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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 35
Bem-vindos à trigésima quinta aula de nossa Escola Tomista. Estamos no
Tratado das Categorias III. Não nos percamos.

Pois bem, terminei a aula passada dando o terceiro antepredicamento –


ficou, como são quatro, faltando o quarto antepredicamento para esta aula.

Pois bem, nesta aula – que não terá, aliás, documento – darei o quarto
antepredicamento; depois darei conclusões gerais a respeito dos
antepredicamentos; e depois falarei já das categorias ou predicamentos em
geral, para que na próxima aula então comecemos a tratar a substância.

Pois bem, o quarto antepredicamento é o das regras de inclusão. Este


quarto antepredicamento – as regras de inclusão – consiste em distinguir o que
pertence em linha reta aos predicamentos daquilo que pertence a esses mesmos
predicamentos não em linha reta, mas lateral ou indiretamente – e isto se faz
justamente por meio de duas regras que acabamos de chamar de regras de
inclusão. Primeira regra de inclusão: quando algo se predica de outro ut de
subiecto, ou seja, quando algo se predica de outro como de um sujeito – este
“ut” aqui é “como” – tudo o que se diz do predicado superior se diz também do
sujeito inferior. (Repita-se: quando se predica de outro como de um sujeito tudo
o que se diz do predicado superior se diz também do sujeito inferior).

Um exemplo clássico: animal se predica ou se diz de homem – com efeito,


o homem é animal –, mas o homem se diz de Pedro como de seu sujeito, porque
Pedro é o sujeito de ser homem, portanto, animal também se diz de Pedro. Então
vejam bem: animal se diz de homem, homem se diz de Pedro como de seu
sujeito, logo, o destino superior também se diz do sujeito inferior, ou seja, logo
animal também se diz de Pedro. (Repita-se para que fique fixado isto. Façamos
o silogismo: animal se diz de homem, homem se diz de Pedro – e se diz de Pedro
como de seu sujeito –, portanto, animal se diz também de Pedro).
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Pois bem, as duas predicações devem cumprir (essas duas) certas


condições para não cair no que se chama a falácia do acidente (a falácia de
acidente ou do acidente, como preferirem). ([Então essas duas predicações
devem cumprir certas condições para não cair na falácia do acidente ou de
acidente]. Vejam que teremos aulas só sobre as falácias. [Uma das falácias –
aliás, o número das falácias é na prática indefinido mas teremos de defini-lo em
ordem a ensinar o que é a falácia [ou silogismo, ou paralogismo], que é um modo
errado de fazer o silogismo]). Pois bem, quais são essas duas condições que
impedem que essas duas predicações incorram na falácia de acidente (ou do
acidente):

Número um: a primeira predicação deve ser como de um sujeito convir,


ou seja, como o superior se predica do inferior; a primeira predicação deve ser
como a predicação do superior para um inferior. É sofístico (é paralogístico, é
falacioso) dizer algo como: o homem é ridente (já ouvimos que essa é uma
propriedade do homem: o homem é ridente), ridente é qualidade, logo, o homem
é qualidade. — Vejam o sofisma de acidente: ridente é um acidente, é um
acidente próprio (mas um acidente). Pois bem: o homem é ridente, ora, ridente
é uma qualidade, logo, o homem é qualidade. Esta é a falácia do acidente (é um
exemplo de falácia de acidente).

(Pois bem.) Número dois: a segunda predicação (e com respeito a ela


Aristóteles não esclarece nada) deve ser in quid, (já vimos o que é in quid, ou
seja, essencial) deve ser uma predicação essencial; e a maneira e a predicação
pode ser essencial (in quid), seja como gênero, ou como diferença. (Com efeito,
é sofístico [é paralogístico, é falacioso] dizer: “Pedro é homem, ora, o homem é
chinês, logo, Pedro é chinês”. Isso é um absurdo, é como se eu dissesse: “Carlos
é homem, mas o homem é africano, logo, Carlos é africano”. É também uma
falácia de acidente. Outro exemplo: “Joaquim é homem, homem é espécie, logo,
Joaquim é espécie” [outro exemplo de falácia]). Pois bem, então esta é a primeira
regra com sua dupla condição.

Agora vamos à segunda regra (lembrem-se que estamos nas regras de


inclusão que constituem o quarto antepredicamento): [a segunda regra reza] se
os gêneros são diversos e não subordinados entre si (por exemplo, vivente e
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não-vivente: eles são diversos e não são subordinados entre si – nem vivente se
subordina a não-vivente, e nem não-vivente se subordina a vivente) [pois bem,
se os gêneros são diversos e não subordinados um ao outro], suas diferenças
são especificamente diversas. Pois bem, entendamos: segundo esta regra,
‘por gêneros subordinados’ devem entender-se não só aqueles dos quais um se
inclui no outro, como animal e vivente, (agora sim, animal se inclui em vivente)
mas também dos gêneros que estão incluídos em um terceiro mais universal; o
exemplo é de Aristóteles: ovíparo e vivíparo dentro de animal (ambos tanto
aquele primeiro caso, como este segundo, vão ter em comum as diferenças que
se predicam de animal; que diferenças são essas?: vivente sensível). Com efeito,
tanto ovíparo como vivíparo são animais e sensíveis. Pois bem, por diferenças
se entende não só as diferenças constitutivas em ato do gênero (se é subalterno,
porque o gênero generalíssimo, [qual é?] a substância, não tem diferença
constitutiva. Eu digo: ‘gênero substância’, mas não posso acrescentar-lhe
nenhuma diferença, porque ele não é divisão de nada) [então repitamos: por
diferenças se entendem não só as diferenças constitutivas em ato do gênero],
se é subalterno, (se for subalterno, porque o gênero generalíssimo não tem
diferença constitutiva, não há nenhuma diferença que o constitua) mas também
as diferenças divisivas em potência, como nos mostram os próprios exemplos
de Aristóteles: “pedestre e bípedo”. “alado e aquático” — são diferenças de
animal.

