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POR QUE UM LIVRO

[-Ronailson Sousa-]

Existe um ramo da filosofia chamado epistemologia que


tenta explicar a natureza, os fundamentos acerca do
conhecimento de modo geral.
EMPIRISMO
A filosofia empírica (do grego empeiria = experiência)
ganha formulação a partir de Locke.
Seguindo a linha tradicional do empirismo, que admite que
todo conhecimento vem da experiência, portanto, dos sentidos,
Locke busca compreender qual a gênese, a função e os limites do
entendimento humano.
De acordo com Locke, a mente é como uma cera passiva,
desprovida de conteúdos, em que os dados da sensibilidade vão
imprimindo ali as ideias que podemos conhecer. Mas para os
seguidores do pensamento empirista, o saber humano é
determinado pelas impressões vindas da sensação, não de um
fundamento inteligível inato. Corpo e mente são uma coisa só.
Em seu Ensaio sobre o entendimento humano, Locke faz
uma espécie de mapeamento de como em nossa mente se
produzem as ideias. As ideias derivam das sensações. Pensar é
sempre pensar em algo recebido pelas sensações impresso em
nossa mente. A experiência nada mais é do que a observação
tanto dos objetos externos como das operações internas da mente.
A experiência pode ser de dois tipos:
1. Externa, da qual derivam as ideias simples de sensação
(extensão, figura e movimento, etc.);
2. Interna, da qual derivam as ideias simples de reflexão (dor,
prazer, etc.).
O RACIONALISMO
O racionalismo foi uma corrente filosófica muito
importante da Modernidade. Como concepção de conhecimento
filosófico, o racionalismo começa a tomar corpo durante
o Renascentismo, mas as suas primeiras origens podem remontar
à filosofia grega, com as teses idealistas platônicas e a concepção
do princípio da causalidade.
O racionalismo tem como principal objetivo teorizar o modo de
conhecer dos seres humanos, não aceitando qualquer elemento
empírico como fonte do conhecimento verdadeiro. Para os
racionalistas, todas as ideias que temos têm origem na pura
racionalidade, o que impõe também uma concepção inatista, isto
é, de que as ideias têm origens inatas no ser humano, nascendo
conosco em nosso intelecto e sendo usadas e descobertas pelas
pessoas que fazem melhor uso da razão.
Características do racionalismo
Como a epistemologia (vertente filosófica que investiga as
teorias do conhecimento), o racionalismo afirma que todo o
conhecimento humano advém da pura racionalidade e do
intelecto. As experiências práticas, para os racionalistas, não têm
valor cognitivo, podendo inclusive enganar-nos ao oferecer-nos
impressões errôneas. Os racionalistas defendem que as ideias
surgem da pura e simples capacidade racional e impulsionam o
intelecto, formando os conhecimentos com base nas leis
universais da razão.
Racionalismo e empirismo
Na Modernidade, o debate entre racionalistas e empiristas
acirrou-se. Enquanto os empiristas afirmavam que todo o
conhecimento humano advém da experiência e que as ideias
somente surgem em nossa mente após as vivências,
os racionalistas afirmam que o conhecimento humano
verdadeiro é puramente intelectual.

O APRIORISMO KANTIANO
Depois de Descartes e Locke, o universo filosófico dividiu-
se entre racionalistas e empiristas, entre aqueles que colocavam
o conhecimento no sujeito pensante e aqueles que colocavam o
conhecimento no próprio objeto.
No entanto, um pensador avançou ainda mais no debate sobre
o conhecimento, e de que forma ele se torna acessível para os
homens. Seu nome: Immanuel Kant. Sua proposta de
investigação e construção do conhecimento: o apriorismo.
Kant parte do pressuposto de que o conhecimento começa
pela experiência, mas que esta sozinha não dá conta de edificá-lo
por completo. Para concluir o processo do conhecimento se faz
necessário que o sujeito que conhece o organize e o sistematize
em sua mente os dados da experiência. Para Kant, os homens
carregam dentro da mente categorias que funcionam como uma
espécie de processador de computador. Essas categorias o
filósofo chamou de “a priori”, ou seja, existem antes de qualquer
experiência sensível – daí o nome “apriorismo”.
Imagine um objeto qualquer. Para conhecer esse objeto o
processo terá que se dar inicialmente através da experiência. No
entanto, para abstrair e conhecer o objeto observado será
necessário consultar as categorias existentes na mente humana,
de modo que estas possam processá-lo e transformá-lo em
conhecimento. As categorias da mente são “a priori”, ou seja,
existem independentemente da minha experiência. Já o processo
de conhecimento é “a posteriori”, quer dizer, é fruto da soma da
experiência sensível com o exercício racional da mente.
