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SOCIEDADE,

CULTURA E
CIDADANIA

Pablo Rodrigo Bes


Cidadania e
problemas sociais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer o conceito de cidadania para além de deveres, obrigações


e direitos.
 Analisar o contexto por trás da violência.
 Identificar as diversas formas de violência e exclusão existentes no
Brasil.

Introdução
O Brasil é um país que enfrenta grandes desafios sociais relacionados ao
aumento da pobreza e das desigualdades sociais, bem como da crimi-
nalidade e da violência. O tráfico de drogas é o grande responsável pela
superlotação dos estabelecimentos prisionais e parece adquirir cada vez
mais força, sobretudo por recrutar crianças e jovens da periferia para
executarem tarefas em troca de dinheiro rápido e “fácil”. Embora a maioria
dos brasileiros conheça o conceito de cidadania e saiba que têm direitos
e deveres, a preocupação com o social e as possibilidades de intervenção
ainda são muito pequenas e, em alguns casos, incipientes.
Neste capítulo, você vai estudar as múltiplas dimensões do conceito
de cidadania que poderiam ser aplicadas no Brasil. Também vai conhe-
cer as principais causas da violência no País, identificando suas diversas
formas, que afligem e excluem muitos indivíduos.
2 Cidadania e problemas sociais

Múltiplas dimensões da cidadania


O conceito de cidadania no Brasil ganhou impulso a partir das discussões
que ocorreram no final do Regime Militar. Nesse período, buscava-se a re-
democratização do País, o que se consolidou com a escrita da Constituição
Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã. Como você pode imaginar,
o conceito de cidadania é complexo. Ele é definido historicamente a partir dos
processos e interações que ocorrem em sociedade.
O primeiro autor que definiu as múltiplas dimensões do conceito de cida-
dania foi Marshall (1967), sociólogo britânico que dividiu o conceito em três
direitos: civis, políticos e sociais. Analisando como esses direitos surgiram na
Inglaterra, o autor destacou que seguiram esta sequência: começaram com os
direitos civis, associados à liberdade individual dos homens, seguidos pelos
direitos políticos e pela necessidade de os sujeitos participarem das decisões
de ordem do governo da nação e, posteriormente, pelos direitos sociais, entre
eles o emprego e a educação popular como prioridade.
Já no Brasil, o processo histórico não seguiu a mesma sequência. De acordo
com Carvalho (2008, p. 11), o País apresentou duas principais diferenças:

A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação


aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que os direitos
foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros. Como havia lógica na
sequência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania.
Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de um cidadão
brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa.

É importante você notar que o conceito de cidadania está sempre atrelado


ao conceito de Estado-nação. Dessa forma, cabe ao Estado prover aos cidadãos
tais direitos a partir dos órgãos e instituições nacionais, entre elas a própria
escola. Com a crise atual do Estado-nação, há desconfiança em relação à sua
capacidade de prover esses direitos. Além disso, ocorre a hegemonia mundial
do neoliberalismo. Nesse contexto, a cidadania vai ampliar a sua dimensão
novamente, uma vez que a própria sociedade é convocada a participar da
resolução de conflitos e problemas sociais existentes.
Para analisar as relações do Estado com as dimensões da cidadania, acom-
panhe o Quadro 1 a seguir.
Cidadania e problemas sociais 3

Quadro 1. Dimensões clássicas da cidadania

Dimensões Características Ponto principal

Direitos civis São os direitos fundamentais à vida, à Liberdade


liberdade, à propriedade e à igualdade individual
perante a lei. Incluem o direito de ir
e vir, escolher o trabalho, manifestar
o pensamento, organizar-se, ter
respeitada a inviolabilidade do lar e
da correspondência, não ser preso a
não ser por autoridade competente
e de acordo com a lei e não ser
condenado sem processo regular.

Direitos Dizem respeito à participação do Direito ao voto


políticos cidadão no governo da sociedade.
Normalmente, limitam-se a uma
parcela da população e relacionam-se
com a capacidade de fazer
demonstrações políticas, de organizar
partidos, de votar e ser votado.

Direitos sociais Enfatizam a participação de todos Justiça social


na riqueza coletiva. Incluem o direito
à educação, ao trabalho, ao salário
justo, à saúde, à aposentadoria.
Dependem do Poder Executivo e, em
sociedades politicamente organizadas,
permitem a redução das desigualdades
produzidas pelo capitalismo e um
mínimo de bem-estar a todos.

