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CURSO “Introdução ao Pensamento de Hegel”

Charles Feitosa – O Flerte do Filosofo

As obras de Hegel são austeras com estilo vigoroso, hermético (de difícil compreensão) e
quase asfixiante.

Hegel abominava “descer” do nível do conceito ao senso comum, chegando a afirmar que “não
há nada mais horrível do que a transformação do sério da filosofia em trivial”.

O Ensaio “Quem pensa abstratamente” é destinado a uma plateia seleta, uma sociedade culta
que parece conhecer e abominar o pensamento abstrato. Hegel tem o objetivo ILUMIISTA de
esclarecer à sociedade as noções de pensamento e abstrato, mostrando que ela não apenas
desconhece o que abomina, como também costuma pensar abstratamente. NO fundo Hegel
quer que a sociedade conheça melhor a si mesma.

Aquilo que parece estranho e exterior à consciência, na verdade lhe pertence e até mesmo a
constitui.

Para Hegel pensar abstratamente significa separar, dividir, partir.

O pensamento abstrato reduz o TODO à PARTE, fixando segundo uma ou mais de suas
propriedades. Tratar um criminoso apenas como criminoso é uma forma de produzir
abstração.

Todas as formas de preconceito (racial, social ou sexual) derivam-se da mesma abstração,


afinal, o feixe de intrincadas relações que constitui a essência humana é destruída a partir do
momento em que alguém é identificado apenas segundo a sua epiderme, indumentária ou
genitália. O ETHOS da abstração implica, metaforicamente, na sentença de morte do outro.

À pergunta “quem pensa abstratamente? ” responde a sociedade sem hesitar: o não instruído.

Hegel vai afirmar que não é o status social que dá a medida ao pensamento, mas sim que o
grau de “nobreza” se determina pela forma como a consciência experiencia o mundo.

Para Hegel, pensar CONCRETO, é um pensar que reconheça e resgate a totalidade de


determinações do pensável.

A verdade está no todo, ou seja, numa identidade orgânica, onde as diferenças ou os


respectivos pólos das oposições são apenas momentos (mover) de um processo único. O
pensamento abstrato coloca essa ordem em risco e a tarefa da filosofia hegeliana consiste em
denunciar esse modo de pensar. Por contraste, uma tendência da filosofia pós-hegeliana
concentrou esforços na tarefa de “desmascarar” a violência pela qual o todo também se
constitui.

Segundo a acepção hegeliana, o pensamento concreto deve respeitar não somente a


pluralidade de seu objeto, como também a unidade e a ordem a qual ele pertence.

Todavia, do mesmo modo como o “todo” não existe, pela simples razão de que “a existência é
o inexorável âmbito da finitude, da incompletude e da unilateralidade, talvez não pertença ao
humanamente possível “um pensamento concreto” nos moldes hegelianos, isto é, que faça jus
a todas as formas de manifestação do real.

Um pensar que se queira concreto necessita aceitar e assumir a finitude que é estrutural ao ser
humano, e isso significa pensar pluralmente, sem pretender pensar totalmente.
Na descrição de Hegel, a essência do pensamento não é a finitude, mas a infinitude.

A filosofia é a forma superior de pensamento, pois está livre de toda a determinação sensível.
A filosofia é o pensar que se auto-determina. A filosofia é o “pensamento livre, ilimitado e
puro”.

A demarcação hegeliana pressupõe a independência do pensamento em relação ao corpo.

O interessante da taxionomia hegeliana é que os sentimentos, as intuições e os desejos não se


opõe ao pensamento, mas são compreendidos como formas imperfeitas do pensamento
mesmo. Hegel defende a postura idealista de “que tudo isso tem suas raízes no pensar”. A
essência do sensível reside fora de si, a saber, no ESPIRITO, que por sua vez tem um certo
privilégio e um certo poder sobre a natureza.

Hegel: “o espirito é causa primeira do mundo”.

Um autêntico “pensamento concreto” não deveria se “desencorporar”, mas sim pensar com e
através dos sentidos, das sensações e dos sentimentos.

Um tal “pensar concreto” seria muito mais adequado ao modo finito como o ser humano
existe no mundo.