Desse ponto de vista, Kant tenta conciliar o racionalismo
com o empirismo. Kant também aponta os limites da razão.
Enquanto Descartes apostava todas as suas fichas na capacidade
racional de conhecer e interpretar o mundo, Kant advoga que a
razão só consegue abstrair aquilo que se apresenta nas categorias
tempo e espaço. Tudo aquilo que extrapola o tempo e o espaço
não pode ser conhecido. Exemplo: podemos conhecer um poste
de luz, pois este está condicionado no tempo e no espaço. No
entanto, nos ensina Kant, não temos a capacidade de conhecer o
objeto em si, mas apenas a maneira como ele se apresenta para
nós no tempo e no espaço.
Essa visão acerca da epistemologia parece ser a mais
razoável e adequada por ser mais intermediária e nos ajuda a nos
aproximarmos um pouco acerca do conhecimento de Deus.
Mas nós temos que compreender para início de conversa que
Deus é um ser completamente infinito e Ele está muito além da
capacidade epistemológica do homem. Do ponto de vista da
cognoscibilidade não é possível a nenhum de nós aprendermos a
Deus, conhecermos a Ele a menos que Ele se auto revele a nós.
Então no contexto da auto revelação de Deus é que é possível a
troca de conhecimento onde nós somos o sujeito e Deus se coloca
na perspectiva de um objeto que deseja ser conhecido.
Quando isso ocorre nós temos a revelação de Deus
principalmente por meio das escrituras, onde o homem coloca
suas percepções ou sentidos em atividade e Deus se revela
através de sonhos visões aos profetas e esses fazem seus registros
e ai nós temos este livro (mostrar Bíblia para o público).
Por que um livro?
Se Deus realmente quer se comunicar com a humanidade por
que não usou um método tão discutível para dar sua mensagem?
Por que através de um livro? Não seria mais inteligente ou óbvio
se ele o fizesse manifestando-se soberano no céu com poder e
grande glória? Até Richard Dawkins creria nele. Não estou
seguro de que este seria o melhor caminho. E já que
mencionamos Dawkins, veja o que ele mesmo respondeu num
debate público com George Pell, mediado por Tony Jones,
quando lhe perguntaram o que seria necessário para que mudasse
de opinião e se rendesse a Deus. Ele disse:
Essa é uma pergunta muito difícil e interessante porque, quer
dizer, eu costumava pensar que talvez se, de alguma forma, você
sabe, um Jesus gigante, de trezentos metros de altura com uma
voz igual à do Paul Robeson, de repente aparecesse e dissesse:
‘Eu existo. Aqui estou eu’, mas, ainda assim, na verdade eu às
vezes me pergunto se isso mesmo me levaria a acreditar nele.
Ademais, uma aparição epifânica e universal de Deus
provocaria pânico, e não adesão voluntária. Deus deseja filhos
que o amam, não admiradores, fãs ou fanáticos, muito menos
gente que lhe segue por conveniência, medo ou por não ter outra
opção. Assim, pelo menos por agora, fica descartada a aparição
majestosa para levar à crença.
De qualquer modo, a pergunta persiste. Por que um livro?
Por que revelar suas mensagens através de supostos profetas,
quando poderia ter falado ele mesmo ao coração de todos os
homens e mulheres do planeta Terra? Parece uma contradição:
Se podemos ir a Deus diretamente em oração, por que ele precisa
de um livro para revelar sua vontade?
Uma Bíblia escrita há milênios, por pessoas desconhecidas,
e em idiomas inacessíveis à maioria, prece realmente a situação
perfeita para uma descredibilização da Palavra
Ora, os que fazem essa indagação, por mais lógica que ela
pareça, esquecem-se ou desconhecem que este é o padrão
cognitivo do ser humano. Ouvir verdades através do testemunho
de outrem é o modo mais natural de apreender realidades, e Deus
levou isso em consideração ao revelar sua Palavra. “O Ser
humano”, dizia Vygotsky, “constitui-se como tal em seu meio
social”. O que o autor quer dizer é que o ser, desde a mais tenra
idade, só se torna epistemologicamente humano a partir das
interações desencadeadas em seu meio social, histórico e
cultural. Não se trata de mera transferência de informações para
o interior do sujeito. O ciclo epistemológico só funciona se
houver uma construção de saberes a partir da interação do ser
com o meio social em que está envolvido, ou seja, um ser humano
sempre precisa de outro ser humano para compreender a
realidade.
