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UNIVERSIDADE METROPOLITANA

Núcleo de Educação a Distância


DE SANTOS

Pensamento
Político
Brasileiro

CIÊNCIAS SOCIAIS4
SEMESTRE 1
UNIVERSIDADE METROPOLITANA
Núcleo de Educação a Distância
DE SANTOS
Créditos e Copyright

ALVES Jr, Paulo.


Pensamento Político Brasileiro.
Paulo Alves Júnior: Núcleo de Educação a
Distância da UNIMES, 2015. 91p. (Material
didático. Curso de ciências sociais).
Modo de acesso: www.unimes.br
1. Ensino a distância. 2. Ciências
Sociais. 3. Pensamento Político Brasileiro
CDD 300

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Núcleo de Educação a Distância
DE SANTOS
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO

CURSO: Licenciatura em Ciências Sociais

COMPONENTE CURRICULAR: Pensamento Político Brasileiro.

SEMESTRE: 4º

CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas

EMENTA:
As bases de formação do pensamento político brasileiro. Relações de interlocução
entre a sociedade que origina a política e o pensamento social do país. Introdução
ao pensamento político brasileiro. A formação da nação. Política, escravidão e
liberalismo no Brasil. O pensamento conservador brasileiro e a modernização
conservadora. Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Azevedo Amaral
e Getúlio Vargas. Os intérpretes do Brasil da geração de 30. Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. A institucionalização do pensamento
político: ISEB e CEBRAP. Florestan Fernandes: a questão racial e a revolução
burguesa.

OBJETIVO GERAL:

Apresentar o processo de construção do pensamento político brasileiro, as principais


escolas e autores e sua relação como desenvolvimento das ciências sociais no
Brasil.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Unidade I - O pensamento político e a passagem à Independência

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Objetivos da Unidade

Procurar compreender quando passa a ser pertinente a discussão sobre o


pensamento político brasileiro. Para isso é preciso também entender o processo de
Independência e mais especificamente o contexto da mudança da condição política
com o fim do sistema colonial.

Unidade II - O pensamento político na transição republicana

Objetivos da Unidade

Explicitar o pensamento de alguns autores no período da transição para a República


no Brasil. Entender quais foram as suas relações com o tipo de República instaurada
no país. Mostrar como esses autores, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, foram
importantes para embasar regimes conservadores como o de Getúlio Vargas, que
viria em seguida.

Unidade III - O pensamento político nos anos 1930

Objetivos da Unidade

Compreender a interpretação de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio


Prado Jr sobre o Brasil, destacando as mudanças que trouxeram com relação ao
pensamento conservador precedente.

Unidade IV - O pensamento político em instituições: O ISEB e o CEBRAP

Objetivo da unidade

Identificar a criação de instituições que visavam uma interpretação da sociedade


brasileira e que foram relevantes para uma leitura da realidade brasileira. Entender
os papéis de destaque de Hélio Jaguaribe e Fernando Henrique Cardoso nessas
instituições.

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Unidade V - O pensamento político de Florestan Fernandes

Objetivos da unidade

Compreender as formulações de Florestan Fernandes em suas obras magistrais: A


Revolução burguesa no Brasil e Integração do Negro na Sociedade de Classes.
Explorar sua biografia de modo a ver suas reverberações em suas preocupações
teóricas. Mostrar sua importância na consolidação das ciências sociais no Brasil.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

UNIDADE I: O pensamento político e a passagem à Independência

UNIDADE II: O pensamento político na transição republicana

UNIDADE III: O pensamento político nos anos 1930

UNIDADE IV: O pensamento político em instituições: O ISEB e o CEBRAP

UNIDADE V: O pensamento político de Florestan Fernandes

Bibliografia Básica

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de


interpretação sociológica. São Paulo: Global, 2006, 5ª edição.

WEFFORT, Francisco Correia. Formação do pensamento político brasileiro:


ideias e personagens. São Paulo, Ática, 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das
Letras, 2004.

Bibliografia Complementar

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no


Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1935.

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SCHAWRZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo, Editora
34 Letras, 1999.

FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. São Paulo, Editora O Globo, 2001

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

KOWARICK, Lucio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. São


Paulo, Brasiliense, 1987

METODOLOGIA:

A disciplina está dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio
de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e
atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de
textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas,
envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo
ensino/aprendizagem.

AVALIAÇÃO:

A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e


apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como
forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte
teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos
específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância e Prova Presencial,
de acordo com a Portaria de Avaliação vigente.

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Sumário

Aula 01_ O que é pensamento político ......................................................................................... 9


Aula 02_A formação da nação: o século XIX ..............................................................................12
Aula 03_ Liberalismo .....................................................................................................................15
Aula 04_Política e escravidão no Brasil .......................................................................................18
Aula 05 _ Temática: Joaquim Nabuco .........................................................................................20
Aula 06 _A transição para a República ........................................................................................24
Aula 07_Euclides da Cunha (I) .....................................................................................................26
Aula 08_ Euclides da Cunha (II) ...................................................................................................29
Resumo Unidade I .........................................................................................................................31
Aula 09 _ Temática: O pensamento conservador: Oliveira Viana .............................................34
Aula 10_O pensamento conservador: Oliveira Viana (II) ...........................................................36
Aula 11 _ Temática: O pensamento conservador: Azevedo Amaral .........................................38
Aula 12 _ Temática: Pensamento Conservador: Azevedo Amaral (II) ......................................41
Aula 13 _ Temática: O pensamento conservador: Era Vargas (1930-1945) ............................43
Resumo - Unidade II ......................................................................................................................44
Aula 14 _ Temática: A geração de 30 (Intérpretes do Brasil) ....................................................46
Aula 15 _ Temática: Geração de 30 – Gilberto Freyre (I) ..........................................................48
Aula 16 _Temática: Geração de 30 – Gilberto Freyre (II) ..........................................................50
Aula 17 _ Temática: Geração de 30 – Sérgio Buarque de Holanda (I) .....................................52
Aula 18 _ Temática: Geração de 30 – Sérgio Buarque de Holanda (II) ....................................55
Aula 19 _ Temática: Geração de 30 – Caio Prado Jr. (I) ...........................................................56
Aula 20 _ Temática: Geração de 30 – Caio Prado Jr. (II) ..........................................................58
Resumo - Unidade III .....................................................................................................................60
Aula 21 _ Temática: O pensamento institucional – ISEB e CEBRAP .......................................63
Aula 22 _ Temática: O pensamento institucional – ISEB ...........................................................64
Aula 23 _ Temática: O pensamento institucional – Hélio Jaguaribe (ISEB) .............................66
Aula 24 _ Temática: O pensamento institucional – CEBRAP ....................................................68
Aula 25 _ Temática: O pensamento institucional – CEBRAP (Fernando Henrique Cardoso) 70

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Resumo Unidade IV .......................................................................................................................72
Aula 26 _ Temática: Florestan Fernandes - biografia .................................................................74
Aula 27 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil ..........................75
Aula 28 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (I) .....................78
Aula 29 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (II) ....................81
Aula 30 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (III) ...................83
Aula 31 _ Temática: Florestan Fernandes: A questão racial (I) .................................................85
Aula 32 _ Temática: Florestan Fernandes: A questão racial (II)................................................87
Resumo Unidade V ........................................................................................................................89

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Aula 01_ O que é pensamento político

No nosso dia a dia, quando estamos em nosso ambiente de


trabalho, de estudos ou mesmo em nossas casas com nossa família, é comum
surgirem comentários sobre a política em nosso país. Ainda mais quando acabamos
de sair de um processo eleitoral longo e cheio de disputas. Nessas horas é comum
ouvirmos aquelas velhas frases: “políticos são todos iguais!” ou ainda: “políticos são
todos ladrões, corruptos!”.

Eventualmente quando temos notícias da forma de conduta de certos


políticos, quando lemos notícias sobre “mensalões”, propinas, aumentos abusivos de
salários, ficamos realmente com essa sensação, de que “todo político é igual”, e de
que não existe uma ética e nem transparência em seu trabalho legislativo, não é
verdade?

Como comentei em minha aula inaugural, para compreendermos a formação


do pensamento político no Brasil, que reflete no nosso cotidiano e na forma como
vemos e pensamos a política de um modo geral, devemos em primeiro lugar
identificar o que é “pensamento político”.

A princípio é comum relacionarmos o “pensamento político” com o


pensamento “do político”. Essa análise, porém está equivocada. A forma com que
atuam os políticos não coaduna muitas vezes com a teorização que podemos fazer
a respeito de pensamento político. É preciso, portanto, antes de mais nada, defini-lo
de forma mais clara e objetiva possível. Segundo Raimundo Faoro¹ : “Pensamento
político é aquilo que se tem em mente, ou seja, o pensamento político procura
responder as tensões que são gestadas pela experiência política”.

A história do pensamento político seria o espaço ocupado pelas ideias, num


confronto de interpretações, de procura constante de coerência com o dia a dia da
sociedade. O pensamento político passou a ser uma preocupação na Universidade
em 8 de dezembro de 1896, quando Henry Michel instituiu na Sorbonne uma cadeira
de História das Ideias Políticas. Com essa experiência tem-se uma forma de

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vislumbrar como o pensamento político passou a ser construído nas mais diversas
sociedades.

Pensamento é o que se tem em mente, quando se reflete com o propósito de


conhecer algo, de entender alguma coisa e quando se delibera com o intuito de
tomar uma decisão. O pensamento, como ato de pensar, é uma atividade que se
dirige ao objeto e cogita de apreendê-lo. O pensamento político se expressa, quase
sempre, em uma ou outra manifestação: como ideologia e como filosofia ou ciência
política. Ele tem, entretanto, autonomia nas diferentes atitudes no cotidiano da
sociedade civil.

No caso brasileiro, a fim de encontrarmos um marco dessa formação do


pensamento político iremos recorrer ao surgimento do Brasil como Nação.

Importante

O pensamento político começa a ganhar espaço a partir do século XIX com a


chegada da família real ao Brasil. Nesse contexto passa a ser justificável a
elaboração de uma teorização que explique a forma de conduta dos atores político
brasileiros.

Quando você pensa nos políticos brasileiros, o que lhe vem à mente? Será
que não estamos impregnados por aquele velho pensamento de que “eles são todos
iguais”? Para responder essas questões, que tal tentar compreender como se deu a
formação de nosso pensamento político?

Para Reflexão

O pensamento político começa a ganhar notoriedade em nossas discussões


acadêmicas, principalmente a partir dos anos 60 com a polêmica da atualidade ou
não do liberalismo no Brasil durante a segunda metade do século XIX. Para maiores
referencias sobre o assunto:

¹FAORO, Raimundo. “Existe pensamento político brasileiro?”. Revista do IEA/ USP,


1986

Referência Bibliográfica

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SCHAWRZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo, 34
Letras, 1999, especialmente o capítulo: “As ideias fora do lugar”.

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Aula 02_A formação da nação: o século XIX

Vale relembrar que estipulamos um marco histórico para


analisarmos a formação do pensamento político brasileiro, que passa a ser diferente
com a chegada da Família Real portuguesa. Com isso deixamos de ser apenas uma
colônia e passamos a ser Reino Unido. O marco escolhido corresponde ao período
em que o Brasil saía da condição de colônia e passava por uma transição que o
levaria a tornar-se Reino Unido e, no caminhar do “Processo de Independência
(1808-1822)”, consolidar a sua emancipação política com o 7 de setembro de 1822.

A chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808 foi o resultado


imediato de um cenário europeu altamente conturbado pelo Bloqueio Continental de
1806 e do esforço de Napoleão Bonaparte em fazer valer seus interesses no “Velho
Continente”. As tropas napoleônicas, na eminência de invadir Portugal, acabam
precipitando uma mudança nos laços que os lusitanos mantinham com sua colônia
na América. Segundo Caio Prado Jr.

“A transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808 veio dar à


nossa emancipação política um caráter que singularizava no conjunto do
processo histórico da independência das colônias americanas. Todas elas,
mais ou menos pela mesma época, romperam os laços de subordinação
que as prendiam às nações do Velho Mundo. Mas, enquanto nas demais a
separação é violenta e se resolve nos campos de batalha, no Brasil é o
próprio governo metropolitano quem faziam da colônia a sede da
monarquia, é o governo metropolitano quem vai paradoxalmente lançar as
bases da autonomia brasileira”.

Essa separação “pacífica” foi fundamental para a criação de um Estado


Nação, que não conseguiu criar formas particulares de atuação política e muito
menos pode contar com um grupo dirigente que estivesse interessado em elaborar
um projeto político voltado para os interesses da nação. A verdade é que a Casa de
Bragança foi responsável por introduzir na América uma sociedade que não buscou
uma atuação política centrada em valores tipicamente nacionais, o que foi ressaltado

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é o interesse de um grupo tipicamente associado à elite proprietária de terras e
escravos, ou seja, apesar de “independentes”, continuamos a ser mandados
pela mesma elite portuguesa.
O que devemos ressaltar é a gestação do Liberalismo português dentro das
chamadas Reformas Pombalinas (1755-1777). Tais Reformas foram os resultados
do período em que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal,
tornou-se primeiro ministro do governo de José I e implementou em Portugal um
conjunto de reformas que foram marcadas pelo seu caráter iluminista.
O inicio da atuação de Pombal remete as condições do Estado português,
pois o terremoto e o incêndio de Lisboa em 1757 fora para o marquês uma
oportunidade rara de aumento expressivo de poder. No plano político, parece ter
sido decisiva a circunstância de Pombal ter ficado em Portugal no momento do
pânico, quando fugiam todos os que podiam, entre os quais os membros do
governo. Pombal aproveitou a oportunidade para implementar um projeto político
que acabou inferindo a ele a mística de um “herói modernizador”.
O liberalismo que deriva da atuação de Pombal apresenta suas limitações
porque ser o resultado de uma mescla de princípios de um pensamento ligado as
fileiras da igreja que tem um peso secular entre os lusitanos.
Portugal sempre apresentou um forte traço católico, pois sua organização
como Estado esteve vinculado a um projeto centralizador capitaneado pela igreja
católica. Pombal levou adiante seu ideário modernizador, porém sem romper
totalmente com as tradições religiosas do pensamento político português. O
resultado disso foi um Liberalismo pautado por forte influência da ordem religiosa.
Importante
O Liberalismo que foi implementado no Brasil é resultado das contradições
do Estado português durante a modernização implementada pelo marquês de
Pombal, enquanto esse teve o cargo de primeiro ministro durante o governo de José
I.
Para Reflexão
Qual seria se levarmos em consideração a atual conjuntura política, a
concepção vigente de Liberalismo. A concepção que temos é similar aos países
europeus? Pense a respeito.

