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TEORIA DO CONHECIMENTO*

Gilberto Paulo Pereira Lima1

Teoria do conhecimento (Filosofia passo-a-passo), do professor e pesquisador


Alberto Oliva, faz parte da coleção Passo-a-Passo, da qual fazem parte também, Ciências
Passo-a-passo e Psicanálise Passo-a-passo. Alberto Oliva é professor associado do
Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do
CNPq e coordenador do Centro de Epistemologia e História da Ciência da UFRJ.
O livro é composto por introdução, dez tópicos (capítulos) e conclusão, nele é
tratado um dos grandes desafios das análises epistemológicas: saber em que consiste a relação
entre sujeito e objeto (proposição verdadeira), mais especificamente, buscar conhecer as
condições necessárias e suficientes para o conhecimento proposicional ou conhecimento por
descrição, que é aquele ao qual se aplica a definição clássica de conhecimento, isto é,
conhecimento como crença verdadeira e justificada.
O primeiro tópico, Tipos de conhecimento, faz uma apresentação das diversas
modalidades de conhecimento. Uma vez que o conjunto de informações que os seres humanos
possuem sobre o mundo são convertidos em crenças, toda a vida social e particular é
influenciada por essas crenças, que em grande parte não possuem bases sólidas ou bons
fundamentos. É necessário encontrar, desse modo, uma definição precisa e bem formulada do
que é conhecimento para que se possa efetivamente “separar conhecimento de mera opinião”
e “apontar e fundamentar os procedimentos epistêmicos que conduzem à obtenção do
conhecimento” (OLIVA, 2011, p.8). A preocupação está em precisar os fundamentos dos
conhecimentos, apontar para uma espécie de “desleixo” que a maioria das pessoas têm quanto
às evidências e às razões das suas crenças, despreocupação quanto à sua adequação e
suficiência.
Há o conhecimento por aptidão, que se configura como o saber que permite que
algo seja feito de forma eficiente e competente. É o “know-how”, saber como fazer algo, a
proficiência, a prática e a técnica, que se diferencia do conhecimento teórico, isto é, faz-se
algo com eficiência, sem, muitas vezes, saber sua fundamentação. Pode-se falar, talvez, em

*OLIVA, Alberto. Teoria do conhecimento. Coleção: Filosofia passo-a-passo. Rio de Janeiro: editora Zahar.,
2011.
1
Discente do curso de Filosofia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail 1:
gilbertolima1@aluno.uema.br. E-mail 2: gplima71@outlook.com.
um conhecimento que é instrumental e que se manifesta também entre os demais animais
(OLIVA, 2011), isto se apresenta, como exemplifica o autor, na construção que o joão-de-
barro faz, bem como na assertiva: “Milena sabe tocar piano bem”, conhecer, nesse caso, toma
o sentido de saber como fazer algo (OLIVA, 2011, p.9).
O conhecimento por contato ou direto, é apoiado em registros dos próprios
sentidos, como lembranças e vivências. É um conhecimento de apreensão direta do objeto
pelo sujeito, de modo, que não necessita de inferências ou conhecimento da verdade, por isso
se diferencia do conhecimento por descrição. Sendo conhecimento de entes, isto é, coisas e
pessoas, conhecer aqui, toma o sentido de ter contato com o ente.
O conhecimento proposicional, chamado também de conhecimento por
descrição, é o tipo de conhecimento do qual as análises epistemológicas se ocupam. Ele
possui a definição clássica de conhecimento como crença verdadeira e justificada e é utilizado
pela ciência quando esta procura elaborar proposições verdadeiras (Ibid.). O conhecimento
proposicional resulta da relação entre uma pessoa e uma proposição verdadeira, assim coloca
Oliva: “‘S sabe que p’”, onde ‘S’ representa o sujeito conhecedor, e ‘p’, a proposição
conhecida” (Ibid., p.11). Tem-se, portanto, uma proposição no objeto direto do verbo ‘saber’,
isto é, a descrição dos fatos, situações e estados de coisas, se configuram como conhecimento
proposicional, Oliva aponta esta modalidade do conhecimento na asserção 3) (Ibid., p.9, grifo
nosso):

