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Confraria de Artes Liberais


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CURSO DE LÓGICA

AULA V

AS CATEGORIAS.

§ 1. O Problema das Categorias.

1. A função das categorias na Lógica. – Na aula passada, falamos sobre os predicáveis.


Vimos que os cinco predicáveis são diferentes modos de identidade de um predicado com um
sujeito: a identidade essencial ou de um todo concreto, com toda a sua acidentalidade; a
identidade essencial total ou parcial, de gênero ou de diferença, e a identidade acidental
necessária ou contingente. Vimos que a consciência desses modos de predicação tem muitas
utilidades para a meditação metódica.

Voltamos agora ao livro das categorias, que, como já dissemos, serve à direção da
primeira operação da razão, a chamada simples apreensão, que é tanto mais perfeita quanto
mais distinguimos as notas essenciais do conceito. O produto de uma simples apreensão
perfeita vai ser uma definição perfeita, que diz o que a coisa é essencialmente. Depois da aula
passada, deve ser mais claro porque a definição perfeita é a que dá o gênero próximo e a
diferença específica da coisa.

No entanto, para definir as coisas é útil já saber de antemão quantos e quais gêneros de
coisas existem por aí. É precisamente essa a função que cumprem as dez categorias de
Aristóteles. O conhecimento das categorias, enquanto tal, é um conhecimento metafísico, não
lógico. É um conhecimento lógico enquanto é útil para a direção da razão. Com efeito, a
lógica é uma técnica, e é próprio da técnica reunir conhecimentos de ciências teoréticas
diferentes em razão de um fim. O que dá a unidade à técnica, à arte, é sua obra, e não um
princípio explicativo. Como exemplifica o Professor Olavo, para a construção de um

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computador, contribuem conhecimentos sobre matemática binária, química e de anatomia


humana.

2. O problema das categorias. – Nosso objetivo nessa aula não vai ser expor
dogmaticamente as dez categorias de Aristóteles, porque isso exigiria a concessão de muitos
pressupostos e, portanto, um pensamento muito hipotético. Nosso objetivo é menos
dogmático, ou doutrinal, e mais zetético, ou inquisitivo. Isto é, volta-se menos à exposição de
uma doutrina e mais à suscitação de um problema. O problema é: quantos e quais são os
gêneros da realidade e como eles se ordenam?

Cinco noções a serem distinguidas: (i) realidade, (ii) coisa (res), (iii) forma, (iv)
conceito, (v) nome. “Realitas” é um substantivo abstrato derivado do adjetivo “real” que, por
sua vez, vem do substantivo concreto “res”, coisa. O substantivo abstrato aqui significa a
totalidade, a multiplicidade tomada coletivamente, como a humanidade. A realidade é a
totalidade das coisas (rei). Res, por sua vez, é um dos transcendentais, um daqueles
predicados que se diz de tudo quanto é, como ente, algo (tudo o que é, é algo, e não nada) e
verdadeiro (tudo o que é, é verdadeiramente o que é). Quando eu falo “coisa”, tenho em
mente essa res, e quero evocar a coisa concreta, tudo isso que está aí. Já a forma, nesse
contexto, é um dos aspectos da coisa, uma de suas “formalidades”, por assim dizer. A
realidade é um todo composto por muitas coisas, e a coisa é um todo de muitas formas. Outra
coisa é o conceito, que é a representação interior que faço da coisa. Uma quinta coisa é o
nome que dou à coisa por um conceito.

§ 2. Sobre a Substância.

3. O que não é a substância. –(i) A substância não é o sujeito de uma oração; na oração
“amarelo é uma cor”, amarelo é o sujeito, mas é uma cor, um acidente, e não uma substância.

(ii) A substância não é um substantivo. “Pai” é um substantivo, mas significa


diretamente uma relação.

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(iii) A substância não é um agregado. Um punhado de areia não é uma substância.

(iv) A substância não é uma máquina ou uma sociedade. Ainda que várias coisas
estejam ordenadas entre si, desempenhando funções para um fim comum, isso não faz desse
todo uma substância. Assim, uma sociedade, seja uma comunidade política, uma empresa,
uma escola ou uma família, não são uma substância. Tampouco um ventilador é uma
substância.

(v) A substância não é equívoca. Qualquer nome que se aplique a várias coisas por
analogia, por metáfora ou por metonímia, não vai significar a substância.

4. O que é a substância.– Como dissemos, para definir algo, precisamos encontrar seu
gênero próximo. Mas como definir a substância se ela é um gênero supremo? Fatalmente, não
é possível a definir por gênero e diferença. No entanto, ainda assim é possível usar do
discurso para, de algum modo, esclarecer a noção de substância, que se apresenta ao nosso
intelecto.