Fonte: Adaptado em Carvalho (2008).

Embora o Quadro 1 aborde o conceito clássico de cidadania, é importante


você observar que, no conceito de sociedade democrática contemporâneo, possuir
direitos significa também ter deveres e obrigações em relação à coletividade, o
que faz com que os direitos sejam garantidos. Porém, o conceito de cidadania na
atualidade vai muito além disso, principalmente devido às novas configurações
sociais que surgiram ao redor do mundo nas últimas décadas. No mundo pós-
-globalização, ocorre a ascensão do capitalismo, de modo que a participação
do Estado diminui enquanto o mercado e o consumo (e a dívida) passam a
ditar as regras e impor novos modos de vida. Dessa forma, como nem todos,
4 Cidadania e problemas sociais

ainda que cumpram suas obrigações, têm os mesmos direitos como cidadãos,
são necessários novos movimentos em torno de reivindicações por um Brasil
melhor. É aí que entra, por exemplo, o conceito de cidadania multicultural.
De acordo com Oliveira (2018, documento on-line), “[...] a cidadania multi-
cultural assinala uma preocupação geral com a reconciliação do universalismo
de direitos e da associação de membros em Estados-nações liberais com o
desafio da diversidade étnica e demais aspirações de identidade atribuídas [...]”.
Nesse sentido, é preciso considerar que os grupos étnicos diversos possuem
suas histórias, que podem apresentar favorecimentos e prejuízos a alguns
deles, o que implica o cidadão ali presente. Ser cidadão afrodescendente, por
exemplo, é diferente de ser cidadão “branco”. Afinal, existe todo um processo
histórico e social que precisa ser resgatado, positivado e corrigido no caso
dos afrodescendentes, inclusive no ambiente escolar. É o mesmo processo
que ocorre quando os mais diversos movimentos sociais buscam seus direitos
específicos relacionados às suas identidades culturais. Nesse caso, eles estão
exercendo a sua cidadania multicultural (Figura 1).

Figura 1. A cidadania multicultural entende que todos os grupos étnico-


-culturais são igualmente importantes na constituição de uma nação.
Fonte: Annasunny24/Shutterstock.com.
Cidadania e problemas sociais 5

Taylor (2004, p. 5), ao estudar o conceito de cidadania e as suas reconfi-


gurações, reforça a ideia de que ela não deve estar restrita ao Estado:

O que nós propomos é que não se insista mais sobre uma cidadania abordada
através da educação cívica ou da instrução cívica, mas que se reinvente, como
condição prévia à realização de uma cidadania multicultural, uma educação
popular (por outras palavras, uma educação autenticamente do povo, pelo
povo e para o povo) visando a co-habitação cultural.

Outro aspecto interessante do conceito de cidadania é que hoje é possível,


a partir da revolução das comunicações e informações digitais, via internet,
a cidadania cosmopolita. Tal cidadania busca a construção de um sentido
comum em relação aos cidadãos globais. Esse conceito desloca os problemas
sociais locais, de uma nação específica, para reconhecer que eles ocorrem
em todas as nações, buscando alternativas para minimizar tais problemas de
forma global.
Oliveira (2018, documento on-line) comenta que a cidadania cosmopolita
defende “[...] o forte senso do coletivo e responsabilidade individual para com
o mundo como um papel de suporte para desenvolver as efetivas instituições
globais a fim de aliviar a pobreza e a desigualdade, a degradação do meio
ambiente e a violação aos direitos humanos [...]”. Existem inúmeras iniciativas
de organizações e voluntários baseadas nesse conceito de cidadania cosmopo-
lita. Tais iniciativas procuram assumir ações que anteriormente eram vistas
como obrigações estatais. Morin (2000), ao formular os saberes necessários
à educação do futuro, enfatiza um conceito que se assemelha ao de cidadania
cosmopolita. Veja:

A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O


planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões múltiplas. Dada a
importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e
em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma
planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do futuro de
cidadania planetária (MORIN, 2000, p. 104).

Dessa forma, o conceito de cidadania se refere à capacidade pessoal e


coletiva de comunicação, interação e análise das racionalidades e mentalidades
existentes e atuantes que envolvem a formação dos sujeitos sociais contempo-
râneos. Como você pode imaginar, a educação é uma ferramenta primordial
para o desenvolvimento dessa capacidade. Ser um cidadão contemporâneo
significa ser ativo, participante, envolvido com as tramas sociais cotidianas.
6 Cidadania e problemas sociais

Significa buscar uma sociedade melhor, não se aquietar diante de injustiças


sociais, da violência, da criminalidade, do desemprego e de outras mazelas
sociais que existem no Brasil (e no mundo) atual.

