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FILOSOFIA MODERNA E CRISE DA METAFÍSICA – PARTE I

Modernidade: período que se esboçou no Renascimento e desenvolveu-se na Idade Moderna, atingindo seu auge na
Ilustração, no século XVIII. A ideia de racionalidade que então se delineava era de uma razão que buscava se libertar
de crenças e de superstições, fundando-se na própria subjetividade e não mais na autoridade, fosse ela política ou
religiosa.
Questão do método: o racionalismo foi responsável pelo crescente interesse pelo método. Os filósofos da
modernidade fazem as seguintes perguntas: “O que é possível conhecer?”, “Qual é a origem do conhecimento?”,
“Qual é o critério de certeza para saber se o conhecimento é verdadeiro?”
As questões relativas ao conhecimento, deram origem a duas correntes filosóficas, uma com ênfase na razão, outra,
nos sentidos: o racionalismo e o empirismo.
 Racionalismo: teorias que enfatizam o papel da razão no processo do conhecimento. Destacam-se René
Descartes, Espinosa e Leibniz.
 Empirismo: tendência filosófica que enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento.
Destacam-se: Francis Bacon, John Locke, David Hume e George Berkeley.

Discurso do Método – René Descartes


O "Discurso do Método" foi a obra em que Descartes lançou as bases do pensamento que viria modificar toda a
história da filosofia. Alguns anos depois suas idéias foram retomadas nas "Meditações". O filósofo estava disposto a
encontrar uma base sólida para servir de alicerce a todo conhecimento. Na época, a filosofia não se distinguia das
outras ciências e o livro deveria ser uma introdução para três escritos científicos, voltados para a meteorologia, a
geometria, e o estudo do corpo humano.
Ao buscar um alicerce novo para a filosofia, Descartes rompeu com a tradição aristotélica e com o pensamento
escolástico, que dominou a filosofia no período medieval. A separação entre sujeito e objeto do conhecimento
tornou-se fundamental para toda a filosofia moderna.
No "Discurso do método", publicado em 1637, Descartes elaborou uma espécie de autobiografia intelectual, em que
conta em primeira pessoa os fatos e as reflexões que o fizeram buscar um princípio seguro para edificar as ciências.
Descreve também os passos que o levaram à fundação de seu método - o percurso que vai da dúvida sistemática à
certeza da existência de um sujeito pensante.
Dúvida metódica
Para fundamentar o conhecimento, o filósofo deve rejeitar como falso tudo aquilo que possa ser posto em dúvida. A
dúvida é, portanto, um momento necessário para a descoberta da substância pensante, da realidade do sujeito que
pensa. Através da dúvida metódica, o filósofo chega à descoberta de sua própria existência enquanto substância
pensante. A palavra cogito (penso) deriva da expressão latina cogito ergo sum (penso logo existo) e remete à auto-
evidência do sujeito pensante . O cogito é a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência enquanto tal.
No fragmento abaixo, podemos observar como o filósofo explica o percurso que o levou à descoberta do cogito (a
certeza que o sujeito pensante tem de sua própria existência) - base todo seu pensamento filosófico.
“A partir do momento em que desejava dedicar-me exclusivamente à pesquisa da verdade,
pensei que deveria rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse supor a
menor dúvida, com a intenção de verificar se, depois disso, não restaria algo em minha educação
que fosse inteiramente indubitável. Desse modo, considerando que nossos sentidos às vezes nos
enganam, quis supor que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. Por haver
homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere às mais simples noções de
geometria (...), rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a me enganar como qualquer
outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. (...)
Logo em seguida, porém, percebi que, enquanto eu queria pensar assim que tudo era falso,
convinha necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. Ao notar que esta verdade
penso, logo existo, era tão sólida e tão correta (...), julguei que podia acatá-la sem escrúpulo
como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava.”

René Descartes, “Discurso do Método”

*Heidi Strecker é filósofa e educadora. *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia
& Comunicação.
John Locke e o empirismo britânico
Todo conhecimento provém da experiência
Uma das questões mais antigas que a filosofia tenta responder é "Qual a fonte do conhecimento humano?". Como
podemos saber se Deus existe, que dois mais dois são quatro ou que o céu é azul? Será que já nascemos com
algumas informações a respeito do mundo?
A moderna biologia genética nos diz apenas que possuímos uma história, inscrita em nossos genes, que irão
determinar algumas predisposições para desenvolvermos certas doenças hereditárias, tendências sexuais e
comportamentais ou mesmo o gosto por sorvete de chocolate.
Mas aquilo que somos depende de uma combinação de fatores genéticos com o ambiente em que fomos criados.
Seríamos, portanto, o resultado das escolhas que fizemos segundo as imposições de nosso patrimônio genético e das
oportunidades que temos na vida.
Mesmo assim, a ciência contemporânea ainda não responde às perguntas a respeito de como conhecemos as coisas
e como podemos estar seguros de possuir um entendimento verdadeiro. Filósofos como Platão (428/27-347 a.C.),
Santo Agostinho (354-430), e Descartes (1596-1650) acreditavam na doutrina das ideias inatas, ou inatismo, que
sustenta que o homem nasce com determinadas crenças verdadeiras.
Segundo eles, a alma humana teria uma espécie de repositório de informações conferidas por Deus, e isso validaria
as certezas sobre as coisas do mundo. Platão, no diálogo Fédon, diz que conhecer é recordar-se daquilo que nossas
almas imortais, que habitavam o Mundo das Ideias, já sabiam, mas que ao nascer nos esquecemos.
Contra essa doutrina, John Locke (1632-1704), um dos mais importantes filósofos ingleses modernos, escreveu um
livro chamado Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690), que inaugurou a escola chamada Empirismo
Britânico. Na época, Locke foi muito influenciado pela ciência moderna, baseada em observações.