Confirmando isso, temos as pesquisas mais recentes de
Albert Bandura, professor de Stanford e um dos maiores teóricos
da aprendizagem social. Foi ele quem formulou cientificamente
o conceito de modelagem, segundo o qual a criança reconhece a
realidade através do adulto, e não é só na fase infantil que isso
ocorre, na fase adulta também, afinal, ninguém é bom em tudo.
A partir disso, posso confortavelmente afirmar que nossa
visão de mundo e nossa relação com a realidade serão sempre
mediadas pelo outro, desde a infância até o fim de nossos dias.
Podemos até ter uma ou outra experiência autodidática, mas
mesmo essa será baseada no que outros antes de nós perceberam
ou disseram. No final das contas, nunca aprenderemos nada
sozinhos.
Se assim for, por que deveria ser diferente com uma
comunicação feita por Deus? Por que ele quebraria o meio mais
natural de conhecimento humano – construído na interação com
outros saberes – e revelaria a cada um individualmente como se
os demais não existissem?
A gente precisa superar aquela sensação antropocêntrica e
individualista desacreditar que o universo seríamos Deus e eu.
Há pessoas em redor, e mesmo os que já se foram deixaram seu
legado, de modo que não posso interagir com qualquer provável
revelação divina senão passando pelo outro.
Nas palavras de O. Cardedal:
Para chegar ao eterno é necessário voltar os olhos para a
temporalidade; para ir até Deus é necessário passar pelos
homens; para penetrar profundamente no mistério é necessário
partilhar a intimidade com um próximo humano; para nos
conhecermos a nós mesmos temos de passar pelo irmão e deixar
que ele passe por nós.
O uso de profetas e autores inspirados foi o meio elegido pela
Providência para comunicar verdades para a humanidade. Esses
autores, portanto, estariam para nós como o médico está para o
economista, e o advogado para o professor do MIT – eles
simplesmente nos trazem um conhecimento que não adquirimos
por nós mesmos. Sua expertise – se posso chamar assim – foi a
inspiração.
Partindo desse ponto, nós podemos entrar em contato com a
experiência do profeta através do que ele escreveu, e entender
qual é a vontade de Deus usando a hermenêutica que nada mais
é que as técnicas usadas para interpretar os textos.
Fé e razão em diálogo
A hermenêutica envolve um processo racional que utiliza as
faculdades de raciocínio do intelecto humano, atribuindo, desse
modo, uma função central à razão humana na interpretação das
Escrituras. Contudo, uma série de indagações discute a razão e a
fé conforme relacionadas com a hermenêutica. São as verdades
franqueadas à descoberta pela razão comparáveis com as
verdades da fé? É possível o diálogo entre as duas dimensões?
Além disso, é a razão – compreendida como a capacidade
humana de pensar, deliberar, resolver problemas, distinguir,
julgar e escolher livremente – um recurso plenamente fidedigno
ou o fator exclusivo na interpretação da Palavra escrita de Deus?
Que efeito poderia ter o pecado sobre a razão humana? Ademais,
pode a razão ser influenciada positiva ou negativamente por
poderes sobrenaturais talvez mesmo desconhecidos ao
intérprete?
Por outro lado, a fé – reconhecida como uma confiança
divinamente inspirada e um compromisso com Deus e com a
Escritura canônica como a autorizada Palavra Escrita de Deus –
desempenha também uma função na hermenêutica? Nesse caso,
qual é sua função e como essa espécie de fé se relaciona com a
razão na hermenêutica?
Além do mais, há limites para a razão humana na
hermenêutica? Se é assim, quais são eles, e sobre o que estão eles
fundamentados? Se a fé e a razão parecem colidir no tocante a
uma interpretação particular das Escrituras, como será a tensão
resolvida? Deve a fé ou a razão ter a autoridade final em tais
exemplos? Nesse caso, sobre que base poderia ser concedida a
uma ou a outra a autoridade final? Esses problemas são tão
básicos que têm recebido grande atenção ao longo da era cristã,
continuando hoje a ser vigorosamente discutidos.
Fé, razão e evidência
Por um lado, discutindo-se a fé e a razão há um senso de que,
de certo modo, é bom tomar em consideração a crítica por meio
da análise racional. Pedro exorta os crentes a estarem preparados
para apresentar uma “razão” ou uma “defesa” a qualquer que lhes
pergunte sobre alguma postura cristã (1Pe 3:15). Isto implica a
importância da evidência em relação à crença e, portanto, parece
endossar, de certa forma, o que tem sido chamado de “crença
cristã fundamentada.”1 Embora o cristão possa não ter prova
demonstrável como garantia para as crenças, pode-se esperar a
existência de suficiente evidência. Ellen G. White descreveu a
relação entre evidência e fé, como segue:
O Senhor nunca exige que creiamos em alguma coisa sem nos
dar suficientes provas sobre que fundamentemos nossa fé. Sua
existência, Seu caráter, a veracidade de Sua Palavra, baseiam-se
em testemunhos que falam à nossa razão; e esses testemunhos
são abundantes. Todavia, Deus não afasta a possibilidade da
dúvida. Nossa fé deve repousar sobre evidências, e não em
demonstrações. Os que quiserem duvidar, hão de encontrar
oportunidade; ao passo que os que desejam realmente conhecer a
verdade, encontrarão abundantes provas em que basear sua fé
(CC 105).