(Portanto), primeiro: se um gênero inclui a outro todas as diferenças


constitutivas do superior, são também diferenças constitutivas do inferior; todas
as divisivas do inferior são divisivas do superior; a última constitutiva do inferior,
porém, é divisa do superior. (São três [vamos repetir essas três primeiras]
conclusões: se um gênero inclui a outro, todas as diferenças constitutivas do
superior são constitutivas também do inferior). Segundo: todas as divisas do
inferior são divisivas do superior, e, por fim, a última constitutiva do inferior é
divisiva do superior. Número dois {nota do transc...: “terceiro”}: se ambos os
gêneros se incluem em um terceiro mais geral, então têm em comum as
constitutivas do superior e não as divisas (se o único superior comum fosse
gênero generalíssimo, não teriam nenhuma diferença comum, pois a diferença
constitutiva de um não se dá no outro).
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Por fim, por diferenças especificamente diversas devem entender-se


as que são formalmente diversas (formalmente porque materialmente
consideradas): é diversa a racionalidade de Pedro que a de João (mas não entra
aqui, porque isto é material; trata-se apenas das diferenças consideras
especificamente, ou seja, formalmente). Conclusão: pela primeira regra de
inclusão que acabamos de ver, ordenam-se as coisas incluídas em cada
predicamento (vejam, então, que essas regras que são antepredicamentos se
aplicarão à primeira das duas regras que acabamos de ver); pela segunda,
excluem-se de um predicamento as coisas pertencentes a outro predicamento.
(Repitamos, então, esta dupla conclusão: pela primeira regra ordenam-se as
coisas incluídas em cada predicamento; pela segunda regra excluem-se de um
predicamento as pertencentes a outro predicamento).

Pois bem, como vimos quatro predicamentos, temos agora de dar, ainda
que de maneira muito geral, as conclusões gerais (não é um ponto tão simples.
Resumi tudo. Vou tentar ser o mais claro possível, mas insista-se em que tudo
isto que nós estamos vendo – os antepredicamentos – só ficarão de todo claros
quando tratarmos os predicamentos: aí entenderemos perfeitamente as razões
dos antepredicamentos. [“Ante”, lembremos quer dizer “antes”, não “anti” no
sentido de contrário: “combate ‘anti’ droga”, “contra” droga; “ante”, assim como
“’ante’ diluviano”, “’antes’ do dilúvio”]): como a intenção deste tratado é ordenar
e distinguir nada menos que todo os entes (o que são os entes? o que é o ente
é? o que é já o vimos: é o que é; para simplificar: é o que existe; logo, os entes
são; [“que são” para simplificar “o que existe”, porque para simplificar digo?
poder-se-ia usar sempre “existir”, sucede, porém, que Deus é ente e não existe,
Ele “é”]. — A razão de que Deus seja, sem existir propriamente falando, dá-la-
emos no ponto da Metafísica; ou seja, bem adiante), o que não se pode fazer de
modo absoluto (atenção), mas só por meio de conceitos incomplexos (não
estamos na primeira operação? A primeira operação não se chama simples
apreensão ou inteligência dos incomplexos? Então, isto de ordenar e de
distinguir todos os entes, aqui, no âmbito da primeira operação, não se faz de
modo absoluto: faz-se apenas mediante conceitos incomplexos – aqueles que o
intelecto abstrai na primeira operação, aqueles conceitos que ele abstrai dos
fantasmas ou imagens sensíveis que a cogitativa nos fornece ao intelecto) e
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significados pelas palavras ou vozes (“voz” aqui tem um sentido de “palavra”;


poder-se-ia dizer “verbo”, mas isto confunde um pouco com o verbo: “eu vou, tu
vais, ele vai”, não).

Só se pode fazer essa distinção e esta ordenação de todos os entes no


tratado das Categorias ou Predicamentos de modo não absoluto, mas mediante
conceitos incomplexos e significados pelas palavras – pelas vozes -- e se é isto
que eu acabo de dizer, então convinha de fato preestabelecer
antepredicamentos (preestabelecer algumas coisas).

Das cinco condições dos entes enquanto são significados e como foi
explicado – isto é, a equivocidade, a univocidade, a denominação, a
incomplexidade e a complexidade – provêm muitas coisas de grande utilidade
para a doutrina das Categorias ou Predicamentos; primeira: sabemos como fixar
nossa inteligência segundo a primeira operação do intelecto ao se apresentarem
estas vozes ou palavras. O equívoco, não o devemos considerar com
simplicidade porque, na verdade, ele não tem um único conceito. Já vimos que
o equívoco pode ser simpliciter ou absoluto ou secundum quid ou análogo. Em
contrapartida, o unívoco sim: há de ver-se com simplicidade, pois não tem duplo
sentido.

Pois bem, no caso do denominativo – que já tratamos – deve tomar-se o


denominativo segundo a sua própria significação, para o qual há que se
considerar o denominante do qual provém; do qual, porém, não difere se não só
difere segundo o caso – lembram-se dos casos das línguas declináveis? E ao
distinguir o incomplexo do complexo alcançamos, separadamente, o objeto da
primeira operação – que já vimos, são os incomplexos.

