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O Nascimento da Filosofia

Até onde sabem os estudiosos, foi na Grécia, final do século VII antes de Cristo
que ocorreu o nascimento da Filosofia. Nessa época, a filosofia era considerada
uma cosmologia, já que estudava a ordem do mundo (cosmos) tendo como base
um pensamento racional (logos), e suas características resumiam-se basicamente
nisto, isto é: para chegar-se a qualquer conclusão, haveria de ter uma análise,
uma discussão e por fim a demonstração de que tal conclusão é verdadeira pela
ótica da razão. Com o passar do tempo, e principalmente dos acontecimentos
históricos, o pensamento filosófico se expande para diversas áreas e conteúdos,
sempre acompanhando a necessidade da sociedade da época, ou seja, buscando
compreender as novas situações e enfrentar os problemas. É nessa linha de
formação que no século XVII nasce a Filosofia Moderna, e com ela o nosso tema
de investigação: O estatuto do sujeito moderno.

O Surgimento do Sujeito Moderno

No início do século XVII, a Filosofia já passara por diversas transformações:


após permanecer um longo período se dedicando à relação entre a fé e a razão, e
aprofundando-se cada vez mais em conteúdo teológico, ela chegou ao século
XIV com outros objetivos. Nessa época ocorre o movimento renascentista, onde
é proposto o renascimento da liberdade política, artística e até de pensamento,
todos estes até então controlados pela Igreja Católica. A Filosofia então, se
separa da teologia e resgata obras esquecidas ou até desconhecidas de autores
como Platão, dando início a um pensamento onde o homem tem poder sobre a
Natureza e sobre seu próprio destino, dando-lhe uma autonomia insólita. É essa
revolução que permite que, no século XVII, a Filosofia mergulhe no intelecto
humano.

O “sujeito do conhecimento” surge no período compreendido pela Filosofia


Moderna (séc. XVII ao séc. XIX), conhecido como o Grande Racionalismo
Clássico. Após o rompimento com os pensamentos da Igreja, ao invés começar
seu trabalho investigando sobre a Natureza e Deus, a Filosofia começa a indagar-
se qual a capacidade humana de conhecer e demonstrar a verdade dos
conhecimentos. Para isso é necessária a reflexão, ou seja, a volta do pensamento
sobre si mesmo, a fim de conhecer sua capacidade de conhecer.

O Racionalismo Cartesiano

Dentro do movimento filosófico moderno, um dos principais pensadores foi René


Descartes (1596-1650), que levando o racionalismo às suas últimas
consequências, admitia a razão como a única via segura pela qual o
conhecimento do mundo pode ser obtido, e defendia a existência de uma verdade
absoluta, incontestável. A partir dessa teoria, Descartes precisava de um método
que desenvolvesse o caminho pelo qual trilhar em busca da tal verdade: esse
caminho era o “método da dúvida”, inaugurado pela obra “O Discurso do
Método”, em 1637. Neste livro, o autor faz uma espécie de autobiografia
intelectual, narrando em primeira pessoa suas reflexões e os passos que o
levaram a adotar a estratégia da “dúvida hiperbólica”, e posteriormente à certeza
da existência de um sujeito pensante.

No início do método, Descartes começa afirmando: “O bom senso é a mais bem


distribuída de todas as coisas do mundo: cada qual julga-se tão bem provido
dele, que até mesmo aqueles que são mais difíceis de serem contentados, não
desejam aumentá-lo. Pelo contrário, isto prova que o poder de julgar certo e
distinguir o falso do verdadeiro, e que se chama de bom senso ou razão, é
naturalmente igual em todos os homens”. Com essa afirmação, é possível
compreender que todos os homens têm a mesma capacidade racional, as
discordâncias entre eles devem-se ao mau uso da mesma. Ora, se existem no
mundo tantas afirmações a respeito de uma única coisa, como saber qual é a
verdadeira? De acordo com o pensamento cartesiano, duvidando; ou seja, deve-se
nunca aceitar uma coisa como verdadeira sem que esta se prove como tal. Essa
proposta é apenas a primeira regra do procedimento metodológico que usaria
para chegar a algo que enfim fosse indubitável; após negar-se tudo, deveria
decompor os dados do conhecimento, analisá-los, em seguida sintetizá-los e
ordená-los de acordo com os outros conhecimentos do mundo, de modo a revisá-
los dentro da totalidade do saber. Respaldado por tais técnicas, Descartes pensa
chegar a algo que não pode negar (e que, portanto, seria a única verdade que
jamais poderia ser negada): a do "eu pensante", pois mesmo que ele acreditasse
não existir, o ato de acreditar, que é uma operação pensante, indica algo ou
alguém que pensa. Assim, chega à base sólida de seu pensamento com a célebre
frase: “Penso, logo existo!”.

O estatuto do sujeito moderno é então moldado a partir da conclusão cartesiana:


se sua existência é admitida pela sua atividade intelectual, logo, todo resto
(faculdades do corpo) pode ser descartado, visto que não o caracteriza como
homem. O homem é o ato de pensar, o pensamento é a única coisa que não pode
ser-lhe separada, ele é sua alma; surgindo, então, o dualismo ontológico, onde
separa-se o corpo da alma, ou seja, do sujeito. Com base nessa confiança no
poder da razão humana, constitui-se uma mudança também no objeto do
conhecimento: as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) apenas
poderiam ser conhecidas como representações, conceitos formulados pelo sujeito
do conhecimento, tendo a concepção da realidade como intrinsecamente racional.