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PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil – colônia e império, São Paulo:
Brasiliense, 2006, 21ª edição, p.45.

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Aula 03_ Liberalismo

A forma pela qual houve a introdução do liberalismo entre nós


está intimamente relacionada à formação do Brasil como nação e à formação de um
pensamento político brasileiro. Como pudemos perceber na aula anterior, foi a
formação da nação, sob os auspícios da família de Bragança, o momento em que
começamos a fazer parte de um grupo que poderia ser caracterizado como Nação.
Além disso, foi com a “Reforma Pombalina” que se constituiu um pensamento
tipicamente liberal em Portugal que pleiteava a modernização do Estado.
O liberalismo brasileiro esteve cercado de ambiguidades que se mostravam
no discurso inflamado e radicalizado, porém deslocado da política real e incapaz de
mobilizar segmentos expressivos da população. Além disso, na prática, poucos eram
de fato liberais, pois o que fascinava nossas elites era o discurso conservador
possível de ser identificado com os interesses da elite proprietária.
O professor Marco Aurélio Nogueira, aponta que:

“(...) No Brasil, ficava exacerbado o caráter antinômico e contraditório do


liberalismo: a problemática articulação entre liberdade e propriedade, entre
o formalismo da lei e a democracia social, entre liberdade (autonomia,
individualidade) e igualdade (heteronímia, sociabilidade) – que tanto
perturbava a racionalidade da doutrina. Afinal, como imaginar a
formalização de procedimentos e a regulação jurídica dos conflitos numa
sociedade dominantemente rural e escravocrata, onde o arbítrio e a vontade
dos senhores podiam tudo, à margem e fora das vistas até mesmo do
Estado?”.

É a partir desse cenário que surge a possibilidade de ganharmos contornos e


força de uma nação liberal, porém, qual seria o aspecto primordial desse
liberalismo? Seu conteúdo é resultado do cenário vivido em Portugal, originalmente
com o despotismo ilustrado do Marquês de Pombal e com os resultados do
Congresso de Viena² imperando na Europa, com a introdução de um liberalismo
conservador.

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Dessa forma a Coroa portuguesa, ancorada no conservadorismo, segurou até
quando pôde qualquer tipo de avanço ou mesmo de modernização na sociedade.
Ela buscou adaptar-se a situação que começava a lhe fugir através de um
gradualismo legislativo cheio de manobras, visando desarmar a oposição. Assim,
entre outros aspectos, conseguiu enfrentar a questão Abolicionista até os anos 70
do século XIX.
Essa conduta não apresentava condições de manter-se frente à necessidade
de modernização que a estrutura mundial do liberalismo impunha, segundo Marco
Aurélio Nogueira:
“Aos poucos a máquina estatal foi se revelando pesada e lerda demais
para acompanhar as mudanças em curso; o próprio sistema parlamentar
por ele articulado para atravessar os séculos passou a lhe escapar e, acima
de tudo, a mostrar pouca eficiência diante dos novos desafios. Ao mau
funcionamento somavam-se atração das novas ideias, a debandada dos
monarquistas e a perda de importantes bases de apoio. A crise foi
inevitável, agudizando-se sobremaneira ao longo dos anos 80.”³

A modernização proposta pelo estado absolutista português não foi possível


de ser levada adiante. Dessa forma, os rumos que a década produziu na sociedade
fizeram com que um processo modernizador fosse introduzido. O que é fundamental
destacar é que a forma conservadora de modernização encontrou na República,
meios de continuar e se reproduzir.

Importante

Quando o sistema colonial pautado pelo escravismo começou a apresentar


sinais de desgaste, fica claro que o projeto de modernização que a elite proprietária
colocou em prática foi um projeto de “modernização conservadora”.

Para Reflexão

O que seria hoje, na atual conjuntura política:

* Um Projeto Conservador e um Projeto Progressista?

¹ NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo: Joaquim Nabuco, a


monarquia e a republica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.60

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² O Congresso de Viena foi uma conferência entre embaixadores das grandes
potências europeias que teve lugar na capital austríaca, entre 1 de Outubro de 1814
e 9 de Junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do
continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior,
bem como restaurar aos respectivos tronos às famílias reais derrotadas pelas tropas
de Napoleão Bonaparte e firmar uma aliança entre os signatários. O Congresso
de Viena representou uma tentativa das forças conservadoras europeias para deter
o avanço do Liberalismo e do Nacionalismo de diversos povos (polacos, belgas,
finlandeses, gregos e outros) que se encontravam dominados politicamente pelos
impérios então existentes. Também serviu como um instrumento de contenção dos
movimentos revolucionários liderados pela burguesia.

³ NOGUEIRA, Marco Aurélio. Desventuras do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1984, p. 22.

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Aula 04_Política e escravidão no Brasil

Vimos na aula anterior que a “modernização conservadora” foi a


solução encontrada pelo Estado português para não ceder as exigências da
transformação, que se fazia necessária, na segunda metade do século XIX, com a
tentativa de implemento do liberalismo entre nós. Naquele contexto a escravidão era
uma evidência das dificuldades de romper com a estrutura mantida por Portugal.
Praticada no Brasil desde os seus primórdios, a escravidão fez uso da mão de
obra local representada pelos indígenas e também da mão de obra africana. Porém,
foi com os escravos africanos que a produção agrícola brasileira agigantou-se. A
economia em nosso país esteve desde sempre calcada na força do trabalho escravo
e também no rico comércio gerado por seu tráfico.
O lucro auferido pelo trabalho escravo tinha grande peso nas finanças
do Estado e mais ainda para os grandes proprietários, o que fez com que as
discussões sobre o fim da escravidão fossem adiadas o máximo possível no
ambiente político.
Até a segunda metade do século XIX pouco se havia avançado nessa
questão. Porém, com a formação do Estado brasileiro e com a crise do sistema
escravocrata, gerada por pressões externas da Inglaterra e pela série de
independências políticas pelas quais passou o continente americano neste século
XIX, haverá espaço para um grupo de parlamentares brasileiros levarem ao cenário
político a discussão sobre o fim da escravidão. Esses políticos foram conhecidos
como abolicionistas.
A abolição entendida como o conjunto de políticas públicas que aos poucos
levou a extinção da escravidão, constituiu ponto privilegiado para explorar relações
entre o governo, isto é, o Rei e seus burocratas e a classe dos proprietários rurais. A
razão disto é óbvia:
“... o escravo era a grande parcela da mão de obra da grande lavoura de
exportação, que por sua vez, era a principal geradora das principais fontes
de receita para o Estado. A escravidão permeava também a agricultura para
o mercado, sem falar de sua disseminação no meio urbano.”

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Sendo assim, podemos perceber que a contradição existente entre o
pensamento liberal, especificamente o pensamento político derivado desse ideário, e
a manutenção da escravidão entre nós, as particularidades do sistema escravocrata
estavam em desacordo com o cenário do fim do século XIX, que mostrava as novas
determinações necessárias para que a continuidade da forma de dominação da elite
proprietária. Uma necessidade que ganhava, portanto, maior urgência, era a de
extinção da mão de obra escrava. Esse contexto foi o cenário propicio para o
surgimento de uma árdua tarefa capitaneada por aqueles que iremos definir como
Abolicionistas.
O abolicionismo foi um discurso de ruptura, que estava pautado no direito
natural dos homens a liberdade, ressaltando dessa forma a condição sub-humana
em que o escravo se encontrava. O abolicionismo foi um discurso de ruptura por ter
decretado pela primeira vez, na história do Brasil, a insustentabilidade moral de
manter determinados homens reduzidos à condição de coisas, apropriados por
outros homens.
Importante
Entre os que defenderam o ideário abolicionista temos de destaque: José do
Patrocínio, André Rebouças, Aristides Lobo, Teodoro Sampaio e Joaquim Nabuco.

Para Reflexão
O movimento abolicionista, devido ao seu caráter jurídico, ou seja, uma
discussão dentro dos princípios das leis foi criticado por alguns, pois o mais
interessado na questão o escravo africano, ficou a margem das discussões. Será
que era possível “Integrar” o africano na “Campanha Abolicionista”? É factível
discutirmos limites ao movimento pela não atuação do escravo?
¹ CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: a política imperial. Rio de
Janeiro: IUPERJ, 1988, p. 50

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Aula 05 _ Temática: Joaquim Nabuco

Como destacamos na aula anterior, a ampliação das discussões


sobre o fim da escravidão foram levadas adiante pelos abolicionistas que
acreditavam ser necessária a ruptura da escravidão para que fosse possível
colocarmos em prática um projeto de modernização da sociedade. Para
compreendermos melhor essa problemática e compreender o pensamento político
que será sua resultante, vamos estudar com detalhes o pensamento de um ilustre
representante do movimento abolicionista, Joaquim Nabuco.
Joaquim Nabuco foi um dos grandes representantes da política abolicionista,
conquistando relevo e externando de forma mais explícita o pensamento político
daquela época. Expressão desse cenário, Nabuco atuou dentro da Câmara Federal
representando os interesses do Partido Liberal.
Sua principal obra foi “O Abolicionismo” escrito entre 1881.
A trajetória de Nabuco como abolicionista começa a ganhar impulso quando,
derrotado nas eleições de 1881, foi para Paris como correspondente do Jornal do
Comércio. Foi ali que iria dedicar-se a elaboração de sua grande obra “O
Abolicionismo”. O período passado na França permitiu a ele ampliar sua
interpretação da sociedade brasileira e compreender que a possibilidade de uma
modernização estava intimamente ligada à ruptura com a ordem escravocrata.
Além disso, Nabuco foi aquele, entre os abolicionistas, que graças a sua
erudição, escreveu os melhores estudos sobre a escravidão. Em relação à
campanha abolicionista, podemos dizer que ele foi a maior autoridade no assunto. O
sociólogo e ex-ministro Francisco Weffort, professor aposentado do departamento
de política da USP afirma:

“(...) Em seus escritos, como O Abolicionismo, de 1883, em geral


concebidos no calor da hora, é sempre difícil distinguir entre a crítica do
político e análise do historiador e do sociólogo. Nabuco também continua a
ser o principal intérprete do Segundo Reinado, que viu findar”.¹

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Com essa condição de arguto observador e refinado senso intelectual,
Nabuco, vai além das meras observações e nos fornece uma análise crítica da
organização social e política da sociedade pautada pelo escravismo. Ele foi um dos
primeiros pensadores a explicar a lógica de nossa vida política e social através da
escravidão, vista por ele como muito mais que um fenômeno social. Ela passou a
ser:

“... a variante sociológica mais abrangente, aquela que ilumina mais


poderosamente o nosso passado. Com referencia a escravidão é que se
definiu entre nós a economia a organização social e a posição das classes e
das ordens, a estrutura do estado e do poder político, o próprio sistema de
idéias.”²

As condições políticas do período atuante de Joaquim Nabuco apresentavam


um conjunto de contradições que, em certa medida, contribuiu para colocar em
pauta na Câmara e para o Chefe de Gabinete a necessidade de superação da
ordem escravocrata.
Com participação ativa no movimento abolicionista Joaquim Nabuco tomou a
tribuna da Câmara para externar sua oposição a escravidão. Cabe destacar que
Nabuco foi mostrando como a manutenção da escravidão não era mais compatível
com a sociedade e mostrou os seus limites; um exemplo é o seu discurso em defesa
da honra do Exército Nacional, pois era dado a este a tarefa de capturar escravos
foragidos. A continuidade de indícios de superação e atraso que o escravismo gerou
para o país, criava as condições que os abolicionistas necessitavam para ganhar
maior destaque dentro da sociedade.

“Não há muito que se fala no Brasil em Abolicionismo e Partido


Abolicionista. A ideia de suprimir a escravidão, libertando os escravos
existentes, sucedeu à ideia de suprimir a escravidão, entregando-lhe o
milhão e meio de homens de que ela se achava de posse em 1871 e
deixando-a acabar com eles. Foi na legislatura de 1879-80 que, pela
primeira vez, se viu dentro e fora do Parlamento um grupo de homens fazer
da emancipação dos escravos, não da limitação do cativeiro às gerações
atuais, a sua bandeira política, a condição preliminar da sua adesão a
qualquer dos partidos.” A história das oposições que a Escravidão

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encontrara até então pode ser resumida em poucas palavras. No período
anterior à Independência e nos primeiros anos subsequentes, houve, na
geração trabalhada pelas ideias liberais do começo do século, um certo
desassossego de consciência pela necessidade em que ela se viu de
realizar a emancipação nacional, deixando grande parte da população em
cativeiro pessoal.”

Enquanto o Abolicionismo crescia, as províncias do Norte se desinteressavam


da manutenção do sistema escravista, exemplo típico dessa situação, o estado do
Ceará declarou extinta a escravidão em 1884. Sempre apresentando um maior
destaque e consequentemente maior número de adeptos, a “Campanha
Abolicionista” foi fundamental para levantar uma forte crise no regime republicano e
a real possibilidade de modernização estaria posta para o país.

Importante

O processo que culminou com o fim da escravidão em 13 de maio de 1888,


teve durante a sua efetivação a criação de Leis que, na prática, tentaram retardar o
processo, visando assim, os interesses dos setores proprietários de terra. Entre
essas se destacam: Lei do Ventre Livre, 1871 e Lei dos Sexagenários, 1884.

Para Reflexão

Ainda hoje existe uma discussão sobre a escravidão no Brasil, devido às


condições de trabalho a que alguns estão submetidos. Casos recentes foram
destacados pela imprensa. Você saberia apontar quais foram esses casos? Qual o
posicionamento de nossas lideranças políticas? Foram tomadas medidas contra os
empregadores que cometeram tal crime?

¹ WEFFORT, Francisco. Formação do pensamento político brasileiro: ideais


e personagens. São Paulo: Ática, 2006, p. 212

² MELO, Evaldo Cabral de. Um livro elitista? Posfácio a Joaquim


Nabuco. Um estadista no império.

³ O cargo de Chefe de Gabinete (equivalente ao primeiro-ministro) foi criado no


Império após a reforma constitucional de 1840. Os Chefes de Gabinete eram

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nomeados pelo Imperador e presidiam o ministério. O Segundo Reinado teve
37 gabinetes até ser extinto com a Proclamação da República em 1889.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, pp. 4-


5.

