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Introdução

Compreende-se a Escola de Annales como um movimento que


surgiu e desenvolveu-se sobretudo no âmbito historiográfico por volta de
1929, na França. A sua criação é atribuída aos historiadores Marc Bloch
e Lucien Febvre, através da fundação da revista intitulada Annales
d’Histoire Économique et Sociale. Ao movimento, também associam-se
os nomes de Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff,
Emmanuel Le Roy Ladurie entre outros.
Embora seja muitas vezes referida como “Escola dos Annales”,
segundo aponta BURKE (1990) os próprios membros do grupo negavam
a sua existência enquanto escola ao realçar as contribuições individuais
dos membros para o conjunto.
Como diretrizes do pensamento vigorante em Annales, podemos
destacar a ruptura com o tradicionalismo historiográfico baseado no
tempo linear, enfatizando a importância de analisar as estruturas de
longo prazo, os padrões e os processos históricos. Além disso, também
é característica inerente do movimento uma proposta de estudos mais
abrangentes, indo além da história política, se preocupando agora com
aspectos sociais, culturais e econômicos que eram menosprezados nos
métodos prévios de investigação historiográfica. Desta forma, Annales
pode ser interpretada como uma oposição direta ao padrão
historiográfico que a precede e que, até então se baseava na história
política, nos eventos pontuais e datas específicas. Por fim, atribui-se ao
pensamento em Annales a interdisciplinaridade, a colaboração entre as
ciências tais como psicologia, sociologia, geografia, dentre outras.

Importantes conceitos em Annales

Inaugura-se em Annales um horizonte conceitual apoiado pela


nova reflexão realizada acerca das maneiras de se “fazer história”. A
compreensão da suma desses conceitos é essencial para entendermos
a profundidade das alterações nos métodos de estudo da História
proporcionadas pela Escola de Annales e sua repercussão até a
contemporaneidade.

História Problema

Pode-se considerar a ideia fundamental para caracterizarmos a


perspectiva do movimento sobre o modo de se investigar a História. A
História Problema apresenta-se em objeção ao modelo narrativo
positivista - a história factual - e é, segundo José d’Assunção Barros
(2012) “interpretativa, problematizada, apoiada em hipóteses, capaz de
recortar o acontecimento através de novas tábuas de leitura, e, na
verdade, capaz de problematizar este próprio gesto de recortar um
acontecimento.”

Tal ideia contrapõe-se ao método acrítico de resumir a História a


uma narração linear, desinteressada e reprodutivista de fatos assumidos
como a “verdadeira e única história” e portanto, exige do historiador ao
consultar e analisar o passado uma postura questionadora, que procura
problemas, faz recortes e estuda as possibilidades.

Diz Lucien Febvre no manifesto “Contra o Vento” acerca da


história problema:

Peço aos historiadores, quando vão ao trabalho, que não o façam


como se fossem de encontro a Magendie: Magendie, mestre de
Claude Bernard, precursor da fisiologia, que sentia tanto prazer em
deambular, com as mãos nos bolsos, através de fatos raros e
curiosos e, como o trapeiro – assim dizia ele –, através dos objetos.
Eu lhes peço para ir ao trabalho como Claude Bernard, com uma boa
hipótese em mente. E que jamais se comportem alegremente como
colecionadores de fatos, como antes, quando bancavam os
caçadores de fatos às margens do Sena. Que nos dêem uma
História, não uma História automática, mas, sim, problemática
(FEBVRE, 1946, apud BARROS, 2012 p. 312)

A ampliação do uso de fontes e a Nova História

A partir da ideia de que não se pode realizar o exercício


historiográfico
sem interpelar as fontes, afinal, como afirma Bloch (1941-1942) “os
documentos e os testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los”,
surgem novos personagens e novas possibilidades acerca da realidade
passada, à medida que são feitos tais questionamentos. Tendo como
interesse não mais exclusivamente o viés político e/ou militar da história
de uma sociedade, se expande a pluralidade de fontes que explícita ou
implicitamente revelam algo acerca do passado. Ou seja:

Quando falamos em novas possibilidades de relações entre os


historiadores e o tempo, temos em vista os aspectos que vão da
percepção do tempo histórico às possibilidades de representá-lo, de
utilizá-lo como aliado para produzir inovadoras leituras da história, isto
é, pensar inusitados objetos e mobilizar novos tipos de fontes
históricas. [BARROS, José d’Assunção, Os historiadores e o tempo: a
contribuição dos Annales, 2018]. (BARROS, 2018, p. 183).

