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Douglas Lisboa

2021 December 8

A Cadeia de Relações de Crença


Ensaio sobre a Alienação através da Linguagem na
Contemporaneidade

Não gastarei linhas do texto para explicar os tempos difíceis em que


vivemos, pois o fiz, no artigo não publicado de 20 páginas entitulado:
Quando a Cura é Pior do que a Doença. Mas aproveitando a extensa
tentativa de explicar o meu ponto de vista acerca da atual crise, introduzi,
num breve resumo, a teoria da Cadeia de Relações de Crença. Pretendo
nesse curto ensaio aprofundar este específico assunto tanto para a
orientação pessoal quanto para a compreensão mais profunda do
fenômeno macabro que se passa no cenário atual convidando mais gente
para essa reflexão sem maiores pretensões, mas com puro espírito de
cooperação e busca pela verdade.
O princípio de minha angústia, ao observar o mundo atual, vem do
fato de as pessoas não serem mais capazes de usar habilidades inatas e
fundamentais no ser humano que é o uso da linguagem para a associação
com ocorrências reais. É importante ter em mente que o propósito da
linguagem é expressar constatações intuitivas, sensitivas, imaginativas e
objetivas daquilo que está no próprio sujeito e no objeto. Tal habilidade se
dá no processo de desenvolvimento da personalidade e suas capacidades
noéticas ao perceber que não apenas tem contato com o mundo fora de si,
como também, deseja expressar-se a si mesmo acerca dos sentimentos,
imaginação e reflexões que o move internamente.

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O conhecedor e aquilo que se mostra a conhecer-se

A base dessa vontade já vem do fato de que a própria forma humana é


caracterizada pela razão, e se reconhece como tal pela observação do real.
Isso parece, então, ser problema não apenas epistemológico, mas
ontológico. Há, tanto na estrutura do sujeito quanto na estrutura do
universo, algo que no primeiro está para conhecer e no segundo o que está
para ser conhecido. O sujeito com toda a sua estrutura cognitiva está para
conhecer, e conhece aquilo de onde ele está. Em outras palavras: o sujeito
cognitivo sempre está no mundo real, é parte dele, é também o mundo
real.
É, portanto, dotado da capacidade do conhecimento, e conhecer é
assimilar informações para si.
A realidade da qual deve conhecer também é dotado desta
capacidade, pois uma pedra também assimila informações do mundo
donde está. Olavo de Carvalho diz que uma pedra conhece, ou seja,
assimila informações. Por exemplo, quando o clima impõe-lhe algumas
alterações (deterioração, congelamento, aquecimento, vegetação, bactérias,
movimento, etc…). Segue-se então que a pedra conhece mais de si mesma
do que toda a ciência mineralógica, já que tem a totalidade de informações
assimilada. Esse exemplo se extende para qualquer ente no cosmos e até
mesmo ao próprio cosmos. Ou seja, tudo o que existe é conhecimento em
si mesmo independente de haver ou não uma mente humana para
conhecer. A mente humana conhece aquilo que é possível de ser conhecido
mesmo que parcialmente. Aquilo que emite informação; e só emite
informação aquilo que tem informação para ser emitido.

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Se tudo o que existe é conhecimento, e o que conhece está
assimilando informações, esses entes assimilam que informações? O que é
isso que chamamos de informação? Se a pedra esquenta então há um
processo chamado esquentar, e algo fica aquecido. O que chamamos
“aquecer” é um verbo, uma ação que se dá na realidade. Apesar de o
termo “informação” não se limitar a ação, podemos dizer que toda ação é
informação. O ato é o que há de mais fundamental da informação. É
aquilo que acontece, e aquilo que acontece sempre é verdadeiro. Ato é
uma verdade. Podemos dizer que informações são atos verdadeiros, pois
são reais.

Abstração e Crítica ao Subjetivismo como via única do


Conhecimento

Só que parece ter algo ainda mais fundamental do que o ato.


Todo mundo espera que uma informação seja compreendida. A
compreensão é uma habilidade que se dá para que algo seja ordem. Tudo
o que é informação é ordem, mas ordem informativa só pode existir se
houver entendimento em algum grau de razão (o primeiro é acessado num
grau intuitivo), e a razão existe em um nível anterior a ação, portanto, é a
estrutura mesma da ordem. Portanto, é equivoco dizer que a razão é
exclusiva à ideia humana. Se o fosse, apenas o homem seria ordem e a
realidade onde está, puro caos. A pedra não conheceria, e nada mais seria
conhecimento senão a habilidade do homem de conhecer. Porém, o
homem não poderia conhecer aquilo que não está para ser conhecido e já
contém em si conhecimento. O ser humano apenas conhece porque há
uma ordem que está aberta para o conhecimento. Por exemplo, não há

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porque dizermos que a simples equação 2+2=4 é uma operação apenas da
mente humana, pois sabemos que seu resultado é objetivo e se é objetivo é
objeto e não se limita ao sujeito. Mas quando olhamos o mundo real, não
vemos essa equação pairando no espaço como um objeto e nem tem
porque pensarmos, temporalmente, quando que 2 mais 2 é igual a 4. Tal
equação da matemática aritmética é assim e sempre será. Ou seja, parece
que tais operações estão em um mundo diferente, mas que também é o
nosso, porém, manifestam-se por uma outra categoria que é mais básica do
que a dos entes ou ações da matéria. É muito estranho pensarmos, então
que a ordem é um atributo da mente humana e, assim, que o
conhecimento está especificamente nele.
Não só a matemática se encontra em particular categoria no cosmos.
A lógica também. A lógica não é a realidade e tão pouco a matemática o é.
Mas a primeira também é ordem; porém, diferente dos atos que são
informações reais e que dão aos entes assimilação de conhecimentos
variáveis, criações e mudanças, a lógica está naquilo que chamamos de
potência. Enquanto aquilo que é ato se dá no mundo real, aquilo que é
lógica é possibilidade, e possibilidade está no mundo abstrato.
Essa potência (possibilidade) ordena e dá compreensão ao ato. Todo
ato tem uma lógica interna que não é necessariamente conhecida pelo
homem. A informação só é possível nesse escopo. É em si conhecimento.