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Aula 06 _A transição para a República

A passagem do Império para a República, em 1889, ocorreu


sem que houvesse transformações significativas na sociedade e na política
brasileira. O exemplo mais expressivo dessa transição, que chamamos de
conciliatória, tal como foi o nosso processo de independência, pode ser
exemplificado quando observamos que os personagens da antiga estrutura
monárquica, ainda permaneceram com uma posição política dentro do novo regime.
Exemplo tácito é a própria figura do Marechal Deodoro da Fonseca, baluarte da
independência e que também foi um dos importantes líderes militares do Império
que terminava.
Além disso, as classes subalternas ficaram à margem do processo político, o
que acabou merecendo destaque nas palavras de Aristides Lobo, que descreveu a
proclamação da República como um golpe militar:

“(...) Por ora, a cor do governo é puramente militar, e devera ser assim. O
fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase
nula. O povo assistiu a tudo aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava.” ¹

A República também começou com grande instabilidade política, de forma


muito parecida com a política imperial; nossa república além de afastada dos
interesses do povo, era controlada por militares que exerciam um presidencialismo
caudilhesco ². Outra marca dos primeiros anos da República foi a grande
conturbação social que se espalhou pelo país. Essas rebeliões populares
mostravam os limites da organização política e social que imperava no Brasil já de
longa data:

“As elites governantes da Primeira República tiveram que se confrontar, já


nos primeiros anos, com rebeliões populares tão surpreendentes quanto
inevitáveis. São dos primeiros anos após a proclamação as rebeliões de
Canudos na Bahia (1893-1897), a dos marinheiros, na Revolta da Chibata

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(1910), de João Cândido (1880-1969), e a do Contestado (1912),
na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina.” ³

Importante
Durante o processo de crise do Império e a passagem para a República, ganhou
importância entre nós o legado ideológico positivista. Oriundo das formulações de
Auguste Comte, o positivismo passou a ter grande influência junto aos integrantes
do exército, principalmente aqueles que exerceram o papel de liderança na
proclamação da República.

Para Reflexão
Procurar compreender a importância do positivismo nos primeiros anos da República
no Brasil.
¹ LOBO, Aristides. Carta dirigida ao Diário de São Paulo, apud: RABELLO,
Sylvio. Euclides da Cunha, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 44.
² O caudilhismo é um fenômeno cultural que primeiro surgiu durante o início do
século XIX na América do Sul revolucionária, como uma forma de líder de milícia
com personalidade carismática e um programa suficientemente populista de
reformas genéricas a fim de auferir larga adesão, ao menos no início, das pessoas
comuns. O caudilhismo eficaz sustenta-se em culto à personalidade. Como o
caudilho tipicamente mantinha seu poder controlando redes de apoio que não
toleravam qualquer estrutura rival, alguns caudilhos adotaram posições anticlericais.
Muitos usaram seu poder recém- conquistado (ainda irrestrito, uma vez que era
extra constitucional para aumentar sua riqueza e promover seus próprios interesses.
³ WEFFORT, op. cit., p. 225

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Aula 07_Euclides da Cunha (I)

Como vimos na aula anterior à transição do Império para a


República vai caracterizar um contexto de crise na ordem política, pois aqueles que
permitiam que houvesse a continuidade da Casa de Bragança deixaram de apoiar a
Monarquia, colocando-se claramente contra o regime.
Nesse clima de crise, aqueles que se colocaram a favor do republicanismo,
entre eles Benjamim Constant, por interpretar melhor nossa nova condição política
identificaram como fundamental para que houvesse de fato os princípios
republicanos, pensar formas de amenizar as agruras que boa parcela da população
passava. É nesse cenário que ganharam destaque, Benjamim Constant e Euclides
da Cunha como aqueles que exerceriam um papel de destaque nesse cenário de
mudança política.
Euclides da Cunha, que era jornalista, conseguiu transmitir para os setores
letrados da sociedade as agruras que os sertanejos passaram em Canudos.
Para termos maior esclarecimento sobre a figura de Euclides da Cunha e o
pensamento que deriva de sua atuação é fundamental partimos de uma análise da
Escola Militar que formou Euclides da Cunha ainda no século XIX.
A década que precede à Abolição e a República é a de mais notável
participação da Escola Militar na vida pública do país. Durante esse período existiu a
plena convicção do papel político e na determinação dos rumos da história. Essa
determinação fez com que os alunos fossem repreendidos e presos, situação limite
naquele momento, além da ocupação do prédio por forças ligadas ao governo
monárquico.
O período de ativismo imbrica três temas: o abolicionismo, republicanismo e a
Questão Militar. O desenvolvimento dos três, conjuntamente, levará à queda do
regime e à implementação da República. O divisor de águas para o papel decisivo
do exército e, com o exército, da Escola Militar tinha sido a Guerra do Paraguai ¹ .
Durante os anos da Guerra, houve a necessidade do aumento de seu efetivo. O
exército recrutou alforriados para que pudesse ter um número de soldados no front
que propiciasse condições de enfrentamento.

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Essa medida fez com que os soldados tivessem contato com uma massa de
ex-escravos, o que acabou gerando um sentimento abolicionista entre eles.

“O contato do exército branco com essa massa de negros também sacudira


o próprio exército, que acabou por aderir ao abolicionismo. Mas o abalo
maior se deu no seio mesmo da oficialidade, que voltou à vida normal em
tempos de paz imbuída de uma nova consciência de sua importância na
vida nacional. Os relatos sobre o episodio acabaram virando quase um
lugar entre os historiadores, a arrogância e a altanaria com que os militares
passaram a tratar as autoridades civis, o que foi percebido até mesmo pelo
Imperador e por alguns de assessores.”

Na Escola Militar, que ficara paralisada pela guerra, as atividades


recomeçaram e logo depois ocorreriam várias reformas: a de 1874, a de 1889, ainda
durante o Império, e a de 1890. Essa última se destaca por ser a reforma de
inspiração positivista do comtiano Benjamin ³ Constant , que instituía a concepção
do soldado enquanto cidadão armado e de carreira enquanto missão civilizadora,
humanitária e moral. A efêmera reforma de 1889 tem como traço distintivo a criação
da Escola Superior de Guerra, para formar engenheiros, artilheiros e oficiais de
estado-maior; esta escola sobrevivera à reforma de 1900 e por ela viria a sair
formado Euclides da Cunha.

¹ A Guerra do Paraguai foi o maior e mais sangrento conflito armado


internacional ocorrido no continente americano. Estendeu- se de dezembro de 1864
a março de 1870. É também chamada Guerra da Tríplice Aliança. Brasil, Argentina e
Uruguai, aliados, derrotaram o Paraguai após cinco anos de lutas durante os quais o
Brasil enviou mais de 160 mil homens à guerra.

²
GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha. São Paulo: Ática, 1984. (Coleção
Grandes Cientistas Sociais), p. 22

³
Benjamin Constant Botelho de Magalhães (Niterói, 1836 — Rio de Janeiro, 1891)
foi um militar, professor e estadista brasileiro. Formado em engenharia pela Escola
Militar, participou da Guerra do Paraguai (1865-1870) como engenheiro civil e militar.

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Como professor, lecionou nas escolas Militar, Politécnica, Normal e Superior de
Guerra, entre outras. Foi o terceiro diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,
localizado no município do Rio de Janeiro, hoje chamado Instituto Benjamin
Constant em sua homenagem. Adepto do positivismo, em suas vertentes filosófica e
religiosa - cujas ideias difundiu entre a jovem oficialidade do Exército brasileiro -, foi
um dos principais articuladores do levante republicano de 1889, foi nomeado
Ministro da Guerra e, depois, Ministro da Instrução Pública no governo provisório. Na
última função, promoveu uma importante reforma curricular. As disposições
transitórias da Constituição de 1891 consagraram-no como fundador da República
brasileira.

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Aula 08_ Euclides da Cunha (II)

Os escritos de Euclides da Cunha nasceram de uma postura


política empenhada, a qual complementaria a largueza do âmbito de interesses, que
estão em jogo naquele cenário político e social. Se a esses traços levarmos em
consideração o projeto de conhecer o Brasil, teremos o ambiente de produção
intelectual que se aproxima de outras de seu tempo, todas elas procurando romper
com as premissas francesas da belle époque ¹ e com uma certa experiência em
relação aos modismos da época.
Vamos nos reportar a um texto de Euclides da Cunha escrito em 1888, logo
após sua expulsão da Escola Militar. A relevância dele consiste em deixar evidente o
pensamento do autor, e mais, realçar sua influência teórica plasmada no positivismo.
Pensar na possibilidade de dinamizar a sociedade estaria vinculado a uma
superação de todo resquício do monarquismo e nas premissas de uma república,
seria esse o rumo que colocaria o país na lógica de modernizadora.

“Em um de seus livros, Pelletan ressuscitando uma sociedade morta,


apontou como origem da grande revolução o reinado de Luís XIV.
Observador admirável, armado de uma lógica vigorosa, constantemente
apoiada nas verdades históricas, demonstra a sua asserção de uma
maneira genial, nitidamente — golfando a grande cintilação de sua pena,
dentro da profunda decomposição da escandalosa corte do Grande Rei.
Como todos os fenômenos históricos de influência geral sobre os destinos
das nacionalidades, ela exprime claramente o resultado das ações de todos
os povos. Pascal sintetiza a humanidade num indivíduo secular, enorme,
eterno — que irrompe através dos séculos e cuja existência se prolonga
pela extensão indefinida das idades.” ²

Cabe ressaltar que as referências a Revolução Francesa reforça a convicção


de que o pensamento político de Euclides da Cunha, pautado pelo referencial
positivista, defendia um regime republicano como forma possível de “movimento
tranquilo em busca do progresso”.

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“Essa entidade abstraia, que cresce e se avoluma a todo instante — cuja
vida é feita das existências das gerações desaparecidas, traduz uma lei no
seu movimento firme, retilíneo e invencível para o futuro. Como todas as leis
naturais — esta é indestrutível. Modificar esse movimento é infringi-la.
Demorá-lo de um segundo ou de um século, é suprir o trabalho que devia
ser realizado, por uma acumulação proporcional de energia que afinal o
realizará — brutal, enérgica e precipitadamente. Daí as agitações da
História; as revoluções— perturbações impressas no movimento tranquilo
do progresso, inteiramente subordinado a uma lei, que é como uma força
constante — a Evolução.”

Importante

A obra de Euclides da Cunha sobre o conflito no arraial de Canudos –


Os Sertões – é principal fonte de análise daquele movimento.

Para Reflexão

Pesquisar sobre A Guerra de Canudos e avaliar qual foi a postura adotada


pelo governo diante do conflito.

¹ A Belle Époque foi um período na história da França que começou no fim do século
XIX e durou até a Primeira Guerra Mundial. A Belle Époque foi considerada uma era
de ouro da beleza, inovação e paz entre a França e seus vizinhos europeus. Novas
invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, e a cena cultural
estava em efervescência: cabarés, o cancan, e o cinema haviam nascido, e a arte
tomava novas formas com o Impressionismo e a Art Nouveau. A arte e a arquitetura
inspiradas no estilo dessa era, em outras nações, são chamadas algumas vezes de
estilo “Belle Époque”.

² CUNHA, Euclides. Euclides da Cunha. Organização da coleção: Walnice


Nogueira Galvão, São Paulo: Ática, 1984, (Coleção Grandes Cientistas Sociais), p.
43

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Resumo Unidade I

Nessa unidade procuramos compreender quando passa a ser pertinente a


discussão sobre o pensamento político brasileiro. Nesse sentido, demarcamos o
Processo de Independência e mais especificamente o contexto da mudança da
condição política com o fim do sistema colonial.

A formação da Nação passaria a ser o marco e aqueles pensadores que


visavam modernizar essa Nação seriam os passadores mais expressivos:
destacamos Joaquim Nabuco e sua tentativa de levar adiante um projeto político que
vislumbrava o fim da escravidão. A campanha Abolicionista acabou ganhando o seu
destaque, pois tinha como intuito a modernização do Estado via uma mudança em
nosso sistema político com o fim da escravidão.

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CIÊNCIAS SOCIAIS 33
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Aula 09 _ Temática: O pensamento conservador: Oliveira Viana

Criticando os liberais por sua cegueira diante desta realidade e


pela tentação de copiar as instituições de além-mar, o principal pensador político
dessa corrente no século XX, Oliveira Vianna, dizia que, nessa sociedade de
políticos corruptos e oligarquias “broncas”, a democracia política constituía a grande
ilusão.
Seu aparato institucional pesado, lento e ineficiente não daria conta dos
dinamismos e desafios do mundo moderno; sua subserviência diante do sufrágio
universal e dos partidos que não passavam de agrupamentos de bandidos
irmanados contra o bem comum, apenas entregaria o Estado de pés e mãos atados
aos interesses particularistas e aos coronéis, sumidades e corriolas de aldeia.
Ao “ultra-reacionário” Oliveira Viana dedica um tomo especial sob o título
instigante de “A Metafísica do Latifúndio”. Embora a moderna historiografia
contemporânea venha se desembaraçando decididamente das teorias de Viana, não
se pode negar sua importância para o grupo geração Caio Prado-Buarque-Freyre.
Caio Prado, em seu revolucionário Evolução Política do Brasil (1933), critica a todos,
mas ressalva a importância das análises de Viana já na primeira nota; Buarque
polemiza abertamente com ele em Raízes do Brasil e Freyre cria seu espaço na
interlocução com Viana, à direita, e à esquerda com Astrojildo Pereira, embora
incorporando muito do primeiro.
Os trabalhos de Oliveira Viana vieram caracterizar a aristocracia rural como o
fator humano mais importante da evolução da sociedade brasileira e mostrar, no
âmbito das instituições políticas, o papel representado por essa aristocracia da terra,
não só no período colonial como imperial. A aristocracia mencionada por Oliveira
Viana é constituída pelos grandes proprietários de terra que tinham papel decisivo
na sociedade brasileira.
A forma de pensamento sobre a sociedade que emana da obra de Oliveira
Viana é um projeto de modernização conservadora, ou seja, não há uma proposta
de integração a esse projeto dos setores subalternos e muito menos uma alternativa
de igualdade social.

