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Da pluralidade das éticas e fontes da ética; ética, virtude (s) e moral; ética e direito; ética nas
relações institucionais e empresariais; ética na administração pública; ética e interesses pessoais:
dos conflitos de interesses; ética profissional: características fundamentais de um grupo
profissional

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Da pluralidade das éticas e das fontes da ética:

➢ O objetivo da ética é tornar a convivência social pacífica e justa, seja através das atitudes coletivas ou
individuais. Assim, a ética ajuda o indivíduo a responder questões como:

✓ EU QUERO?

✓ EU POSSO?

✓ EU DEVO?

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• Tipos de ética:

Podemos dizer que a essência de cada tipo de ética se diferencia a partir daquilo que é a base para a AÇÃO
MORAL. Podemos, em bom rigor, dividir a ética em 5 ordens:

1. ÉTICA RACIONALISTA:

Muito utilizada e estudada pelos gregos antigos, a ética racionalista explica que o indivíduo consegue submeter
a sua VONTADE e determinar as suas CONDUTAS através da sua RAZÃO.

Neste caso, o pensamento racional é capaz de compreender o que é o bem, orientando as atitudes, definir o
que é BOM ou MAU, CERTO ou ERRADO, seja para a vida individual ou em sociedade.

2. ÉTICA TELEOLÓGICA:
É o tipo de ética que analisa e reflete as consequências possíveis de uma ação. O comportamento ético está
fundamentado no seu OBJETIVO, em sua FINALIDADE.
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3. ÉTICA TEOLÓGICA ou CRISTÃ:

Diferente da ética racionalista, a ética teológica não acredita na razão como um aspeto que controla as
vontades ou atitudes do ser humano. Neste caso, a ética está fundamentada na FÉ.

Assim, os princípios éticos e a orientação para as ações encontram-se explicados na Bíblia, o livro sagrado do
cristianismo. A pessoa ética é, portanto, aquela que se aproxima de DEUS, seguindo os seus mandamentos e
ensinamentos. Neste caso, uma ação contrária à ética é identificada como PECADO.

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4. ÉTICA DEONTOLÓGICA:

Como vimos, a ética desenvolvida pelo filósofo Immanuel Kant toma como base a ideia do DEVER (em grego,
deon). Nela, compreende-se o indivíduo como plenamente capaz de saber como se deve agir, e assim podendo
agir conforme o dever.

Kant explica que o dever vem antes do conceito do bem ou mal, do que é certo ou errado. Sendo assim, o
indivíduo deve agir de forma ética independente do que ele pode receber de consequências quanto ao seu
comportamento. O dever é um JUÍZO A PRIORI, independente da experiência.

A ÉTICA DEONTOLÓGICA está ligada (é) à ÉTICA PROFISSIONAL. Relacionada, sobretudo, ao conjunto de ações
que um profissional deve realizar no exercício da sua profissão.

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5. ÉTICA UTILITARISTA:

É o tipo de ética que se baseia na utilidade da ação moral, por exemplo, proporcionar o bem para o maior
número de pessoas.

John STUART MILL, filósofo defensor da ética utilitarista, defendia que a boa ação era aquela capaz de produzir
o máximo de felicidade possível para um maior número de pessoas.

Neste caso, a ética está direcionada para atitudes práticas onde o indivíduo deve avaliar a situação antes de
efetivamente agir, pensando em quantas pessoas irão beneficiar com a sua ação.

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➢ Sublinha José Manuel Santos (pp. 20-21) que:

“Para fazer face a esta dificuldade aparente que a pluralidade da éticas, que muitos consideram, sem razão,
uma fraqueza maior da teoria ética, propomos o conceito de CULTURA ÉTICA. Aquilo que uma ética filosófica
deve começar por transmitir, em termos pedagógicos e de iniciação, é esta cultura, é o conhecimento das
diversas fontes do pensamento ético, não apenas como um conjunto de teorias mortas, mumificadas e a
estudar como objetos de museu, mas como pensamentos vivos do ético, de uma dimensão fundamental da
nossa cultura e das nossas vidas.”

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Ética, virtude (s) e Moral

• PLATÃO, relacionando o mundo do sensível para o inteligível – perfeitamente estruturado e hierarquizado,


do particular para o geral – defende que os níveis de alma encontram paralelo nas virtudes:

“O plano sensual tem na sophrosyne ou temperança a sua moderação, a dimensão já superior da afetividade
nas encontra regulador na andria ou fortaleza, e finalmente o mais elevado dos níveis humanos, a razão, tem
de ser esclarecido pela prudência ou sabedoria, a phronesis. A boa relação entre si destas virtudes é objeto,
para Platão, de uma virtude superior, que as ordena em unidade: a diakaiosyne, ou justiça. Por isso a Justiça é a
mais importante.” CUNHA, Paulo Ferreira da, O Tímpano das Virtudes, p. 85. O sublinhado é nosso.