“Angela sabe que Campos do Jordão fica no estado de São Paulo”

Objeto direto do verbo “saber” (proposição verdadeira)

No segundo tópico, Como estudar o conhecimento: o conhecimento do


conhecimento, Oliva denota grande preocupação com a definição do conhecimento. Uma vez
que, para que se possa avançar no conhecimento, e para que seja possível saber como
justificá-lo – sendo esta a “obsessão” da teoria do conhecimento – é preciso ter
“conhecimento do conhecimento” (Ibid., p.14), isto é, saber efetivamente o que é
conhecimento. Desse modo, na epistemologia o conhecimento tem atarefa de examinar a si
mesmo. Também é evocada a discussão na qual a epistemologia é posta em xeque em prol de
uma ciência ou ciências; uma discussão que entre normativismo e naturalismo. Desde a
antiguidade já se denotava a ideia de atividade pura do espírito era determinada de algum
modo pelo exterior concreto e físico, “uma ambiência socioeconômica”, mesmo que no
epistemologismo esta ideia seja incompatível e o conhecimento é resultado da pura atividade
espiritual, estando a vida social e as condições físicas distantes disto.
A epistemologia tradicional tende à formulação de critérios que são ideais de
racionalidade, isto faz com que ela seja, desde a antiguidade, predominantemente normativa
(OLIVA, 2011), uma vez que ao fazer a formulação de regras que conduzem ao
conhecimento, ela se torna “uma espécie de Legislação Geral da Razão”. Em contraposição a
esta postura normativa, tem-se o naturalismo que defende que o conhecimento é um objeto
que pode ser explicado pela ciência, haja vista que é fruto de da vida social e do aparato
psíquico. A epistemologia, portanto, deve se apoiar nas ciências empíricas para tentar
progredir.
No naturalismo a epistemologia deixa de investigar as condições de possibilidade
do conhecimento, tal qual Kant o fez, para tratar o conhecimento como objeto empiricamente
investigável, ou seja, o conhecimento é resultado natural, social, psicológico. E a
epistemologia, é uma ciência que se encarrega de explicar a funcionalidade do aparato de
cognição humana (Ibid.), logo, sendo substituída pela psicologia que seria mais adequada para
o exame da aquisição de conhecimento pelo ser humano e da confiabilidade dos meios pelos
quais esse conhecimento é alcançado. A completa naturalização dos modos de estudar o
conhecimento, parece, de certo modo problemática, uma vez que, a psicologia parece se
limitar aos processos cognitivos e extracognitivos do sujeito. No que Oliva deixa expresso,
que mesmo na pretensão do naturalismo em substituir epistemologia por um estudo empírico,
este, nunca deixará de ser uma teoria do conhecimento.
O terceiro tópico, Em busca de um critério de demarcação, apresenta um dos
problemas centrais da história da filosofia: o problema da demarcação entre o que é
conhecimento de fato e conhecimento aparente. Ou ainda, distinção entre conhecimento e
opinião verdadeira. O autor evoca o Teeteto de Platão para mostrar que a questão do que é o
conhecimento já estava em pauta há muito tempo, sendo a definição que Teeteto dá para
conhecimento – de que conhecimento é sensação – uma definição que carrega este critério de
demarcação, consequentemente, a estipulação de limites para o conhecimento. Destarte,
temos a ideia de que “se conhecimento se confunde com sensação e só tem nela sua fonte
possível, o que dela não derivar e o que não se adstringir aos conteúdos que ela fornece não
tem como ser conhecimento” (Ibid., p.20). Há a possibilidade de se chegar ao conceito de
conhecimento de duas maneiras: argumentos transcendentais sobre as condições de