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Oliveira Viana foi um conservador, mas também é necessário levar em
consideração que apresentou uma inovação em relação ao pensamento político
brasileiro.
Os temas fundamentais de sua obra foram: o sertão, a raça e a centralização
política. Se entendermos que a menção à raça era uma forma pejorativa de fazer
referência ao povo, esse seria mais um tema recorrente em seus escritos.
Sendo um seguidor de Joaquim Nabuco e de Euclides da Cunha, a obra de
Oliveira Viana, criou as bases para a consolidação do pensamento social e político
no Brasil. Sua obra é fundamentada para estabelecer elementos que deem subsídio
para os interesses políticos dos integrantes da aristocracia, acreditamos que por
esse motivo foi, em grande sentido, formulador de uma explicação sobre a
sociedade brasileira.
“Além do conservadorismo, em especial um racismo que alguns anos
depois serviria para estigmatizá-lo, Oliveira Viana trazia em Populações
Meridionais, as bases de uma concepção de Estado que também pouco
contribuiu para a sua popularidade entre os intelectuais, muitos deles com
uma inclinação à esquerda. Sua concepção do Estado alimentava- se de
um pensamento de longas raízes na política do Império, sobretudo em
Paulino José de Souza, o visconde do Uruguai, e José Antônio Pimenta
Bueno, o marquês de São Vicente. Como seus precursores, Oliveira Viana
expressava-se a favor de uma centralização do poder que entendia menos
com um fim em si e mais como um meio necessário para que o povo fosse
educado e organizado para o exercício da democracia.” ¹

Essa elaboração receberá duas criticas dos defensores de uma maior


dinâmica para nossa organização de Estado. É o “governo das elites” e carregado
por elas. Uma forma de governo democrático, mais próxima ao espírito do povo,
permitindo-lhe uma representação direta e imediata. No prefácio do primeiro volume
de “Populações Meridionais no Brasil” ele toma posição a respeito de tal modelo de
Elite. Para ele, os “velhos capitães generais” possuíam o “sentido de nossas
realidades”, que desapareceu das “nossas elites dirigentes”, já que “há um século
vivemos politicamente em pleno sonho”. Este sonho frustrou a visão nacional dos
problemas brasileiros.

¹ WEFFORT. Op. Cit, p.258.

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Aula 10_O pensamento conservador: Oliveira Viana (II)

Na aula anterior aprendemos um pouco sobre o pensamento de Oliveira


Vianna. Nessa aula vamos observar a suas idéias a respeito dos conceitos de
liberdade e de democracia e as suas implicações na construção de uma
nacionalidade.

“Porque é preciso recordar que a Liberdade e a Democracia não são os


únicos bens do mundo; que há muitas outras causas dignas de serem
defendidas em política, além da Liberdade — como sejam a Civilização e a
Nacionalidade; que muitas vezes acontece que um governo não liberal, nem
democrático, pode ser, não obstante, muito mais favorável ao progresso de
um povo na direção daqueles dois objetivos. Um regime de
descentralização sistemática, de fuga à disciplina do centro, do localismo ou
provincialismo preponderante, em vez de ser um agente de força e
progresso, pode muito bem ser um fator de fraqueza e aniquilamento e, em
vez de assegurar a liberdade e a democracia, pode realmente causar a
morte da liberdade e da democracia”. ¹

Oliveira Viana era um pensador que expunha as contradições de um mundo


em que a base agrária ainda era determinante, e mais ainda, que os integrantes
dessa não viam a forma modernizadora de Estado - que ganhará espaço entre nós
com a Revolução de 30 – como algo maléfico para o Brasil.
A modernização em Viana tem um caráter tipicamente político e pode ser
compreendida com o implemento de uma ordem institucional que dinamizasse nossa
arena política. O atraso é de ordem político e social, identificado com a
desorganização e a anarquia característicos de nossa formação, geradas, na
concepção de Viana, pela extremas descentralização e privatização do poder
político, que desfiguram a unidade nacional e o sentimento de coletividade –
sintetizadas como dimensão pública.

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Com isso não se construirá a Nação civilizada, poderosa, grande, nos moldes
fornecidos pelos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, temos traços formadores
de grande potencial, que nos autorizam a almejar uma Nação; “(...) queterá um
futuro grandioso pela frente”. ²
O Estado, para Oliveira Viana, é o Estado e ele “modernamente” constituído
seria a força motriz para que de fato fosse consolidada nossa nacionalidade. Essa
relação nos parece um elemento constante em alguns pensadores.

“O recurso de recorrer ao Estado como força tuteladora apenas demonstra


a debilidade de nossos segmentos, que desorganizados internamente não
tinham condições de assumir a direção do processo de constituição da
nação.”

Vazio de poder, deixado por nossas classes populares, caberia ao poder


constituído o controle do Estado sem que houvesse uma participação popular. A
forma de controle “de cima” foi o argumento para a consolidação do pensamento
político conservador de Oliveira Viana.
Importante
Oliveira Viana foi o primeiro grande expoente de uma linha de pensamento
conservador que ficou conhecida por defender a ideia de “modernização
conservadora”.
Para Reflexão
É possível identificarmos hoje na sociedade algum intelectual que possa
expressar o que denominamos como “Pensamento Conservador”?

¹ VIANA, Oliveira. Problemas de política objetiva. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1945, 2ª edição, p. 118

² VIANA, op cit. p. 121

³ ODÁLIA, Nilo. “Oliveira Viana: a teoria do Estado”. IN: BASTOS, Elide Rugai e
MORAES, João Quartim de. (org.) O pensamento de Oliveira Viana,
Campinas, Ed. Unicamp. 1993, p. 148.

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Aula 11 _ Temática: O pensamento conservador: Azevedo Amaral

Devo inicialmente destacar que Azevedo Amaral é, sem dúvida,


um autor que merece destaque na discussão sobre o espaço ocupado nas
discussões sobre o pensamento político no Brasil. Essa afirmação visa enquadrá-lo
em nossa tarefa por dois motivos: o primeiro é que ele esteve intimamente vinculado
ao período autoritário do governo Vargas e mais, sua obra é exemplo típico de um
pensador que versa sobre as condições históricas sociais que levaram a formação
política no Brasil.
A obra de Azevedo Amaral é a produção intelectual de um publicista típico,
que acabou sendo a base para formular diretrizes práticas para o Estado Novo. O
antigo pensamento personalista do processo histórico, na qual se destacavam
grandes personalidades e grandes feitos, além disso, foi um dos mais contundentes
defensores da industrialização.
Quanto ao caráter autoritário de sua obra a questão é mais complexa. A
participação de Azevedo Amaral no Estado Novo não foi limitada a uma simpatia
pelo regime. O que distingue O Estado Autoritário e a Realidade Nacional de seus
livros anteriores é precisamente a intenção de saudar o golpe de 1937 como uma
decisão política que atendia a seus anseios e preocupações.
Esta aproximação confere a este pensador um tom diferente do encontrado
em seus primeiros estudos. No livro O Estado Autoritário aparece uma formulação
antecipada da forma jurídica que o regime de 1937 a 45 utilizou como legitimador de
sua prática política, essa referenda na Constituição de 1937.
Estudando as circunstâncias que, a seu ver, deram origem ao golpe
do Estado Novo , e analisando em detalhe as disposições da Carta então outorgada,
caminha o autor num autêntico discurso jurisprudencial, tendo em vista precisar as
diretrizes e os objetivos do regime, e explicitar-lhe os fundamentos doutrinários.

“Com exceção da política imigratória, a que já fizemos referência, e da


política a respeito dos capitais estrangeiros, a seu ver exageradamente
nacionalista, o texto redigido por Francisco Campos parecia-lhe irretocável.
Colocava o Brasil à altura de sua época, soterrando de uma vez as nossas

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DE SANTOSantigas inspirações liberais, abolindo os partidos, fortalecendo o executivo,
individualizando a liderança e a responsabilidade do Chefe da Nação.“ ²

O golpe que instituiu o Estado Novo foi segundo Amaral, o desdobramento


necessário de um processo que se iniciou com a Revolução de 30 com a vitória da
Aliança Liberal. Os “revolucionários de 30” foram os destruidores de uma
organização política que, pela defesa de interesses pessoais, caso especifica da
elite agrária, travava qualquer possibilidade de crescimento de “nossa
nacionalidade”.
Em “Aventura política do Brasil”, Azevedo Amaral mostra que esses
interesses são definidos como sendo a organização e a expansão da capacidade de
produção econômica.
Em “Estado autoritário e a realidade nacional” o autor propõe, ao demonstrar
que o Estado Novo, não foi uma criação arbitrária violentamente imposta a nação,
mas sim o resultado; “(...) das forças indecisas e das aspirações mal formuladas
daqueles que foram os responsáveis em desencadear o movimento de 30”.
¹ Estado Novo (1937 - 1945). A constituição de 1937, que criou o “Estado Novo”
getulista, tinha caráter centralizador e autoritário. Ela suprimiu a liberdade partidária,
a independência entre os três poderes e o próprio federalismo existente no país. Os
prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores e esses, por sua vez, pelo
presidente. Foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), com o
intuito de projetar Getúlio Vargas

² LAMOUNIER, Bolívar. Introdução a: Azevedo Amaral. O estado autoritário e a


realidade nacional, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988, p. 3

³ Dá-se o nome de Revolução de 1930 ou Revolução de 30 ao movimento armado


liderado pelos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que culminou com a
deposição do presidente paulista Washington Luís em 24 de outubro.Em 1929
lideranças do estado de São Paulo romperam a aliança com os mineiros
representada pela política do “café com leite”, e indicaram o paulista Júlio Prestes
como candidato à presidência da República. Em reação, o Presidente de Minas
Gerais Antônio Carlos Ribeiro de Andrada apoiou a candidatura oposicionista do
gaúcho Getúlio Vargas. Em 1º de março de 1930 houve eleições para presidente da
República que deram a vitória ao candidato governista Júlio Prestes, que não tomou

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posse em virtude do movimento armado desencadeado a 3 de outubro de 1930, e foi
exilado.

AMARAL, Azevedo. O estado autoritário e a realidade nacional, Brasília: UNB,


1988, p. 34

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Aula 12 _ Temática: Pensamento Conservador: Azevedo Amaral (II)

Pensador profundamente ligado, como entusiasta, às


transformações dos anos trinta, quando vem à luz quase toda sua obra, e ideólogo
do Estado Novo, para o qual colabora doutrinariamente nas páginas da revista
Cultura Política, editada pelo DIP — Departamento de Imprensa e Propaganda —, e
cuja apologia é feita no seu principal livro, “O Estado autoritário e a realidade
nacional” de janeiro de 1938.
Nessa obra Azevedo Amaral tem na modernização brasileira o eixo e o alvo
de suas reflexões. E sua ideia de modernização brasileira tem conteúdos explícitos e
conscientes, que não precisam ser garimpados nas entrelinhas ou nas mensagens
subliminares dos seus textos.
Sua obra trata da defesa da industrialização como fase adiantada de nosso
determinismo econômico e como fonte de riqueza, de soberania quase autárquica
(sem prejuízo da defesa do capital estrangeiro). De diversificação técnica e produtiva
e de uma complexidade social mais próxima à verificada nas nações desenvolvidas,
para cujo sucesso é necessário instalar um Estado fortemente centralizado e
autoritário que seja capaz de assegurar a unidade e a coesão nacional e dotar o
sistema de instituições que, além de serem adequadas ao dinamismo da
industrialização, o impulsionem.
Tais instituições acelerariam o cumprimento de etapas que o determinismo
econômico superaria só lentamente debelando o divórcio entre a organização
política e as forças vivas que partiam de uma realidade e acrescentando a economia
o planejamento racional necessário para que houvesse um crescimento efetivo de
setores industriais no país.
É na esfera do Estado Novo que sairá, para Azevedo Amaral, elementos
necessários para o crescimento econômico:

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“As novas condições decorrentes desse estado, que vai progressivamente
consolidando-se, redundam em uma importância cada vez maior do nosso
mercado interno como eixo da expansão econômica do Brasil. Somente
pelo surto manufatureiro, que nos vai convertendo em um país
agroindustrial ou em outras palavras pela criação de um sistema econômico
quase autárquico ou pelo menos semi autárquico, conseguiremos escapar
aos inevitáveis efeitos da fatal restrição progressiva das nossas exportações
de produtos agrícolas e em menor escala de matérias primas.” ¹

E nessa obra que Azevedo Amaral utiliza seus argumentos para a defesa de
uma industrialização que tinha como meta superar o atraso agrário em que
estávamos debruçados.
O projeto modernizante pretendido por Azevedo Amaral, tendo como alvo um
desenvolvimento industrial coordenado pelo Estado, envolvia uma polêmica com os
defensores da permanência da estrutura agrária no país. Desde sua primeira obra o
autor indicava como traço determinante do atraso de nossa economia e nosso
passado colonial.
O autor identifica que o setor agrário, ao priorizar os lucros advindos do
mercado agroexportador descuidou do desenvolvimento de uma base econômica
produtiva e da possibilidade de formação de um mercado interno.
Qual a solução?
Não tínhamos que permanecer atados a uma suposta “vocação agrícola” era
necessário uma complementaridade entre agricultura e indústria. A articulação de
um processo de acumulação de capital deveria ter como núcleo a implementação da
indústria que subordinaria a agricultura a um projeto de proporções nacionais. Isto é,
a modernização do setor agrário, que passaria a abastecer a indústria.
Importante
A obra de Azevedo Amaral está intimamente relacionada ao Estado Novo
(1937-1945) tendo ele exercido cargos políticos durante o período.

Para Reflexão
É possível identificarmos hoje, algum intelectual exercendo um cargo de
destaque dentro da organização administrativa do Estado?
¹ Idem, p. 70

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Aula 13 _ Temática: O pensamento conservador: Era Vargas (1930-1945)

É com o estofo intelectual de um Oliveira Viana e Azevedo


Amaral que a denominada Era Vargas ¹
passou para a história política do Brasil como centro de referência para
as formulações conservadoras. A seara típica para que o conservadorismo tivesse
espaço para compactuar com as lideranças políticas, e estas, por sua vez,
encontravam nos teóricos mencionados seus interlocutores.
O que também cabe destacar é que o próprio Vargas, com sua liderança
inconteste, foi a figura mestra de passagens da sociedade brasileira na primeira
metade do século XX. Dentro desse novo contexto surge no país um discurso em
prol do desenvolvimento econômico. Este discurso não deixa de ser uma atualização
da velha ideia de progresso positivista, já que, concebido como uma marcha
progressista, a qual caberia ao Estado impulsionar, sem prescindir do mercado e da
propriedade.
A denominada Era Vargas (1930-1945) passa a ser responsável em
implementar o progresso, o desenvolvimento econômico, colocando para o passado
o agrarismo e os seus defensores. Com as mudanças implementadas a
modernização torna-se o centro das discussões sobre o processo político que
deveria levar a adiante o inevitável progresso.
E na contradição e modificação estrutural ampla do período varguista que
encontramos elementos para a elaboração de um pensamento conservador e
também espaço crítico para que uma nova onda de interpretes do Brasil ganhasse
destaque.
¹ A Era Vargas é o nome que se dá ao período em que Getúlio Vargas governou o
Brasil (de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954). Essa época foi um divisor de águas na
história brasileira, por causa das inúmeras alterações que Vargas fez no país, tanto
sociais quanto econômicas.