Frederick Beiser – Hegel e o Problema da Metafísica

Hegel considerava a METAFÍSICA como um empreendimento bastante problemático, que tem


necessidade de legitimação, e tampouco que ele aceitou o desafio Kantiano à metafisica,
insistindo que “qualquer metafísica futura que pretenda apresentar-se como uma ciência”
deve ser estabelecida sobre uma crítica do conhecimento.

Qualquer introdução a METAFÍSICA de Hegel, deve responder a quatro perguntas básicas: 1) O


que Hegel significa pelo termo “metafísica”? 2) O que ele significa por “o absoluto”? 3) Por que
ele postula a existência do absoluto? 4) De que modo ele justifica a tentativa de conhece-lo em
face da crítica do conhecimento feita por Kant?

Antes de examinarmos o a defesa que Hegel faz da METAFÍSICA, precisamos fazer alguma
consideração acerca do uso que ele faz do termo, notoriamente vago e ambíguo. Pode fazer
diferença a tipos diferentes de disciplinas: a uma ontologia, um estudo dos predicados mais
gerais do ser; a uma teologia, um estudo sobre o ser mais perfeito; ou a uma cosmologia, um
estudo sobre os primeiros princípios e força da natureza. Mais propriamente do que definir
seu uso do termo “metafisica”, Hegel recusa-se, todavia, a adotá-lo. Quando ele emprega o
termo, é quase sempre em sentido negativo, para ser referir às doutrinas e métodos
antiquados da tradição racionalista, a metafisica de Descartes, Leibniz e Wolff, que havia caído
em descrédito pela crítica do conhecimento levada a cabo por Kant. O termo “metafisica”
perdeu reputação por volta do século XIX, como bem notou o próprio Hegel, de modo que
teria sido impossível ressuscitá-lo sem invocar conotações negativas. Não obstante, mesmo
que Hegel tenha evitado o termo, ele tinha uma concepção de filosofia que somente pode ser
descrita como “METAFÍSICA”.

Em seus primeiros anos e ao longo de sua carreira, HEGEL concebeu o propósito da FILOSOFIA
como o CONHECIMENTO RACIONAL do ABSOLUTO. Isso está de acordo com um dos sentidos
clássicos do termo “metafisica”, um sentido atribuído por Kant na Crítica da Razão Pura: a
tentativa de conhecer o incondicionado por meio da razão pura.

Segundo Schelling, o ABSOLUTO é aquilo que não depende de qualquer outra coisa para existir
ou ser concebido. Tanto em sua existência e em sua essência, o absoluto é independente de –
ou incondicionado por – todas as outras coisas. Em outras palavras, o absoluto é causi sui,
aquilo cuja essência envolve necessariamente a EXISTENCIA. O antecedente histórico desse
conceito é a definição de substancia que inicia a Ética de Espinoza: “Por substancia entendo o
que é em si mesmo e é concebido por si mesmo; em outras palavras, aquilo do qual um
conceito pode ser formado independentemente de qualquer outro conceito”.

Schelling se referia ao absoluto como “a substancia infinita” ou, de modo menos eloquente,
“o-em-si”.

Schelling e Hegel não hesitaram em tirar conclusões spinozistas a partir dessa definição de
substância. Como Spinoza, eles argumentaram que apenas uma coisa pode satisfazer essa
definição: o universo como um todo. Uma vez que o universo como um todo contém tudo,
nada haverá fora dele de que ele depende; pra tudo aquilo que é inferior ao universo como um
todo, entretanto, haverá alguma coisa exterior em relação ao qual aquilo deve ser concebido.

Schelling escreve que “O ABSOLUTO não é a causa do universo, mas o próprio universo”

Hegel presta homenagem ao conceito spinozista do ABSOLUTO: “Quando alguém começa a


filosofar, é preciso primeiramente ser um spinozista. A alma deve banhar-se no éter dessa
substancia única, na qual tudo o que é sustentado como verdadeiro está submerso”.

