Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo explanar sobre a origem e formação do conhecimento,
construção da Epistemologia, passando pelas opiniões de vários autores acerca do conceito e
aplicação da teoria do conhecimento, para por fim trazer teorias da verdade e demonstrar
através do “Mito do contexto” a importância do conceito de verdade e suas consequências
práticas e filosóficas.
ABSTRACT
The present study aims to elaborate on the origin and formation of knowledge, construction of
epistemology, passing by the opinions of various authors about the concept and application of
theory of knowledge, to finally bring theories of truth and demonstrate through the “Myth of
the context” the importance of the concept of truth and its practical consequences and
philosophical.
1
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela
Faculdade entre Rios do Piauí. E-mail: davidssalomao@gmail.com
INTRODUÇÃO
Desde a era primitiva que o ser humano lida com suas formas de apreensão do
conhecimento e crença na realidade, passando desde uma visão mitológica, baseada em
acontecimentos justificados pela causalidade, por uma visão divinatória e dogmática da
religião, e por fim , para o uso da razão através de um pensamento filosófico e uma visão
geral e universal da essência do conhecimento.
O surgimento da filosofia na história do ser humano foi marco inolvidável e que
permitiu uma percepção cognitiva diferenciada da realidade. O ser passou a se questionar
sobre as funções e coisas elementares da natureza, olhando para si e para o todo que o cerca,
buscando em seus valores práticos e teóricos a construção de uma visão do mundo e uma
visão de si.
A relação de sujeito cognoscente e objeto cognoscível fundamentou a própria
percepção do que seria o conhecimento, na medida que ao enxergar a sua limitação cognitiva
e temporal, o sujeito passou para um novo patamar crítico das teorias que ele mesmo criava, e
começou a buscar novos argumentos e soluções analisando as consequências dos mesmos
para por fim encontrar o próprio conceito de verdade.
Diante da construção de um conhecimento cientifico e filosófico, surgiu a
necessidade de uma teoria que estudasse o conhecimento: a Epistemologia, que vem para
validar os argumentos científicos e a própria ciência, para elucidar qual a maneira mais
coerente de enxergar a realidade, e por fim qual seriam os critérios para a formação de um
conhecimento verdadeiro.
No primeiro tópico será abordado a gênese do conhecimento, o próprio conceito de
filosofia e os pressupostos e critérios para o surgimento da Epistemologia. No segundo tópico
se discutirá o conceito de conhecimento e a formação de um espírito científico, que tem como
objetivo a pesquisa, a inquietação diante de teorias vigentes, a construção de um sentido
inesgotável. Por fim no terceiro e último tópico serão analisadas algumas teorias da verdade,
bem como o conceito de “Mito do contexto” que surgirá como demonstrativo prático da
importância desta pesquisa, primordialmente com relação ao respeito pelos direitos de todos,
a análise da tolerância de contextos e culturas distintas em contraponto ao cumprimento de
leis ou costumes, ao aprendizado com as diferenças entre participantes de uma discussão.
1 A FORMAÇÃO DE UM ESPIRÍTO EPISTEMOLÓGICO
2 Bertrand Russel (2001, p.17) faz importantes considerações à Filosofia Grega em seu livro História do
Pensamento Ocidental na medida que afirma que a tradição filosófica ocidental nasceu na Grécia. A filosofia
grega se baseava em dualismos; havia a discussão de conceitos como verdade e falsidade, bem e mal, harmonia e
discórdia, mente e matéria, aparência e realidade; uma escola se vinculava a um dos lados do dualismo,
posteriormente outra escola se contrapunha, e uma terceira produzia uma espécie de compromisso substituindo
as anteriores. A importância dos gregos foi única na filosofia, pois essa maneira instrutiva das primeiras escolas
filosóficas abordarem o conhecimento deu origem, posteriormente, a estudos por Hegel e sua noção de dialética
por exemplo.
de obter resultados específicos com base em certos ritos rigidamente definidos”. Observa-se
neste conceito o princípio da causalidade que diante das mesmas condições e circunstâncias
espera-se o mesmo resultado, formando uma protociência. Em contrário senso, a religião tenta
anular o princípio da causalidade, pois tenta obter resultados sem observar as mesmas
condições, com base no divinatório. Esses dois conceitos de formulação do conhecimento
acompanharam o homem durante toda era primitiva, e a construção de um pensamento
filosófico a partir da Grécia Antiga foi fundamental para o uso de um pensamento racional,
para a formação de um espírito científico de edificação do conhecimento.