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Resumo - Unidade II

Tentamos identificar como os pensadores mencionados tiveram uma relação


direta com os rumos assumidos por nossas lideranças políticas a partir da instalação
da República.

Oliveira Viana e Azevedo Amaral destacaram-se nesse sentido, pois


formularam conceituações que foram base pelos regimes, principalmente ditatoriais
que se instalaram no Brasil na primeira metade do século XX.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Azevedo. O estado autoritário e a realidade nacional, Brasília: UNB,


1988.

ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. “Arremate de uma reflexão: a revolução


burguesa no Brasil de Florestan Fernandes”. In: Revista USP, nº. 29,
março/abril/maio de 1996.

CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil.In: HOLANDA, Sérgio


Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 26ª edição.

CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: a política imperial.

Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.

FAORO, Raimundo. “Existe pensamento político brasileiro?” Revista do Instituto


de Estudos Avançados - IEA/USP, 1986.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de


interpretação sociológica. São Paulo: Global, 2006, 5ª edição.

_____________________. A integração do negro na sociedade


de classes. Volume I. São Paulo: Ática, 1978

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no


Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.

CIÊNCIAS SOCIAIS 44
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GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha. São Paulo: Ática, 1984. (Coleção
Grandes Cientistas Sociais).

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Aula 14 _ Temática: A geração de 30 (Intérpretes do Brasil)

No cenário da Revolução de 30 e das contradições presentes no país, o


projeto modernizador que ganhou força. A partir daquela década é que se
desenvolveu no Brasil interpretações da sociedade com um novo arsenal teórico.
Juntamente com escritores, poetas e artistas, os responsáveis por essa nova
leitura de nossa formação, inspiradores de um tipo diferenciado de pensamento
político é que definiremos como “Geração de 30”. Na análise social os
representantes dessa nova forma interpretativa foram: Gilberto Freyre, com Casa
grande e senzala, Sergio Buarque de Holanda com Raízes do Brasil e Caio Prado Jr
com Formação do Brasil Contemporâneo.
Nas interpretações sobre o Brasil dos anos de 1930, havia um forte
predomínio de ideias antiliberais. Os grandes autores eram Oliveira Viana, Alberto
Torres, e, depois, Azevedo Amaral. Na obra deste último, a defesa do Estado
autoritário é aberta; Oliveira Viana mal a esconde; e Alberto Torres não ficou imune
à febre autoritária. Já os livros de Sérgio, de Gilberto Freyre e de Caio Prado Junior,
têm uma visão bem diferente.
Durante os anos iniciais do século XX cada vez mais nossos intelectuais
ampliaram sua forma de pensar e analisar o país, a capacidade reflexiva estaria
agora ancorada por elementos de síntese baseados na literatura e na política.
Partindo dessa simbiose, estaríamos cada vez mais observando um número
expressivo de intelectuais que interpretavam o Brasil com um referencial inovador.
A tríade de interpretes que melhor representa essa geração eram os
representantes de famílias tradicionais, alguns deles ligados à grande propriedade
da terra, o que é fácil entender no Brasil agrário e tradicional no qual nasceram.
Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., eram de famílias de grandes proprietários de terra;
o primeiro era ligado ao setor açucareiro nordestino e o segundo aos produtores de
café da região sudeste. A exceção aqui, fica por conta de Sergio Buarque de
Holanda que foi um representante da classe média tradicional que se dedicou à
crítica literária em jornais de São Paulo e Rio de Janeiro.
Segundo Weffort:

CIÊNCIAS SOCIAIS 46
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“Não obstante a origem social tradicional desses pensadores, o maior
mérito de suas primeiras obras é ter oferecido uma visão moderna da
sociedade brasileira. Sempre apegados à pesquisa histórica, eles nos
legaram interpretações de nossa tradição, em imagens que cobrem a
formação do país desde as origens. Suas obras, em especial as primeiras,
tornaram-se leitura obrigatória para quem queria compreender a formação
do país agrário e sua transformação em país urbano e industrial. Abriram
novos caminhos para gerações de intelectuais e se consagraram como os
intérpretes mais significativos de nossa tradição e de nossa modernidade,
sendo reconhecidos hoje, a justo título, como nossos clássicos modernos.” ¹

Importante
Os representantes mais expressivos dessa geração notabilizaram-se em criar
uma forma típica de análise da sociedade, introduzindo um novo referencial teórico e
tendo este como problemática para elaboração de seu trabalho.

Para Reflexão
Procure compreender como foi possível duas formas diferenciadas de
pensamento durante a vigência da Era Vargas (1930-1945).

¹ WEFFORT, Francisco. op cit. p.279.

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Aula 15_Temática: Geração de 30 – Gilberto Freyre (I)

Entre os representantes da “geração de 30”, o pernambucano


Gilberto Freyre apresenta um marco de ruptura em relação aos seus antecessores.
Mostrando a forma de organização da sociedade colonial a partir da estruturação do
engenho – Casa-Grande e Senzala – e da família patriarcal, Freyre apresentava
uma nova forma de interpretação política e social da sociedade aristocrática
gestadas ao longo do período colonial.
O fato é que Gilberto Freyre, de alguma maneira, introduziu na literatura o
Brasil da vida cotidiana, da família, da cozinha, da vida sexual, de maus hábitos, ou
bons. Ele assumiu uma dimensão que não é a dimensão usual do intelectual
brasileiro. A dimensão usual era desconhecer o peso da rotina e sublinhar os fatos
que são mais significativos, e, portanto, esvaziá-los de vivência.
Descrevendo a forma de organização social, Freyre mostrou aspectos idílicos
daquela estrutura agrária. Isso num grande livro em que se está pensando o Brasil.
Depois, Gilberto proclama que nós somos mestiços e que ser mestiço é bom. Ele
não está isento de preconceitos, por exemplo, com relação aos índios, que nunca
foram de seu maior agrado. Mas com relação à cultura africana e aos negros,
Gilberto até os idealizou. E isso também é absolutamente revolucionário para a
época. Oliveira Viana, que era mulato, tinha horror disso. Em outros autores, a
busca de uma espécie de branqueamento era constante, branqueamento não só
físico, mas também espiritual.
Outro aspecto que não podemos deixar a margem é a influência de Joaquim
Nabuco na obra de Gilberto Freyre. Não é a toa que parte expressiva de sua obra é
dedicada a Nabuco, além disso, foi Nabuco o primeiro que a afirmar que os negros
deram ao Brasil um povo. Freyre reconheceu essa influência e acrescentou a
importância do mestiço. Reconhecendo o negro e o mestiço, reconheceu o povo do
qual eram a maioria.
A obra de Freyre procurou criticar o racismo, sabendo muito bem que a maior
parte da população era negra. Levando em consideração esse aspecto o que passa
a ser fundamental é procurar a forma peculiar de integrá-lo, o que na obra de

CIÊNCIAS SOCIAIS 48
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Gilberto Freyre é a importância dada ao mestiço. Ele passou, então, a ser um
elemento tipicamente brasileiro.

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Aula 16 _Temática: Geração de 30 – Gilberto Freyre (II)

O autor pernambucano foi um homem que procurou externar o


princípio de que o velho, representado pela forma de vida tipicamente gestada no
período colonial, deve ser superado para que o novo possa ganhar espaço. O que
no pensamento freyriano aponta para que essa mudança possa ser efetiva, como
uma estratégia a ser adotada:

“Marca esta transição a alteração nos volumes arquitetônicos e nos espaços


ocupados e nos espaços ocupados por eles, a desintegração final do
patriarcado em nossa sociedade e a reorganização da mesma sociedade
sobre bases novas, ainda que impregnadas de sobrevivências patriarcais.” ¹

A transição tem seu rumo específico em sociedades agrárias com forte


interesse do setor que fortaleceu com essa organização sócio econômica. O que
Gilberto Freyre faz, de forma inovadora, é mostrar a caracterização de uma forma
diferenciada de povo. O novo, que ainda mantêm resquícios do antigo patriarcado é
a real possibilidade de modernização da sociedade. O pensamento político pregado
pelo autor, miscigenação que propõe uma suposta “democracia racial”, implica numa
sociedade que tenta viabilizar um modo novo de ação social.
A verdade é que depois de Freyre não há possibilidade dos setores
dominantes esqueceram-se de integrar, ou pelo menos incluí-los em seu discurso,
os setores subalternos que compunham um país como o Brasil.
Importante
Gilberto Freyre foi o pensador que lançou elementos de inovação na forma de
atividade intelectual que podemos denominar de ensaísmo. O ensaio foi definido
como uma forma de produção intelectual destituída de detalhes técnicos e rigor
científico, o que caracteriza a dissertação acadêmica. Freyre foi um dos pioneiros
nessa formulação e criou uma interpretação de nossa sociedade inovadora.
¹ FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no
Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935, p. 221.

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Aula 17 _ Temática: Geração de 30 – Sérgio Buarque de Holanda (I)

Com formação em direito pela faculdade do distrito federal localizada na


rua do Catete, no Rio de Janeiro, Sérgio Buarque de Holanda foi um representante
da classe média com grande familiaridade em crítica literária, algo comum para os
jovens intelectualizados que viviam o calor dos acontecimentos da Semana de Arte
Moderna em 1922 . Sua obra de maior destaque, que será foco de nossa discussão,
“Raízes do Brasil” foi escrita entre os anos de 1933-1937.
Nessa obra Sérgio Buarque de Holanda formula a ideia de que nosso pensamento
político é derivado de uma estreita conjugação de projetos que foram interpostos, ou
seja, a projeção de uma estrutura Ibérica – diferenciada pelos aspectos típicos da
dinastia portuguesa e o projeto de dominação das elites locais. Dessa forma, as
particularidades inerentes à conduta de nossas elites revelam um pensamento
político calcado numa acomodação de projetos políticos sem que houvesse,
necessariamente, uma integração.
Segundo a avaliação de Antônio Cândido em introdução ao livro:

“Raízes do Brasil é construído sobre uma admirável metodologia dos


contrários, que alarga e aprofunda a velha dicotomia da reflexão latino
americana. Em vários níveis e tipos do real, nós vemos o pensamento do
autor se constituir pela exploração dos conceitos polares. O esclarecimento
não decorre da opção prática ou teórica por um deles, mas pelo jogo
dialético. A visão de um determinado aspecto da realidade histórica é obtida
pelo enfoque simultâneo dos dois; um suscita o outro, ambos se
interpenetram e o resultado possui uma força de esclarecimento.” ²

Utilizando o referencial metodológico de Max Weber, porém o integrando a


sua necessidade de trabalho. Pautado por esse instrumental analítico Sérgio
Buarque de Holanda analisa os fundamentos de nosso destino histórico, as “raízes”,
mostrando a sua manifestação nos aspectos mais diversos, que não recusa meios
para explicar e compreender o Brasil e os brasileiros.

CIÊNCIAS SOCIAIS 52
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DE SANTOS “(...) Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e
caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo – são pares que o autor
destaca no modo de ser ou na estrutura social e política, para analisar e
compreender o Brasil e os brasileiros.” ³

Sérgio Buarque de Holanda debruçou-se na análise de um projeto de


modernização que visava mostrar os aspectos de nossa formação. O autor estava, o
tempo todo, tentando mostrar que temos raízes ibéricas. Distinguiu a América criada
pelos portugueses da América criada pelos espanhóis, e, sobretudo, reconheceu ao
mostrar e criticar a formação patrimonialista brasileira. Tentou vislumbrar brechas
para a emergência de um possível comportamento diferente do comportamento
típico e tradicional do brasileiro.
No capítulo “O ladrilhador e o semeador”, Sérgio Buarque compara a
presença espanhola com a presença portuguesa. Diz que a presença espanhola se
marca por uma vontade férrea e abstrata de criar cidades com planos traçados de
antemão. A cidade espanhola é uma cidade geométrica, com a praça maior e as
ruas paralelas que saem dela, de tal modo que a geografia é dominada pelo
planejador que a antecipa mentalmente. O próprio plano vinha da Espanha. Em
contraposição a esse espírito, a essa vontade mais racionalizada, mais impositiva,
dos espanhóis, os portugueses como que se espreguiçavam na geografia. A cidade
portuguesa é desorganizada, é a cidade que sobe e desce em ziguezague, embora
os portugueses preferissem ficar no alto dos morros, com seus fortes. Eles tinham
visão estratégica, ocuparam o espaço brasileiro de uma maneira admirável,
souberam construir fortificações onde era necessário, mas não tinham a
preocupação com a ordem geométrica, nem talvez com a disciplina; o espírito
improvisador do português era muito forte para se conformar a planos. Assim a
cidade vai se formar de uma maneira muito mais desordenada.
¹ Semana de Arte Moderna foi um evento ocorrido em São Paulo no ano de 1922 no
período entre 11 e 18 de fevereiro no Teatro Municipal da cidade. Durante os sete
dias ocorreu uma exposição modernista no Teatro e nas noites dos dias 13, 15 de
fevereiro e 17 ocorreram apresentações de poesia, música e palestras sobre a
modernidade. Representou uma verdadeira renovação da linguagem, na busca de

CIÊNCIAS SOCIAIS 53
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experimentação, na liberdade criadora e na ruptura com o passado. O evento
marcou época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos. A nova poesia
através da declamação. A nova música por meio de concertos. A nova arte plástica
exibida em telas, esculturas e maquetes de arquitetura. O adjetivo “novo”, marcando
todas estas manifestações, propunha algo a ser recebido com curiosidade ou
interesse. Participaram da Semana nomes consagrados do Modernismo brasileiro,
como Mário e Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Anita Malfatti, Menotti Del
Pichia.
² CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil.In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 26ª edição,
1995, p.13, (prefácio).

³ Idem, p13.

