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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 39
Bem vindos à 39ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos nas Categorias,
no Tratado das Categorias VII. Espero não ter me enganado.

Bom, vocês viram que eu lhes deixei na aula passada um documento


resumindo a aula. Não só resumindo-a, mas também precisando-a. Eu escrevi
este documento depois de haver gravado a aula passada e o fiz porque senti a
necessidade de deixar mais consolidado o que se havia dito na própria aula e
que não é simples. Como verão, junto com a categoria da ubiquação, a qualidade
é a categoria mais difícil. Já o viram.

Pois bem, decidi que nesta aula, nesta 39ª aula, eu voltaria à aula passada,
agora seguindo o próprio documento que lhes deixei. Vou fazer uma leitura
explicada deste mesmo texto para que a matéria fique muito consolidada, porque
as categorias são demasiado importantes para que deixemos passar na Escola
Tomista sem a devida consolidação. Então peço-lhes que tenham na mão o
documento da aula passada. Eu o lerei explicando-o, comentando-o e, ao final
disto, darei as propriedades da qualidade, que foi exatamente o que faltou na
aula passada. A próxima aula, então, será a da relação – a do ad aliquid – e esta,
este predicamento ad aliquid – relação – se dará em duas aulas também, como
lhes explicarei ao final desta.

Pois bem, vamos pacientemente reler, comentar, entender. Se não houver


entendimento, perguntem-me por escrito. O documento chamado “O
predicamento qualidade”.

Pois bem, eu começo o documento pondo que há três maneiras de dizer


quale, três modos de dizer quale. Lerei o primeiro modo de dizer quale.
Lembrem-se que quale não é exatamente o mesmo que qualitas, mas, muitas
vezes, se usa em seu lugar.

Pois bem, o primeiro modo de dizer quale, então, é COMO DIFERENÇA


ESSENCIAL. O que será a diferença essencial? Pois bem, se a quididade
significa a substância in quid incomplete, ou seja, in quid incompletamente ou
incompleto, ou seja, como gênero, podemos perguntar pela qualidade do gênero:
Que animal é o homem? (falta aí o verbinho “é”). Que animal é o homem? A isso
se responde com a diferença específica, que se predica in quale quid, e que
pertence por redução à categoria da substância.
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Pois bem, relembremos, relembre-se que quididade é o mesmo que


essência, ainda que por outro ângulo. Aqui não nos interessa essa distinção de
ângulos entre quididade e essência.

Pois bem, se a quididade significa a substância in quid incomplete, ou seja,


o que é uma quididade predicada in quid incompleto? Lembre-se que in quid é
uma predicação essencial. Incompleto por quê? Por que só se dá o gênero. No
caso do homem, se se pergunta o que é isto e eu respondo “animal”, eu dei, eu
fiz uma predicação in quid (essencial porque animal é parte da essência ou
quididade do homem, mas incompleta, porque faltou o restante, estou só com o
gênero). Então, podemos, então, se só digo o gênero, perguntar pela qualidade,
pelo quale desse gênero. Que animal é o homem? Perguntei pelo quale desse
gênero. Pois bem, a esta pergunta então se responde com a diferença
específica. Diferença essencial, diferença específica ou simplesmente diferença
é o terceiro dos predicáveis, se lembra, lembrem-se. É aquilo que determina o
gênero, assim como a forma determina a matéria.

Pois bem, a diferença se predica in quale quid, ou seja, in quid porque é


essencial, in quale porque é a qualidade essencial. E a diferença específica
pertence, por redução, à categoria da substância, mas a substância é dupla, ou
é primeira ou é segunda – vimo-lo já. A que substância se reduz a diferença
específica, ou essencial, ou simplesmente diferença como o vimos no
predicável? À substância segunda, reduz-se a ela.

Pois bem, isto é o primeiro modo de dizer quale, ou seja, como diferença
essencial, como diferença específica, como diferença.

Pois bem, a segunda maneira é como predicável acidental. Leiamo-lo:

Se a quididade significa a substância in quid completamente, completo, ou


seja, como espécie (tá certo? Qual é a espécie humana? Animal racional. Isto é
que é in quid completo. Não só dei o animal, dei o animal mais a diferença
essencial ou específica que é racional), então se a quididade significa a
substância in quid completo, ou seja, como espécie podemos perguntar: De que
qualidade é essa espécie? Que espécie? Homem no caso. Pois bem, podemos
perguntar de que qualidade é referindo-nos a todo e qualquer predicado não
essencial (lembrem-se que os dois predicados essenciais são o gênero ou o
gênero mais... ou a diferença específica, ou o predicado completo: gênero mais
diferença específica), então referindo-nos a todo e qualquer predicado não
essencial, ou seja, a tudo aquilo que se predica não in quid (ou seja, não
essencialmente), mas in quale (já vimos que a diferença in quale quid, agora é
in quale sem o quid), muito bem, seja esse quale necessário, seja contingente.
Qual é o quale necessário? É a propriedade ou próprio, o quarto predicável. E
qual é o quale contingente? É parte do quinto predicável, ou seja, o acidente
puro e simples. Pois bem, lembrem-se que acidente há tanto acidente próprio
ou propriedade, chamado simplesmente também próprio ou propriedade, e há o
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acidente puro e simples, chamado simplesmente acidente. Pois bem, segundo


este modo, este segundo modo, todas as categorias acidentais são qualidades.
Quais são as categorias acidentais? Das dez categorias, todas menos a
substância. Segundo este modo, todas as categorias acidentais são qualidades,
pois aqui não as consideramos segundo sua quididade particular (isto é, como
predicamento), mas segundo seu modo de universalidade (isto é, como
predicável). Vejam que aqui, então, se trata ainda de um predicável que
estudamos no Tratado dos Predicáveis.

