VOCÊ SABIA QUE:
Boa parte dos pensadores do
em que dividia a autoridade governamental entre os poderes Executivo, Legislativo e Iluminismo francês publicava
Judiciário. suas obras anonimamente ou
fazendo uso de pseudônimos.
Voltaire, por exemplo, é um dos
Apesar de apresentar uma preocupação mais de natureza política do que de vários pseudônimos utilizados
crítica histórica propriamente dita, esse pensador deixou alguns legados especialmente por François Marie Arouet.

para a Teoria da História.

Fontana (1983) destaca duas contribuições desse “ilustrado”:

• A distinção feita entre o que é meramente fruto do acaso e aquilo que tem
uma importância estrutural para explicar os fenômenos históricos, o que
possibilitaria, na concepção de Montesquieu, um estudo científico da evolução
histórica.
• “Sua visão da evolução humana, como passagem por uma sucessão de etapas
definidas pela forma na qual os homens obtêm a sua subsistência” (FONTANA,
1983, p. 69-70).

Essas duas etapas apresentavam como característica um caráter cíclico de


avanços e retrocessos, não sendo possível explicar as modificações ocorridas na sociedade
ou nações a partir de uma análise mecânica de causas e consequências, já que as mudanças
fazem parte de um processo inteligível “do esforço humano para entendimento próprio e
para realizar no mundo as suas capacidades” (CARDOSO, 2005, p. 134).

É exatamente essa visão cíclica da História que possibilita a apreensão de que


existem “causas gerais” passíveis de serem compreendidas, que justificam o estudo
científico da evolução histórica da humanidade defendida por Montesquieu.

O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é outro pensador que merece


destaque dentro do pensamento histórico do século 18, especialmente por levar em
consideração as modificações pelas quais passou a natureza humana ao longo da História.
Uma de suas ideias faz uma forte crítica às sociedades historicamente constituídas,
especialmente quando afirma que:

“o homem nasce livre e por toda parte se encontra sob grilhões”


(ROUSSEAU).

Desse modo, o próprio processo histórico por que passou o homem o transformou
num prisioneiro, corrompendo seu modo de vida original caracterizado pela liberdade e
independência. Em outras palavras, a origem da corrupção do ser humano está em seu
contato com a civilização, que o afastou gradativamente de seu contato com a natureza e
produziu a desigualdade entre as pessoas, bem como os problemas criados por ela.

A concepção degenerativa da evolução social e dos males que impedia a


emancipação do homem apresentada por Rousseau contrasta bastante com a visão de
muitos de seus contemporâneos, os quais viam o processo histórico pelo qual passou a
sociedade como um sinônimo de progresso.

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É do conhecimento de todos que diversos iluministas viam o século 18 como


um momento em que as realizações humanas haviam superado em muito
PARA VOCÊ REFLETIR:
tudo aquilo que havia sido feito antes. A História, por sua vez, era apresentada
Será que podemos, assim como
os iluministas, acreditar que como uma via de mão única rumo ao constante aprimoramento do potencial
a História caminha rumo ao humano.
constante aprimoramento do
potencial humano?

Quanto a Condorcet (1743-1794), cujo verdadeiro nome era Marie Jean Antoine
Nicolas de Caritat, devemos destacar seu papel na modificação da imagem que até então
se tinha do tempo histórico: o de uma linha reta temporal. Esse iluminista apresenta
um modelo de compreensão dos acontecimentos constituído por uma escadaria, no qual
acontecimentos diversos se desenrolam em seus variados degraus .

“A grande idéia que está na base da concepção da história de Condorcet é que


a história retoma em cada época todos os progressos das fases precedentes, enquanto ela
é o resultado da acumulação de toda a riqueza do passado” (BODEI, 2001, p. 32).

A citação anterior mostra que, para Condorcet, o processo histórico traduz o


progresso da humanidade. Esse pensador procurou descobrir o sentido dos acontecimentos
tentando interpretar as leis inerentes ao desenvolvimento do curso dos fatos históricos, o
que lhe possibilitou acreditar que seria possível antecipar as tendências do futuro.