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Aula 18 _ Temática: Geração de 30 – Sérgio Buarque de Holanda (II)

O projeto de modernização que está na base do pensamento de


Sérgio Buarque de Holanda é resultado de amplos estudos que esse autor dedicou
às influências dos portugueses no processo de formação da sociedade brasileira.
Em “Raízes do Brasil” afirma Sérgio Buarque de Holanda:

“O predomínio esmagador do ruralismo, segundo todas as aparências, foi


antes um fenômeno típico do esforço dos nossos colonizadores do que uma
imposição do meio. E vale a pena assinalar-se isso, pois parece mais
interessante, e talvez mais lisonjeiro à vaidade nacional de alguns, a crença,
nesse caso, em certa misteriosa força centrifuga própria ao meio americano
e que tivesse compelido nossa aristocracia rural a abandonar a cidade pelo
isolamento dos engenhos e pela vida rústica das terras de criação.”

É possível notar neste trecho o peso do ruralismo e suas influências na vida


política e a descrição que quase integralmente remonta as referências a autores
anteriores como Oliveira Viana em “Populações Meridionais”. Reitera-se, em Sérgio
Buarque de Holanda, nossa formação a de uma civilização rural, inteiramente fora
dos meios urbanos, assentada na grande propriedade e na escravidão. Essa seria o
que remonta a Joaquim Nabuco, a origem de nossos hábitos políticos negativos.
O autor afirma que a força dos senhores de terra era tal que seus filhos, seus
representantes políticos e mantenedores do Estado se deram ao luxo de promover,
em meados do século passado, a mais moderna reforma modernizadora que
ocorreu no país. Introduziram os transportes públicos, os meios de comunicação,
instituições urbanas, bancos, finanças, comércio interno e externo etc., que minavam
a própria dominação, levando, essa, irreversivelmente, ao esgotamento do sistema
escravista.
¹ HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004, p. 78.

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Aula 19 _ Temática: Geração de 30 – Caio Prado Jr. (I)

O último dos expoentes que denominamos de “Geração de 30”


Caio Prado Jr, publicou sua obra em 1942, com o Estado Novo já vigente com todas
suas características repressivas.
Nessa obra há manifestação de um autor que não disfarçava o labor da
composição e que não se preocupava com a beleza ou expressividade do estilo.
Sua principal meta nessa empreitada era oferecer ao leitor uma interpretação das
particularidades de nossa vida social, desde o período colonial, com um referencial
marxista. Segundo Antônio Candido:

“(...) Trazendo para a linha de frente os informantes coloniais de


mentalidade econômica mais sólida e prática, dava o primeiro grande
exemplo de interpretação do passado em função das realidades básicas da
produção, da distribuição e do consumo. Nenhum romantismo, nenhuma
disposição de aceitar categorias banhadas em certa aura qualitativa, mas o
desnudamento operoso dos substratos materiais.” ¹

A obra de Caio Prado Jr, tem o peso de ser a primeira avaliação de nossa
sociedade com o referencial marxista fora de qualquer elemento partidário, sua
avaliação aparecia como forma de captação e leitura do real, desligado de qualquer
desígnio prático imediatista.
A grande preocupação para Caio Prado é identificar a forma de constituição
do capitalismo em uma sociedade tipicamente agrária e atrasada, do ponto de vista
do desenvolvimento industrial. O referencial teórico marxista permite ao autor uma
elaboração contundente sobre o tema. O historiador paulista procura esclarecer
quais foram as vias de desenvolvimento do capitalismo brasileiro e suas
consequências para a configuração atual. ²

¹ Cândido, Antônio. Op. Cit, p. 11

CIÊNCIAS SOCIAIS 56
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² Para maior compreensão do autor cabe aqui uma explicação: Na literatura
marxista, existem dois conceitos para analisar as “vias não clássicas” para o
capitalismo, ou melhor, para a modernização. O primeiro e o de “via prussiana”,
elaborada por Lênin com o objetivo principal de conceituar a modernização agrária;
e o de “revolução passiva”, utilizada por Gramsci para determinar processos
sociais e políticos de transformação pelos setores dominantes da sociedade.

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Aula 20 _ Temática: Geração de 30 – Caio Prado Jr. (II)

Além de grande historiador marxista, Caio Prado nos oferece uma


obra de grande capacidade reflexiva sobre a sociedade brasileira.
Colocando em prática sua leitura dialética da história, Caio Prado nos brindou
com uma reflexão sobre os aspectos processuais e as estruturas que constituem as
configurações sociais de vida. Essas configurações se expressam em realidades
sociais, econômicas e políticas.
As figuras históricas, as cronologias, as façanhas registradas na historiografia
oficial ficam a segundo plano, os processos históricos são resgatados a partir de
uma análise da vida e trabalho dos agentes sociais. Em especial trata-se de
compreender os trabalhos e os dias, as formas de viver e trabalhar, de produzir e
consumir, mandar e obedecer, ser e pensar, que constituem e explicam as épocas
históricas conhecidas como Colônia, Império e República. Sem deixar de levar em
consideração a pesquisa busca descobrir os contornos e os movimentos que
caracterizam as principais configurações históricas da sociedade. Assim, os fatos
gerais e singulares adquirem vida e movimento. Tanto se revelam tensos, críticos ou
antagônicos, como ganham sentido, forma e direção.
Tomada em sua totalidade, a obra de Caio Prado Jr. compreende uma
interpretação bastante elaborada da sociedade brasileira. Procura explicar como se
forma e transforma a nação, tendo em conta os séculos de escravismo e economia
primária exportadora: os surtos industriais, o desenvolvimento das classes sociais.
Essas questões vêm à tona, principalmente quando reinterpretadas na nossa
processualidade histórica.
De forma geral trata-se de um conjunto revolucionário do ponto de vista
metodológico. A interpretação de Caio Prado Jr., deixando rastros que foi seguido,
por, entre outros, Florestan Fernandes.

Importante
Além do brilhantismo intelectual cabe destacar a postura de Caio Prado Jr.,
no que diz respeito a sua militância política. Foi um pensador que realizou a ruptura

CIÊNCIAS SOCIAIS 58
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com sua classe social de origem e, dessa forma, colocou-se próximo as questões
que diziam respeito às classes subalternas.

Para Reflexão
Quais outros pensadores marxistas de relevo que podemos encontrar na
sociedade brasileira?

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Resumo - Unidade III

Nessa unidade procuramos refletir sobre aqueles que, dada as


condições gestadas pela Revolução de 30, apresentaram uma nova forma de pensar
o Brasil.

O Pensamento Político que deriva dessas interpretações encontrou em


Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, seus principais
expoentes. No conjunto da obra desses três autores, que denominamos integrantes
da “Geração de 30”, estariam presente os recursos metodológicos e conceituais
inovadores para a possibilidade de ampliarmos a compreensão da realidade sócio
político em que estávamos inseridos.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Azevedo. O estado autoritário e a realidade nacional, Brasília: UNB,


1988.

ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. “Arremate de uma reflexão: a revolução


burguesa no Brasil de Florestan Fernandes”. In: Revista USP, nº. 29,
março/abril/maio de 1996.

CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil.In: HOLANDA, Sérgio


Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 26ª edição.

CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: a política imperial. Rio de
Janeiro: IUPERJ, 1988.

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Aula 21 _ Temática: O pensamento institucional – ISEB e CEBRAP

Será tema de nossas discussões a formulação de um


pensamento político a partir de representantes de instituições que exerceram papel
determinante em relação a elaboração de pensamento político que foi colocado em
prática pelas lideranças políticas, exemplo do ISEB e aqueles que colocaram-se de
forma tácita contra o regime em questão, caso típico do CEBRAP.
Cabe salientar que essas instituições contaram com intelectuais de relevo ao
longo de sua formação e atuação, entre eles: Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck
Sodré, Guerreiro Ramos, Cândido Mendes entre outros, todos ligados ao ISEB e
quanto ao CEBRAP. Poderíamos citar: José Arthur Giannotti, Fernando Henrique
Cardoso, Francisco de Oliveira, Paul Singer entre outros.
Estas instituições tiveram relevo em seus períodos, pois o que fica evidente
nessa avaliação é que de suas fileiras saíram projetos e avaliações da realidade
política e social brasileira. O ISEB foi criado dentro das necessidades que eram
evidentes durante os anos 50 e o CEBRAP surgiu com a limitação imposta aos
intelectuais com a instalação do regime militar em 1964.

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Aula 22 _ Temática: O pensamento institucional – ISEB

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi criado em 14 de


julho de 1955 pelo então presidente João Café Filho, que assumira o Governo diante
do suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Foi extinto a 1º de abril de 1964 por força
do Decreto n.° 53 884, assinado por Paschoal Ranieri Mazzili, que respondia
provisoriamente pela presidência da República, logo após a deposição do
Presidente João Goulart.
A ideia que permitiu a criação do ISEB estava sendo gestada desde os
primeiros anos do último Governo Vargas. Por volta de 1953, um grupo de
intelectuais radicados no Rio de Janeiro buscava convencer o então Ministro da
Educação, Cândido Mota Filho (homem de idéias liberais, conforme assinala a
crônica política), da necessidade do Governo constituir um grupo que o
assessorasse em todas as tarefas e matérias que hoje em dia o moderno Estado
capitalista é incumbido de realizar. Ele propôs a criação de um Instituto de Estudos e
Pesquisas, diretamente vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Dessa
proposta surgiu uma instituição embrionária o IBESP (Instituto Brasileiro de
Economia, Sociologia e Política).
Ocorreu, assim, o nascimento do IBESP, cuja direção foi entregue ao principal
articulador do grupo – Hélio Jaguaribe. O núcleo dos intelectuais isebianos estava
quase todo ali reunido: Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Alberto Guerreiro
Ramos, Nelson Werneck Sodré e Roland Corbisier. Porém o IBESP apresentava um
alcance do ponto de vista político e intelectual extremamente reduzido, pois se
encontrava reduzido à publicação de uma revista “Cadernos de Nosso Tempo”.
A experiência dessas limitações pressionava para que se criasse uma
instituição de projeção nacional e juridicamente melhor definida. Em meados de
1955, a reivindicação de alguns setores da vida nacional — interessados que estão
no “incentivo e promoção do desenvolvimento nacional” – leva o Presidente da
República a constituir o ISEB.
Como prescrevia seu Regulamento Geral, o ISEB era criado no Ministério da
Educação e Cultura e diretamente subordinado ao Ministro de Estado — embora,

CIÊNCIAS SOCIAIS 64
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como afirmava esse documento, fosse dotado de “autonomia administrativa e plena
liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra”.

Durante seus nove anos de existência, o ISEB promoveu cursos,


conferências, seminários de estudos e pesquisas; dos quais participaram
representantes das Forças Armadas, do Conselho de Segurança Nacional, do
Congresso Nacional, dos Ministérios de Estado; igualmente frequentaram tais
realizações: empresários, industriais, lideres sindicais entre outros. Essa instituição,
que inicialmente apresentava uma postura extremamente eclética e expressiva do
ponto de vista das discussões ideológicas, começou a formular um conjunto de
propostas amplas, heterogêneas, que evidenciavam a abertura da instituição.
Em obra sobre o ISEB, o professor Caio Navarro de Toledo afirma que:

“O que evidencia o ponto de vista ideológico da instituição são as diferentes


manifestações que ali se expressam. Se, de um lado encontramos aí os
primeiros ensaios de formulação das ideologias nacionalistas isebianas, de
outro, fazem-se ouvir os discursos dos defensores da via tecnocrática de
desenvolvimento, como também as conhecidas implicações contra
o movimento nacionalista.” ¹

¹ TOLEDO, Caio Navarro. ISEB: fábrica de ideologias, São Paulo: Ática, 1977, p.
178.

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Aula 23 _ Temática: O pensamento institucional – Hélio Jaguaribe (ISEB)

Cabe lembrar, como tratamos na aula anterior, que Hélio Jaguaribe


foi o primeiro a exercer uma liderança dentro do IBESP e que essa também foi
reproduzida em momentos iniciais dentro do ISEB.
Hélio Jaguaribe foi uma das lideranças centrais do ISEB, principalmente em
relação ao ideário nacionalista que ganhou destaque dentro da instituição. É bom
lembrarmos que esse pensamento foi gestado dentro de um cenário de
fortalecimento do nacionalismo e da ascensão política de Juscelino Kubitschek.

“Herdeiro de tendências que vem desde os anos 1930 e 1940 e das novas
ideias econômicas da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), o nacionalismo político e econômico ocupou um lugar central no
debate, enriquecido com as influencias do ISEB, tornou-se uma linguagem
política dominante no cenário brasileiro. Talvez se possa dizer que, no
segundo governo Vargas (1950-1954) e no governo Kubitschek (1955-
1960), a influência da ideologia nacionalista equilibrou-se dentro de uma
política cujo eixo central era dado pela noção do desenvolvimento”. ²

Naqueles governos o nacionalismo seria uma forma de expressão do


pensamento desenvolvimentista, tendo que, para fazer valer a sua real necessidade,
enquadrar a relação de formas de defesa dos interesses nacionais e um projeto de
desenvolvimento.

Hélio Jaguaribe, em uma conferência de 1957, ofereceu uma presença mais


concreta do pensamento econômico na sociologia e na ciência política. Combinando
sua visão política e social com a perspectiva econômica aberta por Celso Furtado
em Formação econômica do Brasil.

Ambas estimularam uma reorientação da economia, que, a partir da crise de


1929, tomaria escala na direção do mercado interno, gerando as primeiras
condições para a transferência para dentro do país do centro dinâmico da economia.
As mudanças que sobrevieram a 1850, liberando capitais até então empenhados no

CIÊNCIAS SOCIAIS 66
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tráfico negreiro, seriam reforçadas, a partir da Abolição e da imigração estrangeira,
com o início da formação de um mercado de trabalho livre.

Foi, portanto, como resultado dessa longa história que “fomos compelidos a
produzir internamente o que antes importávamos”. Depois de três séculos e meio de
colônia, o Brasil ingressou em 1850 numa fase semi colonial que duraria quase um
século, para só então entrar, a partir de 1930, em sua fase de desenvolvimento
nacional. “O Brasil deixou, assim, de ser um país pura e simplesmente semi colonial,
como havia sido até por volta dos anos 1930.” No plano da política e da cultura, essa
longa história teria conduzido o país a uma auspiciosa coincidência dos interesses
do proletariado, da Burguesia industrial, do campesinato e da classe média, os quais
teriam seus interesses “representados pelo desenvolvimento”.

¹ Cabe lembrar que Juscelino ganhou as eleições de 1955. A vitória de JK foi


alcançada dentro de um contexto extremamente conturbado de nossa
sociedade que foi reflexo do suicídio de Vargas em 1954.