Mas o que mais nos importa aqui é quale dito da terceira maneira, ou seja,
como predicamento, ou seja, como categorias, como categoria, ou seja,
exatamente aquilo de que tratamos agora. Pois bem COMO PREDICAMENTO.
Se “De que qualidade é?” (aquela pergunta que fizemos no ponto anterior)
pergunta por determinações ulteriores de uma substância já definida no
essencial (já sabemos que a substância homem é animal racional e a resposta
à pergunta “de que qualidade é” implica uma determinação posterior, ulterior,
seja essa determinação acidental como próprio ou propriedade, seja contingente
como puro acidente), então se refere a uma categoria particular de acidente da
substância, ou seja, aquela que a modifica ao modo de diferença mas fazendo
no acidental o que a diferença específica faz no essencial. Assim como a
diferença específica faz com respeito a animal essencialmente (racional), assim
também a qualidade branco determina a substância, mas já não essencialmente,
senão que acidentalmente. Pois bem, neste último sentido, ou seja, como
predicamento, a qualidade é aquilo – isto é a definição – é aquilo que é
determinativo da substância segundo o ser acidental. A qualidade: aquilo que é
determinativo da substância segundo o ser acidental. Determina a substância
assim como a diferença o faz, mas enquanto a diferença o faz essencialmente,
a diferença, a qualidade o faz acidentalmente.

Pois bem, item II: Determinar é próprio da forma e do ato. Relembre-se que
ainda não estudamos a fundo o ato e a forma, a potência e a matéria. Fá-lo-emos
profundamente quando estudarmos a Física Geral, mas isso não implica dizer
que não devamos já tratar, na medida do nosso possível, essas noções, segundo
nossa capacidade de compreensão atual. Pois bem, determinar é próprio da
forma e do ato. Entre todas as coisas que se ordenam nos predicamentos ou
categorias, só três se referem à substância per se, ou seja, essencialmente, e
em primeiro lugar como o determinativo ao indeterminado ou o ato à potência:
a) o princípio pelo qual a substância é tal (a forma substancial ou essência, o
terceiro modo de substância); b) a diferença específica; c) a qualidade
predicamental. Mas – prossigo aqui – mas a forma substancial (a forma
substancial é aquilo que faz que algo seja o que ele é; também se diz isto da
essência, a essência é que faz que algo seja o que ele é, a essência é o que ele
é; mas o que é que faz que a essência seja o que ele é? A forma. A forma é o
princípio que faz, é o princípio essencial que faz que algo seja o que é, é a forma
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humana, ou seja, nossa alma que faz, o que faz que sejamos homens, é a forma
substancial do gato o que faz que o gato seja gato; claro, a essência dele é gato
e ela, e essa essência se compõe de animal e forma, ou seja, de matéria e de
forma, mas o princípio que dá a felinidade, digamos assim, é a forma, a forma
substancial gatuna, digamos assim), mas a forma substancial não determina em
relação a algo que já é (porque ela que já fez que a coisa fosse, fosse um gato,
fosse uma pedra, fosse um homem, fosse um cavalo), mas constitui a substância
em seu próprio ser, ou seja, a forma substancial é a primeira das formas, porque
ela é a que constitui a substância em seu próprio ser: “forma dat esse” (a forma
dá o ser e a forma dá o ser àquilo que a substância é: forma dat esse).
Voltaremos a esse axioma muito detidamente tão logo na Escola Tomista.

Pois bem, a qualidade, por seu lado, supõe a substância já constituída (já
a substância gato, já a substância laranjeira, já a substância pedra, já a
substância homem), a qualidade já a supõe. Pois bem, vejam, não entendam
esse “já a supõe” como se se tratasse de uma anterioridade cronológica, porque
obviamente, desde que uma substância é substância determinada por sua forma
substancial, ela já tem acidentes. Quando se fala que supõe, é supõe segundo
a natureza, segundo... é uma anterioridade, como se dirá mais adiante,
ontológica, não uma anterioridade cronológica. Supõe a substância já constituída
e dá novo modo àquilo que a substância já é ou já tem. Então a substância,
estando já constituída segundo sua forma substancial, porque a forma dat esse,
a forma dá o ser àquilo que a substância é, suposto isso, com suposição de
natureza, com suposição ontológica, não com suposição cronológica, então ela
já pode ter determinações ulteriores. Essa determinação ulterior é que é a
qualidade. Suposto o embrião humano, ele já tem certas qualidades, já tem
desde o embrião, ele já tem certas qualidades.

Pois bem, além disso, a qualidade distingue-se da diferença específica


porque esta determina a substância segundo uma perfeição essencial, enquanto
a qualidade determina a substância segundo uma perfeição acidental. Hão de
perguntar-me: mas então também é perfeição? Sim, porque não a substância
sem acidentes. Os acidentes aperfeiçoam a substância já constituída pela forma
substancial. É uma perfeição ulterior. Uma vez mais aqui, quando se fala de
anterior e de ulterior ou posterior, fala-se segundo a natureza, segundo
anterioridade e posterioridade ontológica, porque, com efeito, desde o mesmo
momento em que se constitui uma substância, ela obrigatoriamente já tem
acidentes, já tem quantidade, já tem qualidade, etc. e tal. Então não entendam
essa anterioridade, essa posterioridade no sentido cronológico, não o entendam
assim.

Pois bem, agora um pouquinho mais difícil são as espécies de qualidade.