Uma das formas de cidadania que têm relação direta com a educação popular defendida
por pesquisadores da área é a cidadania cognitiva. Ela se traduz na capacidade de análise
da realidade, de interpretação dos fatos sociais vivenciados e de busca por uma mudança
possível da realidade. Para isso, é necessário que os conteúdos escolares (currículo) com-
preendam essa possibilidade e não sigam uma tendência tradicional elitista e etnocêntrica.

A violência no Brasil: contexto e causas


principais
O Brasil é um país que enfrenta grandes problemas em relação à violência.
Ela se manifesta diariamente, seja por aspectos relacionados à criminalidade,
seja por questões étnico-culturais relacionadas aos grupos minoritários que
coexistem na sociedade. Um país que possui uma grande desigualdade social
e uma distribuição de renda muito desigual que se perpetua historicamente
acaba por fornecer as condições para que atos violentos ocorram diariamente,
especialmente frente à ineficiência de um Estado fraco e corrupto.
Esse quadro de violência que assola o Brasil fica melhor exemplificado
a partir dos dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Veja:

Em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios, segundo


informações do Ministério da Saúde (MS). Isso equivale a uma taxa de 30,3
mortes para cada 100 mil habitantes, que corresponde a 30 vezes a taxa da
Europa. Apenas nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam suas vidas
devido à violência intencional no Brasil (INSTITUTO DE PESQUISA ECO-
NÔMICA APLICADA, 2018, documento on-line).

Para conhecer um pouco melhor a violência epidêmica que existe na rea-


lidade brasileira, você deve analisar os fatores que costumam causá-la, como
os socioculturais, institucionais, culturais e o tráfico de drogas. Os fatores
socioeconômicos brasileiros mais graves que se relacionam com a violência
Cidadania e problemas sociais 7

são a pobreza e a fome. Em alguns casos, crimes são cometidos em virtude


da precariedade e da necessidade de grupos sociais periféricos e excluídos
das possibilidades de emprego e trabalho.
Ao analisar essas questões socioeconômicas, Chesnais (1999, p. 55) destaca
que “[...] o desemprego ou a ausência de renda levam à tentação da ilegalidade,
visto ser fácil, por vezes, conseguir ganhos astronômicos à margem da lei
[...]”. A desigualdade econômica percebida na falta de empregos formais, com
carteira assinada, ou mesmo de trabalhos a serem executados pelos mais pobres,
contribui para que grupos do crime organizado recrutem seus membros com
facilidade no interior das favelas e demais guetos da periferia.
Para verificar essa relação entre a pobreza e a violência, basta você observar
que, segundo o Atlas da Violência 2018, os estados do Norte e do Nordeste
tiveram uma taxa de crescimento da violência superior a 80% no período
analisado (2006–2016) em relação a todos os demais estados de outras regi-
ões, que cresceram em margens bem menores. É sabido que muitos estados
das regiões Norte e Nordeste apresentam um quadro histórico de pobreza e
desigualdade social, o que amplia as ações criminosas e a violência de toda
ordem (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2018).
As questões institucionais dizem respeito aos aspectos relacionados ao
governo e seus órgãos, que atendem (ou deveriam atender) à população e
fornecem a segurança necessária. As instituições que atuam diretamente no
combate à violência são a polícia, a Justiça e o sistema penitenciário. Todas
apresentam sérios problemas bem específicos.
As polícias existentes se dividem entre civis, militares (estaduais) e federal.
As polícias civis e militares em grande parte do País enfrentam má fama e
descrédito, o que se relaciona aos baixos salários praticados e ao seu envol-
vimento com a corrupção e com o tráfico de drogas em algumas localidades.
A Justiça, por sua vez, se encontra em alguns casos engessada em códigos
penais antigos e que eventualmente favorecem que criminosos fiquem fora
do sistema carcerário. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança
Pública contidos no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(INFOPEN) de 2017, a população prisional brasileira em junho de 2016 era
de 726.712 presos para 368.049 vagas existentes. Portanto, havia uma taxa de
ocupação de 197,4%, ou seja, a superlotação é algo sério e constante nessas
instituições (BRASIL, 2017).
A taxa de aprisionamento é da ordem de 352,6, ou seja, a cada 100 mil
habitantes do País, 352 estão encarcerados, o que é alarmante. Segundo o
INFOPEN (BRASIL, 2017, p. 9), “[...] em junho de 2016, a população prisio-
nal brasileira ultrapassou, pela primeira vez na história, a marca de 700 mil
8 Cidadania e problemas sociais