✓ Recorremos à distinção entre JUSTIÇA UNIVERSAL (identificada com todas as virtudes) e JUSTIÇA
PARTICULAR (a que particularmente interessa ao Direito) para inferirmos as seguintes ideias:

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• ARISTÓTELES afirma que nenhuma das virtudes éticas, dado que são numerosas, nascem connosco por
natureza, mas através de um processo que requer experiência e tempo. Resultam da habituação que
pode ser aperfeiçoada nos seguintes termos:

✓ Sendo a excelência dupla, como disposição teórica [do pensamento compreensivo] e como disposição
ética, a primeira encontra-a no ensino – a maior parte da sua formação e desenvolvimento, por isso
que requer experiência e tempo;

✓ A disposição permanente do carácter resulta, antes, de um processo de habituação, de onde até terá
recebido o seu nome, <<hábito>>;

✓ Distingue as virtudes éticas das virtudes dianoéticas ou intelectuais:

➢ Virtudes éticas resultam de um processo de habituação.

➢ As virtudes intelectuais encontram no ensino a maior parte da sua formação e desenvolvimento;

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✓ A virtude moral desenvolve-se em nós em função da qualidade de nossas ações. Portamo-nos de modos
diferentes, mas o decisivo é que o carácter provém das ações que, por hábito, são repetidas. As disposições
virtuosas originam-se das atividades similares às virtuosas. Ora, se as ações forem sempre boas geram bons
comportamentos.

✓ Aristóteles afirma que a virtude está em nosso poder. O que significa dizer que o agir bem, o carácter, é
nossa RESPONSABILIDADE. É nossa responsabilidade porque temos LIBERDADE DE AÇÃO para fazer as
melhores ou as piores escolhas.

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• TOMÁS DE AQUINO posteriormente reforça a ideia de que a PRUDÊNCIA é uma virtude – Virtude da
Prudência (Iuris-Prudentia). Tema que reserva um problema epistemológico entre JUSTIÇA e CONCÓRDIA.

✓ «A Justiça jurídica é uma depuração intelectual da perspectiva ética das virtudes. Não deixando de a elas
fazer apelo na medida em que delas necessita o homem justo, único reduto e garante da aplicação recta da
justiça, e porquanto filosoficamente podem elas inspirar o direito positivo, a Justiça particular ou jurídica
autonomizou-se com fins e perspetivas próprias, que se destacam dos termos morais correntes, e também
políticos.» (PFC, O Tímpano das Virtudes, p. 109)

• Atualmente, J. RAWLS, LUHMAN ou HABERMAS, acabam por se consubstanciar em formalismos ou na


aplicação de visões mais ou menos rebuscadas do utilitarismo.

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ÉTICA E MORAL:

✓ Tanto uma como outra têm em comum guardar um sentido eminentemente prático. No entanto, a ética é
um conceito mais amplo que a moral.

✓ A moral é acatar as regras dadas, enquanto a ética é uma análise crítica dessas regras.

✓ A moral vai-se alterando e o facto é que a estrutura da sociedade assenta nas leis e normas escritas e não
escritas.

✓ Sendo o homem dotado de raciocínio, o bem e o mal não podem ser eleitos pela coletividade, senão pela
própria razão. Mas quando o homem (re)examina esses valores, para os eliminar, fortalecê-los ou para
formar novos, é porque pensa por si mesmo e assim é capaz de elaborar uma ética ou filosofia moral.

✓ A ética é uma forma saudável de vida que muitas vezes implica separar-se das prescrições que impõem os
grupos maioritários.

✓ A razão é o que nos liberta da ignorância, de imagens rápidas e simplificadas da realidade, de opiniões
arreigadas mas falsas.

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✓ A ética é uma ciência que se preocupa tanto com o alcançar dos objetivos da conduta humana (o fim), como com
os meios para alcançar esse fim.

✓ É um conjunto de princípios, enunciados dados pela luz da razão e que servem para iluminar o caminho certo da
conduta. A parte irracional do ser humano deverá ser governada pela razão.