De acordo com uma concepção corrente, a metafisica é uma forma de especulação sobre
entidades supranaturais, tais como Deus, a providencia e a alma. Entretanto, tal concepção
não tem qualquer relação com a metafisica de Schelling e Hegel, pois esta não se preocupa
com um tipo especifico de entidade. Seu ABSOLUTO não é um tipo de coisa, mas simplesmente
o todo de todas as coisas são unicamente partes.

Sua concepção de METAFISICA é, com efeito, profundamente naturalista. Eles eliminam todas
as forças ocultas e supranaturais do universo, e pretendem explicar tudo em termos de leis
naturais.

Seria um erro, todavia, conceber a metafisica de Schelling e de Hegel em termos puramente


spinozistas.

Schelling entendia ao descrever o ABSOLUTO de Spinoza como “identidade-sujeito-objeto”: o


mental e o físico, o subjetivo e o objetivo, são somente atributos de uma única substancia
infinita.

Schelling viu a substancia como força viva, “a força de todas as forças”, ou “forças primal”. De
acordo com a Naturphilososphie de Schelling, toda natureza é uma manifestação hierárquica
dessa força, começando pelos seus graus mais baixos de organização e desenvolvimento nos
minerais, plantas e animais, e terminado com o seu mais alto grau de organização e
desenvolvimento na autoconsciência humana. Assim, o ABSOLUTO não é simplesmente uma
máquina, mas um organismo, um todo autogerador e auto-organizador.

Schelling concebia o ABSOLUTO em termos orgânicos antes que em termos mecânicos.


Somente uma concepção orgânica da natureza, estaria de acordo com todos os últimos
resultados das novas ciências.
Em vez de considerar a matéria como estática, de modo que ela somente pudesse atuar por
meio de impulso externo, Schelling viu a necessidade de vê-la como ativa, como gerando e
se organizando a si mesma. A concepção mais mecânica do ABSOLUTO, delineada por Spinoza,
era, pois, meramente o produto das ciências de sua época, ciências essas que eram agora
obsoletas.

Como explicar filosoficamente a interação entre mente e corpo? Segundo Schelling, a mente e
corpo não são tipos distintos de entidades, mas simplesmente diferentes graus de organização
e desenvolvimento da força viva. A mente é a forma mais organizada e desenvolvida da
matéria, enquanto a matéria é a forma menos organizada e desenvolvida da mente.

Foi de Schelling que Hegel herdou essa concepção orgânica do ABSOLUTO, aquilo que tem
uma essência e existência independente.

A “identidade-sujeito-objeto”, esse modo limitado de falar sobre o ABSOLUTO padece de uma


séria dificuldade. Se concebermos o ABSOLUTO somente como a “identidade-sujeito-objeto”,
separado do aparente dualismo entre o sujeito e o objeto em nossa experiencia ordinária – se
o virmos somente como a única substancia infinita, sem seus modos finitos – então parece que
estamos a excluir o reino do finito e a aparência. Contrariamente a sua definição, o ABSOLUTO
torna-se, então, dependente em sua essência, concebível somente em contraste a algo que
não é, ou seja, o reino da aparência e da finitude.

Hegel sentiu que era necessário corrigir a formulação restritiva de Schelling em torno do
ABSOLUTO. Uma vez que o ABSOLUTO de Schelling exclui seus modos, os quais determinam o
caráter especifico de uma coisa, Hegel o comparou a “uma noite em que todas as vacas são
negras”. Se quisermos permanecer fiel a sua definição, argumentava Hegel, então é necessário
conceber o ABSOLUTO como a totalidade da substancia, e seus modos, como a unidade do
infinito e finito.

O ABSOLUTO deve incluir todo o fluxo de finitude e aparência em si mesmo.

Para Hegel, o ABSOLUTO é também sujeito e não apenas substancia.

Ao conceber a SUBSTÂNCIA de Spinoza como força viva, Schelling havia estabelecido o


fundamento para considerar o ABSOLUTO como SUJEITO.

Com o exame da concepção de ABSOLUTO de Schelling e Hegel, estamos em posição para


entender a crença que ambos sustentam na possibilidade da METAFÍSICA.