pessoas privadas de liberdade, o que representa um aumento da ordem de


707% em relação ao total registrado no início da década de 90 [...]”. Do total
de pessoas privadas de liberdade no Brasil, 40% são presos provisórios que
ainda não foram julgados nem condenados. Embora exista um grande esforço
da Justiça e da polícia para combater o crime, a estrutura do sistema carcerário
é precária e apresenta grandes deficiências no que diz respeito à reabilitação
e à reinserção social dessas pessoas privadas de liberdade.
De acordo com Bes Oliveira (2016, p. 584):

[...] é evidente a urgência e a importância que se repensem e se reestruturem as


formas como a reinserção social tem sido proposta no Brasil. Os projetos sociais
existentes nas instituições carcerárias são importantíssimos, porém não são efica-
zes neste aspecto, pois têm seu término dentro do período do encarceramento [...].

Assim, é comum o insucesso das instituições nacionais que deveriam coibir a


insegurança, combater a criminalidade e reinserir (a partir de processos educacio-
nais apropriados) as pessoas que cometem crimes. Nesse contexto, duas frentes se
favorecem: por um lado, há a formação das milícias nas favelas da periferia; por
outro, “[...] esse fracasso dos dispositivos de segurança pública gera o sucesso das
polícias paralelas, mais eficazes, melhor remuneradas porém muito mais onerosas
e, por isso, reservadas à classe alta [...]” (CHESNAIS, 1999, p. 57).
Os aspectos culturais que desencadeiam as mais diversas formas de vio-
lência no Brasil se associam com os grupos minoritários que se desviam
da norma social padronizada desde a Modernidade. Tal norma estabeleceu
como características étnico-culturais privilegiadas aquelas dos indivíduos
homens, brancos, heterossexuais, cristãos e de classe social elevada. Aqueles
que apresentam quaisquer traços identitários que se desviem dessa norma
estão sujeitos ao que Appadurai (2009) denominou “identidades predatórias”.
Assim, são vítimas dos mais diversos tipos de violência. Segundo o autor, são

[...] “predatórias” aquelas identidades cuja mobilização e construção social re-


querem a extinção de outras categorias sociais próximas, definidas como ame-
aças à própria existência de algum grupo, definido como “nós”. As identidades
predatórias emergem, periodicamente, de pares de identidades, algumas vezes
de conjuntos maiores do que dois, que têm longas histórias de contato próximo,
mistura e algum grau de mútuos estereótipos. A violência ocasional pode ou não
ser parte dessas histórias, mas algum grau de identificação contrastante sempre
está envolvido. Um dos membros do par ou do conjunto frequentemente torna-se
predatório ao mobilizar um entendimento de si mesmo como uma maioria amea-
çada. Esse tipo de mobilização é o passo-chave para transformar uma identidade
social benigna numa identidade predatória (APPADURAI, 2009, p. 46).
Cidadania e problemas sociais 9

É comum que essa violência esteja presente nos crimes de racismo, femi-
nicídio e homofobia cometidos atualmente na sociedade brasileira. É como se
os grupos que não se identificam com essas formações identitárias agissem
de forma violenta para manifestar seu repúdio e, em alguns casos, até mesmo
exterminar os indivíduos que são alvo de preconceito. Os fatores culturais no
Brasil que levam à violência e a práticas racistas também devem ser consi-
derados. Afinal, eles continuam a existir, revelando a profunda desigualdade
social que se estabelece de forma étnico-racial sobre a nação.
Há ainda o aumento crescente e constante da criminalidade no País, com a
ascensão do crime organizado em torno do narcotráfico, que envolve todos os
cidadãos, mas principalmente a juventude da periferia. Ao analisar a situação
do narcotráfico nacional e internacional, Junqueira e Rodrigues (2018, p. 48)
constatam que:

[...] a América do Sul é um continente que ainda enfrenta diversos problemas


de ordem social e econômica, como, por exemplo, a falta de trabalho e oportu-
nidades, as desigualdades sociais, entre outros. Essas características acabam
gerando consequências à sociedade, tais como proporcionar o surgimento de
problemas ligados à criminalidade, como o tráfico de pessoas, armas e drogas.