Segundo item: sabemos o que reunir ou buscar em um ou vários gêneros – isso


decorre dos antepredicamentos, os equívocos e os complexos pertencem a
vários gêneros, já o vimos, “cão”: cão animal, cão constelação; há vários gêneros
– e mesmo os análogos; enquanto os unívocos e os incomplexos há um só, ao
passo que os denominativos seguem o denominante. Terceiro ponto: sabemos
de quantas maneiras diversas podem dar-se as coisas sobre os conceitos,
porque mesmo sobre vozes ou palavras incomplexas, elas podem ser complexas
ou incomplexas, porque eu posso ter uma palavra simples e complexa para um
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conceito complexo e vice-versa: posso ter uma palavra complexa, como lobo-do-
mar, para um só conceito incomplexo. Sob as palavras incomplexas, os
conceitos podem ser complexos ou incomplexos, equívocos, unívocos ou
denominativos. E sabendo isso, sabemos que o que se reúne são só no âmbito
do nosso tratado as incomplexas unívocas; as Categorias ou Predicamentos
trata dos incomplexos unívocos. O tratamento da analogia é posterior – o
estudaremos aqui sobretudo quanto aos transcendentais, que são os análogos
superiores.

Pois bem, outro ponto que se pode concluir é que sabemos agora que
todos os gêneros não podem ser reunidos senão sob um algo equívoco ou antes
análogo – equívoco secundum quid; o quê? O ente. Então, se reunirmos todos
os gêneros que vamos estudar aqui – que já sabemos que são dez; são as
Categorias ou Predicamentos – e que só podem reunir-se não sob um conceito
ou um gênero unívoco; eles têm de reunir-se sobre uma noção análoga ou
conceito análogo ou equívoco secundum quid; e qual é este? É a noção ou
conceito de ente, que é o primeiro dos transcendentais, como estudaremos em
seu momento.

Sabemos agora, também, que todo contido em um mesmo e só gênero


se reúne em ordem ao primeiro deste gênero como a um unívoco e sabemos,
por fim, que um Predicamento pode unir-se a outro por denominação; tudo isso
decorre dos nossos antepredicamentos.

E, finalmente (ainda tentando concluir tão geralmente de tudo o que nós


já estudamos dos antepredicamentos, a partir de agora também sabemos de
muitas outras coisas; sabemos, por exemplo, que as coisas se reúnem per se,
ou seja, essencialmente, nos predicamentos, e outras se encontram aí
redutivamente; e sabemos também como se reduzem, de maneira diversa, os
equívocos, os denominativos e os complexos; e sabemos também, agora, como
a predicação pode dar-se de diversas maneiras. São conclusões generalíssimas,
peço-lhes que de posse da transcrição das aulas anteriores releiam estas aulas
anteriores, dos antepredicamentos, e verão que estas conclusões que acabei de
dar são conclusões claras de todo estudado nos antepredicamentos.)
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Pois bem, os antepredicamentos são estudados exatamente em ordem


aos Predicamentos ou Categorias e é exatamente isto, é para isto que vamos
estudar agora que estudamos os antepredicamentos Vamos começar a estudar
agora os predicamentos, mas antes de estudar cada um dos dez Predicamentos
ou Categorias, estudemos preambularmente os predicamentos em geral (este é
um método sempre aristotélico, ele sempre estuda em geral antes a coisa para
depois estudar a cada coisa por si. Ele faz isso nas Categorias, esta obra-prima
que é o opúsculo – as Categorias é um livro muito pequeno.) Então antes de
estudar cada Predicamento ou Categoria Aristóteles dá a lista dos dez
Predicamentos e depois vai declarar uma propriedade que é comum a todos;
então, ele antes de começar a estudar cada um dos Predicamentos ou
Categorias, ele dá a lista dos dez predicamentos e mostra uma propriedade que
é comum a todos. Pois bem, comecemos pelas dez categorias ou
predicamentos.

Agora – digo-lhes, com certo descanso, digamos assim – é uma parte


mais fácil de explicar; até agora, desde os Predicáveis, estávamos em um âmbito
altamente abstrato; agora as coisas vão começar a ser mais concretas e, pelo
modo de sedimento de que falo desde a primeira aula da Escola Tomista, agora,
o que nós aprendemos nos Predicáveis e nos antepredicamentos vai começar a
sedimentar-se na mente de vocês porque estudaremos agora os mesmos
predicamentos que, vocês verão, já não estão, digamos assim, num plano tão
abstrato, tão árduo, para nós, para vocês e para mim (porque a explicação disso
não é nada simples, exige de mim um grau de tensão muito grande; uma coisa
é escrever sobre tudo isso, e está escrito em meu livro o Tratado dos Universais
– já lhes disse que ainda não o publiquei porque falta resolver uma coisa –
escrever para mim é muito mais fácil, mas para você é mais difícil, eu não posso
ir e vir, vocês não contam com os meus gestos, com as minhas expressões para
entender aquilo, aquilo é uma letra fria, impressa em um papel; aqui não, aqui é
um vai e volta às perguntas e tal, mas, do ângulo do professor, ministrar essa
matéria tão abstrata como foram os Predicáveis e os antepredicamentos é muito
mais árduo que escrevê-los. Pois bem, então respiro um pouco.)

Os dez Predicamentos de Aristóteles, vamos acompanha-lo! Ele diz


(vamos ver se minha memória está boa e quem tiver e quiser acompanhar o que
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vou dizer aqui com essa parte das Categorias de Aristóteles – quem o tiver em
mãos, mas não é necessário, porque vai haver a transcrição – mas vamos
exercitar a minha memória) das coisas que se dizem “sem complexidade
algumas” – por quê? Porque estamos no âmbito da primeira operação; qual é?
A simples apreensão ou inteligência dos incomplexos, dos não complexos,
então, das coisas que se dizem sem nenhuma complexidade, cada uma significa
substância ou quantidade, ou qualidade, ou, direi em latim, ad aliquid (quer dizer
“à algo” ) ou ubi (“onde” ou “quando”; tanto em português como em latim) ou situs
(situação) ou habere (haver, no sentido de ter, possuir) ou facere (fazer) ou pati
(padecer).