✓ Com Paulo Ferreira da Cunha (Liberdade, Ética e Direito, p. 115 e ss..). (disponível em:
http://periodicos.ufc.br/nomos/article/view/11757/9841), pergunta-se: "distinguir ou não distinguir moral de
ética?

«Uma das primeiras associações que vem à memória quando se fala de moral é a que a junta e a faz dialogar com a
expressão e conceito de “ética”. Embora um Luc Ferry, no seu recente Apprendre à vivre, considere os dois
termos sinónimos, concorda que a partir da dualidade (que é apenas etimológica: moral latina e ética grega)
alguns filósofos e pensadores puderam burilar uma conceptologia bifurcada. Instrumento que pode servir a alargar o
leque de ideias sobre este vasto e complexo campo. É o que faremos, de seguida, não seguindo, pois, a indistinção de
Ferry. Embora saibamos que tem havido multidão (e contraditória) de sentidos para uma e outra das palavras, iremos
optar por um sentido, que ganhará certamente alguma legitimidade em razão da etimologia, embora saibamos, e
desde já advirtamos, para a relativa debilidade de um tal argumento»

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• ÉTICA(S):

«As éticas gregas derivam do ethos, maneira ou modo de ser. Donde decorre que se diga ainda hoje do
“comportamento” de uma doença (sua forma de nos afligir) ser ela a sua etiologia. As éticas, assim mesmo, no
plural, como se diz dever ser a boa tradução das de Aristóteles, a nicómaqueia e a Eudemo, dizem, descrevem,
o que as pessoas são, como são, como se comportam. Constituem, afinal, caractereologias psico-
axiológicas, referem-se a formas de comportamento, com valor ou desvalor. Não tendo, porém, numa
primeira abordagem, um verdadeiro carácter normativo, mas sobretudo expositivo, descritivo. Não
ensinam como os Homens devem comportar-se, mas dizem-nos como diferentes tipos ou grupo de homens se
comportam. Como sabemos, Aristóteles prescreve a virtude no meio, entre os vícios que são exageros, e
descreve entretanto os vícios (e virtudes.) dos homens reais e concretos.» (PFC, p. 119)

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• MORAL(IS)

«Moral, por seu turno, deriva de mores, os costumes, em Latim. Boni mores, os bons costumes, são pelo
menos fonte histórica do Direito Romano. Nada de mais normativo, prescritivo, proibitivo ou impositivo
(preceptivo). A moral não seria o comportamento humano, visto da perspectiva asséptica, “quase sociológica”
(que heresia!) da ética, das éticas, mas uma direcção impondo-se à acção, regra de “bom viver ”, viver recto,
totalmente prescritiva, cheia de comandos de normatividade.» (PFC, p. 119)

▪ Da dicotomia entre morais e éticas

«Cremos que esta dicotomia é útil. As éticas estudam como os homens realmente são. As morais, múltiplas e
conflituantes no nosso mundo cada vez mais agónico, e plural em cada sociedade concreta (pelo
menos no “ocidente” multicultural), pretendem ditar como, pelas regras dos seus respectivos grupos, os
indivíduos deverão comportar-se, deverão ser.»

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• DIREITO E “MÍNIMO ÉTICO”

«O que sucede com a moral ocorre muito analogamente com o Direito. O Direito não é, de modo algum, uma
moral armada, mas acaba por ser, no seu mais profundo ser, uma “secularização” de um mínimo denominador
moral comum. Jamais faria sentido, no nosso estádio civilizacional, um Direito moralista, assim como um
Direito religioso. Seria um regredir com consequências inimagináveis. Lembremo-nos sempre da máxima dos
Romanos: non omne quod licet honestum est. O Direito não é polícia moral. Mas é inconcebível um
Direito imoral, no sentido de contrário não à moral “dominante”, mas à moral natural ou comum, ao “mínimo
ético”, se preferirmos. O domínio penal é então uma sensitiva fulcral desta questão da autonomia e do
não moralismo do Direito, a par da sua necessária eticidade consensual, dentro de um consenso
progressivo. Na verdade, não podemos escamotear, ao nosso nível de abordagem, que quando se fala em
consenso e em normatividade concorde com o consenso, não se está a falar em consenso conciliador com
franjas sociais retrógradas.» (PFC, p. 129)

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«Outros exemplos, muitos deles com similitude jurídica evidente: é preciso destrinçar o carácter objectivo da acção
(a acção em si) e a sua fundamental dimensão subjectiva (determinante), desvalor da acção e desvalor do
resultado, responsabilidade e culpa, culpa dolosa e simples negligência, etc. Aqui muito tem o moralista a ganhar com
o estudo do Direito, e muito em especial com o estudo dessa filigrana mental, esse bordado conceitual de crime e
castigo que é o Direito Penal. E vice-versa. Mas não é só a satisfação dada pela argúcia forma e intrínseca, mas
também a problemática substancial, intrínseca, que é, obviamente ético-jurídica e criminológica.», (PFC, p. 134). Ver,
Cunha, Paulo Ferreira da. LIBERDADE, ÉTICA E DIREITO. Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, pp. 111-138.

