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UNIDADE V – CAMBRIDGE: DO IDEALISMO BRITÂNICO À FILOSOFIA ANALÍTICA

O Idealismo Britânico foi um movimento filosófico que floresceu entre 1870 e 1930, impondo-se ao final do

séc. XIX, como a principal influência filosófica na Grã-Bretanha: em 1860, poucos eram os idealistas; em

1900, a maioria dos filósofos britânicos denominava-se “idealista”; em 1930, eram poucos novamente.

Trata-se de um movimento que , por seus conceitos, métodos, problemas e história , opõe-se tanto `a filosofia

empirista clássica, quanto à filosofia analítica contemporânea, , o que explicaria o relativo desinteresse e

desconhecimento historiográficos sobre esse período na história da filosofia. Diferentemente da filosofia

analítica, nas primeiras décadas do séc. XX, que se volta para a linguagem, o idealismo britânico se enraíza

na metafísica da subjetividade , talvez sua característica mais essencial.

T. H. GREEN [1836-82]

Em 1883, foi publicado Essays in Philosophical Criticism, uma espécie de manifesto do movimento Idealista,

dedicado a T. H. Green e à sua metafísica neokantiana , sendo considerado , pela maior parte dos filósofos

desse movimento, como “pai fundador do Idealismo Britânico”. Thomas Hill Green desempenhou um papel

chave na transformação da filosofia anglo-americana no final do sec. XIX e início do séc. XX, impulsionando

o estudo de Kant e Hegel na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e sua própria filosofia exerceu uma influência

significativa sobre filósofos influentes, entre outros, Bradley, na Inglaterra, e Dewey, nos Estados Unidos.

Green estudou e ensinou no Balliol College, Oxford, de 1855 a 1882, morrendo aos 45, no máximo de seu

poder e influência. Seu trabalho mais importante , Prolegômenos à Ética, composto por 4 livros, estava quase

completo e foi publicado postumamente, em 1883.

CRÍTICA AO EMPIRISMO INGLÊS

Nesse curto, mas intenso período de atividade intelectual, Green elaborou uma reflexão crítica ao empirismo

de Hume e Locke, no horizonte de uma filosofia “kantiana” no espírito: na Introdução, que escreve para a

edição do Tratado da Natureza Humana de Hume , Green argumenta que o eu não pode ser feixe de sensações,

como em Hume, ou uma tabula rasa , como em Locke; afastando-se dessa visão empirista clássica, e

aproximando-se de Kant, o filósofo inglês sustenta que as experiências coerentes dos seres humanos somente

são possíveis, se o sujeito empregar um sistema consistente de categorias a priori e de relações para organizar

suas sensações.

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PRINCÍPIO ESPIRITUAL

A esse fundamento conceitual ele denominou “princípio espiritual” ou “consciência eterna”, ecoando o Eu

transcendental de Kant, e talvez, o Absoluto de Hegel. De acordo com Green, o conhecimento ,mesmo

baseado nas experiências mais simples, envolvia uma consciência ativa que relacionava e organizava as

diversas experiências no mundo. A posição empirista , defendida por Locke, de que o conhecimento perceptivo

funda-se impressão passiva de ideias da sensação sobre a mente , era, na concepção de Green , insustentável.

CRITICISMO E IDEALISMO

O criticismo de Green articula-se com o idealismo na medida que , para ele, nada pode ser pensado ou

significado ou experienciado sem estar, de alguma forma, relacionado a outras coisas; ora, relacionar é

essencialmente uma atividade da mente [mind] ou do espírito [spirit], de modo que todo objeto de um estado

mental é dependente de uma atividade “espiritual”. Por outras palavras, o conceito de relação não pode ser

oriundo apenas da experiência , mas funda-se na mente, na subjetividade e no espírito.

REJEIÇÃO DA COISA EM SI

Kant recorreu à noção de coisa em si [Ding-an-sich] como fonte independente do que é dado na sensação; essa

possibilidade do reino incognoscível do númeno é rejeitada , para com isso afirmar que a toda a realidade é

dependente da atividade do “princípio espiritual na natureza”, uma conclusão que é claramente idealista.

