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A FILOSOFIA DO ESPÍRITO DO JOVEM HEGEL POR JURGEN

HABERMAS
Rafael Santos

Algumas edições como a de Lasson sobre os escritos de Jena 1804-06 que decorrem na
fase juvenil de Hegel, abordam o conteúdo daquela obra como um preparatório para a
Fenomenologia do Espirito. O que há de importante nesses escritos juvenis é o objeto a ser
tratado por Hegel, a saber: o processo de formação do espírito.
A hipótese habermasiana se coloca de forma um tanto quanto radical para a área em que
se situa, como veremos no decurso deste texto, não se trata de um Hegel idealista, mas um
Hegel das relações sociais. Amiúde vê-se alguns temas dos escritos juvenis continuados e
levados a fim de sua obra; System der Sittlichkeit, por exemplo. A luta por reconhecimento,
abordado inicialmente nos escritos de Jena, permanece como base elementar de obras
contemporâneas como Axel Honneth1. A proposta de Habermas não é retirar uma ciência da
lógica em função de uma filosofia material vulgar, mas de uma ciência da lógica que só é efetiva
adjunta a filosofia do real. Será abordado por Habermas como os processos de formação do
espirito não resultam de uma reflexão sobre si mesmo, mas do médium em que está situado.
O espirito efetivo, aquele que se manifesta nas coisas, é antecedido por um espirito
abstrato, que decorre de 1) uma unidade cognitiva e de vontade com 2) conexão às
representações simbólicas. As etapas constitutivas do espirito abstrato serão abordadas logo
abaixo.

SUJEITO – SIMBÓLICO

INTELIGÊNCIA – SIMBÓLICO
vontade
ABSTRAÇÃO – SIMBÓLICO
Esp. abstrato
ESPIRITO – EXTERIORIZAÇÃO

1
Continuador da Teoria Critica e representante da Escola de Frankfrut, Honneth escreveu em A luta por
reconhecimento (2009) uma reconstrução simbólica das teses hegelianas acerca do sistema da eticidade, colocando
às premissas metateóricas no campo empírico em fenômenos contemporâneos.
1. Sobre a formação da identidade
O eu é uma unidade que se refere a si mesmo em decorrência da abstração a toda
determinação e conteúdo. O eu é universal. Pois contem em si a abstração de todo ser
determinado dissolvido em si. O eu está também como singular pelo sentido negativo de referir
a si mesmo sendo inalienavelmente único – excluindo o outro; personalidade individual. A
universalidade que decorre da abstração de todo ser determinado e coloca em universalidade
absoluta, também é isolamento absoluto e em ser em si para si, que é ser posto por excelência.
Hegel se entrega à dialética do eu e do outro no quadro da intersubjetividade do espirito, na
qual não é o eu que se comunica consigo mesmo como o seu outro, mas o eu que se comunica
com um outro eu enquanto outro 2. O enfoque de Hegel para a conceber a dialética do eu e do
outro necessitou recorrer-se, minimamente, à filosofia de Immanuel Kant.
Na filosofia Kantiana o eu é “unidade sintético-originaria da apercepção”; o eu é a
unidade pura que se refere a si mesmo. É o que abarca a filosofia da reflexão. A experiência da
identidade do eu na autorreflexão, isto é, a autoexperiência do sujeito cognoscente, que abstrai
todos os objetos possíveis do mundo e que se volta sobre si mesmo como objeto único. A
subjetividade é constituída numa relação consigo do sujeito sabe a si mesmo; se estabelece a
unidade do sujeito como autoconsciência.
Entretanto, a dialética hegeliana da autoconsciência sobrepassa a reflexão solitária
exposta por Kant. Em troca da reflexão individual e solitária, a filosofia do real propõe uma
relação complementar de sujeitos que se conhecem. Aqui nasce o pressuposto de que, para vir
a ser autoconsciente, o individuo necessita está imerso na relação com um outro. Observa-se
também a própria ênfase de Hegel, que destaca a importância das relações como elemento
fulcral na constituição da identidade, “na qual eu aprendo a me ver com os olhos de outro
sujeito”. Esse reconhecimento reciproco é o que forma a autoconsciência. O espirito não
constitui a subjetividade de maneira isolada; é o médium da consciência que se comunica com
um outro eu.
O eu, enquanto autoconsciente, é universal por ser abstrato; o eu resulta da abstração de
conteúdos que são dados a ele. Como abstrai o exterior, também abstrai seus estados internos,
mediados pela vontade e inteligência, que “busca o idêntico nas coisas”. Qualquer um pode
dizer “eu” a si mesmo, portanto, universal; singular, pois refere a si mesmo como único. O
espirito é o desenvolvimento da totalidade ética; universal e singular. É o médium da