Ordem e Linguagem

Sendo assim, por baixo do ato há algo que dá sentido intrínseco a ele.
Esse sentido pode ser conhecido por entes dotados de consciência e razão.
Todavia, se dá devido ao fato de que há uma camada de abstração que

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perpassa a matemática e a lógica, também, no mundo real e abstrato. Esse
terceiro elemento torna possível o entendimento, tanto da lógica quanto da
matemática no mundo abstrato, e expressa o ato no mundo real. Esse
elemento se chama linguagem. Dessa forma a informação pode ser
compreendida de modo mais sólido, podendo passa-la a outro e registra-la.
A linguagem é verbo e verbo é ação, pois falar é trazer a potência para o
ato. Claro que há por trás da linguagem, as expressões significativas que
designam o desejo de expressão: os gestos. Estes são signos e significados
que são anteriores a linguagem. Mas não pode dar a concretude e
universalidade para a ordem racional e humana. A ordem verbal é o
léxico. Se falamos, precisamos desse conjunto de palavras para dar ordem
as mesmas. Mas não só ao falar, mas imaginar e até mesmo pensar. A
linguagem é uma das capacidades humanas que o integra ao cosmos. Não
há civilização humana sem linguagem.
É pelo verbo que os elementos da ordem cosmológica saem da
obscuridade do mundo da potência e encontram a luz no mundo real; é
pelo verbo, também, que o cosmos deixa de ficar limitado ao
conhecimento intrínseco e se faz conhecer-se por seres que dominam a
linguagem.

O Homem e a participação no cosmos

O homem não descobre operações matemáticas, mas cria linguagem


para tais. A lógica a mesma coisa. O número ganha seu nome, assim como
a lógica modal só é compreendida quando é dado linguagem. É como se
entrasse em um modo orgânico quando antes era inanimado.

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O simbolismo bíblico da criação do mundo, onde Deus gera ordem
através do verbo é isso: Transforma potência em ato. Depois do mundo
feito, quando o Criador dá a missão para Adão colocar nome às coisas,
está dizendo para a sua criatura racional que pela razão tem relação com o
cosmos através da linguagem. Deus o chama para ser parte de Sua Glória.
Na eternidade o conhecimento está intrinsicamente em tudo o que existe.
Em outras palavras, o conhecimento está no Ser. A inteligibilidade do
universo é presença aberta ao conhecimento convidando o homem para
deleitar-se nela exercitando suas capacidades noéticas. Não pretendo ser
repetitivo, mas é importante ter isso em mente para entender o
fundamento ontológico e epistemológico da linguagem. É através dela que
o ser racional cria a rede de relações com a ordem cosmológica e assim
está inteiro na realidade: corpo, mente e alma.
O cosmos é ordem, pois está no Ser que é ordem absoluta. Se aquilo
que há é conhecimento real ou abstrato então é ordem em si mesmo. A
linguagem permite que o homem se integre totalmente nesse cosmos e
portanto no Ser.

A Estrutura da Linguagem

A linguagem é símbolo, e tanto mental quanto materialmente se cria


signos que é a representação através do significado daquele símbolo. As
letras são fragmentos ou peças de palavras e a palavra é símbolo que
significa algum ente que é intrinsecamente conhecimento. Esse ente é
aquilo do qual a palavra sempre está relacionada. O conjunto das palavras
do idioma onde a ordem civilizacional, cultural e social está presente é o
léxico.

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Tudo aquilo que é símbolo ou palavra é significado de algo, e esse
algo, que está na ordem cosmológica e é integrado à inteligibilidade do
ente cognitivo, é o mundo real. A linguagem é a ferramenta que conecta a
palavra ao referente através de seus signos, e referente é o que se refere ao
objeto real ou abstrato. Se eu formo a palavra “quadrado” sei que o
significado é de um ente abstrato, assim como “dois”. Minha mente tem a
imagem formal do objeto do qual me refiro, e por isso sei do que se trata.
Posso, também, formar uma palavra cujo o significado se refere a um ente
real como “mesa”. Mas um conjunto de palavras pode trazer entes
abstratos para dar sentido a objetos reais. Assim eu formo duas palavras
como: “mesa quadrada”. Eu categorizo o objeto real através de um
referente abstrato. E posso seguir: “duas mesas quadradas”. Assim eu dou
forma material e quantidade. Isso quer dizer que a função de elementos
abstratos é pôr categoria ao ente real: tamanho, forma, quantidade, etc…
Não é real em si, mas o real precisa do abstrato, pois tudo o que é real é
revestido de categorias.
Entretanto, há uma dificuldade com as palavras que se referem ao
ente real. É fácil perceber, por exemplo, que a palavra “pessoa” traz a
nossa mente um objeto real: a pessoa. Todavia, a palavra “pessoa” é
apenas o significado de um ente real, mas carece de uma referência
específica. Isso quer dizer que “pessoa” ainda está no mundo abstrato, no
universal. Ela precisa, portanto, de uma identidade. Em vista disso, tudo
aquilo que é ser, o é em unidade. Nos estudos pitagóricos dos simbolismos
numéricos, essa unidade é o número 1 ou o Uno. O Uno é o Ser e tudo
existe em unidade. Desse modo, dizemos “a unidade de indivíduos” ou
“individualidade”. Isso é o princípio de identidade. Mas o indivíduo está
dentro da ordem cosmológica, assim como disse exaustivamente acima.