Tábula rasa
Para Locke, o princípio do inatismo, além de não provar nada, é completamente desnecessário para uma teoria do
conhecimento. Se realmente nossas almas imortais compartilhassem um mesmo estoque de informações, por que
todos não teríamos as mesmas concepções científicas de mundo, por exemplo? Por que os europeus desenvolveram
a ciência, enquanto índios que habitavam as Américas, não?
Segundo Locke, Deus nos conferiu apenas as faculdades para que pudéssemos adquirir conhecimento, dentro de
certos limites. Contrariando o inatismo, ele afirma que, ao nascermos, somos como uma folha em branco - "tábula
rasa", diziam os empiristas - que é escrita na medida em que vivemos e temos experiência de mundo:
"Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem
quaisquer ideias; como ela é suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia
do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do
conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e
dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento." (1978, I, II, ii).
Basicamente é isso que o empirismo sustenta: contrapondo-se ao racionalismo, que privilegia a razão como fonte
segura do conhecimento, esta escola enfatiza o papel da experiência.
Mas isso não quer dizer que, para Locke, a razão não tem nenhuma função no processo cognitivo e que apenas
aprendemos por meio das sensações. Seria um absurdo dizer isso, porque equivaleria a dizer que um matemático,
para saber que um triângulo possui três lados, teria que encontrar um triângulo andando de metrô ou vagando pelo
bosque.

Limites do conhecimento nas ideias

O que Locke diz é que somente a experiência nos fornece as ideias que habitam nossos pensamentos. Em outras
palavras, que o conhecimento tem um início externo, fora do homem.
Ideias, segundo o filósofo inglês, são os objetos do conhecimento, isto é, a matéria da qual o conhecimento é
formado. Elas são percebidas pelos sentidos, mas é o entendimento que confere o, por assim dizer, acabamento
final.
Todo conhecimento, portanto, está fundamentado na experiência, que nos fornece as ideias que constituem tudo
aquilo que podemos saber sobre o mundo. As fontes dessas ideias, diz Locke, são duas:

1. Sensação, ou sentido externo: é a percepção de objetos sensíveis e particulares, como o gosto de uma maçã, a
sensação de uma xícara quente de café, o som da voz de nossa mãe ou a visão de um pôr do sol.
2. Reflexão ou sentido interno: é a percepção da operação de nossas mentes com as ideias já ali depositadas pela
sensação, derivando as dúvidas, crenças, vontades e o conhecimento propriamente dito.
É somente com o segundo estágio, da reflexão, que atingimos o entendimento das coisas; mas, sem as janelas
abertas para a luz vinda da experiência, nossa mente permanece como um quarto escuro. Os limites do que
podemos conhecer, desse modo, são as ideias. Não podemos ir além delas.

Locke ainda divide as ideias em:

1. Simples: são as que nos chegam misturadas num objeto, mas que podem ser separadas pelos diferentes sentidos
pelos quais as recebemos: a textura lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a consistência firme e a cor vermelha são
ideias simples que podemos distinguir da maçã.

2. Complexas: quando nossa mente é preenchida dessas ideias simples, podemos formar, combinando-as, ideias
complexas, como, por exemplo, homem, beleza, maçã ou universo.

Graus de conhecimento

Em resumo, diz Locke: "Conhecimento consiste na percepção do acordo ou desacordo de duas ideias. Parece-me,
pois, que o conhecimento nada mais é do que a percepção da conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de
quaisquer de nossas ideais." (1978, IV, I, ii).
Por exemplo, quando sabemos que branco não é preto, ao perceber que ambas as ideias ("branco" e "preto") estão
em desacordo; ou que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos, ao perceber a igualdade entre eles.
Em relação à clareza e certeza dessas afirmações, Locke classifica os graus de conhecimento em três:

1. Intuitivo: é aquele em que a mente percebe o acordo ou desacordo entre duas ideias imediatamente, sem a
necessidade de outras ideias. Por exemplo, quando percebo que o branco não é preto, o quadrado não é triângulo
ou 1+1=2. É o tipo mais seguro e claro de conhecimento humano.
2. Demonstrativo: é quando a mente necessita de ideias subsidiárias para perceber o acordo ou desacordo entre
outras duas ideias - são as chamadas provas. Para saber, por exemplo, que três ângulos de um triângulo são iguais a
dois ângulos retos, preciso verificar essas medidas.
3. Sensível: é a percepção que temos de objetos particulares externos através dos sentidos. Apesar de Locke incluir
este terceiro tipo entre os graus de conhecimento, mesmo sendo o menos claro e seguro dos três anteriores, o
filósofo diz que o raciocínio que não for intuitivo ou demonstrativo é artigo de fé ou de opinião, não conhecimento
propriamente dito.
Com base em sua classificação dos tipos de conhecimento, Locke diz que as certezas provenientes da matemática e a
moral são indubitáveis e evidentes, pois são alcançáveis pelo raciocínio com ideias presentes na mente humana,
enquanto as ciências empíricas, como a física, que necessitam de uma verificação e confronto com a realidade
sensível, não configuram verdades universais. A teoria do conhecimento lockeana influenciou os filósofos
iluministas, Kant e os positivistas lógicos, entre outros.

Referência
LOCKE, John. "Ensaio Acerca do Entendimento Humano", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
*José Renato Salatiel é jornalista e professor universitário.
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

QUESTÕES:

1. Explique qual é a principal diferença entre racionalismo e empirismo.


2. Por que Descartes lançou as bases para a mudança da História da Filosofia?
3. Segundo Locke, existem duas fontes possíveis para nossas ideias. Explique quais são essas fontes.
4. Segundo Locke, podemos ter ideias inatas? Justifique.

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