Além disso, ele colocou em relevo que a direção da marcha da História depende
da permanência de algumas precondições e da intervenção dos indivíduos para antecipar
o tempo daquilo que aconteceria de modo inevitável no futuro.

4 ILUSTRAÇÃO BRITÂNICA: FERGUSON E ADAM SMITH


Aos representantes da ilustração britânica, com destaque para os membros
da Escola Escocesa, coube a tarefa especial de tentar construir uma visão de mundo
que inculcasse a lógica do capitalismo aos diversos segmentos da sociedade que não se
beneficiavam diretamente das riquezas geradas por esse sistema.

Surge, a partir daí, uma nova maneira para explicar a realidade e os fenômenos
humanos, que afirma haver uma lógica interna de funcionamento obtida pelas ações do
homem e pelos princípios que ordenam a vida em sociedade.

O que faz a sociedade funcionar são os interesses dos indivíduos, que, no


entanto, só ganham sentido se inseridos “na trama das ações recíprocas produzidas,
através das gerações, pela vida em comum dos indivíduos” (BODEI, 2001, p. 33). Nesse
sentido, por exemplo, para que eu sobreviva, sou, de certa maneira, forçado a trocar meu
trabalho com o dos outros. Assim, é preciso que os interesses de uma pessoa coincidam
com os interesses de outrem. Isso levando em conta o funcionamento do mercado, ou
seja, o aspecto econômico.

Neste tópico, privilegiaremos as concepções históricas de Adam Ferguson (1723-


1816) e de Adam Smith (1723-1790), apesar de outros pensadores como David Hume
(1711-1776) e Edward Gibbon (1737-1794) terem deixado importantes contribuições.

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Ferguson foi um dos grandes responsáveis pela difusão dos conhecimentos


elaborados pela famosa escola escocesa. Além disso, em seu pensamento histórico,
implantou o conceito de “sociedade civil”, vista como o local da dimensão privada e
individualista, que seria o fator principal para o surgimento da economia política e da
liberdade dos modernos.

Dessa forma, Ferguson vê o processo de divisão do trabalho como o responsável


pela passagem da barbárie à civilização e usa o liberalismo para justificar e explicar de
maneira racional a “nova” sociedade surgida no século 18.
(1) A “mão invisível” que
Na opinião de Fontana (2001), a figura mais importante que apareceu no contexto da controla o mercado é a base do
Ilustração britânica é Adam Smith, que escreveu A Riqueza das nações, publicada em 1776. conceito do liberalismo, que, por
sua vez, prevê que se o mercado
Nessa obra, é apresentada uma visão economicista da História “como ascensão da barbárie ao não for controlado – for deixado
capitalismo, um programa para o pleno desenvolvimento deste e uma antecipação de um futuro livre –, a mão invisível controla
a relação entre os homens,
de prosperidade e riqueza para todos” (FONTANA, 2001, p. 90). equilibrando-as. Na prática,
sabemos que o liberalismo
Smith afirma que os homens dotados de certo egoísmo, ou seja, voltados para abandona os homens à sua
própria sorte, abrindo caminho
seus próprios interesses, promovem o interesse da sociedade – mesmo sem saber ou ter para a dominação e exploração
essa intenção – já que existe uma “mão invisível”1 que os levam a fazer isso. dos mais poderosos sobre os
menos privilegiados.

Esse pensador identifica uma organização dinâmica da sociedade que sempre VOCÊ SABIA QUE:
evolui para um melhor bem-estar coletivo. Dessa forma, é possível explicar e prever tanto O liberalismo era um modelo de
pensamento que reclamava o
o comportamento dos indivíduos quanto as relações sociais do homem, já que a natureza progresso por meio da liberdade.
humana é vista como universal e imutável. Suas principais características
eram: a não-intervenção
do Estado na economia, o
individualismo, a liberdade de
mercado, a livre concorrência,

5 ESCOLA METÓDICA
a liberdade de contrato e a livre
iniciativa.

No decorrer do século 19, ocorreu uma incessante tentativa de estabelecimento PARA VOCÊ REFLETIR:
de uma historiografia científica – acompanhando os passos das propostas iluministas – Você já ouviu falar do
neoliberalismo? Consegue
que apresentasse métodos e critérios de trabalho para o historiador. enxergá-lo como uma retomada
do liberalismo? Reflita sobre
Nesse contexto, implantou-se na França, entre os anos de 1880 e 1930, a Escola isso...

