Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 39
Bem vindos à 39ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos nas Categorias,
no Tratado das Categorias VII. Espero não ter me enganado.
Pois bem, decidi que nesta aula, nesta 39ª aula, eu voltaria à aula passada,
agora seguindo o próprio documento que lhes deixei. Vou fazer uma leitura
explicada deste mesmo texto para que a matéria fique muito consolidada, porque
as categorias são demasiado importantes para que deixemos passar na Escola
Tomista sem a devida consolidação. Então peço-lhes que tenham na mão o
documento da aula passada. Eu o lerei explicando-o, comentando-o e, ao final
disto, darei as propriedades da qualidade, que foi exatamente o que faltou na
aula passada. A próxima aula, então, será a da relação – a do ad aliquid – e esta,
este predicamento ad aliquid – relação – se dará em duas aulas também, como
lhes explicarei ao final desta.
Pois bem, isto é o primeiro modo de dizer quale, ou seja, como diferença
essencial, como diferença específica, como diferença.
Mas o que mais nos importa aqui é quale dito da terceira maneira, ou seja,
como predicamento, ou seja, como categorias, como categoria, ou seja,
exatamente aquilo de que tratamos agora. Pois bem COMO PREDICAMENTO.
Se “De que qualidade é?” (aquela pergunta que fizemos no ponto anterior)
pergunta por determinações ulteriores de uma substância já definida no
essencial (já sabemos que a substância homem é animal racional e a resposta
à pergunta “de que qualidade é” implica uma determinação posterior, ulterior,
seja essa determinação acidental como próprio ou propriedade, seja contingente
como puro acidente), então se refere a uma categoria particular de acidente da
substância, ou seja, aquela que a modifica ao modo de diferença mas fazendo
no acidental o que a diferença específica faz no essencial. Assim como a
diferença específica faz com respeito a animal essencialmente (racional), assim
também a qualidade branco determina a substância, mas já não essencialmente,
senão que acidentalmente. Pois bem, neste último sentido, ou seja, como
predicamento, a qualidade é aquilo – isto é a definição – é aquilo que é
determinativo da substância segundo o ser acidental. A qualidade: aquilo que é
determinativo da substância segundo o ser acidental. Determina a substância
assim como a diferença o faz, mas enquanto a diferença o faz essencialmente,
a diferença, a qualidade o faz acidentalmente.
Pois bem, item II: Determinar é próprio da forma e do ato. Relembre-se que
ainda não estudamos a fundo o ato e a forma, a potência e a matéria. Fá-lo-emos
profundamente quando estudarmos a Física Geral, mas isso não implica dizer
que não devamos já tratar, na medida do nosso possível, essas noções, segundo
nossa capacidade de compreensão atual. Pois bem, determinar é próprio da
forma e do ato. Entre todas as coisas que se ordenam nos predicamentos ou
categorias, só três se referem à substância per se, ou seja, essencialmente, e
em primeiro lugar como o determinativo ao indeterminado ou o ato à potência:
a) o princípio pelo qual a substância é tal (a forma substancial ou essência, o
terceiro modo de substância); b) a diferença específica; c) a qualidade
predicamental. Mas – prossigo aqui – mas a forma substancial (a forma
substancial é aquilo que faz que algo seja o que ele é; também se diz isto da
essência, a essência é que faz que algo seja o que ele é, a essência é o que ele
é; mas o que é que faz que a essência seja o que ele é? A forma. A forma é o
princípio que faz, é o princípio essencial que faz que algo seja o que é, é a forma
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 4
humana, ou seja, nossa alma que faz, o que faz que sejamos homens, é a forma
substancial do gato o que faz que o gato seja gato; claro, a essência dele é gato
e ela, e essa essência se compõe de animal e forma, ou seja, de matéria e de
forma, mas o princípio que dá a felinidade, digamos assim, é a forma, a forma
substancial gatuna, digamos assim), mas a forma substancial não determina em
relação a algo que já é (porque ela que já fez que a coisa fosse, fosse um gato,
fosse uma pedra, fosse um homem, fosse um cavalo), mas constitui a substância
em seu próprio ser, ou seja, a forma substancial é a primeira das formas, porque
ela é a que constitui a substância em seu próprio ser: “forma dat esse” (a forma
dá o ser e a forma dá o ser àquilo que a substância é: forma dat esse).