² WEFFORT, Op. Cit. p.299.

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Aula 24 _ Temática: O pensamento institucional – CEBRAP

O Centro Brasileiro de Análise e Pesquisa fundado em 3 de maio


de 1969 com a participação de intelectuais que, alijados da universidade pública em
que ministravam aulas – principalmente o caso de professores da USP -, pela
necessidade de continuidade de atuação como intelectuais, nesse momento,
combatentes ao regime militar instituído, formam, com financiamento da Fundação
Ford, um centro de pesquisa que busca formas de interpretação das condições
políticas e sociais imperantes no Brasil.
Segundo Bernardo Sorj:

“É importante notar que o confronto entre o ISEB e a USP não se dava em


torno de projetos societários diferentes, mas de estilos de trabalho
intelectual: ensaísmo vs. rigor cientifico, orientação para o grande público
vs. público acadêmico, um discurso em nome do povo vs. discurso de
competência cientifica; critérios de avaliação ética vs. Critério de avaliação
universal.”

O núcleo inicial de pesquisadores do CEBRAP era constituído por sete


integrantes: Juarez Brandão Lopes, Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Elza
Berquó, Cândido Procópio Ferreira Camargo, José Arthur Giannotti e Octávio Ianni,
este último a partir de 1970.
A produção teórica caracterizou-se por uma capacidade reflexiva de apontar
hipóteses, indicações analíticas, linhas de pesquisa e análise da realidade social
brasileira. Em todos os casos, o maior destaque ficou por conta da grande
capacidade interpretativa e da síntese da conjuntura política e social do país. Nesse
contexto de grande interpretação e elaboração de um pensamento político no Brasil,
ganhou destaque a obra de Fernando Henrique Cardoso.

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DE SANTOS “A obra de Fernando Henrique Cardoso nesse período orienta-se
geralmente no sentido de intervenções sobre questões atuais, procurando
definir os parâmetros do debate. Esse estilo, se por um lado não
desenvolvia pesquisas ou argumentações teóricas sistemáticas, lhe permitia
discutir fenômenos de conjuntura sem ter que limitar a realidade à camisa
de força de marcos analíticos. Isso implicou um corte um tanto com a
tradição uspiana de tratamento acadêmico e de afastamento dos temas
políticos candentes, como com o estilo isebiano de grandes interpretações
sistemáticas e normativas.” ²

¹ SORJ, Bernardo. A construção intelectual do Brasil contemporâneo: da


resistência à ditadura ao governo FHC. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 25.

² Idem, Op. Cit., p. 59.

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Aula 25 _ Temática: O pensamento institucional – CEBRAP (Fernando
Henrique Cardoso)

Nossa escolha por Fernando Henrique Cardoso ocorre por motivos


óbvios. Dentro das fileiras do CEBRAP ele foi aquele que alcançou maior destaque
entre os membros, pois chegou a presidência da República em 1994 tendo exercido
dois mandatos (1994-2002). Sua forma de atuação como agente de maior destaque
no comando do Estado brasileiro teve pontos de inflexão a sua conduta como
intelectual.
Sua atuação pode ser buscada a partir da militância no inicio dos anos 50
pela nacionalização dos recursos naturais e exploração do petróleo. Foi simpatizante
do Partido Comunista, renovador da sociologia no país. Fernando Henrique Cardoso
chega à presidência do Brasil apoiado por uma coalizão de partidos de partidos
políticos que se uniram após o malogro do período Collor.
O que nos interessa é o período de sociólogo, onde já apontava medidas a
serem tomadas para a melhoria do Estado. A principal discussão, nesse sentido, é a
defesa da modernização do Estado brasileiro. Em textos que remontam os anos 80
e 90, já existiam discussões sobre a forma de modernização do Estado.
Para uma avaliação melhor basta que haja de nossa parte um interesse em
nos debruçarmos sobre o projeto de modernização do Estado que vem sendo
colocado em prática na sociedade brasileira pelos setores dirigentes nos últimos
anos para que fique claro qual era a concepção que derivava do legado intelectual
de FHC.
Importante
Fernando Henrique Cardoso, para além de sua carreira política profissional, é
um sociólogo e pensador de destaque no Brasil. Suas contribuições são de grande
valia. Existe um trabalho especifico que ganhou destaque entre os demais que foi:
“O capitalismo dependente”, obra que merece destaque pois foi responsável em
formular uma teoria sobre a nossa condição de país subalterno no mundo capitalista.

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Para Reflexão
É possível encontrarmos alguma proximidade entre a obra intelectual e o
papel de atuação política?

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Resumo Unidade IV
Nessa unidade procuramos identificar a criação de instituições que visavam
uma interpretação da sociedade brasileira e para tanto foram de total relevância para
uma leitura da realidade brasileira.
Também apontamos como as fileiras dessas instituições ganhavam
autonomia pensadora e que procuraram elaborar uma forma típica de pensamento
político. Nesse sentido destacamos o papel de Hélio Jaguaribe e Fernando Henrique
Cardoso.

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Aula 26 _ Temática: Florestan Fernandes - biografia

Poucos intelectuais no país tiveram a capacidade crítica igual ou


similar a de Florestan Fernandes. Gostaria, primeiramente, justificar o porquê uma
unidade designada somente para a compreensão da obra do pensador paulista.
Ao longo da leitura de parte das obras de Florestan o que salta aos olhos, é
uma intensa, diria até apaixonada, luta para elaborar criticamente uma analise da
sociedade e os percalços que impossibilitou, a setores subalternos, ter os seus
interesses atendidos pela classe dominante.
A leitura de Florestan Fernandes é um grande prazer! Sua capacidade
reflexiva, sua erudição, sua paixão pela escrita e sua - como ele mesmo afirmava –
“luta em permanecer fiel a sua origem de classe”, tudo faz com o pensamento que
deriva dessa produção intelectual seja de nosso total interesse.
O trajeto escolhido para a elaboração da unidade sobre Florestan Fernandes
segue a seguinte divisão:
Uma apresentação biográfica, uma análise conjuntural da obra, análise da
obra “Integração do negro na sociedade de classes” e analise da obra “Revolução
burguesa no Brasil”.

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Aula 27 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil

As grandes obras marcantes que tiveram a intenção de criar


subsídios para interpretar o Brasil estão respaldadas por um largo movimento
histórico social e político. Um movimento de transição insegura e, portanto, de
indagações e reflexões profundas.
A Revolução Burguesa no Brasil é um livro que também nasceu em
um momento de crise e transição social e política, momento de incertezas e dilemas.
Florestan Fernandes o escreveu um livro voltado para a formação das incertezas e
dos impasses históricos, o capitalismo inconcluso e insuficiente, o modo como as
grandes contradições históricas se apresente em nossa sociedade. Ele procurou
trabalhar não só as possibilidades de modernização, mas o que impedia a
modernização.
A busca de como nos constituímos como nação, o enorme peso da
escravidão no nosso passado e no nosso destino. Foram expostas à análise sensata
e coerente de Florestan em sua obra. Existe uma concepção de pensamento político
que visa desvendar o futuro possível, o destino que nos aguarda, a partir da herança
social que nos aguarda e que nos torna singulares em relação às tradições de
compreensão e explicação das sociedades dominantes como as quais travamos
contato. Trata-se de investigar e compreender a nossa singularidade.
Pelos motivos descritos, a Revolução Burguesa no Brasil pode ser vista com
o último grande estudo do ciclo de reflexões sobre nossas possibilidades e
perspectivas para formação de uma organização social mais moderna, aberta a
possibilidades mais amplas como resultado da Revolução de 30.
O livro “Revolução Burguesa no Brasil” se situa na corrente do pensamento
que no Brasil procura desvendar o padrão de desenvolvimento da sociedade
brasileira, as possibilidades históricas do destino. O modelo de interpretação
construído por Florestan Fernandes é muito mais rico e denso do que outros
modelos de análise. Florestan dispõe de ampla erudição e não teme recorrer de
maneira extensa e competente a um grande número de teóricos não marxistas para
desenvolver sua análise. Sua interpretação do processo da lenta e complicada

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revolução burguesa no Brasil tem um dos seus aspectos mais positivos justamente
no distanciamento interpretativo.
Daí que a sociologia de Florestan, densa e abrangente, fosse o instrumento
mais apropriado para a compreensão de uma história que, inserida marginalmente
na história do desenvolvimento do capitalismo, só podia ser compreendida mediante
o reconhecimento de seus sujeitos característicos e peculiares. Nesse sentido é que
o autor pode reconstituir a nossa história social centrada num eixo de referências
econômicas e políticas que se propunham contraditória.
A constituição do pensamento do autor paulista aponta para os rumos
da Revolução Burguesa são particulares e não corresponde a forma típica das
revoluções burguesas europeias. Em nosso caso o capitalismo dependente que aí
se configura não é apenas em relação de dependência econômica e de insuficiente
poder sobre o excedente econômico.
Ele é um complexo de relações sociais e de mentalidades orientadas em
oposição às demandas, ideias da revolução burguesa e do próprio capitalismo. A
lenta revolução burguesa num país como o Brasil, com as mudanças e
transformações sociais que pode e precisa promover, emerge e se dissemina a
partir do déficit de historicidade entre o social, o politicamente necessário e o seu
mínimo possível de modo a assegurar o máximo de permanência das estruturas
tradicionais.
Também é necessário apontar que constituem o livro o que é fundamental na
construção teórica do pensamento de Florestan Fernandes: “A Integração do Negro
na sociedade de classes”. Para o autor não é o proletário incipiente e frágil que
oferece a referência para construir uma interpretação do Brasil. A referência é a
escravidão e o que ela faz com a multidão de desvalidos trazidos da África para o
cativeiro doloroso nos engenhos, fazendas e estâncias. A sociedade de que resulta
daí é uma sociedade de privilégios e não uma sociedade competitiva como deveria
ser a sociedade capitalista.
A escravidão acaba adquirindo sentido e se institui em nome do lucro e em
nome da inserção marginal do Brasil no amplo processo de reprodução ampliada do
capital nos centros hegemônicos do capitalismo nascente a escravidão, para
Florestan, gerou uma estrutura social vigorosa, produziu instituições duradouras e

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engendrou mentalidades que persistem de algum modo até os nossos dias. Ainda
hoje pagamos pesado tributo e essa herança.

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Aula 28 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (I)

Obra de grande vulto, voltada à análise do processo histórico de


formação da sociedade burguesa no Brasil, desde a Independência até o golpe
militar de 1964. Esse texto, repleto de nuances, introduziu nítida clivagem no âmbito
do pensamento do autor, ruptura esta manifesta no próprio corpo da análise. Escrito
entre 1966 e 1974, encerra uma interrupção no processo de feitura, de cerca de três
anos, período ao qual Florestan lecionou na Universidade de Toronto. O autor, logo
no inicio, explicou o modo como percebe o seu empreendimento:

“É preciso que o leitor entenda que não projetava fazer obra de ‘Sociologia
acadêmica’. Ao contrário, pretendia, na linguagem mais simples possível,
resumir as principais linhas da evolução do capitalismo e da sociedade de
classes no Brasil. Trata-se de um ensaio livre, que não poderia escrever
que não fosse sociólogo. Mas que não põe em primeiro plano as frustrações
e as esperanças de um socialista militante.” ¹

Apesar das intenções declaradas do autor, o livro não escapa, integralmente,


de ser um exercício acadêmico de interpretação, em que as peculiaridades desse
estilo encontram-se presentes. Investigando o significado para a realidade brasileira
das noções de “burguês”, “burguesia” e “revolução burguesa”, procurou estabelecer
certas questões de alcance conceitual. O problema decisivo da obra põe-se na
discussão da especificidade da construção da sociedade de classes e da revolução
burguesa no Brasil, vistas no prisma da formação da racionalidade burguesa, da
mentalidade burguesa, isto é, de uma ética de ganho, do risco e do lucro calculado.
Florestan percebe que, dada as particularidades dessa burguesia, a
possibilidade de uma modernização que procurasse integrar maior número de
indivíduos e, consequentemente, eliminar a disparidade secular do país, não
apresenta reais possibilidades. Vale dizer, que a formação da sociedade moderna
no Brasil e o desenvolvimento da sociedade de classes, suscita questões que
perpassam a primeira parte dedicada ao estudo do processo da Independência e do

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desencadeamento da revolução burguesas. Para o tratamento desse período
formador, o autor passa em revista o universo valorativo orientador das ações dos
agentes envolvidos, apontando para o fato de que a mentalidade econômica, na
colônia, estava sujeita a uma distorção inevitável. Naturalmente, a análise põe em
tela dimensões psicossociais, para a caracterização daquilo que Florestan apontava
como o “espírito burguês”. Segundo a professora Maria Arminda do Nascimento
Arruda:
“Por isso, a construção da sociedade nacional, a partir da
independência e do liberalismo como doutrina de ação das
elites nativas, é crucial, pois é possível, daí, vislumbrar a
emergência de novos valores orientadores da ação.” ²

Na avaliação de Florestan o liberalismo produz; “formas de poder


especificamente políticas e organizadas lucrativamente” e, uma parte da sociedade
exige a livre competição. Em uma sociedade retrógrada como a nossa em que não
há o aperfeiçoamento político para o implemento de um “projeto modernizador”,
sofremos com um liberalismo que foi gestado na base da estruturação da sociedade
nacional, porém, ao misturar-se com componentes do período agrário nem sempre
conseguiu atingir o seu intento modernizador. Podemos encontrar aí, para Florestan,
a particularidade da formação histórica brasileira que acaba propiciando a sua
interpretação da problemática da nossa revolução burguesa, na concepção de
Florestan:

“Trata- se de determinar como se processou a absorção de um padrão


estrutural e dinâmico de organização da economia, da sociedade e da
cultura. Sem a universalização do trabalho assalariado e a expansão da
ordem social competitiva, como iríamos organizar uma economia de
mercado de base s monetárias e capitalistas? É dessa perspectiva que o
burguês e a revolução burguesa aparecem no horizonte da análise
sociológica. Não tivemos todo o passado da Europa, mas reproduzimos de
forma peculiar o seu passado recente, pois este era parte do próprio
processo de implantação e desenvolvimento da civilização ocidental
moderna no Brasil. Falar em revolução burguesa, nesse sentido, consiste
em procurar os agentes humanos das grandes transformações histórico-
sociais que estão por trás da desagregação do regime escravocrata –
senhorial e da formação de uma sociedade de classes no Brasil” ³

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Centrada na dinâmica social dos agentes, a reflexão procura entender “a
formação do chamado ’Brasil Moderno’, floração cultural da silenciosa revolução
econômica” em que aquela revolução política iria equacionar nossas agruras
lentamente. Resumindo, a análise procura recuperar a gênese dessa identidade
problemática, que está no coração da história brasileira, cuja combinação de
elementos díspares responde pela nossa particularidade.