Para manter as estruturas do crime organizado que dão condições de funcio-


namento ao tráfico de drogas no Brasil, inúmeras ações violentas e homicídios
são praticados. Tais ações ocorrem principalmente para a manutenção dos
territórios das facções que comandam a venda e a distribuição dos narcóticos.

Um dos grandes indícios de que a desigualdade social é um problema sério e que


merece atenção é o fato de o crime organizado de tráfico de drogas aliciar crianças
e adolescentes para que executem tarefas criminosas e, dessa forma, obtenham os
recursos financeiros que tanto almejam. Na atualidade, 55% das pessoas privadas
de liberdade em estabelecimentos prisionais são jovens adultos que têm entre 18
e 29 anos de idade. Para agravar ainda mais a situação, 62% das mulheres presas e
26% dos homens estão encarcerados pelo crime de tráfico de drogas (BRASIL, 2017,
documento on-line).
10 Cidadania e problemas sociais

Principais formas de violência e exclusão no Brasil


Como você já sabe, o Brasil apresenta grandes desigualdades sociais. Assim,
muitas pessoas são excluídas das possibilidades de concorrer e competir por
melhores condições de trabalho e emprego. A exclusão social se manifesta
de forma cruel. Muitas vezes, ela faz com que o processo de formação das
identidades de crianças e jovens se constitua a partir de exemplos negativos,
desonestos e associados ao crime. Isso ocorre porque o crime aparece como
alternativa para que se viva em igualdade de condições de consumo e com a
garantia da satisfação das necessidades básicas de sobrevivência.
Dessa forma, “[...] a exclusão social tem sido uma categoria importante e
presente nas análises que buscam relacionar violência e direitos civis. Enfatiza-
-se o fato de que os excluídos dos direitos tornam-se alvos, ou atores, mais
imediatos da violência [...]” (PORTO, 2000, p. 187). Ao mesmo tempo em que
ocorre a organização de grupos étnico-culturais minoritários em busca de
seus direitos de cidadãos, há, por outro lado, uma reação conservadora contra
essas identidades culturais, que, por vezes, se manifesta de forma violenta.
Para resolver ou amenizar tais problemas, são necessários “[...] espaços de
manifestação das diferenças e do conflito, enquanto mecanismos de ‘prevenção’
contra a violência [...]” (PORTO, 2000, p. 199). As iniciativas de educação
multicultural e de relações étnico-raciais, que buscam trabalhar a diversidade
e a interculturalidade, têm grande importância para essa prevenção.
A seguir, você pode ver alguns dos principais tipos de violência que aco-
metem a sociedade brasileira na atualidade:

 violência de gênero;
 violência sexual;
 etnocídio.

A violência de gênero é a violência relacionada com os diferentes papéis


atribuídos ao homem e à mulher. Como você sabe, historicamente, o homem
adquiriu maior poder e prestígio do que a mulher. É justamente contra esse
posicionamento superior masculino, que relega a mulher ao segundo plano, que
o movimento feminista têm se articulado. No Brasil, embora exista uma rede
que procura coibir os casos de violência contra a mulher, os casos de femini-
cídio têm aumentado. Segundo a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/2006),
em seu art. 7º, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher
a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência pa-
trimonial e a violência moral.
Cidadania e problemas sociais 11

Dessa forma, a mulher se encontra sujeita a vários tipos de violências. A


violência física atenta contra a integridade de seu corpo. A violência psicológica
lhe causa danos emocionais e diminuição da autoestima. É o caso de ameaças,
humilhações e constrangimentos cotidianos, insultos e cerceamento de ações.
Já a violência sexual se manifesta quando a mulher é forçada a manter relações
sexuais não desejadas, envolvendo também o aborto e a prostituição mediante
coação. Por sua vez, a violência patrimonial refere-se à retenção ou à subtração
de bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Por fim, a violência moral
envolve condutas que caracterizam injúria e calúnia.
Segundo os dados estatísticos do Ligue 180 — Central de Atendimento à
Mulher, iniciativa do Governo Federal, no primeiro semestre de 2018, foram
recebidas as denúncias apresentadas no Quadro 2 (BRASIL, 2018).