possibilidade do conhecimento (no caso kantiano) ou na busca de identificação de
propriedades essenciais do conhecimento que estariam presentes nos diversos tipos de
conhecimento (matemática, biologia, psicologia, física etc.). Esta segunda maneira se mostra
um tanto problemática, tendo em vista, como mostra Oliva, que a noção de conhecimento
talvez precise de revisão, em decorrência de crescimento indistinto das diferenças no modo
como esses domínios definam e produzam o conhecimento.
O tópico quatro, A questão da origem: onde buscar conhecimento?, destaca a
preocupação com a gênese do conhecimento que desde os primeiros pensadores já se
esboçava. A preocupação com as fontes do conhecimento também se encontra com destaque
na epistemologia. Na tradição são apontadas 4 fontes do conhecimento, sendo 3 categorizadas
no campo da experiência (a sensação, a memória, a introspecção) e a razão, desse modo, a
resposta tradicional à pergunta sobre a fonte do conhecimento é direcionada à experiência e à
razão. A visão de que existe uma fonte única e correta do conhecimento implica no
entrelaçamento do problema da validação com o problema da gênese das crenças (OLIVA,
2011). Os séculos XVI e XVII foram considerados e nomeados de “era da epistemologia” em
muito porque pensadores como Descartes e Bacon deram grande importância a questão do
conhecimento. Os dois defendiam que o conhecimento possuía uma única “matriz genética”
que valida todos os conhecimentos. Dessa maneira, tem-se o empirismo e o racionalismo da
modernidade, ambos defendendo um único tipo de fonte: de um lado, a defesa observação e
percepção, e do outro, a defesa do puro exercício da razão. Em ambos os casos temos algumas
implicações, pois, para Oliva, só seria adequada a reclamação de uma origem, se existisse
apenas uma fonte para os diversos tipos de conhecimento e várias fontes para o
pseudoconhecimento (Ibid.). De todo modo, o autor sobriamente indica que há várias fontes
de inspiração para conhecer e que “o fundamental é que ‘o material original’ seja
(re)processado de modo a adquirir forma e conteúdo que permitam submetê-lo a
indispensáveis crivos críticos” (Ibid., p.25). Tanto o empirismo quanto o racionalismo não
levam em conta a variedade das fontes, de modo que é apropriado fugir à obsessão da
confiabilidade da fonte e voltar a atenção para a transformação das informações em crenças
que tenham a qualidade para serem conhecimentos (Ibid.).
O quinto tópico, Epistemologia e metafísica: aparência x realidade, resgata a
discussão que foi recorrente na Grécia antiga sobre a realidade e a aparência das coisas. De
um outro modo, discussão sobre se a realidade é estrutura, no sentido de que esta permanece,
mesmo na mudança, ou se é processo, isto é, um devir constante. Esta discussão resvala na
epistemologia, pois, a preocupação sobre as fontes do conhecimento, requer do objeto uma
identidade que subsista para ser cognoscível (Ibid.). Oliva destaca neste tópico que os
problemas fundamentais da teoria do conhecimento estão conectados a temas ontológicos,
uma vez que conferem ao objeto cognoscível um tipo de realidade que pode ser apreendida ou
quando se defende uma realidade que está além da apreensão dos sentidos. Segundo o autor,
tanto a afirmação de que a aparência não é o ser e a afirmação de que o ser é aquilo que se
apresenta, é metafísica, isto porque, a possibilidade do conhecimento requer evitar e superar
tanto o erro – que tem caráter epistemológico – quanto a ilusão – que possui dimensão
ontológica na medida em que se coloca como entrave à realidade. Contudo, é preciso saber
que quando se sustenta a visão metafísica de que tudo é ilusão e as aparências sempre