Gaston Bachelard (1996, p. 17) explicita que o conhecimento científico vai sendo
construído a partir de análises de teorias e argumentos que justificam-nas e consequentemente
derrubam outras teorias que estivessem sendo aplicadas, pois a certeza que preenche a mente
de um indivíduo que acha que encontrou o verdadeiros saber, ofusca-o daquilo que realmente
deveria ter conhecimento:
Nesse sentido, existe uma oposição entre ciência e opinião, pois a última não se
preocupa com a investigação cientifica, nem com a descoberta de problemas a partir de um
esforço científico em conhecer, mas a opinião tão somente revela conceitos como
necessidade, utilidade, que não surgem a partir do conhecimento do objeto e seu estudo.
Diferente da opinião, a ciência necessita de problemas para solucioná-los e estes surgem a
partir das indagações provenientes da pesquisa científica que formam o conhecimento
científico, mas que pode ser derrubado na medida que novos questionamentos aparecerem. É
notório que o conhecimento que o ser já obteve da realidade e costuma utilizar com
frequência é mais valorizado por sua mente, é mais claro e faz mais sentido, o que propõe um
sério obstáculo epistemológico (BACHELARD, 1996, p. 18- 19)
O espírito científico exige do ser uma atitude revolucionária diante do conhecimento,
ele deve sempre questionar, nunca deve ficar preso ao argumento reincidente, sob aparente
clareza e desnecessidade de aperfeiçoamento. O epistemólogo tem como sua tarefa conhecer
os fatos, mas sempre tendo em mente que eles são ideias (BACHELARD, 1996, p. 22),
inseridos em contextos diversos, e que nessa atitude cognitiva estão presentes limitadores
temporais, linguísticos, culturais.
Diante dos conceitos de conhecimento expostos percebe-se que existe alguns fatores
relevantes nessa explanação. A relação de conhecimento se faz dentro de uma realidade que
se pressupõe existir com alguma segurança, pois, fugindo de um ceticismo radical, a forma
como se conhece o mundo parte de convenções e conceitos pré-estabelecidos que são
universalmente difundidos e com baixo teor de indeterminação (como as leis matemáticas e
físicas fundamentais, ou o próprio conceito dos objetos, que dificilmente seriam
completamente extirpados ). Apesar de existir classificações de mundo (um real e outro ideal,
ou na visão de três mundos de Popper3) e percepções distintas da realidade, esta existe e tem
nela contida os elementos fundamentais da relação de conhecimento: sujeito e objeto. O
sujeito é cognoscente pois é capaz de apreender o objeto cognoscível, que é apreensível e
determina o sujeito que o observa e tem a sua cognição alterada. Desta consideração é
possível afirmar que o sujeito tem uma pré-compreensão da realidade, que é constantemente
alterada pela sua relação de conhecimento com o objeto em uma busca inesgotável pelo
sentido das coisas. Conforme preleciona Raimundo Bezerra Falcão (1997, p. 31-32), o sentido
é filosoficamente inesgotável, na medida que a relação de conhecimento entre o sujeito e
objeto sempre irá existir, e a alteração nos preconceitos e ideias do sujeito é permanente e
necessária à sua própria natureza.
É imprescindível explanar que a relação de conhecimento pressupõe a busca pelo
verdadeiro, ou aquilo que esteja mais próximo da verdade. Os critérios para aferição de
argumentos verdadeiros para ciência será objeto de análise do próximo tópico, dada a
relevância dentro do conceito da teoria do conhecimento.
3
Para Karl Popper existiriam três mundos: o primeiro mundo seria o mundo dos corpos físicos e dos seus
estados físicos e fisiológicos; o segundo mundo seria o mundo dos estados ou processos mentais; o terceiro
mundo seria o mundo dos produtos da mente humana que podem ser expressos em livros, esculturas, pinturas,
construções ou outras formas de expressão, de forma que todo estado mental expresso faria parte do terceiro
mundo (POPPER, 2009, p. 18-19)
aquele conhecimento que tem uma relação de concordância com o objeto (este não pode ser
verdadeiro e nem falso). Este é denominado conceito transcendente de verdade , ou seja o
objeto na relação de conhecimento é transcendente (HESSEN, 2003, p. 22-23, grifo do autor).
