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A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA

UMA ANÁLISE CRÍTICA AO TEXTO DE MANCUR OLSON

André Monteiro Pires


Nº 108739

Unidade Curricular de Estado, Economia e Políticas


Públicas
Mestrado em Economia e Políticas Públicas

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TESE DE OLSON
A lógica da ação coletiva – Bens Públicos e Teoria dos grupos, de Olson, é um
importante trabalho que consagra um tema tão relevante como a ação coletiva das pessoas
e a forma como estas se organizam na sociedade visando defender interesses comuns.

Olson defende no seu livro, bem estruturado e organizado, a tese de que as ações
coletivas dos indivíduos que existem na sociedade são explicadas essencialmente por
necessidades e interesses individuais. Segundo Olson, os indivíduos que procuram formar
grupos (associações, sindicatos, consórcios, …) não o fazem com o objetivo final de
defender os interesses comuns ou individuais de todos os associados no seu conjunto,
interpreto, mas com a finalidade, cada um deles, de satisfazer o seu interesse individual,
usando o grupo a que pertencem apenas como instrumento fundamental na luta pela
concretização desses objetivos.

Olson utiliza o exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra para
explicar de que forma os indivíduos que integram este movimento, tal como os indivíduos
que integram outros grupos de pessoas que lutem por um mesmo objetivo ou conjunto de
objetivos, o fazem com uma finalidade puramente individualista, que no caso seria a posse
de terras, não sendo do seu verdadeiro interesse que todos os associados do movimento
tivessem acesso a essas terras, mas sendo sim, do interesse individual de cada um, possuir
essas terras individualmente. Ou seja, o objetivo de cada um dos membros do grupo seria
possuir ele próprio uma terra, mesmo que os outros membros não conseguissem atingir
esse objetivo.

CRÍTICA

Existem várias questões que podem ser colocadas perante esta interpretação.

Em primeiro lugar, esta lógica de que a pertença a um grupo é sempre um ato que
tem por detrás uma intenção individualista parece poder ser refutada pela realidade
mediante a observação e análise de vários fenómenos na sociedade. A título de exemplo,
podemos questionar, perante esta tese, por que razão existem associações como a Liga
Portuguesa contra o Cancro (LPCC) que recebe apoio de milhares de pessoas que se
mostram solidárias com as vítimas do cancro. Desta forma, se partirmos do princípio que
as pessoas contribuem para estas associações com o objetivo de ajudar as vítimas destas
doenças, a tese de Olson cairia por terra.

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No entanto, sendo o ser humano um ser social, racional e imperfeito, a verdade é
que este pressuposto pode estar errado. Coloquemos a hipótese de que as pessoas que
contribuem para esta causa, associando-se, pagando quotas e participando em eventos, o
fazem a pensar na possibilidade de um dia estarem naquela situação e necessitarem de
uma organização como a LPCC. Nesse caso, se as pessoas decidirem ajudar a Liga tendo
em mente essa possibilidade, não estarão a ser altruístas. Estarão a pensar na possibilidade
de o mesmo lhes acontecer no futuro e quererem ter a garantia de que terão esse apoio.

Perante este argumento, pode, no entanto, dizer-se que nem todas as pessoas que
contribuem para a causa o fazem com um objetivo individualista e a pensar no seu próprio
futuro, na sua própria saúde. Podem fazê-lo por sensibilidade e consciência social,
assumindo uma atitude altruísta para com as pessoas que sofrem destas doenças. Ou seja,
pode dizer-se que essas pessoas o fazem porque sentem um dever moral e esses atos
ajudam-nas a ficar bem com esse sentimento de dever. Neste caso, apesar de a atitude ter
consequências benéficas, podemos afirmar que essas pessoas no fundo só estariam a
ajudar na causa para se sentirem bem consigo próprias, utilizando as consequências dessa
solidariedade como um instrumento benéfico socialmente para essa finalidade.

Esta discussão sobre a intenção final e intermédia da pertença a um grupo, bem


como o impacto que a cultura e circunstâncias de vida das pessoas, discutidos em diante,
têm no seu comportamento de grupo é algo importantíssimo na lógica da ação coletiva de
que a análise de Olson carece.