enganam, pode-se, de um lado, recorrer ao plano ontológico das essências, ou de outro lado,
reconhecer a impossibilidade do conhecimento. Quando a epistemologia aponta que apenas
uma modalidade de informação, que tem apenas uma fonte, pode levar ao conhecimento,
pretende, estrategicamente, determinar o que se pode tomar como realidade. Ainda assim,
mesmo privilegiando um tipo de informação, a mesma não foge à metafisica, uma vez que
essa atitude é resultado de uma “moldura” metafísica tomada (OLIVA, 2011). de um modo
geral, Oliva considera discutível a visão sustentada já por Platão de que a percepção por ser
impotente em revelar o objeto em si, criaria ilusões para impedir o conhecimento do mesmo.
Do mesmo modo, é preciso reconhecer que, assim como apontou Descartes com o argumento
do sonho, há estados mentais em que a realidade que se mostra não é de fato. De modo que
para que sejam elaborados conhecimentos proposicionais, para que se afirme que “S sabe que
p”, “não se pode enganar a respeito do estatuto ontológico – sonho ou realidade? – daquilo a
que se refere a proposição p” (Ibid., p.34), só é possível proposições verdadeiras se isto
estiver definido de forma precisa.
O tópico sexto, O sujeito epistêmico: as informações dos sentidos e as operações
da razão, o autor levanta a polarização “infértil” que há entre empirismo e racionalismo para
tentar mostrar que a importância está em saber a atividade do sujeito e do objeto na relação
que leva ao conhecimento. É defendido que há precondições para que o conhecimento seja
possível: do lado do sujeito, este deve possuir determinadas capacidades cognitivas, do lado
do objeto, este precisa estar organizado e obter constância (Ibid.).
Ao problematizar a atividade do sujeito e do objeto na relação que possuem, é
necessário deixar de lado a visão de que o conhecimento é “puro registro de dados,
generalizáveis, que dispensa qualquer participação ativa, construtiva ou não, do sujeito”
(Ibid., p.35). Oliva aponta para um “passivismo empirista” que faz com que não haja um
sujeito epistêmico, apenas um sujeito que absorve informações e a estas não acrescenta
conteúdo extensivo, isto é, o papel do sujeito não é muito relevante no processo de conhecer,
uma vez que este é apenas “uma folha de papel em branco na qual a experiência escreve seus
caracteres” (Ibid.). O sujeito participa da produção do conhecimento, mas o produto do
conhecimento, independe do sujeito. Na concepção construitivista – que dispensa a tese de
que o sujeito tem participação ativa na produção do conhecimento, sem, contudo, ter relação
domínio sobre o mesmo – é urgente a discussão da relação entre o sujeito e o objeto, afinal, se
ao sujeito se imputa a tarefa de identificação e ordenação dos objetos, não se pode pensar no
conhecimento como apenas cópia de fatos (Ibid.).
Oliva esclarece que o conhecimento tem sido visto, em geral, como “resultando da
associação do dado [...] com uma modalidade de inferência” (OLIVA, 2011, p.36). No caso
dos empiristas, o conhecimento é construído a partir do modelo “from the bottom up”, ou seja,
parte-se do particular para o geral, em outras palavras, constata-se casos particulares aos quais
se fazem generalizações sucessivas ate se chegar à teoria (o universal indutivo) (Ibid.). Do
lado do racionalismo, tem-se o modelo “from the top down”, isto é, passa-se do mais geral
para o mais particular; tem-se, portanto, a busca pelo “átomo de certeza” que parte da
dedução, tal qual fez Descartes, que partindo de uma intuição racional chega ao que é
autoevidente, donde, por inferências dedutivas se sai de do mais geral para verdades menos