✓ O dever moral não é, portanto, “uma mera obrigação social, fundamentalmente consiste numa tomada de
consciência pela qual a vontade individual se determina a actuar de acordo com um fim valioso relativamente ao
qual o sujeito assume um compromisso ético que explicita uma consciência da responsabilidade.”, (ARAÙJO, Luís,
Ética – uma introdução, p. 22)

✓ A culpabilidade nasce com a renúncia a esta exigência (princípio da responsabilidade com núcleo da Ética) “e
provoca nos outros um sofrimento cuja responsabilidade cabe ao sujeito da acção, avaliando-se a dimensão
objetiva da sua culpa”. (Idem, p.27)

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Ética e Direito

Paulo Ferreira da Cunha (justiça-virtude) sublinha que:

✓O Direito deriva da Justiça (na acessão de Ulpiano); E tanto é (ou deve ser) o Direito Positivo
e especificamente o Direito Legislado um ancilar e um consequente da Justiça.

Qual a importância da ética no Direito?

✓Constatamos que a Ética vem do grego “ethos” e significa caráter e conduta. Está relacionada
à consciência individual. A Ética busca, assim, distinguir o bem do mal, de forma a orientar
ações humanas sempre para o lado positivo, sendo que todas as atitudes pessoais se
refletirão na coletividade.

✓O termo Direito, do latim derectum, significa o que é certo, o que é reto, o que é direito. No
plano moral, significa o que é decente, o que é honrado, o que é leal, o que é honesto,
sobretudo o que é justo.
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• Na obra "Ética e Direito", principalmente na primeira parte, PERELMAN debruça-se sobre a análise do conceito de
"justiça", enquanto aproximação e relação nesta dimensão problemática, remetendo a análise também para
considerações de ordem moral.

✓ Apresentando uma ideia de racionalidade, pretende, na verdade, a partir de um ponto de vista lógico, examinar os
diferentes sentidos da noção de justiça, para deles extrair um substrato comum – a IGUALDADE - que o conduzirá
ao conceito de justiça formal ou abstrata. Entretanto, para Perelman, "justiça", em sua aceção meramente formal,
é sinônimo de "igualdade".

✓ As seis conceções mais correntes da justiça concreta que se afirmaram na civilização ocidental, desde a
Antiguidade até nossos dias, segundo Perelman, são:

1. A cada qual a mesma coisa: Todos devem ser tratados de igual modo, independentemente de qualquer
particularidade distintiva (única conceção puramente igualitária). “No imaginário popular, o ser perfeitamente
justo é a morte que vem atingir todos os homens, sem levar em consideração nenhum de seus privilégios”. (p. 9);

2. A cada qual segundo seus méritos: Exige um tratamento proporcional à presença e ao grau de determinada
qualidade (mérito) em cada um. “Se, na aplicação da justiça, não nos contentamos em recompensar, mas
queremos também poder punir, há que ampliar a noção de mérito, de modo que abranja também o demérito.”
(p. 22);

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3. A cada qual segundo suas obras: Requer um tratamento proporcional ao resultado das ações. “Emprega-se habitualmente
essa fórmula de justiça quando se trata de retribuir operários ou de classificar candidatos por ocasião de um exame ou de um
concurso”. (p. 23);

4. A cada qual segundo suas necessidades: Tenta diminuir o sofrimento daqueles impossibilitados de satisfazer suas
necessidades essenciais;

5. A cada qual segundo sua posição: “A aplicação dessa fórmula supõe que os seres, com os quais se desejaria ser justo, estão
repartidos habitualmente, mas não necessariamente, em classes hierarquizadas”. (p. 27);

6. A cada qual segundo o que a lei lhe atribui:

✓ “Quando aparecem as antinomias da justiça e quando a aplicação da justiça nos força a transgredir a justiça formal, recorremos à
equidade. [...] Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres que fazem parte de uma mesma
categoria essencial. A equidade tende a diminuir a desigualdade quando o estabelecimento de uma igualdade perfeita, de uma
justiça formal, é tornado impossível pelo fato de se levar em conta, simultaneamente, duas ou várias características essenciais que
vêm entrar em choque em certos casos de aplicação”.

