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Mariza Peirano

A teoria vivida
e outros ensaios de antropologia
Sumário

Introdução

PARTE I: Caminhos da antropologia


1 – Onde está a antropologia?
2 – Antropologia at home
3 – A alteridade em contexto: o caso do Brasil

PARTE II: Diálogos breves


4 – A teoria vivida: reflexões sobre a orientação em antropologia
5 – Pecados e virtudes da antropologia: uma reação ao problema do
“nacionalismo metodológico”
6 – “In this context”: as várias histórias da antropologia
7 – Max Weber e a antropologia: a relação entre microetnografia e
macrossociologia
8 – Por uma sociologia da Índia: alguns comentários

PARTE III: O Estado na vida das pessoas


9 – “Sem lenço, sem documento”: cidadania no Brasil
10 – A lógica múltipla dos documentos

Notas
Agradecimentos
Referências bibliográficas
Introdução

Escolhi como título desta coletânea de ensaios A teoria vivida, um dos


ensaios mais breves dos dez textos aqui reunidos, principalmente por refletir
um tema que atravessa todo o livro. É costume se fazer referência à teoria
sociológica ou antropológica como se ela fosse eterna e imutável, como se ela
estivesse lá, distante dos nossos dados e da nossa vida. À teoria caberia um
lugar nobre, mas remoto; disponível para ser resgatada quando necessário, ela
serviria para iluminar as descobertas das nossas experiências de pesquisa.
Nos ensaios que compõem este livro, insisto na perspectiva oposta. A teoria é
o par inseparável da etnografia, e o diálogo íntimo entre ambas cria as
condições indispensáveis para a renovação e sofisticação da disciplina. Este
papel da teoria revela-se especialmente em nossos trabalhos analíticos,
quando ela está, de maneira mais óbvia, em ação, emaranhada nas evidências
empíricas e nos nossos dados etnográficos.
A teoria antropológica, contudo, não se manifesta apenas no exercício
monográfico. Nos ensaios a seguir proponho que nossa perspectiva teórica
emerge também no dia-a-dia acadêmico, em sala de aula, na orientação de um
aluno, nos debates com colegas e pares – quer sejam interlocutores presentes
ou ausentes –, na transformação em “fatos etnográficos” de eventos dos quais
participamos ou que observamos. Sugiro, assim, que, ao reconhecer a
ubiqüidade da teoria, podemos chegar a uma visão mais conseqüente, na qual
se observam tanto a constante transformação a que ela está sujeita como um
fenômeno vivo, quanto, de maneira só aparentemente paradoxal, sua
permanência e solidez inspiradoras.
Este ponto de vista é bastante antigo, já foi exaustivamente discutido por
epistemólogos de envergadura, e remonta pelo menos à noção weberiana de
uma “eterna juventude” das ciências sociais. Aqui, apenas deixo fluir, de
vários ângulos, tópicos como a incidência e a riqueza da teoria antropológica,
além de seus questionamentos, dilemas e promessas. Quero veicular a idéia
de que, em um mundo dominado por julgamentos de valor apressados e
maniqueísmos perigosos, a antropologia representa, hoje e ainda, uma
possibilidade rara e valiosa de reflexão sobre fenômenos sociais, um modo de
conhecimento que se caracteriza por levar sempre em conta contexto e
comparação, em uma prática continuamente atenta às dimensões da
linguagem e da cultura.

Os lugares e os tempos da teoria


A idéia de uma “teoria vivida” alude à ação permanente, ao movimento
contínuo que caracteriza o desenvolvimento geral da disciplina e também as
suas configurações particulares. É fato conhecido que noções de tempo e
espaço são centrais para o exame da ação social; essas noções são igualmente
básicas na apreciação da trajetória da antropologia como fenômeno
intelectual (e cultural). Conceber a teoria viva sugere, portanto, a existência
de dimensões políticas em sua prática. Algumas breves indicações são
suficientes para sinalizar essa questão.
Desde o seu reconhecimento como disciplina no final do século XIX, a
antropologia tende a dividir o mundo: há um século atrás estavam, de um
lado, seus poucos praticantes, geralmente oriundos de uma pequena, mas
dominante fração do globo (Europa e Estados Unidos); de outro, os nativos
possíveis, objetos de investigação que abarcavam populações inteiras da
Melanésia, Oceania, Ásia, depois África e América do Sul. À antropologia
cabia estudar o outro, por definição, exótico; as demais ciências sociais,
como a sociologia, por exemplo, incumbiriam-se do estudo da sociedade
ocidental moderna. Exotismo e distância (cultural e geográfica) separavam,
então, o pesquisador do grupo pesquisado. Um século depois, em parte
devido aos vários questionamentos sobre a antiga dominação colonial, e em
parte ao próprio desenvolvimento da disciplina, tudo indicava que a distinção
entre pesquisadores e nativos/“informantes” havia basicamente desaparecido
– todos partilhávamos o mesmo mundo, e poderíamos nos alternar, fundir e
nos misturar nesses papéis. Parecia, então, superada a dicotomia “nós versus
eles” quando Lévi-Strauss proclamou que “os mitos se pensam em nós”.
Mas a promessa não vingou totalmente e novas divisões surgiram. De um
lado, os antigos “nativos”, tendo desestimulado, quando não impedido, a
entrada dos etnógrafos metropolitanos em seus novos Estados nacionais no
meio do século, assim rejeitando uma curiosidade vista como incômoda e
arrogante, quando colocaram em prática seus projetos de
autoquestionamento, rejeitaram o rótulo pelo qual haviam sido estudados:
antropólogos no exterior, na Índia eles agora se denominaram sociólogos; da
África surgiram filósofos e educadores; em outros contextos, historiadores e,
às vezes, uma combinação de várias ciências sociais. O termo “antropologia”
trazia inevitáveis e indesejáveis conotações de dominação. De outro lado, os
então centros de produção acadêmica passaram a negar a propriedade do
conhecimento acadêmico-disciplinar em geral e, no caso da antropologia,
evocaram a culpa pela desigualdade inerente à pesquisa de campo em busca
de exotismo para condená-la, se não à extinção, ao mero status de influência
ou inspiração. Para substituir as antigas disciplinas, cunharam-se designações
antidisciplinares, como os studies (por exemplo, cultural studies, estudos
feministas, subalternos, de ciência e tecnologia etc.), indicando que, no
ambiente contemporâneo da autodeterminação dos povos e dos direitos
humanos universais, a antropologia tinha um passado impuro.
Neste livro, proponho uma perspectiva diversa. Se uma das características
da antropologia reside na contestação de verdades do senso comum de uma
época e sua substituição por propostas mais refinadas, pois comparativas,
então seu projeto é inesgotável. Sugiro que, afastados das responsabilidades
da dominação colonial (que assola o Primeiro Mundo) tanto quanto do
ressentimento histórico (que aflige os antigos “nativos”), podemos colocar o
conhecimento antropológico à prova na explicação e análise de fenômenos
contemporâneos, impelindo-o a expandir sua potencialidade em abordagens
construtivas. No Brasil, em particular, o sentimento que exige a denúncia do
colonialismo, seja como algoz ou como vítima, não nos atinge como
experiência direta (embora o faça de outras formas, até como modismo):
nunca nos interessamos pelo exótico em si, porém bem mais pelas diferenças
culturais, sociais e cosmológicas de populações distintas; por outro lado, um
traço marcante da nossa prática como cientistas sociais sempre foi o
envolvimento comprometido com as populações estudadas. Não temos
dívidas passadas a saldar; temos, sim, responsabilidades sempre presentes.
Voltarei a esses pontos em mais detalhe no decorrer do livro, mas deixo-os
aqui para sugerir em que sentido os aspectos políticos da disciplina estão
sempre em ação, manifestando-se no modo de se conceber a história da
disciplina, por exemplo, ou mesmo em alternativas metodológicas.1 Primeiro,
na história da disciplina. Nos lugares onde se antecipa seu fim, com
freqüência a história dominante tem um cunho presentista e é moldada pela
idéia de supostos equívocos positivistas que teriam vigido no passado. Em
contraste, sugiro ser possível e desejável resgatar uma história teórica dos
princípios norteadores da antropologia, que insiste nas maneiras pelas quais
se dá o refinamento do conhecimento antropológico e sua perene renovação,
sem, por isso, condenar o passado a partir de valores contemporâneos.
Segundo, em termos metodológicos. Estratégias para se alcançar o fato
tangível que orienta a etnografia incluem, pelo menos, dois tipos-ideais: um
que enfatiza a análise de “eventos” e, outro, que destaca narrativas ou
“stories”. Sugiro que stories (que os norte-americanos, por exemplo, contam)
relacionam-se à fala como manifestação social sancionada, guardam uma
inspiração específica na crítica literária e na psicanálise, afastam-se dos
conhecimentos disciplinares e vinculam as etnografias à mera produção de
ficções. Opto por um projeto distinto, talvez mais ambicioso, e indico de que
maneira “eventos”, vistos como porta de entrada etnográfica, privilegiam a
ação social, o contexto, o imponderável, a mudança, a linguagem em ato,
fazendo assim combinar objetivos teórico-intelectuais com político-
pragmáticos.
Com o objetivo de focalizar essas questões, dividi o livro em três partes, a
partir das características distintas dos ensaios. A primeira parte reúne análises
sobre os caminhos atuais da antropologia e balanços bibliográficos da
literatura pertinente, tanto do caso brasileiro quanto dos centros reconhecidos
de produção intelectual (a chamada “antropologia internacional”); a segunda
parte compreende textos breves e mais explicitamente engajados com uma
variedade de públicos – diálogos, por assim dizer – apresentados em
congressos e mesas-redondas; a terceira caracteriza-se por ensaios
etnográficos nos quais procuro exercitar a proposta antropológica de refletir
sobre nossas categorias de senso comum e práticas do dia-a-dia. Aqui, meu
interesse recai sobre o uso de documentos de identidade como símbolos
no/do mundo moderno, com vistas a examinar, em ação, o que cientistas
sociais concebemos como Estado, cidadania, nação.
A maior parte dos textos aqui reunidos foi publicada previamente, em
periódicos ou livros, indicados em notas de rodapé no início de cada ensaio.
Em alguns deles, fiz pequenas modificações que não afetam o núcleo dos
argumentos centrais. A exceção é o último, que foi totalmente reescrito.
Acrescento que evitei introduzir novas referências bibliográficas nos ensaios
originais, mas no texto sobre a antropologia no Brasil, fiz ligeiros acréscimos.
Apesar disso, peço a compreensão dos colegas pela simplificação inevitável
das citações, sabendo que, dada a natureza do texto, ele estará sempre
incompleto e defasado. Peço desculpas, também, ao leitor pelos termos em
inglês, cuja presença se explica pela não-equivalência de certos conceitos e
expressões em português e por seu uso corrente no original no meio
acadêmico brasileiro. Uma última palavra: há várias idéias-chave que
perpassam o livro e que são repetidas, ampliadas, reduzidas, reforçadas,
reexaminadas de acordo com o contexto de enunciação. Não procurei
minimizar as repetições eventuais, mas deixei-as afluir para que se revelasse
a natureza retórica implícita nos diálogos em que nos engajamos. A
experiência de escrever e retornar aos mesmos temas de ângulos diversos,
refletir sobre questões antes apenas esboçadas, expandindo-as, dialogar com
diferentes interlocutores e expor idéias para audiências múltiplas faz parte
intrínseca da vida intelectual e acadêmica e são, portanto, parte integrante da
teoria vivida.
PARTE I
Caminhos da antropologia
1. Onde está a antropologia?1

Nas comunidades transnacionais que são as ciências sociais é


imprescindível uma ideologia comum que mantenha os ideais de
universalidade e cimente as relações sociais entre cientistas de várias origens.
É nesse contexto sociológico que estão situados os clássicos. O conhecimento
dessas obras forma os iniciados que, na antropologia, são aqueles praticantes
que dominam o corpus etnográfico de alguns autores-chave que trouxeram o
exótico à consciência do Ocidente e o utilizaram tanto para a tarefa mais
óbvia e banal de servir como seu espelho existencial, quanto para a
responsabilidade mais plena de refinar um instrumental teórico com
pretensões universais. Os clássicos de uma disciplina são, portanto, criações
sociologicamente necessárias e teoricamente indispensáveis, por meio dos
quais os praticantes se identificam e se (re)produzem nos diversos contextos
acadêmicos – eles tornam possível a existência de uma comunidade de
especialistas, daí derivando sua relevância singular e contínua.
Reconhecer a centralidade dos clássicos significa diferenciar propostas,
internas e externas, entre os praticantes e os estudiosos de uma disciplina. Por
mais que a historiografia da antropologia origine cada vez mais dados a
considerar, as histórias teóricas, resultado de contínuas reconstruções da
teoria que permitem iluminar dados etnográficos novos, são fenômenos
internos à prática disciplinar.a É a aceitação de uma determinada história
teórica que estabelece uma linhagem não só de etnógrafos, mas de perguntas
e de problemas, de questionamentos teóricos, que as novas gerações herdam,
procuram responder e legam, modificados, a seus descendentes. Tal
reconhecimento não faz dos clássicos autores eternos nem
descontextualizados, mas resulta na observação de que eles são essenciais
para a continuidade de um tipo de conhecimento que, em determinadas
circunstâncias, se tornou disciplinar: a questão de se saber quem são, onde
são gerados, ou como se formam, embora extremamente importante, é
secundária diante da sua existência indispensável.2
Tendo como panorama de fundo essas propostas gerais, este ensaio tem
por objetivo examinar questões relativas às diversas manifestações da
antropologia em contextos contemporâneos. No momento em que se difunde
a idéia do fim das disciplinas – temida por uns, celebrada por outros –,
procuro examinar o resultado dos processos de aculturação que se
desenvolvem no âmbito do mundo acadêmico, e que informam continuidades
e questionamentos.b Estou interessada na possibilidade de termos
universalismos no plural, preocupada com a base que sustenta a antropologia
vis-à-vis a fragmentação de saberes, e curiosa a respeito do fato de, mesmo
em um contexto considerado pós-moderno por muitos, clássicos continuarem
indispensáveis. Abordo aqui essas questões abrangentes por intermédio de
dois acessos etnográficos: em primeiro lugar, uma visita a livrarias nos
Estados Unidos, onde a relevância dessas questões fica patente; em segundo,
uma apreciação de dois pares de monografias, escritas por autores de
gerações sucessivas, nos Estados Unidos e na Índia. Finalizo com uma
agenda para o exame da antropologia em sua dupla face, singular e plural.

As livrarias norte-americanas
A antropologia feita, hoje, nos Estados Unidos domina a cena internacional
em quantidade e qualidade, servindo como indicador e termômetro para os
antropólogos de outras latitudes. Barth até considera que o diálogo com essa
vertente se tornou inevitável para todos nós.3 Em suas manifestações
variadas, a antropologia feita nos Estados Unidos parece ocupar atualmente
um espaço socialmente equivalente àquele da Inglaterra na primeira metade
do século, ou da França no período áureo do estruturalismo. No entanto,
inserida em uma ambiência em que a idéia de fragmentação se transforma em
valor, em que o bombardeio às disciplinas tornou-se comum, nos Estados
Unidos a antropologia é inevitavelmente alvo de críticas e ameaças de
dissolução.
Curiosamente, esses indícios de que a antropologia foi um fenômeno do
século XX ou, igualmente desolador, de que ela se tornou normal science,
apenas reproduzindo velhos modelos, não se confirmam no cotidiano dos
departamentos de antropologia.c Ali, a existência de múltiplas vertentes
continua sendo uma das características mais marcantes na formação de novos
especialistas, não tendo sofrido mudanças muito drásticas. Ainda assim,
observam-se algumas alterações: primeiro, modificaram-se os campos
vizinhos da antropologia (como opositores ou aliados) – em vez da
arqueologia, biologia, sociologia ou lingüística de décadas passadas, quando
saem de seus departamentos, os antropólogos hoje podem ser encontrados
nos de história da ciência, crítica literária ou filosofia. Segundo, um espaço
extra é reservado nos seminários de formação teórica a um tipo de leitura que
familiariza o estudante com os recentes cultural studies. Utilizo o termo
magia para indicar o poder e o perigo associados a essas novidades, primeiro
introduzidas, na década de 1970, pelos programas de history of
consciousness, nos anos 1980 pela abordagem dos cultural studies e, nos
1990, pelos programas de science, technology and society.d A polêmica que
envolve essas áreas, mesmo nos Estados Unidos, não impede que essas
tendências sejam incorporadas na formação de novos especialistas. (Mas,
talvez, por estimular demais, os professores mais zelosos supervisionam a
absorção dessa literatura, incluindo-a no final dos cursos obrigatórios, depois
de lidos os clássicos.)
Se as universidades refletem algumas mudanças, o locus etnográfico
privilegiado para apreciá-las não são nem os departamentos, nem os
programas de vanguarda, mas as livrarias. Nos Estados Unidos, as livrarias
acadêmicas são aqueles lugares especiais que, existindo entre a avidez do
conhecimento e o poder do mercado, devem sua sobrevivência ao espírito de
circulação e reprodução que também rege o mundo acadêmico. Boas livrarias
necessitam manter um estoque clássico, mas, especialmente, precisam exibir
novidades e antecipar tendências.e
Atualmente, circular por uma boa livraria acadêmica norte-americana
reflete, ainda, o estado de liminaridade entre dois séculos. Se o século XIX
terminou em 1914 na Europa (E. Weber 1976), nos Estados Unidos vários
projetos anteciparam a chegada do XXI. Alguns começaram mais cedo, como
o anuário Late Editions, mas dicionários e enciclopédias já faziam o balanço
dos últimos cem anos desde os anos 1990.4 Tempo e espaço mudaram nas
livrarias, e a redistribuição das estantes seguiu a reorganização das áreas de
conhecimento.
A antropologia, que nunca ocupou lugar de destaque, perdendo sempre
para a ciência política, economia e sociologia, agora parece se esconder em
recantos ainda menos visíveis. A primeira impressão é que os livros estão
fora de lugar, migrados para outras áreas. O caminho que levou os textos de
antropologia para as estantes de cultural and critical theory, e destas para as
de filosofia e ciência, foi bastante rápido.5 Nesse processo há outras
surpresas. Publicações de um mesmo autor podem ser classificadas em
diferentes categorias: por exemplo, Homo Hierarchicus, de Louis Dumont,
fica em Ásia/Pacífico, ao passo que German Ideology, do mesmo autor, em
filosofia. As chamadas antidisciplinas são indexadas pela presença do termo
studies (media studies, feminist studies, science and technology studies,
cultural studies), e transformaram-se em áreas de ponta.f Enquanto isso,
filosofia e ciência continuam a dividir o prestígio maior, mas hoje o termo
ciência compreende, ao mesmo tempo, conhecimento, crença e crítica (além
de etnografia, como veremos).
Nesse contexto fragmentado, distinções político-geográficas sobrevivem
com vigor renovado. Esse tipo de definição, em muitos casos, supera a
classificação por áreas de conhecimento. Assim, monografias antropológicas
como Writing Women’s Worlds: Bedouin Stories (de Lila Abu-Lughod),
encontram-se em Oriente Médio; Debating Muslims (de Michael Fischer e
Medhi Abedi), em Estudos Islâmicos, e, em América Latina, um lugar visível
ainda é reservado para Death without Weeping (de Nancy Scheper-Hughes).g
Finalmente, para o visitante ocasional, a surpresa maior: disciplinas
tradicionais foram renomeadas ou desapareceram – lingüística, por exemplo,
é categoria inexistente hoje porque se transformou, na última década, em
cognitive science.
Nesse processo de deslocamento e fragmentação, nas livrarias a
antropologia tornou-se, ela própria, um fenômeno pós-moderno, multi-sited,h
e não seria exagerado se temer uma vitória de Pirro: hoje transformada em
senso comum intelectual – como no caso da psicanálise, há algumas décadas
–, não teria a antropologia perdido sua especificidade social e cognitiva? Esse
parece ser um componente central da crise de identidade da antropologia nos
Estados Unidos.
Felizmente, a antropologia nunca esteve limitada aos antropólogos e tem
aparecido, como concepção e prática, sob o manto da filosofia, sociologia,
folclore, história, crítica literária, e até nos atuais cultural studies. Às vezes,
ela é parte das Humanidades; outras, das ciências sociais. Na Índia, os
antropólogos autodenominam-se sociólogos; no Brasil, a antropologia nasce
da sociologia.i No entanto, no processo de absorção seletiva das vogas
intelectuais, continuamos a conviver com as ansiedades dos centros
metropolitanos. Hoje, diante da decretada autodissolução, mas cientes da
relativa continuidade das ideologias e das instituições, a discussão sobre o
fim da antropologia talvez possa ser mais bem formulada por intermédio das
indagações: onde está a antropologia? Onde ela emerge? Onde estão os livros
de antropologia? O contexto norte-americano é extremamente sensível às
classificações acadêmicas e gerou um tipo de oposição reativa: não apenas
pós (como em pós-modernas), mas também multi (como em
multiculturalismo), anti (como em antidisciplinar) e pré (como em pré-
científico, pré-categórico, pré-psicológico, pré-sociológico).6 Mas, embora a
antropologia esteja sob suspeita, podemos nos tranqüilizar: Clifford Geertz
ainda se considera um antropólogo.j

Intervalo: antropologia “at home”k


Durante muito tempo, a antropologia definiu-se pelo exotismo do seu objeto
de estudo e pela distância, concebida como cultural e geográfica, que
separava o pesquisador do grupo pesquisado. Cabia a outras ciências sociais,
como a sociologia, e mais tarde a ciência política, o estudo da sociedade do
próprio cientista social.
Esse quadro não é mais o mesmo. Ao longo do século XX, as distâncias
que separavam o etnólogo do seu grupo foram se tornando cada vez menores,
com o questionamento inevitável do pronome possessivo (meu/seu): dos
Trobriandeses para os Azande, destes para os Bororo, passando pelos
Kwakiutl, na década de 1960, a comunidade acadêmica descobriu que era a
abordagem, e não o objeto de estudo, que, desacautelada, havia sempre
definido o empreendimento antropológico. Lévi-Strauss desempenhou papel
fundamental nessa mudança de consciência, passando a imprimir um sentido
horizontal às crenças e práticas sociais em qualquer latitude. Daí em diante, o
projeto durkheimiano do início do século pôde se afirmar, por vários
caminhos, até que Geertz, na década de 1980, proclamou como original a
idéia de que “agora somos todos nativos”, o outro podendo estar além-mar ou
no final do corredor.7 Depois da longa tradição em que o fazer antropológico
tinha como aspecto distintivo a distância (cultural e geográfica), a etnografia
foi trazida para casa, apesar das admoestações da geração mais velha.8 Mas a
legitimidade de se pesquisar em casa precisou dos estudos de parentesco
como o “ácido teste de validade”, e talvez não seja por acaso que, mesmo
com abordagens diversas, Raymond Firth, na Inglaterra, e David Schneider,
nos Estados Unidos, tenham se destacado como pioneiros nessa tarefa.9
Aos antropólogos que eram/foram também nativos se dispensou, desde os
primórdios da disciplina, a procura da alteridade radical. Assim, em 1939,
Malinowski deu o aval para Hsiao-Tung Fei publicar sua monografia sobre os
camponeses chineses:

O livro não é escrito por um estrangeiro à procura de impressões exóticas


em um lugar desconhecido; ele contém observações feitas por um cidadão
sobre seu próprio povo. É o resultado de um trabalho feito por um nativo
entre nativos. Se é verdade que o autoconhecimento é o mais difícil de
alcançar, então, sem dúvida, uma antropologia de seu próprio povo é a
mais árdua, mas também a mais valiosa conquista de um pesquisador de
campo.10

Se Malinowski nos surpreende, ele não estava sozinho. A aprovação que


Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard deram ao estudo de M.N. Srinivas sobre
os Coorgs indianos sugere que o cânone pode ter se desenvolvido
independente das práticas.11 O ideal da pesquisa além-mar, contudo,
permaneceu como meta a ser alcançada, a tal ponto que, décadas depois, e
inserindo-se em uma tradição que sistematicamente questionou a necessidade
da pesquisa de campo externa, em 1982, Satish Saberwal concluía que a
pesquisa de campo na Índia era uma soft experience, já que realizada na
própria língua, casta e na região de origem do pesquisador.12
No caso dos pesquisadores de tradições centrais, que só mais recentemente
passaram a aceitar que também são nativos, as motivações que os levam a
trazer a antropologia para casa variam: para alguns, trata-se das condições
inevitáveis do mundo moderno; para outros, surge do propósito de
transformar a antropologia em “crítica cultural”.13 É nesse contexto que
podemos retornar aos cultural studies para sugerir uma afinidade entre as
atuais arenas antidisciplinares e uma antropologia realizada at home. Incluo
aí as diversas manifestações sob as quais a antropologia emerge, como
feminist studies, media studies, cyborg studies etc. Quando é trazida para
casa, a antropologia nos Estados Unidos fragmenta-se em studies. Marcus e
Fischer deixam entrever essa relação:

Na verdade, acreditamos que a moderna formulação da antropologia


cultural depende, para sua plena realização, da recuperação da função
crítica em casa [at home] em conjunto com a atual transformação de sua
tradicional função descritiva alhures.14

Se, nas décadas de 1950 e 1960, o modelo da lingüística havia servido de


inspiração para os antropólogos, agora a crítica literária se tornava a nova
fonte. Em casa, e assumindo uma função crítica, bombardeando as fronteiras
das disciplinas e propondo um remapeamento das áreas de conhecimento,
essas atitudes levaram à denúncia da validade dos “fatos” e da autoridade do
antropólogo como autor.15 Nesse contexto, a antropologia passou a dispor de
um novo elenco de alternativas literárias legítimas e politicamente adequadas:
notas de campo, biografias, entrevistas, ficção científica, romances,
manifestos – todas elas se constituindo em novos estilos do gênero mais
abrangente de histórias (stories; cf. Feyerabend 1995).
De forma inevitável, esse movimento se refletiu no mundo acadêmico
mais amplo mediante um processo seletivo de incorporação. Aqui, deixo a
proposta de que, talvez equivalente ao aspecto político que o gênero de
stories adquiriu nos Estados Unidos, em lugares como Índia e Brasil
predomina a análise de eventos socialmente relevantes. Eventos mantêm
aquela dimensão social dominante que antes os dramas sociais e os rituais
instigavam nos antropólogos – eles são recriados no texto na tentativa de
capturar o instante vívido, perdido e crucial que o narrador presenciou (ou
que se tornou significante). Mais: na análise de eventos, objetivos teórico-
intelectuais e político-pragmáticos tornam-se coincidentes; não há culpa pela
inspiração clássica (ou, ao contrário, pela influência pós-moderna), e o
universalismo mistura-se aos aspectos “interessados” daqueles que sempre
desenvolveram antropologia em casa.
Naturalmente, eventos não são descartados nos Estados Unidos – mas lá,
às vezes, eles são ficcionais –, e relatar histórias é opção de muitos
antropólogos indianos e brasileiros.16 Mas há que se confrontar as dimensões
teóricas, interpretativas e políticas que essas alternativas implicam. A
comparação entre as duas estratégias pode ser ilustrativa em termos
sociológicos porque diz respeito não só à questão de uma antropologia em
contexto, mas remete ao tema fundamental de como discernir e apresentar o
fato tangível que orienta a etnografia e resulta da pesquisa. Aqui, passo para a
segunda parte deste ensaio, cotejando dois pares de livros de autores indianos
e norte-americanos publicados na mesma época: de uma primeira geração,
escolhi After the Fact (Geertz, 1995) e Pathways (Madan, 1994); da geração
seguinte, Critical Events (Das, 1995a) e Making PCR (Rabinow, 1996).

Histórias e trilhas: Geertz e Madan


After the Fact, de Clifford Geertz, e Pathways, de T.N. Madan, são livros
tangencialmente autobiográficos, o que, de imediato, indica a consciência de
seus autores da influência que exerceram no desenvolvimento da
antropologia. É inegável que Clifford Geertz tem maior visibilidade em
termos internacionais, Madan sendo mais reconhecido entre os que
freqüentam a literatura etnográfica referente à Índia.17 Mas a publicação
concomitante de ambos, em dois contextos diversos, é reveladora.
Sensíveis e alertas à forma do texto, os dois autores adotam estilos
contrastantes. Para Geertz, no momento em que mudam o meio intelectual e a
base moral nos quais a antropologia se apóia, o antropólogo também se
modifica, passando a contar, como opção literária, com mininarrativas que
incluem o narrador.18 Seguindo esses novos ventos, After the Fact reúne
textos de um refinado contador de histórias que, pinçadas à maneira de um
vasto caderno de campo, servem de base para o autor discutir temas
candentes. No estilo conhecido, os títulos dos vários capítulos são compostos
de uma só palavra, todas no plural. A seqüência Towns, Countries, Cultures,
Hegemonies, Disciplines, Modernities por certo não é aleatória (por exemplo,
a ordem towns/countries/cultures permeia a disciplina; politicamente
adequado, hegemonies antecede disciplines, e tudo termina em modernities).
Da mesma maneira, todas as referências bibliográficas estão reunidas em
notas que inexistem no corpo do livro, mas são apresentadas ao final como
comentários.19 Nesse livro impecável, Geertz não apresenta uma história nem
uma biografia, mas “uma confusão de histórias, uma profusão de biografias”.
Da Índia, Pathways também fala das mudanças no mundo, das disciplinas,
das culturas e das modernidades, mas a opção de Madan direciona-se para
uma etnografia intelectual que tem como ponto de partida as trilhas
intelectuais e, como estratégia geral, a questão da inserção, nelas, do cientista
social. É a perspectiva a partir da qual o antropólogo se introduz no mundo da
reflexão social e nas trilhas existentes que preocupa o autor. Dois blocos
dividem o livro: “Pathfinders” é dedicado aos antecessores com quem Madan
se associou em determinado momento de sua trajetória e que terminaram por
influenciar seu trabalho. Tratando-se de um pesquisador indiano, os
personagens são de várias origens e linhagens intelectuais: Mukerji,
Majumdar e Srinivas, do próprio subcontinente; Dumont, o outstanding
pathfinder que assume o legado de Marcel Mauss; e os norte-americanos, de
Kroeber a McKim Marriott. “In search of a path”, a segunda parte, é mais
pessoal e reflexiva: um conjunto de ensaios sobre pesquisa de campo em
contextos nativos permite um exame da relação entre a antropologia e o
processo histórico de racionalização do Ocidente; um outro ilustra a
abordagem teórico-comparativa de interpretação mútua. Aqui, a questão do
pluralismo cultural, candente para a Índia, é focalizada por meio de três temas
empíricos e contrastantes, relacionados às várias etnias e momentos da
história indiana.20
Escritos maduros de dois etnólogos que vivenciaram as últimas décadas de
ângulos diversos, suas visões particulares sobre a antropologia estão
impressas nos respectivos trabalhos. Mas é interessante procurar, de novo,
onde elas estão impressas. Para Geertz, por exemplo, a controvérsia acerca da
noção de disciplina faz com que ele reconheça que a antropologia sempre foi
pouco definida, oferecendo mais a blurry image que um modelo
foucaultiano. Mas o tema o provoca, porque o faz perguntar se isso “é um
escândalo ou uma força”. De qualquer modo, não podendo dizer “o que a
antropologia é”, Geertz (1995, p.99) opta por examinar sua carreira
acadêmica, com ênfase nas instituições com as quais se envolveu, a partir das
pesquisas de campo que realizou na Indonésia e no Marrocos, e do contexto
mundial da época – o que implica um exame discreto do papel dos Estados
Unidos na política internacional. Nesse percurso, dos tempos de estudante em
Harvard, passando por Chicago nos anos 1960, e depois Princeton, revela-se
uma trajetória sempre vinculada a experimentos multidisciplinares, mas com
elos nos departamentos de antropologia. Sua trajetória, relatada por meio de
pequenas histórias e casos pitorescos (mas também de episódios nebulosos,
como o Bellah Affair), leva-o, finalmente, a refutar a idéia de disciplina.
Assim, se é na vida profissional que o antropólogo pode ser encontrado, esta
é feita de indefinições e indecisões:

A seqüência de situações na qual [o pesquisador] é projetado, se não para


a frente, pelo menos adiante, totalmente incerto do que o aguarda, faz bem
mais para definir o padrão do seu trabalho, para discipliná-lo e lhe dar
forma, do que argumentos teóricos, pronunciamentos metodológicos,
textos canônicos. […] Move-se menos entre os pensamentos do que entre
as ocasiões e predicamentos que os trazem à mente.21

Caminho diferente é o de T.N. Madan. Embora também reconheça as


ocasiões e os predicamentos – que elabora nas histórias e casos de trabalho de
campo –, Madan faz das trilhas (pathways) o eixo central de seu argumento,
baseando sua discussão na posição do antropólogo. Insinuando o tema da
disciplinaridade, Madan reconhece o aspecto sociológico das trilhas, mas
deixa claro que criatividade e trilhas intelectuais não são excludentes.22 Se
não há exatamente descobertas, mas tentativas renovadas, na antropologia
estas só têm a ganhar com as diversas situações nas quais o pesquisador se
encontra: o treinamento a que se submete faz o antropólogo viver o
estranhamento mediante o contraste entre a literatura em que se formou e a
expectativa empírica de ser surpreendido, em qualquer circunstância,
confrontando idéias preconcebidas. Um antropólogo não-ocidental, portanto,
não é um pseudo-europeu por natureza, alguém que adotou uma das muitas
maneiras de se tornar europeu. Como o encontro de culturas se dá na mente
do antropólogo, os propósitos de compreensão mútua, o projeto de uma “uma
autoconsciência crítica” ou, ainda, “um esforço para ver no redondo o que de
outra maneira é achatado”, guiaram-no mais que o conhecimento da pura
alteridade. Madan alerta: “uma ênfase excessiva na alteridade daqueles que
estudamos resulta que os transformamos em objetos de estudo, e não em seus
sujeitos” (Madan, 1994, p.159). Como exemplo da exotização da Índia por
seus próprios antropólogos, Madan indica como, a partir de visões
importadas, estes contribuíram para a disseminação de imagens rígidas sobre
carma, casta e renunciação. Nesse contexto, foi preciso um esforço para
recuperar os idiomas locais da responsabilidade moral, da família, da
plenitude e da auspiciosidade.23
Olhando do Brasil, é curioso notar que um importante evento na trajetória
de T.N. Madan recebe apenas uma discreta menção: trata-se do papel que
desempenhou na mudança da revista Contributions to Indian Sociology da
Europa para a Índia. Esta migração ocorreu no momento em que Louis
Dumont (École des Hautes Études) e David Pocock (Oxford), os fundadores
europeus de 1957, decidiram encerrar a publicação. Foi quando uma
complexa negociação permitiu seu renascimento na Índia, e Madan tornou-se
o responsável por essa importante revista nos 25 anos que se seguiram, de
1967 a 1992, criando ali um fórum privilegiado de discussão e debate. Os
papéis pedagógico, teórico e político que a transmigração da revista
acarretou, tanto na Índia quanto no exterior, são um importante legado da
carreira de T.N. Madan que só surge em Pathways como subtexto.24
De forma equivalente, um importante subtexto de After the Fact diz
respeito à contribuição individual de Geertz para a antropologia. Embora
temeroso das várias implicações disciplinares, Clifford Geertz reconhece, na
sua trajetória individual, as conseqüências de ser um cidadão norte-americano
(“Há imensas vantagens em ser um cidadão de uma superpotência em lugares
menos proeminentes, mas a invisibilidade cultural não é uma delas”), assim
como sua própria notoriedade (“em 1980, quando, citado por todos, minhas
contribuições foram dissecadas, resistidas, corrigidas, distorcidas, celebradas,
desacreditadas, ou seguidas […]”).25 Quando o autor admite que se tornou
referência obrigatória, After the Fact deixa de ser a narrativa de uma carreira
individual e torna-se um capítulo da própria história da antropologia. Depois
de demonstrar, pelas evidências de sua trajetória, que a antropologia está
sempre em transformação, Geertz menciona como sui generis as mudanças
atuais: a inquirição a que os antropólogos são submetidos por parte de outros
especialistas (em contraste com os velhos tempos, quando o etnólogo
dominava sozinho o campo); o escrutínio ainda maior por parte de
antropólogos locais; e o aumento significativo do número de especialistas nos
Estados Unidos.26 Antes uma ocupação restrita a poucos que se comparava a
uma tribo, “a antropologia tornou-se um consórcio de intelectuais díspares
unidos em grande parte por vontade e conveniência”.27
Por contraste, T.N. Madan refuta tanto as verdades ocidentais quanto os
projetos previamente rotulados com os nomes de nativos, espontâneos,
autônomos ou indígenas. Para ele, estes últimos distorcem a natureza da
antropologia e só reforçam a opinião de que o aparecimento do antropólogo
nativo nada muda:

A questão crucial não é Quem faz antropologia?, mas que tipo de


antropologia tem sido feita? Uma mera mudança do palco e dos atores não
permitirá o renascimento da antropologia. […] Precisamos produzir um
tipo diferente de peça, sob a direção de quadros teóricos abrangentes, que
admitam significado e propósito no nosso discurso, e que integrem a
perspectiva de dentro com a de fora”.28

Dois livros, dois balanços autobiográficos; histórias individuais de um,


trilhas coletivas para o outro. Para Geertz, os eventos únicos não se somam
em uma disciplina; se sua biografia é construída de ocasiões e ela é índice do
que ocorre entre os especialistas, torna-se possível, dessa perspectiva, pensar
que a antropologia se resume apenas a uma vaga coleção de carreiras
acadêmicas. Madan parte da própria conjunção de carreiras intelectuais,
sociologiza as trilhas, insere-se no emaranhado delas e, dispensando a
discussão sobre a disciplinaridade da antropologia, oferece seu livro aos
leitores que simpatizam com a idéia de que “nenhum autor é uma ilha
completa em si próprio; … cada scholar tem predecessores, parceiros e
sucessores”.29

Eventos e histórias: Das e Rabinow


No prazo de uma década, é possível que os balanços de então revelem como,
na antropologia, o final do século foi marcado pelo retorno da disciplina ao
seu ponto de origem. A pesquisa at home substituiu o ideal canônico do
encontro radical com a alteridade. “Realmente”, lembra Geertz, “um número
de nós cada vez maior de antropólogos trabalha nas sociedades ocidentais, e
até na nossa própria sociedade; esse é um movimento que simplifica alguns
aspectos – e complica outros.”30 A consciência de que nunca se saiu
totalmente de casa talvez fique explícita: que a África era parcialmente home
para os britânicos quando eles exportaram a idéia de totalidade para as
colônias;31 e que hoje um processo de incorporação seletiva legitima, nas
metrópoles, especialistas originários de antigos sítios antropológicos que
integraram conhecimentos antes considerados nativos.32 Prossigo com uma
comparação entre Critical Events (de Veena Das) e Making PCR (de Paul
Rabinow). Ela revela que, enquanto na Índia a pesquisa deve avaliar a própria
sociedade e também a antropologia, nos Estados Unidos a pesquisa
politicamente comprometida tem a ciência como objeto – isto é, em termos
durkheimianos, a ciência é a sociedade – e a antropologia transforma-se em
categoria residual. Vejamos.
Critical Events é composto de ensaios sobre variados temas e tempos: o
rapto de mulheres, tanto por hindus quanto por muçulmanos, nos conflitos
que marcaram a independência da Índia e a formação do Paquistão; a análise
de um caso recente da prática de sati (quando a viúva segue o marido na pira
que o cremou) e os debates que suscitou; uma reflexão sobre a violência do
discurso militante sique; o exame das várias dimensões do desastre químico
de Bhopal. Veena Das parte de uma dupla posição: esses eventos identificam
momentos cruciais na história da Índia contemporânea, e eles são, então,
reanalisados a partir de uma perspectiva antropológica. Aqui, a expressão “na
história da Índia contemporânea” ilumina a idéia de eventos como momentos
críticos que, a partir de uma estratégia que procura evitar o privilégio da
localidade, substitui tempo por espaço e, nesse cruzamento, quer
“desessencializar” a Índia.
Mas também a reconstrói. No desenrolar do livro, Veena Das engloba
como indianos os eventos ocorridos entre hindus, muçulmanos e siques;
contesta e reavalia valores aceitos da modernidade (os direitos humanos e a
compreensão da dor, por exemplo); procura contribuir para uma mudança na
metanarrativa indiana do Estado nacional, alertando para o perigo de
valorizar-se indevidamente a comunidade como unidade orgânica e autêntica,
uma vez que ela também tem seus meios de opressão. O projeto de Veena
Das termina por atingir outros objetivos: mostra como os vários planos (local,
nacional e global) podem estar presentes, de forma simultânea, na vida de um
só indivíduo; torna evidente a verdade das vítimas da violência política; e
propõe uma antropologia da dor que, mais que consolidar a autoridade da
disciplina, busca reabilitar, dar voz e permitir que as vítimas da violência
sejam abraçadas.33 No processo, a autora esclarece sua própria visão das
trilhas intelectuais (para usar a expressão de T.N. Madan) e sua inserção
nelas.
Para Veena Das, há, no mínimo, três ângulos que definem a etnografia na
Índia: um, o diálogo com as tradições ocidentais; outro, com o sociólogo ou
antropólogo indiano; e, um terceiro, com o “informante”, cuja voz está
presente como dado obtido no campo ou nos escritos da tradição. Esses
diálogos permitem uma compreensão mais clara da inserção da autora: em
primeiro lugar, para ela, o informante é a vítima, a quem se deve dar voz.34 A
preocupação em abrandar a alteridade (que encontramos em Madan) tem
paralelo, aqui, na proposta de conceder ao informante o status de primeira
pessoa, evitando a terceira. A autora substitui a metáfora do olhar (gaze), que
teria marcado a antropologia neste século, pelo ouvir, explicitando, nesse
momento, a influência da perspectiva pós-moderna (“as novas formas de
escrita etnográfica sensíveis às vidas interiores dos sujeitos”) em sua
abordagem (Das, 1995a, p.18).
Mas a construção do livro também dá ciência do diálogo com pares
indianos de maneira marcante: a escolha da dedicatória a M.N. Srinivas é
extremamente relevante. Srinivas, o decano da antropologia na Índia, por
muito tempo foi criticado por sua visão colonizada, mas Veena Das resgata-o
no contexto de uma aliança com os subaltern historians e com o
tradicionalista A. K. Saran, para que todos, com abordagens diversas, mas
juntos, se somem na crítica ao suposto elitismo de Louis Dumont.35 É Louis
Dumont, afinal, quem perturba e quem suscita a dor na antropóloga,
revelando sua vulnerabilidade:36

Eu reitero minha admiração por [suas] habilidades extraordinárias em


reunir uma gama enorme de material em um único marco teórico, mas
minha admiração por suas realizações não conseguem eliminar a dor que
o encontro com suas formulações causa ao antropólogo que necessita dos
recursos da tradição antropológica tanto quanto da tradição indiana, ambas
podendo agir como tradições globais ou locais.37

Erra, contudo, quem pensa que Veena Das se une aos indianos em
oposição aos ocidentais. Além da aliança com os pós-modernos, é em
Wittgenstein que ela encontra inspiração para compreender que a dor é uma
queixa, e em Durkheim a lição de que a participação na dor serve como base
para uma comunidade moral.38 Entre as fontes da tradição antropológica
ocidental, de um lado, e a inspiração indiana, de outro, Veena Das faz uma
triangulação com antropólogos de outros espaços “periféricos” e aí, em um
esforço de pluralizar as narrativas da disciplina e eliminar seu eurocentrismo
dominante, uma aliança é proposta com a antropologia no Brasil. Desse
processo resulta uma multiplicação de trilhas intelectuais que oferecem a
oportunidade de expandir o diálogo empreendido com a Índia.39 (Em termos
de visibilidade, Veena Das foi homenageada no Vega Day Symposium de
1995, na Suécia.40)
Nos Estados Unidos, o quadro é bem diferente. Tomando Making PCR. A
Story of Biotechnology, de Paul Rabinow, como contraste, aí não se
encontram interlocutores próximos. Se, há uma década, os antropólogos
chamados pós-modernos podiam ser reconhecidos sociologicamente pelas
citações mútuas, o livro de Paul Rabinow indica que a época dos
experimentos acabou nessa vertente. A área revela-se consolidada por um
indício crítico: Rabinow não cita seus companheiros de aventura intelectual.
O autor reserva aos colegas um agradecimento e uma desculpa: os
agradecimentos estão no final do livro, e incluem os especialistas que vêm
realizando trabalhos na área; a desculpa é por não citar suas publicações na
bibliografia que vem a seguir. As trilhas, aqui, foram apagadas.

Eu lamento que seja inapropriado incluir citações mais explícitas em


relação aos debates em curso nessas áreas; leitores dedicados e tolerantes
irão encontrar muitas pistas deles. Confio que meus colegas aceitarão que
esse livro se dirige a uma audiência mais ampla, incluindo muitos que são
pouco tolerantes com a linguagem técnica dos science studies.l 41

Cabe ao leitor arguto e bem informado reconstituir, se puder, os debates


que o autor faz questão de não revelar.42 Em Making PCR, Rabinow examina
uma das grandes invenções da ciência contemporânea: a PCR (polymerase
chain reaction) que, tornada exemplar na área da biotecnologia, estendeu a
capacidade de identificação e manipulação de material genético em uma
escala antes inconcebível.
O livro inclui uma análise do estado da biologia molecular, do contexto
institucional no qual a invenção ocorreu e dos principais atores envolvidos:
cientistas, técnicos, industriais. Com um subtítulo instigante, A Story of
Biotechnology, é curioso que a etnografia tenha uma estrutura clássica.43 Os
dois primeiros capítulos apresentam, o primeiro, a ecologia da invenção
mediante uma avaliação dos caminhos experimental e conceitual que
desembocaram na biotecnologia; o segundo, um exame da Cetus Corporation,
em que os experimentos foram conduzidos. O (sempre nobre) terceiro
capítulo focaliza o processo que levou à invenção propriamente dita, unindo
o meio experimental e o conceito; os dois últimos indicam que uma idéia tem
pouco valor se não é colocada em ação. Ali, relatam-se o desenvolvimento do
conceito, o processo que deu visibilidade científica à PCR, os conflitos entre
membros da equipe e as negociações entre companhias de grande porte.
A descrição elegante e sóbria tem como maior novidade a inserção de
várias entrevistas que pontuam os capítulos. Essas conversas (que tiveram na
revisão a co-autoria dos entrevistados) fornecem ao leitor uma janela para o
mundo que o etnólogo descreve e, pela afinidade com situações vividas por
um leitor acadêmico, tornam-se particularmente reveladoras: a avaliação das
desvantagens do mundo acadêmico vis-à-vis o industrial, os critérios e meios
para se conseguir recursos para pesquisa, as regras de legitimação e prestígio
no mundo industrial-científico, a necessidade da avaliação pública, as
personalidades, idiossincrasias e vida pessoal dos cientistas. Mas um subtexto
importante está na seqüência da construção etnográfica, que vai do conceito
ao sistema experimental, deste ao desenvolvimento das técnicas e, de volta, a
um novo patamar conceitual que, revelando o moto-contínuo do mundo da
ciência experimental, nos relembra algumas monografias da antropologia,
assim como fornece as condições para a compreensão da reprodução social
desse setor no mundo da biotecnologia.
E aqui está o ponto crítico. Making PCR, ao mesmo tempo que alvitra uma
proposta textual a partir de uma história, revela a inspiração antropológica
clássica no gerúndio do título – trata-se, portanto, de um experimento
realizado nos Estados Unidos atual, at home, tanto na ciência, transformada
em objeto, quanto na apropriação da tradição pelo pesquisador solitário.
Duplamente em casa, Rabinow revela sua motivação inicial:

Freqüentemente me senti intrigado, embora cético, pelo conhecimento


miraculoso que se tornou possível pelas novas tecnologias que
supostamente conduziriam a uma nova era […] de perspectivas sem
paralelo para o progresso das condições de saúde. As páginas semanais do
New York Times dedicadas à ciência raramente deixavam de anunciar que
cada nova descoberta ou avanço técnico ‘poderia levar à cura do câncer ou
Aids’.44

Trata-se da ciência nobre que, por sua promessa mágica, chama a atenção
do pesquisador. E, ao fazer a antropologia voltar para casa, a etnografia da
ciência torna-se a denúncia própria da pós-modernidade – embora realizando
o projeto durkheim/maussiano, afirma sua opção como política. No processo,
Rabinow reforça também mais um aspecto canônico da antropologia: o de
que, mesmo em casa, o etnólogo precisa aprender uma língua nova – a da
biologia molecular –, deixar-se socializar por um longo período e, como
sempre, questionar “quem tem a autoridade e a responsabilidade de
representar a experiência e o conhecimento”.45
Nesse contexto, é curioso que o livro não cite a etnografia sobre os físicos
de alta energia de Traweek (1988), considerado o primeiro experimento nessa
área nos Estados Unidos.46 Optando pelo diálogo particular com um autor
clássico distante, o livro abre e fecha com uma discussão de “A ciência como
vocação”: o estranhamento em casa talvez tenha necessitado da legitimação
que Weber dá ao empreendimento, com o bônus da peculiaridade que ele
concedeu aos Estados Unidos.47 A relação com Lévi-Strauss é igualmente
singular: não só por se tratar do único antropólogo citado, mas porque é na
bricolagem e no mouvement incident que a história da biotecnologia, que
Rabinow conta, se transforma, nas últimas páginas do livro, em “Evento”. As
revoluções científicas são, afinal, bricolagens: um jovem (e naturalmente
controvertido) cientista teve a idéia de fazer uma conexão entre suas
pesquisas com DNA e experimentos com fractais e programas de computação
– descobriu que o resultado era exponencial e a PCR tornou-se “aquela
pequena coisa simples” (that simple little thing) para o Prêmio Nobel Kary
Mullis.
O poder de fazer emergir eventos sem precedentes e verdadeiras
revoluções científicas faz parte do jogo social, mas essas revoluções precisam
de outros participantes que coloquem a invenção em uso. Essa constatação de
Paul Rabinow, contudo, não é reconhecida pelo autor na natureza da
disciplina que o informa; se há um antropólogo aqui, não existe, por
implicação, uma antropologia. Testemunhamos então, mais uma vez, o
movimento que, na biotecnologia como na antropologia, faz o conceito
retornar, a história contada se transformar em evento, e o conceito continuar a
produzir outros fenômenos por meio de novas contextualizações, gerando
mais invenções. (De forma reveladora, mas não surpreendente, nas livrarias
acadêmicas norte-americanas o livro de Rabinow não se encontra classificado
em antropologia, nem em cultural studies, mas nas prateleiras de Science.)

