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Fundamentos epistemológicos da Psicologia Fenomenológico-Existencial

Profa. Kely Prata | Setembro | 2022


02/09
As bases do pensamento fenomenológico

03/09
O método fenomenológico enquanto ação clínica

16/09
As Filosofias da Existência e a Psicologia

17/09
Agenda A clínica psicológica de inspiração
fenomenológico-existencial
As bases do pensamento fenomenológico

Edmund Husserl Jean-Paul Sartre


1859-1938 1905 – 1980
República Checa França

Martin Heidegger Maurice Merleau-Ponty


1889 – 1976 1908 – 1961
Alemanha França
“Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de
múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou
meu “psiquismo”, eu não posso pensar-me como uma
parte do mundo, como simples objeto […].Tudo aquilo
que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de
uma visão minha ou de uma experiência do mundo”.

MERLEAU-PONTY.
Fenomenologia da
percepção, 2018, p. 3.
OBJETO DE ESTUDOS
FENOMENOLOGIA Fenômenos intersubjetivos, ou seja, a
experiência significada e compartilhada em
Corrente filosófica normativa do século XX que
complementaridade, de forma contraditória
oferece:
ou arbitrária.
• Uma série de análises teóricas críticas ao
conhecimento e à ciência.
• Um modelo normativo da existência humana
CONTRIBUIÇÕES À PSICOLOGIA
assentada corporal, social e culturalmente. O homem é visto na concretude de sua
existência.
Como um estudo das essências, busca a
descrição da experiência humana tal como ela A consciência é influenciada pelo mundo.
é. A relação homem-mundo é dialética, ambígua
e mútua – múltiplos contornos que
possibilitam uma infinidade de sentidos.
Husserl formulou a Fenomenologiacomo ciência rigorosa de natureza transcendental e seu
projeto de Psicologia Fenomenológica se contrapôs ao modelo de Psicologia que enfatizava a
consciência por um viés naturalista e objetivista.

O projeto de uma Psicologia Fenomenológica influenciou os próprios fundamentos


epistemológicos da Fenomenologia e os estudos contemporâneos em Psicologia,
Psicopatologia, Psiquiatria e Ciências Cognitivas.

Para Husserl, a fenomenologia é uma descrição da estrutura específica do fenômeno


(entendido como um fluxo imanente de vivências que constitui a consciência). A consciênciaé
condição de possibilidade do conhecimento, na medida em que ela constitui as significações,
na medida em que conhecer é pura e simplesmente apreender(no plano empírico) ou
constituir(no plano transcendental) os significados.
FENÔMENO
É o modo como se mostra o objeto imediatamente, como ele é aparente – o que
se manifesta, o que se revela.
• Nada se mostra como é em si mesmo, mas a partir de estruturas compreensivas que permitem
aos objetos se mostrarem como aquilo que eles são.
• O mesmo objeto pode naturalmente aparecer de maneiras muito diversas, porém não são
dados de maneira intuitiva.
• Não há distinção entre aparição e realidade efetiva, pois não há um mundo apartado da
experiência do mundo > a essência não se encontra em algum lugar velado por trás do
fenômeno, mas se revela precisamente neles.
A Fenomenologia nos torna atentos para o aparecer do objeto.
SUBJETIVIDADE OU PERSPECTIVA DE PRIMEIRA PESSOA
Diz respeito às condições de possibilidade da experiência e do conhecimento
enquanto tal.
• Todo fenômeno sempre apresenta um aparecer de algo para alguém – o sujeito corporal vivo
que estabelece a perspectiva na qual o objeto aparece.
• O fenômeno se dá de maneira inexoravelmente determinada, perspectivamente em um
contexto determinado e com um sentido determinado. Porém, a cada vez, apenas um perfil
determinado dentre os diversos possíveis.
A Fenomenologia nos torna atentos do correlato subjetivo da aparição do objeto.
“A relação entre mundo e subjetividade não é nenhuma
relação contingente. [...] o sujeito só tem como ser
compreendido em sua relação com o mundo, e ,
inversamente, nós só podemos dar sentido ao mundo, na
medida em que ele aparece para um sujeito e é
compreendido por ele”.

ZAHAVI.
Fenomenologia para
iniciantes, 2019, p. 20.
INTENCIONALIDADE
É a estrutura essencial da consciência.
• Toda vivência é determinada pelo fato de a consciência ser consciência de algo, ou seja está
dirigida para um objeto.
• Se o sujeito está dirigido para um objeto e o experimenta, não se trata de uma ligação real, mas
de uma relação intencional. Mesmo que o objeto não exista de fato e/ou a relação real não se
efetive, a relação intencional permanece.
• Os objetos tem uma aparição perspectivística, mas os atos intencionais são presentificadores,
pois constituem a vivência.
A Fenomenologia nos torna atentos a relação que se estabelece na e a partir da experiência.
REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA
Dispositivo metodológico para investigar a essência das vivências intencionais.
• Epoché: suspensão da atitude natural e das crenças científicas e socioculturais.
• Redução fenomenológica: descrição do fenômeno e elucidação da relação entre experiência e
consciência da experiência.
• Redução fenomenológica-psicológica (apenas no âmbito da Psicologia Fenomenológica):
descrição da experienciação do fenômeno pelo sujeito.
• Redução eidética: clarificação da subjetividade e identificação da essência do fenômeno
(eidos)
• Redução transcendental (apenas no âmbito da Fenomenologia Transcendental): suspensão da
subjetividade e alcance da “consciência pura”.
“Tanto a epochéquanto a redução podem ser consideradas,
consequentemente, como elementos de uma reflexão
transcendental , cuja finalidade é nos libertar de um
dogmatismo natural (ou naturalista) e nos tornar conscientes
de nossa própria realização constitutiva (isto é, cognitiva,
doadora de sentido)”.