✓ Faz um apelo ao modelo de raciocínio jurídico (sentença ou arresto que motiva uma decisão/juiz), p. 480, à relação entre factos e
prova ao ónus da prova (p. 483); e à logica jurídica enquanto modelos de compreensão do papel da ação na razão (p. 497).

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• Como se observa, o direito se impõe como sendo um conjunto de normas ou leis destinado ao bem comum
dos integrantes da sociedade, compondo o património subjetivo de cada indivíduo e se tornando a essência
da própria justiça. As normas ou leis naturais estão destinadas a manter o controle de todas as atividades
humanas, com seus princípios, suas regras, de modo a que possam assegurar a vida harmônica e o respeito
no contexto social.

• O Direito não teria qualquer serventia se não houvesse a sua materialização prática, sua aplicação objetiva,
que só acontece através da justiça. A busca do justo tornou-se a questão sine qua non da convivência social,
tendo como suporte os princípios resultantes da ciência jurídica.

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Mas, o porquê da obrigação de ser ético no Direito?

✓ A Ética desempenha claramente um papel fundamental no exercício do Direito. Afinal de contas, durante a
sua trajetória, o solicitador/advogado/notariado, etc., vai deparar-se com várias situações que, muito mais
do que a capacidade técnica, exigirão dele uma formação moral capaz de orientá-lo a ser o mais justo
possível. Entre os seus deveres gerais, estão a preservação da honra, nobreza, dignidade da profissão em
sua conduta, velando sempre tanto por sua reputação pessoal quanto profissional.

✓ Há um grande compromisso com a sociedade, prestando serviços de forma isenta.

✓ A Ética é uma das principais armas que há para guiar a carreira profissional e pessoal.

➢ O sucesso de um profissional não pode ser medido apenas pelos casos conquistados ou êxito financeiro,
mas também na sua relação com a MORAL e a CIVILIDADE. Muito mais do que respeitar o Código de Ética
somente pelo medo de ser punido, o profissional deve tomar consciência do seu papel para “ajudar” a
sociedade em que vive.

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Sublinha Paulo Ferreira da Cunha:

«O Direito deve ser reino de liberdade, externalizando, pela positivação, os limites internos da liberdade
comuns ou generalizáveis, que são princípios éticos, ou afins, e a que alguns deram o nome de Direito Natural,
sendo hoje mais comum apreciá-los à luz da Ideia de Direito ou de Justiça. Com efeito, o Direito, na sua
dimensão de scientia iuridica, não foge à regra da evolução das epistemai, que, conforme nos parece decorrer
da teorização de Thomas Kuhn, e, em Direito Penal mais especificamente, de Wilfried Hassemer,
procedem evolutivamente de forma sedimentar, estratificada, e não dialéctica, mudando de paradigma.» (…)
«Seja como for, o Direito, ao conformar-se com essa realidade superior (Justiça, Direito Natural, Natureza
das Coisas, Ideia de Direito, etc.), está a criar regras não de limitação de liberdade, mas condições de exercício
da liberdade. Sucede naturalmente que muitas vezes o direito não é direito justo.)» (Paulo Ferreira da
Cunha, Liberdade, Ética e Direito, pp. 115-116). (disponível em:
http://periodicos.ufc.br/nomos/article/view/11757/9841)

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✓ «A acção considerada imoral provoca no portador de uma moral que assim a considera (que a
cataloga como tal) um choque, uma repugnância.» (…)

✓ Admite o autor a existência de um Pluralismo moral contemporâneo e filosofia moral:

«Daqui já podemos concluir que temos uma perspectiva de morais diversificadas, consoante as
opções de grupos e de pessoas. Não é uma dissolução moral o que visamos: mas uma análise
objectiva da realidade – a moral de A não é a de B, a moral do grupo X difere da do Y. Ora seria
dogmatismo afirmar, em sede filosófica, que apenas é moral a atitude de A e não a de B, 1182008/2de Y
e não a de X. Evidentemente que, para o grupo X é possível o grupo Y represente o cúmulo da
imoralidade, e vice-versa. Ou que A considere B não um perfeito imoral, mas um analfabeto ou cego
moral.»

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✓ «Nesse sentido, toda a imoralidade é uma forma de moralidade, em perspectiva sociológica. No
sentido filosófico, também as várias morais (por vezes chamadas éticas), pretendendo embora chegar
a um olimpo intocável de validade universal, não se convencem ou convertem mutuamente, pelo que,
embora a outro nível, são ainda éticas conflituantes.