Ce qui est donné


Eventos que são história, histórias que acabam em eventos – estas são várias
maneiras como a antropologia pode emergir em diferentes lugares no mundo
contemporâneo. Às vezes, vinculada a trilhas intelectuais; outras, a
mininarrativas biográficas que não reconhecem linhagens disciplinares. Mas
como distinguir as várias opções de construção teórico-etnográfica?
Neste capítulo, que teve na publicação de quatro livros seu próprio evento,
vemos que a delimitação do relato e o privilégio do momento etnográfico
decisivo são, como sempre, problemas centrais: Veena Das descobriu os
momentos críticos questionando visões totalizadoras e assumindo mais o
papel de ouvinte que o de observadora; Paul Rabinow contou a história de
uma invenção científica – mas inseriu entrevistas que fazem os protagonistas
co-autores da narrativa. Nos Estados Unidos, os relatos nativos não precisam
mais de tradução. Os eventos de Veena Das são indianos; eles são
socialmente críticos na história do subcontinente, e a autora insere-se em
trilhas intelectuais que incluem múltiplos interlocutores: europeus, indianos,
brasileiros. A história da biotecnologia de Paul Rabinow não apresenta
evidência das muitas linhagens nas quais se inclui; trata de um evento de
conseqüências globais; e o autor dispensa o diálogo inter-pares, elegendo
como principal interlocutor um clássico que, no contexto de um livro que
evita definições disciplinares, detém o privilégio da distância no tempo e no
espaço.
A história se repete, embora nunca seja a mesma: antes, Geertz pôde
dispensar antecessores em nome de uma trajetória biográfica única, mas
Madan definiu-os para balizar seu próprio caminho; Geertz percorreu
instituições e sítios de pesquisa em uma mobilidade que, em termos
simbólicos, abarcou o mundo, ao passo que Madan definiu sua posição a
partir da Índia, mesmo negando o papel de indigenous e incluindo uma
linhagem que não conhece barreiras. Ao mundo político/geográfico de
Geertz, Madan contrapôs outro, feito de trilhas intelectuais. Rabinow
encontrou seu evento na ciência universal, Veena Das definiu os seus social e
historicamente da Índia; Rabinow quis saber mais sobre os processos sociais
que as grandes descobertas científicas não deixam à vista, Veena Das
interessou-se pelos limites do sofrimento das vítimas da vida coletiva –
incluindo aquele que resulta das grandes descobertas.
Indianos e norte-americanos, de uma ou de outra geração, todos
produziram narrativas procedentes para a comunidade internacional de
especialistas. Isso foi possível porque os autores se posicionaram diante de
determinadas histórias teóricas: contra ou a favor, inserindo-se ou negando,
como elos ou autônomos. Se Veena Das mostrou sua inquietude em relação a
Louis Dumont, mesmo evitando linhagens Paul Rabinow encontrou o
pensamento selvagem de Lévi-Strauss em uma grande corporação industrial
norte-americana. E se o comprometimento político levou Das a analisar
eventos críticos a partir de uma perspectiva que ela quis multicentrada, o de
Rabinow o fez contar uma história da ciência na qual se incluiu como
narrador.
Para o antropólogo, produzido e alimentado na pesquisa de campo, a
articulação das experiências que vive e das quais participa, ou que reencontra
como documento ou memória, de natureza, âmbito, abrangência e domínio
diversos, precisa de uma âncora não apenas textual, mas cognitiva e psíquica
que totalize a experiência. A apropriação do momento efêmero ou do
incidente revelador tem nas experiências da disciplina os casos exemplares
que levaram Mauss, depois de analisar o kula e o potlatch, a expressar assim
sua preocupação:

Os historiadores sentem, e objetam, com razão, que os sociólogos fazem


abstrações demais e separam demais os diversos elementos das
sociedades. É preciso fazer como eles: observar o que é dado. Ora, o dado
é Roma, é Atenas, é o francês mediano, é o melanésio de tal ou qual ilha, e
não a prece ou o direito em si.48

Assim, dados são construídos, fatos são feitos. É o próprio Geertz (1995,
p. 62) quem lembra a etimologia factum, factus, facere. Mas dados derivam e
partem de eventos empíricos. Quer os vejamos como eventos reconstruídos
no texto (Das), ou como histórias textuais (Rabinow), o que está realmente
em jogo é a determinação do melhor ângulo para a construção do que é dado
– de ce qui est donné. O fato de as variadas vertentes, modernas e pós-
modernas, nem sempre iluminarem as implicações teórico-políticas em jogo
não elimina sua inclusão.49 Histórias para uns, eventos e trilhas para outros,
isso tudo só reforça a presença de ângulos de inserção que são teóricos e
políticos nas alternativas em questão. Trata-se de um problema que diz
respeito ao que poderíamos denominar de “política da teoria”.50
Max Weber reconheceu, assim como Mauss, a necessidade de delimitar e
resolver problemas concretos contra o diletantismo enfeitado de filosofia
(Weber, 1992, p. 157). Nessa ocasião, Weber também focalizou os vínculos
entre o acaso, o evento e o fato histórico. Para ele, da mesma forma que para
os antropólogos hoje, reflexões puramente epistemológicas e metodológicas
nunca contribuíram para o desenvolvimento das ciências da cultura. (Esse é
mais um dos muitos ângulos de discussão que decorre das comparações
anteriores e que, embora fascinante, fica aqui apenas registrado.51)

De volta às livrarias
Hoje, quando um leitor percorre as prateleiras de antropologia nas livrarias
norteamericanas, ele se limita a encontrar literatura de estilo normal science.
Na seção de antropologia estão aqueles livros considerados clássicos e, das
publicações recentes, apenas aquelas que mantêm uma definição estável em
que a antropologia é sinônimo de exotismo. Assim, nessa seção se encontram
geralmente livros de autores canônicos, como Malinowski, Boas, Margaret
Mead, Evans-Pritchard, Radcliffe-Brown, Lévi-Strauss etc.; coletâneas
publicadas recentemente sobre temas consagrados (como ritual, religião,
etnografia etc.); monografias sobre sociedades indígenas – independente de
orientação teórica.
Em termos dos livros aqui examinados, onde está a antropologia
contemporânea? No que diz respeito a várias publicações novas, ela migrou
para a área dos studies. Ou, então, para filosofia, “ciência cognitiva” ou,
puramente, “ciência” – este último é o caso de Paul Rabinow. Mas os livros
novos também podem estar em seções especializadas em áreas geográfico-
culturais que, ao dividir o mundo (Ásia/Pacífico, América Latina, Oriente
Médio etc.), as englobam em uma determinada cosmologia política. Esses
vários lugares em que a produção antropológica encontra abrigo –
corroborando a característica “multilocalizada” (multi-sited) da disciplina –
remetem a uma questão central: o exotismo da antropologia. Hoje, ao
pretender negar essa associação, os estudos de inspiração antropológica
deixam de ser antropologia: se existem antropólogos, a disciplina perdeu o
fascínio. Mas é justamente nesse processo que, de forma paradoxal, o
exotismo se torna seu princípio estruturante.
A visita a livrarias confirma que a disciplina permanece tão associada ao
exotismo que até mesmo o mercado não consegue se atualizar. O caminho
parece seguir os seguintes passos: sendo a antropologia (ainda e sempre) o
estudo do “outro exótico”, depois dos anos 1990 esse tipo de abordagem não
é mais politicamente aceitável; volta-se então o olhar para o “nós”, isto é,
para a alteridade próxima. Nesse momento, o estudo deixa de ser
antropologia e transforma-se em cultural studies, estudos feministas, estudos
de área, ou outra categoria. O resultado é inevitável: se a antropologia foi o
estudo do “outro exótico” e está hoje em processo de extinção, é porque, em
termos de valores, ainda o é. Nesse processo, revela-se a força da visão
essencialista – e, portanto, a-histó-rica – no mundo intelectual norte-
americano atual: ou uma disciplina é “disciplinada”, isto é, sempre a mesma,
ou desaparece.
Seria, contudo, simplista a visão de um mundo acadêmico hegemônico e
isolado, que dita categorias às quais o restante do mundo precisa se adequar.
Aqui há um fato central: ele diz respeito à introdução maciça de autores não-
ocidentais nesse mundo intelectual. Os quatro livros analisados dão um claro
exemplo dessa mudança e, embora Veena Das e T.N. Madan não sejam tão
facilmente encontráveis nas livrarias, a antropologia hoje precisa admitir a
inclusão de autores que um dia foram nativos – até mesmo como elemento da
cruzada contra a definição pelo exotismo.52 A classificação de trabalhos de
autores étnicos, e que foram absorvidos pelo mercado, revela caminhos
característicos.
Tomo a idéia de intensificação emprestada de Louis Dumont. Para
elucidar o caráter híbrido das aculturações modernas, Dumont mostra como
as noções transplantadas se tornam intensificadas quando comparadas
àquelas de onde procedem – quer na vertente periférica, quer na própria
configuração dominante e hegemônica (Dumont, 1994, Capítulo 1). No caso
dos livros em questão, esse mecanismo ocorre por deslizamentos de
significado: mesmo com o subtítulo “Uma perspectiva antropológica da Índia
contemporânea”, Critical Events não pode ser aceito como antropologia nos
Estados Unidos. Um antropólogo nativo que estuda sua própria sociedade não
é um antropólogo, mas sociólogo. Por uma alteridade dupla (no caso, Índia &
antropologia), o livro desliza para a sociologia – um destino pouco favorável,
aliás, nesse momento em que as disciplinas são questionadas.53
Já no Brasil não ocorre a pulverização disciplinar que hoje marca a área
das ciências humanas nos Estados Unidos. Apesar da carga de simbolismo
exótico e colonial associada à antropologia, mecanismos internos de
aculturação domesticaram, aqui e na Índia, por exemplo – bem antes que nos
Estados Unidos –, a alteridade em casa. Poder-se-ia pensar, então, que,
cercada no “centro”, a antropologia prospera em algumas “periferias”, ou, se
não prospera, pelo menos provê uma abordagem positiva, crítica e
construtiva. Se o mundo moderno constitui-se de processos de aculturação,
aqui sim, este seria um de seus vários aspectos irônicos.
Mas outra situação relacionada ao exotismo, agora dos autores, diz
respeito aos trabalhos que, provenientes de áreas diversas e escritos sob
orientações teóricas múltiplas (e, muitas vezes, divergentes), são reunidos sob
o rótulo mágico de cultural studies. Bem definidos em suas comunidades
locais, os “estudos subalternos” (subaltern studies), a crítica literária
(marxista ou não) e, às vezes, até mesmo a antropologia, quando ancoram nos
Estados Unidos, perdem suas características distintivas. Mais uma vez, a
designação genérica de cultural studies evidencia a tendência atual de
fragmentar os campos intelectuais para depois reunir os diferentes como
análogos, eliminando, dessa forma, as particularidades (que são históricas e,
freqüentemente, nacionais) em nome de uma compartilhada pós-
modernidade.54 Hoje, como sempre, a questão da alteridade, tanto nas
livrarias quanto alhures, continua sem uma solução adequada.

Uma agenda para reflexão


As novas representações híbridas geradas pelo encontro com a
cultura/civilização européia dominante constituíram, no último século,
espécies diversas de sínteses, mais ou menos radicais, a partir de duas
vertentes: de um lado, idéias e valores de inspiração autóctone e holista; de
outro, idéias e valores trazidos da configuração universalista. Esses encontros
geraram processos duradouros. Deles resultou o fenômeno que faz com que
quanto mais a civilização moderna se espalha pelo mundo, mais a
configuração individualista se modifica pela integração de produtos híbridos,
tornando-a mais poderosa e, ao mesmo tempo, modificando-a pela
permanente mistura de valores distintos.55
Fenômeno equivalente ocorre entre os cientistas sociais que têm, no
mínimo, uma inserção dupla e solidária: de um lado, como membros de uma
comunidade transnacional que partilha ideologias, códigos, expectativas,
rituais e, não menos, autores clássicos – daí advindo seu caráter universal; de
outro, como intelectuais políticos cuja socialização/identidade social se
vincula a determinada nacionalidade: é indiano, brasileiro, australiano, inglês
etc. –, revelando, portanto, seu caráter particularizado. Em alguns casos,
sobrepõe-se a essas uma identidade civilizacional (como é o caso asiático);
em outros, hegemônica (a de American, por exemplo). De Max Weber a
Norbert Elias, o vínculo e a relativa autonomia vis-à-vis a idéia nacional
foram questionados e avaliados.56 Como outros fenômenos, essas são
questões que devem ser focalizadas de uma perspectiva comparada. Concluo,
portanto, explicitando algumas dimensões que estiveram presentes nos casos
examinados, de modo a servir como base para uma agenda de reflexão.
A comparação entre diversas vertentes da antropologia é um projeto sério
e urgente. Presa, de um lado, de fáceis declarações de objetividade e
universalismo, e, de outro, de noções subjetivas de conhecimento e
relativismo excessivo, a comunicação entre os antropólogos precisa de uma
convenção abrangente e, ao mesmo tempo, da força política que advém da
aliança de múltiplos interesses e perspectivas. Nesse contexto, vale relembrar
como, nos trabalhos examinados, o reconhecimento de certos autores
clássicos se reafirmou paralelamente ao status privilegiado concedido à
pesquisa de campo. Esse processo indica que, na antropologia, a idéia de uma
teoria como um Terceiro (peirciano) pode dispensar um corpo conceitual
estável e definido, atribuindo essa função aos antecessores e, como
conseqüência, à etnografia, e ambos, antecessores e etnografia, permitindo à
história da antropologia transformar-se em uma multiplicidade de histórias
teóricas. Assim, não importa se questionadas ou exaltadas, são as histórias
teóricas que, finalmente, tornam viáveis as pretensões de um diálogo
igualitário entre antropólogos de diferentes origens e orientações (todos
temos as mesmas monografias em nossas bibliotecas; os casos de pesquisa de
campo são partilhados socialmente; dados etnográficos são usados como
metáforas produtivas).
Mas é preciso ir além. Depois de focalizar diferenças, é imperativo ocupar
o vértice oposto. Em primeiro lugar, é imprescindível reconhecer que, mesmo
socialmente produzido, o saber acadêmico é relativamente autônomo em
relação aos contextos imediatos de produção, e pode, portanto, alcançar
níveis desejáveis de comunicação. Em segundo lugar, a comparação, mais
que o relativismo descontrolado, é a melhor garantia contra a
homogeneização superficial, facilitando a comunicação intelectual
responsável mediante fronteiras nacionais e culturais. Por fim, é preciso
interrogar as práticas atuais da antropologia nas interseções das histórias
teóricas com as diversas abordagens por meio das quais a disciplina vem se
estabelecendo socialmente, com as áreas de conhecimento vizinhas e com as
tradições nacionais nas quais se implantam suas articulações teóricas mais
amplas. Refletir sobre como essas questões podem se conjugar foi o objetivo
deste capítulo.

a Ver Peirano (1995a, p. 146-155) para a distinção inicial entre histórias teóricas e historiografia, e
Capítulo 6 deste livro para uma reflexão sobre as diversas “histórias” da antropologia.
b Para a retomada da idéia de aculturação no contexto do mundo intelectual, ver Dumont (1994). Para a
idéia de situated knowledges vis-à-vis as disciplinas, ver Haraway (1991, Cap.9).
c Nesse contexto, conferir o debate “Anthropology and Science”, proposto pela American
Anthropological Association nos anos 1990, dele fazendo parte o excelente ensaio de Latour (1996).
d Estes últimos são designados pela sigla STS Programs.
e Mais ainda, livrarias precisam ter seus estoques sempre disponíveis, o que hoje se traduz em horários
ampliados e acesso eletrônico. O movimento da Harvard Book Store, principal livraria que serve à
comunidade de Harvard e Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, sigla em inglês), pode ser
avaliado pelo horário de atendimento: das 9 da manhã às 11 da noite, de segunda a quinta; nas sextas e
sábados, o horário estende-se até a meia-noite; domingos, de 10 da manhã às 10 da noite. O acesso via
internet facilita as aquisições, mas a maioria dos compradores locais prefere freqüentar a livraria, que
promove vários eventos, como lançamentos de livros e sessões de música.
f Ver Marcus (1995b) para as chamadas arenas antidisciplinares.
g O livro de Scheper-Hughes continua nas prateleiras da estante sobre “Latin America”, junto a vários
outros sobre México e Cuba, em especial. Ver Sigaud (1995) para um exemplo da recepção de Scheper-
Hughes no Brasil.
h Novamente, a expressão é de George Marcus (1995b), e designa o tipo de etnografia em que os
objetos de estudo são descontínuos quando focalizados da perspectiva de um sistema mundial.
i Ver Peirano (1992a) para uma comparação entre as características da antropologia na Índia e no
Brasil.
j Cf. o subtítulo de Geertz (1995), “Two Countries, Four Decades, One Anthropologist”.
k As idéias apresentadas aqui são aprofundadas no próximo ensaio.
l Rabinow, 1996, p.175.
2. A antropologia at home1

Em poucos anos, talvez possamos fazer um balanço da antropologia do


século XX como caracterizada por um longo e complexo movimento, com
implicações teóricas e políticas, que substituiu o ideal de um encontro radical
com a alteridade pela pesquisa “em casa”, “at home”. Mas, no cenário
internacional, “home” terá, como sempre, muitos sentidos, e a antropologia
manterá, na sua concepção paradigmática, um objetivo sociogenético
relacionado à diferença e sua compreensão. Em alguns casos, a diferença será
o caminho para o universalismo teórico via comparação; em outros, ela
aparecerá como denúncia do exotismo ou negação do seu apelo. Este capítulo
examina distintos momentos e contextos em que um projeto de se
desenvolver a antropologia at home tornou-se uma questão candente. (A
expressão “antropologia em casa”, correspondente ao anthropology at home,
não é usada entre nós, já que, contrariamente aos cânones tradicionais,
desenvolver uma antropologia no Brasil foi consagradamente um projeto
feito em casa.)

O problema
Até recentemente, a idéia de uma antropologia em casa era um paradoxo e
uma contradição em termos. Durante o século XX, a distância entre os
etnólogos e aqueles que eles pesquisavam – um dia conhecidos como
“informantes” – foi progressivamente diminuindo: dos Trobriandeses para os
Azande, desses grupos para os Bororo via Kwakiutl, no meio do novecentos a
comunidade acadêmica havia descoberto que era a abordagem, e não o
objeto, que havia sempre definido a perspectiva antropológica. Lévi-Strauss
(1962) desempenhou um papel fundamental nessa mudança, ao imprimir um
sentido horizontal às práticas sociais e às crenças em qualquer latitude, com
Firth e Djamour (1956) e Schneider (1968) atestando sua validade no campo
dos estudos de parentesco. A percepção do elemento político presente na
procura pela alteridade radical levou antropólogos “indígenas” a entrar em
cena durante os anos 1970 (Fahim, 1982), e, nos 1980, Geertz (1983) pôde
proclamar que “somos todos nativos”. Mas restrições da geração mais velha
atestavam, mesmo naquele momento, que a mudança de além-mar em direção
aos corredores dos departamentos universitários não seria fácil; pesquisar em
casa era visto por muitos como uma tarefa difícil e melhor indicada para
pesquisadores que haviam ganhado experiência em outros contextos
(Dumont, 1986).
Desde o início, antropólogos originários de antigos sítios antropológicos
foram poupados da procura por alteridade, contanto que seu treinamento
tivesse sido feito com os mentores apropriados. Assim, Malinowski deu sua
aprovação para Hsiao-Tung Fei publicar sua monografia sobre os
camponeses chineses, enfatizando que, se o autoconhecimento era o mais
difícil de alcançar, então “uma antropologia de seu próprio povo era a mais
árdua, mas também a mais valiosa, conquista de um pesquisador de campo”.2
A aprovação que Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard deram ao estudo
realizado por Srinivas (1952) sobre os Coorgs da Índia também sugere que o
cânone podia ser desenvolvido a despeito de práticas consensuais. O ideal da
pesquisa além-mar, contudo, continuou sendo o objetivo a ser alcançado.
Décadas mais tarde, e como parte de uma tradição que havia questionado
firmemente a necessidade de pesquisa de campo externa, Saberwal (1982b)
nota que, para muitos, a pesquisa de campo na Índia era vista como uma
experiência leve, soft, já que realizada principalmente nos limites da língua,
casta e região de origem do pesquisador.
No caso dos pesquisadores dos centros metropolitanos, que só
recentemente passaram a aceitar que eles também são nativos, o impulso de
trazer a antropologia para casa tem tido várias motivações. Alguns explicam
esse movimento como uma das demandas inevitáveis do mundo moderno
(Jackson, 1987a); para outros, ele emerge do propósito de transformar a
antropologia em crítica cultural (Marcus & Fischer, 1986). Nos Estados
Unidos, em particular, quando a antropologia volta para casa ela é
reapropriada como elemento do campo dos “studies” (culturais, feministas,
de ciência e tecnologia), vistos como parte de áreas “antidisciplinares”
(Marcus, 1995b), atestando, assim, a afinidade inerente entre antropologia e
exotismo. Qualquer que seja o caso, uma linhagem que justifique a
empreitada está sempre presente, seja de Raymond Firth e Max Gluckman
(Jackson, 1987b), ou de Margaret Mead e Ruth Benedict (Marcus & Fischer
1986, para Mead; Geertz, 1988, para Benedict).
Nos anos 1940 e 1950, em lugares nos quais a antropologia foi ratificada
localmente pelas ciências sociais (por exemplo, Brasil e Índia), sobretudo
como parte de movimentos em direção à modernização, um diálogo franco
com agendas políticas nacionais tornou-se inevitável, reproduzindo padrões
europeus canônicos do fim do século XVIII e início do XIX (E. Becker,
1971). Nesses contextos, a alteridade, freqüentemente, tem sido
comprometida e aspectos interessados do conhecimento (à Weber) são muitas
vezes explicitados. Essa característica “interessada”, com freqüência, torna
alguns observadores cegos para a procura constante de excelência teórica,
vista como fundamental, e que resulta em um diálogo triangular: com
antropólogos e sociólogos locais, com as tradições metropolitanas de
conhecimento (presentes e passadas) e com os objetos de pesquisa.
Neste ensaio, procuro examinar alguns dos componentes indéxicos do
termo home na expressão “anthropology at home”. Primeiro, focalizo o
momento e o contexto em que o projeto de desenvolver uma antropologia em
casa se tornou um objetivo apropriado. Focalizo minha atenção nos centros
socialmente legítimos da produção acadêmica – isto é, segundo Gerholm &
Hannerz (1982b), os lugares da “antropologia internacional” –, nos quais o
ideal de um longo período de pesquisa de campo além-mar foi inicialmente
estabelecido. Esse projeto inclui a Europa e os Estados Unidos. (Estou
assumindo que os Estados Unidos, hoje, têm um papel socialmente
equivalente ao da Inglaterra durante a primeira metade do século XX, ou da
França nos momentos áureos do estruturalismo.)
Mudo de perspectiva no final, quando procuro estabelecer uma ponte com
o próximo capítulo, ao explicitar de forma concisa algumas características da
antropologia no Brasil. Procuro apontar para a configuração de diferentes
projetos que, embora não exclusivos, podem ser distinguidos como tentativas
de formulação de uma alteridade radical, um estudo do “contato” com a
alteridade, outro sobre alteridade próxima, ou uma radicalização de um
“nós”. Após indicar uma variedade de noções de alteridade, concluo com um
alerta sobre a comunicação entre antropólogos no contexto de uma disciplina
que, embora mantendo uma história teórica minimamente partilhada,
convive, ela própria, com manifestações plurais.
Antropologia at home
No ambiente de uma nova consciência nos centros de produção
“internacional”, preocupações individuais com o futuro da antropologia nos
anos 1960 deram lugar, na década de 1970, a análises mais sociológicas,
denunciando as relações políticas que haviam sido sempre um traço da
pesquisa de campo de cunho etnográfico. Logo, a idéia de uma antropologia
at home fez seu début na Europa, ao passo que nos Estados Unidos a
antropologia transformou-se em “studies”, na interseção de vários
experimentos das humanidades. São esses movimentos que examino agora
em mais detalhe.

Antecedentes: preocupações no centro


Nos anos 1960, dois pequenos trabalhos escritos por antropólogos de grande
prestígio expressavam sentimentos paradoxais sobre o futuro da antropologia.
Exatamente na ocasião em que a disciplina havia ganhado momentum, seu
objeto corria o risco de extinguir-se. Na França, Lévi-Strauss (1961) alertava
para o fato de que a antropologia poderia se tornar uma ciência sem objeto,
em razão do desaparecimento físico de populações inteiras depois do contato,
ou devido à rejeição aos estudos antropológicos pelas novas nações
independentes. A antropologia sobreviveria? Para Lévi-Strauss, aquela era
uma chance única para que antropólogos se tornassem cientes, se não o
haviam feito antes, de que a disciplina jamais se definira como o estudo de
primitivos em termos absolutos, mas, sim, tinha sido concebida como uma
certa relação entre observador e observado. Desse modo, à medida que o
mundo se tornava menor e a civilização ocidental adquiria características
cada vez mais expansionistas e complexas – em todos os lugares renascendo
como crioula –, as diferenças simplesmente estariam mais perto do
observador. Não era necessário receio nem pânico. Nada indicava que uma
crise da antropologia despontava no horizonte.
Para Goody (1966, p. 574), “o estudo individual de sociedades não-
complicadas” não era mais possível já que primitivos se tornaram parte de
redes sociais complexas e amplas nos países do “Terceiro Mundo”.3 A
antropologia encontrava-se em uma encruzilhada, em que tanto poderia se
tornar uma arqueologia social, um ramo da sociologia histórica baseado na
“preservação da tradição”, como poderia transformar-se em sociologia
comparada. Sugerindo uma “descolonização das ciências sociais”, Goody
enfatizava que, na Inglaterra, a distinção entre sociologia e antropologia
social era basicamente xenofóbica: a sociologia era o estudo de sociedades
complexas, a antropologia social, de sociedades simples, mas nas novas
nações africanas, as “culturas alheias” eram “nossa sociologia” (1966, p.576).
O otimismo de Lévi-Strauss e a proposta de Goody no sentido de um
ajuste disciplinar nos anos 1960 devem ser vistos, retrospectivamente, no
contexto de um prestígio indisputável da disciplina. Latour (1996)
caracterizou o etnógrafo daquele período como um rei Midas antitético,
“amaldiçoado com o poder de transformar tudo o que tocava em
poeira”(1996, p. 5). Mas aquela década também foi testemunha do repensar a
antropologia de Leach (1961), da legitimação do estudo de sociedades
complexas (Banton, 1966), da experiência de Firth e Djamour (1956) e
Schneider (1968) fazendo incursões no estudo de suas próprias sociedades
via parentesco, e da publicação dos diários de Malinowski. Só o último
episódio provocou muita disputa (Darnell, 1974) e, em um artigo publicado
inicialmente em 1968, nos Estados Unidos, Stocking (1974c) relembra que a
pesquisa antropológica era um fenômeno histórico, insinuando assim que
poderia bem ser temporário e passageiro.

Relações de poder e auto-reflexão


Naturalmente, em 1965, Hallowell (1974) já havia estabelecido que a
antropologia deveria ser examinada também como “um problema
antropológico”. Logo depois, Hymes (1974) propôs a reinvenção da
antropologia, em texto hoje clássico. Retrospectivamente, a idéia de centrar
as perguntas nas condições que produziram a antropologia no Ocidente
provou ser a base de muitos dos projetos de auto-reflexão que se seguiram.
Conferências internacionais com aspecto de rituais coletivos de expiação
marcaram os anos 1960, e redundaram na edição de vários livros que se
tornaram bastante conhecidos. A publicação freqüente de perfis de vertentes
nacionais da antropologia também se mostrou comum em revistas
especializadas – em alguns casos, esses periódicos chegaram a editar
números especiais sobre esses tópicos.

• Conferências dos anos 1970. Anthropology & the Colonial Encounter


(Asad, 1973a) transformou-se na publicação clássica do período, resultado de
uma conferência realizada sob os auspícios da Universidade de Hull, em
1972. Tratava-se de uma denúncia direta de que a antropologia
(“funcionalista”) britânica estava baseada em uma relação de poder entre o
Ocidente e o chamado Terceiro Mundo. A antropologia havia emergido como
uma disciplina específica no início da era colonial, tornara-se uma profissão
acadêmica próspera ao seu término e, durante todo esse período, devotara-se
a descrições e análises “desenvolvidas por europeus, para uma audiência
européia, de sociedades não-européias dominadas por poderes europeus”.4
Tal situação desigual só seria ultrapassada por suas contradições internas.
As contribuições de Diamond (1980a) e Fahim (1982) surgiram de
conferências patrocinadas pela Wenner-Gren Foundation for Anthropological
Research. Abertamente marxista, Diamond aludia a tradições nacionais
apenas para repudiá-las; para ele, a antropologia, em termos profissionais, era
um tipo de difusão por dominação, significando que “um antropólogo indiano
ou africano, treinado nessa técnica ocidental, não se porta como um indiano
ou africano quando age como um antropólogo.… [E]le vive e pensa como um
acadêmico europeu”.5 Nesse sentido, Diamond posicionava-se de forma
diferente daqueles que, como Crick, tentavam encorajar antropólogos de
outras culturas a desenvolver “tradições próprias, examinando a si próprios
de maneira que não se restrinjam a um pálido reflexo do nosso interesse
nelas, mas também nos fazendo objeto de sua especulação”.
Nessa atmosfera, quando Fahim (1982) reuniu em um simpósio diversos
antropólogos de várias regiões não-ocidentais (o próprio organizador tendo
origem egípcia), o termo indigenous anthropology foi proposto como um
conceito de trabalho para se referir à prática da antropologia no país,
sociedade e/ou grupo étnico do pesquisador.6 Do ponto de vista do
organizador, a reunião atingiu seu objetivo ao substituir a polêmica “Ocidente
versus não-Ocidente” por um diálogo construtivo, ao mesmo tempo em que
mudava o foco da disciplina (Fahim & Helmer, 1982). Madan (1982a; 1982b)
recebeu crédito especial de Fahim pela maneira como defendeu a idéia de que
a discussão não deveria se referir nem onde nem por quem a antropologia se
desenvolvia, apenas substituindo um ator por outro, mas, sim, à mudança
necessária e urgente na perspectiva da disciplina. Considerando a
antropologia um tipo de conhecimento e uma forma de consciência que surge
do encontro de culturas na mente do pesquisador, ela nos permitiria
compreender a nós mesmos em relação aos outros, tornando-se uma forma
intensificada de autoconsciência.
• Antropologia da antropologia. Uma segunda perspectiva em relação a
diferentes contextos da antropologia pode ser detectada no desafio que alguns
antropólogos enfrentaram ao olhar a disciplina com um olhar antropológico
(assim, seguindo a orientação de Hallowell, 1974). Em 1976, McGrane
(1989) procurou examinar a situação paradoxal de que a disciplina vê tudo
(exceto a si própria) como fenômeno cultural. Para tal, fez uma apreciação da
cosmografia européia dos séculos XVI ao XIX.7 Peirano (1981) contrastou a
posição clássica lévi-straussiana sobre a questão da reversibilidade do
conhecimento antropológico com a de Dumont (1978), que assegurava não
haver simetria entre o pólo moderno no qual a antropologia se sustenta e o
pólo não-moderno (frustrando, assim, a idéia de uma multiplicidade de
antropologias). Na tese, exploro a variabilidade de questões antropológicas
em diferentes contextos socioculturais, e o Brasil é utilizado como ponto de
partida para examinar a relação entre ciência social e ideologia de nation-
building.
Também inserida no contexto de preocupação com uma “antropologia da
antropologia” estava a coletânea de Gerholm & Hannerz (1982a), que, sem se
afligirem com a origem ocidental ou não dos contribuintes, convidaram
antropólogos de diferentes partes do mundo (incluindo Índia, Polônia, Sudão,
Canadá, Brasil e Suécia) para discutir o nascimento de antropologias
nacionais. Distinguindo entre um continente próspero da disciplina
desenvolvida na GrãBretanha, Estados Unidos e França (isto é, uma
“antropologia internacional”) e “um arquipélago de ilhas maiores e menores”
na periferia (Gerholm & Hannerz, 1982b, p. 6), os organizadores
questionaram a estrutura das relações centroperiferia e suas desigualdades;
confrontaram a variedade de limites disciplinares; olharam as origens,
treinamento e carreiras dos antropólogos e se perguntaram: é possível que a
antropologia, sendo uma interpretação das culturas, seja moldada pela
cultura? Diamond (1980a) e Bourdieu (1969) foram mencionados como
inspiração e estímulo e, como no livro de Fahim, aqui foram as implicações
da contribuição de Saberwal (1982b) que receberam atenção especial dos
editores. Stocking Jr. (1982) fechou o número especial com “uma visão de
centro” que, tomando como mote O. Velho (1982), sublinhava a questão dos
“privilégios do subdesenvolvimento”, ao mesmo tempo distinguindo entre
antropologia de “construção de império” (empire-building) e de “construção
da nação” (nation-building), aludindo, assim, à questão da reversibilidade do
conhecimento antropológico sugerida por Peirano (1981).8
Desenvolvendo a antropologia “at home”
Explícito nos próprios títulos dos livros, desenvolver a antropologia at home
tornou-se uma tarefa legítima para Messerschmidt (1981) e Jackson (1987a).
Mas home, para eles, compreendia basicamente os Estados Unidos e a
Europa. Que a área do mediterrâneo, por exemplo, permanecesse não
estudada por antropólogos em casa – e, se estudada, a literatura produzida
poderia ser ignorada – é uma idéia que está presente em Gilmore (1982), na
qual o autor revela sua escolha explícita de resenhar apenas trabalhos
publicados em inglês.
Em Messerschmidt (1981), os sujeitos de pesquisa eram aqueles próximos
aos etnógrafos nos Estados Unidos e no Canadá: parentes, idosos de uma
grande cidade, um escritório de burocracia, uma companhia mineradora.
Oferecendo uma bibliografia extensa, o editor propunha que o termo insider
anthropology revelava conotações menos negativas do que, por exemplo, os
termos “indigenous” ou “native”. (O mesmo termo foi também sugerido por
Madan, 1982b.)
Jackson (1987a) foi mais adiante e reuniu antropólogos da Grã-Bretanha,
Suécia, Dinamarca, Zimbábue, Israel e França, sob os auspícios da
Associação de Antropólogos Sociais da Inglaterra. Mais uma vez, home era a
Europa (ou, sugestivamente, a África) e a pesquisa não-européia deveria
constituir uma categoria específica. Jackson (1987b) perguntou-se por que
havia terminado a relação estreita entre antropologia, folclore e arqueologia
que existiu previamente na Inglaterra, e suspeitava – comparando a
antropologia com a sociologia – de que a diferença entre as duas disciplinas
residia na proximidade (da sociologia) e na repulsa (da antropologia) à
sociedade moderna. Para Jackson, antropólogos eram folcloristas do exótico
(1987b, p. 8). Apesar de a pesquisa além-mar continuar tendo um lugar de
destaque, a pesquisa at home tinha chegado para ficar. Para alguns dos
colaboradores da coletânea, home era sempre um lugar transiente, mas, onde
quer que estivessem (Strathern, 1987), era preciso proceder a uma
fenomenologia da idéia de “distância remota” (Ardener, 1987). Okely (1987)
enfatizava que a idéia de at home diminuíra em termos territoriais na era pós-
colonial; Dragadze (1987) comentava o fato de o antropólogo soviético ser
um historiador, não um sociólogo; e Mascarenhas-Keyes (1987) discutia o
processo mediante o qual um antropólogo nativo se transformava em um
“nativo múltiplo”.
• Nos Estados Unidos. O projeto de trazer a antropologia para casa nos
Estados Unidos surgiu com grande legitimidade social e sucesso com o nome
de cultural critique. Inspirando-se na proposta interpretativa de Geertz, o
pós-modernismo “pegou” como magia poderosa. Passado um tempo, perdeu-
se a afinidade entre a idéia de cultural critique e a proposta de trazer a
antropologia para casa, mas esta pode ser recuperada neste trecho, por
exemplo: “Na verdade, acreditamos que a moderna formulação da
antropologia cultural depende, para sua plena realização, da recuperação da
função crítica em casa [at home] em conjunto com a atual transformação de
sua tradicional função descritiva alhures [abroad]”.9 “Home”e “abroad”
continuavam a representar lugares distintos, mas, ao denunciarem o
exotismo, Marcus & Fischer enfatizavam uma metamorfose em processo: os
etnógrafos estavam se distanciando da antropologia convencional e se
movendo em direção à experimentação e aos cultural studies. O termo “post-
anthropology” foi insinuado por Clifford & Marcus (1986), explicitando ou
enfatizando novas linhagens intelectuais, seja pela escola de sociologia
urbana de Chicago (Clifford, 1986), seja por Margaret Mead nos Estados
Unidos e Raymond Williams na Inglaterra (Marcus & Fischer, 1986). Nesse
contexto, sugeriu-se até o termo “antropologia repatriada”.
Para Clifford (1986), a nova experimentação estava sendo desenvolvida
em trabalhos como os de Latour e Woolgar (1979), sobre biólogos em
laboratório, Marcus (1983), sobre ricos dinásticos, Crapanzano (1980), sobre
novos retratos etnográficos, todos eles abrindo caminho para seus sucessores,
tais como Traweek (1988), sobre físicos, Fischer & Abedi (1990), sobre
diálogos pós-modernos através das culturas, e os questionamentos de
conceitos clássicos tais como “etnografia” (Thomas, 1991) e “cultura” (Abu-
Lughod 1991). Para alguns, a antropologia at home, ou repatriada,
identificava-se como “American culture studies”: “As fronteiras entre
‘estrangeiro’, ‘além-mar’, ‘exótico’, ou mesmo ‘primitivo’ ou ‘não-letrado’ e
‘at home’ ou ‘na nossa cultura’ estão desaparecendo à medida que a cultura
mundial se torna mais uniforme, em um nível, e mais diversa, em outro”.10
Paralelamente a esses desenvolvimentos, Stocking Jr. (1983a; 1983b)
lançou a bem-sucedida série HOA (History of Anthropology), explicando no
ensaio introdutório que os temas preocupantes relativos à identidade que a
disciplina enfrentou no início dos anos 1980 haviam mobilizado antropólogos
voltados para a história da antropologia. Naquele momento, o diagnóstico de
Stocking Jr. era familiar: “Com o retraimento do guarda-chuva do poder
europeu, que por tanto tempo protegeu sua entrada no campo colonial,
antropólogos viram cada vez mais dificuldade em ganhar acesso (e, mais
eticamente problemático, estudar) os ‘outros’ não-europeus que
tradicionalmente despertaram a imaginação antropológica” (1983b, p. 4).
Conferências e congressos continuaram a produzir publicações bem
recebidas pelos profissionais (por exemplo, Fox, 1991), e o lançamento de
novos periódicos (por exemplo, Cultural Anthropology, em 1986, e, alguns
anos depois, em 1988, Public Culture) sinalizou novas arenas para a
experimentação e o redesenho das disciplinas existentes: “Uma fonte de
transformação é a do puro poder e influência de idéias das margens para o
centro dominante. Outra fonte simultânea vem das vozes dissonantes situadas
no campo do [discurso] oficial” (Marcus, 1991, p.564). Nesse meio-tempo,
Dialectical Anthropology (1985) dedicava parte de um de seus números à
discussão das “vertentes nacionais”, que incluía a antropologia feita na
França, Grã-Bretanha, União Soviética e Alemanha.
Naturalmente que Said (1978) tinha sido uma referência central desde o
momento de sua publicação, e temas sobre colonialismo continuavam a ser
analisados (por exemplo, Thomas, 1994), com conexões próximas à literatura
sobre gênero e feminismo (por exemplo, Dirks et alii 1994; Behar & Gordon,
1995; Lamphere et alli 1997).

Antropologia pós-exótica?
Uma mudança de orientação, das preocupações com a escrita antropológica
para a atenção aos lugares e audiências, marcou a década de 1990. Strathern
(1995) examina os contextos mutantes nos quais se desenvolvem diferentes
formas de conhecimento (o que inclui os antropólogos) como um prelúdio ao
questionamento dos pressupostos sobre perspectivas locais e globais. (Nesse
meio-tempo, a Associação Européia dos Antropólogos Sociais é fundada, em
1990, e dois anos depois lança a revista Social Anthropology.)
Quase simultaneamente, dois livros sobre “lugares antropológicos”
(locations) foram publicados: Clifford (1997) examina caminhos (routes)
como práticas espaciais da antropologia, notando que a pesquisa de campo se
tem fundado na distinção entre uma base em casa e um lugar externo de
descobertas. Contudo, noções de “at home e além-mar, internalidades e
externalidades, campos e metrópoles são cada vez mais desafiadas por
vertentes pós-exóticas e descolonizadas”.11 Agora, campos de pesquisa
precisam ser negociados – e porque não há uma fórmula narrativa ou uma
maneira de escrever inerentemente adequada a uma “política do lugar”, a
distância antropológica às vezes é reconstruída de forma confusa e relativa.
Gupta & Ferguson (1997a; 1997b) também reconhecem que a antropologia se
desenvolveu como um corpo de conhecimentos baseado na especialização
regional. A separação espacial entre “o campo” e home leva os autores a
examinarem o pesquisador como um objeto antropológico. É possível
perceber aqui o que Ahmad (1992) denunciou como “migração pós-
moderna”, mas, de qualquer forma os autores sentem necessidade de propor
soluções. Clifford (1997) sugere que a pesquisa de campo tradicional,
certamente, manterá seu prestígio, mas a disciplina poderá também “ficar
mais próxima às antropologias ‘nacionais’ que muitos países europeus e não-
ocidentais desenvolvem, com visitas curtas e repetidas tornando-se norma e a
pesquisa de vários anos, totalmente financiada, uma raridade”.12 Gupta &
Ferguson também vêem soluções alternativas possíveis para a pesquisa de
campo em tradições “nacionais” fortes e antigas como as do México, Brasil,
Alemanha, Rússia ou Índia (1997b, p.27), sugerindo que antropólogos façam
a passagem necessária da idéia de “sítios espaciais” para a de “locações
políticas”, seguindo, assim, a literatura feminista contemporânea.
Tais alternativas tornaram-se inspiração para Moore (1996), que examinou
práticas e discursos como conjuntos de “situated knowledges” (cf. Haraway,
1988), todos, simultaneamente, locais e globais. Para a organizadora do livro,
o futuro do conhecimento antropológico deveria ser antecipado como
resultado de um desafio colocado por acadêmicos do Terceiro Mundo, por
movimentos negros e feministas.
A questão das audiências tornou-se um outro tópico. Quase duas décadas
depois da tentativa malsucedida de Michael Fischer, de incluir uma
introdução para iranianos e outra para norte-americanos (em Fischer, 1980), a
preocupação com o público que consome literatura antropológica finalmente
surgiu na Europa (Driessen, 1993) e nos Estados Unidos (Brettell, 1993), em
um contexto de questionamentos relacionados à “política da etnografia”. O
reconhecimento de que as audiências variam levou Marcus (1993a; 1993b),
na introdução ao primeiro número de Late Editions, a propor que os
diferentes volumes da série tinham como objetivo atingir “globally-minded
U.S. academics”, procurando um espaço entre a antropologia e os cultural
studies. Seu propósito era evocar tanto um sentido de familiaridade quanto de
estranhamento nos leitores educados nas universidades norte-americanas
(Marcus, 1993b, p.5).
As questões sobre público, locação, política e teoria estiveram presentes
no número especial de Public Culture devotado à discussão de Ahmad
(1992), mas apenas para revelar a disparidade de interpretações sobre o status
da teoria, incluindo o desacordo sobre o campo da “política da teoria”
(Appadurai et al, 1993; Ahmad, 1993). Outra tentativa de discussão
internacional foi lançada por Borofsky (1994), em uma publicação coletiva
que resultou de uma sessão organizada no encontro anual da American
Anthropological Association de 1989. O livro incluía depoimentos
individuais sobre as “raízes intelectuais” dos autores colaboradores. O projeto
teve continuidade em 1996, a partir de outra sessão em encontro similar, em
que o título “How others see us: American cultural anthropology as the
observed rather than the observer” indicava um exercício na direção da
reversibilidade do conhecimento antropológico (a despeito do fato de os
“outros”, com poucas exceções, virem da Europa e dos Estados Unidos).
Entre as etnografias at home, gostaria de singularizar um livro, o de
Rabinow (1996), sobre a invenção da reação em cadeia da polimerase
(conhecida como PCR, ou polymerase chain reaction). As razões para elegê-
lo são variadas: primeiro, pela motivação antropológica clássica que expressa
(“Freqüentemente me senti intrigado, embora cético, pelo conhecimento
miraculoso que se tornou possível pelas novas tecnologias que supostamente
conduziriam a uma nova era”). Em segundo lugar, o livro desperta interesse
por sua estrutura canônica, exatamente no contexto pós-moderno no qual se
vê inscrito: os dois primeiros capítulos apresentam a ecologia da invenção, o
terceiro focaliza o processo que culminou na invenção, enquanto os dois
últimos demonstram que uma idéia tem pouco valor se não é posta em ação.
Em terceiro lugar, o livro é inovador pela atitude de fazer tanto entrevistados
quanto leitores colaborarem no texto: no estilo de Late Editions, transcrições
de conversas com cientistas, técnicos e homens de negócios estão presentes.
Finalmente, apesar de protestos de antidisciplinaridade, o livro reforça a idéia
de que, mesmo at home, o etnólogo precisa aprender outra língua (nesse caso,
a da biologia molecular), durante um longo período de socialização, e, como
sempre, enfrentar o problema de quem tem a autoridade e a responsabilidade
de representar a experiência e o conhecimento.13 O fato de o livro não ser
encontrado nas prateleiras de antropologia nas livrarias norte-americanas,
mas nas estantes de ciência, reforça, por exclusão, a associação duradoura
entre a antropologia e o exotismo.14
De outro ponto de vista
Até o momento, focalizei trabalhos que sugerem um movimento complexo,
mas relativamente regular, em que os antropólogos dos centros
metropolitanos foram, ao longo do último século, trazendo a antropologia de
além-mar para casa e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para que antigos
“nativos” desenvolvessem sua própria antropologia. Neste momento, abro um
parêntese para indicar uma voz dissonante no que diz respeito ao último
tópico e que, indiretamente, atinge a antropologia que se faz no Brasil.
Observando o caso da Grécia a partir de depoimentos dos próprios
antropólogos locais, Kuper (1994) critica o que denomina “etnografia
nativista” – um caso extremo de antropologia at home. Segundo ele, a
etnografia nativista, geralmente, tem como fonte de inspiração o trabalho de
Edward Said e o discurso pós-moderno reflexivo, assumindo uma postura
controvertida: primeiro, que apenas nativos compreendem nativos e, segundo,
que o nativo deve ser o juiz da etnografia, até mesmo seu censor. Kuper é
crítico desta posição, mas sua proposta não é menos controvertida:
defendendo alguns etnógrafos que nomeia individualmente, e sancionando
diferentes tradições de pesquisa etnográfica, ele sugere uma alternativa
“cosmopolita” para a antropologia.
O que é esta “alternativa cosmopolita”? Para Kuper, etnógrafos
cosmopolitas devem ter como interlocutores internalizados apenas outros
antropólogos (e não, por exemplo, estrangeiros curiosos ou voyeurs de
gabinete; também não deveriam ter como interlocutores os nativos ou a
comunidade nativa de experts, isto é, cientistas sociais, especialistas em
planejamento e intelectuais locais). Para o autor, sua antropologia
cosmopolita seria uma ciência social irmã da sociologia e da história social,
sem vínculos com nenhum programa político.
Aqui, proponho que essa noção de antropologia cosmopolita seja
contrastada com o projeto multicentrado dos antropólogos indianos (Uberoi,
1968; 1983, Madan, 1994; Das, 1995a). Muito antes de as preocupações com
a antropologia at home surgirem, a Índia ofereceu ao mundo acadêmico
longas discussões sobre o estudo of one’s own society (Srinivas, 1955, 1966,
1979; Uberoi, 1968, Béteille & Madan, 1975; Madan, 1982a, 1982b; Das,
1995a), diretamente vinculadas à questão atual das audiências e dos públicos
para a escrita antropológica. Se os antropólogos, em geral, não aproveitaram
como poderiam essa extensa produção, a questão é outra (ver Capítulo 1). A
Índia também foi cenário do renascimento único de um periódico
internacional, Contributions to Indian Sociology, depois que seus fundadores,
Louis Dumont e David Pocock, decidiram encerrar a publicação na Europa
após uma década de existência.15 Os debates desenvolvidos na seção “For a
Sociology of India” – o título do primeiro artigo publicado pelos editores
(Dumont & Pocock 1957) –, depois transformada em seção regular da revista,
revelaram ser este um fórum de discussão teórica, acadêmica, política e até
pedagógica, ímpar, envolvendo especialistas de várias orientações. Se o
desenvolvimento da ciência, assim como a paixão que desperta, pode ser
apreciado nos debates intelectuais e acadêmicos (Latour, 1989), então esse
fórum de trinta anos tem uma história das mais interessantes para contar.
Autores que adotam posição semelhante à de Kuper (1994) ficam impedidos
de apreciá-la.16
Ao adotarem uma perspectiva universalista sem se situar no centro, os
antropólogos indianos estão cientes de seus múltiplos interlocutores. Madan
(1982b, p.266) menciona dois tipos de conexões triangulares: (a) a relação
entre o antropólogo de dentro, o de fora e o grupo estudado, e (b) a relação
entre o antropólogo, o agente financiador da pesquisa e o grupo estudado.
Das (1995a) também aponta para três tipos de diálogo dentro da literatura
antropológica produzida na Índia: (a) com as tradições ocidentais acadêmicas
na disciplina, (b) com o sociólogo e antropólogo indiano, e (c) com o
“informante”, cuja voz está presente quer como informação obtida no campo,
quer como textos escritos da tradição. Nesse sentido, a antropologia na Índia
avalia e refina, ao mesmo tempo, o discurso antropológico e o conhecimento
sobre sua própria sociedade. Nesse contexto, é interessante relembrar que
antropólogos estrangeiros que trabalharam na Índia também se engajaram em
diálogos com especialistas locais, e alguns desses debates influenciaram
profundamente ambos os lados. Bons exemplos a citar são o diálogo
ininterrupto, enquanto seus autores viveram, entre Dumont e Srinivas, as
reações de Dumont ao filósofo indiano A.K. Saran (Srinivas, 1955, 1966,
Dumont, 1970, 1980; Saran, 1962) e o debate entre os historiadores dos
subaltern studies com Dumont (Guha & Spivak, 1988), incluindo a recepção
e a influência dos últimos na Europa e alhures. Mas, publicadas na Europa, as
contribuições de Dumont não explicitavam essa interlocução no período que
se estende dos anos 1960 aos 1980 – ao contrário, ela só surgia como
subtexto. Na produção contemporânea dos historiadores dos subaltern studies
os diálogos são mais visíveis.
Alteridade no Brasil
Deixando o “continente internacional” e aproximando-nos de mais uma das
“ilhas” do mundo antropológico (Gerholm & Hannerz, 1982b), chegamos,
via Índia, ao Brasil. Destaco um aspecto fundamental: uma característica
marcante da antropologia que se faz na Índia é que os cientistas sociais têm
por objetivo oferecer alternativas às questões ocidentais. Mas eles estão
cientes de que perguntas ocidentais pré-direcionam seus esforços, até mesmo
sua contestação – o Ocidente é um interlocutor poderoso e internalizado.
Já no Brasil, a imagem de um diálogo inevitável com os centros de
produção intelectual está sempre presente, mas o tom é diferente:
antropólogos brasileiros imaginam-se como parte do Ocidente, mesmo que,
em aspectos importantes, eles não sejam. Como uma das ciências sociais, a
antropologia no Brasil encontra seu nicho intelectual na interseção de várias
correntes: primeiro, as vertentes contemporâneas ou canônicas do
conhecimento acadêmico ocidental; segundo, um sentido de responsabilidade
social em relação ao grupo estudado; e, terceiro, a linhagem de pensamento
social desenvolvida no país pelo menos desde os anos 1930 (que,
naturalmente, inclui empréstimos intelectuais e engajamentos políticos
anteriores).
No contexto dessa configuração complexa, a teoria é o caminho nobre
para diálogos intelectuais existentes ou virtuais, e o engajamento social é um
componente poderoso da identidade do cientista social (ver, por exemplo,
Candido, 1958; Peirano, 1981; Bomeny et al., 1991; Schwartzman, 1991; H.
Becker, 1992; Reis, 1996). Onde a teoria tem tamanho poder ideológico, a
comunicação torna-se mais complexa pelo fato de o português ser a língua de
discussão intelectual (escrita e oral) e o inglês e o francês, as línguas de
formação. Uma apreciação rápida sobre o que se faz como antropologia no
Brasil não revela, portanto, grandes surpresas em termos de produção
intelectual – contanto que se saiba bem o português. No entanto, exatamente
porque o diálogo intelectual, no mais das vezes, se desenvolve com
interlocutores ausentes, respostas alternativas às preocupações correntes do
“continente”, tais como etnicidade, pluralismo cultural e social, raça,
identidade nacional etc. são rotineiras. (Foi nesse contexto que Arantes
(1991) ironicamente caracterizou o meio intelectual brasileiro como um
“tanque de decantação na periferia”.)
Algo como uma certa singularidade surge quando se procura por traços
coletivos. Oposto aos Estados Unidos e à Europa de hoje, o ponto crítico no
Brasil não se resume nem ao exotismo nem à culpa associada a ele. A relação
com o exotismo tomou caminho diferente no Brasil. A noção durkheimiana
de diferença, mais que o exotismo, chamou a atenção dos antropólogos onde
e quando eles encontraram um “outro”, sancionando, assim, a idéia de que a
influência francesa foi bem mais forte que a herança germânica. Por outro
lado, devido ao fato de a inclinação geral ser, ao mesmo tempo, teórica e
política e, portanto, congenial aos valores e responsabilidades de construção
da nação, a alteridade tem sido recorrentemente encontrada dentro dos limites
do país (para as exceções, ver G. Velho 1995; Peirano 2000) e, de maneira
freqüente, relacionada à procura de uma singularidade “brasileira” (DaMatta,
1984; ver Fry 1995a para a questão explícita).
A maneira como a alteridade tem sido concebida no Brasil pelos
antropólogos será o objeto do próximo capítulo. Aqui, apenas antecipo que
identificarei quatro tipos ideais relacionados à adaptação local da noção de
exotismo que marcou o momento sociogenético da disciplina. São eles:
“alteridade máxima”, “contato com a alteridade”, “alteridade próxima” e “nós
como outros”. Sendo tipos ideais weberianos, eles não são empiricamente
discretos nem mutuamente excludentes: cortando um continuum sobre a
preocupação com a alteridade, muitos autores adotam mais de uma
perspectiva ou as combinam em diferentes momentos de suas carreiras –
todos são, contudo, reconhecidos legitimamente como antropólogos, mas,
curiosamente, nenhum se sente desenvolvendo anthropology at home. Aliás,
sugiro que, no caso brasileiro, a antropologia além-mar é que poderá vir a ser
a categoria marcada.