2
Cf. Habermas. p.39
comunicação dos singulares de uma universalidade. Não é a toa, por exemplo, como falamos
sobre o “espirito de uma época” não pensamos como algo subjetivo referente a individualidade,
mas de um agrupamento que se reconhece. Um exemplo disto é o “volkgeist alemão”, sujeitos
singulares que, na abstração dos conteúdos, por causalidade, resultou no revanchismo e, ao
serem mediatizados pelo espirito de uma universalidade, resultou em um regime totalitário. Na
prática, funciona como gramatica de uma língua perante seus falantes como um sistema de
normas validas perante os sujeitos agentes oferecendo ao universal e ao particular um vinculo
especial e próprio.

2. Sobre a relação ética


“O conhecer que se conhece em um outro” – cada sujeito é igual ao outro na medida em
que se contrapõe. Distinguir-se de alguém é igualar e ele mesmo. Me reconhecer no outro como
não idêntico ao eu faz com que me iguale ao outro, porque igualo para mim a concepção – não
idêntica – do eu no outro.
O rompimento da relação ética é resultante de uma causalidade histórica. O sujeito que
suprime a relação ética, ao se colocar como singular no lugar da totalidade, acaba de colocar
contra ele mesmo o próprio destino que ele mesmo decidiu prosseguir. “A consciência total
reconhecida só existe por meio de seu suprassumir é agora um conhecimento dessa própria
consciência”, ela mesma faz essa reflexão de si, segundo a qual a totalidade particular, ao querer
ser e se manter enquanto tal, sacrifica a si mesma absolutamente, suprassume-se, fazendo com
isso o contrario daquilo que pretende; ao querer ser um um singular universal, torna-se
inversamente, um universal particular, perde a si mesmo, entfremdung. A negação da
autoafirmação do sujeito inicia o processo de reconhecimento, pois a consciência distinta,
isolada por tentar suprassumir a universalidade é imediata para si mesma, da qual o próprio
sujeito reconhece a si mesmo como parte do universal, voltando a conhecer-se-no outro.

3. A critica à Kant e esboços para uma teoria da linguagem


As definições de Kant sobre as leis morais não podem ser encaradas como parte de uma
totalidade ética, mas de uma esfera monológica. As leis morais são tão abstratas quanto
universais, pois quando elas valem para mim, têm de ser válidas tal qual para qualquer ser
racional. Neste esquema, a relação positiva da vontade, isto é, sem coerções, é substituída pela
própria coerção. Em função da vontade, coloca-se uma concordância transcendental que
imperam as ações, destituindo qualquer tipo de ação comunicativa. É ação estratégica. Por sua
vez, a ação estratégica se diferencia da ação comunicativa quando decisões sobre
possibilidades de escolher alternativas são feitas de forma monológica à risca das leias
transcendentes, que são postuladas a priori da própria situação específica, isto é, sem o
entendimento dos sujeitos ad hoc, já que as regras e máximas dos sujeitos já foram
definidas de antemão.

LUAP: Leis universais a priori


AC: Ação Comunicativa
S: Situação
P: Possibilidades
CAS: Comportamento ante a situação
𝑆 <> 𝑃
𝑃 <> 𝑆 + 𝐶𝐴𝑆
𝐶𝐴𝑆 = 𝐿𝑈𝐴𝑃 − 𝐴𝐶
𝑃 = 𝐿𝑈𝐴𝑃 + 𝐶𝐴𝑆
𝑃 <> 𝑆 = 𝐶𝐴𝑆 + 𝐿𝑈𝐴𝑃
𝑃 = 𝐿𝑈𝐴𝑃

As leis morais implicam uma tripla abstração, que, em seu decurso, inora a relação ética de
sujeitos vinculados a processos de formação na interação. Abstrai as consequências de sua
intenção moral; abstrai as inclinações morais à intenções particulares; abstrai, finalmente, o
dever no interior de uma situação dada. A tripla abstração resultará na perda da agência
individual; é perde de si e do processo que o forma, é alienante. “Enquanto as leias morais
forem o mais elevado, o individual haverá de ser morto” (HEGEL, Realphilosophe)