gerais, essa seria a chave para um conhecimento que estaria livre das dúvidas e do ceticismo.
De todo modo, adverte Oliva, ao que tudo indica, tal conhecimento livre da revisão só poderia
ser encontrado na lógica e na matemática, e o modelo dessas ciências não podem ser
universalizados, tendo em vista, que não se utilizam de conteúdo para a formulação de suas
verdades, logo, suas inferências também não são ampliativas, pois “as conclusões de seus
argumentos nada acrescentam ao conteúdo veiculado nas premissas” (Ibid., p.38).
De um modo geral, se há a polarização dessas duas concepções, há um entrave à
compreensão da relação entre sujeito e objeto, bem como suas posições nessa relação. Para o
autor, ambas as posições são fundamentais para alcançar o conhecimento, pois, o material
acumulado dos registros sensoriais é que a mente trabalha elaborando descrições e
construindo explicações que vão além do que se tinha antes, de modo a estender o conteúdo
anterior. A questão capital para o autor é saber como e em que extensão o material sensorial
que acumulamos se torna sistemas explicativos ordenados e encorpados (Ibid.), o importante
é, de fato, saber como deve se dar a interação entre experiência e razão para se chegar ao
conhecimento.
O sétimo tópico, O conhecimento e o desafio da verdade, volta-se para o desafio
da verdade – e do conhecimento – que está relacionado à conteúdos que lhes são extrínsecos,
logo, não se circunscreve em sua constituição interna tão somente, o autor começa o tópico
tratando do problema de saber em que consiste a verdade. Já em Aristóteles a verdade era tida
como conformidade da crença com o ser dos fatos aos quais ela advoga, “a medida da verdade
é o ser ou a coisa”, já defendeu Aristóteles. Logo a sentença correspondente é esta: “S só pode
dizer que conhece efetivamente p se é o caso de que p” (OLIVA, 2011, p.42). Todavia, esta
teoria, destaca Oliva, encontrou objeções – principalmente da parte do filósofo Edmund
Gettier – e até uma visão alternativa, qual seja, a da verdade como coerência, isto é, para que
uma proposição seja considerada verdadeira precisa ser coerente com um sistema de outras
proposições já aceitas como verídicas, apenas desta forma, em coerência com essas
proposições, que a primeira receberá o status de também verdadeira. Mas, segundo Oliva,
podemos encontrar aí um holismo, e não só, porquanto pode-se falar em um teor relativista
nesta concepção. Em detrimento disto, uma proposição que só é verdadeira proveniente ao
acumulo de evidência que há em favor dela, pode também parecer verdadeira sem ser (Ibid.).
O conhecimento desde o Teeteto de Platão é tido como a crença que é verdadeira e
justificada (Ibid.) e para se ter conhecimento é necessário que se leve em conta três requisitos
(concepção tripartite do conhecimento): S sabe que p, mas só sabe que p, se p é verdadeira e S
pode justificar sua crença em p (crer-ser verdadeiro-ser justificado). A discussão a respeito
dessa concepção é se são necessárias e também suficientes para se chegar ao conhecimento,
pois, “para que S possa afirmar que sabe que p, não basta S acreditar que p, e p ser verdadeiro,
S precisa ter boas razões (epistêmicas) para acreditar que p é verdadeiro” (Ibid., p.44), o
conhecimento precisa, necessariamente, ser justificado, uma vez que, o conhecimento não é
por acaso, pode ate uma opinião ser verdadeira por acaso, ou se fazer verdadeira, sem que
com isso se justifique, desse modo, o conhecimento deve ser “Crença Verdadeira Justificada”
(CVJ). E Oliva esquematiza para melhor compreensão do leitor (Ibid., p.46):