Esta parte deste predicamento é que é mais difícil que as demais, embora, como
verão, também a ubiquação não deixe de ter grandes dificuldades. Aliás, muitas
destas dificuldades que se dão nos predicamentos só se resolvem
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completamente em outras ciências mais à frente, ou na Física Geral ou muito


especialmente na Metafísica. Como verão na aula seguinte, quando eu
começarei a dar a relação ad aliquid, só na Metafísica é que se completará
perfeitamente o estudo da relação. Não à toa, não por nada Aristóteles retoma
na Metafísica todo o Tratado das Categorias. Como disse eu já em alguma altura
de nosso curso, as categorias ou predicamentos estão à cavaleiro entre a Lógica
e a Metafísica, estão à cavaleiro, mas só se resolve perfeitamente na Metafísica.
Vejam a importância de entender o que é a circularidade ou helicoidaliriedade
(não me sai a palavra), ou a espiralidade da ordem das disciplinas. Há uma
circulação constante. Entende-se um ponto como possível, entender-se-á
melhor no seguinte, volta-se a ele para entendê-lo melhor e assim até alcançar
a Metafísica que é a rainha das ciências da qual, como verão, todas as demais
ciências – todas! – são como partes potenciais, assim como a parte vegetativa e
a parte sensitiva da alma humana não se podem dizer perfeitamente alma
humana: são só potencialmente a alma humana. Assim, nenhuma ciência é
perfeitamente ciência. Estritissimamente ciência só a Metafísica. Por isso
também se chama Sabedoria, conquanto, enquanto não se descobriu a
Metafísica, enquanto não se descobriu a Metafísica, se pensasse que a
sabedoria era a Física. Mas tudo isso são antecipações e digressões nesta aula.

Vamos às espécies de qualidade. Aristóteles divide a qualidade em quatro


pares de espécies, quatro pares de espécies. Quem o explica perfeitamente é
Santo Tomás de Aquino. Vamos lá? Sendo o próprio da qualidade modificar a
substância segundo o ser acidental – não segundo o ser substancial –, podemos
considerá-la: ponto 1) Segundo a substância em si mesma, ou seja, segundo a
substância em si mesma: letra a) Em sua natureza, enquanto pode ordenar-se
bem ou mal a seu fim, e então temos o primeiro par de qualidades: o hábito e a
disposição (é a primeira espécie de qualidade: quatro pares, quatro espécies,
cada espécie dividida em pares). Pois bem, isso se considera substância em si
mesma e em sua natureza. Se, no entanto, se considera a substância em si
mesma, mas em seus princípios (ah!, os princípios são aquilo que fazem que a
coisa seja, é o princípio), que são as raízes do agir e do padecer. Então, se se
considera a substância em si mesma, mas não em sua natureza e sim nos
princípios dessa natureza, que são raízes do agir e do padecer, temos, então,
de subdividir também: b1) Quanto à forma. Os princípios da natureza, nós o
veremos, Santo Tomás escreveu um opúsculo muito jovem chamado Os
princípios da natureza. Estudá-lo-emos. Pois bem, quanto à forma que é
princípio do obrar, do agir; mas pode-se agir mais ou menos fortemente ou
firmemente, e então temos a potência e a impotência (segunda espécie de
qualidade; o par potência impotência que constitui a segunda espécie de
qualidade); b2) Quanto à matéria (se os dois princípios da natureza são a forma
e a matéria, quanto à forma se tem potência e impotência – segunda espécie de
qualidade), quanto à matéria, que é o princípio do padecer (a forma é o princípio
do agir, a matéria é o princípio da paixão, do padecer); mas pode-se padecer
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mais ou menos facilmente, e então temos a paixão e a padecibilidade ou


passibilidade – tudo isso já se entenderá, isto é, agora nós estamos
considerando a qualidade segundo a substância em si mesma, mas quanto ao
princípio de sua natureza que é a matéria. Então, quanto à matéria que é
princípio do padecer, mas pode-se padecer mais ou menos facilmente, e então
temos a paixão e a padecibilidade ou passibilidade (que é a terceira, é o par que
constitui a terceira espécie de qualidade).

Atenção: padecer não necessariamente é padecer algo mau. A paixão não


necessariamente é algo... implica um sofrimento, é algo mau. Claro, a Paixão de
Cristo, etc. e tal, mas aqui nós estamos num plano mais abrangente. Padecer é
sofrer algo. Então se eu padeço a ação dos raios de sol, eu sofro uma paixão, o
que não quer dizer que isso me fez mal; ao contrário, sem o sol nossa saúde
mingua.

Pois bem, isto é quanto à matéria. Mas (2) – vejam que o número 1 foi
segundo a substância em si mesma, agora (2) segundo a quantidade e já vimos
que é o único acidente anterior à qualidade, está certo? É o único. Sobre isso,
sobre a ordem dos acidentes, dos predicamentos, das categorias falarei na aula
seguinte. Pois bem, segundo a quantidade que é o único acidente anterior à
qualidade. Ou seja, enquanto suas partes podem dispor-se de uma maneira ou
de outra, e então temos a forma e a figura, que é a mais difícil de todas as
espécies, que é a quarta espécie de qualidade.

Bom, tudo isso é um preâmbulo, foi a divisão, agora se entenderá cada par
destes, cada par que constitui uma das quatro espécies de qualidade.