Então, das coisas que se dizem sem complexidade alguma, cada uma
significa ou substância (em latim, substantia) ou quantitas (quantidade) ou
qualitas (qualidade) ou ad aliquid (a algo) ou ubi (quando) ou situs (situação) ou
habere (haver ou ter) ou facere (fazer) ou pati (padecer). Pois bem, Aristóteles
explica cada uma dessas coisas não dando a razão desta divisão, mas com
exemplos. Vamos ver minha memória outra vez.

Da substância, para dizê-lo resumidamente ou em uma palavra, é


exemplo o “homem”, o “cavalo”; o cavalo e o homem são exemplos de
substâncias; da quantidade, de “dois côvados”, de “três côvados”, ou seja, algo
que mede – era uma medida antiga – algo que seja de dois côvados, de três
côvados, são exemplos da quantidade; da qualidade dá dois exemplos:
“gramático” e “branco”. Do ad aliquid, ou seja, da relação, ou seja, “a algo”, ele
dá exemplos como “dobro”, “metade” e “maior”, porque, com efeito, se algo é
maior, é maior ad aliquid, com respeito a algo; do “onde” ele diz “no Foro ou no
Liceu” – Liceu era a escola mesma fundada por Aristóteles e o Foro era a praça
pública das poleis, das cidades antigas; do “quando” ele dá exemplo “ontem”,
“no ano passado”; do “estar situado” ou “posicionado” – também pode-se dizer
posicionado, talvez seja mais claro em nossa língua – “deitado”, “sentado”; do
“haver” ou “ter” ou “possuir” ele dá o exemplo “ir” ou “estar calçado”, segundo
exemplo, “estar armado”; do “fazer” – ou seja, é a categoria da ação, como
veremos – ele dá como exemplo “cerrar” e “queimar” e do padecer, que é a
categoria da paixão – lembrem-se que “paixão” hoje adquiriu muitos significados,
sobretudo, por exemplo, pela Paixão de Cristo; é um sofrimento, mas “paixão”
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não quer dizer necessariamente algo sofrido ou ruim: se eu sou queimado pelos
raios do sol, eu padeço a ação dos raios do sol – pois bem, do “padecer” – assim
como do fazer, do facere, ele deu como exemplo “cerrar e queimar” – ele dá
como exemplo do padecer “ser cerrado” e “ser queimado”, já vemos assim que
ação e paixão, fazer e padecer, corresponde, nas línguas, gramaticalmente, à
voz ativa: “cerrar” e “queimar” e à voz passiva “ser queimado, ser cerrado.”

Bom, lembrem-se que estamos vendo os Predicamentos ou Categorias


em geral, ainda não estamos em cada um deles; começaremos na aula que vem
a tratar a substância. Pois bem, devemos perguntar-nos como obteve Aristóteles
esta lista, dos diferentes gêneros das coisas ou entes. Veremos que entes e
coisas são ambos transcendentais – os transcendentais são ente, coisa, algo,
uno, verdadeiro, bom e belo – é isso que nós vamos discutir. O que nos cabe
tentar saber agora é como Aristóteles obteve essa reunião de dez Categorias ou
gêneros máximos do ente das coisas. Como ele conseguiu isso? Como ele
conseguiu entender que as coisas são uma dessas dez Categorias ou
Predicamentos? Pois bem, houve várias tentativas de fazer isso antes de
Aristóteles, são várias as tentativas de classificar, de ordenar os entes, de
ordenar as coisas; pois bem, demos um exemplo: os pitagóricos – bom, isso nós
vamos ver mais detidamente quando alcançarmos, no quarto ano de nossa
Escola, a História da Filosofia, do impulso grego ao abismo moderno –
distribuíram os entes em vinte classes: dez boas e dez más; faziam-na por
oposição, obviamente. Platão, por seu lado, enumera cinco Categorias ou
grandes gêneros das coisas: o ser, o repouso, o movimento, o mesmo e o outro
(e ao “outro” às vezes ele o chama “o não ser”; leia-se isso no seu diálogo O
Sofista) tudo isso, repito, o veremos com detença ao estudarmos a História da
Filosofia.

Mas Aristóteles funda de modo sólido toda a sua Filosofia, estão nos
alicerces da doutrina filosófica da filosofia de Aristóteles, ao distinguir, de
maneira perfeitamente adequada, estas dez maneiras como se diz o ente; é o
único acesso que temos ao ser das coisas: por abstração, por composição e
divisão. A abstração no âmbito da primeira operação do intelecto; composição e
divisão no âmbito da segunda operação do intelecto. Consideremos algumas
coisas a partir do que eu acabei de dizer. O ente, aquilo que é, o que é pode ser
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per ser ou per accidens – já vimos. O ente per accidens, diferentemente do ente
per se, não tem uma ratio, ou seja, não tem uma razão ou quididade ou essência
única; exemplo: o homem negro. Há aí duas quididades: o “homem” e “negro.”
Número dois: o ente per se pode dar-se na realidade, fora de nossa alma, ou
pode dar-se só na nossa alma, ou seja, na nossa razão.