✓ (…) O que normalmente consideramos ética ou moral, em termos comuns ou correntes, não passa da
normatividade de costumes e comportamentos nem essencialmente religiosos nem fundamentalmente
jurídicos (de algum modo situando-se no meio, entre eles, com intersecções com ambos) que, ajudada pelas
religiões e pelo Direito, se impõe numa sociedade ou grupo. Com a advento de sociedades pluralistas, em
que o pensamento livre é ao menos possível fora do peso das instituições e da sua manifestação, e
sobretudo com o advento das sociedades multiculturais, produz-se uma ruptura profunda de pertenças
e crenças. Não cremos todos nas mesmas coisas, nem naquelas que reputamos mais essenciais e mais
sagradas. Não temos todos a mesma moral. E cada grupo é, normalmente, portador dogmático da crença do
seu grupo: étnico, religioso, linguístico, cultural, ideológico, etc., ou com misturas entre estes elementos.»

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• Objetivamente, quando se fala em ÉTICA JURÍDICA, entende-se que é um conjunto de regras de conduta
que regulam a profissão jurídica.

• O objetivo é garantir a boa prática da atividade e a preservação da imagem dos profissionais jurídicos.

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Ética nas relações institucionais e empresariais:

• O conceito de ética empresarial refere-se, entre outros elementos, às diretrizes que uma empresa adota ao
interagir com clientes, funcionários e demais organizações. É um esforço consciente para tratar todas as
pessoas (físicas e jurídicas) com respeito e estabelecer um ambiente de trabalho positivo.

• A ética organizacional é uma forma de ética aplicada.

✓ O seu objetivo é incutir um sentido nos gestores e colaboradores de determinada organização sobre como
devem gerir e realizar o seu trabalho com responsabilidade.

✓ Devido ao facto do termo “ética” não ser utilizado da mesma forma em todos os contextos internacionais,
são várias as empresas que optam por reformular o seu conceito de ética nos negócios denominando-o
como integridade, boas práticas de negócio ou conduta eticamente responsável.

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• Atualmente a ÉTICA EMPRESARIAL evoluiu, baseando-se na definição de regras e princípios genericamente
aceites no mundo dos negócios. As empresas tornaram-se mais conscientes das suas atividades e das suas
responsabilidades, adotando posturas que visam maximizar os lucros sem prejudicar os restantes agentes
económicos e reforçando a ideia de que as empresas possam contribuir positivamente para a sociedade e,
nomeadamente, para todos os seus stakeholders.

• Em suma, a ÉTICA EMPRESARIAL fornece linhas mestras para um comportamento adequado tanto em
termos de formulação estratégica como para as suas operações diárias. Uma abordagem ética é cada vez
mais necessária tanto para o sucesso empresarial como para a imagem positiva de uma empresa.

✓ No seguimento das pressões exercidas pelos consumidores que clamam por práticas de negócio eticamente
responsáveis, são muitas as organizações que estão a optar por fazer um compromisso público através da
formulação de códigos de conduta e práticas responsáveis. E ao se comprometerem são obrigadas a traduzir
em ações os seus conceitos de responsabilização pessoal e empresarial.

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• A ética na vida das empresas tem de ser compreendida, vivida e difundida em dois níveis:

1. Como uma reflexão crítica das estratégias e táticas de uma organização em termos do contexto moral e
do sistema de valores da sociedade que a circunda;

2. Como uma reflexão crítica do comportamento interno e da cultura de uma organização e do


relacionamento entre os valores dos seus colaboradores relativamente ao sistema de valores dessa
mesma organização.

Assim, a ética como elemento crucial para a edificação dos relacionamentos humanos, expressa também o
pensamento subjacente a uma empresa que é representado pelos seus princípios. Ou seja, os princípios éticos
refletem os valores da empresa, determinados a partir do contexto de valores dos seus stakeholders e da
sociedade em que está inserida.

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➢ PRINCÍPIOS ÉTICOS na tomada de decisão:

✓ A ética empresarial pode ser definida como o estudo e avaliação do processo de tomada de decisão de
acordo com conceitos morais e de bom senso.

✓ A ética organizacional tanto pode incluir questões práticas e bem definidas como a obrigação de uma
empresa ser honesta para com os seus clientes como assuntos socialmente mais latos e filosóficos, como a
responsabilidade de preservar o ambiente e proteger os direitos dos seus empregados.