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Ele é do cosmos e por isso, dotado de conhecimento intrínseco. Se é
conhecimento é linguagem em potencial, e se assim o é então já não pode
mais ser apenas unidade e sim generalidade ou universalidade. Isso porque
se o indivíduo não fosse ordem, o caos imperaria e a falta de generalidade
em si faria com que, por exemplo: não pudéssemos reconhecer que o nosso
filho de amanhã é o mesmo de hoje, ou que o cavalo, que está há 100
metros e vem se aproximando, ao chegar perto, é o mesmo cavalo. Todo
ente precisa estar integrado na ordem e ser integrado na ordem é ser não
apenas individual, mas geral, e essa generalidade é realizada (no sentido
literal do termo) através da intuição, depois a razão que capacita o homem
a gerar a linguagem. Um cavalo pode até ser aquele cavalo particular, mas
sei que é um cavalo e o conceito de cavalo não é unidade e sim
universalidade.
O exemplo é claro, e por isso podemos voltar ao significado e referente
da palavra “pessoa”. Em si, “pessoa” é abstração, pois está, ainda,
generalizada. A “pessoa” se torna real quando me refiro a unidade dela:
De qual pessoa estou falando? Quando uso a palavra “pessoa”, meu amigo
pode compreender do que se trata mesmo eu não me referindo a unidade
dela. Porém, ao mesmo tempo só posso ter conhecimento do ente
individual se o generalizo através da linguagem. É no geral que eu sei que
um indivíduo é uma pessoa, pois o que é abstração é genérico e o que é
real é único.
A integração do único com o universal é ente e linguagem, mas não é
processo cognitivo do homem. Não é a racionalização e tão pouco uma
construção lógica da linguagem que traz o conhecimento integrado do
objeto, e sim a pura intuição. Este é o tipo de conhecimento mais básico e
poderoso que se possa conceber, já que é quase instantâneo o

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reconhecimento que o ser humano tem de entes que lhe aparece. A
simples presença do objeto - que é em si dotado de conhecimento - já nos
traz não a totalidade de informações do ente, mas o suficientes de cognição
para que o homem possa, no ato mesmo da intuição, saber o que é aquilo
que lhe aparece. Olavo de Carvalho chamou de conhecimento por
presença. Uma admirável habilidade humana de saber que um gato não é
um cachorro, sem precisar do processo noético e lógico para tal, pois ele já
é dado no momento da observação como um ciclo de latência.
Parece, então, que o homem não pensa o mundo ou a realidade.
Estamos no mundo. Somos integrados em toda a ordem e racionalidade
cósmica. Somos integrados no Logos, no próprio Deus e não há como
fugir de sua presença. Eis o fato de que a verdade, como diz Olavo, não é
para ser descoberta e sim aceita e essa é a essência mesma da filosofia.
Aceitar a presença do real, a retidão com o cosmos é o fator fundamental
do que chamamos de verdade. Por isso São Tomas de Aquino diz que a
presença do real nos leva ao conhecimento de Deus. Sabemos que não
somos a ordem, mas parte integrante dela, e nossa capacidade de conhecer
o Ser é o que gera ordem para nossa alma através do intelecto. A
linguagem, o verbo é o fator predominante nessa rede de interação e
dinamismo do homem com o real, o cosmos e a sociedade na ordem com
o Divino. O verbo torna a potência em ato, e através disso é que pode ser
construído o sentido existencial em algo que apenas o ser pensante e
racional pode fazer: a construção de narrativas.
As narrativas são o fundamento da ordem social a qual possibilidade o
surgimento da civilização. É o alicerce pelo qual um povo é erguido. Ou
seja, tudo é emergido pelo verbo. Ele gera ordem através dos mitos
fundadores que transcendem a sociedade e traz unidade a ela. Essa é a

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relação direta e básica da sociedade com o cosmos, pois todas as
civilizações, em sua fundação, viam o próprio cosmos como uma narrativa.
Essa é a força da religião. Sem essa narrativa primeira, que está além do
desejo e vontade humana, é que é possível racionalizar a sociedade,
construir a cultura e civilizar os povos. Se a narrativa primeira deixa de
existir, há uma desvinculação da ordem social com a ordem cosmológica.
A consequência é que o sentido proposital da civilização se fragmenta e a
ruptura de tal povo é inevitável, pelo fato de que a fragmentação
civilizacional descaracteriza o homem não podendo mais haver nada que
transcende a vontade humana, com isso, o que resta é a vontade individual
para um objetivo imprevisível e imperará apenas o desejo de poder e
tirania. Alguém será a narrativa primeira que dará sentido à civilização, e
essa narrativa primeira não estará vinculada ao cosmos, ao Verbo e ao Ser.
É ordem da ideia do sujeito, é subjetivismo. É daí que começa a ideologia e
a mentalidade revolucionária.
Foi isso o que aconteceu no ocidente com a vinda da modernidade. A
narrativa primordial da civilização europeia cristã foi deformada no
sentido de que ela não era mais o eixo pela qual o povo se guiava para
civilizar-se. Foi preciso advir outra narrativa, mas que passou a ser a
natural e humanista, e isso transforma a narrativa em fábula. O homem se
torna o criador mesmo da narrativa e o centro da ordem. É desse hábito
mental cartesiano que surge o idealismo alemão. Nada mais transcende a
vontade humana, já que o subjetivismo impera, e isso é um problema, pois
a pergunta mais óbvia é: qual é a vontade humana?
A modernidade ignorou o conjunto da ordem existencial quee integra
o homem nessa nela. A linguagem perde, então, o seu referente, pois agora
o objeto já não importa mais e sim o universal. A essência do ente se torna