Metódica, tornando-se uma das grandes responsáveis pela consolidação da História como
disciplina e pela profissionalização do gênero histórico.

Seus princípios aparecem em dois textos: um foi redigido por Gabriel Monod,
para o lançamento da Revue Historique, em 1876; o outro é a obra Introdução aos estudos
históricos, escrita por Charles Seignobos e Charles-Victor Langlois em 1898.

Apesar de a historiografia científica ser, algumas vezes, confundida com o


positivismo, devemos destacar um ponto importante que os diferencia: os metódicos
tiveram como fonte de inspiração os escritos do alemão Leopold Von Ranke (1795-1886)
e não de Auguste Comte (1798-1857).

Ranke, em seus postulados teóricos, preocupou-se bastante com a questão do


método de pesquisa em História, destacando que cabia ao historiador não a função de julgar os
fatos do passado, mas sim de mostrá-los como realmente aconteceram, pois acreditava que era PARA VOCÊ REFLETIR:
E você, acredita que a História
possível atingir a objetividade e conhecer a verdade com a História. possa atingir a verdade
praticamente absoluta sobre os
Assim, Ranke valorizou o uso de documentos, dos quais o historiador deveria fatos do passado?

reunir um número suficiente de dados, descrevendo apenas o que estava contido nas
fontes, sem se ater a nenhum tipo de especulação teórica, evitando, assim, qualquer tipo
de subjetividade (BOURDÉ; MARTIN, 1983).

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Os metódicos aplicaram em grande medida os postulados de Ranke, já que


buscavam delinear uma nova maneira de abordagem documental para a pesquisa histórica,
fazendo que a História produzida fosse, ao mesmo tempo, descritiva, narrativa, imparcial
e objetiva.

[...] A escola metódica quer impor uma investigação científica afastando


qualquer especulação filosófica e visando a objetividade absoluta no domínio
da história; pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes
ao inventário das fontes, à critica dos documentos, à organização das tarefas
na profissão (BOURDÉ; MARTIN, 1983, p. 97).

De acordo com a citação anterior, podemos notar a defesa de uma História


científica por parte dos metódicos e a crítica às especulações filosóficas, especialmente
aquelas que aparecem nas chamadas filosofias da História.

Na busca da objetividade, o discurso histórico deveria diferenciar-se da linguagem


utilizada pela literatura meramente ficcional, a fim de não se tornar algo romantizado ou
uma simples fantasia. Além disso, o passado poderia ser apreendido de forma indireta
por meio dos registros escritos deixados em textos e documentos oficiais. Em seu ofício,
o historiador deveria procurar alcançar a neutralidade máxima no trato com as fontes,
deixando de lado suas paixões e emoções.

Aliás, na obra Introdução aos estudos históricos, Seignobos e Langlois valorizam


bastante a importância do documento escrito para o conhecimento histórico ao afirmarem
que a História se faz com documentos e que estes falam por si. Ou seja, as fontes
documentais são a prova de que aquilo que o historiador esta dizendo em seu trabalho é
verdade.

A história se faz com documentos. Documentos são os traços que deixaram


os pensamentos e os atos dos homens do passado. Por falta de documentos,
a história de enormes períodos do passado da humanidade ficará para sempre
desconhecida. Porque nada supre os documentos; onde não há documentos
não há história (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 15).

Dessa forma, após a escolha do tema a ser estudado, o historiador deve realizar
a busca, a localização, a reunião e a classificação dos documentos, em uma atividade
conhecida como heurística. Além do mais, a crítica das fontes fazia-se uma etapa
fundamental, uma vez que tinha o objetivo de verificar a autenticidade e a credibilidade
ou não dos registros deixados.