✓ Muitos conflitos éticos derivam dos INTERESSES divergentes dos acionistas das empresas relativamente aos
seus trabalhadores, clientes e comunidade envolvente.

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ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

• A Administração Pública ao zelar pelos interesses de cada cidadão, zela pelos interesses gerais da sociedade
e seus valores e assume um compromisso social que lhe aporta responsabilidades, designadamente de:

✓ carácter organizacional perante o cidadão/contribuinte;

✓ carácter institucional perante o cidadão/eleitor; e

✓ carácter contratual perante o cidadão/societário.

➢ O mais importante é a ética de quem presta o serviço, o respeito por REGRAS e VALORES.

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❖ Carta Ética da Administração Pública: Dez Princípios Éticos da Administração Pública:

1. Princípio do Serviço Público

Os funcionários encontram-se ao serviço exclusivo da comunidade e dos cidadãos, prevalecendo sempre o


interesse público sobre os interesses particulares ou de grupo.

2. Princípio da Integridade

Os funcionários regem-se segundo critérios de honestidade pessoal e de integridade de carácter.

3. Princípio da Justiça e da Imparcialidade

Os funcionários, no exercício da sua atividade, devem tratar de forma justa e imparcial todos os cidadãos,
atuando segundo rigorosos princípios de neutralidade.

4. Princípio da Igualdade

Os funcionários não podem beneficiar ou prejudicar qualquer cidadão em função da sua ascendência, sexo,
raça, língua, convicções políticas, ideológicas ou religiosas, situação económica ou condição social.
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5. Princípio da Proporcionalidade

Os funcionários, no exercício da sua atividade, só podem exigir aos cidadãos o indispensável à realização da atividade administrativa.

6. Princípio da Colaboração e da Boa Fé

Os funcionários, no exercício da sua atividade, devem colaborar com os cidadãos, segundo o princípio da Boa Fé, tendo em vista a
realização do interesse da comunidade e fomentar a sua participação na realização da atividade administrativa.

7. Princípio da Informação e da Qualidade

Os funcionários devem prestar informações e/ou esclarecimentos de forma clara, simples, cortês e rápida.

8. Princípio da Lealdade

Os funcionários, no exercício da sua atividade, devem agir de forma leal, solidária e cooperante.

9. Princípio da Integridade

Os funcionários regem-se segundo critérios de honestidade pessoal e de integridade de carácter.

10. Princípio da Competência e Responsabilidade

Os funcionários agem de forma responsável e competente, dedicada e crítica, empenhando-se na valorização profissional.

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Ética e interesses pessoais: dos conflitos de interesses:

✓ Nem sempre é fácil agir de uma forma eticamente aceitável, já que, por vezes, fazê-lo implica sacrificar os
nossos próprios interesses. Pelo menos à primeira vista, existe um conflito entre a ética e o interesse
pessoal: parece que aquilo que a ética exige que façamos nem sempre está de acordo com aquilo que seria
mais vantajoso para nós próprios.

✓ Sendo assim, coloca-se uma questão fundamental:

“Por que razão nos devemos preocupar e agir de acordo com o que é correto do ponto de vista ético?

Não será mais racional agir apenas em função do interesse pessoal, ignorando a influência da nossa
consciência moral?”

➢ Não está em causa saber exatamente o que podemos ou devemos fazer, o que está em causa é se temos
razões para adotar determinado ponto de vista, o mesmo é dizer se temos razões para nos preocuparmos
com aquilo que é eticamente certo ou errado fazer.

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Ética Profissional: características fundamentais de um grupo profissional

✓ Em todas as profissões existe o cumprimento do DEVER.

✓ Todas as profissões implicam uma ética, uma vez que se relacionam, de uma forma ou outra, com os seres
humanos. No entanto, existem profissões para as quais são mais evidentes as implicações éticas.

✓ A ética de cada profissão depende dos deveres, ou da DEONTOLOGIA que cada profissional aplica aos casos
concretos que se apresentam.

✓ Existem inúmeras características que podem ser atribuídas a diferentes grupos profissionais. Assim,
prestamos aqui referencias às que nos parecem mais adequadas para o nosso estudo:
1. Honestidade
Entre as características e valores que compõe o comportamento ético, ser honesto faz parte delas, mesmo em
situações em que você será prejudicado. Assim, responsabilize-se pelos seus atos, erros, equívocos e omissões.
2. Altruísmo
Deve-se preocupar com os interesses do outro de uma forma espontânea e positivista, ou seja, ser altruísta é
um grande valor que faz parte da conduta ética.