5. Etimologia e simbolismo espacial. – Na segunda aula, falei sobre os perigos do


simbolismo espacial para o entendimento da lógica, quando falei sobre as expressões “gênero
superior”, “linha reta”, “linha lateral” etc. O nome “substância” vem do latim e significa “o
que está embaixo”. Está embaixo de quê? Dos acidentes. Os acidentes sobrevêm à substância.

Mas é certo que os acidentes não estão sobre a substância como, por exemplo, a tinta
está sobre uma parede. Porque a própria tinta com que se pinta a parede tem uma cor. Então,
qual o significado espiritual, próprio, desse estar embaixo e estar em cima?

A substância está embaixo dos acidentes como o suporte de suas possibilidades. O


acidente é uma determinação extrínseca da substância. A substância é, ela mesma, já uma
determinação de possibilidades. Fisicamente, o que está em cima acrescenta algo ao que está
embaixo, mas acrescenta algo que o que está embaixo podia suportar.

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Essa é uma explicação metafísica da noção de substância. Agora, uma explicação mais
fenomenológica: como a substância aparece ao homem? Aparece, em primeiro lugar, como
princípio de expectativas. Desde a infância remota, vamos nos habituando a esperar certas
coisas de certas coisas. A criança vê uma rã, e ri quando ela salta, ou vê um cão e se assusta
quando ele late. Ela aprende que o fogo queima, que os galhos podem ser quebrados, que as
frutas apodrecem e ficam pretas, que as plantas crescem, que as nuvens se movem. Mais
tarde, o empregado vai saber que se não cumprir com suas obrigações, o chefe vai cobrá-lo;
mas o galão de água, aconteça o que acontecer, não vai cobrar. Uma expectativa tão vaga
quanto atemorizante de que de qualquer coisa pode vir qualquer coisa é um estado grave de
morbidez psíquica.

Sabemos, em suma, que o mundo não é uma galeria de estátuas pintadas, mas que cada
coisa tem seu princípio específico de dinamicidade. Isso é a substância. Sei que por baixo da
camada colorida das aparências, o que há não é (sempre) um bloco de mármore imóvel, mas é
uma pessoa, ou um animal, ou uma planta, ou, realmente, um bloco de pedra. A própria massa
de ar, que não percebemos, mas que está aí todo o tempo.

Em relação às outras coisas, a substância aparece como princípio da expectativa. Em


relação a mim mesmo, aparece como um princípio mais ou menos obscuro de
responsabilidades. Sou homem, posso ser muitas coisas. Posso seguir diferentes profissões,
fazer várias coisas nesse meu dia. Se eu fosse um bicho qualquer, se cabe falar assim, quão
menores não seriam minhas possibilidades? A começar pela possibilidade de refletir sobre
elas. Se eu me abrir mais para o que há de misterioso na realidade, vou ver que, além das
possibilidades humanas que existem na minha cabeça, existem tantas outras que sequer
imagino, ou deformo em minha imaginação. Todas as virtudes e todas as ciências são
acidentes, determinações extrínsecas que aperfeiçoam minha substância.

Outra experiência que pode promover a utilidade da substância: a imagem de um santo


ou de um herói. Ela inspira o respeito devido a quem ela representa. Mas, ao mesmo tempo,
ela tem a substantividade de um mineral (é um mineral, ou um composto de minerais).

§ 3. SOBRE OS ACIDENTES.

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6. Que são os acidentes. – O acidente é aquilo que, por essência, é em outro. Aquilo que
somente é inteligível com um quê, em que exista. Etimologicamente, aquilo que cai junto a
algo. Metafisicamente, são uma determinação extrínseca da coisa. Fenomenologicamente,
pode ter dois sentidos:o acidente próprio (necessário) é o que distingue enquanto
representante de uma espécie ou de um gênero, enquanto o acidente contingente é o que
distingue o indivíduo entre outros de sua espécie, seja como pertencente de um tipo, seja
como um sujeito atípico.

7. Quantos e quais são os acidentes? - Segundo Aristóteles, os gêneros de acidente são


nove: a quantidade, a qualidade, a relação, a ação, a paixão, o onde, o quando, a postura e a
posse. Algumas breves considerações sobre cada um dos acidentes.

8. Quantidade. –A quantidade a que se refere Aristóteles não é qualquer coisa


mensurável, como a velocidade, a densidade, a luminosidade. Quantidade é a grandeza, o
quão grande a coisa é. Uma das primeiras coisas que notamos nas coisas, e que nos
acompanha sempre, de modo pouco consciente, é a sua grandeza. Todos os corpos tem uma
quantidade: uma unha, uma pessoa, um viaduto, um planeta. A quantidade é esse ter partes
fora das partes. É o fundamento da relação de comparação, pela qual dizemos que uma coisa
é maior que outra.

