Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 40
Bem-vindos à 40ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos no Tratado das
Categorias ou predicamentos VIII, VIII. Sim, aula 40, Predicamentos ou
Categorias VIII. Bem-vindos.
Pois bem, antes de tudo diga-se que a relação, assim como a quantidade,
assim como a qualidade, assim como todos os predicamentos é algo no sujeito,
é algo na substância.
Pois bem, como eu disse, houve quem duvidasse de que o acidente relação
fosse algo real e não mero ente de razão. Duvidaram. Aliás, ainda duvidam. Pois
bem, mas mais que isso, mais que isso se duvida até de que o acidente se
distinga realmente, os acidentes se distingam realmente da substância. Isto
sempre se duvidou e continua a duvidar-se contra a doutrina aristotélico-tomista
e de outros que a assumiram.
Pois bem, vou acompanhar o texto. Pois bem, dizem-se com respeito a
algo, com ralação a algo as coisas que aquilo que são exatamente elas mesmas,
diz-se que são de outras coisas ou com respeito, ou com relação a outras coisas.
Então repita-se a definição de Aristóteles: “dizes com relação a algo todas
aquelas coisas que aquilo que elas são elas mesmas diz-se que o são de outras
coisas, de outras coisas”. Vejam “de”, vejam essa preposição. “São de outras
coisas ou com respeito, ou com relação a outra coisa”.
metade só o é se for com respeito ao dobro. Mas isso eu não posso dizer do que
eu acabo de dizer: conhecimento de algo, o conhecimento tem de ser de algo,
mas algo não é de conhecimento, pode ser algo de qualquer coisa. Sensação de
algo: sensação se diz sempre de algo, mas algo não se diz sempre de sensação
de algo. Disposição para algo: da mesma forma. Este é um problema e vamos
pondo setas.
Pois bem, outra propriedade que têm os relativos é o ser, o serem capazes
de mais e menos. Que quero dizer? Algo é mais ou menos semelhante a outro
algo. Algo é mais ou menos dessemelhante ou desigual do desigual, de outro
algo. Semelhante, algo é mais ou menos semelhante a outro; o desigual é mais
ou menos desigual do desigual. O semelhante é mais ou menos semelhante do
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 5
Pois bem, então põe Aristóteles que todo ad aliquid se diz com relação ou
com respeito a um recíproco. Vejam, o escravo é um relativo; e qual é o seu
recíproco? O senhor, porque, com efeito, só se é senhor de um escravo e
escravo de um senhor. Sempre há um recíproco. Tio e sobrinho; pai e filho;
dobro-metade; menor-maior. Sempre há uma reciprocidade e esta parece ser
uma propriedade que se dá em todos os... em todos os, em todos os relativos. É
a reciprocidade: senhor-escravo, escravo-senhor; pai-filho, filho-pai; dobro-
metade, metade-dobro; menor-maior, maior-menor. E é aqui que se resolve,
pergunta-se então, havemos de perguntar: mas, ao contrário de ser capaz de
contrariedade, ou de ser capaz de mais e menos, os relativos têm sempre
mesmo, de fato como põe Aristóteles, um recíproco? Parece que sim. Lembrem-
se que, nesta aula, ainda estamos em parte no dialético, no tópico e estamos
tateando ainda com respeito a coisas relativas ao relativo ainda estamos no
terreno de buscar a opinião mais provável. Com isso vocês vão vendo que a
Tópica ou Dialética, assunto que faz parte de nosso programa, de nosso
currículo.
Pois bem, agora sim. Vimos acima que conhecimento é relativo. Por quê?
Todo conhecimento é de algo. Mas eu disse de algo; algo não pode ser recíproco
de conhecimento. Sim, sim! Pode haver, pode não, há reciprocidade para
conhecimento. E qual é seu recíproco? Cognoscível. O cognoscível, ou
conhecível só é cognoscível ou conhecível para o conhecimento, enquanto o
conhecimento não pode ser senão do conhecível. Então se se põe conhecimento
de algo e se substitui o de algo por cognoscível, ter-se-á reciprocidade. Do
mesmo modo sensação. Se eu digo sensação de algo, não há reciprocidade; vê-
se que há relação, porque sensação sempre será sensação de algo, mas não
haverá reciprocidade. Então, para que haja reciprocidade, é preciso substituir de
algo por sensível. A sensação é sempre de algo sensível e algo sensível é
sempre algo que se pode sentir, que se pode ter por sensação.