Pois bem, o primeiro par é HÁBITO E DISPOSIÇÃO. Leiam comigo. O


hábito e a disposição são qualidades que se distinguem das outras espécies de
qualidade porque determinam a substância em ordem à natureza da coisa.
Podem definir-se os termos por sua diferença específica (diferença específica já
se viu o que é), como aquilo que é determinativo da substância segundo a
natureza, ou por sua propriedade, como o modo segundo o qual algo se dispõe
bem ou mal. Neste sentido, agora se entenderá isto que acabo de dizer, é que
hábito distingue-se, se distingue de disposição. De que maneira? De três
maneiras. O hábito se distingue da disposição de triplo modo. Primeiro modo:
assim como o particular se distingue do geral: por significar “posse”, hábito dá a
ideia de algo mais estável e permanente que a disposição; é como uma
disposição firmemente possuída. Vou dar um exemplo: alguém, uma criança,
tem disposição para a música, mas só adquirirá o hábito da música, a posse da
arte da música depois de estudar e exatamente adquirir o hábito da música.
Então uma coisa é ter disposição, outra ter hábito. Lembrem-se que hábito, aqui,
não é sinônimo de costume. Este termo é científico, filosófico. Eu por muito
tempo hesitei em traduzi-lo. Usava habitus em latim e ponto final. Mas há que
explicar. É a palavra hábito mas não no sentido de costume. Hábito é uma
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disposição firmemente possuída. Se tem a disposição para ser músico, mas só


é músico depois de ter o hábito da música. Muito bem, isto é a primeira distinção
entre hábito e disposição.

Letra b) assim como o perfeito se distingue do imperfeito: e o hábito é então


uma disposição perfeita, mais estável e fixa. Podem usar o exemplo anterior.
Assim como uma espécie se distingue de outra espécie. Então qual é a diferença
específica entre hábito e disposição? A diferença específica de hábito é
dificilmente removível, porque tem causas imóveis, ou seja, é dificilmente
removível que a música seja removida de quem adquiriu o hábito da música;
enquanto a disposição é uma espécie de qualidade facilmente amissível (que
quer dizer tirável, suprimível), porque tem causas transmutáveis, ou seja, tem
causas que não são imóveis, são causas passageiras. Este último modo de
entender a distinção é, segundo Santo Tomás, mais conforme à intenção de
Aristóteles. Então se se deve pensar na intenção de Aristóteles, há que entender
a distinção entre hábito e disposição como esta letra “c”, assim como uma
espécie se distingue de outra espécie. Então o hábito é uma disposição com a
diferença específica dificilmente removível porque tem causas imóveis, enquanto
a disposição é uma espécie de qualidade facilmente amissível, facilmente
removível, porque tem causas transmutáveis. Este último modo de entender a
distinção é, segundo Santo Tomás, mais conforme à intenção de Aristóteles.

Pois bem, segundo par de qualidades que constituem, que constitui a


segunda espécie de qualidade: trata-se da potência e da impotência.

Pois bem, como espécie de qualidade, potência e impotência podem


definir-se como aquilo que é modificativo da substância como princípio do agir
ou do resistir. Entendamo-lo. A potência não se distingue da impotência como
uma espécie de outra espécie – diferentemente do que vimos acontecer com o
hábito e a disposição –, mas tão somente como o perfeito do imperfeito, como o
perfeito se distingue do imperfeito dentro da mesma espécie. Desse modo, por
isso é que se potência em geral significa princípio de agir ou de resistir, você
pode ter potência tanto para agir como para resistir e em ambos os casos se
trata de potência ativa (a diferença entre potência ativa e potência passiva se
entenderá muito melhor a partir da Física Geral, eis a nossa circularidade), então,
se potência em geral significa princípio de agir ou de resistir (potência ativa),
potência em particular distingue-se da impotência se... potência em particular
distingue-se da impotência enquanto significa princípio de agir ou de resistir
facilmente ou dificilmente. Então se se age ou se se resiste facilmente, tem-se
potência para agir ou para resistir. Se, no entanto, se age ou se resiste, ou se se
resiste dificilmente, tem-se, então, impotência. Repita-se: se se age ou se se
resiste facilmente tem-se, então, potência; se se age ou se se resiste com
dificuldade, dificilmente, tem-se, então, impotência.
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Vamos agora para o terceiro par que constitui, de qualidade, que constitui
a terceira espécie de qualidade. É, por um lado a paixão, e por outro lado a
passibilidade ou padecibilidade. Podem usar-se as duas palavras. Passibilidade
é menos rebarbativo que padecibilidade, mas as duas são possíveis.

Pois bem, acompanhem-me na leitura. A paixão enquanto espécie de


qualidade diz-se daquilo que se produz ou que resulta na coisa quando esta sofre
alteração, ou seja, quando padece (e assim distingue-se da paixão como
predicamento, já vimos que a paixão é um dos predicamentos, é o último
predicamento, então assim distingue-se da paixão como predicamento, e a
paixão como predicamento significa toda e qualquer alteração ou mudança que
uma coisa possa sofrer, seja boa ou má, como esquentar e esfriar). Certo? Então
a paixão como espécie de qualidade é o que resulta do predicamento paixão. Se
eu sofro, se a água sofre a ação do fogo, ela padece o fogo, ela, e esse
padecimento é o predicamento paixão, mas o que resulta dessa paixão? A
quentura da água. E é isto que se chama aqui paixão. Isso está claro? É sutil,
mas não impossível de entender. O predicamento paixão é o padecer a ação de
outrem. Assim, a água padece a ação do fogo. E a paixão como terceira espécie
de qualidade é o que resulta na água da paixão sofrida pela água da ação do
fogo. E o que é isso? É o calor, o esquentamento, a quentura da água. A água
aqueceu-se pela ação do fogo e lhe resultou a quentura, a quentura. Isto é que
é a paixão que é a qualidade. A água está quente, a água é quente. Bom, desse
modo paixão e passibilidade podem definir-se como aquilo que é determinativo
da substância segundo a paixão, o predicamento paixão. É determinativo da
substância, ou seja, como terceira espécie de qualidade, mas segundo a paixão
que é um predicamento.