Conclusão
A institucionalização das ciências sociais no momento em que se alavanca o
processo de construção da nação (nation-building) é um fenômeno conhecido
(E. Becker, 1971, para França e Estados Unidos; Saberwal, 1982a, para a
Índia), tanto quanto o paradoxo de uma ciência social crítica sobrevivendo
contra os interesses das elites que a criaram. No Brasil dos anos 1930, uma
ciência social foi adotada com o objetivo de prover uma abordagem científica
para se desenhar o futuro do novo país. Acreditava-se que, no tempo devido,
a ciência social iria substituir o ensaio social, que havia sido, no Brasil, até
então, “mais que a filosofia e as ciências humanas, o fenômeno central da
vida espiritual”.17 Assim, dos anos 1930 aos 1950, enquanto a ciência social
maturava uma sociologia “feita-no-Brasil” – que se tornou hegemônica
durante as duas décadas seguintes –, o estudo canônico dos grupos indígenas
era a regra a ser seguida. Na década de 1960, esses trabalhos começaram a
dividir a cena com uma nova tendência de analisar o contato como “fricção
interétnica” e, imediatamente depois, nos anos 1970, com camponeses e
estudos urbanos. Ao longo dessas décadas, a pouca distinção entre as
disciplinas havia acompanhado o engajamento social e a ambição por padrões
de excelência acadêmica, a “diferença” sendo encontrada perto ou, pelo
menos, não muito longe de casa.
Há algum tempo, Perry Anderson (1968) sugeriu que uma antropologia
britânica exuberante foi o resultado da exportação do pensamento social
crítico para os povos que subjugou na primeira metade do novecentos.
Anderson também lembrou que a sociologia que a Inglaterra deixou de
desenvolver em casa deu lugar a uma antropologia próspera. Mais
recentemente, Fischer (1988) afirmou que os antropólogos norte-americanos
não desempenham o mesmo papel social que ele percebeu entre os
antropólogos brasileiros, como intelectuais públicos, não porque aos norte-
americanos falte engajamento, mas devido à perda de bifocalidade, capaz de
ser treinada simultaneamente at home e abroad na cultura norte-americana,
sobretudo no processo de se transformar e ser transformada pela sociedade
global, trazendo, assim, à tona o tema dos intercâmbios e empréstimos
intelectuais.18
Minha intenção, neste capítulo, foi ampliar e estender essas discussões
sobre os componentes das noções de at home e abroad, apontando para
algumas dificuldades que são inerentes aos diálogos intelectuais. De forma
significativa, a justaposição efetiva entre a experiência da “antropologia
internacional” e experiências como a nossa (como se elas fossem
inteiramente distintas) indica que, com grande freqüência, os autores
encontram-se somente no final de livros e de artigos, sem interlocução
substantiva no texto, apenas lado a lado, na seção de referências
bibliográficas. As implicações desse fenômeno merecem maior atenção da
nossa parte.
3. A alteridade em contexto:
o caso do Brasil1

Se por muito tempo a antropologia foi definida pelo exotismo do seu


objeto de estudo e pela distância que separava o pesquisador do seu grupo de
pesquisa, hoje essa situação mudou. A antropologia não se resume a um
objeto, ela se interessa pela diferença. A idéia de que a alteridade é um
aspecto fundante da antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si
própria, é um dos argumentos centrais deste capítulo.
O Brasil é o caso etnográfico privilegiado. Chamo a atenção para o fato de
que, no contexto brasileiro, as exigências relativas às diferenças adquiriram,
desde cedo, contornos específicos. Uma alteridade radical – no caso, a
indígena –, vigente até os anos 1950, nas décadas seguintes passou a conviver
com alteridades “amenizadas”, situação na qual os antropólogos faziam
pesquisas sobre o contato com as populações indígenas, depois com
camponeses, chegando mais tarde aos contextos urbanos. Mais recentemente,
nos anos 1980, os antropólogos passaram a dirigir sua reflexão para a própria
produção sociológica, tornando-se este um caso de alteridade mínima. No
ambiente da antropologia no Brasil, nos últimos trinta anos, a alteridade
deslizou, territorial e ideologicamente, em um processo dominado pela
incorporação de novas temáticas e ampliação do universo pesquisado.
O exemplo brasileiro revela, assim, que a diferença cultural pode assumir,
para os próprios antropólogos, uma pluralidade de noções: se em termos
canônicos ela seria tão radical que idealmente estaria além-mar, ao aculturar-
se em outras latitudes a alteridade (européia) traduziu-se em diferenças
relativas e não necessariamente exóticas. Juntas ou separadas, essas
diferenças podem ser culturais, sociais, econômicas, políticas, religiosas e até
territoriais. Assim sendo, o processo que nos centros metropolitanos levou
um século para se desenvolver, isto é, trazer a disciplina para casa, no Brasil
não demorou mais que três décadas. Mesmo que, hoje, entre nós existam
prioridades intelectuais e/ou empíricas, assim como modismos (teóricos ou
de objetos/sujeitos), não há propriamente restrições em relação a essa
multiplicidade de “alteridades”. Na última década, a presença de um mínimo
de especialidades, entre elas temáticas indígenas, camponesas, urbanas, afro-
brasileiras e outras, vem sendo reputada como uma exigência para o
estabelecimento, na universidade, de um departamento de excelência.2
O foco central deste capítulo recai nas três últimas décadas do
desenvolvimento da antropologia no Brasil, mas não se restringe a esse
período. Adoto, na verdade, uma estratégia de contrastes, quer históricos,
quer etnográficos, e incluo, com esse propósito, casos comparativos ao longo
do texto, como os da Índia e dos Estados Unidos.3 Tenho como objetivo
apresentar uma configuração típico-ideal para a antropologia desenvolvida no
Brasil. Procuro indicar, ao focalizar a produção da comunidade brasileira de
antropólogos, em que medida – apesar de rotulada por muitos como
“periférica” – ela oferece uma oportunidade para se detectar elementos
fundantes nos próprios centros metropolitanos, além de evidenciar em que
sentido a disciplina, aqui, tanto acompanha as experiências desenvolvidas em
outros contextos quanto difere delas. Esse é, portanto, mais um ângulo de
visão do que se pode chamar uma antropologia no plural.

Orientação geral
Neste capítulo, levo em consideração que uma disciplina pode ter o mesmo
nome em diversos momentos sem que tenha necessariamente idêntico
conteúdo ou igual objetivo. Desse modo, denominar um tipo de
conhecimento de “antropologia” em momentos e contextos distintos não
significa que se está designando o mesmo fenômeno. Segundo, parto do
suposto de que não é possível falar sobre a história de uma disciplina sem
levar em conta o desenvolvimento de áreas vizinhas – quer sejam elas
modelos ou rivais da primeira. Assim, por exemplo, investigar o crescimento
da antropologia no Brasil depois dos anos 1950 exige que se examine as
demais ciências sociais (pelo menos a sociologia e a ciência política); para
uma avaliação antes dos anos 1950, é preciso levar em conta a literatura.4
Terceiro, mesmo quando se define um enfoque dominante, este nem sempre é
medrado apenas por especialistas da área. Isso denota que, conscientemente
ou não, a antropologia pode ser feita por não-antropólogos. Finalmente, uma
disciplina acadêmica revela sua provável configuração no diálogo com as
idéias e os valores dominantes de uma sociedade. No caso brasileiro, as
ciências sociais foram reconhecidas socialmente quando o país passou a se
conceber legitimamente como parte do mundo moderno, aderindo ao preceito
iluminista de estarem comprometidas com a vida nacional no seu conjunto.5
Essa orientação nos remete, de imediato, a uma questão central:
externamente à disciplina, tem sido com a sociologia que a antropologia vem
dialogando desde a institucionalização das ciências sociais, na década de
1930; já internamente, esse diálogo é vivido como uma dicotomia entre a
etnologia indígena feita no Brasil e as investigações antropológicas sobre o
Brasil. Na década de 1950, tendo a sociologia se tornado hegemônica entre as
ciências sociais – e concebida como uma abordagem que combinava
excelência teórica com engajamento político –, à antropologia restou a opção
de se manter nos parâmetros dos estudos de sociedades indígenas, como até
então, ou integrar-se no projeto sociológico dominante. Quando Florestan
Fernandes transferiu suas preocupações dos Tupinambá para as relações
raciais, esse movimento representou mais que uma guinada na direção da
Escola de Chicago, e mais que a admissão de que os Tupinambá só serviram
para a formação de seu autor. Naquele momento, a excelência acadêmica
definiu-se como parâmetro e a temática nacional estabeleceu-se como
projeto; teoria e política passavam a fazer parte da agenda das ciências sociais
no país.6 É quando, então, o rótulo antropologia se expande em pelo menos
duas direções: ele serve para designar a investigação etnológica canônica em
busca da alteridade radical, mas passa igualmente a indicar uma sublinhagem
que, definindo-se também como antropologia, dialoga com a sociologia
hegemônica. Tenho em mente, no segundo caso, os estudos sobre “fricção
interétnica”,7 que viam o contato com grupos indígenas como um indicador
sociológico para se estudar a sociedade nacional – isto é, seu processo
expansionista e sua luta pelo desenvolvimento.8 Essa ampliação dos limites
da disciplina persiste, em um quadro no qual convivem, no mesmo meio
acadêmico, uma antropologia feita no Brasil e uma antropologia do Brasil.9
Para além da pesquisa indígena propriamente dita, uma antropologia feita
no/do Brasil é uma aspiração comum.

Exotismo e tipo ideal


Aqui, considero o exotismo a diferença-limite da apreensão antropológica.
Da perspectiva do tema clássico dos tabus, o exotismo é a alteridade mais
distante, remota e, ainda assim, passível de apreensão em um determinado
universo. É certo que noções mais ou menos explícitas de distância
(territorial, cultural, social) estão sempre presentes, mas a alteridade, como
diferença ou como exotismo, diverge: se todo exotismo é um tipo de
diferença, nem toda diferença é exótica. Por outro lado, a ênfase na diferença
tem como dimensão intrínseca a comparação; já a ênfase no exotismo
dispensa contrastes.
Contudo, o exotismo na antropologia não é uma realidade histórica pura e,
muito menos, uma “realidade autêntica” no sentido weberiano. Trata-se, sim,
de um elemento relevante para a construção de um tipo ideal, em relação ao
qual se podem medir exemplos empíricos a fim de esclarecer alguns de seus
traços essenciais. Reforço essa proposta observando que, nas últimas
décadas, um grupo de antropólogos vem questionando como indesejável
exatamente a dimensão exótica da antropologia (por exemplo, Thomas,
1991). Mas, na medida em que essas críticas não levam em conta o
significado contextual do exotismo e, portanto, a ele não se oferecem
alternativas se não sua erradicação, fica enfatizado, às avessas, seu papel
fundante e a evidência de que, sem uma noção de diferença, a antropologia
desaparece.10
É preciso notar, porém, que, em termos empíricos, a antropologia nunca se
definiu simplesmente pelo exotismo, embora até o meio do século XX ela se
considerasse um ramo dos estudos sociológicos devotado primordialmente às
sociedades primitivas (Evans-Pritchard, 1951). Logo a seguir, contudo, Lévi-
Strauss (1961) lembrou que o caráter específico da antropologia não estava
no seu objeto empírico, mas, sim, naquela dimensão de diferença que sempre
havia estado presente no estudo dos povos primitivos – se, até então, esses
desvios diferenciais só eram apreendidos quando se comparavam civilizações
distintas e longínquas, agora eles poderiam ser notados dentro do próprio
mundo ocidental, no momento em que o Ocidente se tornava uma grande
“aldeia crioula”. (No entanto, quando Lévi-Strauss veio ao Brasil nos anos
1930, seu horizonte de pesquisa era o exotismo. Castro Faria menciona que a
designação de “expedição” era coerente com a preocupação de Lévi-Strauss
em fotografar e documentar o que encontrava para, posteriormente, mostrar o
material em Paris; Peixoto (1998) indica o papel fundamental dessa
exposição na carreira do autor.)
Esse estímulo nunca foi dominante no Brasil.11 O fato de as pesquisas
indígenas serem realizadas em território nacional indica menos problemas de
recursos financeiros – um argumento a se considerar – e mais a escolha de
um objeto de estudo que se apresenta ou se mistura com uma preocupação
com diferenças que são culturais e/ou sociais, ratificando a idéia de que, no
Brasil, a influência durkheimiana se sobrepôs à germânica. Pode-se,
naturalmente, argumentar que os grupos indígenas representaram o “exotismo
possível” no Brasil, mas a alteridade não sendo predominantemente radical,
prevaleceu a exigência de rigor teórico combinado à força moral que define a
ciência social como comprometida e transformadora. (Durkheim
explicitamente negava o interesse pelo mero exótico e afirmava que a
sociologia “não busca conhecer formas extintas de civilização com o objetivo
único de conhecê-las e reconstituí-las”, como também “não procura estudar a
religião mais simples pelo simples prazer de contar suas extravagâncias e
singularidades”. Para ele, a sociologia tem por objeto explicar uma realidade
atual e próxima, “capaz portanto de afetar nossas idéias e nossos atos” [1996,
p.v-vi; ênfases minhas].)
Retornando ao ponto crítico dos anos 1950, compreende-se, então, por
que, no momento em que era vitorioso na sua proposta de forjar uma
sociologia feita no Brasil, Florestan Fernandes (1961) criticou tão duramente
o empirismo da antropologia e seu descaso com questões de fundo teórico.
Por outro lado, fica também esclarecido por que só recentemente a
antropologia no Brasil retomou os Tupinambá como modelo;12 por que pouco
existe na antropologia contemporânea que evidencie uma conexão direta com
a linha de pesquisas indígenas que se desenvolveu na década de 1950 na USP
– como uma associação imediata entre antropologia e exotismo poderia
supor;13 por que as descendências intelectuais dos etnólogos alemães do
século XIX não se tornaram regra geral (como em Schaden 1955a; Baldus,
1954, por exemplo);14 e, finalmente, por que a disputa histórica entre uma
vertente antropológica canônica e outra sociológica encontrou sua resolução
na noção de antropologia como ciência social.15 Como tal, ela se insere em
um quadro geral em que conhecimento e comprometimento político estão
unidos em uma configuração única, situação distinta da que se pode
encontrar, por exemplo, nas “humanidades” e nos four fields norte-
americanos – nos quais a antropologia social ou cultural dialogam com a
arqueologia, a lingüística e a antropologia física/biológica –, ou ainda na
distinção etnologia/sociologia de outras vertentes européias.16 Se as
disciplinas vizinhas diferem, são igualmente distintas as perguntas que elas se
fazem.

O caso do Brasil
Se a noção de diferença é definidora da antropologia, a questão é saber onde
ela se aninhou no caso brasileiro. Proponho que nos últimos trinta anos a
alteridade deslizou de um pólo onde ela é (ou pretende ser) radical a outro,
onde nós mesmos, cientistas sociais, somos o outro. Dessa perspectiva,
podemos identificar quatro tipos ideais: (a) a alteridade radical; (b) o contato
com a alteridade; (c) a alteridade próxima; (d) a alteridade mínima. Esses
tipos não são excludentes e, ao longo de suas carreiras acadêmicas,
antropólogos transitam por vários deles. Em termos cronológicos, nota-se
uma certa seqüência: o projeto de se pesquisar a alteridade radical antecipa o
estudo do contato; a este se segue a antropologia em casa, até que se atinge a
investigação da própria produção sociológica no país. Esse é o momento em
que fronteiras nacionais são ultrapassadas e se retorna à alteridade radical,
agora modificada. (Esclareço que, no que se segue, não faço citações
exaustivas dos casos indicados, mas apenas menciono alguns trabalhos para
sinalizar diferenças temáticas e de abordagem. Com os autores cujos
trabalhos são citados, desculpo-me pelas ausências inevitáveis.)

Alteridade radical
A procura canônica pela alteridade pode ser ilustrada, no Brasil, em termos
de distância (geográfica ou ideológica), de duas maneiras: em primeiro lugar,
no estudo de populações indígenas; em segundo, no objetivo mais recente de
ultra-passar os limites territoriais do país. Em ambos os casos, em termos
comparativos com a “antropologia internacional” (cf. Capítulo 2), a
alteridade radical não é extrema.
Vejamos a primeira situação. Hoje, iniciantes no campo podem discernir
algumas antinomias: Tupi ou Jê; parentesco ou cosmologia; Amazônia e
Brasil Central ou Xingu; história ou etnografia; economia política ou
cosmologia descritiva (ver Viveiros de Castro, 1995b). Como em qualquer
antinomia, as opções empíricas disponíveis estão muito além. Mas, nesse
contexto, a pesquisa tupi, tendo praticamente desaparecido da cena etnológica
no Brasil durante os anos 1960 e início dos 1970 (contudo, cf. Laraia, 1986),
fez sua reentrada nas duas últimas décadas (Viveiros de Castro, 1986; 1992;
Lima, 1995; Fausto, 1997; 2001; ver, também, Muller, 1990; Magalhães,
1994). Por sua vez, essas pesquisas induziram a um interesse sistemático pelo
parentesco, que, embora seja a área clássica da antropologia, nos padrões
locais se configurou como novidade.17
Antes da década de 1980, os Jê haviam sido o grupo mais bem estudado
do Brasil: depois dos trabalhos clássicos de Nimuendajú, os Jê atraíram a
atenção de Lévi-Strauss (por exemplo, 1956; 1960) e, seguindo-se, o Projeto
Harvard-Central Brazil (Maybury-Lewis, 1967; 1979).18 Em pouco tempo, os
resultados desse ambicioso programa de pesquisa tornaram-se a principal
fonte de apoio às teses estruturalistas. Para uma geração de antropólogos que
desenvolveram sua carreira no Brasil, essa experiência de campo foi
fundamental (ver, por exemplo, DaMatta, 1976a; Melatti, 1970; 1978). Nas
décadas seguintes, pesquisas sobre os Jê tiveram continuidade, embora não se
colocasse mais a questão da hegemonia.19
Este rápido apanhado mostra que as pesquisas vêm sendo realizadas em
território brasileiro. Embora para os especialistas seja fortuito que os grupos
indígenas estejam situados no Brasil, o fato é que existem implicações
políticas e ideológicas nessa localização. Para o objetivo deste ensaio, uma
delas indica não ser o exotismo a principal motivação para a pesquisa, mas a
diferença (social, cultural, cosmológica) entre eles e nós. Mas, tratando-se da
linha de pesquisa que corresponde às preocupações mais tradicionais da
antropologia, é esta a área na qual debates com a comunidade “internacional”
são mais freqüentes (para um debate entre etnólogos franceses e brasileiros,
cf. Viveiros de Castro, 1994 e Copet-Rougier & Héritier-Augé, 1993; ver,
também, Viveiros de Castro, 2003.) Fica, então, a pergunta: nossa diferença
será o exotismo alheio?20
Há o segundo caso, em que a alteridade radical é buscada fora do país.
Essas pesquisas são recentes e indicam que os antropólogos brasileiros não
ficam restritos ao território nacional.21 Mas aqui ainda se mantém algum
vínculo com o Brasil, sendo possível identificar três direções. Uma nos leva
aos Estados Unidos, que se tornaram uma espécie de “alteridade
paradigmática” para estudos comparativos. Essa prática remonta ao estudo
clássico sobre preconceito racial de Oracy Nogueira (1986), mas atinge as
análises sobre hierarquia e individualismo de Roberto DaMatta (1973a;
1980). Desenvolvimentos posteriores são, por exemplo, L. Cardoso de
Oliveira (2002) e Kant de Lima (1991; 1995a; 1995b). Nesse contexto, um
tópico emergente é o estudo de imigrantes brasileiros e portugueses (G.
Ribeiro, 1998; Bianco, 2001).
Uma segunda direção leva-nos às ex-colônias portuguesas e ao interesse
etnográfico que elas despertam. Fry (1999; 2002; 2005) compara
experiências coloniais com base nos casos do Brasil, Estados Unidos,
Moçambique e Zimbábue; Trajano Filho (1993; 1998; 2003) examina os
projetos nacionais de uma sociedade crioula, tendo como referências Guiné-
Bissau, São Tomé e Príncipe. De uma perspectiva similar, Dias (2002; 2004)
desenvolve estudos sobre Cabo Verde. A antropologia feita em Portugal
instigou uma curiosidade antes inexistente, como indicam congressos e
conferências nos dois países, atestando mais uma vez seus vínculos
históricos, lingüísticos e ideológicos. A literatura recente inclui C. Bastos et
alii (2002), G. Velho (1999), além da publicação de um número de
Etnográfica (Almeida & Leal, 2000), que reúne artigos de antropólogos
brasileiros, e o comentário de Pina Cabral (2004) ao volume sobre o campo
da antropologia no Brasil.
Uma terceira frente pode ser detectada nas investigações que não
implicam necessárias comparações com o Brasil,22 e na recente pesquisa inter
e supranacional: Góes Filho (2003) examina rituais da Organização das
Nações Unidas; Leite Lopes (2004) focaliza movimentos de preservação do
meio ambiente; K. Silva (2004) analisa as práticas da ONU na formação do
Estado-nação no Timor-Leste; e, ainda no Timor-Leste, Simião (2005)
focaliza a construção da categoria “violencia domestika” no contexto dos
valores modernos.

Contato com a alteridade


Se a alteridade radical gerou estudos sobre grupos indígenas, as análises que
focalizam a relação da sociedade nacional com grupos indígenas constituem o
segundo tipo, que denomino de “contato com a alteridade”. Hoje, uma
literatura considerável é herdeira direta das preocupações indigenistas que,
por muito tempo, foram geralmente explicitadas somente em artigos
publicados à parte da obra principal dos etnólogos (por exemplo, Baldus,
1939; Schaden, 1955b; cf. Peirano, 1981, Capítulo 4). A transformação
dessas preocupações em tópicos legitimamente acadêmicos se deu nas
décadas de 1950 e 1960: Darcy Ribeiro (1957; 1962) centrou o tema no
indigenismo, que, mais tarde, recebeu o polimento teórico de Roberto
Cardoso de Oliveira com a noção de “fricção interétnica”.
Considerada por muitos uma inovação teórica da antropologia feita no
Brasil, essa concepção apareceu como bricolagem de preocupações
indigenistas e inspiração sociológica, revelando “uma situação na qual dois
grupos são dialeticamente unidos por meio de seus interesses opostos”.23 Esse
conceito foi proposto em um contexto no qual teorias de contato, tanto
britânicas (Malinowski) quanto norte-americanas (Redfield, Linton e
Herskovitz), se haviam provado inadequadas. Roberto Cardoso substituiu-as
pelo somatório singular que combinou a preocupação indigenista de Darcy
Ribeiro, a sociologia de Florestan Fernandes e os trabalhos de Balandier –
tornando-se um dos casos típicos de descendência intelectual a somar
inspiração “local” com empréstimos “externos”.24 Em termos de reprodução
acadêmica, esses estudos tiveram longa duração e foram centrais na
consolidação de vários programas de mestrado e doutorado.25
No entanto, lembro que, quando a noção de fricção interétnica foi
proposta, uma cena peculiar se desenvolvia: dividindo o mesmo espaço
institucional e, mais importante, freqüentemente envolvendo os mesmos
pesquisadores (Laraia & DaMatta, 1967; DaMatta, 1976a; 1976b; Melatti,
1967), muitos estudos foram realizados nos quais, de um lado, se
examinavam os sistemas sociais indígenas (cf. o Projeto Harvard-Central
Brazil, já mencionado) e, de outro, se analisava o contato interétnico. Para
essa primeira geração de antropólogos formados no Museu Nacional, o
estudo do contato interétnico não foi, portanto, exclusivista.26
Nos anos 1980, os estudos sobre o contato tiveram um novo impulso.
Oliveira Filho (1987; 1988) expandiu as preocupações interétnicas, passando
a incluir dimensões históricas. Um conjunto de pesquisas se seguiu sobre
políticas indigenistas, a demarcação de terras indígenas, o papel dos militares
nas fronteiras, a idéia de territorialização e o processo de mão dupla dela
decorrente, o exame dos “índios misturados” do Nordeste e os direitos dos
índios (Oliveira Filho, 1998; 1999a; 1999b). Mais recentemente, Souza Lima
(1995; 2002a; 2002b) investiga o indigenismo como um conjunto de ideais
relativos à inserção de povos indígenas em sociedades pertencentes a Estados
nacionais. Em particular, Souza Lima & Barroso-Hoffman (2002) focalizam
a associação entre a antropologia e o Estado em relação à política indígena,
confrontando o paradoxo de que políticas sociais freqüentemente criam e
mantêm desigualdades sociais.
Junto a essas frentes de investigação, ver Baines (1991) para a relação
entre grupos indígenas e a Funai; para a legislação indígena e as condições
dos índios sul-americanos, ver Carneiro da Cunha (1992; 1993), S. Santos
(1982; 1989). Depois de uma trajetória no terreno da etnologia clássica
(Ramos, 1990), ver Ramos (1995) para uma avaliação da etnografia
Yanomami em um contexto de crise social e Ramos (1998) para um estudo
abrangente sobre o lugar do indigenismo na ideologia nacional.
Aqui, faço uma pausa para mencionar, sem, no entanto, elaborar, o estudo
antropológico do campesinato – tão relevante que mereceria trabalho à parte.
Indico apenas que, durante os anos 1970, a preocupação com o contato
avançou sobre o tema das fronteiras de expansão, tornando tópicos
antropológicos legítimos aqueles relacionados ao colonialismo interno,
camponeses e desenvolvimento do capitalismo (Otávio Velho, 1972; 1976).
Ao mesmo tempo, estudos sobre camponeses adquiriram status temático
independente, na medida em que tanto antropólogos quando sociólogos se
dedicaram a eles.27 Uma vez que a alteridade deslizou territorialmente, ela
fechou o círculo e alcançou, de volta, as periferias das grandes cidades (Leite
Lopes, 1976).

Alteridade próxima
Desde os anos 1970, antropólogos no Brasil fazem pesquisa nas grandes
cidades. Como a socialização acadêmica ocorre nos cursos de ciências
sociais, ao longo das últimas décadas a antropologia tornou-se contraponto à
sociologia. No desenrolar do autoritarismo político dos anos 1960, a
disciplina era vista por muitos como uma alternativa aos desafios (marxistas)
vindos da sociologia, em um diálogo silencioso que persiste desde então. A
atração ora se dá por seus aspectos qualitativos, ora pelo desafio de
compreender dimensões do ethos nacional. Registre-se, portanto, a diferença
marcante da antropologia que se faz nos Estados Unidos. Curiosamente, lá,
de onde vem a maioria das influências contemporâneas, somente na década
de 1990 se tornou apropriado estudar fenômenos próximos aos
pesquisadores.28
No estudo da alteridade próxima, a opção teórica tem sido a via predileta
para alcançar o objeto de estudo. No Brasil, teoria não é apenas abordagem,
mas afirmação política também. Assim, por exemplo, uma combinação do
interacionismo simbólico da Escola de Sociologia de Chicago com a
antropologia social britânica dos anos 1960 abriu para Gilberto Velho (1975;
1981; 1986; 1994) a possibilidade de pesquisar temas urbanos sensíveis.
Esses incluíram estilos de vida da classe média, hábitos culturais do
psiquismo, consumo de drogas e violência.29 Nesse contexto, deu-se a
primeira pesquisa de campo no país vista como plenamente “urbana” nos
termos da antropologia atual, e teve como exemplo o estudo de um edifício
no bairro de Copacabana, o então conhecido “Barata Ribeiro 200” (Gilberto
Velho, 1972). Essa linha se expandiu para, mais tarde, incluir setores
populares, velhice, gênero, prostituição, parentesco e família, música,
política. O objetivo dominante do projeto tem sido desvendar os valores
urbanos; nesse sentido, as pesquisas não apenas situam os fenômenos na
cidade, mas procuram analisar, na trilha deixada por Simmel, as condições de
sociabilidade nas metrópoles. A produção dessa linha é numerosa e de grande
amplitude.30
Roberto DaMatta (1973a; 1980) também encontrou no estruturalismo a via
legítima para dar início à sua pesquisa sobre o carnaval; a horizontalidade
conferida a cada sociedade por essa abordagem teórica permitiu fazer, sem
traumas, a ponte entre o estudo de sociedades indígenas e a sociedade
nacional. Mais tarde, a pesquisa ampliou-se para um exame abrangente do
ethos nacional – tendo naturalmente como predecessor o trabalho
monumental de Gilberto Freyre. Desde os anos 1980, o autor privilegia temas
nacionais, depois de haver participado dos dois grandes projetos indígenas
que marcaram a década de 1960 – tanto o Harvard-Central Brazil quanto o
vinculado ao estudo da fricção interétnica. DaMatta (1973a) é o ponto de
transição, reunindo uma análise canônica de um mito apinayé, um conto de
Edgar Allan Poe e o primeiro exame sobre o caráter de communitas do
Carnaval – que, mais tarde, seria expandido nos livros conhecidos das
décadas de 1980 e 1990 (DaMatta, 1984; 1985; 1991). Ver, também,
DaMatta & Hess (1995).31
Noto que, nos casos previamente citados, a propriedade e a relevância de
se desenvolver uma antropologia no meio urbano nunca foram seriamente
questionadas. Depois de uma rápida discussão sobre a natureza da pesquisa
de campo em geral, que incluiu a disposição do etnólogo para sofrer de
“anthropological blues”, e o tema da familiaridade, tanto perto quanto
distante de casa (DaMatta, 1973b; 1981; G. Velho 1978), a questão foi
resolvida antes dos anos 1980. Ver G. Velho & Kuschnir (2003) para
reflexões recentes sobre o trabalho antropológico em pesquisas urbanas.
No período que tem início na década de 1960, outros tópicos haviam
emergido, primeiro relacionados à integração social de populações e, mais
tarde, a direitos de minorias. Muitas vezes, esses temas combinavam
sociologia e antropologia, reafirmando e dando validade histórica a autores
como Candido (1958), que nunca aceitou distinguir, de forma radical, as
ciências sociais umas das outras. Imigração, relações raciais, gênero,
messianismo, cultos afro-brasileiros, crime, cidadania são alguns dos tópicos
dessa série de investigações.32
Festas urbanas e rurais foram tema de pesquisa desde o início das ciências
sociais no Brasil (cf. o clássico Candido, 1964a), porém vêm adquirindo mais
vitalidade recentemente, quiçá na trilha das análises sobre carnaval. Ver
Magnani (1984), Cavalcanti (1994), Mello e Souza (1994), J. Silva (2001),
Chaves (2003). Diretamente focalizados na política como domínio nativo são
os vários estudos que resultam do projeto “Antropologia da Política” (NuAP
1998) como, por exemplo, Teixeira (1998), Bezerra (1999), Chaves (2000),
Borges (2004), Comerford (2004), Barreira (1998), Heredia et alii (2002),
Kuschnir (1999).33

Alteridade mínima
Confirmando que as ciências sociais no Brasil têm um profundo débito com
Durkheim – que propôs que outras formas de civilização deveriam ser
buscadas para explicar o que está próximo a nós –, a partir dos anos 1980,
antropólogos desenvolveram uma série de estudos sobre as ciências sociais
no país, grande parte com o propósito mais amplo de compreender a ciência
como manifestação da modernidade. Tópicos de estudo variam de biografias
de cientistas sociais brasileiros, memórias pessoais a clássicos da teoria
sociológica, como, por exemplo, Castro Faria (1993; 1998; 2002). Ver Corrêa
(1982; 1987; 2003), para uma historiografia da disciplina no país; Miceli
(1999), para um projeto comparativo entre as ciências sociais. Para os
clássicos das ciências sociais, ver, por exemplo, R. Cardoso de Oliveira
(1991) e Goldman (1994) para Lévy-Bruhl; Grynszpan (1999), para Mosca e
Pareto. Ver Neiburg (1997), para a antropologia na Argentina. Sobre autores
no Brasil, ver Peixoto (1998; 2000), respectivamente, para a carreira de Lévi-
Strauss e para uma comparação entre Roger Bastide e Gilberto Freyre; Pontes
(1998), para um estudo sobre o grupo paulista Clima; Castro Santos (2003),
para uma comparação entre a obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de
Holanda. Pontes et alii (2004) apresenta depoimentos recentes sobre
experiências na antropologia. A publicação de diários etnográficos vem se
afirmando; ver, por exemplo, D. Ribeiro (1996), Castro Faria (2001), R.
Cardoso de Oliveira (2002).
O interesse que os cientistas sociais manifestam em assuntos educacionais
é discutido em Bomeny (2001a); especialmente para a trajetória de Darcy
Ribeiro, ver Bomeny (2001b). Em Travassos (1997), encontramos uma
comparação entre os dilemas da modernização enfrentados por Mário de
Andrade no Brasil, e Béla Bartok na Hungria, e para uma investigação entre
cientistas e a questão racial no Brasil, ver Schwarcz (1996; 2001). Para uma
bibliografia sobre a antropologia no país até os anos 1980, ver Melatti (1984),
e para uma apreciação do campo da disciplina nos dias de hoje, ver Trajano
Filho & Ribeiro (2004).
Um programa de pesquisa com o objetivo de estudar diferentes estilos de
antropologia foi inaugurado em Cardoso de Oliveira & Ruben (1995), com a
proposta de focalizar experiências nacionais diversas, incluindo Austrália,
Argentina, Canadá e Catalunha. Um novo projeto sobre a relação entre
perspectivas antropológicas e processos de construção do Estado está
desenvolvido em L’Estoile et alii (2002).
No final dos anos 1970, iniciei um projeto que tinha como objetivo
analisar a própria disciplina de uma perspectiva antropológica. A partir de
uma proposta de Dumont (1978), de que a antropologia se define por uma
hierarquia de valores em que o universalismo engloba o holismo, questionei o
tipo de antropologia que se fazia no Brasil, tendo como casos de controle a
França e a Alemanha. A relação entre ciência social e ideologia de nation-
building foi um ponto central da pesquisa (Peirano, 1981). Esse estudo teve
prosseguimento com a observação do caso indiano, e resultou na proposta de
uma “antropologia no plural” (Peirano, 1992a). A triangulação Brasil, Índia e
Estados Unidos teve continuidade em Peirano (1991; 1998; 1999).
O exame da relação entre ciência social e ideologia nacional foi refinado
em Vilhena (1997) que, comparando folcloristas e sociólogos vis-à-vis a
ideologia dominante entre 1947 e 1964 no país, desvenda o lugar dos
intelectuais ligados a valores regionais e a disputa dos folcloristas para
sobreviver em um meio no qual a sociologia se tornava hegemônica. A
psicanálise tem se mostrado um campo de saber fértil para a antropologia.
Uma apropriação desse campo vem sendo feita por uma linha de pesquisa
sólida (ver Duarte, 1989; 1990; 1996; 2000). Finalmente, várias reflexões
sobre o ensino da antropologia são encontradas em Bomeny et alii (1991);
Pessanha & Villas Boas (1995); Peirano (1995c).
Em suma, nos estudos em que a alteridade é mínima, isto é, está localizada
na própria atividade intelectual dos cientistas sociais, nota-se um traço
marcante: a maioria deles examina temas abrangentes relacionados a
tradições intelectuais ocidentais, mas, publicados em português, têm uma
audiência limitada. Surge, então, a questão crucial sobre o público desses
trabalhos: abrangentes e exaustivos, fazem eles sentido se a audiência externa
é restrita? Ou, por que se dialoga com as fontes de scholarship se os debates
estão afastados pela própria língua de enunciação? Retornamos, assim, aos
Tupinambá de Florestan Fernandes, quando o rigor teórico serviu mais para
legitimar o autor como cientista social no Brasil do que para favorecer um
efetivo diálogo com especialistas da área. Aqui, a velha questão permanece: o
vínculo com o mundo intelectual mais amplo se dá apenas por efeito
ilocucionário e a “alteridade mínima” esconde uma proposta, não realizada,
de alteridade máxima, porque teórica.

Conclusão
A institucionalização das ciências sociais como parte do processo de nation-
building é fenômeno conhecido, tanto quanto o paradoxo da existência de
uma ciência social crítica sobrevivendo aos interesses das elites que a
criaram. Nesses momentos, a nova ciência social não é especializada porque
o projeto de construção nacional é ideologicamente mais abrangente que as
disciplinas acadêmicas. Em outras palavras, a alteridade raramente é
descompromissada e os aspectos “interessados”, no sentido weberiano, são
muitas vezes explícitos. A antropologia e a sociologia separam-se, em um
processo ao mesmo tempo político, institucional e conceitual, no qual e
quando se favorecem especializações – o que geralmente acontece quando o
desenrolar da construção nacional avança historicamente. É esse quadro que
abriga o diálogo triangular composto, de um lado, com colegas antropólogos
e sociólogos da mesma comunidade nacional; de outro, com as tradições
metropolitanas de conhecimento (passadas e presentes) e, de outro ainda,
com os sujeitos da pesquisa.
No Brasil dos anos 1930, a ciência social foi adotada para prover uma
abordagem científica ao projeto de uma nova nação. Acreditava-se então que
no devido tempo a ciência social iria substituir o ensaio socioliterário que
havia ocupado aqui, “mais que a filosofia ou as ciências humanas, o
fenômeno central da vida do espírito”.34 Assim, dos anos 1930 aos 1950, por
sociologia entendia-se o leque das ciências sociais que hoje concebemos
como independentes, mas gestava-se uma sociologia feita-no-Brasil – que, na
verdade, tornou-se hegemônica nas décadas seguintes. Paralelamente, estudos
etnológicos de grupos indígenas representavam o modelo canônico para a
antropologia, que logo passa a se apropriar de temas vistos como
sociológicos – só que agora sob o olhar da diferença, social e/ou cultural. De
qualquer forma, sociológicos ou antropológicos, os temas empíricos eram
encontrados dentro das fronteiras nacionais; se a dimensão política da ciência
social estava presente, igualmente era inquestionável o desafio de
refinamento teórico (ver Fernandes, 1958).
Nesse contexto, consideramo-nos interlocutores legítimos de autores
reconhecidos da tradição ocidental, em um processo no qual o isolamento do
português tem afinidade com o papel reservado ao cientista social no país,
direcionado às questões políticas nacionais. Estamos sempre, mais ou menos
confortavelmente, em casa. Assim se justificam, de um lado, os limites
estratégicos que, como vimos, informam a escolha da alteridade; de outro, o
fato paradoxal de que, quando procuramos diferenças, muitas vezes
acabamos por encontrar uma suposta singularidade (que é “brasileira”). É
preciso reconhecer, no entanto, um aspecto sociológico positivo: esse
processo complexo de lealdades intelectuais e políticas, o labirinto de
caminhos dentro do universo possível, assim como o quadro variado de
interlocutores (presentes e ausentes) ao longo do tempo, contribuíram para a
consolidação de uma comunidade acadêmica efetiva. Com essa nota positiva,
encerro procurando resumir alguns pontos.

• Em termos de exotismo. A diferença, quer social ou cultural, mais que o


exotismo, chama a atenção dos antropólogos quando estes procuram a
alteridade no Brasil. Esta característica talvez explique por que, em crise em
lugares onde o exotismo marcou a antropologia, aqui os praticantes da
disciplina partilham um horizonte otimista.

• Em termos políticos. Presente sempre que uma ciência social se desenvolve,


a dimensão política é direcionada para um tipo específico de ideário de
construção nacional no Brasil, no qual diferenças devem ser respeitadas e
uma singularidade nacional esclarecida.
• Em termos teóricos. Parte do Ocidente, mas não falando uma língua
internacional, a dimensão teórica aqui assume um papel crítico como o
caminho nobre para a modernidade. A dimensão política da teoria é um
aspecto familiar e, nesse contexto, com freqüência, objetos de estudo
decorrem de escolhas que são, na verdade, teórico-políticas. Assim, abre-se
espaço para opções variadas. Primeiro, para o puro mimetismo: trata-se, aqui,
de um arremedo de participação em um mundo homogêneo que não existe e,
não raro, da absorção de modelos estrangeiros imediatos como o caminho
mais curto para o mundo moderno. Segundo, é possível vislumbrar uma
variação da opção anterior: trata-se de uma prática em que os dados são
nossos e a teoria é importada. (Quem não assistiu à apresentação de trabalho
cujo padrão segue a seqüência ritual na qual o tema se ilumina de forma
espontânea pela simples evocação do autor em voga, que ratifica a
interpretação?) Em outras palavras, abre-se mão da interlocução de dados e
teoria e faz-se dos primeiros mera ilustração da segunda. Há uma terceira
opção, mais rentável: ela surge quando procuramos redirecionar e ampliar
questões anteriores, criando, assim, novos dados, novas realidades e
propondo novos problemas. Nesse caso, a ciência social (e a antropologia
como parte dela) passa a se definir como eterna construção e superação de si
mesma, o novo se construindo sobre os ombros de antecessores.
Mas tal projeto não é simples. Ele depende tanto do domínio seguro das
teorias clássicas e contemporâneas quanto de uma etnografia acurada e
impecável. Se for correto pensar que uma “cultura mundial dos tempos”
precisa de constantes empréstimos, tanto na direção das metrópoles para as
periferias quanto no sentido oposto, a promessa aqui implícita é a de um
diálogo teórico e empírico que ultrapasse as barreiras nacionais – trata-se de
desenvolver “universalismos plurais” que situem, também, os universalismos
metropolitanos e, ao mesmo tempo, reflitam a contingência de vivermos no
Brasil.
PARTE II
Diálogos breves
4. A teoria vivida:
Reflexões sobre a orientação em
antropologia1

A orientação de um aluno é um processo que faz parte integrante da


vida acadêmica, vale dizer, todos nós fomos orientados um dia, quase todos
orientamos hoje. Essa prática não é, portanto, um momento isolado; ela está
inserida em um processo maior, o da reprodução, continuidade e expansão da
disciplina. Somos elos de uma seqüência de gerações, e é por meio do que
chamamos orientação que dois pesquisadores vivem uma relação estreita de
cumplicidade teórica, freqüentemente de média, senão de longa, duração, que
tem como objetivo imediato a produção de uma monografia. Refiro-me não
apenas ao aspecto formal da elaboração de uma dissertação ou tese, seu lado
instrumental, mas a um experimento antropológico e, eventualmente, a uma
contribuição à disciplina.2 Como já notou Duarte (1995, p. 13), a relação de
intensa orientação – em seu sentido mais pleno – é sempre o primeiro elo da
formação mediata ou imediata dessas linhagens em que se estrutura a
identidade do antropólogo.
Nesta comunicação começo explicitando algumas dimensões do métier do
antropólogo, sobre as quais se baseia minha experiência de orientação.
Examino, a seguir, três aspectos: (i) os critérios de orientação – para afirmar
que não há como estabelecê-los; (ii) a característica fundante da orientação –
para propor que este é o momento sui generis em que a teoria é vivida por
duas gerações; e (iii) o papel da orientação nas carreiras intelectuais – para
sugerir que, para o bem ou para o mal, uma relação que um dia foi de
orientação nunca tem fim.

Contexto da orientação
Sintetizo alguns pontos que, válidos para as ciências sociais em geral,
fundamentam minha visão da orientação em antropologia:
1) na antropologia não há teoria separada da história da disciplina (embora
teoria não seja história; mais, adiante) – combinadas, elas formam uma
história teórica, interna à prática da antropologia, que informa e guia seu
refinamento e expansão a partir de pesquisas de campo nossas e de nossos
predecessores;
2) ao contestar verdades do senso comum de uma época, por meio da
surpresa intrínseca à prática etnográfica e aos acasos da experiência de
campo, o etnógrafo/antropólogo confronta também a própria teoria
acumulada e a enriquece, corrige ou contesta – esse é um traço
fundamental na idéia weberiana de uma “eterna juventude” das ciências
sociais;
3) nesse contexto, o estudante em formação entra em contato com verdadeiras
árvores genealógicas de autores consagrados (e também rejeitados) nos
cursos básicos, a partir das quais construirá a sua própria;3
4) na antropologia, então, linhagens teórico-disciplinares são mais relevantes
que supostas “escolas” – que, na verdade, são rótulos dados a posteriori,
geralmente criados ou atribuídos com uma forte dose de afirmação e/ou
rejeição política;
5) disso decorre que é necessário distinguir, na disciplina, pelo menos dois
tipos de reconstrução do passado: a história teórica (que lê os clássicos de
uma perspectiva interna, de dentro das obras clássicas, e nelas reconhece e
constrói alguns vínculos temáticos e analíticos) e a história da
antropologia (que focaliza o contexto daqueles que pensaram questões
antropológicas);4
6) a história teórica, que nos é importante aqui, resulta não de uma mera
seqüência de obras e autores, mas, principalmente, examina os problemas
e as questões que formam um repertório aberto que, continuamente
renovado em novas perguntas ou formulações, produz um movimento
espiralado e não-linear; nesse contexto, as monografias etnográficas são o
capital mais significativo da disciplina, indicando ao pesquisador iniciante
que a relação entre teoria e pesquisa de campo é hoje enfrentada, o foi no
passado e continuará sendo por outros depois dele. Em outras palavras, o
que consideramos nosso cânone não é por essa razão estático, já que se
fundamenta no arejamento que pesquisas novas produzem em diálogo com
idéias e autores que nos precederam.
Aqui entra a figura do orientador, que, apoiando-se nessa bagagem sólida
(ou frágil), no processo de orientação sustenta o diálogo com o passado e o
presente da antropologia.