Voltaremos a esse axioma muito detidamente tão logo na Escola Tomista.
Pois bem, a qualidade, por seu lado, supõe a substância já constituída (já
a substância gato, já a substância laranjeira, já a substância pedra, já a
substância homem), a qualidade já a supõe. Pois bem, vejam, não entendam
esse “já a supõe” como se se tratasse de uma anterioridade cronológica, porque
obviamente, desde que uma substância é substância determinada por sua forma
substancial, ela já tem acidentes. Quando se fala que supõe, é supõe segundo
a natureza, segundo... é uma anterioridade, como se dirá mais adiante,
ontológica, não uma anterioridade cronológica. Supõe a substância já constituída
e dá novo modo àquilo que a substância já é ou já tem. Então a substância,
estando já constituída segundo sua forma substancial, porque a forma dat esse,
a forma dá o ser àquilo que a substância é, suposto isso, com suposição de
natureza, com suposição ontológica, não com suposição cronológica, então ela
já pode ter determinações ulteriores. Essa determinação ulterior é que é a
qualidade. Suposto o embrião humano, ele já tem certas qualidades, já tem
desde o embrião, ele já tem certas qualidades.
Pois bem, isto é quanto à matéria. Mas (2) – vejam que o número 1 foi
segundo a substância em si mesma, agora (2) segundo a quantidade e já vimos
que é o único acidente anterior à qualidade, está certo? É o único. Sobre isso,
sobre a ordem dos acidentes, dos predicamentos, das categorias falarei na aula
seguinte. Pois bem, segundo a quantidade que é o único acidente anterior à
qualidade. Ou seja, enquanto suas partes podem dispor-se de uma maneira ou
de outra, e então temos a forma e a figura, que é a mais difícil de todas as
espécies, que é a quarta espécie de qualidade.
Bom, tudo isso é um preâmbulo, foi a divisão, agora se entenderá cada par
destes, cada par que constitui uma das quatro espécies de qualidade.
Vamos agora para o terceiro par que constitui, de qualidade, que constitui
a terceira espécie de qualidade. É, por um lado a paixão, e por outro lado a
passibilidade ou padecibilidade. Podem usar-se as duas palavras. Passibilidade
é menos rebarbativo que padecibilidade, mas as duas são possíveis.
Pois bem. Vamos, então, para o último par e mais difícil, mais difícil.
Realmente é muito difícil. Eu vou tentar tecer considerações sobre isso.
Confesso-lhes que foi aquele que tive mais obstáculo para compreensão. Como
verão, está resolvido, como verão em meu Tratado dos Universais, está
resolvido. Se Deus quiser, se saia, né? Está resolvido, mas não é simples, não
é simples. Depois vou dar alguns exemplos da minha luta com esta quarta
espécie de qualidade.