Pois bem, então muitas vezes não se tem um nome como alado. É o que
diz Aristóteles. Muitas vezes não há um nome como alado. Então teríamos que
fazer que coisa para mostrar tal reciprocidade? Inventar nomes. É o que põe
Aristóteles em suas Categorias. Inventar nomes.
O timão – o leme do navio, né? – o timão do navio não se pode dizer relativo
a navio, nem o navio relativo a timão. Por quê? Porque há navios sem timão. Se
há navios sem timão, então não pode haver reciprocidade entre navio e timão e
entre timão e navio, mas talvez sim se inventarmos o nome. Assim, o timão é
relativo do timoneado – isso é um neologismo, ou era, talvez haja já em
português na época, deixe-me ver se há, não sei, eu estou sem meu dicionário
aqui, acho que há timoneado em português, não tenho certeza, podem procurar,
mas, para Aristóteles, em seu grego, no grego de sua época, não havia a palavra
timoneado. Então ele inventa a palavra timoneado e põe-na como recíproca,
relativa, recíproco de timão, porque o timão está para o timoneado, assim como
o timoneado está para o timão, ou seja, como relativos recíprocos. Tanto o timão
é relativo recíproco de timoneado, como timoneado é relativo recíproco de timão.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 7
Pois bem, mas, para fazer tudo isto, para encontrar a reciprocidade que
parece se dá em todos os relativos, temos de fazer a reciprocidade com toda a
propriedade, ou seja, não podemos fazê-la equivocadamente, erradamente. Por
exemplo: conquanto digamos que alguém é escravo de um homem, não se trata
de reciprocidade. Claro, escravo é sempre escravo de alguém, de um homem,
mas não há reciprocidade. Então é preciso substituir homem por senhor. O
escravo é sempre escravo de um senhor e o senhor é sempre senhor de um
escravo. Não pode ser de um homem porque, se um escravo é sempre escravo
de um homem, um homem nem sempre é um homem de um escravo, ou melhor,
nunca o é. Então, a reciprocidade se encontra se se usam os termos
apropriados, se se faz a coisa com toda a propriedade. Por isso, ainda
mantendo-nos neste exemplo do escravo, retire-se de senhor ou de escravo todo
o acidental, tudo o que lhe é acidental quanto ao caso. Por exemplo, retire-se
tanto de senhor como acrescento eu como de escravo, por exemplo, que sejam
homens, que sejam bípedes – tenham dois pés – que sejam capazes de
conhecer – tanto o escravo quanto o senhor são homens, são bípedes, são
implumes e são capazes de conhecer, mas há que retirar para mostrar a
reciprocidade todo o acidental disto e ficar com o essencial quanto a esta
categoria ou modo de acidentalidade que é o ad aliquid. Ponha-se, então,
escravo do senhor, senhor do escravo.
Pois bem, diz Aristóteles com toda a sabedoria: se há nome disponível para
mostrar a reciprocidade, muito bem! Se não o há, há que inventá-lo. Então põe
Aristóteles que o ad aliquid se dá sempre com respeito a um equívoco, a um
recíproco, o ad aliquid sempre se dá com respeito a um recíproco e o recíproco
sempre se dá com respeito ao ad aliquid. Ou seja, recíproco de recíproco. Ele
mesmo, o próprio recíproco é uma relação, é... assim como o semelhante o é de
um semelhante, assim também o reciproco o é de um recíproco; assim como o
dessemelhante ou desigual o é de um dessemelhante, assim, ou um desigual o
é de um desigual, assim também, repita-se, o recíproco o é – não pode deixar
de ser – senão de um recíproco.
Muito bem, elimine-se um, elimina-se o outro. Parece, então, que de fato
sempre o ad aliquid, todo e qualquer ad aliquid se dá com relação, com respeito
a um recíproco. Mas agora voltamos a um problema anunciado antes: parece
que, além de recíprocos, os dois relativos recíprocos se dão sempre
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 8
Pois bem, a água, o fogo, a terra, antes que houvesse o animal e, pois, a
sensação, já estavam aí, a água, o fogo, o ar, e eles eram sensíveis antes
mesmo de que houvesse o animal que fosse capaz de sensação. Portanto,
elimine-se, suprima-se o sensível, suprimir-se-á a sensação, mas se se suprime
a sensação não necessariamente se suprime o sensível. Da mesma forma,
suprima-se o cognoscível, suprimir-se-á o conhecimento, mas se se suprime o
conhecimento não necessariamente se suprime o cognoscível ou conhecível.