Isso nós estudaremos detidamente ao estudarmos o tratado de Santo


Tomás, De Malo, quando ele se pergunta e responde se o mal é algo e, a seguir,
é algo; e, antecipando, a cegueira não é algo na coisa, é algo na nossa mente;
a cegueira é uma ausência de visão; o que é algo é a visão, a ausência de visão
não é algo na coisa, senão que é algo na nossa mente, é um ente em nossa
mente, é per se, mas é somente na razão – peço-lhes que entendam que isso é
uma seta – a razão considera negações e privações à maneira de entes, só a
razão! Acabei de falar que cego é só na mente; claro que é. A privação ou a
negação não existe na realidade; a privação ou a negação, como veremos
detidamente, só existe na nossa mente, conquanto – atenção – tenha um
fundamento in rem (na coisa) – tudo isso se verá – qual é este fundamento em
que se dão as privações ou as negações em nossa mente? Esse fundamento é
o bem – vê-lo-emos mais adiante. Outra coisa que se há de dizer é que, às vezes
chamamos ente ao que ainda está em via de sê-lo, ou seja, está em potência,
mas não o é ainda – ele ainda está em potência, ele ainda não é em ato. (Tudo
isso também é uma antecipação agora da Física de Aristóteles.) Então, às vezes
se diz ente aquilo que ainda não é, mas vai vir a ser ou pode vir a ser: é o caso
do ente em movimento; por isso eu digo que o estudaremos na Física de
Aristóteles, na Física geral, porque é a Física geral que estuda o movimento.
Este ente que ainda não é e que virá a ser é o ente em movimento; e neste ente
em movimento há mescla de ato e potência – antecipe-se (seta) – se eu vou me
movimentar daqui para ali, eu ainda não estou ali, mas já estou aqui, então há
uma mescla de ato de estar aqui e potência para estar ali. Então em todo o ente
em movimento, há uma mescla de ato e potência, mas o que distingue – isso é
preciso ter claro – o ente atualmente ou propriamente é o ato e não a potência.
A semente do carvalho é em ato semente e em potência o carvalho, mas o que
nos importa aqui, o que é ente propriamente dito é a semente enquanto é
semente em ato. Insista-se que o que interessa é o ente per se, fora da alma e
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em ato; é isto que está em jogo aqui no tratado das Categorias; é o ente per se
e em ato e fora da alma. Por quê? Porque todos os outros modos do ente se
entendem em relação a este, pois é este mesmo modo do ente o que Aristóteles
divide nos dez Predicamentos ou Categorias; são os dez modos de dizer “ente.”

A primeira distinção que entre estes dez modos estabelece Aristóteles é


evidente. Há coisas que se dizem entes por que são algo – algo, lembremos, é
outro transcendental – tem ser por si mesmas, são por si mesmas – o que é isto?
Já o veremos. As outras se dizem ente, que são, não porque sejam algo nelas
mesmas, em si mesmas, mas porque são algo em outra coisa. O primeiro gênero
das coisas que acabo de dizer se chama substância e o outro acidente; é aquilo
que viemos vendo desde o início de nosso curso: a diferença entre substância e
acidente.

Substância é aquilo que subsiste por si, aquilo que é por si, aquilo que é
em si, aquilo que é algo por si, que tem existência por si, que tem ser por si e
acidente é aquilo que se dá na substância, por isso é que a substância também
se chama, relembrem-se, suporte de acidentes; esta é a primeira divisão das dez
Categorias. Uma é a substância, as outras nove Categorias são acidentes de
que a substância é suporte porque a substância é o que é por si, enquanto as
nove Categorias de acidentes outros só são em outro, são em que outro? Na
substância.

Pois bem, isto não é tão difícil e viemos vendo desde o início de nosso
curso, mas a própria distinção dos gêneros de acidentes já não é tão manifesta,
já não é tão patente, já não é tão evidente; ela é bem mais delicada e sempre se
prestou a discussão e ainda se presta; é uma questão disputada. Repita-se que,
se a distinção entre substância e acidente ou acidentes é evidente, é patente, é
manifesta, não assim a distinção entre as nove Categorias de acidentes. De que
modo a obteve Aristóteles? De que modo Aristóteles obteve essa divisão em
nove Categorias de acidentes? Ela não parece ser resultado de uma série de
visões essenciais – o que são as divisões essenciais? Já o vimos, é a nossa
árvore: substância, vivente, não-vivente, etc – mas parece resultar de uma
análise direta, digamos, se há falta de uma palavra melhor, uma análise empírica
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da linguagem; parece isto. Parece que Aristóteles partiu daí; mas uma coisa é
de onde partiu e outra coisa é o ponto a que chegou.

Mas muitos afirmam que Aristóteles não tinha considerado fixamente,


como número fixo, inalterável, estabelecido de uma vez por todas, o número de
dez Categorias, ou seja, de nove Categorias de acidentes; pois bem, os que o
dizem apontam o que diz Aristóteles em vários livros e não só nas Categorias.

Vou permitir-me ler aqui porque agora minha memória já não está para
tanto; pois bem, nas Categorias e nos Tópicos, sem dúvida, Aristóteles enumera
dez Categorias ou Predicamentos; no seu livro Analíticos Posteriores, no seu
livro Física e no seu livro Metafísica, enumera oito – e não dez.

Vejamos o que ele diz em seus Analíticos Posteriores. É o seguinte: “uma


só coisa pode ser atribuída a outra só coisa: sempre com relação à substância”,
já veremos que substância tem duplo sentido, “ou à qualidade, ou à quantidade,
ou à relação, ou à ação, ou à paixão, ou ao lugar ou ao tempo” – então vejam
que esse “a” aí tem crase; esta frase está em seus Analíticos Posteriores. Vejam
que são oito, ele deixou de lado duas Categorias ou Predicamentos.

Na Física, ele diz o seguinte: “assim, pois, se as Categorias se dividem


em substância, qualidade, lugar, tempo, relação, quantidade, ação e paixão, tem
de haver, então, necessariamente, três classes de movimentos:”, ele está na
Física, logo está tratando o ente móvel, o movimento, como já veremos, “o
qualitativo, o quantitativo e o local” – vejam que novamente ele se refere a oito
Categorias; exclui duas. Exclui o situs e o habere. A “situação” ou “posição” e o
“ter” ou “haver” ou “possuir.”