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3. Respeito
O respeito consiste no suporte de qualquer relação saudável entre dois indivíduos, dado que ele se traduz num
sentimento positivo de apreço com relação ao outro. Dentro da ética, ele pode assumir duas variantes: o
respeito ao próximo e o respeito à lei.

4. Valores
Os valores de uma pessoa podem ser definidos como os atos e ações que se fazem na vida quotidiana.
Os verdadeiros valores de uma pessoa podem ser: devoção, respeito, trabalho duro e amor.

Os atos de valores tornam a pessoa mais valiosa; dizem mais sobre o seu comportamento e as suas qualidades
de resposta nas relações laborais.
5. Integridade
A integridade caracteriza-se pela ação em proveito do que é certo, ainda que possam existir coações para que
se faça o contrário ou simplesmente se omita diante de uma causa.

Quando qualquer pessoa mostra integridade num ambiente profissional, isso significa que a pessoa pode ser
confiável – presume-se que é uma pessoa honesta e em quem se pode confiar. Por regra, quem é honesto e
sincero conserva-se e conserva por mais tempo a empresa do que os demais.

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6. Justiça

Tratar as pessoas com igualdade, imparcialidade e equidade.

7. Lealdade

Consiste na fidelidade e no compromisso que se assume, por exemplo entre indivíduos e instituições. Ela é
impreterível às adversidades.

8. Virtude

Define-se esta característica como a “excelência humana” ou aquilo que nos faz plenos e autênticos. Diz
respeito à conformidade com o Bem, com a excelência moral ou de conduta.

9. Fraternidade (Solidariedade)

A fraternidade faz parte dos princípios que quando aplicados às relações sociais orientam a vivência e convívio
em harmonia entre o indivíduo e os demais.

Assim, valores como a compaixão e gentileza são importantes para a ética.

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• No caso particular da solicitadoria, vejamos os 12 mandamentos fundamentais apresentados por Benjamim
Rodrigues (p. 1125):

1. Age de tal modo que a tua conduta possa ser o são reflexo da sã ecologia humana que transpiras
enquanto solicitador, quer na vida particular, quer na vida pública, e honra a toga que vestes;

2. Age de tal modo, que as tuas palavras cortem, nos litígios da vida, as soluções mais justas e acertadas no
mais férreo respeito pela protecção mais elevada dos direitos fundamentais dos cidadãos e sem
desnecessárias discriminações dos teus próximos (est)ético-existenciais;

3. Age apenas iluminado pelos critérios da lei e da justiça mas sempre próximo das condutas respeitadoras
da digna natureza humana;

4. Abomina a ignorância, a solércia, a mediocridade e estuda incessantemente e com a paixão de quem, em


cada nova descoberta, encontra uma porta aberta para a sua afirmação profissional humana e mais
respeitadora dos direitos fundamentais dos cidadãos;

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5. Evita litígios desnecessários e encontra em cada litígio a necessidade de encontrar as soluções
humanamente equilibradas, mesmo com prejuízo económico-financeiro para o teu desempenho e
remuneração profissional;

6. Opta pela humildade e abomina a publicidade na certeza de que a profissão de solicitador tem as
escondidas recompensas dos sorrisos e encantos dos que te procuram e encontram em ti o calor
humano, a compreensão e a eficiência e auxílio que não encontram noutros profissionais;

7. Ser solicitador é ter o amor e o orgulho de contribuir, diariamente, para a proteção mais
elevada dos direitos fundamentais dos cidadãos;

8. Não peças aos outros aquilo que não achas que mereces e mesmo que o mereças não peças
tudo o que mereces, pede humildemente os proventos estritamente necessários a que possas
evitar que os que te procurem não te procurem mais;

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9. Não deixes que a tua pena tenha grilhões, não deixes que a tua voz seja abafada pela iniquidade e levanta-
a em defesa dos oprimidos, dos que só têm existência condigna, daqueles a quem a tua voz dará
(irremediavelmente) voz;

10. Age, todos os dias, como se fosse o último dia da tua vida, com a esperança de sozinho poderes mudar o
mundo de todos aqueles que giram à tua volta, espalhando amor ao saber e ao apego às virtudes humanas
típicas de um bom solicitador;

11. Vê em cada magistrado, advogado, agente de execução e solicitador não um opositor mas um expoente do
amor ao saber e cultiva, no relacionamento com eles, o mais férreo respeito pelas elementares regras de
educação e “ecologia humana”;

12. Solicitador, age com os teus clientes e colegas no mais pleno cultivo de uma relação de cuidado e amor,
ama o teu opositor, sê solicitador!

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