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a única parte interessante a ponto de Francis Bacon colocar todo o resto
no lixo. A matemática avança, mas não aquela que Pitágoras e Platão
compreendiam na esfera simbólica e metafísica e sim a medição, o cálculo,
a métrica. A arte perde seu valor simbólico passando-o para segundo
plano. Agora a estética metrificada é o interessa na arte pictórica. A
técnica da perspectiva coloca o sentido iconográfico para segundo plano.
O desenrolar disso é isolar totalmente o objeto a ponto de se tornar
apenas impressão fenomênica quando chega em Kant. Os filósofos desse
período acreditam que objetos são apenas impressões caótica. Agora ele
mata o que é real e coloca o sujeito como a única ordem existente no
mundo e tudo o mais depende da estrutura a priori do homem para ser
ordem.
Esse hábito mental matou a razão, mas isso é um eufemismo. A
verdade é que deformou toda a forma humana. O século XX é o resultado
da alienação provida por tal hábito mental moderno. A linguagem já está
sem seu referente, pois o objeto já não faz sentido. Quando isso acontece e
há apenas a experiência humana vagando na escuridão caótica que um dia
foi chamado de realidade, o que resta no lugar do referente são apenas
sentimentos. E sentimento puro causa histeria. Se tudo é resumido a
sentimentos então o esse será o nível de personalidade que mantém o
homem pra sempre na puberdade.
A busca pela virtuosidade ainda existe. O ser humano, apesar de
destruído, ainda tem um certo anseio que caracteriza a espécie. Quer a
verdade, a bondade, o belo. Mas a fragmentação trazida pela destituição
da narrativa primordial e a ascensão da pura vontade do sujeito no
humanismo, faz com que a verdade, a bondade, o belo, também sejam
fragmentados. O fato é que vontade humana é vontade individual, pois

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somos indivíduos. Se nada nos transcende, então a verdade é vontade do
homem, assim como a bondade e o belo. Mas o homem, por mais que seja
indivíduo, se expressa socialmente. É no social que seu desejo mergulha. A
integração com outros seres da mesma espécie para criar um mundo
melhor. A verdade, a bondade e o belo precisa passar, então, por um
processo de transposição e objetificação. Já que não há mais a religião para
tal missão, é preciso a tal conveniência e apostar na experiência histórica e
civilizacional sobre o que é bom para obter, enfim, a verdade comum e não
mais fragmentada. A única maneira de rastrear isso é através do
hedonismo. Transformar o “bom” em prazer, pois sem Deus, nada é
eterno. Eis de onde vem o tal: “viver o hoje”. A vida hedônica transforma
tudo em belo, bom e verdadeiro, pois é apenas a vontade humana que
importa.
Como o hedonismo não é fixo e sim dinâmico, instável e inconsistente,
é preciso, no século XX, criar estabilizadores para fins de construir uma
ilusão de que o homem pode alcançar a verdade, bondade e o belo, mesmo
sabendo que essas palavras já estão sem referente e no entanto sem sentido.
Os estabilizadores da virtude artificial são projetos ideológicos criados por
intelectuais no plano arquitetônico de como é uma sociedade onde a
verdade impera. E o império da verdade é a justiça. Mas nem a justiça tem
seu referente, pois essa é a consequência da desarmonia do homem com a
narrativa primeira que o unia ao cosmos. É como se agora é criado um
tipo de cosmos artificial. Uma ordem delirante a qual dedicarei um outro
ensaio somente sobre isso.
Ora, se a justiça é o propósito do projeto, e o mesmo não tem seu
referente, então a justiça é apenas o conceito do ideólogo. É aquilo que ele
acha ser justo e verdadeiro. Lembremos mais uma vez que depois do

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humanismo nada mais transcende o homem. O ideólogo arquiteta o
mundo segundo sua vontade e seu esquema intelectual. Não é que o
mundo será mais justo e bom, o mundo será a materialização da vontade
do ideólogo. Mas algo importante acontece. Ele precisa ser alcançado e
isso é sempre um projeto futuro. A única maneira de o projeto ideológico
ser materializado é através da concentração de poder ou do
convencimento da massa. A ideologia substitui a narrativa primordial que
transcendia o homem e agora ela própria, construída pelo próprio homem,
é aquilo que o transcende. Isso é o que chamamos de revolução.
Há que perceber o buraco em que estamos metidos. Palavras já não se
referem ao real, mas ao mesmo tempo as pessoas são boas e querem
encontrar a verdade das coisas. Mas não há mais a admissão da
participação no mundo já que o mesmo é um estado caótico o qual
depende da tal ordem da estrutura mental humana (influencia kantiana). A
partir desse hábito mental o homem quer alcançar seus projetos de mundo
“justo”. O resultado disso fará o homem criar mecanismos revolucionários
na linguagem para que convença a sociedade embevecida por esse hábito
mental a serem pro-ativas e colaboradoras no projeto revolucionário. O
caminho encontrado para alienar ainda mais a humanidade e trazê-la ao
berço ideológico da revolução é criando palavras chaves.
Se discursos, como dizem os desconstrucionistas, referem-se a
discursos ad infinitum, então palavras não têm sentido fixo que se refere m
aos fatos. As palavras então podem ser viciadas para direcionar o receptor
por diversos caminhos. Isso é prato feito para engenharia social.
O ser humano não é um ente individual. A individualidade não faz
parte de sua personalidade. Já pequeno quer se associar, ser parte do meio.
Somos um ser social. Isso traz uma sensação de ordem, e de fato, em certo