Pois bem, já na Metafísica ele escreve o seguinte: “por si, se diz que são
todas as coisas significadas pelas figuras da predicação: pois, quantos são os
modos em que se diz, tantos são os significados do ente. Pois bem, dado que,
dos predicados, uns significam substância, outros, qualidade, outros,
quantidade, outros, relação, outros, ação”, ou paixão, “outros, lugar e outros,
tempo, o ente significa o mesmo que cada um destes.” Em outros lugares da
Metafísica – não vou desgastá-los com as citações – ele já não refere oito
Categorias, mas apenas sete. Na Ética a Nicômaco, que estudaremos ao
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estudarmos a Ética, ele só refere seis. Mas, seja como for, fora das Categorias
estão sempre ausentes o situs e o habitus, ou seja, o situs e o habere, a
“situação” ou “posição” e o “ter” ou “haver” ou “possuir” – haver também quer
dizer “ter” ou “possuir”, por isso que nós, na linguagem vulgar, usamos “ter” no
lugar de “haver” ou “existir”: “tem dois carros na rua”, ou seja, ao invés de “há
dois carros”, usamos “tem dois carros”: isso, a origem deste engano da
linguagem popular, é que na verdade o verbo “haver” antes de tudo quer dizer
“ter”, então, se chama em gramática de analogia cruzada, passou, na linguagem
popular, a usar “ter” ao invés de “haver” – não é conveniente, mas é um fato.

Então, contra os que dizem que as Categorias ou Predicamentos não têm


um número fixo, inamovível, inalterável, há que dizer que só nas Categorias e
nos Tópicos é que Aristóteles considera, toma as figuras de predicação por si
mesmas; em outros lugares, na Física, na Ética a Nicomaco, na Metafísica, nos
Analíticos Posteriores ou Segundos Analíticos ele sempre considera as
Categorias em referência, com relação à outra coisa daí que ele não necessite
sempre repetir as dez Categorias; quando, no entanto, ele fala das Categorias
em si, então ele insiste nas dez Categorias. Fica assim posto que as dez
Categorias são inalteráveis: nem se podem aumentar, nem se podem diminuir;
são dez e apenas dez. Uma dessas Categorias é a substância, as outras nove
Categorias ou Predicamentos são acidentes das substâncias.

Pois bem, por indução – quando estudarmos os Segundos Analíticos ou


Analíticos Posteriores veremos o que quer dizer exatamente indução – podemos
também ter uma ideia do acerto do número de dez Categorias. Ela foi aceita por
toda antiguidade depois de Aristóteles e até o século XV e muitos da época
moderna; essa divisão em dez Categorias foi a que presidiu as classificações
posteriores por todo esse longuíssimo período – é bimilenar! Os neoplatônicos
acolheram à tábua aristotélica das dez Categorias, embora tenham tentado dar-
lhe certa ordem. Mas, sem dúvida, os neoplatônicos aceitaram as Categorias de
Aristóteles e seu número dez. Santo Agostinho – que não era aristotélico – e
Boécio, também a adotam sem criticá-la de modo algum, sem sequer tentar
ordená-la, apenas a aceitam e ponto final e, assim mesmo, tal como a receberam
Boécio e Santo Agostinho, a tábua das Categorias passa à Idade Média e toda
a Idade Média a aceita sem contestação, incluindo a decadência da Idade Média
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(embora o nominalismo, como já vimos, o nominalismo não existe – o universal


– são meros nomes que, na ausência de nossa capacidade de entender a
essência as coisas individuais, para ele as Categorias são meras vozes, meras
palavras) Santo Tomás, o que importa é isso, adota também esta classificação,
esta tábua de Aristóteles, das Categorias ou Predicamentos e não só não a
critica de modo algum senão que a fundamenta, dando o fundamento racional a
esta classificação que o mesmo Aristóteles não fora capaz de dar – ele,
infelizmente, não comentou as Categorias de Aristóteles; que fabuloso teria sido
se o tivesse feito! Bom, eu, na minha escala, faço-o no meu Tratado dos
Universais.

Bom, no entanto, chegamos à época moderna, século XVI e aí começa o


questionamento das Categorias de Aristóteles. Descartes, o da dúvida metódica,
não admite a noção de acidente – vejam o empobrecimento, certamente
resultante da decadência da Escolástica com o nominalismo. Descartes é como
um reflexo radicalizado da decadência da própria Escolástica; ele não aceita a
noção de acidente e faz uma dupla distinção só, entre substância e modos da
substância; ou seja, já é um tratamento modal e não categorial. Ainda para
Descartes, a substância ele a divide em dois tipos irredutíveis: espírito e corpo.
Vejam, o erro de Descartes, resultante de seu platonismo empobrecido – já falei
disso ao falar da árvore de Porfírio, não podemos começar pelo espírito, o
espírito não nos é dado com evidência; nós, quando começamos a nossa
ciência, temos de partir daquilo que se nos dá os sentidos evidentemente. Nós
não temos inteligência para captar como evidente o ente espiritual; isso será
depois, isso é posterior. E lembrem-se da regra de ouro da ciência, da filosofia,
da sabedoria: ir do mais claro ao mais obscuro, já no início de sua filosofia
Descartes mescla o claro com o obscuro. Pois bem, mas ainda que divida tudo
isso em substância e seus modos, negando o acidente, o fato é que descarte
nunca dá uma lista de Categorias.

Consideremos agora Leibniz: Leibniz, apesar dos defeitos enormes de


seu monismo e de muitos outros defeitos de sua doutrina, faz concessões
efetivas à Escolástica e ele é o único a voltar em parte um pouco mais
solidamente à classificação aristotélica. Ele dá como Categorias a substância, a
quantidade, a qualidade, a ação, a paixão e a relação: seis, é o mesmo número
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que Aristóteles dá na Ética a Nicômaco. Wolff, que é de grande influência nesta


virada terrível do pensamento – é um dos fundadores do racionalismo moderno
– se inspira em critérios antes lógicos. Qual é a divisão que ele faz? Entes,
caracteres essenciais, atributos, modos e relações extrínsecas – vejam, é tudo
de segunda intenção, eis o racionalismo moderno, em sua expressão mais crua
e mais bruta – a divisão que ele faz das Categorias não é uma divisão do ente
na realidade, mas sim o quanto é considerado como de segunda intenção.