Olson, como referi, ignora na sua análise fatores sociais exógenos que têm forte
influência na forma como os indivíduos se organizam e se agrupam. Não podemos tentar
segmentar os seres humanos colocando-os em “caixas”, tratando-os como se fossem todos
iguais e como se não fosse possível haver seres humanos egoístas e altruístas. A sociedade
humana é heterogénea. As diferentes culturas das diferentes regiões do mundo são um
aspeto importante a considerar que Olson descurou na sua análise. Sociedades como a
japonesa, a finlandesa, a norueguesa ou a islandesa são sociedades com uma cultura de
solidariedade e de valorização do ser humano enraizada, aliás muito explorada nos anos
70 com o Welfare State, através do qual se demonstra que de facto existem sociedades
que incorporam uma cultura de solidariedade e uma sensibilidade entres os indivíduos
que é uma solidariedade natural (verdadeira) e não artificial (interesseira). Pode
argumentar-se que a criação dessa sociedade de bem-estar derivaria de um conjunto de
objetivos individuais comuns (ou seja, que essa sociedade seria o resultado da soma dos
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interesses individuais, comuns, das pessoas que a integram) no entanto, se assim fosse,
os sindicatos existentes nesses países veriam o número de membros reduzido
consideravelmente à medida que os objetivos fossem atingidos (pois cada indivíduo
atingiria o seu objetivo pessoal e, portanto, já não teria interesse em continuar no
sindicato), o que na verdade não aconteceu. As taxas de sindicalismo nesses países, após
essa época de Social Democracia (clássica) continuariam a ser das mais altas do mundo,
apesar de terem sofrido algumas diminuições que podem ser explicadas por outros fatores.
Apesar disso poder-se-ia sempre argumentar que as causas que são defendidas pelos
sindicatos requerem uma luta contínua, pois não se trata apenas de defender novas
políticas e direitos, mas também de lutar pela manutenção dos já existentes, e que
portanto, não faria sentido nem do ponto de vista do interesse individual nem do coletivo,
as pessoas deixarem o sindicato.

Por outro lado, sabemos também da existência de países como EUA, ou Brasil,
marcados pela violência e pela desigualdade (conceitos que por norma andam de mão
dada) em que se observa uma completa desvalorização das franjas mais desfavorecidas
da sociedade, por parte da classe média-alta e alta. É notória a estratificação social,
nomeadamente no Brasil e a cultura esclavagista existente na sociedade e na economia,
que são uma expressão notória de um capitalismo desregulado e “deixado á solta”. Estes
contrastes que referi servem para explicar que o contexto cultural e societal dos diferentes
países, as características intrínsecas à própria sociedade e à economia são elementos não
só fundamentais como decisivos para a forma como os indivíduos atuam coletivamente.

Estes contextos sociais e económicos não foram tidos em conta por Olson. Pelo
contrário, o autor efetuou o estudo deste tema adotando uma abordagem relativamente
economicista, verdadeiramente neoclássica, ignorando todos os aspetos referidos
anteriormente, levando assim a uma análise incompleta e enviesada desta realidade.

Se a economia é uma ciência social e interdisciplinar que necessita de ser


complementada com outras ciências como a sociologia, psicologia, ciência política, etc.,
então as análises puramente economicistas dos fenómenos sociais, que não têm em conta
todo um conjunto de informação complementar que é importante para fazer uma análise
rigorosa dos mesmos, são análises no mínimo incompletas.

Apesar de Olson adotar uma postura científica na análise desta problemática, a


verdade é que a análise da lógica da ação coletiva terá sempre de assentar na informação

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e no contributo de várias disciplinas e ciências, para que seja verdadeiramente completa
e convincente. Apesar de as demonstrações matemáticas serem importante para a
conveniência de uma teoria, a verdade é que muitas vezes se mostram pouco ajustadas à
realidade, precisamente por esta ser complexa e por isso necessitar de um conjunto de
outras ciências e disciplinas para ser estudada.

Nas páginas 5/6 do livro, Olson argumenta que “as organizações sucumbem
frequentemente se nada fizerem para promover os interesses dos seus membros, e este
fator deve severamente limitar o número de organizações que não servem os seus
membros”. É importante referir que esses interesses são também pessoais. Mas claro que
é mais fácil uma organização sucumbir por deixar de defender os interesses coletivos,
devido aos quais foi criada, do que se o fizer com um ou outro interesse individuais. No
entanto, há que ter em atenção o seguinte. Apesar de a não defensa dos interesses
individuais dos elementos da organização não ser tão negativa para a capacidade da
organização se manter, a verdade é que tal pode provocar um efeito de desconfiança nos
elementos que a integram, pois estes podem achar que, ao verem um dos elementos a não
ver os seus direitos individuais defendidos, o mesmo pode no futuro acontecer consigo.
Sob esta perspetiva, é questionável se a intenção de pertença à organização não será
individualista. No entanto o argumento pode ser feito inversamente. A solidariedade dos
restantes elementos para com o lesado (o que não viu os seus direitos defendidos) pode
ser verdadeira e estes deixarem de pertencer à associação, não por medo de o mesmo lhes
acontecer, mas porque se mostram solidários com o seu companheiro.

Assim, a defesa dos direitos coletivos é sem dúvida o mais importante numa
organização e será sempre o objetivo da sua existência. Mas a defesa dos interesses
individuais dos seus elementos não deve ser descurada, sob o rico de a sua não
consideração poder ser fatal para a organização

BIBLIOGRAFIA

OLSON, Mancur. The logic of collective Action – Cambridge/Mass: Harvard


University Press, 1974;

LAZZARETTI, M. Ângelo. MANCUR OLSON E A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA


APLICADA AO MST. Tempo da Ciência, [S. l.], v. 21, n. 41, p. 154–162, 2000. DOI:
10.48075/rtc.v21i41.11024

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