Critérios da orientação
O orientador é, portanto, o intermediário da teoria acumulada com o
pesquisador iniciante. Ele é o facilitador de novas monografias.5 Mas não há
receituário ou manual que nos ensine como melhor orientar. Nesse sentido, a
orientação faz par com a pesquisa de campo, a qual Evans-Pritchard nos
alertou não ser possível ensinar. Sabemos que na pesquisa entram em ação a
personalidade e a biografia do investigador, os diálogos teóricos em vigência
no momento, o contexto social mais amplo e, não menos, as situações
imprevisíveis que farão ressoar, nessa experiência, as teorias aprendidas de
outros povos e outros tempos.
Esses mesmos processos e paradoxos existem na orientação – nada pode
ser antecipado em face do impacto de dados novos e das ambigüidades e
inconsistências inevitáveis que eles trazem. Baseado na sua experiência de
iniciado, espera-se que o orientador proporcione segurança e tranqüilidade
diante da incerteza natural de quem tem muito mais dados do que é possível
assimilar e compreender. Espera-se, também, que ele guie o iniciante de
forma que este possa se libertar (mas só parcialmente) da empiria primeira
dos dados e formular questões relevantes para o seu trabalho. A formulação
dessas questões e a hierarquia delas são, talvez, o ponto nodal da produção
de uma boa monografia – mas não há fórmula que nos ensine como lá chegar.

O momento sui generis


A orientação é uma relação não igualitária, em que se dá o encontro entre o
jovem – que traz o inesperado, o imponderável, o caos inevitável da
experiência de campo – e o professor – cujo papel essencial é ser o guardião
do noviço e da teoria antropológica, e que, portanto, irá dirigir o diálogo
dados + teoria. Nessa relação, o orientador é um “elder da tribo”, um
garantidor da continuidade da disciplina.
Vale elaborar: é porque o orientador detém a responsabilidade sociológica
da expansão de linhagens intelectuais das quais faz parte que lhe é possível
dar ao orientando tranqüilidade e segurança – e não necessariamente por suas
características pessoais. Assim, as desejáveis qualidades do orientador estão
em segundo plano em face de uma visão holista do seu papel na reprodução
da disciplina.6 Já o orientando representa os dados novos, as novas “agências”
a serem incluídas no vocabulário da antropologia. Nessa relação forte e
sensível, cabe ao orientador a responsabilidade da delicadeza, tanto quanto da
firmeza. As duas são inseparáveis, mas vou distingui-las para facilitar a
exposição.
Firmeza: tranqüilidade e disponibilidade não significam condescendência.
Nada pior para um iniciante do que uma visão igualitária que não existe. O
orientador é responsável por conseguir que o aluno alcance o máximo da sua
competência e capacidade analíticas. Delicadeza: cabe ao orientador tornar
conscientes as questões que, na verdade, o orientando geralmente já formulou
na sua própria prática de campo, mas que nem sempre estão explícitas em
uma hierarquia teórica quando enfrenta a tarefa de produzir uma monografia.
Cabe ao orientador, então, perguntar, questionar, levantar possibilidades e
alternativas, e assistir às dúvidas – no sentido de acompanhar e ajudar a
solucioná-las. A produção de certezas fáceis é um dos grandes desfavores que
um orientador pode fazer a seu orientando. Como o tempo da orientação e da
produção de uma monografia muitas vezes não é exatamente o mesmo que
instituições e agências financiadoras exigem – uma limitação que sempre
está/esteve presente como pressão externa –, é importante, ainda, que o
orientador saiba dosar essa tensão entre expectativas e desejos e condições
objetivas concretas.
É verdade que a relação dados + teoria na orientação das monografias vai
variar caso a caso. Se os dados não foram obtidos a partir de uma formação
teórica sólida, o orientador precisará indicar o caminho para costurar, ou
melhor, cerzir, teoria e dados. Para o orientando que tem um domínio teórico
não apenas firme, mas introjetado, dados + teoria não se separam. Diferente
de outras ciências sociais, as monografias antropológicas, desde Os
argonautas de Malinowski, têm por ideal a fusão interna entre dados e teoria.
Para continuar a analogia tecelã, trata-se de ver dados e teoria trançados.7
(Comparando suas teses às produzidas em outras ciências sociais no Brasil,
ao findar o processo de elaboração de suas monografias, alunos de
antropologia muitas vezes manifestam inquietações sobre a necessidade de
inclusão de um capítulo teórico à parte. O alívio ao descobrir que essa não é
uma cláusula obrigatória geralmente acompanha um novo patamar de
compreensão sobre a natureza da construção monográfica.) O orientador
segue esse processo e ajuda o aluno, que tem como base o capital acumulado
ao longo de sua formação: cursos de teoria e cursos analíticos facilitam o
diálogo intelectual, tornando a inevitável hierarquia entre os dois personagens
produtiva, estimulante e prazerosa.8
Nesse contexto, ao orientador cabe manter uma distância respeitosa, mas
comprometida, com o orientando e seu ritmo e estilo de trabalho. Não se trata
de co-autoria: a tese será apenas de um autor – e o iniciante tem direito
inalienável a dúvidas e a descobertas que são suas. Ambas não lhe podem ser
negadas, sob o risco de o aluno tornar-se um clone do orientador. No mesmo
sentido, o orientador deve respeitar as bricolagens teóricas – que nem sempre
correspondem às suas – que o orientando certamente realizará e que serão o
fundamento da sua maturidade como investigador e da sua independência
intelectual.9 Disso resulta um dado importante: nem sempre o orientador
formal é o elo mais expressivo de uma seqüência de predecessores – mas,
mesmo assim, ele continua sendo o principal interlocutor do aluno.10 Tudo
isso implica num processo que amadurece aos poucos. Aqui talvez seja
apropriada a máxima latina “apressa-te lentamente” (festina lente),11 que
retrata o ritmo de uma orientação bem-sucedida.
Mas esse momento é também propício para o aluno perceber (se não o fez
antes) que os ensinamentos rotulados não têm vez na transformação da sua
experiência em uma monografia: “escolas” ou “paradigmas” (quer
funcionalista, estruturalista ou pós-moderna) ou “tradições” (britânica,
francesa, culturalista etc.) implodem ante a complexidade dos dados e da
experiência.12 Insisto: o ensino pré-fabricado de supostas escolas ou tradições
revelam o lado perverso das classificações – elas transformam-se em simples
compartimentos nos quais os autores são encaixados, quando não seqüências
cronológicas e lineares empobrecidas e sem criatividade. A verdadeira
linhagem intelectual na antropologia é um produto individual, artesanal
portanto, mas com implicações coletivas – ela não pode ser “ensinada”; ela é
o produto da leitura dos clássicos, da experiência etnográfica e da influência
de vários mestres. No Brasil, dada nossa inserção no mundo intelectual mais
amplo – mesmo que, em geral, de mão única –, uma bricolagem de autores
variados é saudável para a formação de novas gerações, revelando os
circuitos sempre abertos da troca de idéias.13
Dito isso, quero reforçar que vejo no contexto da orientação a
possibilidade plena de duas gerações viverem a teoria via os dados novos que
o aluno traz do campo. O diálogo entre orientador e orientando brota das
evidências empíricas advindas da pesquisa – a que o orientador não teve
acesso na sua experiência primeira e imediata (nos termos de Peirce, trata-se
do caráter indéxico dos fenômenos). Isto é, a posição teórica privilegiada do
professor deve ceder espaço, em termos hierárquicos, para a primazia dos
dados coletados pelo aluno para que novas dimensões possam ser atingidas
por ambos, em diálogo. A renovação da antropologia é o presente que
orientador e orientando se dão ao fim do processo.

Uma relação para sempre


Para o bem ou para o mal, a experiência da orientação marca especialmente
os antropólogos. Cessada a relação hierárquica explícita (tanto no senso
comum de desigualdade quanto no de englobamento de valores), o vínculo
reconstrói-se em bases diferentes, mas não desaparece.
Na minha experiência, orientandos e/ou orientadores que vive(ra)m a
relação em termos ocidentais individualistas, de rivalidade entre pais e filhos
(que, em certa medida, está presente na orientação), têm mais dificuldades em
consolidar uma relação positiva – cessada a dependência imediata, o vínculo
com freqüência passa a ser vivenciado em disputas falsas por independência
ou ineditismo entre supostos iguais. Já orientadores e orientandos que
incorporam a idéia mais holista de uma linhagem intelectual têm mais
facilidade em ajustar-se aos novos papéis relativos e, muitas vezes, até
mesmo inverter a hierarquia inicial – porque são de fato iguais. Acredito que
uma consciência de linhagem tende a tornar aceitáveis e normais eventuais
desacordos, privilegiando, assim, uma visão da produção intelectual mais
global, histórica e, por que não, antropológica. A segurança do novo
intelectual independente não elimina, mas, paradoxalmente, confirma o papel
e a importância das linhagens intelectuais.

Post-scriptum
Assim que terminei de redigir esta comunicação, folheando textos sobre
parentesco, por acaso encontrei este parágrafo com que Jack Goody encerra a
Radcliffe-Brown Lecture que proferiu em 1984.14 O título da conferência é
“Under the lineage’s shadow”:

Quando escolhi o título desta conferência, antes mesmo de escrevê-la, eu o


fiz com uma ambigüidade intencional. A linhagem a que me referia não
designava apenas certas formas de grupos de parentesco, mas também os
renomados predecessores sob cujas amplas sombras intelectuais
trabalhamos. Para alguns, suas realizações e suas formulações parecem ser
causas para angústia, rejeição ou abandono. Argumentei que tais reações
estão deslocadas. Podemos aceitar criticamente e também com apreço o
trabalho de Radcliffe-Brown e outros de sua orientação. Mas precisamos
ampliar sua escala, seguindo não exatamente seus pronunciamentos
teóricos abstratos e paradigmas restritos, mas suas hipóteses de médio
alcance. A história e a psicologia podem, então, tornarem-se [disciplinas]
com quem casamos, mais do que inimigas que evitamos; a família e o
grupo de parentesco podem entrar totalmente na análise do domínio
doméstico e seu modo de vida […]. A linhagem ancestral será, então, algo
do qual podemos nos beneficiar, sobre o qual podemos construir, e não
matéria de disputa.
5. Pecados e virtudes da
antropologia:
uma reação ao problema do nacionalismo
metodológico1

Nos últimos anos, a antropologia vem sendo acusada de muitos


pecados que foram cometidos no decorrer do seu desenvolvimento. De fato,
para muitos especialistas a disciplina não existe mais – pelo menos nos
Estados Unidos, a antropologia está condenada à extinção. Personificando a
pior das disciplinas “politicamente incorretas”, durante as duas últimas
décadas, a antropologia vem sendo substituída por alternativas, tais como
cultural studies, programas de STS (Science, Technology and Society),
situated knowledges etc., todas no contexto de uma pós-antropologia. Em
outros lugares, contudo – Brasil e Índia, por exemplo – a antropologia
floresce. Sediada no centro, parece que ela vai bem na periferia, provendo
uma abordagem positiva, crítica e construtiva. Como esta situação se
relaciona com o tema do “nacionalismo metodológico” e o que a antropologia
tem a dizer sobre isso são as questões que pretendo examinar.

Pecados
A idéia contemporânea de incorreção da antropologia está associada a
pecados cometidos no passado. Entre estes, gostaria de mencionar quatro.
1) O primeiro pecado tem a ver com relações de poder: por um longo
período, a antropologia definiu-se pelo exotismo do seu objeto de estudo e
pela distância, concebida como cultural e geográfica, que separava o
pesquisador do grupo pesquisado. Essa situação era parte integrante de um
contexto de dominação colonial, a antropologia “sendo o resultado de um
processo histórico que tornou uma grande parte da humanidade
subserviente a outra”. Essa citação de Lévi-Strauss mostra que, desde os
anos 1960, não havia ilusão nenhuma de que a relação entre a antropologia
e seu objeto de estudo havia sido sempre de desigualdade e dominação.
Mas, na época, essa consciência não impediu que os antropólogos
continuassem suas pesquisas, como é o caso atualmente.
2) O segundo pecado corresponde ao pesquisador no campo. Sendo poucos
em número, até a metade do século XX, antropólogos tornaram-se “donos”
dos lugares e regiões que estudavam, delimitando áreas de pesquisa que
equivaliam exatamente ao exotismo que hoje produz culpa. É nesse
contexto que “americanistas”, “africanistas”, especialistas nas ilhas do
Pacífico ou Melanésia apareceram no cenário. A combinação dessas áreas
geográficas com tópicos como parentesco, religião, direito, economia
tornou quase impossível que especialistas se reproduzissem em um mesmo
arranjo de área + tópico. Como conseqüência, cada antropólogo se tornou
uma instituição em si mesmo, muitas vezes inibindo pesquisas de campo
em suas áreas de estudo. (Foram necessárias várias décadas para que um
antropólogo ousasse pesquisar os Nuer, depois de Evans-Pritchard, ou os
trobriandeses, depois de Malinowski.)
3) “Antropologia de resgate” foi outro pecado. Agindo como arqueólogos,
juntando debris vivos, considerava-se uma das tarefas da antropologia
resgatar e guardar, para o esclarecimento e educação de gerações futuras,
as últimas culturas primitivas e seus artefatos, salvando-os da extinção
inevitável. Dessa perspectiva, o antropólogo (ocidental) deslocava-se para
áreas do mundo que estavam sendo conquistadas por hábitos ocidentais em
uma missão de salvar e trazer de volta as provas de uma forma de vida
social diferente (e, muitas vezes, de uma forma anterior de vida social).
Havia uma urgência especial relacionada a essa tarefa, já que culturas e
sociedades inteiras estavam desaparecendo a olhos vistos.
4) Finalmente, temos o problema do financiamento. Aqui, o pecado refere-se
à falta de princípios éticos ao aceitar dinheiro carimbado. Um bom
exemplo foi o apoio do Rockefeller Memorial, durante os anos 1930, para
prover uma grande parte dos fundos para pesquisa e bolsas da London
School of Economics. Mais tarde, esse apoio foi formalizado como um
programa no Instituto Internacional Africano, permitindo que vários
africanistas (europeus e africanos) se tornassem antropólogos
profissionais. Treinar especialistas que mais tarde dominariam a
antropologia africana tinha um preço: o esclarecimento de administradores
e de pessoal trabalhando para regimes imperiais (cf. Tambiah, 2002).
(Apesar de esse uso pragmático ter sido contestado como um objetivo não
realizado, a experiência permanece.)

Valores
Fiquemos por aqui com os pecados que, hoje, levam alguns praticantes a
definir uma crise na disciplina. “Crise”, porém, é uma idéia forte no mundo
ocidental moderno e, para um antropólogo, constitui um predicamento já
esperado em períodos liminares (tal como a transição de um século para
outro). Proponho, agora, mudar o olhar da situação contemporânea e voltar
ao momento sociogenético que produziu a antropologia – esse momento
geralmente aponta tanto para contradições quanto realizações duradouras de
um fenômeno social. A primeira metade do século XX representou tal
momento para a disciplina2. Examinemos algumas de suas idéias centrais
como valores da disciplina.
1) Um aspecto importante do empreendimento antropológico no começo do
século XX foi reconhecer não só a diversidade das culturas, sociedades e
povos, como também a unidade psíquica da humanidade. Entre esses dois
projetos polares, antropólogos fizeram pesquisas de campo em partes
remotas, geralmente desconhecidas na época, nas quais precisavam
aprender as línguas nativas, além de se tornarem competentes nelas – a
pesquisa de campo era um encontro que deveria durar pelo menos dois
anos. Inicialmente concebida como uma pesquisa sobre como os
primitivos viviam, as experiências de campo sucessivas terminaram por
permitir que esses povos, na verdade, mostrassem aos antropólogos, os
educassem e esclarecessem sobre suas categorias ou domínios da vida
social, diferentes, mas equivalentes às dos pesquisadores. Além disso, o
contato com a “diferença” e a “alteridade” fez com que os ocidentais
compreendessem melhor, por comparação, suas próprias categorias ou
domínios socioculturais. A comparação, portanto, esteve sempre no âmago
do empreendimento antropológico, quer implícita (Malinowski vai à
Melanésia e, inevitavelmente, compara os trobriandeses aos britânicos) ou
explicitamente (Radcliffe-Brown compara diversos sistemas de parentesco
na África; Mauss junta o kula dos trobriandeses e o potlatch dos Kwakiutl,
adiciona elementos chineses, romanos e medievais para chegar a uma
teoria da troca). Em suma, o confronto entre categorias ocidentais e um
fenômeno diferente, mas (funcional ou ideológico) equivalente, teve um
resultado único: mostrar que o Ocidente era apenas “mais um caso” na
totalidade da experiência humana. Essa foi a época em que um certo
relativismo prevaleceu.
2) Um subproduto desse projeto foi que áreas de conhecimento (ocidentais)
que, nessa época, estavam em processo de consolidação (economia,
sociologia, direito, psicologia) foram transformadas – sob o guarda-chuva
dessa disciplina relativamente eclética, abrangente e ambiciosa – em um
leque de subcampos, como antropologia simbólica, antropologia
econômica, antropologia psicológica, antropologia social, antropologia
cultural. (Apesar de o relativismo e os subcampos terem sido submetidos a
forte crítica nas últimas décadas, sua simples existência em um
determinado momento é, inevitavelmente, parte da nossa compreensão
atual do mundo.)3
3) Outra questão se relaciona ao Estado-nação. Enquanto os Estados-nações
também eram transformados em um modelo exemplar da “cultura mundial
dos tempos”, antropólogos estudavam “povos”, “culturas”, “sociedades”,
“tribos” situados em Estados-nações, mas não Estados-nações
propriamente. Há uma grande diferença entre estudar um grupo que
acontece viver em determinado Estado nacional e o “país” em si.
Originários de Estados nacionais – e a antropologia sendo um subproduto
deles –, os antropólogos estavam interessados em diferentes unidades e
meios: os trobriandeses, tallensi, tiv, zande, maku, bororo, xavante etc.4
4) Geralmente, essas unidades eram menores do que Estados-nações. Mas
nem sempre. (E, assim, voltamos a focalizar um dos pecados da
antropologia.) Justamente porque antropólogos, freqüentemente, (a)
atravessam fronteiras nacionais (porque “seu” grupo assim o fazia) e/ou
(b) porque os resultados de outros pesquisadores coincidiam ou
combinavam com o seu próprio, a idéia de “áreas culturais” pegou na
antropologia. Para o bem ou para o mal, a cosmologia dos antropólogos
supunha um mundo constituído de “áreas” – e não de países ou Estados-
nações. Assim, por exemplo, grupos eram reunidos em áreas ecológicas,
como “índios das terras baixas da América do Sul”, ou “índios da região
amazônica” – e não “índios brasileiros”, ou “índios colombianos”.

Virtudes
Chegamos, assim, ao tópico do nacionalismo metodológico e detectamos –
virando os pecados pelo avesso – algumas virtudes em relação aos problemas
enumerados para as ciências sociais contemporâneas:
1) Cito: “Por nacionalismo metodológico, consideramos a maneira pela qual
conceitos e medidas nas ciências sociais são constrangidos pelo Estado-
nação e por tradições acadêmicas nacionais.”
Gostaria de lembrar, mais uma vez, que antropólogos estudavam
“grupos”, “sociedades”, “tribos” – e não economias nacionais, dados
estatísticos nacionais; “áreas culturais” – e não economia internacional, ou
interações de economias nacionais; e aspectos da “condição humana”, isto
é, padrões de sistemas de parentesco, princípios da magia, atributos do
comportamento ritual, procurando, ao mesmo tempo, as diferenças
(culturais e sociais) e as dimensões universais.
2) “Em um sentido mais profundo, o nacionalismo metodológico refere-se à
maneira pela qual as ciências sociais ficaram presas às relações de poder e
tradições confinadas em fronteiras nacionais e, em última instância,
requerem diferentes abordagens metodológicas e instrumentais.”
A antropologia escapou desses limites, não por conta de uma decisão
nobre ou refletida, mas como resultado de seus objetivos explícitos, da sua
incorreção de procurar grupos exóticos, assim como de valores positivos
implícitos. Na verdade, exatamente porque os antropólogos estudavam “o
resto do mundo”, no mais das vezes o objeto de estudo se impunha sobre
as “tradições”. E, é preciso lembrar, mesmo “no mundo” (ou “no centro”),
empréstimos (“nacionais”) fizeram parte integrante do desenvolvimento da
antropologia – Radcliffe-Brown (na Inglaterra) inspirou-se em Durkheim
(na França), Evans-Pritchard (na Inglaterra) em Mauss (na França),
Dumont (na França) em Evans-Pritchard (na Inglaterra), Leach (na
Inglaterra) em Lévi-Strauss (na França), Lévi-Strauss (na França) em Boas
(nos Estados Unidos). Quando transplantadas do centro para a periferia, as
tradições “centrais” imediatamente tornam-se híbridas, transformando a
idéia de tradições puras em um caso difícil de defender.
3) “Não se trata apenas de como as ciências sociais elaboram conceitos e
medidas; trata-se, inclusive, de verificar os limites entre elas. […] O
estudo do fenômeno conhecido como globalização tem desafiado limites
convencionais e diferentes tradições.”
Se existe uma “autonomia relativa” entre os contextos sociais e a teoria
social que ali se produz, resultado semelhante pode ser alcançado por meio
de diferentes “escolas” de pensamento.5 Mas esse não é o problema aqui.
A questão é que a antropologia nunca respeitou os limites entre as
disciplinas – na verdade, o seu desenvolvimento se deve, em grande parte,
a empréstimos, feitos sem muita cerimônia, às disciplinas convencionais.
Antropólogos pediram emprestado, em uma espécie de ordem cronológica
desde o último século, da biologia, da lingüística, da psicanálise, da teoria
da informação, da economia e, mais recentemente, da filosofia, a tal ponto
que seu desenvolvimento pode ser relatado pelas disciplinas que
incorporou – e que modificou, de acordo com o material empírico em
questão.
4) “O objetivo aqui é discutir os desafios colocados pelo nacionalismo
metodológico para a investigação de problemas contemporâneos.”
Escolho um exemplo para indicar como orientações “canônicas” podem
nos ajudar a focalizar problemas contemporâneos. Refiro-me ao livro de
Stanley Tambiah sobre conflitos etnonacionalistas e violência coletiva no
sul da Ásia.6 Com o objetivo de examinar esse problema candente,
Tambiah lança mão de uma abordagem performativa do ritual (que ele
desenvolveu previamente ao reanalisar trabalhos etnográficos clássicos) e
escolhe como objeto empírico riots. Riots, no sul asiático, seguem um
padrão estabelecido: apesar de sua aparência espontânea, caótica e
orgiástica, eles revelam traços organizados, antecipados e programados,
assim como fases recorrentes. É possível distinguir um padrão de eventos
provocadores, a seqüência da violência, a duração, os participantes, os
lugares em que têm início e como se propagam, e a maneira como
terminam. (Rumores recebem especial atenção devido ao papel que
desempenham na construção, produção e propagação de atos de violência.)
Esses aspectos sintáticos dos riots não eliminam os significados
pragmáticos dos eventos, que se baseiam em um repertório de elementos
recolhidos das formas rotineiras de sociabilidade – tais como os
calendários rituais de festividades, sanções sociais populares, ritos de
purificação e exorcismo – que são imitados, invertidos e parodiados, de
acordo com suas possibilidades dramáticas.7 O foco na rotinização e
ritualização da violência e em seu caráter coletivo permite que se
clarifique por que brutalidades não deixam marcas psicológicas no
agressor, mas também ressalta o fato de que democracia participativa,
eleições, militância de massa e violência étnica no sul asiático não são
conflituosas quando em ação. Na Índia, Paquistão, Sri Lanka e
Bangladesh, a tentativa de construir um Estado-nação baseado no modelo
europeu ocidental claramente falhou; nessa região, as marcas da
experiência do Estado-nação são pálidas quando contrastadas com a escala
e a intensidade dos festivais religiosos e étnicos. Comparando o caso sul
asiático com a experiência européia, Tambiah conclui que o repertório
cultural dessa região não possui os fundamentos para a vida cívica do
Estado-nação. Teóricos da política do sul asiático devem, portanto, abrir
espaço para incluir política militante eleitoral e violência coletiva como
componentes integrais de suas teorias de democracia em ação.
Em relação às questões aqui abordadas, podemos dizer que:
1) ao escolher riots como os eventos centrais para investigar a violência
coletiva no sul asiático, Leveling Crowds evita o “nacionalismo
metodológico” – se “nacionalismo” (ou “nacionalidade”) é um tema a ser
considerado, essa é uma questão empírica que precisa ser enfrentada no
encontro entre ideais e valores nativos, comparação antropológica e os
valores do próprio antropólogo;
2) o sul asiático é uma área sociocultural, isto é, o livro inclui narrativas de
eventos ocorridos na Índia, Sri Lanka, Paquistão e Bangladesh durante os
últimos dois séculos, focalizando os atores envolvidos, sejam eles budistas,
hindus, católicos, muçulmanos, tamils, siques, mahajirs e outros;
3) a comparação está sempre presente, tanto no objeto de estudo quanto na
visão do observador (no caso específico, Sri Lanka é o lugar de origem de
Tambiah);
4) aqui, a metodologia é uma questão de logística com o propósito de definir
uma agência ou evento significativo que seja reconhecido como
socialmente importante para os “nativos” e analiticamente produtivo para
o antropólogo;
5) finalmente, Tambiah não impõe um conceito de política nem pressupõe
como ela deveria ser. Na verdade, ele está indiretamente alertando os
cientistas sociais para os perigos do que aqui estamos chamando de
nacionalismo metodológico.

Brasil
Mudemos do sul da Ásia para o Brasil. Diferente da cosmologia
“civilizacional” do sul da Ásia, o Brasil é orientado em um sentido mais
“nacional”. Nacionalidade é o pão diário da vida social (embora não
necessariamente o “nacionalismo”, o lado patológico desse fenômeno
moderno). Uma mudança de valores públicos é, portanto, evidente quando se
desloca do sul da Ásia para a América do Sul.
Tendo sido ratificada localmente durante os anos 1930 e 1940,
principalmente como um movimento em direção à “modernização”, as
ciências sociais no Brasil mantiveram um diálogo aberto com agendas
políticas, reproduzindo os padrões europeus da sociologia nos séculos XIX e
XX. Nesse contexto, tópicos para investigação raramente foram
descontextualizados e aspectos “interessados” do conhecimento muitas vezes
se tornaram explícitos. Esse traço marcante, com freqüência, impediu que
observadores percebessem a importância concedida à procura incessante de
excelência teórica, fundamental nesse ambiente e parte do projeto amplo de
modernização, que dá às ciências sociais no Brasil uma forte coloração
cosmopolita. Na verdade, até os anos 1970, muitos estudantes brasileiros iam
se formar no exterior, e acadêmicos britânicos, franceses e norteamericanos
vinham ensinar aqui. Hoje, sendo quase a maioria treinada no país, essa
situação resulta em um padrão que inclui um diálogo triangular: com colegas
antropólogos e sociólogos, com as tradições metropolitanas de conhecimento
(passadas e presentes) e com os grupos pesquisados. Cientistas sociais
brasileiros produzem como se fossem parte integrante da vanguarda
internacional – idéia facilitada pelo grande número de especialistas –, mesmo
vivendo uma experiência concentrada devido ao isolamento da língua
portuguesa.
No âmbito dessa comunidade fechada, contudo, um contraste marcante
separa os antropólogos dos sociólogos e cientistas políticos: para os
antropólogos, os sociólogos e os cientistas políticos são presas de projetos,
práticas, planos e preocupações sociais imediatos – em uma palavra, presas
do nacionalismo metodológico. Sociólogos e cientistas políticos, por seu
lado, vêem os antropólogos como especialistas soft, menos engajados social e
politicamente, menos rigorosos em termos metodológicos, interessados em
diferenças bizarras e sempre contentes com sua disciplina. Crise é uma
palavra estranha para os antropólogos, mas uma expressão comum para
sociólogos e cientistas políticos. Devo acrescentar que o desconforto aumenta
para os últimos com o prestígio crescente da antropologia.
Mas mesmo antropólogos fazem parte de contextos sociais, e se o
exotismo se tornou a marca registrada (ou o estigma) da disciplina, no Brasil
reconhecemos a alteridade e a diferença – os híbridos locais do exotismo –
surgindo em vários formatos: um tipo de “alteridade radical” pode ser
encontrado no estudo de sociedades indígenas isoladas; “contato com a
alteridade”, na investigação que focaliza sociedades indígenas e os grupos
locais nacionais que os rodeiam; “alteridade próxima”, no estudo de temas
urbanos contemporâneos, e mesmo “nós como outros”, na investigação da
natureza das ciências sociais propriamente ditas. Naturalmente, os
financiamentos têm muito a ver com essas escolhas se os recursos estiverem
direcionados à “compreensão do Brasil”. Uma tendência para se pesquisar
fora do Brasil, contudo, teve início há mais ou menos duas décadas, com
pesquisadores indo para a África, sul da Ásia e o Pacífico, geralmente
seguindo os caminhos da colonização portuguesa, ou os passos de imigrantes
brasileiros para os Estados Unidos, por exemplo. (Ver Peirano, 1998.) Em
todas essas situações, a ênfase nas categorias nativas forçou os antropólogos
a discernirem entre ideologias nacionais como projeto, como um “problema”
cívico para o cidadão comum ou como um modelo “mundial” – nesse
sentido, criando condições para evitar o nacionalismo metodológico.

• A view from outside. Se se deixa a América do Sul, no entanto, uma versão


camuflada do problema metodológico que nos preocupa é imediatamente
detectada pela forma e insistência com que o “centro” olha para o Brasil
como parte de uma América Latina homogênea, a percepção subjacente
sendo – entre outras igualmente problemáticas – que, se você conhece parte
dela, você a conhece toda, esquecendo, naturalmente, as diferenças nacionais,
de língua, e o tipo de relação ideológica e/ou empírica com os “centros”
ocidentais. Talvez o rótulo de “regionalismo metodológico” se aplique a essa
situação. Esse é um pequeno exemplo que indica como o problema geral que
examinamos aqui é, talvez, mais complexo, profundo e difícil do que
podemos pensar à primeira vista, demandando respostas criativas e uma
postura política forte e conseqüente.
6. “In this context”:
as várias histórias da antropologia1

Este capítulo é dividido em três partes: na primeira, procuro recuperar o


que significava um trabalho de “antropologia da antropologia” no final dos
1970; na segunda, desenvolvo uma reflexão sobre pelo menos dois tipos de
histórias na antropologia; na terceira, faço um alerta sobre os perigos da
indistinção entre história e teoria por meio de um exemplo da literatura
antropológica. Originalmente uma comunicação apresentada em um
seminário sobre Antropologia da Antropologia, este capítulo revela que o
tema me sensibilizou por várias razões, talvez a mais evidente a coincidência
de nomes – o título do evento é o mesmo da minha tese de doutorado,
defendida há mais de duas décadas. Tornou-se, assim, inevitável mencionar
uma parte importante da minha formação e o contexto no qual ela se deu.

No final dos 1970


A antropologia da antropologia: o caso brasileiro foi uma tese que
apresentei nos Estados Unidos em 1980, resultado de uma preocupação
basicamente durkheimiana – inquirir a ciência da mesma forma como se
havia pesquisado a religião (Peirano, 1981). Indagar como esse “sistema de
crenças” era vivido e reproduzido era parte do projeto. Ao perceber que
cientistas sociais partilhavam alguns valores centrais e objetivos de relativa
similitude, uma série de perguntas surgiu: que valores eram esses? Quem
eram essas pessoas que se tornam antropólogos? Qual a eficácia do seu
conhecimento? Como se reproduziam socialmente? E, principalmente, como
eram reconhecidos? Como em Mauss, toda magia depende da aprovação
social que a legitima.
O projeto era, assim, bastante ortodoxo ao se inspirar em autores clássicos.
Seguindo as pistas do reconhecimento social, definiam-se também o período
a ser pesquisado e os atores envolvidos. Foi no pós-1930 que as ciências
sociais – sob o rótulo amplo de sociologia – foram vistas como relevantes
para o desenvolvimento do país e institucionalizadas como saber acadêmico.
Isso aconteceu em São Paulo, especialmente na USP, mas também na Escola
Livre de Sociologia e Política. Alcançada a legitimidade, ao longo das
décadas seguintes um processo gradual de desmembramento, bricolagem e
individualização acabou por distinguir a sociologia da antropologia, da
ciência política, da história.
Se a orientação era maussiana, a organização ensaística da tese seguia o
roteiro de Bastide, que propunha o ataque a um fenômeno de vários ângulos.
Nesse sentido, um dos capítulos focaliza a carreira de Florestan Fernandes –
dos Tupinambá à pesquisa sobre o negro, depois à revolução burguesa – e, ao
revelar tensões e dilemas de um cientista social que forjou intelectual e
institucionalmente a sociologia, indica padrões que perduram até o presente.
Outro capítulo discute a antropologia pós-1960 que, pela combinação entre
objeto (grupos indígenas) e teoria (a sociologia dialética de Florestan),
possibilita a Roberto Cardoso de Oliveira cunhar a noção de fricção
interétnica que fundamenta o projeto de uma “sociologia do Brasil indígena”.
A partir de então, a absorção do tema do campesinato – a população regional
que entra no contato – foi apenas um desdobramento. Finalmente, um último
capítulo revela como a antropologia nem sempre é feita por antropólogos.
Tendo como objeto de investigação a formação da literatura brasileira,
Antonio Candido desvenda o processo pelo qual ela se torna um projeto
nacional. Em contraste, décadas depois, Roberto DaMatta escolhe
manifestações populares – o carnaval e outros rituais cotidianos – para
examinar “o que faz o Brasil, Brasil”. Ambos os autores, um sociólogo, outro
antropólogo, estudam aspectos de uma ideologia que se pretende, ou se quer,
nacional. Um diálogo com a proposta de Norbert Elias – de que no século XX
a compreensão dos aspectos ideológicos das teorias sociológicas precisa levar
em consideração ideais nacionais – perpassa toda a tese, em confronto com a
sugestão de Louis Dumont, de que a antropologia só se desenvolve em
contextos individualistas modernos.
Mais duas palavras. Embora o Brasil fosse o caso privilegiado, o projeto
era mais ambicioso e tinha como pretensão colocar a própria disciplina à
prova. Seguindo a boa tradição, o caso francês e o germânico (e, em menor
grau na época, o indiano) proviam o viés comparativo. Sobre o título da tese,
na época, considerei-o pouco inspirado, tendo sido vencida pela falta de
imaginação do fim da redação. Naquele momento, uma “antropologia da
antropologia” era algo, no mínimo, obscuro.

• O contexto geral e as opções. No final dos anos 1970, uma certa


inquietação sobre o papel da antropologia e dos antropólogos germinava nos
Estados Unidos. Eram os primeiros indícios do sentimento de culpa colonial
que, na década seguinte, passou a assolar a academia norte-americana. Nesse
quadro geral, duas possibilidades de pesquisa afiguraram-se no meu
horizonte: uma tinha um vínculo direto com o mal-estar do centro e se
concretizava na idéia de inverter o olhar antropológico. Isto é, originária da
periferia, o caminho seria o de tornar os Estados Unidos o objeto de
investigação. Muitos colegas brasileiros seguiram essa linha, na época.
Contudo, não me sensibilizei com a idéia, considerando que esse era um
problema alheio. A outra possibilidade veio do meu orientador, que sugeriu
as organizações duais na Etiópia. Aceitar o convite significava uma inserção
imediata no debate ainda recente no campo estruturalista. A decisão foi
difícil, porque a proposta era desafiadora. Mas no final também respondi
negativamente, porque não via condições de continuar essa linhagem quando
voltasse ao Brasil.2
Foi então que George Stocking Jr. foi passar um semestre em Harvard. Era
1977. Stocking já tinha notoriedade como historiador da antropologia e suas
aulas fascinavam tanto por um passado que ele desvendava para nós quanto
por sua erudição e refinamento intelectual. Foi nas suas aulas que fiz a
pergunta fatídica que me conduziria à tese que, enfim, escrevi: se os
etnógrafos alemães que foram à América do Norte deixaram lá um Franz
Boas, por que não tínhamos um legado equivalente dos etnólogos que vieram
ao Brasil dentro do mesmo projeto? Por que nossas linhagens raramente
remontavam aos etnógrafos alemães do final do século XIX (exceto para
Baldus e Schaden, por exemplo)? Por que, afinal, o estilo etnográfico de
longa duração não “pegou” no Brasil como nos Estados Unidos? (Uma
versão contemporânea da mesma pergunta nos levaria a inquirir por que aqui
algumas vertentes não vingam e outras pegam demais, tornando-se moda
obrigatória?) E ainda: por que, em determinados momentos, críticos literários
ou sociólogos fizeram tão ou melhor antropologia do que os antropólogos?
Justamente porque planejava encontrar as respostas nas idéias e valores mais
amplos (ou, melhor, na cosmologia – no caso, política) de diferentes
contextos sociais, imaginei estar fazendo “uma antropologia da
antropologia”.
Stocking não se entusiasmou de início. Reagindo a um trial paper que lhe
entreguei, sugeriu que eu pesquisasse a história institucional da USP, por
exemplo. Minha proposta lhe parecia muito pouco ortodoxa. Um par de anos
depois, enviei o rascunho da tese para Chicago e me senti gratificada por “a
antropologia da antropologia” não o ter desagradado. Fiquei devendo o
estudo sobre a USP.

Histórias da antropologia
Até os 1960, a história da antropologia era relatada apenas pelos próprios
etnólogos, e somente no final de suas carreiras. A trajetória bem-sucedida dos
autores e o fato de serem contemporâneos dos eventos e publicações davam
credibilidade e legitimidade às narrativas. Só para mencionar alguns
exemplos: seis anos antes de falecer, Alfred Haddon (1855-1940) publicou o
livro History of Anthropology; a primeira edição de The History of
Ethnological Theory, de Robert Lowie (1883-1957), é de 1937, quando o
autor já era reconhecido; Developments in the Field of Anthropology in the
Twentieth Century, de Clyde Kluckhohn (1905-1960), data de 1955.3 Outras
indicações: André Singer editou A History of Anthropological Thought, de
Evans-Pritchard (1902-1973), depois da morte do autor;4 no meio do século
XX, foram publicados estudos e biografias de antropólogos “clássicos”: esse
é o exemplo de Goldschmidt (1959) sobre Boas.
O quadro muda com George Stocking. Em 1968, o historiador publica seu
primeiro livro, Race, Culture, and Evolution. Essays in the History of
Anthropology, que se tornou referência obrigatória já na década seguinte. A
linha de trabalho inaugurada por ele se ampliou e, hoje, vários pesquisadores
se dedicam a examinar trajetórias e períodos históricos em diversos
contextos. Além dos volumes publicados na coleção dirigida por Stocking,
“History of Anthropology” (HOA) a partir de 1983, a melhor fonte para obter
informações sobre estudos contemporâneos de história da antropologia é o
HOA Newsletter, boletim editado pelo próprio Stocking desde 1988, que lista
trabalhos em andamento, comentários e recomendações. Apesar da grande
produção que atualmente se verifica, até hoje nenhum historiador ultrapassou
Stocking em termos de uma obra tão relevante quanto contínua.5
Mas autores nunca dominam a apropriação que se faz do seu trabalho, e o
uso dos escritos de Stocking não é exceção. No Brasil, há um fenômeno
especialmente curioso: a história da antropologia desenvolvida por Stocking
freqüentemente se converte em teoria antropológica. Isto é, professores, tanto
quanto alunos, não separam historiografia de teoria. Esse é um problema que
traz conseqüências sérias para a formação de novas gerações, já que
estudantes evitam trilhar as monografias clássicas em favor dos relatos
históricos mais atraentes de Stocking.
É necessário, portanto, distinguir dois tipos de histórias da disciplina que,
embora interligadas, ao terem objetivos diferenciados, desenvolvem
estratégias específicas para recuperar um autor do passado. A primeira é a
história da disciplina, no estilo propriamente historiográfico que Stocking
consagrou entre nós (e que inclui, como um subtipo, a antropologia da
antropologia). Falaremos mais sobre isso adiante. A segunda é a história
teórica, uma história interna à prática da antropologia, que indica a orientação
e as questões centrais da disciplina, os refinamentos pelos quais passou e, não
menos, os insights que, não tendo sido devidamente apreciados na época em
que foram divulgados, inspiram a renovação de perguntas tanto empíricas
quanto teóricas.

• História da antropologia ou “In this context…”. É interessante que o


próprio Stocking nunca teve dúvidas a respeito das diferentes abordagens da
história e da teoria. Jamais se outorgando o papel de teórico da antropologia,
ele define sua orientação como a de um historiador e distingue duas
perspectivas (Stocking, 1968, Capítulo 1): uma, presentista; outra,
historicista. A primeira é normativa, pauta-se pela idéia de progresso
contínuo e focaliza a racionalidade do pensamento em um processo que leva
ao presente. A opção de Stocking é a segunda, a do compromisso de entender
o passado por si próprio (for its own sake): a ele preocupa o pensar (mais do
que o pensamento), a compreensão (e não julgamentos de valor) e a
plausibilidade (mais do que a racionalidade). Interessa-lhe, assim, a
abordagem que focaliza o contexto, o processo, a emergência, a viabilidade.
É dessa perspectiva que Stocking fala sobre a pouca sensibilidade das
ciências humanas para o fato de que os predecessores, muitas vezes, fizeram
perguntas e ofereceram respostas sobre problemas que permanecem
relevantes até hoje.6
Alguns anos depois, Stocking (1971) estabelece outra distinção: a vertente
“tradicional” da historiografia, cujo principal objetivo é classificar os
cientistas do passado na medida em que anteciparam o estado presente da
disciplina; e a da “nova historiografia das ciências”, na qual se insere. Essa se
localiza na interseção da história, com a epistemologia e as ciências, e seu
questionamento maior recai sobre a opção entre (a) concentrar a atenção nas
obras – isto é, os problemas teóricos e experimentais definidos por uma
comunidade científica – e (b) investigar a influência de fatores tecnológicos,
socioeconômicos, institucionais e políticos. Também à nova historiografia
interessa saber se existe um desenvolvimento contínuo do senso comum à
ciência, ou se a ciência deve ser vista como um aparecimento epistemológico
repentino de um período histórico específico.
Incluo uma lembrança do curso oferecido na graduação: antes de cada
aula, Stocking distribuía uma folha de papel mimeografado para cada aluno,
com uma pequena lista de cinco ou seis tópicos, uma bibliografia e vários
nomes desconhecidos, identificados pelas datas de nascimento e morte, e uma
pequena indicação biográfica. Esses eram os marcos de um mapa, o contexto;
a trama que unia esses nomes, livros e personagens Stocking oferecia na aula.
Nesse momento, evidências históricas revelavam vínculos e redes sociais,
heróis se tornavam humanos, figuras apagadas surgiam em papéis
inesperados. Essa não era a história de obras, mas a história de pessoas
pensando. A esse respeito, Stocking um dia confessou em um seminário da
pós-graduação que, quando revia seus textos para publicação, lhe chamava
especial atenção a quantidade de parágrafos que começavam com a expressão
In this context…. Essa recorrência, que ele corrigia (mas que, embora
domesticada, ainda está presente em seus escritos), corrobora um aspecto
fundamental: os eventos, as personagens e as obras precisam estar sempre
situados no contexto social e histórico da época.

• Hallowell. Mas aqui nos perguntamos: in this context não é também uma
expressão comum em textos etnográficos? Não estamos invariavelmente
observando eventos, crenças, linguagens em contexto? Vale, então, uma
indicação sobre o período em que Stocking se formou como historiador na
Universidade da Pensilvânia. Stocking teve em A. Irving Hallowell (1892-
1974), antropólogo da linhagem de Boas, o seu mentor na disciplina. Foi
Hallowell que, em 1965 – antes, portanto, da primeira edição de Race,
Culture, and Evolution –, propôs que a história da antropologia deveria ser
“um problema antropológico”, influência que Stocking (1976) reconhece
como central no seu trabalho.7
Para compreender a história da antropologia, Hallowell defende que é
mais rentável seguir o roteiro das perguntas que a antropologia se faz do que
acompanhar a disciplina definida convencionalmente. Concebida como um
problema antropológico, a história não se reduz ao interesse até então quase
exclusivo pelos questionamentos institucionalizados, mas o suplementa. Essa
perspectiva também evita a possibilidade de isolar de forma arbitrária o
desenvolvimento da antropologia de suas raízes culturais. Para Hallowell
(1974), a história da antropologia deve dirigir sua atenção para o contexto e
para as circunstâncias históricas nas quais surgiram questões hoje centrais.
Hallowell vai mais longe: questões antropológicas não são exclusivas dos
tempos modernos. Se as procuramos em sociedades não-ocidentais, vamos
encontrá-las inseridas na orientação cognitiva desses povos, na sua
cosmologia, de onde elas não teriam sido separadas, abstraídas e articuladas
como hoje entre nós. Dessa perspectiva, Hallowell abre espaço para examinar
não apenas a história cronológica, mas as condições para a emergência de
uma antropologia fora de seu campo institucional próprio. Isto é, Hallowell
permite-nos questionar quem são e como surgem antropólogos, em que
sentido não-especialistas podem fazer antropologia e como alguns
questionamentos se legitimam como antropológicos – assim nos levando de
volta à problemática de uma antropologia da antropologia.8
Hallowell representa, portanto, um elo fundamental na nossa discussão,
unindo e diferenciando vários tipos de reflexão. Por partes: primeiro está a
convergência que a proposta de Hallowell propicia entre a história da
antropologia e a antropologia da antropologia, graças à inspiração comum
que indicamos acima. Essa convergência se dá exceto por dois pontos
principais: (a) enquanto a primeira focaliza o passado “como um outro lugar”,
à segunda interessa questionar igualmente passado e presente, sempre em
busca das condições que legitimem certas questões como antropológicas; e
(b) pela exigência, na antropologia da antropologia, de uma orientação
teórica, ela própria antropológica, que fundamente a investigação – e que, no
meu caso, encontrei em Durkheim e Mauss.9 Segundo, como Hallowell tanto
refletiu sobre a história da antropologia quanto foi um pesquisador de campo,
existe, para sorte nossa, certa permeabilidade entre a historiografia de
Stocking, a antropologia da antropologia e o que chamo de história teórica.
Mas, nesta terceira abordagem, a distinção é mais clara, e a separação, mais
imperativa. Vejamos.
• História teórica. Em contraste com as abordagens da história da
antropologia e da antropologia da antropologia está a história teórica – termo
que uso para indicar a combinação sui generis de história + teoria –, que
consiste em uma visão interna à prática da antropologia. É a história teórica
que informa e guia o refinamento e a expansão da antropologia a partir de
pesquisas de campo nossas e de nossos predecessores. É por meio da história
teórica que vislumbramos as questões que marcaram o desenvolvimento de
obras consideradas fundantes da disciplina, seu corpo canônico (ou mítico,
para quem preferir). Quando procuramos formar alunos em teoria
antropológica pela leitura seqüencial dos autores e pelo exame dos
desdobramentos de questões tidas como relevantes, estamos colocando a
combinação história + teoria em ação. A história teórica trata, assim, do
exame dos problemas que se tornaram pertinentes e merecedores de
investigação, e dos diálogos que antropólogos empreenderam e que
constituem um repertório aberto e continuamente renovado de perguntas ou
formulações. O movimento final é espiralado e dinâmico, em que questões
prévias adquirem nova vida, afastando-se de uma idéia linear ou progressiva.
Como alunos de antropologia não “aprendem”, mas se “formam” em
antropologia (Duarte, 1995), parte importante da iniciação pela qual passam
resulta na criação de linhagens de autores, individuais ou coletivas, produto
de bricolagens de orientações teóricas específicas. Interna à prática da
antropologia, a história teórica informa e guia seu refinamento, a partir de
pesquisas que, ao contestarem verdades do senso comum pela surpresa
intrínseca à prática etnográfica, também confrontam a própria teoria
acumulada e a corrigem, enriquecem ou contestam. Essa “eterna juventude”
da antropologia vem sendo desenvolvida desde que Malinowski estabeleceu o
kula como uma nova agência no mundo ocidental, em contraste com as
teorias então vigentes sobre economia primitiva. Não é inesperado, portanto,
que a revisitação aos clássicos seja uma prática fundamental, da mesma
forma que as monografias etnográficas se tornam o capital mais significativo
da disciplina. Teoricamente necessárias, mas também indispensáveis por seu
papel sociológico de criar vínculos entre gerações, as monografias clássicas
fornecem-nos um quadro de referência intelectual, um legado teórico, um
mapa de questões relevantes e um repertório de problemas à procura de
solução. Aqui, a promessa teórica que suscitam é mais significativa do que o
contexto em que foram produzidas.10
• Recapitulando. Stocking é um scholar sui generis – treinado por Hallowell
no período de sua formação, há décadas atuando como professor de
antropologia em Chicago, ele mantém sua identidade como historiador por
duas razões, que vê como centrais: seu interesse mais pelo passado do que
pelo presente e o fato de nunca ter vivido o rito de passagem da pesquisa de
campo: “O arquivo do historiador não é o campo do etnógrafo”.11 Como
antropólogo, portanto, reconhece seu status de outsider, visto com certa
suspeição pelos etnólogos legítimos (que temem se transformar em nativos).
Como historiador da ciência, também se considera marginal, já que a área é
dominada em termos de prestígio pelas hard sciences. Mas se Stocking não é
um antropólogo/etnólogo, seu alerta contra o anacronismo é precioso – uma
lição lúcida, esclarecedora e equilibrada, sobretudo quando os antropólogos
passam a considerar o passado como algo descartável. Sua visão entre as
perspectivas historicista e presentista é inestimável: se o passado é um outro
lugar, ele sobrevive nas elaborações e nos diálogos teóricos contemporâneos.
Mas, como o próprio Stocking propõe, história da antropologia não é teoria, e
teoria antropológica não é história – mistura de abordagens internas e
externas que freqüentemente confundem mais do que esclarecem a formação
dos alunos.
Dou dois exemplos rápidos. O primeiro refere-se a Charles Peirce. Para
um antropólogo, suas lições sobre os signos icônicos, indéxicos e simbólicos
independem do fato de ele ter sido considerado por seus pares um intelectual
excêntrico nos Estados Unidos do século XIX e nunca ter conseguido, em
parte em vista disso, um posto acadêmico. Até que ponto as idéias sobre a
natureza dos signos nasceram do seu status de outsider continuará sendo uma
incógnita que não nos cabe resolver.12 Durkheim fornece-nos um segundo
caso. Não perturba nossa apropriação contínua de suas lições sobre a natureza
da sociedade saber que o autor podia ter uma personalidade considerada
questionável na época – um autoproclamado guardião da verdade, com
características dominadoras e tirânicas, e um adepto virtuoso do sistema de
patronagem (Lepenies, 1985).13

História da antropologia e teoria antropológica


Leituras historiográficas (externas) e leituras teóricas (internas) têm estilos e
projetos diferentes. Para finalizar, volto ao nosso perene ponto de partida:
Malinowski. Focalizo dois artigos que se propõem discutir a transformação
da pesquisa de campo em modelo legítimo da experiência antropológica.
Seus autores são George Stocking Jr. (1992) e Edmund Leach (1957).