F. H. BRADLEY[1846-1924]

A metafísica neokantiana de Green prepara o cenário para a metafísica holística do Absoluto, de inspiração

hegeliana, de Francis Herbert Bradley [1846-1924], que , como veremos, vai influenciar fortemente os jovens

Russell e Moore; Bradley ingressou em Oxford em 1865, obtendo, após concluir a graduação, uma Fellowship

no Merton College, Oxford , em 1870, ali permanecendo pelo resto de sua vida.

ESTUDOS ÉTICOS [1876]

Inicialmente, Bradley dedica-se `a ética, publicando em 1876, “Ethical Studies”, considerado seu trabalho

“mais hegeliano”, não tanto em razão do conteúdo , e sim, sobretudo, pela presença do método dialético, a

saber, mostrar que a unilateralidade das várias teorias éticas rivais tem de ser superada em uma síntese mais

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elevada. A recepção do livro não foi favorável e recebeu uma severa resenha critica, escrita por Sidgwick, na

revista Mind, sendo considerado “superficial e às vezes ininteligível”.

THE PRINCIPLES OF LOGIC

Em 1883, publica The Principles of Logic, dirigindo sua crítica contra o psicologismo da tradição empirista:

“Na Inglaterra, diz ele, em todos os eventos, temos permanecido demasiadamente na atitude psicológica. e

nos esquecemos o modo pelo qual a lógica usa as ideias”. O livro , todavia, foi largamente ignorado nas

décadas posteriores, em razão de sua oposição à formalização do raciocínio , e uma maior afinidade com a

velha lógica hegeliana, do que com a lógica simbólica moderna, numa complexa relação entre lógica e

metafísica, o que determinou as críticas de Russell, seu antigo admirador no período de juventude em

Cambridge.

“APPEARANCE AND REALITY”[1893]

Em 1893, Bradley publica seu livro mais influente, “Appearance and Reality” [Aparência e Realidade], no

qual apresenta a metafísica como a busca da verdade, em que o intelecto pode encontrar descanso e

contentamento que ele naturalmente anseia.

A verdade tem seu ponto de partida na experiência, compreendida como tudo aquilo de que o indivíduo é

consciente , como sensações, sentimentos, volições, emoções , desejos e pensamentos. Essa experiência básica

e fundamental constitui um todo imediato que “contém diversidade” , mas não é dividida por relações nem

juízos nem abstrações , constituindo-se como um estado anterior a toda divisão: eu e não eu , conceito e

objeto, conhecimento e existência.

Quando começamos a pensar essa experiência total e imediata ela é transcendida , mas nunca perdida,

permanecendo a fundação de todo pensamento subsequente, de modo que se pode falar em um holismo

metafísico , e em uma negação da pluralidade metafísica.

APARÊNCIA

A primeira parte de seu livro , “Aparência”, engloba todos os conceitos do senso comum, como relação ,

espaço e tempo, coisa , eu , movimento, e causa, considerados na perspectiva de meras aparências.

No famoso capítulo intitulado “Relação e Qualidade”, Bradley busca provar, argumentativamente, que

qualidades e relações não podem ser , em último caso, reais, mas são aparências da realidade, convergindo pra

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um idealismo absoluto , mais radical que o idealismo tradicional, pois mesmo a noção de “eu” individual

[self] é também irreal.

REALIDADE

A segunda parte de seu livro, a saber, “Realidade”, Bradley apresenta sua metafísica positiva, esclarecendo

que aparência não é negação de existência: o que aparece, diz Bradley, por essa única razão, é . Por isso, a

realidade deve abraçar todos os fenômenos diversos e conflitantes, transformando-os em uma unidade

harmoniosa , em que nenhuma contradição perdura ou permanece.

Realidade, portanto, é a totalidade das aparências, não uma entidade adicional atrás ou além delas.

Em segundo lugar, a realidade não pode ser constituída de uma pluralidade de entidades independentes e

autossubsistentes, mas o universo é um sistema totalmente abrangente e logicamente consistente.

Por fim , a Realidade ou o Absoluto, devem ser unitários: suas diferenças existem harmoniosamente dentro

de um todo.

A experiência primitiva descrita no inicio de Aparência e Realidade, depois de ser transformada em

pensamento discursivo e por isso , atravessada por contradições , é recuperada em um nível mais alto e sem

contradições pelo Absoluto.