Na tentativa de construção de uma História ampla que, na ruptura com a


limitação dos estudos voltados exclusivamente à política do passado, visava
compreender os mais diferentes aspectos da humanidade - desde as relações
do ser humano com o meio ambiente e o meio social, relações de poder, suas
crenças, a estruturação de sua cultura, os seus hábitos e a vida cotidiana, sua
concepção do mundo e como isso de fato impactava o cenário global, até a
mais recente preocupação da historiografia com as mulheres do passado - fez-
se a revolução documental cujo os interesses atravessaram as gerações dos
Annales, sendo trazidos à História Nova (movimento inaugurado pela terceira
geração), de forma que:

A História Nova ampliou o campo do documento histórico; ela


substitui a história de Langlois e Seignobos, essencialmente baseada
em textos e documentos escritos, por uma história fundamentada
numa ampla variedade de documentos escritos de todos os tipos,
documentos iconográficos, resultados de escavações arqueológicas,
documentos orais etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma
fotografia, um filme, ou, quando se trata de um passado mais
longínquo, vestígios de pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são
documentos de primeira ordem para a História Nova (LE GOFF. A
Nova História, 1978 apud BARROS, 2012, p. 140).

Assim, todo vestígio, todo documento (oficial ou não), todo objeto e afins
passaram a ser legítimos como objetos de estudo histórico.

A longa duração

Assimilando a existência de indivíduos e suas vivências


negligenciadas pelo modelo de estudo historiográfico antecedente aos
Annales, nos dedicamos à tarefa de entender as complexas estruturas
temporais sobre as quais estes mesmos sujeitos se assentaram e
desenvolveram suas relações.
É então, através da Escola de Annales que somos introduzidos
ao conceito de “Tempo Estrutural” ou “longa duração”, no qual
abandona-se uma concepção de História enquanto uma diegese
fragmentada de fatos isolados para aderir a uma visão abrangente
destes mesmos fatos, seu contexto precedente e seus desdobramentos
posteriores como articulações de uma estrutura maior, complexa e que
muitas vezes foge à percepção humana. Diz Braudel acerca das
estruturas:

Para nós, historiadores, uma estrutura é sem dúvida um agregado,


uma arquitetura; porém, mais ainda, uma realidade que o tempo
pouco deteriora e que veicula por um longo período. [...] Pensem na
dificuldade de quebrar algumas limitações geográficas, algumas
realidades biológicas, alguns limites da produtividade e mesmo certos
condicionamentos espirituais: os arcabouços mentais também são
prisões de longa duração (BRAUDEL, 1958 apud BARROS, 2018 p.
186).

Tomemos por exemplo de estrutura os diferentes tipos de


preconceito existentes na sociedade e que, consolidam-se através de
ideias e ações num imaginário social tão intrinsecamente de forma a
serem perpetuados por períodos muito longos, sendo difíceis de
identificar, de romperem-se.
É através desse conceito que torna-se possível contemplar na
passagem do tempo as continuidades e rupturas das sociedades,
instituições e o movimento do pensamento humano, de forma que não
basta apenas atentar-se ao fato e tampouco somente a conjuntura que o
envolve mas também, a articulação maior desses com uma estrutura
maior.

A História das Mentalidades

A História das Mentalidades se refere à análise das formas de pensar e


sentir de uma determinada época, buscando entender como as pessoas
lidavam com questões sociais, culturais e políticas. Essa abordagem teve
grande influência na historiografia contemporânea, pois permitiu aos
historiadores compreender melhor as mentalidades coletivas que moldaram a
sociedade em diferentes momentos da história. O desenvolvimento desse
conceito foi influenciado pelo trabalho de Lucien Febvre, que defendia a
importância de se estudar as mentalidades para compreender a cultura e a
sociedade de uma época.

Através da história das mentalidades, os historiadores puderam explorar


não apenas as grandes transformações históricas, mas também as mudanças
nas percepções e valores dos indivíduos ao longo do tempo.

Diz Araújo (1999) sobre a História das Mentalidades:


Território obscuro e particularmente atraente, a História das
Mentalidades – designação lançada pela Escola dos Annales e sem
equivalente na língua inglesa – tem contribuído assim para alargar o
inquérito dos historiadores, desfazendo equívocos, criando novos
problemas e abrindo caminho ao estudo dos traços mais
desvanecidos, quase apagados, da vida humana ao longo dos
tempos. Traços forjados na intimidade, envoltos em segredo e
captados no limiar do privado e do público, do sagrado e do profano,
da norma e do conflito. Com alguma nitidez são eles que preenchem
o essencial das Histórias do corpo, da doença, da morte, da
sexualidade, da infância, da mulher, da festa, da leitura, da crença, da
superstição, da fantasia, do medo, da infâmia, do castigo, da
alimentação e de muitos outros campos significantes da nossa
cultura. (ARAÚJO, A. C., 1999)

A interdisciplinaridade

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