Por outro lado, em discussões da fé e da razão, também
reconhecemos o valor da fé pessoal, experimentando o auto-
autenticador poder do Espírito Santo sobre a mente. Surge a
interrogação: Qual é a relação entre a razão, a fé e o Espírito
Santo? Poderia a resposta ser a de que esses elementos estão
relacionados funcionalmente? O Espírito Santo nos atrai por
meio da evidência. Isto amplia a importância das faculdades do
raciocínio com respeito à evidência, especialmente a evidência
textual. Também sanciona a imprescindível obra contemporânea
de Deus como conduzindo à verdade por meio da evidência.
Todavia, são as faculdades humanas do raciocínio sempre e
plenamente confiáveis? Esta pergunta nos leva à discussão da
distinção entre a razão humana regenerada e não-regenerada.
Razão não-regenerada versus razão santificada em
hermenêutica Segundo a cosmovisão bíblica, a capacidade
racional humana, razão ou mente, está consistentemente
caracterizada como impelida pelo pecado. Descrevendo a
faculdade racional natural como “coração”, Jeremias afirma que
ele é “enganoso mais do que todas as coisas e desesperadamente
enfermo” (Jr 17:9, NEB). Pode esta razão natural “enferma” que,
de acordo com a Palavra de Deus, ama a “impureza ou cobiça”
as “palavras vãs ou chocarrices” (Ef 5:3-4) e outras obras das
“trevas” (Ef 5:8), interpretar corretamente a Bíblia? Paulo
responde a esta pergunta como segue: “O homem natural [razão
ou raciocínio não transformado] não recebe as coisas do Espírito
de Deus: porque elas são para ele loucura: nem pode conhecê-
las, porque elas são discernidas espiritualmente” (1Co 2:14,
KJV).
Paulo admoesta seus ouvintes a serem transformados “pela
renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a
boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12:2). Esta
passagem parece sugerir que se requer uma razão renovada para
que a pessoa compreenda adequadamente a vontade de Deus.
Paulo equipara a renovação da mente com a regeneração pelo
Espírito Santo (Tt 3:5). Concorda Ellen G. White: “A graça de
Cristo é necessária para refinar e purificar a mente” (RH, 23 de
set. de 1884, p. 609).
Isto suscita a interrogação sobre se a fé ou a razão deve ter
prioridade na hermenêutica quando surgem aparentes conflitos
entre essas duas maneiras contrastantes de conhecer. A
prioridade da fé sobre a razão em hermenêutica O Novo
Testamento, particularmente, trata desse assunto. Utilizando
linguagem metafórica militar, Paulo exorta seus ouvintes a levar
“cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10:5). A
inferência é a de que os ensinamentos de Cristo, conforme se
encontram nas Escrituras, devem ser elevados em autoridade
sobre reivindicações competitivas da razão humana.
Em outras palavras, todos os pensamentos, sejam geológicos,
filosóficos ou teológicos devem estar “cativos” aos ensinos de
Cristo. O ato de pôr, desse modo, a fé acima da razão, prepara o
cristão para estar disposto a negar as evidências dos sentidos
humanos se os fenômenos empíricos parecem questionar alguns
ensinos das Escrituras, por exemplo, Jesus predisse vindas
forjadas de futuros falsos cristos (Mt 24:24-27). Em vista disso,
indaga Ellen G. White: “Acha-se hoje o povo de Deus tão
firmemente estabelecido em Sua Palavra que não venha a ceder
à evidência de seus sentidos? Apegar-se-á nesta crise à Bíblia, e
a Bíblia só?” (GC 625).
Conquanto seja importante, em casos de evidente conflito,
pôr a fé na Bíblia e suas reivindicações acima daquelas do
raciocínio secular humano, talvez precisemos confessar
temporária e livremente nosso atual nível de ignorância em
descobrir métodos de resolver certos problemas. Não obstante,
podemos descansar pela fé na certeza de que quando Deus
finalmente revelar todas as coisas na Nova Terra, haverá
harmonia genuína em assuntos que agora parecem dissonantes e
irreconciliáveis.

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