Pois bem, vejam o próximo parágrafo.

Paixão e passibilidade distinguem-se entre si assim como o imperfeito se


distingue do perfeito (é a mesma coisa de potência e impotência): a primeira, ou
seja, a paixão diz respeito a todas as modificações que procedem de causas
transeuntes e de efeitos passageiros (facilmente removíveis, como o rubor nas
faces pela vergonha, ou a palidez no rosto pelo medo, pelo temor), enquanto a
segunda, ou seja, a passibilidade diz respeito às modificações – desculpem-me
– diz respeito às modificações que provêm de passividades permanentes (por
causas naturais, como a brancura e a negrura resultantes da constituição natural:
já nascemos brancos ou negros) ou diuturnas, ou seja, por causas não naturais,
mas difíceis de eliminar, como a brancura e a negrura causadas por uma longa
doença ou por um calor abrasador. Vejam, o rubor da face ou a palidez do rosto
pela vergonha ou pelo temor, pelo medo, somem rapidamente, mas a brancura
por uma longa doença, a palidez por uma longa doença não desaparece
facilmente, assim como a negrura pela ação do sol não desaparece facilmente
como o rubor da face ou a palidez do rosto.
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Pois bem. Vamos, então, para o último par e mais difícil, mais difícil.
Realmente é muito difícil. Eu vou tentar tecer considerações sobre isso.
Confesso-lhes que foi aquele que tive mais obstáculo para compreensão. Como
verão, está resolvido, como verão em meu Tratado dos Universais, está
resolvido. Se Deus quiser, se saia, né? Está resolvido, mas não é simples, não
é simples. Depois vou dar alguns exemplos da minha luta com esta quarta
espécie de qualidade.

Pois bem, como espécie de qualidade, forma e figura podem definir-se


como aquilo que é determinativo da substância segundo a terminação da
quantidade. Esta espécie de qualidade, por conseguinte, diz respeito ao aspecto
ou configuração externa de algo. A minha configuração externa, a sua, a
configuração externa de cada um de vocês, ou de cada animal, ou animal
diferente de outro, etc. e tal. Bom, mas, como eu digo mais abaixo, os termos
forma e figura amiúde são considerados sinônimos. Então lê-se em Aristóteles,
em Santo Tomás, em todos forma por figura, figura por forma. Já voltarei a falar
de mim mesmo quanto a isto. Pois bem, os termos forma e figura amiúde são
considerados sinônimos, mas, de modo genial, Santo Tomás resolveu a
distinção que pretendia Aristóteles. Veja a importância de Santo Tomás para o
entendimento de Aristóteles. Quem lê a distinção entre forma e figura nas
Categorias, no livro As Categorias de Aristóteles, vai apanhar muito. Foi como
eu! Comecei a lê-lo assim. Só depois é que tive contato com Tomás explicando
isso. Então vamos lá. Eu voltarei a isso também, sobre a importância de Santo
Tomás na compreensão da obra aristotélica hoje ainda.

Pois bem, os termos forma e figura amiúde são considerados sinônimos,


mas também se distinguem assim como o particular se distingue do geral (figura
é mais geral que forma). Atenção, figura é mais geral que forma. Voltarei a isso.

Podem também distinguir-se assim como o perfeito se distingue do


imperfeito (figura seria, assim, a forma imperfeita; mas este sentido é incomum).
Mas nunca se distinguem como uma espécie se distingue de outra espécie.

Alguém escreveu-me dizendo que, que eu teria dito que forma e figura se
distinguem assim como uma espécie se distingue de outra espécie. Bom, se o
disse, escapou na fala, porque não é possível. Eu não diria isso em sã
consciência. É o problema às vezes da oralidade. Às vezes escapa-nos, às
vezes nos escapa o erro involuntário, você já está pensando em outra coisa e a
expressão não é fiel ao que você pensa. Pois bem, mas nunca se distinguem
como uma espécie se distingue de outra espécie. Como quer que seja, a forma
acrescenta à figura certa perfeição. Que perfeição é esta? Não naquele sentido
incomum, mas no sentido de que a forma é a figura própria da espécie, da
espécie, ou seja, a espécie humana tem uma forma – veja, não forma substancial
que é sua alma – tem uma forma ou configuração externa que é uma espécie de
forma ideal. Com efeito, tomemos um coelho. Tá certo? Se quero traçar o
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contorno de um coelho num desenho, farei sempre igual independentemente de


haver um coelho maior, menor, mais gordo, menos gordo. Há uma forma ou
figura ideal da espécie coelho. E, pois bem, é isso que antes se chama forma
que figura, mas também se diz forma antes que figura à figura proporcionada,
formosa, bela.