• Stocking sobre Malinowski. O texto de Stocking é relativamente recente.


Com o objetivo de esclarecer “a magia do etnógrafo”, o artigo focaliza a
pesquisa de Malinowski no contexto do desenvolvimento do método
antropológico desde a metade do século XIX. Com a minúcia histórica e a
erudição a que já nos acostumamos, Stocking percorre o caminho que vai de
McLennan e Tylor aos missionários e cientistas naturais, depois as
expedições ao estreito de Torres, os papéis de Haddon e Spencer e as várias
versões de Notes and Queries até a mais famosa, a de 1912, com o trabalho
clássico de Rivers. Stocking antecipa o roteiro: “Comecemos pelo estado do
método antropológico antes que o herói cultural entre em cena – pois isso,
também, é parte do mito que procuramos historicizar“.14 Stocking quer
“historicizar o mito” da pesquisa de campo inaugurada por Malinowski. No
decorrer da fascinante história exposta no artigo, Stocking revela-nos como o
livro The Native Tribes of Central Australia, de Spencer & Gillian, publicado
em 1899, já adotava um estilo reconhecidamente moderno de etnografia –
antes de Malinowski, portanto. Já Frazer, o protótipo do que consideramos
um antropólogo de gabinete, avesso aos “selvagens”, muito estimulou a
pesquisa de campo entre os mais jovens. Da “etnografia de varanda” aos
surveys, à “pesquisa intensiva” de Radcliffe-Brown, ao “método concreto” de
Rivers, a idéia do trabalho de campo (field-work) já estava bem estabelecida
antes de 1914 – uma série de antropólogos havia deixado as universidades
inglesas para passar de um a dois anos no campo (Radcliffe-Brown, Diamond
Jennes, Gunnar Landtman, Rafael Karsten, Barbara Freire-Marreco, Marie
Czaplicka, John Layard). No pré-guerra, Seligman já dizia que a pesquisa de
campo era para a antropologia “o que o sangue dos mártires era para a igreja
católica”.15
Stocking vai, assim, desconstruindo o mito com evidências históricas.
Aliás, no âmbito desse grupo de pesquisadores, Malinowski teria sido o
último a de fato ir a campo. E, no entanto, é dele o crédito pela instituição
obrigatória da pesquisa etnográfica. Como isso foi possível é o que Stocking
focaliza na segunda parte do artigo, em que mostra como “o Etnógrafo”
(expressão pinçada de Os argonautas, com maiúscula) não apenas seguiu o
programa de Rivers, mas mudou o foco principal da investigação – do deque
do navio ou da varanda da missão para o centro da aldeia – e, de maneira
concomitante, modificou a concepção do papel do etnógrafo: daquele que
apenas investiga uma sociedade para o de observador participante na vida da
aldeia.16 Paralelamente ao tipo de pesquisa, ocorre uma mudança na
orientação teórica, já que o objetivo da antropologia ultrapassa aquele de
apenas revelar a história da humanidade, como queria Rivers.
Nesse ponto, as evidências trazidas por Stocking e sua argumentação
refutam a idéia de que Malinowski seguiu uma prática igualitária (como
depois os antropólogos norte-americanos tentaram reproduzir sem sucesso),
até porque a sociedade trobriandesa era extremamente estratificada; de que
Malinowski viajou em uma expedição kula – apenas o leitor atento conclui
que ele não o fez; de que também foi apenas um observador participante – ao
contrário, por vezes um investigador fortemente interativo, Malinowski
questionava crenças dadas, forçava contradições, empurrava os nativos
“contra a parede metafísica” (e era por eles colocado na mesma situação). É o
próprio Malinowski quem esclarece essa perspectiva, mas em “Baloma”
(Malinowski, 1916) e não em Os argonautas (1922). Stocking empenha-se,
então, na procura de uma explicação para o sucesso da receita malinowskiana
de pesquisa. Fruto de um objetivo do autor (“como convencer meus
leitores”), Stocking argumenta que a adoção de um estilo frazeriano, em que
à relação cena/ato Malinowski inclui a do autor/leitor, faz com que se pense
até o presente17 que o relato de Os argonautas é uma seqüência de
experiências vividas pelo autor.
Como ápice do artigo, Stocking indica como Malinowski construiu três
tipos de personagem em Os argonautas: os nativos (e aí a questão sobre o
significado de chamá-los de niggers no seu diário de campo volta à tona), os
que não entendiam os nativos (administradores, missionários, comerciantes
etc.) e, por fim, o Etnógrafo – concepção reforçada nas fotos que mostram “a
tenda do Etnógrafo”, colocadas estrategicamente no início e no final do livro.
Nesse momento, o tom do artigo muda de historiográfico para evocativo
(“Considerado sob esse prisma, Os argonautas é ele próprio um tipo de mito
evemerista – divinizando, no entanto, não os heróis trobriandeses, mas o
Jasão europeu que trás de volta o Velocino de Ouro do conhecimento
etnográfico” – cf. Stocking 1992, p.56). Malinowski havia criado o papel de
herói para si próprio. Se esse modelo pegou, se seu carisma metodológico
vingou, se ele próprio se tornou o pesquisador arquetípico, a magia do
etnógrafo legitimou-se porque preenchia o vazio entre prescrições
metodológicas e os objetivos vagamente definidos do conhecimento
etnográfico. Stocking conclui com uma interpretação (antropológica)
derivada do próprio Malinowski: “E da mesma forma que na psicologia
primitiva o mito funcionava ‘especialmente onde existe uma tensão
sociológica’, na psicologia antropológica ele funcionava especialmente onde
havia uma tensão epistemológica”.18

• Leach sobre Malinowski. Leach não desconhece o papel carismático de


Malinowski, nem o fato de que ele teve vários antecessores na pesquisa de
campo (incluindo Boas). Também não ignora que Malinowski refletia a sua
época, preso à ortodoxia do século XIX. A ambigüidade do termo
“selvagem” é um exemplo eloqüente – negando de forma enfática que os
trobriandeses eram survivals de um passado remoto, mesmo assim
Malinowski precisava supor um desenvolvimento histórico de longa duração
(“an age-long historical development” – cf. Leach, 1957, p.126) para
justificar o estado de equilíbrio das populações estudadas pelos antropólogos.
Leach também aponta as qualidades de profeta e a liderança carismática de
Malinowski, que se via como um missionário, um inovador revolucionário do
método da pesquisa de campo. Como fazem normalmente os revolucionários,
acrescenta, ele tendia a diminuir seus contemporâneos mais conservadores e
seus predecessores imediatos – uma geração inteira de alunos foi formada
acreditando que a antropologia social tinha começado nas ilhas Trobriand, em
1914.
Se essas observações são paralelas às de Stocking, elas não constituem o
cerne do artigo em questão. Leach trata-as de forma circunstancial,
reconhecendo o papel de Malinowski na história da antropologia como dado.
A questão central de Leach reside na percepção de que o estilo etnográfico de
Malinowski não se resume a um artifício retórico ou estético, mas é uma
verdadeira inovação teórica (ênfase no original). Para Leach, Malinowski
produziu uma transformação na antropologia, do estudo museológico de
objetos de costumes diversos a uma investigação sociológica de sistemas de
ação.19 Reconhecendo que Malinowski representou um fenômeno paradoxal –
“um empiricista teórico fanático” –, duas características marcam o seu estilo:
primeiro, o fim do informante profissional, e segundo, o pressuposto teórico
de que os dados da pesquisa coletados sob a observação do pesquisador
devem fazer sentido, ajustando-se de alguma forma (de novo, a ênfase é de
Leach). Malinowski é, então, um gênio estimulante ao falar dos
trobriandeses, mas irremediavelmente ultrapassado quando quer
explicitamente teorizar, como em A Scientific Theory of Culture (1944), aliás,
relembro, um livro póstumo.20 Um dos pontos centrais de Leach, portanto,
reside em contradizer a auto-avaliação de Malinowski a respeito de diferentes
momentos de sua obra – o melhor da teoria de Malinowski vive
implicitamente nas suas monografias, e não nos escritos que o autor julgou
“teóricos”. Para esclarecer essa incongruência, Leach se pergunta que tipo de
pragmatismo guiava o autor.
É nos filósofos William James e Charles Peirce que Leach encontra uma
resposta, indicando que Malinowski adotou o primeiro mais do que o
segundo. Como William James, ele suspeitava de qualquer abstração que não
fosse derivada ou referida a fatos diretamente observáveis. (A opção
alternativa de Peirce o levaria a considerar que idéias e conhecimento, e,
sobretudo, a vida inerente aos símbolos, são tão reais quanto os indivíduos
que os utilizam.) A racionalidade dos selvagens e a proposta de que o homem
primitivo distingue de maneira fundamental o fato da ficção são argumentos
implícitos em todos os seus escritos, mas especialmente desenvolvidos em
Coral Gardens and their Magic (1935). Isto é, de um lado está o
conhecimento de condições objetivas; de outro, o domínio das influências
inesperadas, adversas ou auspiciosas. Mas Malinowski confessa que ele
próprio não conseguia operar essa divisão básica, já que nem sempre podia
julgar onde o procedimento racional terminava e começavam os mágicos e
estéticos.21 É nesse ponto que Leach intervém para sugerir que, em vez de
afirmar que os primitivos eram tão capazes quanto os europeus de distinguir
trabalho de magia, o argumento teria tido mais impacto se Malinowski
insistisse que os europeus são igualmente incapazes de uma separação
precisa entre as duas categorias. (Essa se tornou uma tarefa que o próprio
Leach incorporou nos seus ensaios dos anos 1960.)
Um ponto a mais no diálogo que Leach mantém com Malinowski diz
respeito à linguagem. Leach considera Malinowski brilhante quando
enfatizava que o significado das palavras depende do contexto em que são
enunciadas, revelando, assim, seu caráter pragmático. Mas, por outro lado, ao
colocar tanta ênfase no contexto, Malinowski teria desprezado o aspecto
simbólico da palavra proferida e dos atos realizados – foi Mauss quem, mais
tarde, com base na etnografia de Malinowski, concebeu o kula como
simbolizando os aspectos ambivalentes da amizade e hostilidade que
constituem os elementos da estrutura social. Os rituais kula “dizem coisas”
que os trobriandeses não poderiam colocar em palavras.
No artigo de Leach, dominam, então, diálogos engajados com
Malinowski, nos quais o autor critica, aponta equívocos e falhas, refuta
interpretações e reconhece contribuições, algumas vezes nem imaginadas
pelo próprio etnógrafo.22 (É dessa perspectiva que, no final do mesmo, vê na
noção de “instituição” um legado para seus sucessores. Como conceito de
médio alcance – não tão abstrato que pareça apenas uma especulação verbal,
nem tão concreto que impeça uma comparação –, ele serviria como ponte
entre o que chamou de funcionalismo vulgar que predominou nos anos 1930
e a análise estrutural mais sofisticada de então.)

• Para concluir. Ao justapor os dois textos, faz-se necessária uma palavra


sobre as condições de produção de cada um: o artigo de Stocking (1992) é
resultado de um olhar que o autor dirige à história da antropologia, marcada
por uma ruptura que ele detecta com a publicação dos diários de Malinowski,
em 1967. Em seus escritos mais recentes, Stocking passa a considerar os
questionamentos pós-modernos sobre a autoridade etnográfica, a criação de
textos e a “poética e política” da etnografia.23 Leitores também reconhecemos
certo espírito mordaz, próprio dos pós-modernos, na ênfase que Stocking dá
às metáforas de Malinowski – por exemplo, o destaque da sua afirmação de
que “se Rivers foi o Rider Haggard da antropologia, eu serei o Conrad”.24 Em
contraste, o artigo de Leach é publicado no contexto de uma discussão sobre
a obra de Malinowski que, supostamente, homenageia o autor – mas em
tempos não muito favoráveis a ele.25 Como Stocking, Leach aponta a
personalidade profética de Malinowski, mas seu interesse maior reside em
avaliar tanto a contribuição quanto as fraquezas da perspectiva de
Malinowski, desvendar a inspiração de sua proposta, posicionar-se quanto a
ela e reconhecer, tudo considerado, o legado teórico de sua abordagem
metodológica.26 Se é possível ler o texto de Leach como um debate engajado
com seu antecessor, de maneira distinta Stocking não se posiciona com
relação a Malinowski: ele o vê pensando, agindo e construindo a sua carreira.
Há, portanto, pelo menos dois personagens que respondem pelo nome de
“Malinowski” – para Leach ele é o autor de um corpo de etnografias, o
sujeito da teoria, e se mantém, portanto, vivo e presente como um interlocutor
sempre fundamental; para Stocking ele é o sujeito histórico, o ser pensante, o
pesquisador da primeira metade do século XX que marcou a antropologia,
uma figura que se tornou um mito.
Existe uma abordagem mais válida? Qual a mais produtiva? Que
“Malinowski” escolher? A resposta é simples, naturalmente – um texto será
esclarecedor na medida em que responder às indagações que lhe são feitas.
Tanto a história da antropologia (externa) de Stocking quanto a história
teórica (interna) de Leach nos servem de estímulo e de inspiração. Mas, em
qualquer circunstância, como procurei indicar ao longo desta comunicação,
história da antropologia e história teórica, embora relacionadas, não se
confundem.
7. Max Weber e a antropologia:
a relação entre microetnografia e
macrossociologia1

Sugiro, portanto, em relação às nossas categorias gerais que, … no seu sentido mais
forte, política e economia de um lado, religião e sociedade de outro, se opõem, os dois
primeiros conceitos representando a inovação moderna e os dois últimos, “a
continuidade com o universo tradicional que permanece no universo moderno”.
Louis Dumont (1977, p. 22)

Um exame da literatura sociológica clássica indica que a “política”


parece ter representado, para os cientistas sociais em geral, desafio
equivalente (como dimensão, esfera ou categoria social) ao que, em
particular, a “religião” desempenhou para os antropólogos ao longo do século
passado. Para os sociólogos, a política forneceria a chave para desvendar a
natureza sui generis do mundo moderno; para os antropólogos, a ambição de
uma teoria social de caráter universal, que servisse tanto a sociedades simples
quanto às complexas, seria alcançada pela compreensão do fenômeno
religioso.
Poder-se-ia pensar que a obra de Max Weber representa um contra-
argumento a essa proposta, na medida em que as grandes religiões mundiais
foram por ele privilegiadas como objeto de estudo. Mas, desde a leitura de
Bendix à sua obra, ficou claro que, para Weber, o foco nas religiões era o
caminho para alcançar a política ocidental moderna. Por contraste, na agenda
dos antropólogos, a religião e as sociedades tribais (o primeiro termo no
singular; o segundo, no plural) ocuparam espaço privilegiado como
decorrência da simplicidade de seus modelos etnográficos, cujo
conhecimento poderia ajudar a esclarecer o mundo moderno como um todo.
Nesse projeto aparentemente singelo, por décadas, a antropologia focalizou a
alteridade exótica como laboratório empírico para o desenvolvimento de
abordagens analíticas. Só nos anos 1960, com a revolução lévi-straussiana, as
restrições ao universo empírico tornaram-se obsoletas, ficando explícito que à
disciplina sempre interessaram mais as diferenças – que levariam ao
universal – do que as generalizações, ou mesmo uma tipologia de
sociedades.2 Reafirmava-se, naquele momento, o postulado durkheimiano de
que nenhuma instituição humana repousa sobre o erro e a falsidade.
Com esse passado, hoje, o exame da esfera da política no mundo moderno
atrai os antropólogos pela promessa comparativa, presente na literatura
clássica das ciências sociais, dos aspectos sinalizados como únicos na
experiência ocidental: em especial, seu caráter particularista e contextual (em
contraste com o universalismo dos valores da ética, por exemplo), o
pressuposto de sua relativa autonomia (em contraste com o holismo da
religião), a ênfase na performance e na ação (em oposição à dominância das
representações) e o espaço reservado ao indivíduo (em contraste com a ênfase
na sociedade). Depois de evitar as sociedades modernas por décadas, a
antropologia aporta a elas com a experiência acumulada de estudos
etnográficos que confrontaram, historicamente, os padrões consagrados da
ideologia individualista.
Mas, justamente em razão desse capital acumulado de experiências – e de
abordagens analíticas que remontam à observação de uma alteridade
considerada radical –, ao se aproximar da política moderna, os antropólogos
fazem-no como etnógrafos, isto é, como aqueles que sempre irão questionar
definições familiares (tanto de Estado, de política, de nação, de cidadania),
pela simples razão de que uma parte não se caracteriza por si só, mas por seu
lugar numa configuração de valores. No mundo moderno contemporâneo,
esse conjunto de valores implica identificar os vínculos e as relações do
nosso inventário mental e ocupacional, recuperando sua possível coerência e
suas linhas de força maiores. É assim que uma “teoria de poder” se esvazia de
conteúdo se não levar em consideração a relação entre poder e valores.
Nesse contexto, a tradição weberiana (res)surge com especial relevância
para os antropólogos. Seu projeto de se definir como uma teoria de valor,
com fundamento cultural, nos é familiar. Ao postular, como Schluchter
(1996) indicou, que a política não pode ser compreendida de maneira restrita
em termos de interesses de classe ou status, nem de ideais fraternos, Weber
incluiu a distinção conceitual da honra e da desonra como par da
responsabilidade e da adequação na política, distanciando-se dos critérios
mais afins ou restritivos da lógica moderna – como os de utilidade (na
economia), verdade (na ciência), beleza (na arte), bondade (na religião) – e
tornando possível o intento de compreender as singularidades das condutas
histórico-culturais. Nesse projeto maior, torna-se exeqüível desenvolver dois
movimentos essenciais: primeiro, fazer somar-se a microetnografia com uma
macrossociologia, de modo que o evento circunstancial a ser analisado lance
luz sobre os processos e categorias sociais mais amplos, e vice-versa;
segundo, acrescentar às representações sociais e aos códigos culturais que
informam a cosmologia de determinada sociedade – que a antropologia
focaliza e desenvolve – o poder e a eficácia da ação individual que, como
parte de qualquer sociedade, no nosso caso ocupa especial lugar na
configuração de seus valores.3

Weber e a antropologia
Mas antropólogos geralmente não consideram Max Weber um dos
fundadores da disciplina. Aqui há um fato curioso na descendência intelectual
dos praticantes da antropologia: embora Durkheim e Mauss sejam os
ancestrais por excelência, servindo como inspiração expressa para problemas
e questionamentos, um exame mais minucioso da literatura indica a
existência de um diálogo menos explícito, mas extremamente relevante, com
Weber, discernível especialmente no trabalho daqueles que, nas últimas
décadas, estabeleceram como objetivo, e vêm procurando focalizar, a
interdependência da especificidade etnográfica com as teorias
macrossociológicas.
Confirmando que as idéias ditas científicas têm vida social, foi somente
quando a antropologia reconheceu que poderia legitimamente examinar
eventos etnográficos singulares e microscópicos para responder a grandes
perguntas universais que o diálogo com Weber se fez presente. Antes, desde
a década de 1950 pelo menos, Edmund Leach já apontava para o fato de que,
protegida nos sistemas equilibrados e sincrônicos, a antropologia precisava
enfrentar a História e, portanto, só teria a ganhar com um diálogo com
Weber. O desejo dessa interlocução não é, portanto, uma novidade na
antropologia, mas o desafio de Leach (de 1954) não encontrou eco quando foi
formulado, em plena efervescência estruturalista.
Dos antropólogos contemporâneos que têm Weber como interlocutor,
podemos apontar três: Louis Dumont, Clifford Geertz e Stanley Tambiah.
Curiosamente, cada um deles se vincula etnograficamente a uma das
“religiões mundiais” weberianas: hinduísmo, islamismo e budismo.4 Não
pretendo fazer uma avaliação ampla da obra desses autores – tomo como
dado seu conhecimento geral –, registro apenas a influência diferenciada de
Weber sobre cada um dos três.

• Louis Dumont. Por que ir à Índia, senão para aprender algo sobre o
Ocidente? Senão para aprender sobre um princípio social universal, a
hierarquia? Como o homem não somente pensa, mas age, ele não tem apenas
idéias, mas também valores. Se adotar um valor é introduzir a hierarquia, a
Índia mostra-nos a hierarquia de maneira explícita, na contramão dos
princípios da sociedade moderna. A antropologia, ao procurar gradualmente
compreender as mais diversas sociedades, dá provas da unidade da
humanidade.
Se essa proposta tem sua inspiração em Durkheim e Mauss – a Índia vista
como contraponto ao Ocidente como civilização –, Dumont credita a Weber a
formulação de seu problema central, quando este indicou a necessidade de se
analisar os vários significados históricos do termo “individualismo” em uma
nota de rodapé de A ética protestante.5 Embora o abandone depois em favor
de Tocqueville, para Dumont Max Weber teria alcançado “um milagre de
empatia e de imaginação sociológicas”6 por sua contribuição à sociologia
geral, pelo vasto afresco da religião comparada que ele pintou e, na ausência
de dados primários, pela maneira refinada com que pôs em contraste os
universos hindu e ocidental.
Mas há outro aspecto significativo a considerar. A perspectiva de Dumont
reporta ao fato social total (de Mauss) e à inspiração antropológica que,
contrária à especialização moderna, comanda: “reunir sempre!” Mas Dumont
não apenas aceita a idéia de fato social total, como a expande e complexifica
quando inclui a dimensão do valor. O valor indica diferença e traz como
desdobramento uma hierarquia de domínios. Por exemplo, para ele a esfera
da economia só existe a menos e até que os homens construam
ideologicamente tal objeto – tal foi o caso do Ocidente. Como conseqüência,
distinguir, separar, desgarrar (dis-embed) a economia em uma sociedade que
não a concebe no domínio do ideário social torna-se uma tarefa procustiana.
Inversamente, naturalizar uma política e fundamentar uma “ciência política”
em uma teoria de poder tout court é tornarse presa da ideologia (ocidental e
individualista) que a engendra. Por esse caminho, Dumont conclui que o
questionamento da política não pode evitar o exame da relação entre poder e
valores, sem o qual corre vários perigos: de a subordinação se tornar um
resultado mecânico da interação de indivíduos, de a autoridade se degradar
em poder; e de o poder se tornar influência.7
Nesse contexto, seria inapropriado lembrar que Weber considerava
produtivo examinar como os mesmos problemas eram resolvidos em
sociedades diferentes, revelando formas alternativas de coerência estrutural?
Weber – a quem Dumont não poupa elogios –, não foi ele quem identificou o
sinal da diferença nas grandes religiões ao focalizar, no caso hindu, os
brâmanes; na China, os literati; no judaísmo, os profetas – inspiradores de
“estilos de vida” que eventualmente se tornaram orientações dominantes de
diferentes civilizações?8 Fica a pergunta: estaremos diante de uma afinidade
eletiva entre Weber e Dumont ou, melhor, de uma inspiração weberiana que
se percebe em Dumont?

• Clifford Geertz. Geertz não vê o islamismo como uma civilização


propriamente, mas como uma religião mundial. Sua dívida com o “gênio de
Weber” é explícita. Nosso problema, diz Geertz, não é definir a religião, mas
encontrá-la.9 Mas, pesquisador de campo, Geertz quis identificar o islamismo
como fenômeno ao mesmo tempo social, cultural e psicológico nos seus dois
extremos geográficos: Marrocos e Indonésia. Partindo de pares individuais
exemplares como metáforas das sociedades das quais fazem ou fizeram parte
um príncipe javanês do século XVI e um santo árabe marroquino do século
XVII (e já no século XX, respectivamente, Sukarno e Muhammed V), Geertz
focaliza, pela comparação do que nomina “sistemas de significação”, a
dialética entre religião e senso comum. (Essa dialética ele identifica também
entre senso comum e arte, ciência, história, filosofia etc.) Para Geertz,

… a religião precisa ser vista em contraste com a insuficiência, ou a


insuficiência percebida, do senso comum como uma orientação de vida;
mas também precisa ser identificada em termos do impacto formativo
sobre o senso comum, a maneira pela qual, questionando o inquestionável,
ela modela nossa apreensão do mundo quotidiano que somos obrigados a
viver.10

Os padrões “religiosos” têm um duplo aspecto: eles são quadros de


percepção, telas simbólicas por intermédio das quais a experiência é
interpretada, mas também guias para a ação, projetos de conduta.
Questionar a racionalidade é algo desconfortável para os antropólogos,
eles que reconheceram e afirmaram o ponto de vista trobriandês, azande,
kwakiutl, bororo etc. no último século, sobretudo depois que a “ciência do
concreto” lévistraussiana igualou e tornou horizontais, no início da década de
1960, a magia, a religião e a ciência. Nesse contexto, fica a questão: até que
ponto o senso comum de Geertz, seu pano de fundo para abordar a religião,
não ocupa o lugar equivalente – gramatical e aceitável de uma perspectiva
antropológica – da racionalidade weberiana?

• Stanley Tambiah. Tambiah é uma exceção nesse contexto ao enfrentar, no


diálogo com Weber, a questão da racionalidade. Ele o faz por duas vias.
A primeira se dá por intermédio da pesquisa empírica. Durante parte de
sua trajetória, Tambiah esteve interessado em analisar, a partir da Tailândia, a
relação entre política e religião no budismo theravada. Uma trilogia de livros
focaliza o tema.11 Tambiah quis confrontar perguntas do seguinte tipo: como
o budismo é vivido no dia-a-dia das aldeias? Como é possível ao budismo
combinar-se com o culto dos espíritos localmente? Ao observar as biografias
dos monges, como entender que a vida monástica é temporária, uma espécie
de socialização para a idade adulta? Mas já que muitos monges progridem na
trilha monástica, como e em que circunstâncias eles se envolvem na política
do Estado?12 Por outro lado, como os “monges da floresta” – uma outra
versão da vida monástica – adquirem carisma e transmitem-no aos amuletos,
objetos de culto urbano?
No diálogo com Weber surge o confronto: para Tambiah, Weber teria
confinado sua análise ao budismo monástico e canônico, sem levar em conta
o ramo leigo e político que se desenvolveu colateralmente ao ramo
monástico. Como etnógrafo, Tambiah questiona um viés restritivo em Weber,
isto é, sua opção por examinar uma filosofia escrita e racionalizada,
afastando-se, portanto, da religião popular. Para Tambiah, então, Weber não
teria apreciado devidamente que ritual, magia, cosmologia e mito – pontos
nevrálgicos da religião popular – também consistem de estruturas lógicas,
simbolismos, associações metafóricas e metonímicas. Como o projeto de
Weber se dirigia ao grande processo histórico que eliminaria de maneira
progressiva a magia do mundo, esse objetivo condenava seu autor a não
reconhecer a criatividade e a racionalidade das religiões populares.13
A segunda via pela qual Tambiah questiona Weber diz respeito à magia.
Reconhecendo que Weber não caiu na armadilha vitoriana de distinguir prece
e encantamento (a prece associada ao comportamento “religioso” e o
encantamento aos atos “mágicos”), ao fim de sua longa e ampla jornada
intelectual ele teria percebido que todas as formas de racionalidade, em
particular as que usou como bússola – a instrumental e a absoluta –, se
enraízam em valores subjetivos, cujas fontes são não-racionais, carismáticas,
afetivas e intuitivas.
Se a inspiração religiosa emerge da fonte do carisma, as revelações
religiosas elevam-se das experiências que não são racionais em um sentido
estrito. Assim, como orientações no mundo, não é possível definir
comparativamente, em termos de maior ou menor racionalidade, a visão
confucionista da harmonia do homem com a orientação cristã da
transformação imperativa de um mundo considerado imperfeito, ou ainda o
caminho budista do desencantamento e a necessidade de transcender o
mundo.
Estamos no domínio de Weber. No entanto, a partir do momento em que o
autor reconhece que as grandes religiões foram progressivamente
sistematizadas e racionalizadas pelos especialistas religiosos e pelas elites
pensantes, Weber libera o pesquisador para que este use medidas de
coerência e consistência para testar a sistematicidade de cada religião em
relação aos seus próprios horizontes. É aí que o antropólogo faz sua objeção:
tais medidas de racionalidade não podem servir para iluminar a inspiração
para a vida religiosa e/ou a sensibilidade dos homens religiosos para
apreender o transcendental ou o imanente. Elas não podem ser explicadas em
termos de testes de verdade ou falsidade.14 Para o nativo – qualquer nativo –,
as tradições e as crenças não se separam conceitualmente. Tudo se passa no
velho postulado durkheimiano: não basta que se “pensem” idéias, são as
ações repetidas que suscitam a prova experimental das crenças. Para o crente,
a verdadeira função da religião não é enriquecer seu conhecimento, mas fazê-
lo agir, ajudá-lo a viver. O homem que crê pode mais. Assim, marcado pelo
enigma da singularidade do racionalismo moderno ocidental, o ponto inicial e
final da comparação weberiana, esse projeto o impediu de reconhecer o
potencial de conhecimento e criatividade da magia.

Histórias teóricas
Nas comunidades transnacionais formadas por cientistas sociais, as obras
clássicas colaboram na manutenção de ideais de universalidade, ao mesmo
tempo em que ajudam a cimentar as relações sociais entre cientistas de várias
origens. Os clássicos de uma disciplina são, portanto, criações teoricamente
indispensáveis e sociologicamente necessárias, por intermédio das quais os
praticantes se identificam e (re)produzem nos diversos ambientes
acadêmicos.15
Nesse contexto, finalizo com a seguinte proposta: se Max Weber não
figura na genealogia direta da antropologia, tal fato não impede que
possamos incluí-lo em uma das muitas histórias teóricas da disciplina,
gerando círculos de troca por afinidade.16 Schluchter (1989) faz uma
comparação sensível entre Weber e Durkheim. Ele nota que, ao estudar a
religião, tanto Weber quanto Durkheim:
1) perceberam o homem como um animal simbólico;
2) viram os “objetos sagrados” como representações (isto é, indicando
aspectos não empíricos da realidade; expressões da existência de idéias,
ideais e de um mundo de valores);
3) aceitaram que os símbolos religiosos e as idéias que eles representam
podem ser generalizados e sistematizados.
A essas semelhanças, Schluchter acrescenta duas diferenças principais: se
Durkheim propôs condições coletivas, Weber introduziu condições
individuais; enquanto a teoria do valor de Durkheim se centrava na diferença
de valores, Weber enfatizava o conflito de valores.17 Ainda seguindo
Schluchter, Durkheim salientava a idéia de sociedade, enquanto Weber
evitava tal conceito.18
Mas há outros pontos fundamentais a mencionar: ao propor a religião
como ponto de partida, o projeto durkheimiano desenhava uma teoria do
conhecimento e da reprodução social que incluía a manutenção e a eficácia
das representações. Se Durkheim historicamente foi apropriado – às vezes,
mesmo por antropólogos – como o teórico das “representações” e das
questões relativas à solidariedade, essa foi uma simplificação perversa, um
empobrecimento de sua proposta teórica. O próprio Durkheim havia alertado
para uma visão das formas elementares da vida social que insistia em incluir
os rituais como atos de sociedade, enfatizando que é por meio da ação
comum que a sociedade toma consciência de si, se afirma e recria
periodicamente, mediante uma eficácia sui generis. Estava aberta a porta para
que os antropólogos estudassem, com o mesmo instrumental analítico, tanto
sociedades primitivas quanto modernas. Durkheim havia proposto uma teoria
da sociedade em termos universalistas.
Hoje, contudo, quando os antropólogos procuram realizar esse projeto de
forma mais integral, eles (re)descobrem que podem enriquecê-lo a partir do
legado weberiano: há uma longa história de conquistas comuns, que passa
pela preocupação com a cultura, pela comparação entre projetos históricos
que iluminam valores equivalentes (mas não iguais), pela ênfase na
interpretação e pelo desafio perene de combinar a visão microetnográfica
com uma perspectiva macrossociológica. Essa fusão certamente nos
aproxima como cientistas sociais e, conseqüência imediata, questiona as
diferenças radicais entre os projetos da antropologia e da sociologia. Mas,
mesmo concluindo que as especializações, se não intelectuais, pelo menos
institucionais, são inevitáveis, ainda assim teremos todos a ganhar: nós,
antropólogos, uma teoria da ação e uma concepção da relativa autonomia da
esfera política. À cosmologia durkheimiana acrescenta-se a ação do indivíduo
moderno. Em reciprocidade, podemos oferecer uma longa reflexão sobre a
horizontalidade das crenças e das práticas na religião, magia e ciência. Quem
sabe não é hora de sobrepor essa construção triangular à weberiana da
religião, ciência e política? Desafios não vão faltar.
8. Por uma sociologia da Índia:
alguns comentários1

Temos, então, esse problema de “comunicação” – ou falha na comunicação – entre os


que contribuem para a sociologia da Índia. … O estabelecimento de um terreno
comum para discussão, portanto, continua sendo uma tarefa tão importante hoje como
o foi no passado, e tão difícil quanto Dumont disse que a encontrou.
T. N. Madan2

Apesar de a história da antropologia ter se desenvolvido a partir de


controvérsias e debates de várias ordens, geralmente entre especialistas
proeminentes no momento (ou que assim se tornaram como resultado do
debate), é interessante notar que, diferente de outras disciplinas, as idéias do
opositor que aparentemente foi vencido poucas vezes são consideradas
ultrapassadas; com mais freqüência, elas são assimiladas na “tradição” da
disciplina. Foi assim com Radcliffe-Brown versus Frazer, Malinowski versus
Radcliffe-Brown, Lévi-Strauss versus Radcliffe-Brown, até Geertz versus
Lévi-Strauss (e até contra Evans-Pritchard). Esses são alguns dos episódios
conhecidos de dificuldades de compreensão e comunicação que foram
incorporadas como parte da história da disciplina.
Afora esses, outros confrontos também adicionaram sabor ao
desenvolvimento da antropologia. A famosa polêmica entre Daisy Bates e
Radcliffe-Brown é um bom exemplo, na qual Bates acusava Radcliffe-Brown
de maus-tratos e abandono no campo, na Austrália, além de indevidamente se
apropriar de dados que ela havia coletado. No início dos anos 1950, a visão
de Evans-Pritchard sobre a relação entre a antropologia e a História também
produziu muitas discussões na disciplina, incluindo todos que eram “alguém”
na época, como, por exemplo, Radcliffe-Brown e Alfred Kroeber. Nos anos
1960, foi a vez da “Seção de Correspondência” da revista inglesa Man
publicar várias discussões teóricas – algumas delas se desenvolveram em
torno de um tópico central e uma figura correlata dominante –, às quais o
editor se deleitava em dar títulos pitorescos. Dos vários tópicos que
chamaram a atenção, “Virgin Birth” foi um dos mais longos e controversos,
mostrando Edmund Leach no seu apogeu como debatedor. O tema central era
a falta do conceito de paternidade entre os trobriandeses de Malinowski.
A história de “For a Sociology of India”, inicialmente o título de um artigo
e, mais tarde, uma seção da revista Contributions to Indian Sociology, é
também a trajetória de uma controvérsia. No entanto, diferente das
mencionadas anteriormente, “For a Sociology of India” deve ser incluída na
história da antropologia como um caso exemplar de discussão: talvez nenhum
debate tenha durado tanto quanto esse – mais de trinta anos; talvez nenhuma
outra polêmica tenha envolvido antropólogos de tradições centrais tanto
quanto de vertentes “nativas” (ou ex-“nativas”), incluindo cientistas sociais
franceses, ingleses, indianos, alemães, noruegueses, suíços, neozelandeses (e,
agora, brasileiros). E talvez nenhuma outra disputa tenha tentado substituir,
como essa, animosidades pessoais por um desígnio em que grande relevância
foi dada à possibilidade de moldar a antropologia como tradução de culturas
diferentes e comunicação entre elas, um projeto e uma promessa
explicitamente colocados antes por Evans-Pritchard.
Da perspectiva de quem olha a partir do Brasil, esse debate tem ainda
outras particularidades: para nós, o testemunho de uma discussão que durou
tanto tempo chega como uma surpresa, nós que geralmente evitamos
confrontações em nome de uma cordialidade que nem sempre existe.
Também chama a nossa atenção a trajetória que Contributions seguiu, de um
periódico europeu sobre a Índia que renasce na própria Índia. Finalmente, o
debate mostra-nos as recompensas de diálogos sérios e consistentes, mais
especificamente, revela-nos a transição de um ponto de vista eminentemente
europeu sobre o que a antropologia deveria ser para um projeto mais
cosmopolita, embora indiano.

Uma visão a partir do Brasil


De uma perspectiva externa (como é o meu caso), o desenvolvimento desse
debate pode ser visto da seguinte forma: os primeiros quatro anos, tendo
início em 1957, foram caracterizados por uma discussão européia,
desenvolvida em território europeu, sobre uma civilização distante – a Índia.
Os principais protagonistas, então, eram, de um lado, Louis Dumont e David
Pocock, fundadores do periódico Contributions to Indian Sociology e autores
do primeiro artigo com o título “For a Sociology of India”, e, de outro, F. G.
Bailey, inglês. Todos preenchiam papéis já antecipados: do lado francês (que
incluía Pocock), a ênfase recaía nos valores e representações sociais, na visão
de que o sistema de castas correspondia a uma manifestação da religião,
combinando visões internas (from within) e externas (from without); do lado
britânico, estavam presentes o “empiricismo” dos fatos econômicos e
políticos, a realidade tangível das aldeias e a dúvida sobre a possibilidade de
a visão interna (from within) até mesmo existir.
Essa discussão européia sobre a Índia poderia ter tomado uma nova
direção em 1962, quando o indiano (vivendo na Índia) A.K. Saran publicou,
na revista The Eastern Anthropologist, seus comentários sobre o debate. Mas
o fato de publicar em inglês não tornou seu artigo conhecido. A visão de
Saran só se tornou pública de forma indireta, quando seu antigo aluno T.N.
Madan publicou sua primeira contribuição na seção “For a Sociology of
India” em 1966. Esse período, que precedeu a substituição editorial de mãos
européias para indianas, testemunha a passagem de uma contenda, concebida
inicialmente como interna à Europa, para um palco mais amplo, isto é, entre
uma visão européia e outra, indiana. Dessa maneira, as posições radicais de
Dumont/Pocock e Bailey foram substituídas por um par diferente – agora,
Dumont e Saran –, com Madan antecipando o papel que iria desempenhar, ao
longo do tempo, como mediador entre os dois extremos.
Começando em 1967, o período indiano da revista é imediatamente
marcado por um artigo polêmico de J.P.S. Uberoi, que se tornou um
personagem singular por desafiar tanto europeus quanto indianos. Seu artigo,
que teve grande repercussão, foi talvez a última manifestação de caráter
marcadamente individual. A partir daí, o tom da seção mudou gradualmente
de contribuições pessoais fortes para se transformar em fórum de trabalhos
indianos misturados a artigos ocasionais de autores estrangeiros. Durante esse
período, os autores pareciam acreditar que um ponto de vista fosse, no
momento devido, corrigir o anterior, agora que, pela primeira vez, as
diferenças entre sociólogos indianos se tornavam explícitas.
Em 1982, Contributions publicou um número especial para celebrar os
setenta anos de Louis Dumont, que se seguiu a outro número, dedicado ao
livro de M.N. Srinivas, The Remembered Village. Embora, em 1972, um
número tenha sido parcialmente reservado para divulgar vários artigos sobre
Homo Hierarchicus, de Louis Dumont, tudo indica que foi em 1982, com a
terceira contribuição individual de T.N. Madan, que a paz e a reconciliação se
fizeram presentes, configurando-se certa harmonia entre as diferentes
heranças dos sociólogos indianos, incluindo Srinivas e Saran, e Dumont. Para
Madan, contudo, a dificuldade de comunicação entre os especialistas ainda
persistia, mas, em estilo caracteristicamente hindu, de nunca abandonar uma
batalha, ele sugeria que a evasão não resolveria o problema.
Apesar do aspecto pessimista desse diagnóstico, as duas últimas décadas
deixam o leitor estrangeiro com uma sensação mais positiva, agora que
autores europeus fazem questão de se engajar na história dessa discussão. Ao
mesmo tempo, contribuintes indianos começam a reavaliar a disciplina na
Índia. Publicado em 1987, o volume 21 já corroborava essa impressão: a
revista presta homenagem a dois antropólogos de origem sul-asiática de
renome internacional (Stanley Tambiah e Gananath Obeyesekere), trazendo a
público a real medida em que a ciência social originária desta região vem
contribuindo para a antropologia “ocidental”.

Diálogos difíceis
Assim, mais uma vez, a história da disciplina se repete: rebelião e
assimilação, sempre por meio de diálogos difíceis. “For a Sociology of India”
é um retrato, ou talvez um script, de um deles. Esse debate é singular na
medida em que, aqui, diferenças de contextos sociais, colonialismo,
princípios éticos, tanto quanto momentos históricos, surgem de forma mais
forte do que nos debates clássicos da história da disciplina.
O ideal de intercomunicação estava presente desde o início. Para Dumont,
a revista tinha por objetivo reunir “contribuições com um propósito comum”.3
Foi em consonância com essa orientação que, nos primeiros anos, Dumont e
Pocock assumiram uma prática inusitada: eles não assinavam os artigos e
avocavam a si a responsabilidade conjunta por eles. Mas, aparentemente,
Dumont não estava preparado para aceitar perspectivas diferentes daquelas
que ele e Pocock defendiam, e deixou explícito seu desapontamento quando a
revista não recebeu a aprovação consensual tão esperada. Por tudo, Dumont
sentia-se frustrado por haver falhado em criar uma comunidade, reclamando
das condições de trabalho intelectual, em que cada um “é compelido a se
abster das orientações coletivas … em direção às orientações mais pessoais
do filósofo, escritor ou artista”, chegando a admitir que não havia um
processo cumulativo de conhecimento, além de concluir que entre os
antropólogos “uma comunidade científica mal existia”.4 Comparando essa
frustração com o prestígio da revista então, o leitor sente certa incongruência
entre a sociologia que Dumont praticava e sua recusa em aceitar que o
trabalho individual do cientista se soma, sob qualquer circunstância, e produz
um fenômeno coletivo.
O cientista aqui está no lugar do mágico de Mauss. De Mauss, podemos
também lembrar que representações coletivas ou cosmologias precisam de
rituais, porque o consenso, como uma proposta ideológica, só pode ser
alcançado por meio de “atos de sociedade”. Em termos do debate em questão,
um estágio confortável foi alcançado somente quando se aceitou que posições
antagônicas precisavam ser explicitadas e ouvidas. Nesse contexto, o
engajamento no diálogo foi o caminho inevitável, embora nem sempre fácil,
para confrontar visões opostas, com a vantagem adicional de que o ato de
debater propiciou a criação de um lugar ritual específico – a seção “For a
Sociology of India” –, além de permitir o reconhecimento da igualdade de
fato entre os contendores potenciais.
É, portanto, interessante notar que os sociólogos indianos aceitaram a
polarização, e que esta se transformou na motivação básica para o desafio de
dar melhores soluções às questões colocadas pelos sociólogos ocidentais. O
Ocidente predefinia os temas; os indianos excediam-se no questionamento
dos problemas trazidos à baila e ofereciam respostas de perspectivas
alternativas. O resultado foi uma espécie paradoxal de cosmopolitismo
indiano.
A persistência e a duração do debate tornaram-se, se não mais, tão
importantes quanto as idéias discutidas. Tal fato pode ser atestado quando
percebemos que, embora o início não tenha sido fácil, de desafiadores os
sociólogos indianos transformaram-se, ao longo do tempo, em participantes
da discussão. Suas posições foram se tornando mais moderadas: por exemplo,
o swarajist Uberoi de 1968 ressurgiu como estruturalista em 1974; o crítico
Madan de 1966 reconheceu publicamente o papel mobilizador de Dumont em
1982. O exemplo de Saran é revelador, já que suas idéias foram introduzidas
na revista indiretamente por Madan, que recebeu uma resposta irritada de
Dumont, demonstrando não haver lido o original.5 Os sociólogos indianos
parecem ter assumido uma perspectiva sociológica que se revelou mais
satisfatória que a do amargo Dumont.
Esse episódio lança um pouco de luz sobre o velho problema da estrutura
de poder no mundo acadêmico – que, aliás, não se altera substancialmente
pelo fato de o inglês ser a língua comum a todos os participantes. Mas outra
questão também se esclarece: foi a posição de Madan que, em médio prazo,
tornou possível que o diálogo se desenvolvesse a ponto de haver lugar para
todos. Surpreendentemente, nesse contexto, a posição de Saran foi a mais
confortável: como um tradicionalista radical, sua visão extrema eximiu-o de
tomar parte na tentativa de uma comunicação mais efetiva, apesar de ter
desempenhado seu papel indispensável como oponente respeitado.
Em que medida o debate “For a Sociology of India” representou um
momento fundamental no estilo de antropologia que se desenvolve na Índia,
hoje, é uma questão em aberto. É possível também se perguntar, nesse
contexto, se o debate favoreceu um grau satisfatório de comunicação. Aqui,
talvez a questão central seja a de que o ato de comparar – ao qual os
antropólogos em geral se dedicam com tanta tenacidade – é incompatível
com o diálogo tout court. Como o próprio Dumont sugeriu, comparação
implica diferença, a diferença traz hierarquia e, como conseqüência, o ideal
de comunhão entre iguais não se dá. Mas pode-se também levantar a hipótese
de que, mais que um diálogo, “For a Sociology of India” se constituiu em um
fórum simbólico das intenções dos participantes e que, ao expressar o desejo
e a necessidade de comunicação, a troca de idéias efetivamente se realizou.
De fato, antropólogos indianos são convidados por centros no exterior, há
algumas décadas, não apenas pelo interesse etnográfico que a Índia sempre
despertou, mas pelas contribuições teóricas que os cientistas sociais indianos
podem oferecer e pela abordagem específica mediante a qual enfrentam
temas novos ou tradicionais.
Por outro lado, quando especialistas estrangeiros visitam a Índia, deles não
se espera que tragam a última moda – que certamente será vista com cautela
–, mas que ouçam o que os indianos têm a dizer. Por meio de debates,
controvérsias e diálogos com o mundo mais amplo, a antropologia na Índia
encontrou seu próprio caminho – ela hoje tanto é herdeira do pensamento
clássico indiano quanto um ramo da sociologia de origem européia.

O debate como espelho


Quando nos comparamos à Índia, nós, brasileiros, podemos dizer que tivemos
mais sorte e também mais azar pela ausência de interlocutores da estatura
daqueles que se dedicaram a refletir sobre a experiência indiana, como Louis
Dumont, Max Weber ou Karl Marx. Até Lévi-Strauss, quando escolheu o
Brasil para pesquisar, estudou os Xavante e os Bororo, e não a sociedade
urbana. Exceto pelo testemunho de Tristes tropiques, não saberíamos que
impressão causamos a ele.
Somos, portanto, pobres em exotismo, sem valor como um “tipo de
civilização” a ser contrastado com o Ocidente (em verdade, vemo-nos como
parte do Ocidente), sem um diálogo efetivamente recíproco com os centros
europeus. Aos olhos de países mais desenvolvidos, nossa posição nunca foi
de um “outro”, ou de um tipo alternativo de civilização. Na realidade, parece
que nunca ultrapassamos o papel pouco interessante de “subdesenvolvidos”,
ou “em desenvolvimento”. Talvez pior, de um país perenemente aspirando ao
desenvolvimento e à modernidade. E se não pudemos atrair a atenção de
europeus, conseqüentemente não existimos para os indianos, a não ser que
desafiemos modelos europeus (como, por exemplo, no caso da teoria da
dependência ou da teologia da libertação) e nos tornemos seus aliados – o
que, na maioria das vezes, até agora, preferimos não ser.
Essa situação tem outras implicações, contudo. De um lado, vivemos certa
liberdade para desenvolver nossas próprias idéias, no que Otávio Velho
(1982) chamou de “privilégio do subdesenvolvimento”. Nossas questões
podem ser, em grande medida, definidas por nós mesmos. Essa situação
contrasta com o lamento dos sociólogos indianos que reclamam do fato de
que a maioria de seus problemas intelectuais têm sido predefinidos pelo
Ocidente. Adicione-se a este o fato de que nos expressamos e publicamos
basicamente em português, uma língua desconhecida para a maior parte do
mundo acadêmico, o que aumenta nosso isolamento – uma posição que
mantém as discussões confortavelmente no interior de uma comunidade
acadêmica bem definida. Mas se o isolamento relativo tem sua atração, o
outro lado da moeda é que, alijados de um diálogo efetivo com o restante do
mundo (e afastados da promessa ideológica da universalidade da ciência),
nossos vícios encontram terreno fértil para proliferar.
Essa é uma das lições importantes que o debate “For a Sociology of India”
nos ensina: é só por meio de diálogos difíceis que um projeto cosmopolita
pode ser alcançado; é confrontando desafios, corrigindo caminhos, ajustando
pontos de vista que a identidade é construída de maneira mais sólida e
balanceada.
As observações de Lévi-Strauss sobre sua experiência de ensino no Brasil
durante os anos 1930 infelizmente continuam válidas: em Tristes tropiques,
ele referia-se ao fato de que os estudantes tinham imensa curiosidade,
queriam saber de tudo, mas qualquer que fosse o campo de interesse, somente
as teorias mais recentes pareciam ser atraentes de escrutínio. Essa situação
ressoa hoje nos diálogos que pretendemos manter com autores de renome e
que não recebem nenhuma resposta; nas reanálises de trabalhos clássicos,
escritas como se fossem lidas internacionalmente; e na ignorância que
fazemos questão de manter: de que no momento em que deixamos as
fronteiras da nossa comunidade acadêmica, aquilo que era uma discussão
teórica imediatamente se transforma em mera etnografia regional.
Nesse contexto, o paroquialismo brasileiro parece residir em um pretenso
universalismo que nada mais é que uma cópia do universalismo alheio,
enquanto conscientemente acreditamos que nossa força reside nos debates
políticos que são incorporados nas teorias que geramos. A situação indiana é
diferente da nossa: em claro contraste com o cosmopolitismo que eles
imprimem em seus trabalhos, um silêncio conspícuo encobre a existência de
castas dentro da comunidade acadêmica. Esse silêncio é curioso, embora
talvez possa ser explicado pelo fato de que esse tópico poderia revelar o lado
exótico da ciência na Índia, que os indianos preferem negar. Nesse cenário,
um terceiro personagem fez seu aparecimento nas últimas décadas, tanto na
Índia quanto no Brasil, e consiste de uma geração jovem de cientistas
europeus e norte-americanos que, ao contrário dos grandes nomes, procuram
exatamente países periféricos para pesquisar, visitar e publicar. A questão
fica sem solução: trata-se de um novo cosmopolitismo que se inicia? ou um
diálogo internacional mais efetivo? ou, ainda, é a velha história de que a
legitimação da periferia serve mais ao interesse dos visitantes que dos
anfitriões? Os últimos números de Contributions e publicações recentes no
Brasil revelam essa nova tendência.
Esses são apenas uns poucos comentários, instigados pelo debate “For a
Sociology of India”, sobre o projeto de se criar uma comunidade intelectual
genuína. Se podemos refletir sobre diálogos acadêmicos, então talvez seja
possível desenvolver uma comunicação mais efetiva e, quem sabe, mais
produtiva – embora não menos difícil. Lá se vão os dias, como no exemplo
de “Virgin Birth”, em que antropólogos britânicos se engajavam em uma
discussão at home para o mundo todo apreciar. Os mais de trinta anos de “For
a Sociology of India” podem nos dar algumas pistas para meditar sobre o
assunto, naturalmente depois de reconhecermos que esse debate foi exemplar
na história da antropologia.
PARTE III
O Estado na vida das pessoas
9. “Sem lenço, sem documento”:
cidadania no Brasil1

Oantropólogo que decide fazer das sociedades modernas seu objeto de


estudo enfrenta um desafio e corre um perigo. O desafio consiste em fazer
com que a tradição da disciplina, desenvolvida principalmente no estudo de
populações tribais, não seja abandonada como ultrapassada. Faz parte dessa
tarefa, portanto, uma perspectiva que supere os limites impostos pela
definição de um objeto concreto. O perigo que o antropólogo corre é, ao
contrário, reificar os métodos com os quais as sociedades tradicionais foram
estudadas e aplicá-los, indiscriminadamente, às modernas. Criticados e
rejeitados, os “estudos de comunidade” ainda esperam por uma alternativa.2
Qualquer forma que tome, essa opção deverá implicar o reconhecimento
do que é específico ao objeto investigado, o que o torna sui generis e o que o
faz comparável e universal. Se houve um momento no desenvolvimento da
disciplina em que foi preciso advertir os etnólogos dos perigos do
etnocentrismo, a circunstância atual parece indicar o oposto: o antropólogo
que estranha a sua própria sociedade não deve se deixar levar por uma atitude
ingênua que considera as chamadas sociedades complexas como se fossem
simples, apenas complexificadas. Perder-se-ia, assim, o caráter histórico do
fenômeno sociológico único que foi o aparecimento das sociedades nacionais
modernas. O que os antropólogos chamam de “sociedades complexas”, na
maioria dos casos, são (ou fazem parte de) Estados-nações.3
A possível contribuição da disciplina para o estudo de um tema que tem
sido o objeto por excelência da sociologia e da ciência política talvez seja o
caráter comparativo, universalista e relativizador de sua perspectiva. Assim,
por exemplo, o ponto de partida de Wanderley Guilherme dos Santos, de que
“a igualdade de todos os seres humanos como pessoas morais só pode
significar o direito igual de ser diferente”,4 não se coloca para o pesquisador
como um valor em relação à sociedade que estuda, mas, sim, como foco da
sua orientação. Isso significa que, para o antropólogo, são as sociedades que
têm igual direito de ser diferentes, e seu ponto de partida serão sempre as
categorias com que os membros de uma sociedade ordenam sua experiência
ou as configurações de significado que elas formam.
Para cientistas políticos, o tema sugere, imediatamente, questões de
justiça, participação política, direitos sociais. O antropólogo propõe-se, em
relação à mesma questão, perguntas aparentemente mais simples: o que é um
cidadão? Qual a concepção que distintos grupos têm de cidadania? Por meio
de que símbolos é possível detectar essas formulações?