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aspecto, o social é ordem e o homem social é caótico, pois a verdade é que
o mesmo nunca está sozinho. Há todos os objetos da realidade que o
circunda, inclusive seres da mesma espécie. Se assim o é, evidentemente o
natural será a busca por essa integração, e para ser aceito na tribo é
preciso de alguns códigos que o Dr. Carl Young chama de persona que
será o modo pelo qual o homem se reveste de toda a cultura e civilidade
para ser aceito nos diversos departamentos da sociedade.
Os códigos dirão que a pessoa é boa cidadã. Cumpre, assim o homem
de virtude para o todo. Essas virtudes são construídas com aquilo que o
cidadão se mostra. Isso é uma forma, e forma aqui desrespeito a fórmula:
um modelo que fabrica o indivíduo bom. Se antes quem fazia isso era
autoridade clerical na mesma lógica que se usou em todos os
desenvolvimentos civilizacionais, ou seja, pela religião, aquilo que
transcende o homem, agora é feito por uma outra religião que não
transcende o homem, pois não é essa a função. Estamos falando da
ciência. Os critérios científicos formam o cidadão e essa fórmula
“comprovada cientificamente” se manifesta através das tais palavras
chaves.
As palavras chaves são chavões usados desde a revolução francesa.
Quem não se lembra do slogan: Igualdade, fraternidade e liberdade? Três
palavras que soam como virtude; mas assim o é apenas se a situação a qual
é colocada faz sentido na relação com tais palavras. Isso qualquer pensador
da idade média sacaria instintivamente. Essa técnica evoluiu a tal ponto
que no século XX é o carro chefe da propaganda e desinformação.
Quando as palavras chaves são usadas para os receptores
sentimentalistas do pós-guerra, a conquista psicológica tem o sucesso
muito maior do que nos tempos de Robespierre. A necessidade popular de

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ser uma persona e fazer parte do meio, passou do ponto razoável se
tornando alienação.
O ser humano pós-guerra é inseguro e isso foi aproveitado pelos
engenheiros sociais ao trabalharem o vazio deixado pelos horrores dos
conflitos bélicos. “Precisamos ser livres”; “precisamos amar”. A tradição,
segundo os ideólogos revolucionários, não só deu errado como é opressora.
Não serve mais. A palavra “família”, “igreja”, “cristianismo”,
“patriarcado”, “valores morais” são ligadas a tudo o que é negativo. A
palavra “liberdade”, “amor”, “tolerância”, são ligados a virtudes. Mas eu
concordo, as palavras família, igreja e cristianismo não são diretamente
ligados a virtude, mas são entidades e crenças. Já a liberdade, amor e
tolerância são valores morais e condição virtuosa do homem. Se os últimos
estão fora de um contexto real há um problema, pois podem ser
conectados a uma fileira de relações onde no final o fato pode ser qualquer
um mesmo que deslocados das palavras iniciais. Tudo pode ter seus
adjetivos desviados para qualquer direção. Pode-se predicar qualquer coisa
no sujeito, pois é a corrupção das palavras para construções de narrativas
que dêem o sentido ideológico. “Se Deus não existe tudo é permitido” já
dizia Dostoyevski.
Para ser mais claro, é criado uma sequência de palavras que são
forçosamente associadas ligando-as a uma crença final. Qualquer fato
poderá ser distorcido e condicionando-o a uma crença através de tais séries
de palavras. Tudo então será apenas discurso positivo ou negativo
eticamente. A intensão dessa cadeia de palavras é converter o indivíduo a
uma crença intencional, onde o mundo só poderia ser bom se todos
seguirem ações que se conectam com os primeiros discursos e expelem
outros discursos mesmo não sendo reais e sim estando num campo de

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abstrações absolutamente isolados dos fatos. Esse conjunto de associações
de palavras deslocadas do real é o que chamei, por falta de um termo
melhor, cadeias de relações de crença.
O esquema é a conexão da primeira palavra que é um apelo moral
fazendo emergir um sentimento no sujeito; esse sentimento surge com
sucesso quando essa primeira palavra é devidamente associada a última da
fila, pois o sujeito já estará enquadrado intencionalmente na crença.
TO L E R Â N C I A > A N T I - R A C I S TA > F E M I N I S TA >
L E G A L I Z A Ç Ã O D O A B O RTO > PA RT I D O V E R D E >
SOCIALISMO.
Acima há um exemplo da armadilha. Todos concordamos que ser
tolerante é bom, é uma virtude. Mas está vazia de realidade se posta já que
não se refere a nada específico. É universal. Ali ela é contextualizada
dentro de uma cadeia de outras palavras que seguem uma cadeia. Na
mente do sujeito, a palavra tolerância ligará à última que é socialismo, e
socialismo é a crença final, a afiliação ideológica a qual é submetido.
Porém, na cadeia de relações entre palavras haverá uma série de outras
que estarão relacionadas a tolerância criando, assim, estereótipos. Ela
chegará até a forma que o sujeito precisa ser alocado como participante
como realizador, ator político ou crente. O tolerante é socialista e isso é
tautológico, pois o socialista é tolerante. Portanto, o tolerante é aquele que
segue critérios ideológicos da crença ideológica (socialismo): abortista,
feminista, anti-racista, etc… Nem sempre as palavras internas são más, ou
boas, mas são aquilo que o crente precisa ser para ter a virtude da
tolerância - e outras palavras que expressam virtude como: liberdade,
amor ou anti-nazista. Poderíamos trocar a sequência e assim a palavra
tolerância por anti-racistas, pois a última também reflete um sentimento de