Contudo, este é apenas um dos entendimentos acerca do que seria verdade, e
portanto, se faz necessário entender o que de fato é verdadeiro, que critérios serão utilizados
para essa determinação. A relação de conhecimento é verdadeira por uma correspondência,
por uma coerência de crenças, por uma satisfação semântica de sentenças abertas e objetos
não linguísticos ou ainda por uma redundância (HAACK, 2002, p. 127-129)? Faz-se
necessária uma incursão na teoria da verdade e nos critérios para a utilização das mesmas.
Segundo classificação das teorias da verdade proposta por Susan Haack (2002, p.
128), as teorias da coerência (explanadas por Rescher por exemplo) consistiriam em
considerar verdade como “relações de coerência em um conjunto de crenças”; as teorias da
correspondência (defendidas por Russell por exemplo) estabelecem como verdade não a
relação de uma proposição com outras, mas dela com a realidade; a teoria pragmatista
(defendida por Dewey por exemplo) seria um meio termo entre as duas primeiras, já que
considera como verdade a correspondência com a realidade, mas também de sua coerência
com outras crenças; a teoria semântica de Tarski considera “a verdade é definida em termos
da relação semântica de satisfação, uma relação entre sentenças abertas (como ‘x > y’) e
objetos não-lingüísticos (como os números 6 e 5)”; a teoria da verdade como redundância de
Ramsey considera a verdade redundante, “pois dizer que é verdade que p é equivalente a dizer
que p.” (HAACK, 2002, p. 127-129).
Conforme Alan Chalmers (1993, 190-192), o realismo traz o conceito de que as
teorias científicas serão verdadeiras se descreverem a realidade do mundo como ela é, pois o
mundo continua existindo independentemente do ser humano o conhecer, o mundo “é da
forma que é independentemente de nosso conhecimento teórico”. Em outra linha de
pensamento, o instrumentalismo traz uma visão de que existiria uma realidade observável da
qual se extrai situações observáveis e conceitos teóricos; estes últimos serviriam para ligar um
conjunto de regras a um conjunto de fenômenos, mas não seriam o fundamento de uma
descrição verdadeira de como o mundo é, pois somente utilizando descrições das entidades
observáveis se chegaria a essa verdade. O cientista não poderia afirmar nada além daquilo que
extraísse de uma observação segura da realidade, pois “não é atividade da ciência estabelecer
aquilo que possa existir para além do reino do observável. A ciência não dá qualquer meio
seguro de transpor o fosso entre o observável e o não-observável.”(CHALMERS, 1993, p.
192).
Dessa afirmação depreende-se que a teoria realista é mais propensa ao
desenvolvimento da ciência, pois parte para um maior enfrentamento quando tenta descrever a
realidade com base em teorias e estas são consideradas falsas. O instrumentalismo ingênuo
traz uma visão acomodada neste aspecto, pois ao separar as teorias cientificas como
instrumentos para ligar o conjunto de fatos observáveis, como apenas um artificio para
cálculos, foge da discussão da verdade (CHALMERS, 1993, p. 193).
A partir do enfrentamento da verdade como correspondência, originaram-se teorias
como a de Alfred Tarski que preleciona conceitos que tentam dirimir paradoxos surgidos a
partir do ideal da verdade como correspondência, como o paradoxo do mentiroso: “Se eu digo
‘eu nunca falo a verdade’ então, se o que eu disse é verdade, o que eu disse é falso”. Para o
autor seria necessária a percepção de quando se analisa ume sentença deve-se distinguir a
linguagem do objeto e a metalinguagem, ou seja, a linguagem a qual se está falando, da
linguagem que se está usando respectivamente, como por exemplo: “the dog is black” é
verdadeiro se e somente se o cachorro é preto, temos um exemplo de linguagem do objeto
(inglês) e a metalinguagem (português) diferentes. Os estudos de Tarski direcionaram-se no
sentido de que a ciência não teria como objetivo a verdade.