O Empirismo de Hume

Em meados do século XVIII, consolida-se entre os filósofos a perspectiva


empirista, entre esses, David Hume (1711-1776) e anteriormente John Locke
(1632 -1704). Entende-se por empírico aquilo que pode ter sua veracidade testada
por meio de experiências e observações, ou seja, o movimento empirista em sua
essência tratava-se da valorização da experiência, e até mais, de que apenas nela
encontrava-se o conhecimento. Segundo Locke, a mente humana seria uma
espécie de tabula rasa, ou uma folha de papel em branco, de forma que o sujeito
ao nascer nada conhece, e apenas conheceria por meio das impressões sensoriais.
É neste ponto que os empiristas discordam de Descartes, ao negar a existência de
idéias inatas, hipoteticamente possíveis pela capacidade racional humana; para
esses, a razão serve somente para organizar e relacionar os dados adquiridos por
meios das experiências. Segundo Locke, “nada pode existir na mente que não
tenha passado antes pelos sentidos”, isto é, qualquer ideia que tenha um ser
humano, seja ela simples (proveniente das sensações), seja ela complexa
(proveniente da reflexão) teve seu início na experiência; até uma ideia complexa
é resultado da combinação entre ideias simples. Percebe-se então, que não há a
preocupação com as coisas em si, tampouco com a ideia que fazemos das coisas,
mas com o modo que as percebemos, como elas chegam até o sujeito.

Nesse sentido, qualquer afirmação de cunho metafísico era rejeitada no


Empirismo, pois tais afirmações não provêm de métodos experimentais, como
testes e observações, que é o caso das ideias de "substância espírito" e
"causalidade". Para Hume, a ideia de uma substância material ou psíquica é
fictícia, pois não é fundamentada por nenhuma impressão, é uma ideia complexa
criada por nós, um “não sei quê” que une as ideias simples que temos das
diferentes qualidades percebidas. Já sobre a questão da causalidade, Hume foi o
primeiro a introduzi-la nas teses empiristas, questionando a relação causal entre
os fenômenos. Seguindo o raciocínio da visão empírica sobre a substância, tem-
se a causalidade como falsa por não poder ser percebida, não ter impressão
sensível, sendo mais uma invenção humana para explicar a simples sucessão de
acontecimentos. Temos uma ideia de causa e efeito pela simples associação de
impressões que acontecem de forma consecutiva e repetida, no entanto, nada
garante que esses fenômenos continuarão a acontecer no futuro, pois não
podemos experimentar e assegurar a relação causal em si. Tais pensamentos
compõem a posição cética de Hume sobre conhecimento, que estende seu
ceticismo para as questões da existência e do próprio “eu”, pelo mesmo princípio
de que não podem ser experimentados, não possuem impressão correspondente.
A tese de que nada existe sem a experiência o leva à conclusão de que se o
sujeito não existe, mas pode receber impressões, esse sujeito é formado por elas:
o sujeito não é nada além de um produto da relação de ideias criadas pelas suas
experiências.

O Idealismo Transcendental de Kant

Quase contemporâneo de Hume, Immanuel Kant (1724-1804) também se inspira


no movimento iluminista para desenvolver sua linha de pensamento filosófico,
no entanto, se posiciona de certo modo entre o racionalismo e o empirismo. O
idealismo transcendental (ou também conhecido como criticismo) difere-se da
teoria Humeana ao dedicar-se à investigação das formas à priori, ou seja, antes da
experiência. Para Kant, o conhecimento é a síntese da impressão que temos de
um dado na nossa sensibilidade, e aquilo que nosso entendimento produz por si,
ou seja, não entende a mente humana como uma “folha em branco”, mas algo
que existe de forma transcendental. Em sua obra “Crítica da Razão Pura” de
1781, o autor faz concessões tanto ao racionalismo quanto ao empirismo ao
afirmar que "pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são
cegas", mostrando que a dicotomia entre os dois pensamentos anteriores
necessitava de uma solução intermediária. Kant então desenvolve o conceito de
juízo, que seria a união entre a intuição e o conceito, e estes podem ser analíticos
ou sintéticos:

 Juízos Analíticos: Também conhecidos como juízos elucidativos, esses não


dependem da experiência, pois o predicado já está contido no sujeito, é um
tipo de juízo universal e necessário. Ex.: O triângulo tem três lados. Kant
definia-os juízos analíticos à priori.

 Juízos Sintéticos: Também conhecidos como juízos ampliativos, estes


dependem da experiência, pois acrescentam atributos ao conceito; tem-se que
sair do conceito para comprovar tal juízo. Ex.: A maçã é vermelha. É através
desses juízos que é possível avançar efetivamente no conhecimento, e são
definidos, segundo Kant, juízos sintéticos à posteriori.

 Juízos Sintéticos à Priori: Apenas depois de sua Revolução Copernicana que


Kant admitiu esta terceira classe de juízos, que seriam universais e
necessários como os analíticos, mas ampliariam o conhecimento, sem serem,
no entanto, obtidos da experiência. Ex.: juízos matemáticos.

O último tipo levanta a discussão sobre o transcendentalismo, onde Kant declara


existir uma realidade externa e independente do sujeito, designando-a por as
coisas em si ou númenos. Ele ainda afirma não ser necessário saber o que são tais
coisas em si, pois só as percebemos enquanto fenômenos, que, por sua vez,
carecem de qualquer estrutura e chegam até nós através das sensações. A
sensibilidade é o que nos possibilita perceber os objetos mediante as impressões
percebidas no espaço e no tempo, estes contidos no campo da intuição. Para
Kant, o espaço e o tempo são formas de sensibilidade, pois não há experiência
fora dos dois, são eles condições à priori para qualquer juízo. Conclui-se que,
para o Idealismo, o conhecimento é algo subjetivo ao que depende não apenas
dos conceitos, mas também das estruturas à priori, do espaço, tempo e formas
mentais, confirmando assim a subjetividade do sujeito.

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