ZAHAVI. A
Fenomenologia de
Husserl, 2015, p. 69.
FENOMENOLOGIATRANSCENDENTAL | HUSSERL

S U J E I TO – AT O – M U N D O
FENOMENOLOGIA HERMENÊUTICA | HEIDEGGER

SER-NO-MUNDO
FENOMENOLOGIA DO IMAGINÁRIO | SARTRE
F ENÔMENO-DO-SER
FENOMENOLOGIA CRÍTICA | MERLEAU-PONTY
S E R - E M - S I T UA Ç Ã O
PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA
A Fenomenologia possibilita a elucidação do vivido baseada em experiências
concretas e situadas sociocultural e historicamente, conduzindo a uma
compreensão que favoreça um modo de lidar melhor com o vivido.

As reduções fenomenológicas explicitam a relação inalienável do homem com o


mundo, colocando a reflexão no curso temporal, capaz de compreender as
arbitrariedades do existir e manter aberto um horizonte de possibilidades
compreensivas, apreendendo a experiência humana como intencional,
intersubjetiva e arbitrária.
A proposta de uma Psicologia Fenomenológica é de uma psicologia descritiva
das vivências intencionais, sem a utilização de explicações causalistas ou
aspectos psicofísicos, algo que seria um retorno a uma noção naturalizada de
consciência.

* o sujeito, o sofrimento ou os transtornos mentais como categorias que não


podem ser reduzidas a determinações naturalizantes,normatizantes ou que
retirem seu estatuto único de uma experiência singular no mundo.

*busca dar voz ao sujeito na experiência clínica, entendendo que ao apresentar


seu discurso e sofrimento, poderá alterar e compreender melhor a si mesmo.
ATITUDE FENOMENOLÓGICA COMO AÇÃO CLÍNICA
Captar o sentido do outro, com o menor grau de interferência possível de valores,
crenças, teorias e preconceitos próprios. Isto é, atingir com o maior grau de
evidência possível o sentido do mundo do cliente, para somente num segundo
momento do processo terapêutico, se utilizar dos conhecimentos teóricos e das
técnicas fornecidas pela Psicologia.
• Delimitação do âmbito do trabalho juntamente com o cliente (pessoa, grupo ou instituição):
qual é a experiência vivida? O que se pretende a partir do processo psicoterapêutico? –
apreensão do vivido.
• Encontro com o vivido: qual a compreensão o cliente tem acerca do que experimenta? –
imersão na experiência e emergência de sentidos – descrição do fluxo experiencial.
• Apreensão global do sentido da experiência: quais as correlações entre os sentidos dados às
experiências vividas? – identificação a unidade de sentido norteadora da compreensão
experiencial.
• Explicitação dialógica dos eixos de significado e dos significados potenciais e disponibilidade a
uma nova compreensão do todo: quais os outros modos possíveis de compreender o vivido? –
abertura criativa e movimento, (re)conhecimento da intencionalidade, da subjetividade e da
intersubjetividade.
• (Re)significação ou redirecionamento dos rumos de vida na prática: como lidar assertiva e
proativamente com as arbitrariedades mundanas? – processo de distanciamento e
envolvimento reflexivo com a própria experiência – compreensão.
O processo psicoterapêutico fenomenológico constitui-se como um encontro
dialógico e dialético.
• Um processo de fala e escuta onde emergem horizontes de significados
(subjetivos – objetivos – intersubjetivos) que se intercruzam e se (des)velam
ora de modo próprio, pessoal, autêntico (enquanto abertura), ora de modo
impróprio, impessoal e inautêntico (enquanto fechamento).
• Uma relação que se estabelece de modo que o psicoterapeuta possa
paulatinamente afastar-se e devolver ao cliente o cuidado de si.
REFERÊNCIAS
• AMATUZZI, M. M. (2009). A Psicologia Fenomenológica: uma aproximação teórica humanista. Estudos de Psicologia, 26(1), 93-100.

• FEIJOO, A. M. L. C.; MATTAR, C.M. (2014). A Fenomenologia como método de investigação nas Filosofias da Existência e na Psicologia. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 30(4), 441-447.

• FERREIRA, L. S. M. (2009). Entre a Fenomenologia e a Hermenêutica: uma perspectiva em psicoterapia. Revista Abordagem Gestáltica, 15(2), 143-148.

• GONÇALVES, R. R. et al. (2008). Merleau-Ponty, Sartre e Heidegger: três concepções de fenomenologia, três grandes filósofos. Estudos e Pesquisas em Psicologia,
8(2), 402-435.

• MERLEAU-PONTY, M. (2018). Fenomenologia da Percepção. 5 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

• SÁ, R. N.; BARRETO, C. L. B. T. (2011). A noção fenomenológica da existência e as práticas psicológicas clínicas. Estudos de Psicologia, 28(3), 389-394.

• SODELLI, M.; SODELLI-TEODORO, A. (2011). Visitando os “Seminários de Zollikon”: novos fundamentos para a psicoterapia fenomenológica. Psicologia Revista, 20
(2), 245-272.

• ZAHAVI, D. (2019). Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro: Via Verita.

• ________ (2015). A Fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro: Via Verita.

• ZILLES, U. (2007). Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl. Revista da Abordagem Gestáltica, 13(2), 216-221.

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