Pois bem, o empirismo demasiado simplificador de Locke, faz com que


ele reduza tudo à substância, aos seus modos e às relações; então temos três
agora. Pois bem, com Kant, então, vem o abismo – até agora o abismo não
estava dado totalmente, mas com Kant se dá o abismo . Aliás, digo-lhes
sinceramente que estou ansioso para chegar a História da Filosofia para poder
tratar da importância nefasta que teve Kant para a constituição não só do
pensamento moderno, mas do próprio mundo moderno. É Kant, com sua filosofia
solipsista, o que dá os fundamentos para simplesmente as ideologias que são
prometeicas – pois bem, tudo isso, eu voltarei a falar; eu não posso me agarrar
a isso porque eu me animo e saio do estrito aqui de nossa aula, mas o fato é que
com Kant muda completamente a perspectiva: já não se trata de indicar os
diversos tipos ou classes da realidade em si – que nós não conhecemos.
Segundo Kant, escapa-nos a nós a realidade em si, a coisa em si. As Categorias
de Kant não são as Categorias de Aristóteles, não são as Categorias de Locke,
não são as Categorias de Descartes, não são as Categorias de Leibniz, não são
as Categorias de Wolff: são as formas a priori – não na realidade – de nosso
conhecimento, ou seja, o que ele chama os conceitos fundamentais do
entendimento da inteligência pura. Veremos, na História da Filosofia como Kant
as extraí da consideração do Juízo considerado sob seus diversos aspectos –
que aspectos são estes? São a quantidade, a qualidade, a relação e a
modalidade. Divide em quatro, mas vejam trata-se de conceitos a priori, não de
conceitos extraídos da realidade com fundamento da realidade. Por isso é que
se pode dizer que depois de Kant as Categorias deixam de atender ao problema
que nos ocupa aqui.

Pois bem, vejamos agora como Santo Tomás justifica as Categorias de


Aristóteles. Ele o faz duas vezes. Ele justifica a divisão dos dez Predicamentos
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ou Categorias no seu comentário à Física de Aristóteles e em seu Comentário à


Metafísica – são duas obras de gênero. Relembro que no início do ano que vem
sairá a minha tradução do Comentário à Física de Aristóteles, junto com meu
livro Da Necessidade da Física Geral Aristotélico-tomista.

Nos dois lugares, tanto no Comentário à Física como no Comentário à


Metafísica de Aristóteles, ele distingue três modos de predicação; o primeiro
modo é aquele quando se diz aquilo que é o sujeito, ou seja, a substância ou
essência – estamos aqui no âmbito da divisão que vamos ver na aula seguinte
da substância duplamente substância primeira e substância segunda; a segunda
é a essência – o segundo modo é quando do sujeito se predica algo que não
pertence à sua essência e que, no entanto, é ou se dá no sujeito – em latim ele
usa o verbo inest. (A tudo isso voltaremos porque vamos estudar exatamente a
Física e a Metafísica.) Este segundo modo é um modo de predicação por
denominação ab intrinseco – de dentro. E o terceiro modo é quando do sujeito
se predica algo que o denomina ab extrinseco.

Pois bem, o primeiro modo de predicar, ou seja, quando se diz aquilo que
o sujeito é, funda o predicamento substância. Os outros dois modos dividem a
predicação acidental – que é sempre denominativa – e fazem-no de uma maneira
perfeitamente manifesta (segundo a denominação se tome de algo intrínseco ou
extrínseco ao sujeito.)

Bom, esclareça-se que, embora denominação se tome de um dominante


extrínseco, se predica do sujeito na medida mesma em que de uma maneira ou
de outra o afeta e é alvo no sujeito. Alguns vão por em dúvida – alguns tomistas,
como Joseph De Finance – que todos os predicamentos correspondam a
efetivos e distintos e diferentes modos de ser e assinalam o caráter extrínseco
de muitos deles. Estes que duvidam são tomistas – neotomistas, melhor dizendo;
De Finance é neotomista, era um Padre – e terminam pondo em dúvida a
realidade do predicamento “relação”, ad aliquid – mas se se nega a “relação”,
simplesmente se acaba com a própria Metafísica de Santo Tomás de Aquino. Há
muitos defeitos em muitos neotomistas, um deles é este, negar a “relação”, o “a
algo” não é “algo” real, é “algo” só de razão; isso é um equívoco e o veremos
detidamente ao tratarmos a Categoria “relação.”
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Pois bem, o segundo modo, por denominação intrínseca, se subdivide por


sua vez em três Categorias: quando aquilo de que se toma denominação
pertence, por si, per se, essencialmente e absolutamente ao sujeito, e temos
então duas Categorias ou Predicamentos, se é em consequência da matéria
temos o predicamento “quantidade”, se é, no entanto, consequência da forma,
temos o predicamento “qualidade.”