Apesar de toda essa preocupação com os métodos e procedimentos a serem


aplicados na maneira de se fazer História, no decorrer das primeiras décadas do século
20, os metódicos eram alvos de duras críticas. Toda aquela concepção de História linear,
de progresso cumulativo – herdada da época das Luzes –, bem como as questões, os
métodos, as abordagens e objeto de estudo implantados pela corrente metódica eram
questionados, especialmente, por parte dos representantes da Escola dos Annales,
conforme estudaremos na disciplina Metodologia da História II.

6 POSITIVISMO DE AUGUSTE COMTE


A corrente positivista elaborada por Auguste Comte exerceu um forte impacto
sobre diversos historiadores a partir da segunda metade do século 19. Esse sistema
assenta-se numa lei fundamental – conhecida como lei dos três estados – que está na
base da explicação comtiana da História.

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34 Claretiano – Batatais
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De acordo com essa lei dos três estados, o desenvolvimento histórico e cultural
da humanidade teria se desenvolvido em três etapas:

• Estado teológico – corresponde à Antiguidade; os fenômenos são explicados


por meio das vontades de agentes sobrenaturais.
• Estado metafísico – corresponde à época medieval; os fenômenos passam a
ser explicados por meio de entidades ocultas ou abstratas.
• Estado positivo – corresponde aos tempos modernos; a explicação dos
fenômenos dá-se por meio de experiências demonstráveis, fazendo-se uso do
raciocínio e da observação.

Vale lembrar que cada ramo do conhecimento passa por esses três estados, de
forma que apenas se torna ciência no estado positivo.

Baseando-se no ponto de vista de Comte, temos uma visão evolutiva, linear


e previsível da História humana, que pode ser compreendida objetivamente, já que é
possível interpretar a aventura humana em sua linha única de desenvolvimento.

Os positivistas consideravam que era possível reconstituir os acontecimentos


passados tal como eles ocorreram, bastando, para isso, remeter-se aos testemunhos
contidos nos registros deixados no passado. As fontes, geralmente, eram vistas como algo
dotado de neutralidade, não sendo necessária a preocupação com sua autoria e possível
intencionalidade de quem a produziu.

Portanto, no positivismo, o historiador ocupava um papel passivo diante das


fontes, já que não tinha a função de interpretar ou fazer perguntas para o documento.

O principal eixo de análise do positivismo do século 19 recaía sobre o estudo dos


grandes personagens da História política.

Essa ênfase no aspecto político foi alvo de crítica por parte dos marxistas,
que passaram a privilegiar os aspectos econômicos, baseando-se na análise dos modos
VOCÊ SABIA QUE:
de produção – asiático, escravista, feudal, capitalista e socialista – como explicação do A frase “Ordem e Progresso”,
processo histórico, temas estes que serão tratados na próxima unidade. escrita em nossa Bandeira, é um
lema positivista, o que demonstra
a forte influência dessa doutrina
entre nossos republicanos.

7 CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, fizemos a trajetória histórica da construção historiográfica dos
pensadores iluministas. Mostramos a profunda relação entre sua forma de ver o mundo e
de pensá-lo e sua construção histórica, baseada em uma noção de progresso da civilização
humana.

Essa crença, de alguma forma, preservou-se nos modelos de construção


histórica do século 19, baseada num cientificismo e numa noção de História como ciência
exata. Como vimos, profundamente influenciados pelas transformações da sociedade
europeia da época, os historiadores do século 19 acabaram por criar uma História em que
a interferência da interpretação deveria ser mínima e o historiador deveria permitir que o
documento falasse.

Esse modelo foi profundamente questionado a partir do século 20, como veremos
na próxima unidade.

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BODEI, R. A história tem um sentido? Bauru: Edusc, 2001.

BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As escolas históricas. Lisboa: Europa-América, 1983.

CARDOSO, C. F. Um Historiador fala de teoria e metodologia: ensaios. Bauru: Edusc,


2005.

FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

LANGLOIS, C.; SEIGNOBOS, C. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Renascença,
1946.

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