4. Linguagem
A exposição dialogada até o presente momento evidencia que a constituição do eu não
resulta da reflexão solitária, mas de processos de formação. O meio pelo qual a consciência
ganha a existência é a linguagem. Linguagem aqui não significa a comunicação entre sujeitos,
mas o emprego simbólico de um sujeito que se vê confrontado pela natureza e dá nome às
coisas, isto é, uma unidade que classifica.
O espirito imediato é animalesco. Apenas com a linguagem o ser se diferencia da
natureza. O espirito acorda quando o reino das imagens é traduzido em reino dos nomes.
Desperto, ele pode distinguir-se e ao mesmo tempo reconhecer o que foi distinguido; memoria.
A representação é a atividade própria do símbolo. Permite duplamente: tornar presente o que
não está posto no momento e, por outro lado, permite a consciência a se objetivar nas coisas
como um sujeito. A consciência falante, que classifica, distingue e lembra, objetiva e
experimenta-se nas coisas. Por isso a celebre frase que na maturação de seu pensamento, diz
Hegel, “O real é racional, e o que é racional é o real”. Deste modo, a linguagem é forma primeira
pela qual o espirito não é interior, mas o medium entre sujeito-objeto.

5. Trabalho
Hegel concebe o trabalho como o meio especifico de satisfação dos instintos que distingue
a natureza dos espíritos existentes. Tal qual é a linguagem, que organiza o caos existente da
diversidade das sensações em coisas identificáveis; o trabalho rompe com o desejo imediato,
animalesco. O instrumento – assim como o símbolo – são os meios onde serão sedimentadas a
experiencia da consciência mediadora.
O instrumento é universal porque nele remanesce a permanência de quem trabalha e o
que é trabalhado. Em relação inversa, a dialética da linguagem, no trabalho operamos conforme
às leis da natureza que determina quais regras se aplicam sobre ela. Suspende-se, portanto, os
instintos e aloca-se as energias produtivas no objeto trabalho sob leis do natural. A cisão entre
o eu que contra o real versus repressão do instinto, é converter-se em objeto. Ao me submeter
a forma objeto, vejo nos instrumentos o resultado de uma experiencia onde a natureza trabalha
para mim. Com a retirada do instinto e a implantação da técnica no instrumento, há agora uma
consciência astuta; a natureza trabalha para mim, a qual o esforço humano é mínimo,
suprassume-se a vontade dos instintos sem que haja o emprego absoluto de energias. O
crescente suprassumir dos instintos decorre da consciência astuta, que observa e apreende os
caminhos fáceis. Dessa forma, o instrumento é a mediação de onde far-se-á com que a
consciência se objetive, passa a ganhar existência.

6. Unidade
A unidade do processo de formação do espírito (linguagem, trabalho e interação) só pode ser
posta a partir da linguagem, pois somente com a consciência mediadora que distingue o ser da
natureza e que nomeia, memoriza e representa, que se pode proceder ao trabalho e a relação
ética; ao trabalho porque exige que o conhecimento da consciência astuta seja repassado,
portanto, sendo mediante símbolos, desenhos, formulas, etc.; da interação, pois a relação exige
uma comunicação minimante baseada em normas que ambos os sujeitos têm conhecimento para
não caírem em desentendimento lesado. Há portanto, a relação congruente entre a linguagem,
o trabalho e a interação, porém, é possível pensar numa relação Trabalho x Interação? As
normas jurídicas constituem o intercâmbio social de reconhecimento reciproco, mais que isso,
não é reconhecimento de identidade do outro, mas as coisas sujeitas ao seu poder de disposição
(sendo, neste caso, produto do trabalho e da troca). Os indivíduos se reconhecem (portanto,
interação) mutuamente como proprietários de suas posses. A posse no reconhecimento jurídico
resulta, evidente, do trabalho ou da troca. A troca, por exemplo, não é troca de coisas, mas
constitui uma vontade de ambos os sujeitos. O intercambio de produtos do trabalho normatizam
a reciprocidade no âmbito institucional. Por exemplo, a troca e o contrato são imbuídas de ações
comunicativas; a palavra e a assinatura na sociedade civil são normas às quais os sujeitos da
relação de troca e de contrato conhecem como válidas e, deste modo, há expectativa por
comportamento. Reconheço a vontade do outro em ter o produto do meu trabalho e vice versa;
reconhecimento efetivo. Trabalho e interação emancipam o homem do poder da natureza. A
libertação pelo trabalho penetra as normas as quais atuamos de forma complementar.

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