Cidadania, nação, Estado


Para o antropólogo, o Estado e a nação são interessantes, principalmente, na
medida em que são formações sociais recentes, agindo como atores
privilegiados na arena internacional. O Estado nacional tem características de
universalidade, porém uma observação mais detalhada mostra sua
diversidade e, então, pode-se atestar que, mais que algo acabado e pronto,
trata-se de um processo ou uma tendência. Essa perspectiva não é nova, e é
reconhecida mediante conceitos como state-formation e nation-building, por
exemplo.5 A admissão da historicidade dos Estados-nações também permite
constatar que, a par com os processos de formação e construção desse tipo de
organização social, surgem as auto-imagens das nações. Quanto à formação,
predomina o aspecto de interdependência funcional entre os estratos sociais e
entre as regiões, e aí a historicidade é admitida. No que diz respeito à auto-
imagem, encontram-se representações que tendem a ver as nações como
eternas, imutáveis e integradas. Se distinguirmos os dois planos, iremos
verificar que países industrializados contemporâneos, conquanto se
considerem nações acabadas, podem ainda estar nas fases iniciais de nation-
building.6
Por definição, os membros de um Estado nacional são considerados
cidadãos, a cidadania implicando direitos e deveres no reconhecimento da
igualdade humana básica e sua participação integral na comunidade.7 No
entanto, se Estados e nações estão sempre em processo de constituição,
consolidação e transformação, o mesmo pode ser dito da cidadania. Como
cada Estado utiliza critérios diferentes de seleção e exclusão quanto ao status
de cidadão, as variações também podem ser tomadas contextual e
historicamente. Como um modelo, o conceito de cidadania traz consigo fortes
conotações de individualidade e universalismo e coaduna-se com a definição
de nação enunciada por Marcel Mauss:

[Nação é] uma sociedade material e moralmente integrada, com fronteiras


fixas, em que há uma relativa unidade moral, mental e cultural entre seus
habitantes, que conscientemente aderem ao Estado e suas leis.8

Tal definição foi, no entanto, contestada como se referindo ao Estado


nacional, e não apenas à nação.9 Naturalmente, ao antropólogo não interessa
discutir um conceito que é reconhecidamente controvertido mesmo no léxico
da ciência política.10 Mas pode-se, para efeito de análise, ressaltar que o
conceito de nação inclui sempre valores ideológicos. Como diz Louis
Dumont, acima de tudo a nação é “a sociedade que se vê como constituída de
indivíduos”.11
Dumont encara a sociedade moderna como uma formação social que se
diferencia das tradicionais em geral por uma revolução ideológica que coloca
especial proeminência no indivíduo. Nas sociedades tradicionais, a ênfase
principal está na ordem, na tradição e na orientação de cada ser humano para
os fins prescritos pela sociedade. No tipo moderno, a referência primordial
recai nos atributos, reivindicações e bem-estar de cada ser individual,
independentemente de seu lugar no todo social. No primeiro caso, o ser
humano é considerado essencialmente um ser social, derivando sua própria
humanidade da sociedade da qual ele faz parte (caso da ideologia holista); no
segundo, cada ser é um elemento da espécie, é uma essência existindo
independentemente, e observa-se uma tendência a reduzir, obscurecer ou
suprimir o aspecto social da sua natureza. Nesse sentido, quando Dumont
afirma que a nação é “a sociedade que se vê como constituída de indivíduos”,
ele não está se referindo à presença empírica de seres humanos, mas ao valor
ideológico colocado no indivíduo. Mesmo assim, adverte Dumont, as
variações persistem, e ele nos mostra as diferenças entre os conceitos de
nação nos pensamentos francês e germânico.12
Usarei essas idéias como ponto de partida para um exame do caráter
simbólico que os documentos assumem no Brasil como emblemas de
identidade cívica. Documentos são fornecidos por órgãos públicos apenas
para aqueles que preenchem determinados requisitos estipulados por lei. Eles
cumprem, portanto, a função de distinguir o cidadão do marginal.
Empiricamente, examino dois tipos de papéis legais: a carteira profissional,
com apoio na sugestão de Santos,13 e o título de eleitor, tendo por base
pesquisa realizada em um município rural de Minas Gerais. Em seguida,
procuro mostrar como o conceito de cidadania pode surgir de outras formas, a
partir, por exemplo, de algumas reflexões sobre o programa de
desburocratização que teve início no Brasil em 1979. No caso dos
documentos, trata-se de ver como os grupos sociais concebem localmente a
cidadania; no caso da desburocratização, de como o conceito é disseminado
pelo Estado sob a perspectiva do “não-documento”.

O documento urbano: a carteira profissional


A carteira profissional no Brasil converteu-se, de acordo com Santos, em
“certidão de nascimento cívico” nos anos de 1930. Uma implicação de sua
instituição, segundo o autor, é que, de todos os documentos a que a
população urbana tinha direito, a carteira de trabalho se tornou o atestado
comprobatório de cidadania. Santos esclarece sua idéia mostrando que, em
lugar de ser determinada pelos direitos civis, políticos e sociais, a cidadania
no Brasil se desenvolveu mediante a definição e o reconhecimento por lei das
profissões vigentes, via um sistema de estratificação ocupacional. A
cidadania no Brasil foi, assim, regulada pelo Estado, imposta pela inclusão
na legislação de novas profissões e ocupações e pela ampliação dos direitos
associados a ambas. Passaram, desse modo, ao status de cidadão todos
aqueles que tinham sua profissão admitida por lei; conseqüentemente, foram
considerados pré-cidadãos todos os trabalhadores urbanos não
regulamentados e todos os trabalhadores da área rural. Em outras palavras, a
noção de cidadania regulada partia do Estado: “Se era certo que o Estado
devia satisfação aos cidadãos, era este mesmo Estado quem definia quem era
e quem não era cidadão, via profissão”.14 Portanto, não foram os valores
inerentes aos membros da comunidade, e tampouco as aspirações da
população de comungar um ideal nacional, que serviram de base para essa
concepção, mas simplesmente uma categorização das profissões.
A sugestão de Santos indica, ainda, uma possível afinidade entre a ação do
Estado e a assimilação da definição estatal pela população urbana em geral.
Tal fato é atestado por exemplos oferecidos pelo próprio autor, como a luta
desenvolvida no Brasil pelo reconhecimento legal de várias profissões
(sociólogos, processadores de dados etc.) que visavam sua inclusão na
categoria de cidadãos. Por outro lado, corrobora a idéia do autor o fato de as
associações profissionais poderem expedir carteiras de identidade, como era o
caso daquelas fornecidas pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura
e Agronomia – CREA. As associações de classe assumiram, por muito
tempo, funções próprias de Secretarias de Segurança Pública. Finalmente, é
interessante notar que, não obstante a carteira profissional passar a ser
símbolo de cidadania, isso não significou o reconhecimento da igualdade
entre os indivíduos e a participação integral de todos na comunidade. A
carteira profissional, privilégio de uma parcela específica da população, traz
em si uma concepção de cidadania que mostra a face da distinção e a marca
do status. Os cidadãos da nação assim definidos constituem minoria
privilegiada. A nação existe como categoria ideológica, sendo composta de
indivíduos hierarquizados que se diferenciam por sua profissão e pelo lugar
que ocupam no conjunto da sociedade.

O título de eleitor
O título de eleitor leva-nos por outros caminhos. Ele se fez presente, em
termos etnográficos, em uma pesquisa de campo em Minas Gerais no início
dos anos 1980. Diferentemente da situação urbana descrita por Santos,15 em
Rio Paranaíba, o título de eleitor era o documento mais requisitado no
cartório da cidade. Tudo faz crer que se tratava, para a população rural, do
equivalente à carteira de trabalho, tendo em vista o fato de o empregador
providenciar o título eleitoral para seus novos empregados, até arcando com
eventuais despesas. No entanto, se esse documento preenchia função
correspondente à da carteira profissional, por outro lado, continha implícitas
outras dimensões que eram especificamente rurais – ou, melhor, “não-
urbanas” –, entre elas a personalização das relações sociais e a onipresença da
política como esfera de atuação e como categoria ideológica.
Rio Paranaíba não era uma comunidade isolada, como comumente
idealizado pela população urbana em relação ao interior em geral. Rio
Paranaíba formava com outros municípios vizinhos – São Gotardo, Carmo do
Paranaíba, Patos de Minas, Ibiá, por exemplo – uma espécie de rede de
relações comerciais e de serviços, a qual podia estender-se a Belo Horizonte
ou mesmo Brasília, para onde, inclusive, foi significativa a migração na
década de 1960. Rio Paranaíba, apesar de sua população pequena (nos anos
1980 contava com, aproximadamente, três mil habitantes na sede e 11 mil no
restante do município), desfrutava de recursos razoáveis em comparação com
os da maioria da população rural brasileira. Na época da pesquisa em pauta,
encontravam-se lá, por exemplo, um posto de saúde, um hospital (quase
inoperante) com dois médicos, uma escola pública, um ginásio, um cartório,
escritório do Sindicato de Trabalhadores Rurais, agência do Banco Real,
escritório de contadoria, uma igreja católica com padre residente, um templo
protestante, um hotel, uma pensão. Moravam em Rio Paranaíba um juiz, um
procurador e dois advogados. Nos últimos anos, tinham sido inauguradas
uma creche, uma estação rodoviária, uma nova sede da Prefeitura e instalada
uma agência do Banco do Brasil.16
Nesse ambiente, em que os habitantes conviviam com recursos urbanos, o
título de eleitor não era uma sobrevivência de um passado clientelista, mas
uma realidade que coexistia com a introdução de medidas modernizantes, tais
como a criação do Estatuto do Trabalhador Rural e do Fundo de Assistência e
Previdência do Trabalhador Rural – Funrural. É importante salientar isso,
porque Santos em seu argumento sugeriu que, com a extensão dos direitos
sociais ao campo, não só a população rural se integraria à sociedade legal,
mas também o Funrural representaria uma inovação de tal ordem nos valores
políticos e sociais que romperia a concepção de “cidadania regulada”. Esses
novos direitos, segundo o autor, trariam como novidade o fato de se
estenderem a todos os membros da coletividade agrária, independentemente
de sua ocupação. No entanto, se o título de eleitor servia como símbolo de
identidade cívica, se não contradizia, pelo menos sugeria que se deve encarar
com cautela a relação entre a extensão de direitos pelo Estado e as
concepções de cidadania vivenciadas pela população. Nesse contexto, o título
de eleitor vinculava, em primeiro lugar, o cidadão ao empregador, e só
secundariamente aos outros eleitores. Ele simbolizava não o direito de voto,
mas uma filiação política.
A esse respeito, dois aspectos devem ser salientados para futuras
pesquisas: um se refere ao que se concebe localmente como política; o outro,
associado ao primeiro, tem a ver com a concepção de filho do município.
Ambos mostram que, apesar da integração de Rio Paranaíba nos cenários
regional e nacional, as informações provenientes dos grandes centros, e
mesmo as medidas concretas de inclusão da população na categoria de
cidadão, recebem interpretações locais particulares.
Como exemplo da importância da “política”, basta mencionar seu uso
como explicação para grande parte dos eventos locais: meio de se conseguir
um emprego, causa de uma demissão, razão última de problemas
aparentemente religiosos. Justificativas para essas situações eram geralmente
dadas em termos lacônicos: “É a política.” A “política” elucidava ocorrências
históricas – por exemplo, a razão de Benedito Valadares ter sido nomeado
interventor em Minas Gerais sem sequer estar incluído na lista dos
candidatos, mas apenas por ser casado com uma filha adotiva de Getúlio
Vargas. Mas a “política” deslindava também a morte de um padre católico
pela facção protestante ocorrida cinqüenta anos antes. Por outro lado, a
“política” era dada como razão para a nomeação de procuradores, inspetores
escolares, professores, assim como para a perda de cargos quando a outra
facção estava no poder.
Tratava-se de uma concepção de política vinculada a relações
personalizadas e hierárquicas, em contraste com o modelo individual e
universalista da ideologia moderna. Não eram as características de cada
pessoa, e tampouco sua qualificação ou mérito, que determinavam sua
escolha para um emprego, mas sua posição social dentro de um grupo e a
rede de relações mantidas com outros membros desse mesmo grupamento.
Por outro lado, em Rio Paranaíba, essa mesma dinâmica se observava no que
diz respeito aos valores dos serviços. Ali, praticamente, inexistiam tabelas de
preços, notando-se uma flutuação constante e considerável entre os mesmos,
sendo o mercado regulado por meio de avaliações de status e posição
hierárquica. Assim, por exemplo, o custo para a obtenção de um documento
no cartório local ou o salário de uma empregada doméstica diferiam de
acordo com as pessoas envolvidas. Essa situação era aceita e não havia
demandas por isonomia, já que pessoas com papéis sociais diferentes tinham
obrigações e deveres que variavam conforme o lugar que ocupavam na
sociedade. Tudo isso convivia com situações reveladoras, como o jovem
prefeito de então que, mesmo não pertencendo a nenhuma das famílias
tradicionais locais, foi extremamente bem-sucedido quando procurou
imprimir um caráter moderno-tecnocrático ao seu governo, ao mesmo tempo
em que assumia um estilo mais tradicional nas suas relações com os governos
estadual e federal – sabendo que suas reivindicações para o município só
seriam aceitas uma vez estabelecidas certas alianças, ele costumava visitar o
governador em Belo Horizonte uma vez por semana, e a cada três meses, ia a
Brasília para manter contato com altos escalões federais.
Ser filho do município era, por outro lado, motivo de orgulho e atestado de
identidade social. A hipótese que gostaria de levantar aqui é que o município
serve como mediador entre os níveis individual e nacional, atuando como
entidade política, e não simplesmente como entidade territorial e
populacional (como define o IBGE). À medida que o indivíduo opera na
esfera municipal, ele também participa da vida nacional, via política.
Podemos citar o exemplo de pessoas que, mudando-se de Rio Paranaíba para
outros centros, fizeram questão de não transferir seu título de eleitor, em uma
clara afirmação de sua identidade de filho do município.
Em suma, a experiência em Rio Paranaíba não confirma a concepção de
Louis Dumont de que uma nação é uma sociedade que se vê como composta
de “indivíduos”. Para os seus habitantes, a imagem de nação era clara, mas o
modelo de cidadania, tal como tradicionalmente engendrado, ou a concepção
individualista de indivíduo, eram duvidosos. A idéia de nacionalidade era
mediada pela identidade de filho do município, cujo símbolo cívico e político
era o título de eleitor. A ênfase não recaía, portanto, no indivíduo como valor
último, mas no grupo. No município, os grupos eram os partidos políticos,
incluindo aqueles não mais reconhecidos oficialmente: “Aqui é tudo UDN e
PSD e vai continuar assim enquanto o mundo for mundo.” No plano estadual,
a identidade se fazia pelo município de origem, reafirmando a idéia de filho
do município. Finalmente, em termos nacionais, a identidade era de mineiro
(em contraste com goiano, baiano, paulista etc.). Esse esquema, familiar aos
antropólogos depois de Evans-Pritchard, aponta para uma ideologia nacional
que, em termos de padrão, deveria ser “individualista”, mas que se insinua,
ao contrário, como “holista”. Em contraste com o modelo de Dumont, o que
Rio Paranaíba sugere é a possibilidade de termos uma nação constituída de
indivíduos que não se vêem como iguais, e que, ideologicamente
hierarquizados na esfera local, transferem essa configuração para o plano
nacional. Ao que parece, esse modelo está intimamente associado à noção de
território – sobretudo de município –, quando não a partidos políticos que
simbolizam as divisões internas. Mas é necessário distinguir aqui, como faz
Dumont em relação ao “indivíduo”, o território como presença empírica e o
lugar do território na consciência que o grupo tem de si.17

O não-documento
É claro que a carteira profissional e o título de eleitor não esgotam as
possibilidades de simbolização da identidade nacional no Brasil. Há situações
em que a certidão de batismo preenche a mesma função, misturando-se aí
identidade civil e religiosa. Da mesma forma, há instâncias em que não é a
nação, mas o estado da federação (por exemplo, o Ceará) a unidade de
referência.18
Dado esse cenário variado, a discussão do impacto do programa de
desburocratização iniciado pelo governo federal em 1979 torna-se
interessante. A desburocratização seria definida, vis-à-vis os documentos
mencionados anteriormente, como a instância do “não-documento”. O
pressuposto era que a palavra do cidadão vale por um documento, e o
objetivo, eliminar ao máximo as dificuldades enfrentadas pelos usuários dos
serviços públicos.
Da mesma forma que os documentos simbolizam um modelo de
cidadania, a desburocratização representa um outro, em que o cidadão está
dispensado do excesso de documentos. Dominava a idéia de que o
indivíduo/cidadão deveria ter acesso direto ao governo, bastando para tanto
escrever, pessoalmente e sem intermediários, ao Ministério da
Desburocratização. Logo depois de iniciado, o programa procurou avançar:
por via do telefone, o projeto “Fala Cidadão” (implantado em 1985)
eliminaria até a intermediação da carta. Tratava-se, portanto, da implantação
de um modelo de nação na forma como foi definido por Mauss, em que a
integração era de tal ordem “que, por assim dizer, não existe intermediário
entre a nação e o cidadão, que toda espécie de grupo desapareceu”.19
A cidadania alcançaria sua condição mais pura: os cidadãos da nação,
iguais perante o Estado, teriam acesso direto não só ao Ministério, mas ao
próprio ministro (no caso das cartas). Vale aqui lembrar que o programa de
desburocratização teve início no âmbito de um Ministério “extraordinário”,
ele próprio concebido como desburocratizado.
A desburocratização fez-se em um espaço político-ideológico bem
definido. Ao contrário de medidas econômicas centralizadoras, a
desburocratização propunha, desde o início, a descentralização
administrativa. Mas a descentralização tinha implicações inesperadas no que
se refere à integração nacional. Aparentemente, essa parece ter sido a meta
não só do Ministério da Desburocratização na época, mas também de outras
entidades governamentais determinadas a construir a memória do passado
nacional. Órgãos como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – SPHAN, a Fundação Pró-Memória etc., visando modificar a
médio e longo prazos “a consciência do Brasil”, representariam, no sentido
mais puro, uma experiência de nation-building sob o comando do Estado. Se
tal hipótese for correta, o Ministério da Desburocratização atingiria seus
objetivos à medida que produzisse respostas de participação popular e, ao
mesmo tempo, ou secundariamente, a efetiva concretização de medidas
desburocratizantes. Tal sugestão parecia se confirmar em ações que
nitidamente visavam a mobilização popular. Em dezembro de 1981, por
exemplo, 1,2 milhão de funcionários públicos federais receberam, junto com
seus contracheques, formulários do Ministério para serem preenchidos com
sugestões visando simplificar a burocracia no país. Em 1985, não obstante,
entre os nove principais projetos do programa, o item “desburocratização”
propriamente dito figurava em quinto lugar, sendo precedido pelo Projeto
Cidadão, pela Política Nacional de Defesa do Consumidor, pelo Projeto de
Apoio à Microempresa e pelo Plano de Descentralização e Municipalização.20
(Vinte anos depois, a meta da desburocratização sobrevive no Prêmio Hélio
Beltrão – nome do único ministro da Desburocratização –, destinado a
distinguir projetos de facilitação da vida pública.)
Outras observações são ainda pertinentes. Desburocratizar, em termos
estritos, significa eliminar papéis. Pressupõe, portanto, uma situação
altamente burocratizada, com um grau de ineficiência tão elevado que se faz
necessária uma intervenção. Se tal fenômeno é claramente visível nos
grandes centros urbanos brasileiros, sua aplicabilidade é incerta no meio
rural. Assim, em Rio Paranaíba, os habitantes não acreditavam na utilidade
do programa, uma vez que lá “todo mundo conhece todo mundo”. A solução
local era até vista como mais favorável, e mesmo superior, que a federal na
tentativa de se eliminar injustiças sociais. Como todos se conhecem, “muitas
vezes pobre não paga”. A maioria da população de Rio Paranaíba encarava o
seu cotidiano como já desburocratizado. (Uma perspectiva pré-burocratizada
talvez fosse mais realista.) A exceção ficava por conta dos funcionários do
Judiciário e despachantes, que viam na desburocratização a solução para se
romper o esquema de satelitização em que Rio Paranaíba estava envolvido,
cuja principal implicação era a situação de dependência para com São
Gotardo, Carmo do Paranaíba, Patos de Minas e mesmo Belo Horizonte e
Brasília. A quebra desse sistema acarretaria um maior fortalecimento do
município. Note-se que mudanças são pretendidas no âmbito dos vínculos
externos ao município, preservando as relações sociais existentes na esfera
local. (Em 1981, duas pessoas de Rio Paranaíba tinham escrito para o então
ministro Hélio Beltrão, ambas pertencentes ao sistema judiciário: um
advogado e um escrivão.)
O exemplo de Rio Paranaíba mostra que é possível andarem juntas a
descrença no programa de desburocratização e a assimilação do seu apelo
ideológico – a prefeitura de Rio Paranaíba exibia um cartaz do programa logo
na sala de entrada. Revela, igualmente, o paradoxo de ver a desburocratização
chegar a lugares pré-burocratizados. Por outro lado, durante algum tempo,
países como Colômbia, Argentina, Venezuela, Portugal e Espanha
procuraram o governo brasileiro para iniciar convênios visando a consultas e
trocas de experiências.21
Independentemente da versão de modernidade sobre a qual se assentava o
projeto, permanece a questão se, com o novo modelo de cidadania, a
desburocratização não traria junto o famoso “paradoxo de Tocqueville”,22 que
se refere ao fato de o individualismo e o poder central poderem crescer lado a
lado, na medida em que cada indivíduo tem o direito de fazer suas
reivindicações à assistência governamental de forma autônoma. Em outras
palavras, a pergunta que fica é a seguinte: a igualdade de participação que a
desburocratização prometia naquele contexto não poderia acarretar a perda de
identidade social do indivíduo? Tratar-se-ia, então, de uma cópia falsa de
participação, porque enquanto do ponto de vista do Estado novos canais de
comunicação eram oferecidos, para os cidadãos a representação coletiva
ficava bloqueada. A inexistência de intermediários entre a nação e o cidadão
também chamou a atenção de Marcel Mauss, para quem “[…] o poder do
indivíduo sobre a sociedade e o da sociedade sobre o indivíduo, exercendo-se
sem freios e sem engrenagens, pode resultar em algo anormal […]”.23
Tendo em vista que a burocracia faz as vezes de grupo intermediário entre
o Estado e o cidadão, a questão que se coloca, então, é a de se pensar no
problema da burocracia a partir de novos modelos de organização – não
necessariamente “de cima para baixo”, mas também na direção inversa.
Uma última observação refere-se ao timing do início do programa de
desburocratização. Santos24 mostra que foi nos períodos autoritários que mais
se propuseram modelos de cidadania no Brasil. Se isso é verdade, temos aqui
um processo contraditório de disseminação, vindo “de cima” – em que pesem
os indícios de abertura na época da sua implantação –, de um modelo
democrático. Essa proposta, por exemplo, não brota de aspirações populares
específicas, pois se trata de uma iniciativa particular do governo. A rigor, as
reivindicações populares (como demandas salariais e outras) ficaram por
longo tempo à margem e, na época, propôs-se, como uma espécie de
substitutivo, a desburocratização. Além disso, cabe salientar que essa é uma
proposta eminentemente urbana, cujo pressuposto é que a burocracia é um
procedimento puramente técnico.25 Já no meio rural, onde as relações sociais
são, reconhecidamente, relações “políticas”, o programa produz uma possível
integração ideológica, mas desprovida de eficácia.
Em 1985, seis anos depois da implantação do Ministério da
Desburocratização, a mudança de governo não implicou alterações
substantivas nas diretrizes gerais do projeto. Nota-se, até, a perpetuação dos
seus paradoxos, como, por exemplo, no Programa de Documentação para a
Cidadania, por intermédio do qual pequenos postos municipais provisórios
ofereciam título de eleitor, certidão de nascimento, certidão de casamento,
certidão de óbito, carteira de identidade ou de trabalho e certificado militar
para a população desprovida de tais documentos. Observa-se aí a tentativa de
habilitar as pessoas, intentando a consolidação de uma sociedade civil,
supondo-se que somente esta poderia alterar a correlação de forças
encontrada nos escalões intermediários – e mais burocratizados – do governo.
Em que pese a aparente contradição de “documentar para desburocratizar”,
havia (e continua havendo) um toque de realismo na medida. Esquecia-se, no
entanto, o significado cultural de tais documentos em contextos diversos (ver
Capítulo 10). Esquecia-se, ainda, que a cidadania passa pelo domínio do
“político”, não se limitando a aspectos propriamente civis e sociais. A
questão, então, é saber se a construção de uma sociedade civil tem na
desburocratização o seu caminho mais eficaz.

Observações finais
Chegamos, portanto, à conclusão de que o ideal de se viver “sem lenço, sem
documento” é fundamentalmente urbano.26 No meio rural, “cidadão” é um
termo que possui conotação negativa, que se usa para designar uma pessoa
desconhecida, estranha à comunidade – uma pessoa “sem nome”: “Ei,
providencia um café para o cidadão aqui!” ou “O cidadão não está
entendendo…”. A expressão “cidadão” marca o indivíduo como um estranho.
Fica claro, portanto, que “cidadania” e “cidadão” são conceitos cujos
significados variam entre cientistas sociais e membros de uma comunidade
específica, podendo ter até um status valorizado para uns e indesejável para
outros.
Cientistas sociais sofrem de uma perene dificuldade para definir cidadania,
na medida em que, mesmo reconhecendo o fenômeno como resultado de um
processo histórico, há uma inevitável tendência a se falar em uma tipologia
dos direitos do cidadão. Esta tem origem nos trabalhos de T.H. Marshall, que,
embora afirme que sua análise é ditada “mais pela história que pela lógica”,27
divide o conceito em três partes:
“• os direitos civis, compostos dos direitos necessários à liberdade
individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé,
direito à propriedade e de realizar contratos válidos e o direito à justiça;
• os direitos políticos, como o direito de participar no exercício do poder
político como membro de um organismo investido de autoridade política
ou como eleitor dos membros de tal organismo;
• os direitos sociais, que se referem ao direito a um mínimo de bem-estar
econômico e segurança, ao direito de participar por completo da herança
social e de levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões
que prevalecem na sociedade”.28
Marshall revela que os três elementos da cidadania se formaram na
Inglaterra no decorrer de três séculos: os direitos civis podem ser atribuídos
ao século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX, mesmo se aceitando
uma superposição no seu desenvolvimento. Assim, além de uma descrição
histórica, nota-se uma tendência implícita de conceber os direitos como “um
modelo de cidadania”. A mesma perspectiva aparece nos estudos de Bendix,29
quando este autor focaliza sua preocupação na extensão dos direitos de
cidadania às classes baixas. Em seus trabalhos, a visão histórica é
freqüentemente contaminada por termos como “os elementos da cidadania”30
e “nas experiências de transição”.31
Para T.H. Mashall, não há nenhum princípio universal que determine
quais são os direitos e obrigações da cidadania, “mas as sociedades nas quais
a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam a imagem de uma
cidadania ideal”.32 O principal problema dessa abordagem reside no
pressuposto implícito de que algumas nações ultrapassam o ponto crítico em
que ocorrem transformações no conceito de cidadania. Mesmo que se aceite,
por exemplo, que a Inglaterra “é a exceção, mais que o modelo”,33 é como se
o Estado nacional se encontrasse em sua forma definitiva e o conceito de
cidadania plena e categoricamente estabelecido. Em primeiro lugar, essa
perspectiva é etnocêntrica e ahistórica; em segundo, ela não distingue os
direitos que um Estado oferece aos cidadãos da própria concepção que os
cidadãos têm da cidadania. A vinculação entre os dois níveis não é
automática, nem necessariamente ambos são homólogos; por fim, e talvez
mais importante, ela não leva em consideração que, em diferentes contextos,
os direitos civis, políticos e sociais de que fala Marshall podem ter valores
ideológicos diferenciados – como parece ser o caso histórico brasileiro em
relação à predominância dos direitos políticos.
Criticando a visão estática a partir da qual os Estados nacionais têm sido
estudados, como se fossem sistemas ou tipos ideais, Blok34 mostra como é
inapropriada a idéia de que qualquer desenvolvimento político seja o
resultado do esforço de um governo particular contra as forças da tradição, da
corrupção e do particularismo. Nesse sentido, Blok mostra que a máfia
siciliana, por exemplo, não é o resíduo de um passado sem lei, mas o
resultado da forma específica mediante a qual o processo de state-formation
se desenvolveu na Itália.
Minha hipótese é que o próprio desenvolvimento de uma sociedade é
apreendido em termos de valores culturais. Nos países ricos e
industrializados, predomina uma ideologia que os vê como Estados prontos e
acabados. No Brasil, a noção de uma nação acabada não existe. Há mais de
um século que um aspecto dominante de nossos valores é que estamos
construindo uma nação. Nation-building não é, portanto, apenas um processo,
mas um traço de nossos valores. Formar um Estado nacional foi projeto de
imperadores, intelectuais, revolucionários, governos militares e governos
eleitos.35 A consciência de construção da nação convive, ao mesmo tempo,
com a idealização do que seja um Estado-nação, concebido como uma
reificação dos processos históricos europeu e norte-americano.
A proposta contida neste capítulo é que conceitos como cidadania, Estado,
nação variam histórica e etnograficamente. De um lado, temos processos de
formação do Estado, de construção da nação, de ampliação dos direitos. É
nessa esfera que as políticas estatais devem ser analisadas e os aspectos
administrativo burocráticos avaliados. De outro, vinculadas, mas não
necessariamente homólogas, estão as categorias de cidadão, Estado, nação,
também sofrendo processos de construção ideológica. O corolário é que a
ampliação dos direitos, por exemplo, desejável sob o ponto de vista da justiça
social, não cria, automaticamente, indivíduos que se concebem como
cidadãos, segundo o modelo clássico. Da mesma forma, é indesejável, e
mesmo condenável, forçar esse mesmo valor sem que os direitos
correspondentes sejam oferecidos. Isso nos leva a postular que a cidadania,
tal como definida classicamente, é, do ponto de vista do indivíduo, apenas
uma das formas de identidade nacional.
Os exemplos que vimos, por precários que sejam, indicam que essa noção
varia no Brasil em situações urbanas e rurais, regionalmente, em termos de
concepções impostas ou “reguladas” pelo Estado ou de concepções nativas.
Estamos diante, portanto, não de um conceito de cidadania, mas de um
processo de construção de identidade nacional em que ela é uma de suas
expressões, em que vários modelos coexistem e no qual o Estado e a
sociedade civil se empenham de maneiras diversas. Resta saber até que ponto
suas visões divergem ou coincidem. Em termos de políticas concretas, é
necessário estar atento para que a disseminação dos direitos de cidadania não
venha atrelada, necessariamente, à sua concepção moderna e ultra-
individualista. Devem, por outro lado, acautelar-se os administradores e
políticos para o logro que significa fazer com que a população se sinta
participante quando seu poder de ser efetivamente ouvida é mínimo ou
inexistente. Aqui, confrontamo-nos, novamente, com o valor ideológico
elevado dos direitos políticos. Em termos teóricos, o caso brasileiro
representa um entre aqueles que mostram variações da questão de integração
nacional – social e territorial –, apontando para possíveis combinações entre
os valores modernos, vistos como individualistas, e os valores tradicionais,
holistas. Talvez uma nação possa existir na consciência dos homens sem que
necessariamente estes se vejam como entidades abstratas independentes.
10. A lógica múltipla dos
documentos1

Quando, [em 1954,] depois de quase vinte anos vivendo sem nacionalidade, Blücher
fez o juramento e seus documentos chegaram pelo correio, ele informou a Arendt que
o tempo horrível sem papéis, “neste tempo terrível de documentos”, finalmente tinha
terminado – “até a próxima vez”.
Elon2

Há, nas ciências sociais contemporâneas, uma divisão de trabalho


discreta, mas persistente, em que o Estado é visto como objeto legítimo de
estudo de sociólogos e cientistas políticos; os antropólogos deveríamos,
quando não continuar a pesquisar sociedades tradicionais, elucidar questões
do mundo moderno relativas a padrões de sociabilidade. Essa divisão de
trabalho, herdeira da época em que sociólogos estudavam suas próprias
sociedades e antropólogos, as civilizações não-ocidentais ou povos
primitivos, embora vista como ultrapassada, mantém-se na agenda das
ciências sociais mesmo no contexto de fenômenos contemporâneos,
permanecendo estável o vínculo do Estado à autoridade (e à sociologia), e o
da nação à solidariedade – um constante desafio.
Antropólogos em particular partimos de uma perspectiva diversa:
idealmente procuramos ver a sociedade tanto por seus aspectos sociológicos
formais quanto pela perspectiva das pessoas que nela vivem, isto é,
interessamo-nos, ao mesmo tempo, pela estrutura social e pelo ponto de vista
nativo, pelo “Estado” das regras formais e pela “nação” dos processos sociais
em ação. Aos antropólogos soa estranho, por exemplo, distinguir, como
fazem cientistas políticos, Estado de sociedade. Dessa perspectiva, então, a
formação social que se designa como Estado-nação é um todo que só pode
ser desmembrado de forma heurística.
Essa perspectiva não é nova: ao falar da sociedade contemporânea, Mauss
afirmava tratar-se de “uma sociedade material e moralmente integrada, com
fronteiras fixas, e onde há uma relativa unidade moral, mental e cultural entre
seus habitantes, que conscientemente aderem ao Estado e às suas leis”.3 A
nação englobaria o Estado, o que levou Dumont a concebê-la em relação a
valores, isto é, a sociedade “que se vê como constituída de indivíduos”.4
Naturalmente, Weber já havia alertado antes para o fato de que surge um
problema “sempre que se fala apenas do Estado e não da nação”.5
O Estado-nação moderno mereceria, então, mais que um hífen a ligar as
duas partes; essa formação é um [Estado+nação].6 Tendo se tornado o veículo
civilizatório por excelência, o Estado nacional passou a ocupar lugar central
no que hoje consideramos a “cultura mundial dos tempos”, mesmo que, em
termos empíricos, sua implantação em outras latitudes seja questionada7 e, no
Ocidente, se argumente que sua força dominante enfraquece.8 Para tratar
desse tema, acompanho a opção de antropólogos que se forçam a cruzar
fronteiras disciplinares por meio da análise etnográfica de microeventos com
o objetivo de resgatar fenômenos atuais de uma naturalização inevitável.
Tenho dois temas de investigação em mente, que se tangenciam: o
primeiro, e principal, são os “documentos” – de que falava Blücher para
Arendt –, esses papéis legais que infernizam, atormentam ou facilitam a vida
do indivíduo na sociedade moderna. Ao examinar alguns deles em sua
ocorrência rotineira, procuro indicar como situações que os têm como
protagonistas tanto revelam quanto põem em movimento essas entidades que
concebemos abstratamente como nação, Estado, cidadania. Meu objetivo é,
portanto, observar o Estado em ato, a nação se fazendo, o Estado no dia-a-dia
da vida das pessoas.9 Especificamente, meu interesse é apontar no Estado-
nação a presença de dois modos complementares de orientação ao mundo
que, ao senso comum (incluindo dos cientistas sociais), parecem opostos. São
eles, um, o conjunto formado pelas noções de
racionalidade/causalidade/burocracia (consideradas mais afins ao Estado
visto como “forma”, “esqueleto”, “estrutura”); o outro, o bloco constituído
pelas idéias de identidade/participação/solidariedade, que é visto como
alusivo ao “espírito”, à nação. Embora a primeira goze de mais
reconhecimento no Ocidente, sendo considerada mesmo o padrão, as duas
orientações não são antagônicas, nem exclusivas: por certo, não existe
sociedade que não seja racional, nem sociedade desprovida de afetividade. O
segundo tema é breve e subsidiário aos documentos, e refere-se ao projeto de
simplificar a vida do cidadão por meio de números e meios eletrônicos, idéia
que vem crescendo no Brasil nos últimos 25 anos. Essa questão serve como
contraponto à discussão anterior por tratar-se de um movimento
“antidocumento” que procura, em nome de uma ampliação dos direitos dos
cidadãos, diminuir a presença do Estado. No entanto, ao fixarem-se apenas na
formulação supostamente isenta da racionalidade burocrática, os propósitos
democráticos assumem um caráter modernizante que com freqüência levam a
mais coerção e a maior controle.

• Orientação geral. Parto de uma perspectiva etnográfica, isto é, privilegio a


visão nativa dos que sustentam e promovem o Estado, e que sobrevivem sob
seu domínio – quer nas suas entranhas, quer nas suas margens. Minha
orientação geral é semiótica, o que significa que estou interessada nos
processos comunicativos que, quando analisados, revelam aspectos de um
repertório simbólico que é partilhado socialmente. Enfatizando o aspecto
“performativo” dos eventos, faço uso intensivo (embora quase sempre de
forma implícita) das teorias da linguagem, quer desenvolvidas por lingüistas,
como Jakobson, quer por filósofos e lógicos, sobretudo Peirce e Austin.10 Já
que forma e conteúdo são indissociáveis quando se incluem eventos no
quadro maior da cultura e da cosmologia, parto do pressuposto de que traços
formais sempre se encontram, tanto para o analista como para os nativos,
vinculados a contextos culturais particulares.11

Documentos e papéis legais


Para que serve um documento? Documentos facilitam o ato de contar, somar,
agregar a população (e, assim, taxar a riqueza e controlar a produção) e
identificar o indivíduo – para fins de conceder direitos e reclamar deveres.
Assim, tanto elementos particulares/individuais quanto o conhecimento sobre
a coletividade – esses dois componentes indissociáveis do “fato moderno” –
se conciliam nos documentos, nos “papéis” que, reconhecidos e regulados
pelo Estado, identificam o indivíduo como único. O documento legaliza e
oficializa o cidadão e o torna visível, passível de controle, e legítimo para o
Estado. O documento faz o cidadão em termos performativos e compulsórios.
Essa obrigatoriedade legal tem o seu lado inverso: o de impedir o
reconhecimento social do indivíduo que não tenha documentos. Alguns
episódios situam nossa discussão.
• Episódio #1
Um estudante universitário é assaltado por um ladrão bem-vestido na noite de um feriado, quando
retornava da biblioteca para casa. O estudante só percebeu tratarse de um ladrão quando, depois de
perguntar a hora, apontou-lhe o revólver e tirou-lhe a carteira, a jaqueta, o tênis e o relógio. O ladrão
já se afastava quando o estudante se deu conta de que estava sem dinheiro, sem as chaves de casa e
sem os documentos. Gritou sem pensar nas conseqüências: – Ei, moço, você levou minha identidade
no bolso da jaqueta. Bota no chão, por favor…! O ladrão apalpou o bolso e, para surpresa do
estudante, voltou e devolveu-lhe os documentos. Em seguida, ordenou: – Agora corre! E não olhe
pra trás!12

Nesse caso, ocorrido há poucos anos em Belo Horizonte, está claro o


reconhecimento social dos documentos e, implicitamente para o cidadão
brasileiro, a dificuldade de obtê-los em virtude de uma complexa burocracia.
Essa recognição atravessa diversos segmentos da sociedade, incluindo os que
se encontram à margem da lei. O sentimento de pertencer a uma mesma
coletividade é aqui percebido em ato, por meio de valores, mas também de
receios socialmente partilhados. O assaltante é solidário com sua vítima:
mesmo correndo riscos, ele se sensibiliza, coopera, devolvendo literalmente
em mãos os documentos ao seu dono. A coletividade é o Estado-nação: as
leis são feitas pelo Estado; a solidariedade é dos que se sentem subjugados a
ele. O apelo para que ladrões devolvam documentos é uma constante no
Brasil, já que esses são geralmente guardados na mesma carteira que o
dinheiro. (Depois de assaltado no Rio de Janeiro, o jogador de futebol
Ronaldo pediu na televisão aos assaltantes: – Devolvam, pelo menos, meus
documentos!13 O bom humor não escondia o aborrecimento.)

• Episódio #2
Dois índios da aldeia do Carretão, Goiás, chegam a Brasília e, na estação rodoviária, são abordados
por um guarda que se dirige ao mais velho, Zé Belino:
– Você tem documento?
Zé Belino tem guardado no bolso, mas diz que não:
– Não tenho não.
O policial pergunta:
– E como é que está viajando? Você não tem documento nenhum?
Zé Belino responde:
– Tenho, sim, olha aqui. E mostra as mãos calejadas.
O guarda se satisfaz:
– Já sei o que você é. Dirige-se ao índio mais moço e faz a mesma pergunta sobre os documentos.
Recebe a resposta que ele tem, sim, carteira de identidade e carteira de reservista. Mostra os dois
para confirmar.
O guarda retruca:
– Você tem documento, mas não trabalhou. Como é reservista se não trabalhou?14

Nesse evento, trata-se do encontro de um agente do Estado – o policial –,


responsável pela segurança pública, e dois personagens não urbanos – no
caso, índios. Eles conhecem as leis: Zé Belino, o mais velho, chega a desafiar
a autoridade. Embora possua o documento de identidade, opta por negar que
o tenha. Aparentemente, não aceita as regras legais vigentes e testa outro
código que, para sua satisfação, é entendido pelo policial – ao mostrar as
mãos calejadas como evidência do serviço braçal, ele é aceito como força de
trabalho da sociedade. Menos sorte tem o companheiro que, apresentando os
documentos legais de identidade e reservista, sofre a humilhação do guarda,
que não o reconhece como “trabalhador”. Seus documentos são menos
valorizados na escala de prestígio do policial: trabalhar, contribuir para a
reprodução econômica da sociedade, é considerado mais significativo que o
documento formal.
Mas por que o policial reconhece no trabalho uma identidade válida? Se a
carteira de trabalho se transformou na certidão de nascimento cívico a partir
dos anos 1930,15 caracterizando a cidadania no Brasil como regulada pelo
Estado e imposta pela inclusão, na legislação, de profissões e ocupações, era
o Estado quem definia o status de cidadão por via da exclusividade
profissional. No entanto, a carteira de trabalho não assume tal importância no
vazio: a existência de valores sociais relativos ao trabalho – tornando o
indivíduo digno perante a sociedade – favoreceu a legitimidade que ela logo
alcançou para a população em geral. Nesse contexto, a carteira de trabalho é
o passaporte para a sociedade de direito, partilhando com o passaporte
convencional o formato de livreto no qual se anota a trajetória profissional do
cidadão.

• Episódio #3
Na cidade-satélite do Guará II, no Distrito Federal, um casal descobriu, pela manhã, que havia sido
roubado à noite. A bolsa da mulher havia desaparecido. A grande preocupação era com a perda dos
documentos, mas quando ela chegou ao portão da casa levou um susto ao ver seu rosto no chão – era
sua carteira de identidade. Seu alívio se misturou ao ultraje: como poderia estar ali, jogada no meio
da rua? Passado o portão, logo depois estava seu CPF. Andando mais um pouco, achou o título de
eleitor.16

Aqui se vê como as relações de trabalho e a contribuição do indivíduo


para o bem-estar da coletividade estão também presentes em outro importante
documento: o CPF.17 Trata-se de um número com onze dígitos que identifica
o contribuinte – aquele que não apenas trabalha, mas paga imposto sobre o
fruto de seu trabalho, ajudando assim a manter o Estado funcionando.
Inicialmente, o CIC era fornecido por ocasião da declaração anual de renda
do trabalhador ou àqueles que provavam, nos anos subseqüentes, que sua
renda não atingia os níveis obrigatórios de contribuição (os “isentos”). Nas
últimas décadas, tendo se tornado um documento cada vez mais requisitado
para diversas atividades – abrir conta em banco, comprar a crédito, obter
passaporte e até fazer transferência bancária –, passou a ser parte de um
cadastro nacional e é concedido a qualquer cidadão, mesmo não-trabalhador,
sem vínculo empregatício ou renda estável, como estudantes e trabalhadores
autônomos.18 O número do CPF, tendo se tornado mais relevante do que o
cartão em si, faz, hoje, parte dos dados incluídos nas novas carteiras de
identidade e de motorista. Mas entre os documentos roubados, a mulher do
Guará II sublinha sua identificação com a carteira de identidade. Volto ao
assunto mais adiante.

• Episódio #4
Recanto das Emas, ano de 2000. Visto como um “depósito” de pessoas sem-teto, essa cidade-satélite
de Brasília – que o IBGE considera uma das quatro favelas da capital – abriga uma população
demandante de lotes que são distribuídos pelo governo local. Para se tornarem proprietários, os
candidatos devem comprovar tempo de residência em Brasília por meio de “papéis” como, por
exemplo, boletim escolar, protocolo hospitalar ou conta de água. Esses são indicadores de que
aquela pessoa ou família manteve relação com o poder público local por um período igual ou maior
do que cinco anos. A essa comprovação se soma a exigência do título de eleitor (exigência essa
escrita à mão no cartaz que divulga os documentos necessários para a solicitação), o que significa
que quem quiser se tornar proprietário precisa votar no Distrito Federal.19

Mudamos aqui de registro. Diferentemente da carteira de identidade e do


CPF, que são documentos de cunho universalista, fornecidos por uma agência
(por definição, impessoal) do Estado, está aqui em questão a relação que se
estabelece entre o candidato ao recebimento de um lote e o governo que o
concede: o lote é a peça principal da barganha política. Nesse ambiente, a
intermediação de alguém designado como autoridade torna o vínculo
pessoal. Não é por outra razão que a exigência do título de eleitor no cartaz
não é impressa, mas escrita à mão, sugerindo uma possível ilegalidade. Nesse
sentido, se o eleitor não cumpre a exigência, está também indicando sua
recusa ao estabelecimento do vínculo político. O título precisa ser tirado no
Distrito Federal antes do recebimento do lote. Sem o título, sua obtenção faz-
se remota.
Essa conotação política do título de eleitor faz parte do status mais geral
dos documentos no Brasil. Porém, o título, especificamente, torna alguns
aspectos mais visíveis. Como votar é uma obrigação legal, há uma gama de
variações entre os pólos representados pelo eleitor, que tem no título apenas
um de seus documentos, e o trabalhador rural, cujo patrão o vincula ao
cartório eleitoral do município. Nesse contexto, a obtenção do título via um
intermediário cria uma relação particular entre os dois: enquanto o
empregador toma a si o encargo pelo empregado, este se compromete
moralmente a votar nos candidatos indicados pelo empregador (ver Capítulo
9). Esse pacto mútuo passa a sinalizar um vínculo vertical, mais poderoso do
que a solidariedade horizontal com os demais votantes e concidadãos.
Se essa prática tem raízes no passado, é preciso não esquecer que o título
de eleitor possui uma conotação local ou regional acentuada no Brasil (mas
não apenas aqui). Embora se espere que o eleitor transfira o título quando
muda de residência, com freqüência isso não ocorre: há uma tendência de os
eleitores (de qualquer região ou estrato social) manterem seus títulos – e,
portanto, sua inserção política – em suas regiões de origem. Somando-se a
isso o fato de que votar é obrigatório, o resultado é que, nos momentos de
eleição, observa-se uma espécie de romaria cívica: em vários casos, a
população faz grandes sacrifícios para retornar para votar, reafirmando sua
identidade social e política local.
A particularização do título de eleitor contrasta, assim, com a natureza da
carteira de identidade, que logo estampa sua legalidade “em todo o território
nacional”. O título de eleitor – embora também válido nacionalmente –
assinala o vínculo com uma determinada seção e zona eleitoral, em princípio
próxima ao domicílio do eleitor. Essa definição particularizada do documento
leva ao uso também diferenciado do mesmo, o que facilita o abuso eleitoral
por parte dos políticos locais.
Uma observação a mais: a personalização dos vínculos via documentos
não se restringe a um certificado legal como o título de eleitor, mas seu poder
é válido para qualquer “papel” fornecido por autoridade administrativa. A
promessa de um lote no Distrito Federal, por exemplo, pode se materializar
com a posse de um “papelzinho”, fornecido por um funcionário, no qual está
anotado um número.20 Este número refere-se a um processo, mas é o papel
(acrescido do número) que revela o poder e a autoridade da escrita em um
contexto pouco letrado. Em um ambiente urbano, um papel ou papelzinho
precisa ter a marca legal de uma assinatura, principalmente aposta junto a um
carimbo. Mas carimbos, todos sabemos, são extremamente vulneráveis a
falsificação. Seu poder, no entanto, não diminui por essa circunstância.