Pois bem, então quem já leu minha Suma Gramatical sabe que eu uso ali
nunca forma aqui nesse sentido, sempre uso figura ou configuração externa. Por
quê? Porque sobretudo numa gramática eu já havia falado de forma substancial,
imagine se eu uso forma para forma substancial ou para a figura enquanto, ou
para figura enquanto figura própria da espécie! Criaria tremenda confusão nos
leitores que estão no primeiro degrau da sua caminhada rumo à Metafísica, ou
seja, estão na Gramática, estão na Gramática. Não sei se se lembram, quando
eu dei a Gramática, a Gramática ela não se entende perfeitamente sem as luzes
da Lógica, é subordinada à Lógica, mas, na vida, começa-se pela Lógica, pela
Gramática. Por quê? Porque não há Lógica sem uma língua cultivada e a língua
cultivada pressupõe a Gramática. É a nossa circularidade em estado agudo,
digamos assim. A ordem ideal seria começar pela Metafísica, porque, conhecida
a Metafísica, tudo o mais se ia dando naturalmente: da Metafísica se passaria
para a Física, da Física para a Lógica, da Lógica para a Gramática. Mas nosso
intelecto é demasiado débil. Então tem de começar pela Gramática que não se
vai entender perfeitamente por si mesma. Só quando se estudar a Lógica é que
se entenderá mais perfeitamente a Gramática, mas, estudada a Lógica, ainda é
preciso a Física e a Metafísica para que a mesma Lógica se entenda mais
perfeitamente para que, então, a mesma Gramática se entenda ainda
cabalmente. Ou seja, é a circularidade que não se confunde – atenção – com a
circularidade kantiana. Como costumo dizer, a circularidade kantiana é
solipsista, é como uróbolo. Uróbolo é aquela serpente que devora a própria
cauda. É uma espécie de círculo infernal, porque não se sai daí. A nossa
circularidade se resolve ao fim e ao cabo. Claro, ela sempre fica meio... o nosso
conhecimento sempre fica como que velado, como que obscurecido por certo
véu, coisa que só se superará, o que nós veremos no último ano da Escola
Tomista, quando virmos e se virmos a Deus por essência, porque, conhecendo
a causa de tudo, ter-se-á conhecimento de tudo perfeito, já sem circularidade
nenhuma e sem véu algum. Mas, como quer que seja, a nossa circularidade tem
alguma solução, enquanto a circularidade kantiana, como veremos no quarto
ano de nossa Escola Tomista, é sem solução, é como uróbolo, ou seja, a
serpente ou monstro que devora a própria cauda.

Pois bem, creio que já foi suficiente. Qualquer dúvida escrevam, mas creio
que os ajudará muito esta aula aqui. Mas ainda falta dar-lhes as propriedades da
qualidade. Quantas propriedades tem a qualidade? Três, três propriedades.

A primeira propriedade é ter contrários. Mas toda qualidade tem contrários?


Não, nem toda qualidade tem contrários. Ou seja, a qualidade ter contrários só
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convém a algumas das qualidades, não a todas. Por exemplo: são contrárias
aquelas coisas... por exemplo não, é isto mesmo, são contrárias aquelas coisas
cuja diferença é máxima dentro de um mesmo gênero. Assim, a justiça é o
contrário da injustiça, e, quanto à negrura, é o contrário da brancura, porque no
gênero das cores os extremos são a brancura e a negrura. Mas, entre a brancura
e a negrura, há o verde, o roxo, o amarelo, o vermelho, e estas não têm contrário.
O roxo não tem contrário, o vermelho não tem contrário, o verde não tem
contrário, o azul não tem contrário, mas o negro tem contrário. Qual é seu
contrário? O branco. E o branco tem contrário. Qual é seu contrário? É o negro.
E assim é porque são os dois termos extremos (negrura e brancura) do gênero
das cores. Mas amarelo, roxo, azul, rosa são cores também, ou seja, são
qualidades sem ter contrário. Então esta primeira qualidade convém a algumas
das qualidades, mas não convém a todas.

Pois bem, a segunda qualidade, a segunda propriedade – desculpem-me –


da qualidade é ser capaz de receber mais e menos. O termo técnico é “capaz de
receber intenção e remissão”. Isso é termo técnico. Mas contentemo-nos com
mais e menos sabendo que, quando lerem que a qualidade é capaz de intenção
e de remissão, isto quer dizer que é capaz de mais e de menos. Em latim intentio
(intentio, intentio) et (et) remissio, ou seja, r-e-m-i-s-s-i-o. Intenção e remissão.
Intentio, intentio et remissio, com dois esses, remissão. Isto quer dizer mais e
menos. Mas esta propriedade é como a anterior, a de ter contrários. Por quê?
Só algumas qualidades são capazes de mais e de menos. Só algumas, não
todas. Com efeito, algo ou alguém pode ser mais ou menos justo, mais ou menos
saudável, mais ou menos branco que outro. Alguém pode ser mais ou menos
negro que outro. Alguém pode ser mais ou menos sadio que outro. Alguém pode
ser mais ou menos justo que outro. Mas não se pode dizer que uma coisa seja
mais quadrada que outra. Não se pode dizer que uma coisa seja mais triangular
que outra, porque se é triangular, triangular é; se é quadrada, quadrada é, e não
se pode dizer que uma coisa seja mais quadrada que outra, nem que seja mais
triangular que outra. Então vejam que ser capaz de receber mais e menos não é
próprio de todas as qualidades, apenas de algumas.

Pois bem, mas há uma terceira propriedade. É a de dizer-se semelhante e


dessemelhante. Símil, símil (s-i-m-i-l) e dissímil. Símil (isto é português, hein!),
símil e dissímil, ou seja, semelhante de dessemelhante. São sinônimos. Esta é
uma propriedade, este é um próprio em sentido estrito. Com efeito, uma coisa é
semelhante a outra, ou não é semelhante a outra justamente por aquilo que é
quale. Semelhante e dessemelhante, então, é não se dizem formalmente da
mesma qualidade. Diz-se da coisa segundo a qualidade. Então vejam,
semelhante e dessemelhante não se diz formalmente da mesma qualidade, da
própria qualidade, senão que se diz da coisa segundo a qualidade. Isso se vai
entender agora.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

Pois bem, quando duas coisas possuem formalmente a mesma qualidade,


dizem-se formalmente semelhantes. Quando, de duas coisas, se diz certa noção
ao modo de qualidade, então se dizem modalmente semelhantes. O homem e
as plantas são semelhantes, ou seja, modalmente semelhantes, enquanto
vivem, mas também, quando se estabelece uma analogia entre qualidades
diversas de duas coisas, diz então metaforicamente semelhantes. Assim, o
casto, a pessoa casta é semelhante ao lírio! Deus é semelhante ao leão! Esta é
uma semelhança metafórica. Então repita-se esta última parte mais difícil:
quando duas coisas possuem formalmente a mesma qualidade, dizem-se
formalmente semelhantes; depois quando duas coisas, de duas coisas se diz
certa noção ao modo de qualidade, então se dizem modalmente semelhantes e,
assim, o homem e as plantas são semelhantes enquanto vivem. Voltarei a isso.