9. Qualidade. – A qualidade é um gênero de acidentes multiformes. A figura de um corpo,


as cores, a dureza, as potências, as virtudes, as artes, as ciências. Sem uma longa elaboração
dialética, dificilmente perceberemos a unidade desses vários gêneros de qualidades sob um
mesmo gênero supremo. Por exemplo, vemos que as ciências diferem essencialmente em
razão de seu objeto. A ciência é sobre uma coisa; o seu método é uma consequência do
objeto. Toda ciência é sobre um objeto, mas o que é uma ciência? Ao me questionar isso, vou
querer encontrar o gênero sob o qual se situa a ciência. Tradicionalmente, a resposta que se dá
é que a ciência é um habitus operativo da demonstração, do discurso científico. Existem
outros habitioperativo, que diferem em razão de a obra não ser a mera demonstração, mas a
produção de uma coisa (arte) ou a boa ação (virtude). Mas o que são esses hábitos? São
disposições estáveis da substância. São disposições. São qualidades.

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Uma coisa importante de se retirar dessa aula de hoje é a seguinte: nunca definir as
coisas como um conjunto ou um campo. A lógica é um conjunto de conceitos etc.; o
organismo é um conjunto de órgãos; o som é o conjunto de vibrações. Parece científico, mas é
um lugar-comum vulgar. É evidente que conjunto em todas essas definições não se diz do
mesmo modo, é um conceito análogo, não unívoco, e, portanto, a definição que se oferece é
confusa, imperfeita.

Pior ainda: campo. Quando as pessoas dizem que a literatura é um campo da atividade
humana. É outra fórmula que soa científica, mas é uma metáfora, que indica confusão.
Comumente, uma grande confusão: a pessoa tem uma idéia muito vaga da substantividade do
assunto. Em alguns casos, “campo” tem uma densidade maior, para indicar que é uma área de
disputa.

10. Relação. – Os três principais gêneros de relação são a relação de conveniência, de


causalidade e de mensuração. A conveniência é a identidade entre duas coisas de alguma
determinação: substancial, qualitativa ou quantitativa.

11. Ação e paixão. – Uma categoria que requer algumas explicações é a ação. O que é
ação? “Ação” é um substantivo derivado do verbo agir. É ainda o sufixo de vários
substantivos que significam ações: geração, iluminação, rotação. O particípio passado do
verbo “agir” é “acto”. Agir é, pois, atuar algo – é tornar algo ato. Para nós, agir é tentar
executar um bem concebido. Seria bom se eu dominasse o método de dissertar sobre uma
matéria: eu resolveria mais facilmente os meus problemas e os problemas sociais; então,
passo a estudar lógica. O homem primitivo pensa que o pedaço de carne ficaria mais gostoso
se estivesse um pouquinho passado, pelo menos; então, assa-o com fogo. Mas o próprio fogo
também age sobre a carne. Ao que tudo indica, ele não concebe um bem para depois atuá-lo,
mas, efetivamente o atua. A ação é isso: é atuar sobre algo, redeterminando-o.

A ação é uma categoria particularmente relevante para as ciências sociais. As


sociedades, em sentido amplo (famílias, associações, empresas, partidos políticos, instituições
políticas, Estados, organizações internacionais), de certo modo, agem. As sociedades têm fins
próprios e agem por esses fins, por seus membros e órgãos.

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Fala-se, ainda, de ação histórica. Em certo sentido, toda ação é histórica, porque se dá
no tempo, na História; a historicidade é um próprio da ação. Obviamente, não é nesse sentido
que se fala de ação histórica. Em primeiro lugar, ação histórica é a ação humana que parte de
uma concepção sobre o que seja o bem da história. Podemos encontrar uma concepção sobre
o bem da história nas religiões, em alguns partidos políticos, em sociedades iniciáticas etc.
Outro sentido, menos próprio, de ação histórica é a ação que tem consequências históricas,
ainda que impremeditadas.

Não é preciso dizer que as ações sociais não são ações com uma unidade física. A
unidade das ações é moral, de um fim concebido.

§ 3. A UTILIDADE DAS CATEGORIAS.

12. Sobre o onde, o quando, a postura e a posse. – Para fins lógicos, mais importante que
a doutrina metafísica que embasa a exposição das categorias é a sua ordenação lógica. É
possível que se sustente outra metafísica, mas ainda assim se colocará a questão de como se
ordenam os gêneros da realidade.

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