Vejam, estou lendo Aristóteles. “Com efeito, nem os todos, nem as partes
se dizem com respeito a algo, pois o homem individual não se chama homem
individual de algo, nem o boi individual boi individual de algo. Da mesma maneira
também as partes, pois a mão individual não se chama mão individual de algo,
mas mão de alguém, e a cabeça individual não se chama cabeça individual de
alguém, mas cabeça de alguém”.
Parece que aqui ele anuncia a distinção entre relativo segundo o dizer e
relativo segundo o ser.
Pois bem, “a partir daqui é evidente que, se alguém conhece com precisão
algumas das coisas que são com relação a algo, também conhecerá com
precisão aquilo com respeito ao qual se diz. Assim, pois, é também manifesto
por si mesmo se alguém sabe que um ‘isto’ que é com respeito a algo e o ser do
ad aliquid é idêntico a estar de algum modo em relação com algo, também sabe
aquilo com que isto está de algum modo em relação, pois, se não soubesse
absolutamente aquilo com que isto se relaciona de algum modo, também não
saberia se está de algum modo em relação com algo” – que é óbvio. “Isto
também é evidente nos casos singulares. Por exemplo: se alguém sabe com
precisão de um ‘isto’ que ele é o dobro, também sabe imediatamente, com
precisão, de que coisa é o dobro. Com efeito, se não soubesse se é dobro de
nenhuma das coisas definidas, tampouco saberia se é nem sequer dobro. Do
mesmo modo também, se soubesse de um ‘isto’ – deve ser em grego tóden – se
soubesse de um ‘isto’ que é mais belo, também saberia necessariamente com
precisão, através disto, com respeito a quê, com relação a quê é mais belo” –
porque só pode ser mais belo de algo menos belo, que algo menos belo. “Em
contrapartida, de maneira indefinida não saberá se isto é mais belo que aquilo
que o é menos. Com efeito, isto se converte em uma suposição, não em
conhecimento, pois não se saberá com exatidão se isto é mais belo e aquilo
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 11
menos dado que não poderia dar-se o caso que não houvesse nada menos belo
que isto”.
Veja que ele está dando voltas e voltas dialeticamente em torno da questão
de se a substância pode ser com respeito a algo, pode ser ad aliquid.
Pois bem, primeira definição que ele dá: dizem-se com respeito a algo,
dizem-se ad aliquid, todas as coisas que aquilo que elas mesmas são se diz que
são de outras coisas, ou com respeito a outra coisa. Os exemplos clássicos são
o maior e o dobro, porque só se é maior se se é maior de algo, que algo, e só se
é o dobro se se é o dobro de algo.
Mas parece que há uma propriedade do ad aliquid que diz respeito a todos,
que é sempre presente em todos os que são com respeito a algo, todos os que
são ad aliquid. É a reciprocidade. Com efeito, o escravo não pode ser senão
escravo do senhor, e o senhor não pode senão ser senhor de um escravo. O
filho não pode ser filho senão do pai; o pai não pode ser pai senão do filho; o
dobro não pode ser dobro senão da metade; a metade não pode ser metade
senão do dobro; o menor não pode ser menor senão de um maior; e o maior não
pode ser maior senão de um menor. Vejam a reciprocidade: escravo-senhor,
senhor-escravo; tio-sobrinho, sobrinho-tio; dobro-metade, metade-dobro; maior-
menor, menor-maior.
Às vezes – é fato – não parece. Com efeito, ave parece ser recíproco de
asas, mas asa não parece ser recíproco de ave, porque, com efeito, há asa de
outras coisas. Nem tudo o que é asa é asa de ave. Mas se se substitui ave por
alado, trata-se ainda de encontrar o termo preciso, se se substitui ave por alado
agora sim teremos reciprocidade. A asa tem por recíproco alado e alado tem por
recíproco a asa. Asa como asas do alado e alado em virtude da asa, porque se
não é alado se não se tem asa. Ala – em português é que se diz asa – até hoje
em espanhol é ala, daí alado; isso vem do latim.