• Episódio #5
Eliseu foi jardineiro em uma residência em Brasília durante dois períodos, sempre trabalhando três
dias por semana e recebendo como diarista. Depois dos dois primeiros anos, o empregador precisou
de um caseiro permanente porque passaria um ano no exterior. Esse regime não convinha a Eliseu
por ser casado. Quando o empregador regressou, Eliseu voltou ao trabalho de jardineiro. Mas, dessa
vez, tornou-se ineficiente e foi dispensado. Logo após, o empregador foi intimado a comparecer à
Justiça do Trabalho porque o ex-diarista pedia uma indenização. Ele alegava haver trabalhado na
casa seis dias por semana por quatro anos consecutivos e reivindicava os direitos reservados em lei a
um “empregado doméstico”, que incluem a carteira de trabalho assinada.

Em parte, Eliseu estava correto. A partir de caso ocorrido em 1999, a


jurisprudência brasileira estabelece que qualquer empregado que cumpra
rotina de trabalho de três ou mais dias por semana em residência particular é
um “empregado doméstico”. Esse tipo de trabalho caracteriza-se por um
regime de “subordinação e pessoalidade”. A diferença no número de dias, de
dois para três, parece ser determinante para configurar o vínculo em questão.a
O empregador não podia alegar desconhecimento das leis do Estado –
nenhum cidadão tem esse direito –, mas foi suficiente que provasse, durante a
audiência, que o empregado não havia trabalhado os quatro anos
consecutivos, como argumentava, e Eliseu se viu desacreditado perante o
juiz.
Aqui há dois aspectos interessantes a ressaltar: o advogado do empregador
o orientou a levar à audiência uma cópia autenticada da carteira de trabalho
do caseiro que substituiu Eliseu como forma de evidenciar a falsidade do
diarista. Mas informou-lhe que a própria carteira seria prova mais
convincente. Isto é, a sua apresentação física, na sua conspicuidade (azul), no
que Peirce chama de Firstness, faria o próprio advogado do jardineiro se
convencer de que era impossível ganhar a causa. Foi o que aconteceu. Uma
cópia autenticada e o original têm o mesmo valor legal, porém a
materialidade do documento foi mais eficaz. O segundo aspecto é que,
mesmo tirando bom proveito como diarista, na audiência Eliseu mostrou que
se ressentia também de não ter o carnê do INSS – que lhe foi entregue então.
Não é raro o empregado preferir um salário mais baixo e carteira assinada
a diárias mais altas. A carteira é prova de emprego fixo, de assalariamento e,
como lembrou Wanderley G. dos Santos (Justiça e cidadania), atestado de
cidadania. Mas a materialidade da carteira não chamou a atenção de
Wanderley. O carnê do INSS serve de evidência para mostrar a sua
importância. O recolhimento do imposto do INSS é feito mensalmente em
banco, em carnê no qual constam o nome e o número de identificação do
contribuinte, o valor a ser recolhido e o tipo de contribuição. Esses dados são
processados de forma eletrônica de modo que, por meio do número de
identificação, é possível obter-se em alguns minutos um comprovante de
todos os recolhimentos em uma agência do INSS ligada à Internet. Mas, de
novo, o empregado nem sempre reconhece o mesmo valor do carnê laranja,
em que cada folha corresponde a um mês de contribuição, na simples
listagem de uma folha de papel do Instituto de Seguridade.21

• Episódio #6
A mulher de um policial resolveu vingar-se do marido por ter sido traída: tirou-lhe os documentos
sem que ele percebesse, incluindo a licença de porte de arma, e enterrou-os no quintal. O policial,
nervoso e inquieto, procurava os papéis pela casa, sem sucesso. Passado um tempo, a mulher
exumou os documentos e guardou-os em sua bolsa, mas não se sentiu segura. Consultou a irmã, que
se recusou a escondê-los, pois não queria o cunhado, “aquela pessoa”, em sua casa, mas se ofereceu
para guardá-los na caixa de correio. Dias depois, arrependida do arranjo, devolveu os documentos à
irmã que, sem poder apelar para mais ninguém, decidiu dar um fim a tudo cortando os papéis um por
um. Era como se estivesse “cortando o marido”. Ela sentiu-se vingada e aliviada; o marido tirou
nova via dos documentos.22

Essa história parece auto-explicativa: para a mulher e sua irmã, os


documentos não representam o marido e o cunhado, eles são o marido e o
cunhado. Mas não o são literalmente: afinal, foram apenas papéis cortados, o
que pôde acalmar a mulher ao fazê-la sentir que tinha reparado a traição.
Esse episódio faria a alegria de muitos analistas: Frazer teria identificado
aí um caso de magia simpática, quando a ação sobre um objeto (metafórico
ou metonímico) sustenta a ação sobre o indivíduo. Mais perto de nós,
DaMatta certamente se regozijaria ao ver os documentos na caixa de correio,
a meio caminho entre “a casa e a rua”, no espaço liminar tão prezado por
Mary Douglas e Leach. Entre os clássicos, Evans-Pritchard confirmaria que o
simbolismo “místico” não denota ausência de lógica causal, mas se constitui
em um domínio complementar a ela. Para Lévy-Bruhl, antes, tratar-se-ia da
lógica da participação, que se refere e enfatiza a comunicação sensorial e
afetiva. Amuletos, talismãs, imagens de santos, todos esses artefatos são
intimações da participação entre objetos e pessoas, e de pessoas entre si. Já
para Lévi-Strauss, o evento seria testemunho da ação do “pensamento
selvagem” entre nós, aquele que constrói novas agências por meio da
bricolagem, do rearranjo de unidades previamente classificadas em uma
sociedade ou cultura. Sabemos que selvagem não é sinônimo de “primitivo”,
mas de “não-domesticado”: por exemplo, essa é a lógica subjacente a uma
prática comum na vida em família, a transmissão de fotografias de
antepassados para os membros das novas gerações. Raramente aleatória, a
passagem desses objetos de pais para filhos em geral segue um padrão que
enfatiza descendências específicas. Não são apenas fotografias que estão
sendo passadas, mas a memória da família como herança.

A natureza simbólica dos documentos


O século que reverenciou a ciência como realização máxima também deu
valor central à linguagem e, em especial, à sua função referencial. Acreditou-
se não só que palavras e ações têm estatutos diversos, mas também que
apenas as primeiras dão acesso imediato à mente. Essa foi a visão
preponderante sobre a comunicação humana, que dominou também a
lingüística saussureana que dela evolveu, na qual signos unem, de forma
arbitrária, uma imagem acústica a um conceito. Na própria antropologia,
Lévi-Strauss considerou mitos superiores aos ritos, mas não impediu que,
confrontada com outras tradições não-européias, essa ênfase na função da
linguagem fosse questionada. A observação de Malinowski, de que

[…] não há nada mais perigoso do que imaginar que a linguagem é um


processo que corre paralelo e que corresponde exatamente ao processo
mental, e que a função da linguagem é refletir ou duplicar a realidade
mental do homem em uma seqüência secundária de equivalentes verbais.23

só foi reconhecida recentemente, assim mesmo de forma limitada, por alguns


estudiosos da linguagem. No senso comum, vivemos no mundo da linguagem
referencial.
Mas palavras, tanto quanto atos, dizem e fazem coisas, isto é, a
comunicação não se restringe à referencialidade. O “contexto da situação”
revela outras funções que são inerentes ao fenômeno mesmo da comunicação,
isto é, não são acrescidas depois ou quando ocorre um diálogo. O caso dos
pronomes pessoais é um exemplo: dependendo de quem enuncia e a quem se
dirige, o significado dos pronomes muda, combinando aspectos referenciais e
indicativos em um só signo. Outro caso é o de determinados verbos
performativos, quando dizer é fazer: “Eu prometo” é uma situação
exemplar.24 Assim, se consideramos que documentos comunicam, a questão
se impõe: que tipo de signo são eles?
Documentos identificam cada indivíduo de uma coletividade, geralmente
definida como um Estado nacional. Estamos tão familiarizados com eles que
não nos ocorre um fato banal: os documentos são necessários porque os
indivíduos não podem provar, por eles próprios, sua unicidade.25 Precisamos
que os documentos digam quem somos. Mas exatamente porque externos aos
indivíduos, expedidos pelo Estado, os documentos permitem contar e agregar
uma determinada população. O documento é então exclusivo, exceto pelo
artifício de um segundo, uma “procuração”, que valide a substituição. O fato
de os papéis legais atualmente mais usados terem sido introduzidos no início
do século XX apenas reforça a idéia de que eles tiveram sua gênese com a
implantação do Estado moderno – “esse tempo terrível de documentos” – e
representam uma tentativa de combinar elementos particulares com
conhecimento geral. Como cada documento sofre grande mudança ao longo
do tempo, além de figurar em um conjunto cuja hierarquia interna também
varia, é possível se pensar na sua história como uma arqueologia do Estado
em diferentes contextos.
Um documento reúne uma série de dados, fixados legalmente por
determinado órgão do Estado (Ministério do Trabalho, Polícia Federal,
Superior Tribunal Eleitoral etc.) que, combinados, dão àquele “papel”
legitimidade e veracidade. Isto é, um documento com informações parciais
não é legítimo. Ele também pode ser falsificado, quando é propositadamente
adulterado com objetivos escusos. Alguns estampam período de validade: por
exemplo, uma carteira de motorista é válida por certo número de anos, findos
os quais deve ser convalidada. Outros têm vida longa, como a carteira de
identidade. Além disso, eles são solicitados e obtidos em seqüência: quem
não tem certidão de nascimento não consegue uma carteira de identidade; a
“identidade” é necessária para se obter o título de eleitor; os dois últimos para
requisitar um passaporte, e assim por diante. Essa série marca etapas na vida
das pessoas: não tira carteira de motorista quem não puder provar, com outros
papéis, que tem a idade mínima requerida para a habilitação.
Documentos têm o poder de transformar um indivíduo em cidadão de um
determinado Estado nacional.26 Como vimos em alguns dos episódios
anteriores, o vínculo entre a pessoa e o documento que a identifica não é
apenas de representação, mas também de contigüidade e/ou extensão.
Aqueles que já viram sua carteira de identidade forjada ou reconheceram sua
assinatura adulterada em um cheque, por exemplo, conhecem o mal-estar da
cópia falsa do seu “eu”. Muitas vezes plastificado, o documento se assemelha
a um amuleto moderno – ao mesmo tempo em que concede reconhecimento
ao indivíduo, é por ele transformado em sua réplica. Vejamos em mais
detalhe o fundamento do seu simbolismo.

• Documentos como ícones indéxicos. A materialidade empírica dos


documentos nos remete aos três tipos de signo que Peirce identificou como
ícones, índices e símbolos. Brevemente, ícones são signos que representam
um objeto por similaridade ou identidade parcial, imagens que estimulam
mentalmente sua idéia. O ícone é um First, uma qualidade ou um objeto
externo cujo significado é uma possibilidade. Uma planta arquitetônica é um
ícone de uma edificação; uma estátua, um ícone de um herói; a árvore mudyi,
um ícone da matrilinearidade Ndembu. Já índices são signos que se referem a
seu objeto não tanto por similaridade ou analogia, mas em razão da conexão
dinâmica, da contigüidade entre o objeto individual e os sentidos ou memória
de quem ou do que ele é signo. Índices são caracterizados por Secondness, o
modo associado ao factual, ao aqui e agora, ao contexto empírico. Um relógio
é um índice das horas do dia; uma batida na porta é um índice; o gesto de
apontar também; um sotaque é um índice. Por fim, o símbolo refere-se ao
modo universal, convencional, neutro e independente de contexto imediato
que é caracterizado pela generalidade, pela lei, pelo pensamento abstrato.
Símbolos convencionais são Thirds; por exemplo, a linguagem referencial.27
Desse apanhado, ressalto três aspectos. O primeiro refere-se ao princípio
da arbitrariedade do signo, uma referência na lingüística saussureana, mas
cujo papel aqui é circunscrito e limitado apenas ao símbolo. Estamos no
terreno pleno da semiótica. O segundo alude ao fato de que signos combinam
os três componentes, isto é, em todos os signos há um liame de ícone, índice
e símbolo – um domina, determina ou é enfatizado, porém os demais estão
presentes. Terceiro, estão englobados na tríade acima dimensões semânticas e
pragmáticas simultâneas. Esses aspectos são centrais em relação aos
documentos: de fato, para identificar o indivíduo, é necessário um conjunto
de referências singulares que, sob uma redundância controlada, garanta que
somente um indivíduo corresponda à descrição aí contida.
Vejamos a carteira de identidade. De um lado, ela contém dados
basicamente referenciais, como nome e filiação, data de nascimento, órgão e
local de expedição e a assinatura do diretor da instituição, que atesta a
veracidade da mesma. Todos esses dados são verdadeiros em relação ao
portador, mas nenhum o constrói de forma inequívoca. A possibilidade de
falsificação está aberta. É no verso que elementos icônicos e indéxicos fixam
as informações anteriores, fazendo-as apontar para uma só pessoa. Lá estão a
fotografia, com sua predominância icônica (embora, em uso, com sua
presença indéxica); a impressão digital (dominantemente indéxica e
metonímica), que serve para a identificação pelos órgãos de segurança; e,
finalmente, a assinatura única. É esse agregado de elementos – os
referenciais, de um lado da carteira, e os indéxicos e icônicos, do outro – que
produz a identidade.28 No dia-a-dia, no entanto, destacamos o número
outorgado pelo Estado, o “registro geral – RG”, ou o “número da identidade”.
Números vêm, lenta e progressivamente, adquirindo prestígio e autoridade
no mundo contemporâneo. Poovey29 indica como eles vieram a se constituir,
nos últimos séculos, no lugar do estilo retórico e da palavra escrita, “uma
janela transparente para se observar o mundo das coisas, um modo
descarnado que transcende a política e os interesses”.30 Números são vistos
como neutros, isentos, imparciais – exatamente as características da lógica
moderna da racionalidade e da causalidade, o estilo dominante assumido pelo
Estado. Mas números precisam de um vínculo, um índice ou ícone, que os
liguem a diferentes indivíduos, como o retrato ou a impressão digital. Assim,
embora o número, o “RG”, pareça ser a própria “identidade”, sobretudo nas
relações sociais que não envolvem o aparato de segurança do Estado, o
número não representa o indivíduo diretamente, ele substitui a carteira. Por
esse afastamento duplo do seu objeto – o número, a carteira e a pessoa atuam
como uma série –, os números reafirmam-se como significantes vazios,
espelhando uma arbitrariedade plena. Cada número surge como um signo em
branco, já que nem mesmo a seqüência deles tem significado – o que explica
a idéia de que são neutros e imparciais.
Fraenkel31 propõe que, embora os elementos da identidade sejam
heterogêneos e desordenados, os signos elementares da identidade moderna
se convencionam como o nome, a fotografia e a impressão digital; Caplan32
comenta que esses elementos correspondem, “por meio de uma lógica que
certamente não é acidental”,33 à tricotomia de Peirce, composta por símbolo,
ícone e índice. A associação dos “signos elementares” da identidade com a
teoria peirceana é instigante, mas não faz jus a ela por não levar em
consideração o princípio de que o ícone, o índice e o símbolo não são
exclusivos – eles aparecem sempre combinados.34 Além disso, a esses
elementos é preciso acrescentar o número, item indispensável tanto para o
Estado quanto para as pessoas no uso diário que fazem da carteira de
identidade. Tudo considerado, a carteira parece representar o modelo
exemplar de documento no Brasil: a despeito de sua origem policial
(sobretudo no aspecto da papiloscopia), trata-se de um objeto cujo uso indica
modernidade, civilidade e valores de classe média.35

• Duas orientações ao mundo. Chegamos, assim, ao ponto central. Trata-se


do fato de que os documentos, esses objetos de simbolismo complexo, sem os
quais nosso dia-a-dia não é viável, incorporam dois tipos complementares de
orientação ao mundo. Um diz respeito à racionalidade, à lógica instrumental,
à neutralidade das ações, à eficácia dos atos técnicos, podendo ser
identificado como a “lógica da causalidade”. Esse é o domínio da atuação do
Estado. Aqui a linguagem referencial e os números detêm o poder do cálculo
e da transparência. A convencionalidade do Third prevalece. A outra
orientação refere-se à lógica da participação, que se ambienta na linguagem
da solidariedade, da unidade, da ação expressiva, na eficácia dos atos
comunicativos, na “lei da participação”. Proponho que esse é o espaço da
nação. Aqui o aspecto evocativo da fotografia, da digital e da assinatura se
destaca, indicando que são as características indéxicas e icônicas em ação que
sustentam os vínculos entre as pessoas. Nos episódios iniciais observamos
esse fenômeno repetidas vezes: vimos, por exemplo, a solidariedade dos
oprimidos pela burocracia – quando o ladrão devolve os documentos ao
estudante assaltado; testemunhamos na mão calejada do índio Zé Belino um
código paralelo aos documentos; reconhecemos a manutenção das relações
verticais entre trabalhadores e patrão via título de eleitor; identificamos a
força que emana da materialidade do documento na audiência trabalhista que
garante direitos de trabalhadores e de empregadores; observamos como a
mulher, cuja casa foi assaltada à noite, se refletiu na carteira de identidade
jogada no chão; finalmente, notamos a identificação “mágica” do marido
traidor nos documentos picados pela mulher. Em suma: o Estado (da
causalidade) impõe a identidade; a nação (da participação) a reinventa,
modifica, transforma em um moto integrado e contínuo.
Naturalmente, uma orientação não exclui a outra; por exemplo, tanto
elementos de participação estão presentes no discurso científico quanto traços
de causalidade informam eventos coletivos de caráter participativo. As duas
lógicas se projetam nas capacidades experimental e simbólica das mesmas
modalidades sensoriais do ser humano, isto é, tato, audição, visão e paladar.
Enquanto o discurso da causalidade e da ciência positiva se enquadra nos
termos da neutralidade, da experimentação, do distanciamento e na
linguagem da razão analítica, o da participação se projeta em termos do
contato da magia simpática, dos speech acts performativos e da ação ritual. A
“participação” enfatiza a comunicação sensorial e afetiva, e a linguagem das
emoções; a “causalidade” ressalta a racionalidade da ação instrumental e a
linguagem da cognição.36
O documento necessita da combinação das duas lógicas (digamos, a do
“Estado” e a da “nação”), e não tem eficácia como prova de identidade se
uma delas está ausente: é imprescindível descrever um indivíduo; e é
necessário que o documento seja socialmente reconhecido e eficaz. Em certo
sentido, então, ele personifica o Estado-nação. Externos aos indivíduos – isto
é, não são os próprios indivíduos –, tornam-se objetos do Estado, veículos de
normas, leis, regulamentos, passíveis de cálculos numéricos e elementos de
controle e repressão. Mas essa mesma externalidade do documento
obrigatório propicia a criação de um vínculo existencial entre a pessoa e o
objeto-documento, fazendo deste um totem individual, um duplo, um
amuleto. Essa relação não é inerte: indivíduo e objeto se representam
mutuamente em termos icônicos, e transferem energias e atributos de forma
indéxica.37
Fui testemunha de um desses movimentos de empréstimos recíprocos no
Carnaval de 2004, quando um folião que brincava no Cordão do Bola Preta,
no Rio de Janeiro, pendurou no pescoço uma grande ampliação colorida de
sua carteira de identidade. O carnaval é um momento de liberação coletiva da
inventividade. No caso, o folião solucionou de forma engenhosa a questão do
porte obrigatório da identificação legal e o propósito de se fantasiar. Ao
ampliar a carteira, criou uma alegoria de si. (Um detalhe curioso é que a
carteira não estava na posição vertical, talvez mais cômoda, mas que apenas o
duplicaria, ficando as duas cabeças alinhadas. Ao portá-la no sentido
horizontal, ele perdeu uma certa amplitude de movimento, mas criou a
verdadeira alegoria ao deslocar sua imagem.)
O totemismo inerente aos documentos, aliado à dificuldade de se obter
uma segunda via, é, com freqüência, experimentado em uma situação
corriqueira, quando vemos uma ou mais carteiras de identidade coladas no
vidro de um guichê de pagamento (seja de padaria, estacionamento, posto dos
correios), indicando que foram perdidas ou deixadas no balcão por seus
donos distraídos. As carteiras são posicionadas com os retratos em nossa
direção, para que sejam facilmente identificadas. Relatos a esse respeito
fizeram-me notar que muitas pessoas sentem como se as carteiras as
olhassem, à espera de serem resgatadas por seus respectivos donos. Não são
seus titulares os objetos da empatia; são as carteiras que foram abandonadas.
Em algumas situações, então, o documento parece ser mais do que um
objeto que concede cidadania; ele completa o indivíduo de forma mais
profunda. Seja pela intensidade do vínculo ou pelas dificuldades enfrentadas
por pessoas mais pobres para obtê-los, às vezes a própria vida é colocada em
jogo na iminência de perdê-los. Dois casos trágicos foram relatados pela
mídia em 2004: no período das enchentes do início do ano, em São Paulo,
uma mulher salva de um deslizamento com sua família lembrou-se de que
havia deixado os documentos para trás e resolveu voltar sozinha para pegá-
los. Não sobreviveu. Em agosto, um pedinte deixou sua carteira de identidade
cair na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e afogou-se ao procurar
resgatá-la.
Naturalmente, nem todo documento desperta sentimentos de participação.
Eles parecem reservados àqueles legítimos, do tipo “nome, fotografia &
digital”.38 Números sozinhos não geram esses sentimentos, assim como
também não o fazem sistemas de identificação como código de barras, DNA,
ou a íris. Todas essas propostas de tecnologia avançada (que se baseiam em
representações arbitrárias, como os números, ou metonímicas, como o DNA
ou a íris) esbarram no fato banal de que documentos são, e precisam ser,
também ícones e índices. Para o Estado, as informações dos documentos são
basicamente referenciais, o retrato servindo apenas como prova factual de
similaridade. Na sua tentativa dominante de racionalidade, a burocracia do
Estado desconhece essa força social que os documentos possuem e,
especialmente, o simbolismo icônico e indéxico da fotografia, essa figuração
trivial, mas imprescindível.
A personagem de Saramago, o Sr. José do romance Todos os nomes,
reconheceu o fascínio da fotografia quando comparou os fichários dos
colégios aos documentos áridos produzidos na sua repartição do registro civil
de nascimentos, casamentos e mortes: “Na Conservatória Geral […] só
existiam palavras, na Conservatória Geral não se podia ver como tinham
mudado e iam mudando as caras, quando o mais importante era precisamente
isso, o que o tempo faz mudar, e não o nome, que nunca varia”.39

Racionalizando o Estado
Neste ponto, não surpreende que seja por meio de propostas de
racionalização (muitas vezes, de mais números) que o Estado procure se
tornar mais amigável, buscando facilitar a vida do cidadão pela eficiência e
boa administração. Os projetos de desburocratização dos últimos 25 anos no
Brasil fazem parte desse esforço, e se mantiveram relativamente
independentes dos governos que os lançaram. Embora se saiba que a
multiplicidade dos papéis seja um aspecto intrínseco à cultura do Estado, o
viés antidocumento tem sido um traço marcante.40 Nesse sentido, a
desburocratização surge como um contraponto extremo do padrão dos
documentos.
Para relembrar: criado o Ministério da Desburocratização em 1979, a
simplificação começava pelo próprio órgão, com sete funcionários. Nos
primeiros anos, solicitava-se ao cidadão que escrevesse diretamente ao
ministro, que respondia às cartas pessoalmente. Quando perdeu o status
ministerial para se transformar em secretaria especial da Presidência, em
1983, à carta acrescentou-se o acesso por telefone, na campanha “Fala
Cidadão”. Daí até 2000, o Programa hibernou e, quando reapareceu, já não
era mais um corpo semi-autônomo, mas um projeto a ser incorporado a vários
órgãos do governo. Nessa nova versão, o Programa passou a integrar a
implantação do “governo eletrônico” (e-governo), cujo ideário central reside
na transparência das medidas administrativas e nos direitos do cidadão –
nesse momento denominado de “cliente”, em contrapartida aos impostos que
paga.41 Em menos de vinte anos, portanto, caminhou-se da carta para o
telefone e, deste, para o e-mail, sempre na tentativa de promover o acesso
direto entre o cidadão e o governo. A ligação por Internet expressaria, hoje,
mais um passo em direção a um modelo mais aperfeiçoado de cidadania. No
desenho da simplificação, o site atual do programa é <www.d.gov.br>, no
qual um singelo “d” denota a longa palavra “desburocratização”.
Depois de experimentar vários meios de comunicação, a novidade mais
recente é o “Projeto Linha da Vida”, de 2004, que combina a informatização
com a proposta de mais um número. O NIS (Número de Identificação
Social), junto a uma senha pessoal, dará acesso a uma caixa postal eletrônica
com as mensagens do governo para cada cidadão. Essa idéia surgiu da
constatação de que, nas várias etapas da vida, estamos sempre vinculados a
diversos Ministérios: ao nascermos e morrermos, ao da Justiça, para as
certidões; na infância, ao da Saúde, para as vacinas, e ao da Educação, ao
ingressar na escola; no primeiro emprego, ao do Trabalho. Se o trabalho
assegura renda, ficamos sujeitos ao Ministério da Fazenda e, ao garantir a
aposentadoria, ao Ministério da Previdência Social. Se homem, o Ministério
da Defesa se faz presente no serviço militar. Ao dirigir veículo, é a vez do
Ministério das Cidades. Eventualmente, podemos ter vínculos com o
Ministério do Turismo ou o do Esporte. Em suma, a vida está sempre referida
ao Estado. No capítulo anterior notamos como a desburocratização tinha uma
referência eminentemente urbana. Essa característica se mantém, hoje, na
opção pela comunicação via Internet. (Para a maioria da população, que não
dispõe de um computador, sugere-se o telefone como meio alternativo.)
Nessas tentativas de implantação de um modelo de Estado eficiente, ao
identificar a simplificação e a transparência como os caminhos nobres para a
democracia, naturalmente não se leva em conta que novas tecnologias podem
se traduzir em renovados mecanismos de centralização e controle. Um
exemplo é o projeto do Ministério da Educação de iniciar, em 2005, a
fiscalização da freqüência nas escolas públicas de ensino básico por meio do
registro da impressão digital das crianças.42 De fato, mais as propostas
mudam, mais se reafirma a ideologia de que simplificar é sinônimo de
libertar tout court – sempre mantendo o mapeamento da vida das pessoas. As
reformas na administração substituem projetos de inclusão efetiva, e as
práticas do Estado, a burocracia enfim, ao espelhar a fonte principal dos
males políticos, transforma-se, em uma lógica circular, na sua possível
solução.

Conclusão
O discurso que produzimos no Ocidente, como qualquer discurso nativo,
também se constitui de oposições binárias, em que um dos termos é
considerado superior ao outro. Avaliamos a lógica da causalidade como
superior à lei da participação em termos hierárquicos, sendo esta considerada
o padrão a ser perseguido. Cabe à antropologia, quando não corrigir a
assimetria absoluta, mostrar que as duas não são exclusivas. Reconhecer o
valor do discurso racional científico não é contraditório com a admissão de
que, em certos contextos, convertemos relações metafóricas e metonímicas
em relações de identidade, de “participação”.43 Trata-se de uma situação em
tudo equivalente à que Jakobson definiu para a linguagem, em que a função
referencial, convivendo com as funções poética, fática, conativa, emotiva e
metalingüística, se torna o protótipo do modelo ocidental. Foi mérito de
Jakobson mostrar como a relação convencional e arbitrária entre o
significante e o significado (saussureano) não repudia os usos motivados da
linguagem na comunicação social, mas a complementa. A suposição de que
experimentamos múltiplas orientações ao mundo, desafiadora que seja, e não
desprovida de conseqüências, na verdade permite uma visão mais complexa
da nossa vida em sociedade.
Os documentos de identidade indicam a simultaneidade da lógica da
causalidade e da lei da participação. Se, em princípio, o Estado privilegia a
lógica instrumental, a neutralidade, a linguagem da razão analítica, e a nação
atua no quadro de referência da comunicação entre pessoas e objetos, e entre
pessoas entre si, nos eventos do dia-a-dia as duas lógicas se reforçam,
validando a idéia de uma configuração una de Estado-nação. Em ato,
portanto, os dois elementos que a ciência social separa não se distinguem –
Estado e nação se legitimam mutuamente, deixando entrever ao analista tanto
a estrutura social abstrata quanto o ponto de vista nativo dos que vivem na
sociedade. Mais ainda: no contexto da ação social, revela-se o fato
inequívoco de o Estado se constituir em um elemento intrínseco da nossa
visão de mundo. A relativa facilidade com que cientistas sociais discutem o
Estado, mas abdicam da nação – ou mesmo separam Estado de sociedade –,
nada mais do que reflete nossa inserção na cosmologia ocidental e a absorção
de suas categorias sociais. Nesse sentido, encerro este exercício sugerindo ser
o documento de identidade uma evidência empírica, se não material, da
configuração social moderna; o documento mostra-se um First, um ícone
desta sociedade contemporânea que é o Estado-nação.

a Como a subordinação é uma característica geral da hierarquia empregador/empregado, a


“pessoalidade” torna-se o traço determinante que qualifica o “empregado doméstico”. Ela justifica, por
exemplo, que alguns juízes considerem a regularidade, e não o número de dias trabalhados por semana,
o atributo principal dessa atividade.
Notas

Introdução
1. Ahmad (1995: 11) usa a expressão forte “política da teoria” para examinar o uso acrítico e a-
histórico do termo “pós-colonialismo”.

Capítulo 1– Onde está a antropologia?


1. Este capítulo é uma versão revista de artigo publicado com o mesmo título em Mana 3(2): 67-102,
1997. Ver Peirano (1999) para sua publicação na Índia, com o título de “In pursuit of anthropology”.
2. A centralidade dos clássicos é reconhecida em várias áreas. Na sociologia, Alexander (1987) parte
da constatação de que as ciências naturais não elegem clássicos. Para concentrar sua relevância nas
ciências humanas, o autor defende os clássicos com argumentos funcionais/externos (a necessidade de
uma base mínima para comunicação e coerência) e intelectuais/internos (eles contribuem de maneira
contínua e singular para a ciência da sociedade), sugerindo uma abordagem que denomina historical
systematics. Calvino (1993) afirma a centralidade dos clássicos com argumentos mais ensaísticos. Ao
distingui-los por meio da influência que exercem, ao indicar como eles se mimetizam como
inconsciente coletivo, ao torná-los equivalentes ao universo, Calvino aponta para a dimensão
cosmológica dos clássicos, abrindo espaço para apropriações individuais.
3. “A antropologia cultural norte-americana domina hoje o cenário internacional, tanto em
quantidade como em qualidade, e parece nos apontar o caminho a seguir” (Barth, 1996, 1).
4. Ver W. Outhwaite e T. Bottomore (1993). Para Late Editions, ver Marcus (1993a; 1995a). Na
introdução à série, George Marcus define a antropologia como empírica e etnográfica. Envolvida nas
mesmas fontes teóricas e filosóficas que informam as Humanidades, ela se encontra com os cultural
studies: “De fato, da perspectiva da política institucional das disciplinas, alguns argumentariam que a
principal dinâmica no desenvolvimento dos cultural studies tem sido a tentativa dos estudos literários
de expandir e se transformar em uma atividade mais engajada e socialmente consciente” (Marcus
1993b: 2). Propondo que os textos da série tenham como alvo privilegiado “os acadêmicos norte-
americanos sensíveis às questões globais” (:3), Marcus define como um importante objetivo “evocar
uma combinação de familiaridade e estranheza nos leitores com formação universitária norte-americana
ao selecionar temas que partilham algo de um quadro de referência comum, mas também diferem em
maneiras radicais por seu background cultural e pelo predicamento de fim-de-século” (:5).
5. Na estante de cultural and critical theory pode-se encontrar uma variedade de títulos que indicam
a vanguarda, assim como a combinação eclética dos autores que inspiram essa vertente: Michel
Foucault, Paul Feyerabend, Jacques Derrida, Julia Kristeva, Jürgen Habermas, Jean Baudrillard,
Edward Said, Walter Benjamin, Georg Lukács, Anthony Giddens, Herbert Marcuse, Louis Althusser,
Theodor Adorno, Henri Lefebvre.
6. As orientações pré-científica e pré-categórica são derivadas de Lacan (1981); a pré-psicológica é
defendida por Crapanzano (1992); a pré-sociológica, por Latour (1987).
7. Ver Geertz (1983). Mas, em 1968, David Schneider já havia feito associação semelhante em seu
estudo sobre parentesco nos Estados Unidos: “Esta é uma sociedade e cultura que conhecemos bem.
Falamos a língua fluentemente, conhecemos os costumes e observamos os nativos em suas vidas
diárias. Na verdade, nós somos os nativos” (1968, p. vi).
8. Ver Dumont (1986, Cap. 8) sobre a pesquisa etnográfica no lugar de origem do pesquisador:
“Uma tarefa difícil e melhor reservada a pesquisadores que tiveram experiência alhures; essa escolha
elimina a experiência traumática do dépaysement, mas traz o risco da superficialidade” (p.218).
9. Firth, Raymond, e Djamour, J.: Two Studies of Kinship in London; Schneider, David, American
Kinship: A Cultural Account.
10. Malinowski, “Preface”, p.xix-xxvi.
11. Ver Srinivas (1952). Radcliffe-Brown destaca na introdução: “Este livro, de um antropólogo ele
próprio indiano, e que, portanto, tem um conhecimento das maneiras de pensar tão difíceis de alcançar
para um europeu, mesmo depois de vários anos, nos fornece um relato valioso e objetivo do
comportamento religioso de uma comunidade indiana específica” (1952, p.vii). A orientação da tese
que originou o livro passou de Radcliffe-Brown a seu substituto, Evans-Pritchard.
12. Ver Saberwal (1982a, 1982b). Para reflexões sobre pesquisa de campo “in one’s own society”,
ver Béteille e Madan (1975); Srinivas (1979); Uberoi (1968).
13. Para o primeiro caso, ver Jackson (1987b). Nos Estados Unidos, ver Marcus e Fischer (1986).
Em ambos os casos, inglês e norte-americano, torna-se imperativo traçar uma genealogia que justifique
tal empreendimento, quer de Raymond Firth e Max Gluckman, quer de Margaret Mead e Ruth
Benedict. [Marcus e Fischer (1986) recuperam Margaret Mead como inspiração; Geertz (1988) redime
Ruth Benedict.]
14. Marcus e Fisher, Anthropology as Cultural Critique.
15. Para a denúncia do autor, ver Geertz (1988); do fato, Geertz (1995).
16. Cf. Peirano (2001a; 2001b) para a idéia de “eventos” na antropologia que se faz no Brasil. Ver
Stone (1995) para os eventos ficcionais nos cultural studies norteamericanos.
17. Ver, especialmente, Madan (1982c; 1987; 1989; 1992). Para uma resenha do livro de Geertz, ver
Giumbelli (1996).
18. É nesse contexto de mudança relativa – os antropólogos sempre estiveram atentos à construção
monográfica – que proliferam comentários do tipo “a antropologia não é mais, se algum dia foi…” nos
textos dos que partilham a idéia de uma ruptura: “A antropologia não é mais, se um dia foi, a
‘descoberta’ de terra nova ou de culturas ou estruturas sociais desconhecidas” (Fischer, 1995, p.2); “A
antropologia não é mais uma única disciplina, se um dia o foi, mas uma multiplicidade de práticas
engajadas em uma ampla variedade de contextos sociais” (Moore, 1996, p.1).
19. Esse mesmo estilo tinha sido adotado em Geertz (1968).
20. Os temas incluem uma discussão sobre a ideologia religiosa e a identidade étnica de hindus e
muçulmanos na Caxemira, da época da partição da Índia até o início da violência mais recente; a
mudança de identidade social no Bengal muçulmano antes e depois da fundação de Bangladesh; e a
reação diferenciada da Índia e do Japão à influência do Ocidente. Ver Peirano (1995b) para uma
resenha crítica de Pathways.
21. Geertz, After the Fact. Two Countries, Fours Decades, One Anthropologist, p.134. Mas, em
certo momento, Geertz aceita que “No decorrer de todas essas idas e vindas, certamente emergem
alguns objetivos centrais, algumas habilidades repetidas, alguns padrões que se aplicam
recorrentemente, alguns julgamentos sobre o que é possível conhecer e o que não é, o que vai funcionar
e o que não vai, o que importa e o que não importa” (1995: 134).
22. T.S. Eliot serve de epigrama para a segunda parte do livro: “And what there is to conquer / By
strength and submission, has already been discovered / Once or twice, or several times, by men whom
we cannot hope / To emulate… / For us, there is only the trying. The rest is not our business” (Madan,
1994, p.109).
23. Essas imagens importadas são combatidas na Índia pelos historiadores dos subaltern studies, que
Madan indica, mas não nomina. Para Madan, contudo, o problema central não está nas diversas
interpretações, mas na autoridade conferida pela literatura da ciência social ocidental a estudantes
indianos a respeito de sua própria sociedade (Madan, 1994, p.162-163). Sobre o “inimigo interno”, ver
Nandy (1983).
24. O papel desempenhado por Madan precisa ser lido nas entrelinhas do Capítulo 4 e nas notas de
rodapé (cf., por exemplo, Madan 1994, p.55, nota 1). Ver Peirano (1991; 1992a: Capítulo 9) para uma
avaliação do impacto das discussões travadas na seção “For a Sociology of India”, publicadas no
segundo número de cada ano da revista Contributions to Indian Sociology.
25. Geertz, After the Fact. Two Countries, Four Decades, One Anthropologist, p.98.
26. Geertz menciona que o número de sócios da American Anthropological Association passou de
dois mil, em 1950, para dez mil, em 1992.
27. Geertz, After the Fact. Two Countries, Four Decades, One Anthropologist, p.133.
28. Madan, Pathways. Approaches to the Study of Society in India, p.138-9.
29. Madan, Pathways. Approaches to the Study of Society in India, p.ix.
30. Geertz, After the Fact. Two Countries, Fours Decades, One Anthropologist, p.132.
31. O ponto de vista de que os ingleses deixaram a Inglaterra inquestionada é proposto por Anderson
(1968) no contexto do enorme desenvolvimento da antropologia inglesa vis-à-vis a sociologia.
32. Moore (1996) destaca a atração que a filosofia africana exerce para os cultural studies. Esse
processo de incorporação seletiva pode ser iluminado pela idéia de aculturação intelectual, de Louis
Dumont: “… O confronto da civilização moderna com culturas autóctones não resulta em empréstimos
unilaterais. Ao contrário, o parceiro dominante leva emprestado do dominado não apenas os traços
isolados ou especiais como a canoa ou a arte africana, mas também as representações que, de boa fé,
crê serem suas quando, de fato, elas resultam da aculturação e, portanto, contêm um componente holista
insuspeitado. … Na verdade, podemos verificar que as novas e híbridas representações são
intensificadas quando comparadas com as noções das quais elas se originam” (1994: 15).
33. Nesse sentido, o livro tem ênfase diversa do de Tambiah (1996a). Tambiah distingue três
maneiras de focalizar a violência coletiva: por meio dos aspectos coletivos da violência; dos processos
de migração; e da dor. Nesse quadro geral, Das faz parte do terceiro tipo.
34. Ver, também, Das (1995b). Contrastar com o caso brasileiro, em que o outro é visto mais como
oprimido do que como vítima (Peirano 1981).
35. Os subaltern studies vêm sendo desenvolvidos por historiadores de origem indiana, sensíveis às
questões da desigualdade, a partir da posição social dos “subalternos”. A crítica a Dumont é ponto de
partida para esses estudos (ver Guha e Spivak, 1988). Ver Peirano (1992a) para os debates entre M.N.
Srinivas e Louis Dumont nas décadas de 1950 a 1970 (Capítulo 7) e entre Louis Dumont e A.K. Saran
(Capítulo 9).
36. Considerar Dumont como o oponente privilegiado diferencia a posição de Veena Das da de T.N.
Madan, que o vê como um outstanding pathfinder. No rastro da crítica de Das a Dumont, T.N. Madan
sai chamuscado em nota em que a autora comenta a pesquisa de campo de indianos na Índia (Das,
1995a, p.40). Ver, também, Das (1977).
37. Das, Critical Events. An Anthropological Perspective on Contemporary India, p. 33, nota 5,
ênfases minhas.
38. Para Wittgenstein, a expressão “I am in pain” não é uma declaração que descreve um estado
mental – é uma queixa; não é o fim do jogo de linguagem, mas seu início (apud Das, 1995a, p.194-
195). Veena Das recupera a discussão durkheimiana sobre os ritos piaculares do clássico Les formes
élémentaires de la vie religieuse.
39. Essa triangulação encontra paralelo em Peirano (1992a; 1992b).
40. A revista Ethnos publicou em seu vol. 60, nos. 3-4, sob o título “Culture and Voice in Social
Anthropology”, as quatro conferências proferidas em homenagem a Veena Das.
41. Essa é uma prática já conhecida de Rabinow. Ver Rabinow (1992) para o tratamento que
dispensou aos colegas brasileiros após visita ao país.
42. Em um único momento, uma linhagem intelectual é estabelecida, mas as referências não incluem
nenhum antropólogo (a referência a Lévi-Strauss só surge no final do livro): “O estudo social da ciência
(e tecnologia) é hoje um campo multidisciplinar promissor. Começando pelo trabalho de Thomas Kuhn
e Paul Feyerabend, e acelerando com os estudos de Bruno Latour, Karin Knorr-Cetina, Evelyn Fox
Keller, Donna Haraway e muitos outros, esses estudos das práticas da ciência procuraram trazer para
terra firme as abstrações da Ciência, Razão, Verdade e Sociedade” (Rabinow 1996: 13).
43. O contraste de Making PCR com Latour (1984) é elucidativo.
44. Rabinow, Making PCR. A Story of Biotechnology, p.2.
45. Rabinow, Making PCR. A Story of Biotechnology, p.17.
46. Nos agradecimentos de Rabinow, Traweek é a primeira da lista, mas seu livro não é citado. A
autora, que também optou por uma construção monográfica clássica que focaliza aceleradores e físicos,
rituais de iniciação, concepções de tempo e espaço, alguns anos mais tarde se disse desapontada porque
os leitores não perceberam que ela havia feito um contraponto irônico a Evans-Pritchard (Traweek,
1992, p.436).
47. A introdução de Rabinow abre com a seguinte epígrafe, retirada de “A ciência como vocação”:
“Permitam-me levá-los mais uma vez aos Estados Unidos, porque lá é possível observar esses temas
em sua forma mais sólida e original” (cf. Rabinow, 1996, p.1).
48. Mauss, “Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques”, p.182,
ênfases minhas.
49. Se, hoje, Geertz (1995, p.16) é cético em relação ao fateful incident, muitos consideram
imprescindível estabelecer os “incidentes reveladores” que geram a etnografia (Fernandez, 1990). Sally
Falk Moore segue a trilha do “drama social” de Victor Turner para propor o reconhecimento de
“momentos diagnósticos”, e Luc Boltanski define les grands moments. No Brasil, o recorte etnográfico
de “casos” e “eventos rituais” (Bezerra, 1995; Teixeira, 1998) mostra o rendimento analítico desse tipo
de abordagem; o foco em “reuniões” (Comerford, 1999) permite delicadas análises, as eleições
presidenciais em pequenos municípios alcançam resultados abrangentes (Chaves, 2003), marchas
transformam-se em rituais de longa duração (Chaves, 2000). Os exemplos são muitos: comícios
(Palmeira e Heredia, 1995); possessão (G. Velho, 1994); rumores, caminhadas, eleições internacionais
(Trajano Filho, 2001; Steil, 2001; Góes Filho, 2003). Em Elias (1996) o exemplo dos duelos é brilhante
e, na literatura, Virginia Woolf cunhou o esplêndido moments of being (Woolf, 1985).
50. Nesse sentido, contrastar, por exemplo, os lugares de fala de Pandey (1995) e Stocking Jr.
(1982).
51. Fica também indicado o vínculo entre a idéia de “causação adequada” de Weber e a percepção
dos eventos, tal como focalizada por Latour (1999, Capítulo 4). O contexto é o encontro de Louis
Pasteur e o ácido láctico, ambos “eventos” recíprocos.
52. Não sabemos se os livros são difíceis de encontrar por estarem esgotados ou por serem mal
distribuídos pela Oxford University Press da Índia.
53. Na Índia, antropólogos estão freqüentemente vinculados a departamentos de sociologia, mas as
razões históricas e sociais para essa associação são de ordem diversa do caso brasileiro (ver Peirano,
1992a; Capítulo 7). O livro de Antonio Candido, On Literature and Society, também é classificado
como sociologia nos Estados Unidos. Mas, confirmando as hipóteses anteriores, Viveiros de Castro
(1992) encontra-se na estante de antropologia.
54. Esse fenômeno foi descrito como a infinite regress of heterogeneity em Ahmad (1995: 26-27).
Ahmad trata especificamente do termo postcolonialism: “É somente quando o Anjo da História dirige o
seu olhar às sociedades asiáticas ou africanas a partir de seu local na Europa ou nos Estados Unidos, ou
quando ele voa cruzando os céus do mundo nas asas da telecomunicação pós-moderna, é que aquelas
sociedades parecem apenas variantes de uma mesma semelhança pós-colonial” (p.28). Os cultural
studies incorporam os trabalhos de Gayatri Spivak, Gyan Prakash, Homi Bhabha, Ashis Nandy, Aijaz
Ahmad, seus interlocutores europeus ou norte-americanos (como Edward Said e Frederic Jameson),
além dos vários clássicos dessa vertente (cf. nota 4 deste capítulo).
55. Dumont (1994) elabora essas idéias especialmente para os casos alemão e francês.
56. Cf. Weber (1946), especialmente a parte sobre “Structures of Power”; Elias (1971) para a noção
de relativa autonomia; Elias (1978) para a idéia nacional.

Capítulo 2 – Antropologia at home


1. Este capítulo corresponde à primeira parte do artigo “When anthropology is at home. The
different contexts of a single discipline”, publicado no Annual Review of Anthropology, vol. 27, 1998.
O texto desenvolve algumas idéias ensaiadas no capítulo anterior, mas, enquanto naquele adotei um
estilo ensaístico, neste privilegio uma revisão da literatura pertinente.
2. Malinowski, “Preface”, p. xiv.
3. Cito a expressão no original: “the single-handed community study of uncomplicated societies”.
4. Asad, “Introduction”, p.15.
5. Diamond, “Anthropological traditions: the participants observed, p.11-12).
6. Mott (1982) expressou sua surpresa, porque no Brasil o termo “indígena” é usado para denotar
ameríndios; ele também se perguntou por que o Brasil havia sido incluído entre os países não-
ocidentais.
7. Ver Fabian (1983) para uma tentativa posterior.
8. Ver Stocking Jr., “Afterwod: A view from the center”, p.178.
9. Marcus e Fisher, Anthropology as Cultural Critique, p.4.
10. Spindler e Spindler, “Anthropologists view American culture, p. 73; ver também, Moffatt,
“Ethnographic writing about American culture”. Brown, “Born in the USA: American anthropologists
come home”; Traube, “The Popular in American Culture”.
11. Clifford, Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century, p.53.
12. Clifford, Routes: Travel and Translation in the Late Twentieth Century, p.90.
13. Rabinow, Making PCR: A Story of Biotechnology, p.17.
14. Ver Capítulo 1 para um exame detalhado deste livro, comparando-o com uma etnografia
publicada na mesma época na Índia, de autoria de Veena Das.
15. Ver Peirano, Uma antropologia no plural, Capítulo 9; Madan T.N., Pathways. Approaches to the
Study of Society in India.
16. Ver Capítulo 4 para uma colaboração a esse debate.
17. Antonio Candido, Literatura e sociedade, p.156.
18. Fischer, “Scientific theory and critical hermeneutics”, p.13.