¹ FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de


interpretação sociológica. São Paulo: Global, 2006, 5ª edição, p. 26.

² ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. “Arremate de uma reflexão: a


revolução burguesa no Brasil de Florestan Fernandes”. In: Revista USP, nº.
29, março/abril/maio de 1996, p. 58

³ FLORESTAN, Op. Cit., p.48.

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Aula 29 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (II)

A segunda parte do livro “A formação da ordem social competitiva” é um


fragmento. Como o próprio já aponta, Florestan dedica-se a entender a formação da
ordem social competitiva em países de formação colonial como o Brasil.

“Nas sociedades dependentes, de origem colonial como o Brasil, o


capitalismo é introduzido antes da constituição da ordem social de uma
economia de mercado concorrencial. Ele se defronta com estruturas
econômicas, sociais e políticas elaboradas sob o regime colonial, apenas
parcial e superficialmente ajustadas aos padrões capitalistas de vida
econômica.” ¹

Novamente aqui, o sociólogo paulista, localiza o problema da nossa história


na incapacidade, ou impossibilidade, de superar os princípios inerentes à ordem
social anterior. As nações de capitalismo, dependente e de ordem social competitiva,
estruturam a análise, permitindo-lhe compreender os limites do “estilo competitivo de
vida social” e da “mentalidade econômica racional”.
O problema que se põe é detectar o agente social que melhor encarna a
condição burguesa de vida. Uma burguesia mercantil urbana, denominada
“estamento social intermediário”, expressava os novos valores sociais, mas apesar
disso, não pode, ou não foi capaz, de romper o círculo poderoso advindo do
passado.
“Aqui, cumpre ressaltar, em especial, a estreita vinculação que se
estabeleceu, geneticamente, entre interesses e valores sociais
substancialmente conservadores e a constituição da ordem social
competitiva. Por suas raízes históricas, econômicas e políticas, ela prendeu
o presente ao passado como se fosse uma cadeira de ferro. Se a
competição concorreu, em um momento histórico, para acelerar a
decadência e o colapso da sociedade de castas e estamentos, em outro
momento ela irá acorrentar a expansão do capitalismo a um privatismo
tosco, rigidamente particularista e fundamentalmente autocrático, como se o
burguês moderno, nascesse das cinzas do senhor antigo.” ²

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Visto que as atividades comerciais, voltadas ao mercado interno e de cunho
capitalista, não foram capazes de se desconectar da lógica que presidia o
movimento do passado, os seus agentes assinalaram os mesmos critérios esta
mentais da ordem escravista, desenhando um estilo de vida semelhante ao da
aristocracia agrária. O produto final reflete uma sociedade cujos bloqueios
impediram a emergência plena da ordem social competitiva e dos critérios inerentes
a uma estrutura de classes, com visíveis e danosas consequências para a
construção de relações sociais superiores.
¹ Idem, p. 94.

² Idem, ibidem. p. 192

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Aula 30 _ Temática: Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil (III)

Na terceira parte, “Revolução Burguesa e Capitalismo


Dependente”, é discutida a gênese da forma de acumulação capitalista dependente
e a especificidade da sua realização. Florestan reitera a particularidade da estrutura
de classes, do mundo burguês e da burguesia no Brasil. Incapaz de emancipar-se
da oligarquia e de realizar as tarefas típicas da sua congênere europeia, como a
criação da nação e de tornar-se o agente fundamental das transformações, a
burguesia brasileira vivenciou o dilema histórico da sua situação de classe.
Amalgamou-se a forças sociais retrógradas e não foi capaz de implementar a liberal
democracia; o Estado foi a espinha dorsal das mudanças, pois a classe burguesa
não deslancha o processo de industrialização. Por tudo isso,

“...o capitalismo dependente é, por sua própria natureza e em geral, um


capitalismo difícil, o qual deixa apenas poucas alternativas efetivas as
burguesias que lhe servem, a um tempo, de parteiras e amas secas. Desse
ângulo, a redução do campo de atuação histórica da burguesia exprime
uma realidade especifica, a partir da qual a dominação burguesa aparece
como conexão histórica não da revolução nacional e democrática, mas do
capitalismo dependente e do tipo de transformação capitalista que ele
supõe.” ¹

Os impasses da burguesia são as encruzilhadas de uma história dependente


dos centros hegemônicos, cujas forças internas não são capazes de romper os
limites externos. A ordem capitalista esbarra na ingerência de fora, dados os seus
padrões diversos de desenvolvimento que produzem, por sua vez, uma
solidariedade composta por opostos. É por esse motivo que a análise da revolução
burguesa no Brasil consiste na crise do poder burguês que se localiza no mundo
contemporâneo e emerge como consequência da transição do capitalismo
competitivo para o capitalismo monopolista.
A estrutura dessa obra encerra o ponto de mudança do pensamento
de Florestan Fernandes. De um lado, o livro configura uma ruptura entre o aparato
conceitual e a orientação teórica utilizados, visíveis na passagem da primeira parte

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para a terceira; de outro, o tom da interpretação também muda. É significativo que a
junção entre essas duas partes se dê através de um capítulo denominado pelo
autor, de fragmento. Essa seção parece solta no corpo do trabalho, porém ela
desempenha a ligação entre os capítulos iniciais e finais, ou seja, constitui-se como
elo de passagem.
Por sua grandeza e autenticidade, a Revolução Burguesa no Brasil é a
grande obra de Florestan Fernandes e a sua principal contribuição para a
compreensão da sociedade brasileira.
¹ Idem, 242.

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Aula 31 _ Temática: Florestan Fernandes: A questão racial (I)

Outro tema que também merece destaque na obra de Florestan


Fernandes é a sua formulação a respeito da condição de vida do negro, em uma
sociedade que manteve a escravidão por mais de 300 anos! Florestan questionou a
possibilidade de ser criada uma integração do negro na sociedade de classes.
Segundo ele, nossa sociedade de classes não criou elementos que possibilitassem
essa integração.
A sua grande tarefa de interpretação nesse sentido ocorre quando, segundo o
próprio Florestan:
“Numa tarde, no começo da década de 50, o professor Roger Bastide
entrou em minha sala, no fundo do corredor, lá na Maria Antônia. Ficou de
pé na minha frente e me disse que fora procurado por Alfred Métraux para
dirigir um projeto de pesquisa da Unesco sobre o negro na sociedade
brasileira. Argumentou que só aceitaria o convite se eu também
concordasse em participar do projeto. Bastide me disse ainda que ele não
tinha a minha experiência de trabalho de campo indispensável para
conduzir o tipo de investimento que a Unesco pretendia. Respondi pronta e
secamente a Bastide: Não! Estava preocupado com outros projetos e que
não me interessava participar de estudo sobre a questão racial. Bastide não
tentou me convencer. Saiu de minha sala em silêncio. Senti que tinha sido
duro com o meu mestre e senti remorso. Saí da sala à sua procura e o vi se
afastando, quase no final do corredor. Chamei-o. Ele parou, voltou-se para
mim. Arrependido, emocionado eu lhe disse: professor Bastide, eu aceito!” ¹

Nessa resposta dada ao professor Bastide, para nós pouco importa o que
motivou Florestan a lançar-se no estudo da questão racial e da integração (ou não)
dessa na sociedade de classes.
Seja qual tenha sido o motivo, o que deve ser destacado é que tal precisão
resultou na inauguração de uma nova fase do estudo do negro na Brasil. Até então
tais estudos, iniciados na transição dos séculos XIX-XX, haviam passado por duas
fases lógicas e históricas: a primeira identificada com Nina Rodrigues, focalizava o
negro como expressão de raça, retendo, quase sempre negativamente, os seus
atributos biológicos; a segunda, associada especialmente à produção intelectual de

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Arthur Ramos, via o negro como expressão de uma cultura sempre negligenciando
as suas condições existenciais, o seu enraizamento social.
A partir dessa possibilidade a produção intelectual nos brindou com uma
interpretação única a respeito do assunto, apontando para a necessidade de
pensarmos como criar mecanismos políticos e sociais para que de fato haja a
integração na sociedade de classes.
¹ PEREIRA, João Baptista Borges, “A questão racial brasileira na obra de
Florestan Fernandes” .In : Revista USP, nº. 29, março/abril/maio de 1996, p. 34.

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Aula 32_Temática: Florestan Fernandes: A questão racial (II)

Com sua grande obra: A integração do negro na sociedade de classes, como


já mencionamos na aula passada, Florestan Fernandes inaugurou uma nova
vertente de análise das condições do negro no período pós-abolição. Até então,
muito se havia falado sobre o negro, porém sempre a partir de uma análise
positivista e “biologizante”, que tecia uma leitura de sua condição social a partir do
viés científico, e que afirmava que os negros eram inferiores devido a determinadas
características físicas e psicológicas, tais como: a cor da pele, o formato da cabeça,
a sensualidade aflorada, a preguiça, a malícia.
Dessa forma, Florestan Fernandes vem, a partir de uma análise marxista,
tentar perceber o posicionamento do negro em uma sociedade de classes nascente
a partir da abolição do trabalho escravo. Uma sociedade de classes que, além do
negro recém-liberto contava ainda com uma mão de obra imigrante que passou a
ser utilizada em larga escala a partir do final do século XIX, engrossada
especialmente pelos italianos.
Em sua análise, o ex-escravo jamais conseguiria enquadrar-se socialmente,
pois não estava acostumado ao trabalho livre. Os pesados anos de trabalho haviam
causado profundas deformações que limitavam a sua capacidade de ajustar-se à
vida urbana. O estrangeiro, ao contrário, aparecia como promessa de progresso, e já
vinha habituado ao trabalho assalariado.
Florestan avalia em sua obra que houve um processo intencional de
substituição da mão de obra escrava para a livre. A abolição da escravidão já era
dada como fato consumado no momento de sua outorgação e esse processo de
transição foi manipulado estrategicamente e muito de perto, segundo o sociólogo, a
fim de se manter os interesses econômicos, sociais e políticos dos grandes
proprietários que possuíam fazendas nas regiões prósperas. Florestan nos aponta
que:

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“Por irônico que pareça, foram esses círculos dominantes, das camadas
conservadoras que deram impulso e orientações finais às agitações
antiescravistas, imprimindo-lhes uma direção política totalmente avessa aos
intuitos humanitários dos abolicionistas e frontalmente contrária ao ardor
redencionista dos escravos ou dos libertos”. 1

Essa revolução social teve seu início nos núcleos intelectuais inconformistas e
chegou às senzalas em forma de rebeliões e fugas e “produziu seus frutos nas mãos
daqueles contra os quais ela se voltou”. 2 Esses frutos foram colhidos por aqueles
que direcionaram a formação da ordem social competitiva e que não se tratou
segundo Florestan, da acanhada e vacilante elite, mas sim do círculo dos grandes
homens de negócios da época: os fazendeiros prósperos e os agentes da
comercialização do processo de exportação do café.

A partir da República, troca-se a nobreza agrária pelo coronelismo, sem prejuízo


algum da manutenção da ordem social reinante é abertura só para aqueles que
detinham o poder, abrindo-se novas tendências à concentração regional de renda e
a transição de uma situação de castas para uma situação de classes.

O negro não se encaixa nessa nova ordem social, pois é possuidor de uma
anomia 3 social que o torna inapto ao trabalho livre. O negro não foi agente de seu
destino, pois não saiu de uma situação que lhe conferisse autonomia econômica,
social e política. Com a concorrência imigrante, ele encontrou campo de trabalho
nas zonas rurais de menor vitalidade. O imigrante intervém no processo de
consolidação e renovação do capitalismo como agente de trabalho que se comporta
como assalariado típico, com atitudes perante o trabalho e como propulsor da
acumulação capitalista com base na poupança.

Os negros, ao contrário possuíam uma ausência de consciência e alienação que não


lhes permitia participar do processo de acumulação do capital gerado pelo trabalho
livre e pela poupança. Florestan Fernandes afirma que essa exclusão do processo
de formação da sociedade de classes teve seu lado “positivo”, pois acarretou a
necessidade de elaboração de estratégias para a conquista de posições sociais que
deveriam ocupar na estrutura da sociedade de classes. A pulverização das

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populações negras teve efeito produtivo, pois foi condição prévia para que o negro
dentro de seu próprio meio se sociabilizasse rumo à sociedade de classes.

Muito embora os estudos de Florestan Fernandes tenham sido um grande avanço


no campo das Ciências Sociais, alguns de seus conceitos foram revistos por outros
pesquisadores. Lúcio Kowarick 4 por exemplo, nos chama a atenção para o fato de
que jamais houve falta de braços, seja de ex-escravos libertos, seja de nacionais
pobres para o trabalho nas lavouras. A vinda de imigrantes fez parte de uma
estratégia de exploração capitalista do trabalho livre, que necessitava de uma massa
latente e disponível de trabalhadores nos campos e cidades, para que fosse utilizada
quando necessário. Sem falar nas ideias de branqueamento racial que se
sedimentaram em fins do XIX e começo do século XX.

É certo que os negros foram excluídos do processo produtivo de modo deliberado e


que deixaram as senzalas abandonados à própria sorte, sem qualquer tipo de
política de inserção social, fato este que agrava as suas condições sociais em
nosso país até os dias de hoje.

Vale a reflexão!

1
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes.
Volume I. São Paulo: Ática, 1978, p. 40.

2
Idem, p. 40.

3
Anomia: ausência de leis, de regras, de normas de organização.

4
KOWARICK, Lucio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Resumo Unidade V

Nessa unidade procuramos enfatizar o pensamento do maior sociólogo


brasileiro Florestan Fernandes, tal ênfase nos parece determinante tendo em
vista seu papel decisivo para a consolidação das Ciências Sociais no Brasil. Além

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disso, suas obras apresentam um caráter inovador em relação a tudo que até então
havia sido produzido entre nós.

Demos destaque em duas obras seminais do pensamento de Florestan, pois


acreditamos que nessa sua avaliação sobre a sociedade é fundamental para maior
compreensão de nossa realidade

Portanto “A Revolução Burguesa no Brasil” e a “Integração do Negro na Sociedade


de Classes” tornaram-se o cerne de nossas argumentações.

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