Pois bem, há casos mais complexos porque são os casos em que não se
tem nome para patentear a reciprocidade. Então, pelo menos no grego de
Aristóteles não havia uma palavra como timonear. Pois bem, não há
reciprocidade entre timão e navio propriamente dita, porque há navios sem
timão. O timão sempre será de um navio, mas há navios sem timão, então não
há reciprocidade. Assim como a ave tem sempre asa, mas nem toda asa é da
ave. Pois bem, mas se se substitui um navio por timoneado, então se tem a
reciprocidade. O timão é recíproco de timoneado e o timoneado é recíproco de
timão. O timão o é do timoneado e o timoneado é timoneado graças ao timão.
Pois bem, assim também como se dá entre cabeça e animal. Não pode
haver reciprocidade entre cabeça e animal porque há animais sem cabeça. Mas
se se substitui animal por acabeçado, então sim, tem-se a reciprocidade: a
cabeça o é do acabeçado e o acabeçado o é graças à cabeça.
Pois bem, para tudo isso há que eliminar todo o acidental com respeito aos
termos de que se trata. Tanto quanto a escravo quanto como a senhor há que
eliminar que eles sejam bípedes, implumes, homens, capazes de conhecer. É
escravo do senhor e o senhor do escravo. Não escravo do homem, não o
escravo do bípede, não o escravo do implume, não o escravo do capaz de
sabedoria e vice-versa.
Pois bem, mas se há sempre reciprocidade entre dois relativos, parece que
também eles dois, os dois relativos, se dão simultaneamente ao mesmo tempo.
Com efeito, hão de dar-se ao mesmo tempo o dobro e a metade, a metade e o
dobro, o escravo e o senhor, o senhor e o escravo, porque se se elimina o dobro,
se elimina a metade, se se elimina a metade, se suprime o dobro, se se elimina
o senhor, elimina-se o escravo, e se se suprime o escravo, elimina-se o senhor.
Mas parece que não sempre. Com efeito, cognoscível é não necessariamente é
contemporâneo ou simultâneo de conhecimento, assim como sensível não
necessariamente é contemporâneo ou simultâneo da sensação. Se se suprime
o cognoscível, suprimir-se-á o conhecimento; se se suprime o sensível, suprimir-
se-á a sensação, mas não o inverso: se se suprime o sensível não
necessariamente se suprime o sensível, se suprime a sensação não
necessariamente se suprime o sensível; se se suprime o conhecimento não
necessariamente se suprime o cognoscível. E assim é porque nesta terra, antes
de nesta terra pôr o pé o animal, já havia sensíveis, coisas capazes de ser
conhecidas pela sensação, e antes de haver homem na terra já havia coisas
cognoscíveis, ou seja, coisas que seriam capazes de ser conhecidas pelo
conhecimento do homem. Então a simultaneidade parece que não é necessária
para que se dê a reciprocidade.
Pois bem, vamos, então, ao final, à grande dificuldade. Vou pô-la, vou pô-
la mais sumariamente. Homem individual ou substância primeira não se diz de
algo; o boi tampouco se diz de algo. Tampouco as partes individuais. A mão
individual não é de alguém, mas sim se diz a mão de alguém; a cabeça individual
não se diz cabeça individual de alguém, mas sim se diz cabeça de alguém. Veja
que não há reciprocidade. Igualmente isso se dá com as substâncias segundas.
Não se diz homem de alguém, mas propriedade de alguém – é o caso do
escravo. Não se diz, pelo menos por Aristóteles, boi de alguém, mas propriedade
de alguém. É complexa essa passagem. Confesso-lhes que não sei dizer se
poderia dizer em grego “boi de alguém”. Creio que sim, mas... Bom, mas mão de
alguém sim, parece que isso é ad aliquid. Aqui lembrem-se que, sempre que
digamos “parece”, “talvez”, “provavelmente”, “quem sabe” estamos no campo do
dialético, ainda procurando a opinião mais provável.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 15
Volta a repetir Aristóteles que se se sabe que isto é com respeito a algo,
sabe-se também o que é este algo com respeito àquilo que se diz. Dobro daquilo
de que é dobro; mais belo com respeito a isso que é menos belo. Só se sabe se
for assim. Mas a cabeça, a mão, essas partes que são substâncias no sentido
de ser suportes de acidentes, conquanto não de subsistirem por si, é possível
saber o que são sem que seja necessário saber aquilo com respeito ao qual são.
Será que é isto mesmo? Vejam que o mesmo Aristóteles já falou de cabeça e
acabeçado. Tenhamos isso em mente. Então parece que nenhuma substância
é com respeito a algo.