Capítulo 3 – A alteridade em contexto


1. Este capítulo é uma nova versão de “Antropologia no Brasil (Alteridade contextualizada)”, artigo
publicado em O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), organizado por Sérgio Miceli (1999).
Assim como na versão original, o ensaio é dedicado a Julio Cezar Melatti.
2. Nos Estados Unidos os critérios são diferentes, e um bom departamento de antropologia define-se
pelas especialidades em áreas concebidas como geográfico-culturais que abrangem os vários
continentes.
3. Destaco que, ao mencionar o momento sociogenético das ciências sociais no Brasil, isto é, as
décadas de 1940-1960, centro minhas atenções em São Paulo e no Rio de Janeiro por critérios de
relevância sociológica.
4. Ver Peirano (1995a) para um diálogo da antropologia com as demais ciências sociais no Brasil.
5. Becker, The Lost Science of Man.
6. Ver Fernandes (1977); Peirano (1981; 1992a).
7. Ver Cardoso de Oliveira (1963; 1978).
8. A hegemonia da sociologia nesse momento atinge as demais ciências sociais, como a ciência
política, mas também a filosofia, a história e, até mesmo, o folclore. Este último desaparece de cena no
embate com a sociologia, vencido no seu propósito de se tornar um saber científico (Vilhena, 1997).
9. É bem verdade que, em alguns grupos e/ou programas, o termo “etnólogo” é reservado para
pesquisadores de grupos indígenas.
10. Para muitos desses estudiosos, sobretudo os norte-americanos, a antropologia como disciplina
acadêmica foi um fenômeno do século XX – embora eles próprios ainda se denominem antropólogos
(cf. Capítulo 2).
11. Mas ele é observável em alguns antropólogos estrangeiros quando chegam ao Brasil. Ao decidir-
se pela pesquisa no Brasil Central, por exemplo, Anthony Seeger relata que tinha, além de uma razão
teórica, uma outra, pessoal: o Brasil era um lugar fascinante desde suas aulas de geografia no curso
primário: “Os animais estranhos, o número abundante de insetos e as pequenas sociedades me
fascinavam” (1980, p.26).
12. Viveiros de Castro (1986) sinaliza a retomada dos estudos sistemáticos sobre os Tupinambá, três
décadas depois das pesquisas de Florestan Fernandes.
13. Peixoto (1998) elenca os temas que se tornaram dominantes na antropologia paulista: migração,
a cidade de São Paulo, relações raciais. Por sua vez, João Batista Borges Pereira contesta a idéia de
ruptura na antropologia, esclarecendo que, como estudante da Universidade de São Paulo, preparou um
projeto de pesquisa sobre relações raciais que Florestan rejeitou por considerar esgotada sua
contribuição ao tema, mas que Egon Schaden aceitou orientar (comunicação pessoal).
14. Egon Schaden foi o responsável pela cadeira de antropologia por quase duas décadas, de 1949 a
1967. Propostas para identificar linhagens intelectuais da antropologia no país quase nunca citam os
Guarani ou os Tapirapé como inspiradores, mas indicam como precursores, por exemplo, os estudos de
comunidade da Escola Livre de Sociologia e Política (Castro Faria, 1993) ou, ainda, a influência da
sociologia marxista presente na noção de fricção interétnica, equivalente conceitual da luta de classes
(Peirano 1981). Ver, contudo, Melatti (1984), cujo propósito é oferecer uma visão panorâmica da
produção antropológica no Brasil.
15. O projeto de ciência social está vinculado à noção de “missão” do cientista em contribuir para a
vida intelectual do país. Ver Candido (1964b) para a noção de uma literatura “empenhada”. Para a idéia
de missão, ver Sevcenko (1983) para a literatura e Vilhena (1997) para o caso do folclore.
16. Mesmo no contexto dos Museus da UFRJ e USP, nos quais a antropologia social convive com a
arqueologia e a paleontologia, as áreas não são exatamente complementares.
17. Viveiros de Castro (1995a; 1995b; 1998; 2001); Viveiros de Castro & Fausto (1993); Villaça
(1992); Gonçalves (1993); M. Pinto (1997).
18. David Maybury-Lewis relembra: “Por volta de 1960, eu havia defendido minha tese de
doutorado em Oxford, sobre os Xavante, e lido os artigos de L-S (1952 e 1956). Ambos me fascinaram
e me intrigaram. Fascinaram pela sutileza dos argumentos, e me intrigaram devido às objeções
etnográficas e teóricas que eu tinha em relação às teses de L-S. Então publiquei uma crítica aos artigos
na revista Bijdragen em 1960, que foi enviada a L-S que, então, respondeu no mesmo número da
revista [Maybury-Lewis 1960]. Assim, quando o Projeto Harvard-Central Brazil foi lançado ele tinha
como propósito seguir e clarificar Nimuendaju [1946] e uma discussão que vinha sendo desenvolvida
com L-S” (comunicação pessoal).
19. Ver, por exemplo, Vidal (1977); Carneiro da Cunha (1978); Seeger (1980; 1981); Lopes da Silva
(1986), entre outros; para a etnologia xingu e uma antropologia da música, a partir do Xingu, ver R.
Bastos (1993; 1995).
20. Como área clássica da antropologia, existe à disposição dos especialistas uma literatura
reconhecida sobre a etnologia sul-americana. Ela remonta às expedições germânicas do século XIX que
procuraram no Brasil respostas para as questões européias sobre o estado de natureza dos primitivos
(ver Baldus, 1954; Schaden, 1954b), e chega a pesquisas de gerações mais recentes, como os trabalhos
de Nimuendaju sobre a organização social dos grupos Jê ou a investigação dos anos 1930 sobre grupos
Tupi (por exemplo, Baldus, 1970; Wagley & Galvão, 1949; Wagley 1977), além dos trabalhos de
Darcy & Berta Ribeiro sobre os Urubu-Kaapor (Ribeiro & Ribeiro, 1957) e Roberto Cardoso de
Oliveira sobre os Tukuna (Cardoso de Oliveira, 1964). De autoria de Florestan Fernandes, ver a
reconstrução da organização social e a função social da guerra entre os Tupinambá (Fernandes, 1963;
1970); sobre a cultura Guarani, cf. Schaden (1954a).
21. Ver G. Velho (1995) para um levantamento que inclui estudos desde a década de 1950.
22. Ver, por exemplo, G. Ribeiro (1991) para a Argentina; Fonseca (1986) e Eckert (1991) para a
França; P. Pinto (2002), para a Síria.
23. Cardoso de Oliveira, “Aculturação e ‘fricção’ interétnica”, p.43.
24. Para Darcy Ribeiro, o problema indígena não poderia ser compreendido fora do quadro de
referência da sociedade brasileira, pois ele só existe “onde e quando índios e não-índios entram em
contato” (1962, p.136). A trajetória intelectual de Roberto Cardoso de Oliveira é tema de Peirano
(1981, Capítulo 4).
25. Ver, entre muitos outros, nos anos 1970, Amorim (1970); Aquino (1977); Barros (1977);
Oliveira Filho (1977).
26. Passados trinta anos, é interessante observar como os empréstimos foram mútuos (ver Maybury-
Lewis, 1997).
27. Entre os primeiros, ver Palmeira (1977); Sigaud (1980); Moura (1978); Seyferth (1985); K.
Woortmann (1990); E. Woortmann (1995); Scott (1992).
28. Compare-se, da perspectiva da antropologia que se faz no Brasil, a abertura de artigo recente da
Anthropology Newsletter: “A coisa mais difícil de se enxergar, seguindo George Orwell, é algo bem em
frente ao nosso nariz. Antropólogos sempre tiveram uma vantagem ao focalizar o distante e o exótico.
Temos sido menos bem-sucedidos em encontrar o exótico perto de casa, especialmente nesses símbolos
mundanos e corriqueiros da classe média que nos rodeiam e moldam nosso dia-a-dia” (Wilk, 1999).
29. Antes, foi também na Escola de Chicago que Florestan Fernandes se inspirou para seu projeto de
“confrontar a sociedade”, depois de dar por encerrada a pesquisa sobre os Tupinambá (cf. Peirano
1992a).
30. Ver, por exemplo, Duarte (1986); Gaspar (1985); Lins de Barros (1989; 2000); Vianna (1995;
1999); Kuschnir (1999; 2000). Sobre violência na cidade, ver a produção de Alba Zaluar (por exemplo,
1985; 1993; 1994), Zaluar & Oliveira (2002) e os artigos em G. Velho & Alvito (1996).
31. DaMatta é, portanto, entre os antropólogos aqui mencionados, o de maior amplitude temática no
“deslizamento de alteridades” proposto neste ensaio. Mas, já voltado para o estudo da sociedade
brasileira, DaMatta (1976b, p.7) mostra seu desconforto ao apresentar ao público brasileiro a etnografia
apinayé. Por outro lado, DaMatta (1976a), que trata da questão de “quanto custa ser índio no Brasil”,
antecipa temas da sua trajetória posterior.
32. Para imigrantes, ver Azevedo (1994), Cardoso (1995), Seyferth (1990); para relações raciais, ver
Borges Pereira (1967), Fry (1991), Carvalho (1992a), Segato (1986), Seyferth (2000); sobre gênero, ver
Grossi & Pedro (1990), Bruschini & Sorj (1994), Gregori (1993); sobre religião, messianismo e cultos
afro-brasileiros, ver R. Ribeiro (1978), Maggie (1975; 1992), Maggie & Rezende (2002), Montero
(1985), Queiroz (1995), O. Velho (1995), Sanchis (1983), Carvalho (1992b), Birman (1995); para
ênfase no Brasil como Estado-nação, ver Oliven (1992). Para crime e cidadania, ver Caldeira (2000), e
para família, rumores e honra, Fonseca (2000).
33. Ver os volumes da “Coleção Antropologia da Política”, publicados pela Editora Relume
Dumará, Rio de Janeiro, de 1998 a 2005. Esse projeto foi precedido por Palmeira (1995) e Palmeira &
Goldman (1996). Palmeira & Barreira (2006) é um livro coletivo que reúne artigos dos participantes do
projeto.
34. Antonio Candido, Literatura e sociedade, p.156.

Capítulo 4 – A teoria vivida


1. Este trabalho foi apresentado na V Reunião de Antropologia do Mercosul, 1-4 dezembro de 2003,
em Florianópolis. Agradeço a Gilberto Velho o convite para participar do fórum “O fazer antropológico
e a orientação”, que me deu a oportunidade de expandir reflexões anteriores sobre as linhagens
intelectuais dos antropólogos. Sou grata a Wilson Trajano Filho e Antonádia Borges pelas sugestões e
comentários. Este texto é para David Maybury-Lewis, meu orientador.
2. Creio que uma investigação comparativa sobre o valor semântico do termo “orientação” em
diversos meios acadêmicos revelaria aspectos interessantes desta prática.
3. Cf. Peirano (1995a, sobretudo Capítulo 1).
4. Como se sabe, a história da antropologia pode ter um viés presentista, historicista ou de
catalogação de “escolas”. Poderíamos, ainda, acrescentar, além da história teórica e da história da
antropologia, uma perspectiva da política da teoria (que examina, por exemplo, como um termo como
“pós-colonialismo” abrange, de forma simplificadora, uma série de experiências históricas distintas).
Ver Ahmad (1995).
5. No mesmo fórum, Miriam Grossi usou a idéia da “dor da tese” para examinar a experiência pela
qual passam os doutorandos.
6. Parry Scott incluiu vários casos etnográficos de relação entre orientador e orientando (alguns
pitorescos, outros trágicos) na comunicação que fez no mesmo fórum.
7. Antonádia Borges sugere, a partir de sua experiência de pesquisa, que a forma pela qual a
compreensão antropológica se dá inclui a incorporação não refletida de conceitos nativos que,
lentamente, vão se tornando conhecimento consciente, depois de desestabilizarem as crenças
antropológicas – ao que eu acrescentaria o senso comum que existe e sobrevive nelas.
8. Entre as monografias que me são mais próximas, e que realizam a proposta de somar dados &
teoria, cito Trajano Filho (1984); Chaves (2000); C.T. Silva (2002); Borges (2004); Comerford (2004).
9. Para melhor explicar o aspecto dinâmico da reprodução intelectual, Wilson Trajano Filho sugere
que, somando-se à noção de linhagem – baseada na segmentação e na reprodução de si própria –, a
filiação complementar e o ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico, noções desenvolvidas por
Meyer Fortes, seriam idéias produtivas para focalizar os aspectos da autonomia e da liberdade dos
orientandos. Fico devendo um melhor desenvolvimento desta idéia e, no momento, mantenho apenas a
noção de “linhagem” por sua força retórica.
10. Ver Duarte (1995, p.13): “Essa relação poderá não se consubstanciar em uma única figura
concreta de mestre, mas compor-se de partes de sucessivas experiências, que guardam entre si a
continuidade de serem caminhos personalizados, encarnados, mediados pela palavra e o sentimento, de
acesso ao modo antropológico do conhecimento.”
11. Calvino (1990, p.60).
12. Acrescento que, com freqüência, cabe ao orientador fazer os alunos suportarem as frustrações
que advêm da experiência concreta da coerção da vida social. Reconhecida na teoria, não é fácil aceitá-
la na prática. A tarefa do orientador está em auxiliar o aluno nessa percepção sem torná-lo cético.
13. A tendência dominante, contudo, é a de escolher um guru estrangeiro contemporâneo e segui-lo
acriticamente, na crença de que o toque milagroso de suas idéias ilumine os dados colhidos. Essa é uma
prática muitas vezes passada de orientador para orientando.
14. Cf. Goody (1984).

Capítulo 5 – Pecados e virtudes da antropologia


1. Esta comunicação foi apresentada, a convite da socióloga Mary Kaldor, no “Seminar on
Methodological Nationalism”, na London School of Economics, 26-7 de junho de 2002, e
posteriormente publicada em Novos Estudos Cebrap, no 69, 2004, p.49-56. Agradeço a Jim Ito-Adler
pelas longas discussões sobre o tema, a Wilson Trajano pelas excelentes sugestões, e a Michael Fischer
por nossas conversas sobre os vários renascimentos da antropologia.
2. Trata-se de um fato estranho que, exatamente quando a disciplina alcança o auge do seu poder –
tendo ultrapassado o período em que as culturas do mundo eram robustas e vigorosas e a antropologia
fraca ou quase inexistente, e o momento seguinte, no qual a antropologia ganhou momentum (cadeiras,
periódicos, campos de pesquisa, financiamentos), mas as culturas tradicionais enfraqueceram ou
começaram a desaparecer –, antropólogos cheios de culpa passem a denegrir suas próprias realizações
em vogas pós-modernas. Cf. Latour (1996).
3. Transformado hoje em “antropologia da política”, “antropologia do direito”, “antropologia do
parentesco” etc., esse esforço procura indicar que esses domínios não pertencem à disciplina, mas à
esfera etnográfica.
4. Assim, quando na primeira metade do século XX antropólogos eram oriundos, na sua maioria, da
Inglaterra, França e Estados Unidos, eles estudaram os Trobriandeses (Malinowski, na Melanésia), os
Arapesh, Manus, Mundugamor (Margaret Mead, em Papua-Nova Guiné), Iatmul (Gregory Bateson, na
Nova Guiné), Kwakiutl (Boas, na Colúmbia Britânica e Vancouver). Nos anos 1920, antropólogos
continuaram sendo cativados pelas ilhas do Pacífico: Tikopia (Raymond Firth, nas ilhas Salomão na
Polinésia), mas um movimento em direção à África havia começado: Zande, Nuer e Dinka (Evans-
Pritchard, no Sudão), Ashanti e Tallensi (Meyer Fortes, em Gana e no Sudão), Zulu (Max Gluckman,
na África do Sul), Nyakyusa (Monica Wilson, na África Central), Ndembu (Victor Turner, na antiga
Rodésia). Pelos anos 1950, antropólogos haviam incorporado a América do Sul como um de seus
terrenos continentais: Bororo e Nambikuara (Claude Lévi-Strauss, no Brasil Central), índios Gê (David
Maybury-Lewis e o grupo que constituiu o Harvard-Central Brazil Project), mais tarde, Tukano,
Barasana e Maku (Steve Hugh-Jones, Christine Hugh-Jones, Peter Silverwood-Cope, na Colômbia).
Hoje, a antropologia sendo praticada em casa, os especialistas estudam temas contemporâneos
(violência, saúde, política e eventos socialmente significativos) tanto entre grupos na escala social mais
baixa quanto mais alta. Mais sobre o assunto, a seguir.
5. Cf. Elias (1971); Peirano (1981, 1992a, Capítulo 10).
6. Cf. Tambiah (1996a). Não há dúvida de que o livro Political Systems of Highland Burma (Leach,
1954) foi o estudo clássico nessa direção, contestando o conceito de “tribo” e negando que as fronteiras
da sociedade e as da cultura pudessem ser tratadas como coincidentes. Examinando a interação de
Kachins e Shans em Burma, em experiência de campo e em documentação histórica referente a um
período de 150 anos, Leach detectou um “equilíbrio oscilante” (oscillating equilibrium) entre dois
modelos políticos (gumsa, mais hierárquico, e gumlao, mais igualitário).
7. Além do mais, multidões que se envolvem em riots não são homogêneas, tampouco compostas de
criminosos ou desempregados, como o senso comum indica, mas refletem parte do perfil
socioeconômico de cidades como Bombaim, Déli, Calcutá, Karachi e Colombo, e são constituídas por
trabalhadores de fábricas, motoristas de ônibus, trabalhadores de estradas de ferro, comerciantes de
bazares e de pequenos estabelecimentos, e estudantes, assim como de políticos nacionais e municipais,
agentes locais e a polícia.

Capítulo 6 – “In this context”: as várias histórias da


antropologia
1. Esta comunicação foi apresentada no Seminário Antropologia da Antropologia, Universidade de
São Paulo, organizado por Fernanda Peixoto, Heloísa Pontes e Lilia Schwarcz, em agosto de 2003. Sou
grata às organizadoras pelo convite. Agradeço também a Wilson Trajano Filho pelas sugestões que me
permitiram esclarecer muitas idéias nebulosas da primeira versão, e a Antonádia Borges pelas boas
conversas que me instigaram a desenvolver alguns dos temas aqui focalizados. George Stocking leu a
versão em inglês e fez várias apreciações e comentários, tornando a elaboração final do artigo uma
nova experiência de diálogo.
2. Naquele momento, considerava-me relativamente em dia com a pesquisa de campo, a partir da
investigação sobre a lógica dos tabus alimentares entre pescadores no Nordeste que havia realizado
para a dissertação de mestrado (cf. Peirano, 1975).
3. Entre os antropólogos mais contemporâneos, essa prática pode ser vista em Goody (1995), no
qual o antropólogo reflete sobre um período em que foi participante da história que conta. A elaboração
de livros de introdução à antropologia no final de suas carreiras tem sido também comum (ver, por
exemplo, Leach, 1982). Finalmente, vários artigos sobre reminiscências autobiográficas têm sido
publicados por antropólogos renomados em Annual Review of Anthropology (por exemplo, Firth, 1975;
Leach, 1984; Srinivas, 1997; Geertz, 2002; Goodenough, 2003).
4. Evans-Pritchard, 1981.
5. De Stocking ver, apenas a título de ilustração, seus estudos conhecidos sobre Franz Boas
(Stocking, 1974a; 1974b; 1974d).
6. Stocking sugere que, ao suspender o critério de valor em relação à sua utilidade presente,
paradoxalmente, essa abordagem pode tornar possível julgamentos de mérito.
7. Ao receber a primeira versão deste capítulo, Stocking gentilmente me enviou cópia de seu artigo
recém-publicado (Stocking, 2004), em que discute a trajetória de Hallowell nos contextos cultural,
disciplinar e pessoal. O artigo é dedicado à memória de Hallowell.
8. Não é de todo surpreendente, portanto, verificarmos que, se para Hallowell a história da
antropologia era “um problema antropológico” em 1965, poucas décadas depois a antropologia podia
autoquestionar-se, colocando-se, ela própria, à prova.
9. Faço uma digressão para mencionar que a antropologia da antropologia dos anos 1970 teve um
subproduto no que denomino de “política da teoria”. Explico. Ao procurar os valores que legitimaram a
antropologia no Brasil, identifiquei como um dado empírico a ubiqüidade da ideologia de construção
nacional como projeto de cientistas sociais. Mesmo que formulada de várias maneiras, essa questão se
infiltra em biografias, conduz a decisões, estabelece carreiras acadêmicas, informa escolhas
disciplinares etc. A dimensão política era, e continua sendo, uma presença etnográfica marcante. Mais
tarde, ao pesquisar o caso indiano, encontrei um traço equivalente. Mas, naquele caso, o diálogo era
duplo: de um lado, com a ideologia nacional; de outro, com um projeto civilizatório que se definia em
confronto com o Ocidente (cf. Peirano, 1992a). No devido tempo, constatei que nomear esses processos
de nation-building¸ civilizational-building etc. era empobrecedor, como acontece sempre que usamos
rótulos. Para não enrijecer os fenômenos, passei a adotar perguntas de natureza empírica. Por exemplo:
o que publicações paralelas de autores da mesma geração podem nos mostrar? (cf. Capítulo 1). Quando
os centros metropolitanos se propõem a desenvolver uma antropologia “at home”, que sentido esse
projeto tem, por exemplo, no Brasil? (cf. Capítulo 2).
10. A antropologia da antropologia auxilia na investigação da historiografia e soma-se à história
teórica quando indica, por exemplo, como debates na disciplina estão fadados ao insucesso se não se
leva em consideração a cosmologia político-teórica de seus autores. (Ver, por exemplo, Peirano, 1992a,
Capítulo 7, que examina como o debate de vinte anos entre Dumont e Srinivas não poderia ter solução
harmônica pela visão civilizacional, de Dumont, e nacional, de Srinivas.)
11. Stocking, 1992, p.13.
12. Ver Borges, 2004, para um exemplo bem-sucedido de etnografia inspirada em Peirce.
13. Para a perenidade da inspiração de Durkhein, ver Chaves, 2000.
14. Stocking, 1992, p.17.
15. Apud Stocking, 1992, p.30.
16. Malinowski também usa maiúsculas para distinguir as abordagens próprias ao “Ethnographer” e
ao “Philologist” em relação à linguagem (Malinowski, 1930), o que pode sugerir uma convenção da
época, mais do que um artifício retórico de sua parte.
17. Stocking, 1992, p.54.
18. Ibid, p.59.
19. Leach, 1951, p.120.
20. Sendo póstumo, é inevitável que nos perguntemos por que o próprio autor não o divulgou em
vida. Mas, em 1957, tudo indica que o livro era levado mais a sério como “teoria” do que hoje.
21. Apud Leach, 1957, p.128.
22. O diálogo de Leach com Malinowski pode ser apreciado também nas alternativas de análise que
oferece ao material trobriandês. Ver, por exemplo, Leach (1958; 1966). Reanálises posteriores que
concretizam a proposta de Leach estão em Tambiah (1985).
23. Stocking, 1992, p.15.
24. Poderíamos pensar que nesse artigo Stocking estaria se aventurando na seara da antropologia da
antropologia, por meio da inspiração (teórica) dos pós-modernos.
25. A maioria dos artigos publicados em Firth (1957) é, no mínimo, ambivalente. No final dos anos
1950, a discussão dominante na antropologia não favorecia o tema da pesquisa de campo.
26. O diálogo teórico de antropólogos com predecessores, mesmo quando o objetivo é biográfico,
pode ser exemplificado no volume de Tambiah (2002) sobre Leach. O autor esclarece sua posição
diante do biografado: “Minhas interações com Leach, e minha própria compreensão e interpretação do
que ele escreveu e disse, são parte integrante do texto. Leach fala, escreve e narra – mas essas
representações são filtradas, selecionadas, arranjadas e mediadas pela minha própria atividade como
narrador, comentador e amigo. Na maior parte do texto, estou dialogando com Leach, que não pode
mais me responder” (2002, p.xiv).

Capítulo 7 – Max Weber e a antropologia


1. Esta comunicação foi apresentada na mesa-redonda “Religião e cultura”, no Seminário
Internacional Max Weber, Departamento de Sociologia/UnB, 22-27 de setembro de 1997. Agradeço a
Jessé Freire Souza pelo convite para participar do evento. Posteriormente, o texto foi incluído na
coletânea organizada por Jessé Souza, A atualidade de Max Weber (Brasília, Editora da UnB, 2000).
2. Ver, especialmente, Lévi-Strauss, Claude, La Pensée Sauvage; Leach, Edmund, Rethinking
Anthropology.
3. Nos termos de Charles Peirce, trata-se de incorporar a performance, a dinâmica e a
individualidade tangíveis do índice (“Secondness”) ao código simbólico e suas leis (o “Third”) (ver
Peirce, Charles, Philosophical Writings of Peirce).
4. Em uma avaliação rápida, Dumont filia-se diretamente a Durkheim via Mauss (de quem foi
aluno), Geertz vincula-se a Weber via Parsons (com quem estudou no Departamento de Relações
Sociais, da Universidade de Harvard) e Tambiah a Leach (que o legitimou como antropólogo) (ver
Tambiah, Stanley, “Continuidade, integração e horizontes em expansão”).
5. Citando: “A expressão ‘individualismo’ inclui as coisas mais heterogêneas imagináveis …. Uma
análise exaustiva desses conceitos em termos históricos haveria de ser, no presente …, altamente
valiosa para a ciência” (Weber apud Dumont, 1980, p.8).
6. Dumont, Louis, Homo Hierarchicus. The Caste System and its Implications, p.30.
7. Dumont, Louis, From Mandeville to Marx. Genesis and Triumph of the Economic Ideology, p.10.
Podemos acrescentar que quando as subespecializações na antropologia (como a antropologia política,
antropologia econômica etc.) proliferam, elas são o resultado direto da eliminação do valor e da
hierarquia desses domínios ou esferas no mundo contemporâneo (ver Dumont, 1977).
8. Ver Bendix, R., Max Weber. An Intellectual Portrait; especialmente, Capítulo 8: “Max Weber’s
Sociology of Religion”.
9. Geertz, Clifford, Islam Observed. Religious Development in Marocco and Indonesia, p.1. [Ed.
bras., Observando o islã, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005.]
10. Geertz, Clifford, Islam Observed. Religious Development in Marocco and Indonesia, p. 95,
ênfase minha.
11. Ver Tambiah, Stanley J., Buddhism and the Spirit Cults in North-east Thailand; World
Conquerer and World Renoucer. A Study of Buddhism and Polity in Thailand against a Historical
Background; The Buddhist Saints of the Forest and the Cult of Amulets.
12. Cf. as formulações de uma “política galática” (galactic polity) e de uma “política radial” (radial
polity) (Tambiah, Stanley J., Culture, Thought and Social Action, especialmente, o capítulo “The
galactic polity in Southeast Asia”).
13. Ver “Buddhism and this-worldly activity” (Tambiah, Stanley J., The Buddhist Saints of the
Forest and the Cult of Amulets, 1973), sobretudo a longa nota 1. Em vários sentidos o trabalho de
Tambiah é um contraponto a Weber: ao focalizar etnograficamente o budismo em ação, ao examinar
historicamente a relação entre budismo e monarquia, e ao ampliar a noção de carisma para incluir
objetos. (Sobre o carisma dos amuletos, ver Tambiah, A Study in Charisma, Hagiography,
Sectarianism, and Millennial Buddhism, 1984.)
14. Tambiah, Stanley J., Magic, Science, Religion, and the Scope of Rationality, p.154.
15. Ver, para a questão da centralidade dos clássicos, o Capítulo 1.
16. Ver Capítulo 6 para a noção de história teórica.
17. Ver, para as semelhanças entre Durkheim e Weber, Schluchter, Wolfgang, Rationalism, Religion
and Domination. A Weberian Perspective, p.54-7; para as diferenças, Schluchter, Wolfgang, idem,
p.497, nota 17.
18. “A sociologia [de Weber] não era apenas baseada na Vestehen; ela também evitava o conceito de
sociedade” (Schluchter, idem, p.3, ênfase minha).

Capítulo 8 – Por uma sociologia da Índia


1. Este capítulo é uma tradução do artigo publicado na seção “For a Sociology of India”, da revista
Contributions to Indian Sociology (1991), no último número dos 25 anos em que T.N. Madan foi seu
editor (ver Peirano, Uma antropologia no plural. Três experiências contemporâneas, Capítulo 9, para
uma breve história dessa publicação).
2. Madan, T.N. Way of Life. King, Householder, Renouncer Essay in Honour of Louis Dumont,
p.417.
3. Apud Galey, Jean Claude, “A conversation with Louis Dumont Paris, 12 December, 1979”, p.19.
4. Ibid. p.20.
5. Madan modificou a declaração de Saran, de que “social reality qua social has no outside” para
“social reality qua reality has no outside”. Dumont usou a versão de Madan, indicando que o original
lhe era desconhecido (ver Saran 1962, Madan 1966 e Dumont 1966.)

Capítulo 9 – “Sem lenço e sem documento”


1. Publicado na revista Sociedade e Estado, em 1986, este artigo é reproduzido aqui não apenas por
seu caráter documental, mas por introduzir um programa de pesquisa que tem seqüência no capítulo
seguinte. O trabalho original foi resultado de uma investigação realizada em conjunto com Elisa Reis e
João Batista Araújo e Oliveira, na cidade de Rio Paranaíba, Minas Gerais, e no Ministério da
Desburocratização, em Brasília. O texto foi mantido como originalmente publicado, mas, em razão das
mudanças naquela região do país, optei por transformar os tempos presentes da versão original em
passado, contrariando o hábito de se manter o presente etnográfico (ver, também, Reis, Processos e
Escolhas. Estudos de Sociologia Política.
2. Ver Dumont, Louis, Religion, Politics and History in India, p.112-33, para uma crítica ao
conceito de “comunidade”.
3. Ver Peirano, Uma antropologia no plural, Capítulo 4, para uma reflexão sobre o conceito de
“sociedade complexa”.
4. Wanderley G. dos Santos, “Reflexões sobre a questão do liberalismo”, p.175.
5. Elias, Norbert, “Processes of state-formation and nation-building.”
6. Ver Weber, Eugen, From Peasants into Frenchmen. The Modernization of Rural France, (1976)
para um trabalho elucidativo sobre a França.
7. Marshall, T.H., Cidadania, classe social e status, p.64.
8. Mauss, Marcel, L’Année Sociologique, p.20.
9. Grillo, R., “Nation” and “State” in Europe. Anthropological Perspectives, p.6.
10. Tilly, Charles, The Formation of National States in Western Europe, p.6.
11. Dumont, Louis, Religion, Politics and History in India, p.93.
12. Dumont, Louis, Religion, politics and society in the individualistic universe, p. 31-41.
13. Wanderley G. dos Santos, Justiça e cidadania.
14. Idem, p.77.
15. Wanderley G. dos Santos, Justiça e cidadania.
16. Os dados foram coletados em duas etapas: em 1981, visando um estudo da burocracia no meio
rural e o impacto do Programa de Desburocratização no interior; e em 1982, durante o período de
eleições gerais.
17. Ver Dumont, Louis, Religion, Politics and History in India, p.107, para a noção política de
território.
18. Constatei esse fato em pesquisa de campo realizada, em 1974, entre pescadores no litoral do
Ceará, para quem “alemães” ou “sulistas” poderiam vir a desempenhar igual papel (no caso, de
potenciais inimigos). Em suas pesquisas nos anos 1960, Roque de Barros Laraia encontrou populações
rurais que ainda supunham o Brasil ligado a Portugal como colônia (comunicação pessoal).
19. Mauss, Marcel, L’Année Sociologique, p.24.
20. Programa Nacional de Desburocratização, Plano Nacional de Desenvolvimento, Presidência da
República, 1985.
21. Em artigo recente, Piquet Carneiro (2004) argumenta que o projeto brasileiro foi pioneiro em
relação ao “Reinventing Government”, programa norte-americano de desburocratização lançado pelo
presidente Bill Clinton em 1993.
22. Bendix, R., Nation-Building and Citizenship, p.60.
23. Mauss, Marcel, L’Année Sociologique, p.24.
24. Wanderley G. dos Santos, Justiça e cidadania.
25. As ambigüidades existentes entre os propósitos “técnicos” e o apelo “político” da
desburocratização no plano do Estado merecem maior esforço de pesquisa.
26. A proposta libertadora do cidadão, do compositor Caetano Veloso, completase com o verso
seguinte: “Nada no bolso ou nas mãos.”
27. Marshall, T.H., Cidadania, classe social e status, p.63.
28. Marshall, T.H., Cidadania, classe social e status, p.64.
29. Bendix, R., Nation-Building and Citizenship.
30. Idem, p.89-ss.
31. Idem, p.78, 82, 115.
32. Marshall, T.H., Cidadania, classe social e status, p.76, ênfase minha.
33. R. Bendix, Nation-Building and Citizenship, p.86.
34. Anton, Blok, The Mafia of a Sicilian Village: 1860-1960.
35. Ver Antonio Candido [Mello e Souza], Formação da literatura brasileira, para o papel dos
intelectuais na construção da nação.

Capítulo 10 – A lógica múltipla dos documentos


1. Este capítulo constitui uma versão ampliada da comunicação “This horrible time of papers:
documentos e valores nacionais”, apresentada no Seminário “Antropologia da política”, Museu
Nacional/UFRJ, agosto de 2001, e, mais tarde, no “Encontro de Sociologia e Antropologia”,
IFCS/UFRJ, maio de 2004. Agradeço a Antonádia Borges e a Wilson Trajano Filho pelas leituras
exigentes que ajudaram a tornar o texto mais palatável.
2. “Scenes from a marriage”, p.57-8.
3. Marcel Mauss, L’Année Sociologique, p.20.
4. Dumont, Religion, Politics and History in India, p.93. Para Grillo (Grillo, “Nation” and “State”
in Europe. Anthropological Perspectives, p.6), Mauss teria definido o Estado-nação (e não a nação,
como propunha).
5. Cf. Mommse apud Poggi, G., The Development of the Modern State. A Sociological Introduction,
p.101. Nessa linha, Schwartzman (Schwartzman, “Apresentação”, p.10) enfatiza a necessidade da
pesquisa empírica para esclarecer a relação não-determinista entre a autoridade do Estado e a
solidariedade da sociedade civil: “[Co]existem, em todos os sistemas sociais, sistemas de interesse que
tratam de orientar e delimitar a ação do Estado, e uma autonomia mais ou menos significativa do
Estado que trata de influenciar a vida da sociedade civil. Essa dualidade não é, meramente, de tipo
funcional, o Estado incorporando as funções do sistema político referidas às relações verticais de
autoridade e dominação, e a sociedade civil corporificando as relações horizontais de solidariedade e
comunidade de interesses. O que se passa, exatamente, é que relações de solidariedade se desenvolvem
dentro das estruturas de autoridade, e relações de autoridade se desenvolvem dentro das estruturas de
solidariedade, e é isso que torna a pesquisa empírica necessária e insubstituível” (ênfase minha).
6. Essa perspectiva encontra alicerce em Dumont, “La communauté anthropologique et l’ideologie”,
para quem cabe à antropologia a tarefa de reunir, compreender e reconstruir o que a ideologia moderna
separou. Nesse sentido, noto que a letra E maiúscula é aqui utilizada para grafar “Estado-nação” apenas
para seguir a convenção das ciências sociais brasileiras.
7. Por exemplo, Das, Critical Events. An Anthropological Perspective on Contemporary India;
Tambiah, Buddhism and the Spirit Cults in North-east Thailand; Daniel, Charred Lullabies. Capters in
an Anthropography of Violence.
8. Cf. Elisa Reis, Processos e escolhas. Estudos de Sociologia Política. Em geral, as sociedades-
Estados assumiram o caráter de Estados-nações no meio do século XVIII em diante e, para Elias,
“Processes of state-formation and nation-building”, mesmo as sociedades mais desenvolvidas do
mundo industrial contemporâneo não teriam ainda completado seus respectivos processos de
construção da nação.
9. Entre os ensaios que abordam a questão dos documentos a partir de uma perspectiva
antropológica, ver Peirano e DaMatta (2002). Oliven (2001) faz uma interessante menção ao caso
norte-americano. Scott, Tehranian & Mathias (2002) focalizam o caso dos patronímicos na produção de
identidades legais próprias aos Estados e finalizam com uma menção detalhada sobre os usos positivos
(em campos de refugiados, por exemplo) e negativos (campos de concentração) de números e
documentos. Ver, também, Torpey (2000), sobre a invenção do passaporte, e a excelente coletânea de
artigos em Caplan & Torpey (2001a).
10. Cf. Peirano, Mariza, “Rituais como estratégia analítica e abordagem etnográfica”.
11. Tambiah, Stanley J., Culture, Thought and Social Action.
12. Depoimento de Aderval Costa Filho (2000).
13. TV Globo, 22/5/2001, Jornal Hoje, 13h30.
14. Episódio relatado em Silva, Borges, Belino e Bento. A fala ritual entre os tapuios de Goiás,
p.52-3.
15. Wanderley G. dos Santos, W.G., Justiça e cidadania, cf. Capítulo 9.
16. Caso relatado a Rívia Bandeira em janeiro de 2001.
17. CPF são as iniciais do Cadastro de Pessoa Física, tendo sido precedido pelo CIC, Cartão de
Identificação do Contribuinte. Com o tempo, as duas siglas tornaram-se sinônimas, com a diminuição
gradativa do uso da sigla CIC. CPF hoje é um termo inclusivo e indica o cadastro geral, o número
individual e o cartão.
18. Algumas cadeias de lojas passaram a usar, em tempos recentes, o número do CPF como
localizador do cliente. No ano de 2000, o governo procedeu ao recadastramento dos CPF dos cidadãos
que não apresentaram declaração de renda nos dois anos anteriores. (Os que apresentaram declaração
foram recadastrados automaticamente.) A Receita Federal detectou que, dos 122, 4 milhões de CPF no
país, mais da metade (63, 2 milhões) encontrava-se em situação irregular no início de 2001. Para
normalizar o CPF, era preciso ir a uma agência dos Correios, do Banco do Brasil ou da Caixa
Econômica Federal, preencher um formulário e pagar uma taxa (Jornal do Brasil, 17/1/2001: “CPF:
mais de 50% são irregulares”). A relação do CPF com o Social Security Number nos Estados Unidos é
matéria para investigação, mas uma diferença ressalta logo: lá as autoridades recomendam a não
divulgação do número, em princípio devido à alta incidência de fraudes.
19. Borges, O tempo de Brasília, p.16-17. A autora menciona como, em outra experiência de
pesquisa, dessa vez no Paraná, os serviços públicos de saúde exigiam do doente a apresentação do título
de eleitor para o atendimento médico no município (2000: 16-17).
20. Idem.
21. No caso de pagamento via Internet, muitos empregadores grampeiam o recibo no carnê, de modo
a não eliminá-lo de vez.
22. Depoimento feito a Rívia Bandeira em uma Delegacia de Polícia na qual várias pessoas
esperavam sua vez para tirar a carteira de identidade em Brasília, janeiro de 2001.
23. Malinowski, Coral Gardens and Their Magic, apud Silverstein, “Language as part of culture”.
24. Austin (1962). Além de Austin, ver especialmente as obras de Peirce e Jakobson. Para a
influência desses autores na análise antropológica, ver Peirano (2001a, 2001b).
25. Ao se referir aos documentos, Cave os identifica como “o símbolo [que] proclama como único
um indivíduo que não pode, por si só, provar suficientemente sua singularidade” (Cave, Recognitions.
A Study in Poetics, p.245, apud Caplan, “‘This or that particular person’: Protocols of identification in
nineteenth-century Europe”, p.51.
26. Uma observação se faz necessária: embora haja fortes indícios de que os passaportes tenham
sido os primeiros documentos oficiais do mundo moderno (Torpey 2000), escolhi para esse exercício
documentos que têm vida simbólica dentro de um determinado Estado, que servem como prova legal
de identidade, que indicam participação em uma mesma comunidade e cujo uso obrigatório é aceito
como “natural”. Essa ressalva é importante em razão da bibliografia ainda limitada a respeito do tema
(ver Caplan & Torpey 2001a). Vale notar, contudo, que, focalizando os passaportes, Torpey (2000)
admite que o documento de identidade seria um tipo de “passaporte interno” (o Personalausweis na
Alemanha, a carte d’identité na França), permitindo o acesso a direitos de participação democrática
(votar), a serviços públicos (serviço médico) e a pagamentos de órgãos públicos (p.166). Cartões de
crédito também servem, hoje, como “documento”, tendo se transformado em índices de disponibilidade
financeira para várias finalidades – passaram, até, a ser requisitados oficiosamente como prova de
elegibilidade por algumas alfândegas. A investigação comparativa de um universo maior de
documentos certamente trará maior densidade ao tema.
27. Tratando-se de uma teoria semiótica de grande precisão lógica, a síntese aqui apresentada é
superficial e refere-se apenas a uma das tricotomias tipológicas de Peirce. Para uma introdução básica à
semiótica do autor, dirijo o leitor a Peirce (1955), sobretudo os Capítulos 6 (“The Principles of
Phenomenology”) e 7 (“Logic as Semiotic: The Theory of Signs”). Cito uma das várias passagens-
síntese: “A progressão regular de um, dois, três pode ser reconhecida nas três ordens de signos, Ícone,
Índice e Símbolo. O Ícone não tem qualquer conexão dinâmica com o objeto que representa; suas
qualidades simplesmente se assemelham às daquele objeto e estimulam sensações análogas na mente do
intérprete. […] O Índice está fisicamente conectado ao seu objeto; eles formam um par orgânico, mas a
mente que interpreta nada tem a ver com essa conexão, exceto reconhecê-la depois que ela é
estabelecida. O Símbolo está conectado com seu objeto pela eficiência da idéia da mente que o utiliza,
sem a qual essa conexão não existiria” Peirce, Philosophical Writings of Peirce, p.114.
28. Essa sugestão se confirma no uso da carteira de motorista nos Estados Unidos, país que, em
nome dos direitos civis, não adota uma carteira de identidade nacional.
29. Poovey, A History of the Modern Fact, Problems of Knowledge in the Sciences of Wealth and
Society.
30. Ibid., p.119. Os números aparecem, assim, como um fim de linha da escrita, isto é, indicam um
processo de hierarquização valorativa da palavra oral para a escrita, e desta para os números. Poovey
(1998) propõe-se examinar os componentes do “fato moderno”, noção mencionada no início deste
capítulo.
31. Fraenkel, La Signature: Génèse d’un Signe, apud Caplan, Jane, “‘This or that particular person’:
Protocols of identification in nineteenth-century Europe”, p.52.
32. Caplan, “‘This or that particular person’: Protocols of identification in nineteenth century
Europe”.
33. Idem, p.52.
34. Caplan desmerece Peirce em um sentido mais sério quando tenta compreender sua teoria por
meio de uma “tradução” para os termos de Saussure, isto é, a arbitrariedade do signo e a motivação do
símbolo. A passagem de Caplan (2001: 52) começa com a referência a Fraenkel: “Beatrice Fraenkel
sugeriu que, apesar de os signos de identidade serem heterogêneos e desordenados, convencionou-se
que os signos elementares da identidade moderna são o nome, o retrato e a impressão digital. Eles
correspondem, por uma lógica que certamente não é acidental, à ‘segunda tricotomia de signos’ de C.S.
Peirce, a saber, a diferenciação entre símbolo, ícone e índice, de acordo com o caráter do próprio
signo.” Segue-se a visão de Peirce em termos de Saussure: “No sistema peirceano dos signos, o
símbolo (aqui, o nome próprio) é o significante de Saussure, isto é, o signo arbitrário que não se parece,
nem tem uma relação existencial com seu referente. O ícone (o retrato) ‘representa seu objeto
basicamente por sua similaridade’ com ele: a relação entre significado e significante não é arbitrária,
mas de semelhança. O índice, finalmente, ‘refere a seu objeto … porque está em conexão dinâmica’
com ele – aqui, a impressão digital ….”
35. Embora seja “válida em todo o território nacional”, há diferenciações regionais e, portanto,
hierárquicas em jogo: um jovem filho de trabalhadores do interior da Bahia pode tirar sua carteira de
identidade durante uma viagem ao Rio de Janeiro quando visita parentes, como prova futura de
prestígio na região de origem ou, ainda, para evitar uma eventual discriminação carioca se decidir
migrar. No ano seguinte, a irmã faz o mesmo trajeto. (Casos registrados no Rio de Janeiro em 2002.)
36. Tambiah, Magic, Science, Religion, and the Scope of Rationality.
37. Dialogando com Lévy-Bruhl, Tambiah (Magic, Science, Religion and the Scope of Rationality,
p.107) assim explica o processo da “participação”: “Na linguagem da semiótica, seres humanos, de um
lado, e lugares, objetos e fenômenos naturais, de outro, são vistos como ‘iconicamente’ representando-
se uns aos outros, e também ‘indexicamente’ transferindo-se energias e atributos.” Equivalente ao papel
que os documentos adquirem nesse capítulo, Tambiah (Leveling Crowds. Ethnonationalist Conflicts
and Collective Violence in South Asia) analisa a questão da bandeira nos Estados Unidos,
especialmente a discussão na Corte Suprema sobre a legalidade de queimá-la em público vis-à-vis seu
uso conspícuo no dia-a-dia: “Um minimalista, citando Saussure […], poderia dizer que a bandeira é um
signo arbitrário se ela representa o país ou nação, que a relação entre o significado e o significante não
é intrínseca ou natural, mas puramente convencional. Mas muitos, talvez a maioria, dos norte-
americanos, tanto conservadores quanto liberais, sentem e dizem que a bandeira é mais que um signo
arbitrário/convencional; ela participa, incorpora ou é associada integralmente com a história do país,
seus valores políticos, seu patriotismo, suas guerras e batalhas, isto é, ela assume uma relação de
identidade inseparável dessas concepções, memórias, valores e aspirações. O fato de que as estrelas na
bandeira representam ‘iconicamente’o número de estados e as listras, as treze colônias originais, pode
ser um fator adicional para investi-la com vitalismo.”
38. Nesse contexto situa-se a oposição à demanda dos Estados Unidos, no pós-11 de setembro de
2001, de fotografar os visitantes e coletar suas digitais.
39. Saramago, Todos os nomes, p.112.
40. Caplan e Torpey (“Introduction”, p.7) argumentam: “Estados e cidadãos freqüentemente
brincam de gato e rato com a identificação individual obrigatória.”
41. Bislev (2000) examina o movimento do “New Public Management”, caracterizado por seguir os
padrões das práticas privadas, incluindo tecnologias eletrônicas.
42. Cf. O Globo, 8/8/2004, p.21.
43. Tambiah, “Relations of analogy and identity. Toward multiple orientations to the world.”
Agradecimentos

Sou muito grata a Gilberto Velho pelo estímulo para integrar a


prestigiosa Coleção de Antropologia de Jorge Zahar Editor. Grande parte dos
ensaios aqui reunidos foi produzida na vigência do projeto “Antropologia da
Política” (1997-2004), que se tornou um espaço vibrante de pesquisa sob a
coordenação de Moacir Palmeira. A ele devo uma das mais ricas experiências
da minha vida profissional. Infelizmente, Tema Pechman não viu o resultado
do seu primoroso trabalho de preparação do manuscrito, que Elizabeth Cobra
completou com grande sensibilidade e maestria. Sou especialmente grata aos
meus alunos, a quem devo o diálogo criativo e o desafio mútuo.
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ZALUAR, Alba e N. V. Oliveira (orgs.). Insegurança pública. Reflexões sobre a criminalidade e a
violência urbana. São Paulo: Instituto Braudel, 2002.
Coleção
ANTROPOLOGIA SOCIAL
diretor: Gilberto Velho

• O RISO E O RISÍVEL
Verena Alberti
• ANTROPOLOGIA CULTURAL
Franz Boas
• O ESPÍRITO MILITAR
• EVOLUCIONISMO CULTURAL
• OS MILITARES E A REPÚBLICA
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• DA VIDA NERVOSA
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• BRUXARIA, ORÁCULOS E MAGIA ENTRE OS AZANDE
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• GAROTAS DE PROGRAMA
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• CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO
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• AUTORIDADE & AFETO
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• HISTÓRIA E CULTURA
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autorais. (Lei 9.610/98)

Capa: Sérgio Campante

Produção Digital: Hondana

Edição Digital: Setembro de 2013


ISBN: 978-85-378-0459-9
Truques da escrita
Becker, Howard S.
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longo de décadas de pesquisa, escrita e ensino. A mensagem de
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Repita. O processo nem sempre é fácil. Becker expõe, com toques de
humor, falhas e vícios acadêmicos como a verborragia, o abuso da
voz passiva, o uso de expressões longas demais ("a maneira pela
qual" em vez de um simples "como", por exemplo). Mas todos esses
mecanismos fazem parte da estrutura social da redação acadêmica -
e é aí que se encontra a chave para acabar com o medo de encarar
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Esse livro é ao mesmo tempo um manual que ensina os elementos da


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conceito antropológico de ritual une essas e várias outras
manifestações culturais. Esse volume analisa o desenvolvimento
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reapropriada inclusive para o exame de eventos do cotidiano.

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Escrita pela jornalista e romancista inglesa Lisa Hilton, essa biografia


apresenta um novo olhar sobre a Rainha Virgem e é uma das mais
relevantes contribuições ao estudo do tema nos últimos dez anos.
Apoiada em novas pesquisas, oferece uma perspectiva inédita e
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transformar a Inglaterra de reino em "Estado".

Aliando prosa envolvente e rigor acadêmico, a autora recria com


vivacidade não só o cenário da era elisabetana como também o
complexo caráter da soberana, mapeando sua jornada desde suas
origens e infância - rebaixada de bebê real à filha ilegítima após a
decapitação da mãe até seus últimos dias.

Inclui caderno de imagens coloridas com os principais retratos de


Elizabeth I e de outras figuras protagonistas em sua biografia, como
Ana Bolena e Maria Stuart.

"Inovador... Como a história deve ser escrita." Andrew Roberts,


historiador britânico, autor de Hitler & Churchill

"... uma nova abordagem de Elizabeth I, posicionando-a com solidez


no contexto da Europa renascentista e além." HistoryToday

"Ao mesmo tempo que analisa com erudição os ideais renascentistas


e a política elisabetana, Lisa Hilton concede à história toda a
sensualidade esperada de um livro sobre os Tudor." The Independent

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Redes de indignação e esperança
Castells, Manuel
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272 páginas

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Principal pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel


Castells examina os movimentos sociais que eclodiram em 2011 -
como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os movimentos
Occupy nos Estados Unidos - e oferece uma análise pioneira de suas
características sociais inovadoras: conexão e comunicação
horizontais; ocupação do espaço público urbano; criação de tempo e
de espaço próprios; ausência de lideranças e de programas; aspecto
ao mesmo tempo local e global. Tudo isso, observa o autor,
propiciado pelo modelo da internet.
<p>O sociólogo espanhol faz um relato dos eventos-chave dos
movimentos e divulga informações importantes sobre o contexto
específico das lutas. Mapeando as atividades e práticas das diversas
rebeliões, Castells sugere duas questões fundamentais: o que
detonou as mobilizações de massa de 2011 pelo mundo? Como
compreender essas novas formas de ação e participação política?
Para ele, a resposta é simples: os movimentos começaram na
internet e se disseminaram por contágio, via comunicação sem fio,
mídias móveis e troca viral de imagens e conteúdos. Segundo ele, a
internet criou um "espaço de autonomia" para a troca de informações
e para a partilha de sentimentos coletivos de indignação e esperança
- um novo modelo de participação cidadã.

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