Para qualquer indivíduo S e para qualquer proposição p, S conhece p se e


somente se:
1 . S acredita que p
2 . p é verdadeira
3 . A crença de S em p está (epistemologicamente) justificada (ou S pode
justificar sua crença de que p).

No oitavo e maior tópico, O conhecimento e o desafio da justificação, Oliva é


movido por questionamentos como: “O que confere justificação epistêmica a uma crença?”,
“Que tipos de razão são capazes de efetivamente promover a justificação epistêmica?” (Ibid.,
p.50), entre outros. De um modo geral, a teoria clássica tripartida do conhecimento se mostrou
problemática, pois, depois das oposições de Gettier, se mostrou que S poderia ter justificação
para crer em algo que é falso, mas que S deduz ser verdadeiro (Ibid.). Por isso, Oliva reúne e
analisa algumas teorias de justificação epistêmica, as quais ele apresenta como teorias
internalistas e externalistas, sendo teoria internalista aquela na qual todos os fatores
requeridos na justificação de uma crença sejam diretamente acessíveis àquele que conhece; e
teoria externalista, aquela na qual alguns dos fatores que justificam uma crença estejam além
do alcance direto daquele que conhece (OLIVA, 2011.). São teorias internalistas o
Fundacionalismo e o Coerentismo e teoria externalista o Confiabilismo.
Fundacionalismo: os fundacionalistas sustentam a visão de que há crenças que
não necessitam de justificação baseada em outras crenças, são crenças que se justificam em si
mesmas, em outras palavras, a justificação epistêmica precisa ter fundamentos, e isto, é para
que se evite o processo de justificação ad infinitum. Dentre os fundacionalistas Oliva cita
Aristóteles, Descartes, Russell e Carnap, sendo que os racionalistas creem na intuição racional
e na inferência dedutiva como fundamento e os empiristas, na inferência indutiva e no registro
do imediatamente dado pela percepção (Ibid.). No fundacionalismo em sua versão do
racionalismo clássico, a defesa é de crenças básicas, não inferenciais, que sejam falíveis, que
não estejam erradas, e que transmitam de forma dedutiva a sua justificação para outras
crenças. No caso do fundacionalismo baseado no empirismo é nomeado Fundacionalismo do
dado ou Fundacionalismo dadista e advoga que as crenças básicas são aquelas que registram
por meio dos sentidos o imediatamente dado (Ibid.), em ambos os fundacionalismos o
pressuposto de que existe um conhecimento imediato e outro imediato prevalece, todavia,
postulações de autoêvidencia e autojustificação se sobressaem nas correntes que tomam a
lógica e a matemática como modelos de justificação epistemológica, isto em parte porque as
concepções baseadas nos conteúdos imediatamente dados percebidos pelos sentidos,
enfrentam o problema do equívoco de “apreensão originário” (Ibid., p.60).
Coerentismo: em oposição ao fundacionalismo, os coerentistas defendem que
todas as crenças estão num mesmo patamar justificatório, uma vez que não há uma ordem de
dependência que seja linear e assimétrica na relação de justificação entre as crenças (Ibid.) O
coerentismo é colocado como uma concepção holista de justificação, pois, para estes
pensadores “o conhecimento se assemelha a uma rede ou teia: crenças são fios que se
entrelaçam formando complexa trama” (Ibid., p.62), sem que, contudo, essas crenças percam
sua interdependência. Cada crença dá suporte à outra dentro do sistema, desse modo, a
justificação não se dá de forma individualizada, mas pela interação das crenças em conjunto.
Desta concepção aparecem também alguns questionamentos como apresenta o autor (Ibid.,
p.64): “se a justificação é determinada apenas pelas relações entre as crenças, como aferi-las
fora do circuito interno, da teia que elas mesmas urdem?”, diante desse problema Oliva
apresenta tentativas de respostas como a de Laurence BonJour que atribui lugar importante à
percepção sensorial e à observação na justificação, uma vez que mesmo sem se formar
inferencialmente, crenças produzidas pela percepção sensorial dependem de uma coerência
com um sistema já adotado de crenças para poder se justificar (OLIVA, 2011). Oliva aponta
que uma das críticas que se fizeram ao coerentismo foi justamente o fato de deixarem a
impressão de que a justificação independe da relação que os sistemas de crenças têm com o
exterior, que não necessitam de uma relação com o mundo que se pretende descrever ou
mesmo das informações que dele possam derivar (Ibid.). O autor ainda mostra a uma terceira
visão, o funderentismo de Haack que não defende polarização entre fundacionalismo e
coerentismo, uma vez que, o coerentismo acerta ao apontar o “caráter sistêmico das crenças”,