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virtude “auto-explicativo”. Tolerância entraria nas palavras internas, mas o
resultado seria o mesmo: socialista. As cadeias são necessárias porque as
palavras internas e as pontas podem ser substituídas. Pois como um bloco
não irá alterar o valor moral já internalizada pelas “boas” palavras que
estão dentro do mesmo bloco. Portanto, feminista (que não tem valor
moral em si e por si não entrega necessariamente um valor positivo)
refletirá um sentimento tão altruísta quanto a palavra tolerância. O mesmo
para aborto (um termo intrinsecamente de valor negativo que designa o
assassinato de nascituro) que estará relacionado a um sentimento positivo
de liberdade, tolerância e direito. Eles estão no mesmo bloco e suscitarão a
mesma crença.
Há uma palavra que segue depois de socialista que é a consumação da
intenção revolucionária:
TO L E R Â N C I A > A N T I - R A C I S TA > F E M I N I S TA >
LEGALIZAÇÃO DO ABORTO > PARTIDO VERDE > LGBT >
SOCIALISMO > DEVE PREVALECER.
A consumação é muito simples. O socialismo deve prevalecer porque é
um mundo melhor. O “deve prevalecer” é a praxe revolucionária tanto
exigido no marxismo. O “dever” é uma injeção de vitalidade no discurso
para transforma-lo em ação.
Lembre-se o seguinte: o indivíduo que entra nessa cadeia de relações
de crença não precisa se auto-intitular socialista. Por muitas vezes ele o é
sem saber. Como veremos, mais do que criar um imaginário, é criar tipos
humanos que podem ou não ser incluído no grupo dos salvadores do
universo.

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Agora existe o contrário. A mentalidade revolucionária está em
constante crítica com algo, ou seja, é uma permanente guerra, e só se faz
guerra contra um inimigo.
Portanto, as cadeias de relações de crenças são uma ferramenta não só
de construção do indivíduo revolucionário, mas também de sua antítese.
Todos os termos abjetos são designados para o inimigo. Só que assim como
as cadeias de relações para criar a crença do soldado revolucionário, o
inimigo tem todo o discurso vazio e sem referente. A preocupação é com o
efeito psicológicos dos significados. Logo, os símbolos que tem em si um
significado negativo são mesclados com aquilo que querem destruir.
Família com fascismo, racismo com branco de pele, intolerante com
cristianismo. O esquema ficaria assim:
Racista > Cristianismo > Anti-aborto > Família >
Intolerante > Homofóbico >Nazi-fascista > Extrema-direita.
Veja que a associação da primeira e a última é o efeito intencional na
mente do sujeito criando a crença. O racista é extrema-direita, e
tautologicamente a extrema-direita é racista. Podendo, obviamente, trocar
as palavras internas e coloca-las o tempo todo nas pontas. As sequências
dentro da cadeia sempre associarão uma palavra predicando-a. O cristão é
homofóbico, família é algo nazi-facista.
Um exemplo disso são os discursos irracionais contra o presidente
Bolsonaro. Ao ser, segundo os revolucionários, da extrema-direita, ele é
racista, homofóbico, facista, e ao passo de ser anti-abortista é um assassino
e intolerante. Veja como a coisa se enrola dentro de um lamaçal de
conceitos: é um cristão e portanto homofóbico, nazi-facista; é anti-abortista
e portanto racista, extrema-direita e cristão. É um nazi-facista é portanto
cristão.

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 18


Esse mixe de palavras que formam o estereótipo independente da
sequencia e do referente é sem limite, pois a crença já está formada no
bloco de palavras e significados sem referente.
O inimigo é criado. Agora é só pô-lo na sociedade em forma de
propaganda, desinformação e assim usar a famosa táctica soviética do
enquadramento, pois semelhante ao caso positivo, neste último também
tem outro termo além da ponta:
Racista > Cristianismo > Anti-aborto > Família >
Intolerante > Homofóbico >Nazi-fascista > Extrema-direita >
Não pode existir.
Se nas cadeias de crenças positivas era consumada com Deve
Prevalecer que é a pura praxe (a ação revolucionária), o agente da ação
tem o dever de fazer sua antítese deixar de existir. A ligação entre
Prevalecer e Não existir. A prevalência é senão o caminho a se chegar no
mundo ideal que o revolucionário almeja, e o crente salvador é construído
como o socialista. A praxe é derrotar a antítese, pois a guerra construída é
contra aquele que é obstaculo a formação do novo mundo. Este não pode
existir. Logo, deve estar fora da sociedade, é um câncer, uma doença que
com ela o corpo revolucionária que é guiado ao paraíso não prevalece e
morre. Baseado nesse pressuposto que os esforços de extirpar a tal
extrema-direita está justificado a fazer qualquer ação. Prender, mandar
para campos de reeducação, separar, executar e até mesmo cometer um
genocídio dessa “raça” de seres intolerantes e perigosos.
O cristão é perigoso, o anti-abortista é perigoso, a família tradicional é
perigosa. Tudo é possível quando a tática das cadeias de relações de crença
constrói tipos humanos para estabelecer os critérios revolucionários através
da engenharia social.