Então, explique um pouquinho isso de matéria e de forma. O sujeito da


quantidade e da qualidade, como de todo e qualquer acidente – isso sim eu
quero que vocês entendam perfeitamente desde já – não é nem a matéria sem
a forma, nem a forma sem a matéria; nós somos compostos de forma e matéria,
nós somos compostos de corpo e alma e todos os entes deste mundo visível são
composto de forma e matéria; pois bem, o sujeito da quantidade dessas duas
categorias intrínsecas, que são a quantidade e a qualidade não é nem a matéria
sem a forma, nem a forma sem a matéria, mas exatamente o composto de
matéria e forma. Então quando se diz que o acidente “quantidade” emana, é
consequência da matéria e a “qualidade” o é da forma, isso não quer dizer –
muito pelo contrário – que a forma seja algo sem a matéria e a matéria sem a
forma – são dois coprincípios. Apenas no homem vai dar-se algo que não existe
no restante do universo corpóreo – nós temos uma forma, uma alma que ela
mesma é substância, mas é uma substância de natureza ou de essência
incompleta -- isto o veremos ao tratar a psicologia) então, nem a matéria é nada
sem a forma, nem a forma é nada sem a matéria; são dois coprincípios de um
mesmo composto. Mas Santo Tomás, em suas distinções fenomenais, em seu
mar de pérolas lógicas, diz que como os acidentes tem ser na substância e como
a substância tem como princípios realmente distintos – e não só segundo a
razão, mas segundo a coisa mesma – dois coprincípios realmente distintos, que
são a matéria e a forma, -- isto de distinção real, vê-lo-emos no seu devido
momento – justifica-se, ou seja, pela distinção real entre os dois princípios de
uma mesma coisa que é a substância, justifica-se que a diversidade dos
princípios tenha como consequência a diversidade de propriedades acidentais.
A matéria tem por consequência a quantidade, enquanto a forma tem por
consequência a qualidade.
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No entanto, outro ponto, quando não pertence absolutamente ao sujeito


senão com respeito ao outro, ou seja, só pertence ao sujeito, mas em respeito a
outro, em relação a outro, com relação a outro, temos a relatio, ou “relação”, ou
seja, quando só pertence absolutamente ao sujeito sim, mas com relação a
outro, temos a categoria da relatio ou “relação.” E não se confunda a “relação”
com os acidentes ab extrinseco; não se confunda. Se eu digo que alguém é filho,
não denomino por algo que lhe é extrínseco; a filiação é algo dele mesmo. Se eu
sou filho de meu pai, a filiação é algo em mim, conquanto seja algo em mim, em
relação a outro, ao pai. É algo meu, com respeito ao outro que é meu pai. Isso
quer dizer, antecipe-se – voltarei a isso, veja, tudo isso que eu estou dizendo vai
se tratar detidamente em cada Categoria – a Categoria da “relação” ou relatio
tem o que é extrínseco, “meu pai”, como termo (término), como fim. Mas as os
outros seis acidentes têm o extrínseco não como termo, não como fim, mas como
princípio – é o que explica fabulosamente, aliás, o nosso João de Santo Tomás,
digo-o para não parecer que eu tenho alguma implicância com ele. Estamos no
segundo modo; agora vamos ao terceiro modo. Vejam, primeiro, segundo e
terceiro modos voltarão a ver-se na medida em que estudemos cada uma das
Categorias ou Predicamentos.

O terceiro modo dá lugar a seis submodos diversos de predicar e,


portanto, a seis modos de ser, a seis modos de ente. É verdade que Santo
Tomás trata isso diferentemente se se trata do Comentário da Física ou se se
trata do Comentário da Metafísica, mas aqui eu vou tentar evitar estas
dificuldades. Pois bem, a denominação extrínseca pode ser de todo extrínseca
ou segundo algo intrínseca. A denominação de todo extrínseca pode ser de duas
maneiras: não como medida – é a primeira maneira – e assim temos o
predicamento habitus, ou habere, ou “ter”, ou “posse”; como medida, da parte do
tempo ou a Categoria “quando” ou da parte do loco, “lugar”, ou ub. Mas a
denominação é extrínseca e no entanto segundo algo intrínseca quando
denominante está de alguma maneira no sujeito do qual se predica e isto pode
ocorrer de dois modos – e estes dois modos são exatamente os dois modos que
dão lugar aos últimos predicamentos -- segundo o princípio como agir, actio
(ação) pois o principio da “ação” está no sujeito; se eu ajo, o princípio do agir
está em mim e segundo o término ou termo, ou seja, como pati, como “paixão”,
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como passio, pois, com efeito, a paixão termina no sujeito paciente – aquele que
é queimado ou cerrado para que nos atenhamos aos exemplos mesmos de
Aristóteles.

A última coisa de que vou tratar aqui é da propriedade comum de tudo


isso. Todas estas coisas, consideradas em si mesmas, não afirmam coisa
alguma. São conceitos, mas não afirmam – e agora vamos relembrar as nossas
lições sobre a primeira e segunda operação do intelecto. Todas estas coisas
consideradas em si mesmas não afirmam nada; podemos ver isso por duas
razões. Toda afirmação se faz compondo e as coisas que nós estamos tratando
no tratado das Categorias são incomplexas – ora, composição quer dizer
complexão e os conceitos são incomplexos. Toda a afirmação – segunda razão
– é verdadeira ou falsa e eu não posso dizer que é verdadeiro ou falso “cavalo”,
“homem”, “qualidade”, “quantidade”, “dois côdos”, “três côdos”, “ontem”, “ano
passado”, “no Liceu”, “no Foro”: eu não posso dizer que isto seja verdadeiro ou
falso; se eu digo “Paulo” e digo “Papa”, eu não disse algo nem verdadeiro, nem
falso, ele será verdadeiro se eu digo “São Paulo não foi Papa”, mas será falso
se eu digo “São Paulo foi papa.” Pois bem, isto que eu acabo de dizer não se
discutirá, porém, aqui, no âmbito das Categorias, mas sim no âmbito do Peri
Hermeneias ou Sobre a Interpretação, ou seja, ao estudarmos a segunda
operação da razão ou intelecto.

Creio que posso dar por encerrada esta aula. Espero que lhes tenha sido
de agrado, mas antes, como sempre, qualquer dúvida e qualquer dificuldade não
me deixem de escrever de maneira alguma. Muito obrigado pela atenção e até
a nossa próxima aula.

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