Schelling e Hegel concordavam com Kant que a METAFISICA era impossível de ser uma teologia
deista. Eles tinham, entretanto, um diagnóstico diferente de sua impossibilidade: não é porque
o sobrenatural é incognoscível, como Kant pensava, mas porque o sobrenatural não existe.

Se concebermos o ABSOLUTO em termos naturalistas, argumentam Schelling e Hegel, então a


METAFISICA não requer o conhecimento transcendente condenado por Kant. Tudo o que
precisamos conhecer, então, é a própria natureza, que é dada a nossa experiencia.

Schelling e Hegel estavam convencidos da possibilidade de sua METAFISICA, principalmente


porque a consideravam como uma forma de naturalismo cientifico, como a filosofia apropriada
para as novas ciências naturais da época. Para eles, seus princípios metafísicos são
confirmados pela experiencia. Eles insistiam em banir todas as coisas ocultas da natureza e em
explicar todas as coisas de acordo com as leis naturais.
Eles estavam certos de que as finalidades da natureza devem ser concebidas como internas à
própria natureza e não como impostas por algum designer externo.

Considerada em sua perspectiva histórica peculiar, a METAFISICA de Schelling e Hegel deve ser
situada no interior da tradição do MATERIALISMO vitalista, que remonta a Giordano Bruno e
aos primeiros livres pensadores da Inglaterra do século XVII. Ainda que não fosse ateísta, essa
tradição tentou banir o reino do supranatural. Ela concebeu Deus como a TOTALIDADE da
NATUREZA. Embora sustentasse que a natureza consiste unicamente em matéria, essa
tradição concebeu a MATÉRIA em termos VITALISTA, antes que em termos MECANICISTA. A
MATÉRIA foi vista como dinâmica, tendo poderes de autogeração e de auto-organização. As
semelhanças como a METAFISICA de Schelling e Hegel são manifestas, e ambos devem ser
inseridos nessa TRADIÇÃO, uma vez que compartilham alguns de seus valores morais e
políticos subjacentes: o compromisso com o igualitarismo, o republicanismo, com a tolerância
religiosa e com a liberdade política.

Para Hegel, o ESPIRITO é apenas o mais alto grau de organização e de desenvolvimento dos
poderes orgânicos no interior da natureza.

Enquanto Kant nega, Hegel afirma que nós podemos conhecer que a NATUREZA é um
ORGANISMO.

Por que postular a existência do ABSOLUTO? Por que dar validade constitutiva à ideia da
NATUREZA como um ORGANISMO?

Kant em “Crítica da Razão Pura” levantou uma questão que assombraria toda a geração que o
sucedeu: se o conhecimento empírico exige uma universalidade e uma necessidade que não
pode ser verificada na experiencia, como o conhecimento empírico é possível? Esse problema
surgiu no contexto da imagem dualista que Kant faz da faculdade do conhecimento. De acordo
com Kant, o conhecimento empírico requer intercambio entre conceitos universais e
necessários, os quais fornecem a forma da experiencia, e intuições ou impressões particulares
e contingentes, as quais proveem a matéria da experiencia. Enquanto esses conceitos são
originados a priori no entendimento, uma faculdade puramente ativa e intelectual, as
intuições são dadas a posteriori à nossa sensibilidade, uma faculdade puramente passiva e
sensitiva. Surgiu então a questão: se os nossos conceitos a priori derivam do entendimento,
como sabemos que eles se aplicam a intuições a posteriori da sensibilidade? Ou, mais
simplesmente, se esses conceitos não derivam da experiencia, então como sabemos que eles
são válidos em relação a experiencia? A resposta de Kant a essa questão é a de que esses
conceitos a priori se aplicam a experiencia somente se eles constituírem suas condições
necessárias. Se tais conceitos determinam as próprias condições sob as quais temos
representações, então eles serão realmente válidos para elas, ainda que não possuam validade
para além elas.

Fichte: somente no autoconhecimento o sujeito que conhece é um e o mesmo em relação ao


objeto que é conhecido. O autoconhecimento se torna o PARADIGMA de todo conhecimento.
Se pudermos mostrar que o nosso conhecimento de um objeto na existência realmente
constitui meramente uma forma de autoconhecimento, então seremos capazes de mostrar
como o conhecimento é possível.

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