Na visão de Karl Popper (2009, p. 68-69), não existe o chamado “Mito do contexto”
que traz a concepção de que a verdade seria mutável de acordo com o contexto histórico,
social e cultural na qual se insere, havendo portanto uma impossibilidade de gerações de
culturas distintas dialogarem: “a existência de uma discussão racional e produtiva é
impossível, a menos que os participantes partilhem de um contexto comum de pressupostos
básicos ou, pelo menos, tenham acordado em semelhante contexto em vista da discussão”.
O autor começa sua explanação afirmando que a discussão entre participantes de
contextos distintos pode ser difícil, assim como qualquer discussão entre participantes de
contextos pouco comuns ou quanto maiores forem as sobreposições entre os contextos. Com
relação à discussão ser proveitosa, não é o fato dos contextos serem diferentes que irá
determinar quão proveitoso será o debate, pois os participantes podem estar em um contexto
comum e podem ter ideias distintas, tornando a discussão improdutiva, assim como podem
estar em contextos diferentes e podem ter ideias similares, tornando o debate proveitoso. Na
verdade, a discussão é considerada mais proveitosa quando seus participantes aprendem mais,
o que geralmente ocorre quando existe uma divergência inicial entre eles (POPPER, 2009, p.
70-71).
Diante de um confronto entre pessoas de contextos díspares, nem sempre o acordo
será por finalidade desejável, pois embora não haja acordo entre as partes , o confronto pode
ser proveitoso diante da lição aprendida com a situação, ou ainda renovados seus argumentos
diante da sua fragilidade inicial e o crescimento dentro do próprio confronto. O buraco
existente entre participantes de contextos diferentes nem sempre é superado, mas geralmente
o é na medida que até os problemas comuns nem sempre são necessários , o ser humano pode
aprender muito com o outro e consequentemente será em sua essência fruto dessas discussões
inconclusivas (POPPER, 2009, p. 74-75).
Quando as divergências entre indivíduos ocorrerem entre regras convencionais e
costumes ,por exemplo, as partes quando não chegarem a um acordo somente poderão se
lamentar e ter a sensação de que não tiveram nenhum novo aprendizado (autor cita exemplo
de regras de transito na Inglaterra e nos Estados Unidos da América). Contudo, quando se
estiver diante de leis que regem um Estado, estar-se-á diante de uma situação mais complexa,
pois não cabe o argumento de que devido ao contexto divergente as leis não são comparáveis,
pelo contrário devem ser sim comparadas (POPPER, 2009, p. 86-88) para se chegar a um
conceito mundial de proteção aos direitos fundamentais.
Conclui-se que existem duas discussões racionais: uma com “caráter de justificação,
de prova, de demonstração ou de derivação lógicas de premissas e aceites” e outra que se
baseia em uma discussão crítica que testa a teoria em questão para consequências logicas
desejáveis e indesejáveis. O primeiro método conduz a um dogmatismo infinito, na medida
que questiona como justificar a tese em discussão (método errado de crítica) fruto de uma
concepção relativista; o segundo método conduz a comparar as consequências das diferentes
teorias (método correto de crítica) e reconhecer a própria falibilidade das teorias, tendo
sempre como norteamento melhorar o universo, buscar novos conhecimentos, aperfeiçoar e
substituir as teorias que tragam maiores danos a sociedade (POPPER, 2009, p. 110-111).
Diante de uma explanação teórica da origem do conhecimento, a construção de uma
teoria epistemológica, e a consequente busca pela verdade e seus conceitos diversos, conclui-
se por demonstrar neste tópico final a importância da temática do que seja verdadeiro, quando
bem elucida Popper a gravidade de um conceito relativista da verdade, na medida que
associada ao contexto de leis do Estado, podem até legitimar a prática de crimes cruéis sobre a
perspectiva da impossibilidade de comparação de leis que venham de países com contextos
díspares, o que representa uma afronta aos direitos fundamentais, e um retrocesso na própria
pesquisa científica e no sentimento filosófico de busca pelo conhecimento.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAACK, Susan. Filosofia das lógicas. Tradução de Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique
de Araújo Dutra. São Paulo: Unesp, 2002