enquanto o fundacionalismo, acerta em mostrar os “componentes extracrenças”, “vínculos
indiretos com a experiência” que são fundamentais para a justificação epistêmica (Ibid., p.69).
Confiabilismo: dentre teorias externalistas, o confiabilismo é aquela que dá
importância aos “fatores promotores da verdade” sendo a justificação dada pela frequência na
obtenção de verdades de uma determinada fonte confiável (Ibid.). Sendo naturalista, o
confiabilismo encara o conhecimento como resultado de “operações, processos e mecanismos
psicológicos, biológicos e físicos” (Ibid., p.70), sendo tarefa da ciência cognitiva identificar
essas operações e determinar a confiabilidade das mesmas. De um modo geral, a justificação
da crença é imputada ao grau de credibilidade da operação ou processo que a formulou.
Portanto, “crenças justificadas são as produzidas e sustentadas por meio de processos que, por
sua confiabilidade, normalmente levam a crenças verdadeiras” (Ibid., p.70). Os processos
considerados confiáveis são aqueles que se baseiam na percepção, na memória, no raciocínio
bem-elaborado, etc. Desse modo, destaca Oliva, uma crença que foi justificada pode até ser
falsa, mas pela ótica do confiabilismo o modo pelo qual foi forjada deve ensejar verdade na
maioria dos casos, pois o que vale não é caso particular, mas os procedimentos confiáveis
(Ibid.).
O tópico nove, Falibilismo: a navegação sem porto, apresenta a discussão do
falibilismo a respeito da obtenção do conhecimento. Para os falibilistas há sempre a
possibilidade do erro, de modo que mesmo uma crença justificada pode estar errada, não se
trata, de toda maneira, da impossibilidade da verdade – esta pode ser alcançada –, mas do
acolhimento da crença como infalivelmente justificada, uma vez que os erros podem ser
justificados e tomados como verdade. Assim, os falibilistas operam uma inversão e colocam a
verdade após a justificação, pois o conhecimento aqui consistirá de uma justificação que é
falível para proposições que são verdadeiras (Ibid.). Logo, um de seus esquemas é: “S sabe
que p se e somente se S acredita que p, a crença de S em p é justificada de modo falível e p é
verdadeira” (Ibid., p.76) (há também outro esquema que leva em conta a possibilidade de se
acreditar acidentalmente em uma proposição verdadeira). O falibilismo, aponta o autor, toma
o processo de elaboração do conhecimento como semelhante ao da navegação marítima, na
qual, há concertos no barco e este pode ser feito apenas durante a navegação (OLIVA, 2011).
No décimo e último tópico, Relativismo: tantos barcos, tantos portos, Oliva nos
apresenta, ao que aparenta, uma dura crítica ao Relativismo, pois este faz uma “substituição
da justificação epistêmica pela explicação causal” das coisas (Ibid., p.82), isto é, categorias
ontológicas, epistemológicas, semânticas, todas estão sendo relativizadas “pessoas, grpos,
classes sociais, gênero, contextos e práticas sociais, culturas, formas de vida, linguagens,
quadros conceituais, teorias, paradigmas”, etc. (Ibid., p.79). Toda essa relativização faz com
que se decrete que não existe uma realidade objetiva que possa julgar e selecionar as crenças
que se formam sobre a mesma (Ibid.), tudo que é relativizado perde sobre si a capacidade de
compreender-se, perde sua autonomia, de modo que só pode ser explicado por seu
relativizador. Perde-se a necessidade de uma teoria do conhecimento quando as crenças
podem ser consideradas de acordo com o contexto, quando se resumem à produção do
extracognitivo, porquanto, não há a necessidade de diferenciação das crenças em seu caráter
de valor epistêmico quando todas se reduzem ao seu próprio ambiente local sem pretender
ultrapassá-lo. O modismo do “socialmente construído” advogado pelo relativismo é, segundo
Oliva, incompatível com a concepção triparte de conhecimento e é em si mesmo
“‘autodestrutivo’” (Ibid., p.83).
O autor conclui com uma reflexão sobre a vastidão do que ainda nos é
desconhecido e de como são frágeis nossos métodos para explorar esse desconhecido. De um
modo geral, Oliva aborda o problema da busca do conhecimento com bastante sobriedade,
buscando dialogar com diversos pensadores e autores como, Aristóteles, Platão, Descartes,
Vico, Sexto Empírico, Gettier, Bonjour, Chisholm, entre outros. Fazendo críticas necessárias e
de certo modo, aparentemente, fazendo uma defesa sutil à concepção “tradicional” da teria do
conhecimento. O livro como um todo, acrescenta bastante, principalmente aos que estão
iniciando e não conhecem muito bem as teorias, pois é bastante didático, esquemático e
organizado.

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