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 19


A grosseria disso passa, na maioria das vezes, despercebida porque a
revolução agora é Fabiana e esta é lenta, trabalhando com a modificação
da mente humana. O trabalho não é apenas uma simples alteração de
comportamento e sim um reset no homem. A transformação total da
forma humana para uma outra coisa a imagem e semelhança da ideologia
socialista. É a construção de um novo ser humano. Mas assim como Deus
nos criou no Éden por último, os revolucionários primeiro criam o
ambiente para desse barro vir a formar o novo homem. Assim como Deus
criou tudo pela palavra e disse que tudo é bom, o novo homem também
está sendo criado pelo mesmo instrumento verbal. Para isso, a realidade
divina deve ser destruída, e as palavras têm esse poder caso neutralize o
indivíduo de associa-las com o real. Pelo menos destrui-la da mente das
pessoas.
A sutileza de tal grosseria vem sendo feita desde a infância nos
currículos escolares. Basta ler a obra de Pascal Bernadin chamada
Maquiavel Pedagogo, livro que é uma reunião de documentos de fontes
primárias denunciando como nossos filhos vêm sendo moldados para
serem soldados da revolução.
Ser revolucionário, ou seja, criar um mundo novo, uma ordem
promissora para dar fim a história, é o desejo típico da juventude. Se as
cadeias de relações de crenças conquistam essa faixa etária, tal
personalidade de herói e salvador da humanidade e do planeta será fixada
pelo resto da vida destruindo a capacidade de desenvolver a personalidade.
Forever Young dizia a música da banda Alpha Ville.
Esse tipo de técnica tem como finalidade destruir a solidez das
palavras, distorcer seus significados e fecha-los num baú ideológico para
que possam ser usadas para fins revolucionários. Um bom exemplo é o uso

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 20


das palavras “democracia, tolerância, liberdade e racismos”. São termos
fortes e aparentemente muito óbvios para o entendimentos das pessoas
comuns. Não quero aqui discutir se tais palavras se traduzem exatamente
em virtude ou maldade, não é esse o intuito, e sim chamar a atenção de
como funciona o mecanismo de utilizar palavras de fáceis absorção só
porque remetem à algum juízo de valor e emergem na massa uma reação
rápida. No período de 2021, no Brasil, houve a famosa CPI da Covid e a
perseguição do STF ao presidente Bolsonaro. Comissão essa dirigida por
parlamentares famosos pelos casos de corrupção em seus mais variados
graus. Aquilo tudo era um teatro de mal gosto para fins de pegar o
presidente da República na saia justa. Tanto a grande mídia quanto os
dirigentes da coisa, se utilizavam da retórica, e para efeitos mais profundos
e rápidos no sentimento do publico e no fortalecimento do discurso,
utilizavam o tempo todo frases do tipo: “temos que proteger as instituições
democráticas”, “estamos garantindo a democracia”, “há uma ameaça à
democracia”. Com essas frases de efeito, justificavam seus atos, associados
com o Supremo Tribunal Federal, em punir e prender pessoas somente por
estarem exercendo a liberdade de expressão. Foram tão longe, que nessa
história desmonetizaram canais do YouTube, fizeram presos políticos,
jornalistas encarcerados, e fecharam a maior empresa de mídia
conservadora da América Latina: o canal terça livre. Tudo isso por
defenderem suas posições políticas, suas crenças e expressando suas críticas
aos membros do Supremo.
Uma outra palavra de autoridade usada na CPI foi “ciência”:
“Estamos aqui em nome da ciência”, “Temos que respeitar a autoridade
científica”, “pessoas que vão contra a ciência”. Certamente nenhum
daqueles senadores que esbravejaram tais jargões sabiam ao menos o que é

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 21


ciência, e eles mesmos cuspiram na cara dos depoentes que levaram
estudos científicos. Ou seja, “ciência” e “democracia” estavam sendo
usados para fins retóricos apenas para efeitos sentimentais nas massas. Ao
mesmo tempo a grande mídia alimentava o discurso.
O resultado foi que parte da massa alienada comprou a narrativa a
ponto de acreditar que ali estavam os heróis que protegeriam a população
em nome da tal ciência. Pelo lado do STF, os jornalistas e comentaristas
políticos, muitas vezes, sem perceberem, já estavam dosando as palavras ao
falarem mal dos togados. Não queriam em cana para fazer companhia aos
colegas da categoria.
Esse breve exemplo nos mostra algo importante no poder da
linguagem e a consequência quando a destruímos. Os que se protetores do
povo em nome da autoridade científica estavam justamente destruindo
tudo o que se entende como ciência, e os que justificavam suas ações como
sendo para garantir o estado democrático de direito estavam destruindo a
democracia. Isso porque as palavras “ciência” e “democracia” foram
esvaziadas de seu significado real para atingirem outros fins. O que resta
das palavras são apenas o efeito emocional na mente das massas referindo
os termos a supostas virtudes mas escondendo o real interesse por trás de
seu uso. É como a fachada de uma casa vazia, sem móveis, decorações e
até paredes. A falsificação mesma da linguagem.
O fato das pessoas caírem nessas narrativas pobres de pura
teatralidade vem do fato de que elas estão presas no universo da ignorância
como um mosquito fica preso numa teia de aranha. Por mais que se mexa
o destino é sempre parar na boca do aracnídeo. Essa prisão é justamente a
separação dele do cosmos tendo uma barrara formada por entulhos que
soterraram a capacidade do imaginar. Como ter tal habilidade sem a