E, por fim, quando se estabelece uma analogia – estudaremos analogia


mais adiante – quando se estabelece uma analogia entre qualidades diversas de
duas coisas. Então, temos então a semelhança metafórica: o casto é semelhante
ao lírio; Cristo é semelhante ao leão; Deus é semelhante ao leão. Isto é metáfora.

Isso de modalmente semelhantes é muito importante metafisicamente. Diz-


se, antecipo – isso é uma antecipação –, diz-se que a pedra se assemelha a
Deus, imita Deus enquanto é, enquanto existe, para facilitar a coisa. A pedra
imita a Deus enquanto é. O vegetal imita a Deus enquanto é e vive, porque Deus
não só é, mas vive. O animal imita a Deus enquanto é, enquanto vive e enquanto
conhece sensitivamente. O homem imita a Deus enquanto é, enquanto vive,
enquanto conhece racionalmente. Os anjos imitam a Deus enquanto são,
enquanto vivem, enquanto conhecem intuitivamente. Vejam que maravilha desta
antecipação metafísica.

Pois bem, na próxima aula eu começarei a tratar o predicamento ad aliquid


– relação. Uma coisa que é preciso entender é que, muitas vezes na ciência tem
lugar a dialética ou tópica. Nós estudaremos a dialética ou a tópica – aliás, sairá,
se Deus quiser, meu livro a Suma dialética. Pois bem, a dialética é a arte, não é
ciência, é a arte de alcançar a opinião mais provável. Para isso escreveu
Aristóteles seus magníficos Tópicos que a exegese moderna tanto complicou e,
no entanto, é preciso descomplicar para que se entenda. Por isso eu vou
escrever, vou escrever não, vou lançar – já está metade escrito, digamos assim
– a Suma dialética. Vocês já verão a aplicação disso quando estudarmos a
Dialética. A Dialética é uma arte. Como toda arte tem regras. Então ela dá regras
para alcançar a opinião mais provável. Posta a arte da Dialética, tem-se a arte-
ciência da Lógica que agora se ordena não à opinião mais provável, senão que
se ordena à verdade, à certeza científica alcançada por demonstração, como
veremos ao estudar os Analíticos Posteriores de Aristóteles.

Pois bem, no entanto, no âmbito de um tratado científico, há lugar ainda


para a dialética. Muitas vezes não se consegue alcançar, no âmbito de um
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 13

tratado científico, a certeza apodíctica, a certeza demonstrativa. Não se


consegue muitas vezes! Não se tem ainda premissas, princípios seguros. A
ciência em sentido estrito é o conhecimento certo, perfeito, e atual do necessário
segundo suas causas – definição dos Analíticos Posteriores. A ciência é o
conhecimento certo, perfeito e atual do necessário segundo suas causas – vejam
só, isto é a ciência. Mas, muitas vezes, você não tem premissas que cumpram
esses requisitos. Então, no âmbito do mais alto tratado científico, ainda há lugar
para o dialético, para o tópico, para a opinião para facilitar a coisa.

Pois bem, dou um exemplo nobre, nobilíssimo: quando Santo Tomás de


Aquino, na Suma Teológica, vai estudar os sete dias da criação, os sete dias do
Gênesis, ele quase que só recolhe a opinião dos antigos e as explica, e as põe
– às vezes as opiniões se contrapõem uma à outra – as expõe, as esclarece, às
vezes dá uma leve defendida, defende levemente uma ou outra, mas não
conclui, não conclui. Este tratado, ou seja, da criação, dos sete dias da criação
dentro da Suma Teológica (quanto à criação sim, Santo Tomás é perfeitamente
científico, que a criação é a criação do nada por Deus, isto é cientificamente
provado na Suma Teológica e outros lugares de São Tomás de Aquino), mas,
quanto aos dias da criação, ele como que deixa a coisa ainda no âmbito da
opinião mais provável. Sempre que, num tratado científico, o cientista, o filósofo
disser “talvez”, “parece”, “quem sabe”, “por ventura”, “por acaso”, palavras
dubitativas como estas, se ele termina assim em certo raciocínio, ele sem dúvida
alguma está no campo do dialético, está no campo da opinião. Claro que ainda
da opinião, claro que ele busca a opinião mais provável. Se ele não consegue
alcançar a ciência em tal ou qual ponto de dado tratado, ele busca alcançar a
opinião mais provável. O que é opinião mais provável? É aquela a que o cientista
se agarra firmemente, mas com receio ainda de que a opinião oposta seja a
verdadeira. Isto é opinião mais provável. Você se agarra a certa opinião porque
ela é a mais provável e há regras para alcançar esta probabilidade ensinadas
por Aristóteles no seu livro Dos Tópicos, é a Dialética, é a arte da Dialética. Mas
não é possível, no âmbito da dialética, alcançar a certeza científica, quando,
então, você perde completamente o temor, o receio da contraparte, da outra
parte, da outra opinião, da opinião contrária. Você perde o receio, porque agora,
no âmbito da ciência, se tem o conhecimento certo, perfeito e atual do necessário
– não do contingente – segundo suas causas.