Quadro 2. Denúncias do Ligue 180 — Central de Atendimento à Mulher

Tipo de violência Número de casos %

Violência física 16.615 43,31

Violência psicológica 12.745 33,22

Violência sexual 2.445 6,37

Violência patrimonial 647 1,69

Violência moral 1.271 3,31

Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

Nem todos os casos de violência são denunciados e ainda existem outras


formas de violência contra a mulher além das analisadas. Portanto, você pode
perceber o quanto a situação é séria. O número de feminicídios para esse
mesmo período foi de 14 casos denunciados, sendo que houve 3.018 tentativas
de morte que não se consumaram, o que é alarmante.
Os casos de violência sexual não se referem somente às mulheres. Todos
aqueles que se desviam do padrão heterossexual, como lésbicas, gays, bissexu-
ais, transexuais e travestis (LGBTT), sofrem com a violência conhecida como
homofóbica. Essa violência se caracteriza por ações que manifestam rejeição
irracional ou ódio em relação aos homossexuais. Tais ações ocorrem de forma
arbitrária e procuram desqualificar o outro enquadrando-o como inferior ou
anormal. Um levantamento realizado pelo órgão não governamental Grupo
12 Cidadania e problemas sociais

Gay da Bahia a partir de dados de grupos LGBTT dos demais estados brasi-
leiros registrou 126 mortes somente no primeiro trimestre de 2018 (Figura 2).

Figura 2. Mortes homofóbicas por estado em 2018.


Fonte: Querino (2018, documento on-line).

Ao referir-se às formas de exclusão social vivenciadas pelos sujeitos da


comunidade LGBTT, Peres (2004, p. 25) destaca que:

[...] as exclusões e as formas de opressão experimentadas pela população


homossexual, e em especial as travestis, desfavorecem qualquer possibilidade
de oportunidades à população gay, dentro da configuração social em que
vivemos, colocando essa população exposta a uma maior vulnerabilidade e
riscos diante do HIV e da AIDS, tanto no plano individual [...] como no plano
social, que estigmatiza, discrimina e violenta os direitos humanos, assim como
o direito fundamental à singularidade, condição básica para que a pessoa
possa sentir um mínimo de dignidade enquanto ser humano.
Cidadania e problemas sociais 13

A violência étnica também se faz presente no Brasil. Ela normalmente é


praticada contra as etnias que passaram por um processo histórico de assime-
tria de poder desde a época da colonização brasileira, como é o caso da etnia
afrodescendente (negra) e da indígena. Ambas sofrem com o preconceito, o
racismo e a discriminação. As populações indígenas são as que têm sofrido
com os crimes de etnocídio no Brasil contemporâneo.
Um dos problemas enfrentados pela população indígena são os conflitos
com grandes latifundiários pela posse das terras que seriam de direito originário
das etnias indígenas segundo a Constituição. Para as etnias indígenas, a terra
não representa propriedade como para a cultura capitalista. Em vez disso, a
terra tem conotação espiritual e sagrada para que os homens desenvolvam
todo o seu potencial. Segundo os dados do relatório Violência contra os Povos
Indígenas no Brasil: dados de 2017, elaborado pelo Conselho Indigenista Mis-
sionário (CIMI, 2017), houve 110 casos de assassinato e mais 27 tentativas de
homicídio no período analisado, além de demais ameaças e lesões corporais.
Como você pode perceber a partir dessa cartografia de algumas das princi-
pais formas de violência que ocorrem no Brasil e que estão relacionadas com a
exclusão social, o País ainda tem muito a evoluir como nação. A ideia é buscar
melhorias estruturais que forneçam condições similares de cidadania a todos
os grupos étnico-culturais que compõem a nação. Para reverter esse quadro,
é necessária tanto a participação mais consistente e planejada do Estado e de
suas instituições quanto o empenho da sociedade civil organizada, em busca
de uma convivência intercultural equitativa e com justiça social.

Na contemporaneidade, o conceito de violência assume um espectro muito maior, o


que é positivo para a sociedade. Afinal, ações que antes eram de âmbito privado e que
levavam muitas pessoas a sofrerem e suportarem em silêncio hoje são reconhecidas
como formas de violência e podem ser combatidas.
No caso das mulheres, em gerações anteriores, muitas vezes a esposa suportava seu
casamento, tolerando humilhações, insultos e ameaças de seu cônjuge sem reconhecer
nessas práticas uma conduta machista e violenta. Hoje, na maioria dos casos, já não
é mais assim. As mulheres conquistaram seu papel de igualdade na sociedade e já
não se submetem mais a tais maus tratos, preocupando-se com sua felicidade, que se
materializa num relacionamento sadio e sem agressões físicas ou verbais.
14 Cidadania e problemas sociais

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