Alguém escreveu-me dizendo que, que eu teria dito que forma e figura se
distinguem assim como uma espécie se distingue de outra espécie. Bom, se o
disse, escapou na fala, porque não é possível. Eu não diria isso em sã
consciência. É o problema às vezes da oralidade. Às vezes escapa-nos, às
vezes nos escapa o erro involuntário, você já está pensando em outra coisa e a
expressão não é fiel ao que você pensa. Pois bem, mas nunca se distinguem
como uma espécie se distingue de outra espécie. Como quer que seja, a forma
acrescenta à figura certa perfeição. Que perfeição é esta? Não naquele sentido
incomum, mas no sentido de que a forma é a figura própria da espécie, da
espécie, ou seja, a espécie humana tem uma forma – veja, não forma substancial
que é sua alma – tem uma forma ou configuração externa que é uma espécie de
forma ideal. Com efeito, tomemos um coelho. Tá certo? Se quero traçar o
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 10
Pois bem, então quem já leu minha Suma Gramatical sabe que eu uso ali
nunca forma aqui nesse sentido, sempre uso figura ou configuração externa. Por
quê? Porque sobretudo numa gramática eu já havia falado de forma substancial,
imagine se eu uso forma para forma substancial ou para a figura enquanto, ou
para figura enquanto figura própria da espécie! Criaria tremenda confusão nos
leitores que estão no primeiro degrau da sua caminhada rumo à Metafísica, ou
seja, estão na Gramática, estão na Gramática. Não sei se se lembram, quando
eu dei a Gramática, a Gramática ela não se entende perfeitamente sem as luzes
da Lógica, é subordinada à Lógica, mas, na vida, começa-se pela Lógica, pela
Gramática. Por quê? Porque não há Lógica sem uma língua cultivada e a língua
cultivada pressupõe a Gramática. É a nossa circularidade em estado agudo,
digamos assim. A ordem ideal seria começar pela Metafísica, porque, conhecida
a Metafísica, tudo o mais se ia dando naturalmente: da Metafísica se passaria
para a Física, da Física para a Lógica, da Lógica para a Gramática. Mas nosso
intelecto é demasiado débil. Então tem de começar pela Gramática que não se
vai entender perfeitamente por si mesma. Só quando se estudar a Lógica é que
se entenderá mais perfeitamente a Gramática, mas, estudada a Lógica, ainda é
preciso a Física e a Metafísica para que a mesma Lógica se entenda mais
perfeitamente para que, então, a mesma Gramática se entenda ainda
cabalmente. Ou seja, é a circularidade que não se confunde – atenção – com a
circularidade kantiana. Como costumo dizer, a circularidade kantiana é
solipsista, é como uróbolo. Uróbolo é aquela serpente que devora a própria
cauda. É uma espécie de círculo infernal, porque não se sai daí. A nossa
circularidade se resolve ao fim e ao cabo. Claro, ela sempre fica meio... o nosso
conhecimento sempre fica como que velado, como que obscurecido por certo
véu, coisa que só se superará, o que nós veremos no último ano da Escola
Tomista, quando virmos e se virmos a Deus por essência, porque, conhecendo
a causa de tudo, ter-se-á conhecimento de tudo perfeito, já sem circularidade
nenhuma e sem véu algum. Mas, como quer que seja, a nossa circularidade tem
alguma solução, enquanto a circularidade kantiana, como veremos no quarto
ano de nossa Escola Tomista, é sem solução, é como uróbolo, ou seja, a
serpente ou monstro que devora a própria cauda.
Pois bem, creio que já foi suficiente. Qualquer dúvida escrevam, mas creio
que os ajudará muito esta aula aqui. Mas ainda falta dar-lhes as propriedades da
qualidade. Quantas propriedades tem a qualidade? Três, três propriedades.
convém a algumas das qualidades, não a todas. Por exemplo: são contrárias
aquelas coisas... por exemplo não, é isto mesmo, são contrárias aquelas coisas
cuja diferença é máxima dentro de um mesmo gênero. Assim, a justiça é o
contrário da injustiça, e, quanto à negrura, é o contrário da brancura, porque no
gênero das cores os extremos são a brancura e a negrura. Mas, entre a brancura
e a negrura, há o verde, o roxo, o amarelo, o vermelho, e estas não têm contrário.
O roxo não tem contrário, o vermelho não tem contrário, o verde não tem
contrário, o azul não tem contrário, mas o negro tem contrário. Qual é seu
contrário? O branco. E o branco tem contrário. Qual é seu contrário? É o negro.