Pois bem, Aristóteles é mestre também em usar no âmbito de um tratado


científico, de usar a dialética. Às vezes é algo provisório. Por exemplo: no meu
livro Da arte do belo eu tenho cerca de 140, 150 páginas só de dialética. É
quando eu faço toda a história, a história da filosofia e da teologia com respeito
à arte do belo e aí eu refuto este ou aquele filósofo, este ou aquele doutor da
Igreja quanto, no âmbito do tópico, no âmbito do dialético. Eu apenas chego a
certa opinião mais provável, mas ainda não se trata de ciência certa, de
conhecimento certo, perfeito e atual do necessário segundo suas causas. Ainda
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não é isto. Estou dialogando dialeticamente conquanto já dê a opinião mais


provável por cerca de 140... não sei como vai ficar na diagramação final. No meu
original, 150, 160 páginas. Eu não sei quanto dará isso no livro. Mas vejam a
longitude da coisa, a extensão da coisa.

Pois bem, às vezes você está no campo da dialética e não sai dele, mesmo
no âmbito de um tratado científico. É o caso de Aristóteles, por exemplo, ao tratar
as, a categoria do ad aliquid, do a algo, da relação quanto a uma parte dele,
quanto a uma parte dele como verão. Então, para instruí-los sobre o salto que
se dá entre a opinião mais provável e a certeza, é que, na próxima aula, eu darei
a categoria ou predicamento ad aliquid – relação – segundo estritamente o que
põe Aristóteles em seu grande opúsculo As Categorias, terminando com a leitura
de três, duas páginas e meia desta parte do seu Tratado em que ele fica no
tópico, no dialético. E na aula seguinte eu darei a solução tomista, agora já
científica. Santo Tomás, neste ponto, passa do... aliás, Aristóteles também já o
faz em grande parte na Metafísica, mas o que faz Santo Tomás? Aperfeiçoa a
mesma perfeição já dada a esta opinião mais provável na Metafísica de
Aristóteles. Então nós teremos em duas aulas primeiro como põe Aristóteles a
questão do ad aliquid, do predicamento ad aliquid no seu opúsculo As Categorias
no qual uma parte não é apodíctica, senão que é tópica, dialética, opinião mais
provável. E, na aula seguinte, darei então a solução do mesmo Aristóteles na
Metafísica – lembre-se que a Metafísica é que completa as Categorias – na
mesma Metafísica e, mais que isso, a solução perfeita dada por Santo Tomás já
no comentário à Metafísica. Então, há uma espécie de antecipação quanto a isto
e isto instruirá magnificamente sobre dupla coisa, quanto a dupla coisa, quanto
a duas coisas: primeiro – várias coisas, aliás – primeiro, repita-se, que no mesmo
tratado científico há lugar sim para o dialético, para o tópico, para a opinião mais
provável, que se aprende a alcançar, repita-se, na arte da dialética que
estudaremos mais adiante; (2) pra mostrar também que a Metafísica completa o
Tratado das Categorias; (3) pra mostrar a importância da exegese de Santo
Tomás de Aquino quanto aos textos aristotélicos. Isso se tornará patentíssimo já
a partir do Peri Hermeneias, patentíssimo nos Analíticos Posteriores. Sem a
penetração, a agudeza de Aristóteles, de Santo Tomás para desentranhar o
sentido de obscuros textos aristotélicos, geniais, mas escritos de maneira
obscura, isso foi fundamental.

Há poucos dias, ou ontem, já não lembro, um rapaz escreveu-me:


“professor, eu, a partir do mês que vem, vou ser seu aluno na escola tomista
porque resolvi estudar o Organon por conta própria, quando cheguei aos
primeiros analíticos não consegui ultrapassar”. E é verdade! Eu tampouco
consegui ultrapassar! Tive de levar anos e anos pra entender os primeiros
analíticos com respeito aos quais, aliás, escreverei também um livro se Deus
quiser chamado Da figura do silogismo. Vejam que eu uso figura e não forma do
silogismo, porque isto ensejou tais confusões, por exemplo, em João de Santo
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Tomás, que é preferível, como eu o fiz na Gramática, usar figura em vez de forma
do silogismo, conquanto haja aquela diferença já dita entre forma e figura.

Pois bem, então as próximas duas aulas lhes serão, creio, muito instrutivas,
muito instrutivas pra mostrar a importância do tomismo, a importância de
Aristóteles, obviamente, aliás de Aristóteles, de Platão, de todos, mas a
importância suma do tomismo que não só Santo Tomás, que não só conseguiu
desentranhar o sentido genial das obras de Aristóteles como conseguiu corrigir
de tal modo Platão que fez que Platão e Aristóteles se conciliassem, de certo
modo, de uma maneira que nunca havia sido conseguida por nenhum dos que
haviam tentado conciliar os dois grandes filósofos. É mais uma vez, é mais uma
amostra da superioridade imensa do tomismo e de quanto, quão prejudicial foi
ao pensamento humano seu esquecimento. Daí a importância de ler o livro de
Daniel Scherer que tenho a honra de ter por meu aluno chamado A raiz
antitomista da modernidade filosófica que saiu pelas Edições Santo Tomás.

Então vocês terão ali um quadro sinóptico da ruína do pensamento a partir


da negação do tomismo. Pois bem, esta escola pretende ir na contramão desse
declínio. Irá à contrapelo desse declínio ascender subindo no ombro de um
gigante, do gigante que foi Santo Tomás de Aquino.

Muito obrigado. Até nossa próxima aula.

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