O IDEALISMO EM CAMBRIDGE: McTAGGART[1866-1925]

Embora se espalhasse por Glasgow e Edinburgh, na Escócia, e também por Cambridge, o centro do idealismo

inglês era Oxford, em razão da presença, nessa instituição, de seus dois representantes mais ilustres, a saber,

Green e Bradley.

Apesar de ter um papel menos influente, Cambridge era, ainda assim, um centro relevante, sobretudo graças

ao jovem filósofo idealista John McTaggart [1866-1925], amigo e tutor de Russell e Moore.

McTaggart é conhecido, atualmente , como autor de um paradoxo destinado a provar a irrealidade do tempo,

apresentado no artigo “The Irreality of Time”, publicado em 1909, na revista Mind ; embora não tenha

convencido muitos filósofos, é o ponto de partida da grande maioria das discussões filosóficas sobre tempo

no séc. XX.

FORMAÇÃO

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McTaggart ingressou no Trinity College da Universidade de Cambridge em 1885, estudando com Henry

Sidgwick e James Ward, também professores posteriormente de Russell e Moore, e obteve , em 1891, uma

Fellowship, no Trinity College, com uma dissertação sobre a dialética de Hegel. Em 1897 , torna-se professor

e conferencista [ College Lecturer] em Cambridge , onde irá permanecer até sua aposentadoria.

COMENTADOR E DIVULGADOR DE HEGEL

McTaggart foi, em seu tempo, um renomado estudioso de Hegel, e maior parte de seu artigos e ensaio estão

reunidos em três livros: Studies in Hegelian Dialetic [1896]; Studies in Hegelian Cosmology [1901] A

Commentary on Hegel’s Logic [1910]. Os idealistas britânicos, em geral, são todos inspirados por Hegel, de

um modo , todavia, mais superficial e solto; McTaggart , contudo, destaca-se por seu tratamento analítico e

detalhado dos escritos de Hegel. Apesar disso, na atualidade, McTaggart é visto criticamente pela

historiografia hegeliana , como irrelevante e ultrapassado, enquanto historiador de Hegel, e seus livros são

pouco lidos pelos estudiosos do filósofo alemão.

ABSOLUTO COMO UMA COMUNIDADE DE EUS [SELVES] INTER-RELACIONADOS

Embora McTaggart considere as conclusões gerais da filosofia hegeliana válidas, discorda de aspectos

relevantes do pensamento hegeliano , como a de Absoluto, propondo, em seu lugar, a concepção do Ser como

uma comunidade de “eus” ou sujeitos inter-relacionados.

ARGUMENTO DA IRREALIDADE DO TEMPO [ IRREALITY OF TIME]

McTaggart , no entanto, é principalmente conhecido na atualidade por seu celebrado argumento da irrealidade

do tempo. Grosso modo, o filósofo observa que se pode falar sobre o tempo de duas maneiras muito diferentes,

que ele denomina “série A” e “série B”.

SÉRIE A E SÉRIE B

Série A ordena os eventos como passado, presente e futuro, enquanto que a Série B os ordena como antes,

depois e simultaneamente.

A principal diferença entre elas é que as sentenças que representam os eventos na Série A muda seu valor de

verdade em função do tempo – presente , passado e futuro – em que são declaradas [ por exemplo, no passado

era falso ,mas no presente é verdadeiro, que McTaggart e sua mulher estão mortos]; a Série B, ao contrário,

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é verdadeira ou falsa independentemente do tempo em que são proferidas [ por exemplo, foi verdadeiro, é

verdadeiro e sempre será verdadeiro que McTaggart morreu antes de sua mulher]

AUTOCONTRADIÇÃO E IMPOSSIBILIDADE DO TEMPO

A Série-A , todavia, é a única essencial para a realidade do tempo, pois sem ela [Série A] não poderia haver

mudança, e sem mudança não haveria tempo. Mas na medida em que cada acontecimento tem de ter passado,

presente e futuro, estas características são incompatíveis. A série A é , então , autocontraditória e impossível.

Assim, visto que nada é sempre passado, sempre presente e sempre futuro, a série A é irreal ; mas, como é a

Séria A é necessária à existência do tempo, então tempo, também , tem de ser irreal.

A consequência dessa irrealidade é que a natureza real do universo difere profundamente da natureza que ele

parece possuir: embora pareça conter matéria e dados sensoriais, não contém nada senão espíritos, ou

“eus”[selves], cada um dos quais percebe a si mesmo e aos outros.

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