E assim é porque são os dois termos extremos (negrura e brancura) do gênero
das cores. Mas amarelo, roxo, azul, rosa são cores também, ou seja, são
qualidades sem ter contrário. Então esta primeira qualidade convém a algumas
das qualidades, mas não convém a todas.
Pois bem, às vezes você está no campo da dialética e não sai dele, mesmo
no âmbito de um tratado científico. É o caso de Aristóteles, por exemplo, ao tratar
as, a categoria do ad aliquid, do a algo, da relação quanto a uma parte dele,
quanto a uma parte dele como verão. Então, para instruí-los sobre o salto que
se dá entre a opinião mais provável e a certeza, é que, na próxima aula, eu darei
a categoria ou predicamento ad aliquid – relação – segundo estritamente o que
põe Aristóteles em seu grande opúsculo As Categorias, terminando com a leitura
de três, duas páginas e meia desta parte do seu Tratado em que ele fica no
tópico, no dialético. E na aula seguinte eu darei a solução tomista, agora já
científica. Santo Tomás, neste ponto, passa do... aliás, Aristóteles também já o
faz em grande parte na Metafísica, mas o que faz Santo Tomás? Aperfeiçoa a
mesma perfeição já dada a esta opinião mais provável na Metafísica de
Aristóteles. Então nós teremos em duas aulas primeiro como põe Aristóteles a
questão do ad aliquid, do predicamento ad aliquid no seu opúsculo As Categorias
no qual uma parte não é apodíctica, senão que é tópica, dialética, opinião mais
provável. E, na aula seguinte, darei então a solução do mesmo Aristóteles na
Metafísica – lembre-se que a Metafísica é que completa as Categorias – na
mesma Metafísica e, mais que isso, a solução perfeita dada por Santo Tomás já
no comentário à Metafísica. Então, há uma espécie de antecipação quanto a isto
e isto instruirá magnificamente sobre dupla coisa, quanto a dupla coisa, quanto
a duas coisas: primeiro – várias coisas, aliás – primeiro, repita-se, que no mesmo
tratado científico há lugar sim para o dialético, para o tópico, para a opinião mais
provável, que se aprende a alcançar, repita-se, na arte da dialética que
estudaremos mais adiante; (2) pra mostrar também que a Metafísica completa o
Tratado das Categorias; (3) pra mostrar a importância da exegese de Santo
Tomás de Aquino quanto aos textos aristotélicos. Isso se tornará patentíssimo já
a partir do Peri Hermeneias, patentíssimo nos Analíticos Posteriores. Sem a
penetração, a agudeza de Aristóteles, de Santo Tomás para desentranhar o
sentido de obscuros textos aristotélicos, geniais, mas escritos de maneira
obscura, isso foi fundamental.
Tomás, que é preferível, como eu o fiz na Gramática, usar figura em vez de forma
do silogismo, conquanto haja aquela diferença já dita entre forma e figura.
Pois bem, então as próximas duas aulas lhes serão, creio, muito instrutivas,
muito instrutivas pra mostrar a importância do tomismo, a importância de
Aristóteles, obviamente, aliás de Aristóteles, de Platão, de todos, mas a
importância suma do tomismo que não só Santo Tomás, que não só conseguiu
desentranhar o sentido genial das obras de Aristóteles como conseguiu corrigir
de tal modo Platão que fez que Platão e Aristóteles se conciliassem, de certo
modo, de uma maneira que nunca havia sido conseguida por nenhum dos que
haviam tentado conciliar os dois grandes filósofos. É mais uma vez, é mais uma
amostra da superioridade imensa do tomismo e de quanto, quão prejudicial foi
ao pensamento humano seu esquecimento. Daí a importância de ler o livro de
Daniel Scherer que tenho a honra de ter por meu aluno chamado A raiz
antitomista da modernidade filosófica que saiu pelas Edições Santo Tomás.