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 22


ferramenta da linguagem? Se a rica imaginação vem daquilo que ele
absorve do mundo em forma de linguagem, então, no Brasil o povo está
fadado a ficar nessa teia. O problema vai ainda mais longe. Sem a
imaginação o homem não pode perceber que está preso. Ele acha que está
livre sendo que está numa pequena ilha achando que aquilo é o universo
inteiro e que só há vida em seu pedaço de terra cercado pelo mar. O Brasil
perdeu a alta cultura e apenas ela pode dar a chance de enriquecer o
imaginário. Boa literatura, uma elite intelectual, filósofos de verdade a
religião e romancistas que conseguem ter a sensibilidade de passar para o
papel os dramas possíveis da vida em forma de palavras bem sentadas
como um organismo vivo. Isso é o que forma o imaginário de uma
sociedade saudável. Se a alta cultura não reina alguém tomará o seu lugar
como autoridade intelectual sendo ela a formadora de opinião e
formadora da imaginação do povo. No caso do Brasil de hoje são as
novelas e a mídia. Não há alta cultura. São presas fáceis, pois estão
aleijadas.
A perda da linguagem e consequentemente da capacidade imaginativa
é o terreno fértil para a cadeia de relações de crença funcionar. Se o
imaginário é pobre tudo serve para formar a crença do sujeito. Ele está
doente, apartado do mundo real e é um idiota útil das ideologias
revolucionárias. Se o adolescente ou jovem gasta o tempo nas timelines das
redes sociais para verem tolices como dancinhas, fotos de nádegas,
mansões, viagens e fofoquinhas típicas da baixeza cultural brasileira, o
imaginário ficará ali. Não terá tempo para investigar se o fato deles
chamarem o presidente de genocida é parte dessa cadeia alienante ou não.
Adere porque associa com outros termos clichês que conecta com
“genocida”. O jovem idiotizado chega na universidade com a imaginação

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 23


defasada, mas ao mesmo tempo esperançoso das novas habilidades
intelectuais que irá adquirir naquele ambiente. Então, seu professor
comunista leciona “boas aulas” sobre o partido e como devem lutar para
que a história termine e os proletários sejam os heróis para um admirável
mundo novo. Teorias encantadoras, pois ele sai de novelas e TikTok para
um terreno intelectual, mas sem saber que está tendo sua mente
corrompida e depravada por depravados e corruptos. Está enfeitiçado por
mentiras, propagandas e alienação. Se torna, assim, o idiota útil, e seu
destino é ajudar a criar novas cadeias de relações de crenças.
Todas as ideologias revolucionárias afastam o indivíduo do Ser e da
ordem fazendo com que fabrique ou ajude o partido na constituição de
uma nova ordem que não tem a ver com o Ser e a ordem real. Isso é o que
chamamos de o reino da mentira, e é o que Cristo quer ensinar quando
diz que o diabo é o pai da mentira. É a instauração de uma nova ordem.
Um tipo de meta-narrativa que tenta trazer uma explicação sistemática da
História. Inserir a massa nessa ordem utópica dá à ela um senso de
participação num propósito escatológico que zomba do advento do fim da
real narrativa do Ser Divino na História. A criação se torna deformada,
com outro propósito e uma estrutura onde ele já não é aquela capaz de
associar a linguagem com aquilo que é real e sim ao delírio puramente
sentimental trazido pelo senso escatológico da revolução através da cadeia
de relações de crença.
Se alguém quer estar fora dessa distopia e psicose generalizada, há
que quebrar as barreiras da artificialidade em todos os sentidos. Na cidade,
olhamos para todos os lados e vemos a administração humana sobre a
natureza em praticamente todos os detalhes da zona urbana. A criação de
camadas de ordem para proteger-nos da assombrosa e sublime natureza.

A CADEIA DE RELAÇÕES DE CRENÇA 24


Mas não podemos, na verdade, ter esse controle e proteção contra ela. O
que torna os esforços das construções desses muros vãos, pois há apenas a
ilusão de estarmos protegidos e fora da natureza. A verdade é que nós
somos partes dela, parte de uma ordem cosmológica que está além do
nosso potencial de controle. Precisamos apenas admitir nossa fraqueza e
admitir o pertencimento mesmo nessa imensidão sublime que nos causa
terror. Há que conectar a narrativa histórica no Ser que é o autor da
narrativa histórica desde o cosmos. A integrarmos na ordem tocando a
mão dAquele que é a ordem suprema, a própria Bondade, Beleza e
Verdade. Se fomos criados no Éden e a palavra de Deus se referiu à
criação real do homem, façamos como Deus, não pretendendo ser Ele,
mas vivendo com o Divino e usando o presente que é nossa capacidade de
participarmos do Verbo, usando as palavras para nos referirmos ao que é
real.
A ordem Real é o único lar que temos que voltar. Lembrem-se disso
quando olhares a volta e ver as árvores das florestas, os vastos campos, o
céu azul, as ondas do mar e a imensidão da ordem cosmológica. É só assim
que podemos ver Deus e deleitar-nos na realidade.

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