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Filosofia – 11ºANO

1. O QUE É CONHECER? – Introdução


A Epistemologia é a área da filosofia que se dedica ao estudo dos
problemas fundamentais relacionados com a natureza do conhecimento. Por
exemplo: o que é o conhecimento? o conhecimento é possível? qual a origem
do conhecimento?
A palavra epistemologia tem a sua raiz no termo grego episteme, que significa
conhecimento.

O conhecimento pode ser entendido como


uma relação entre um sujeito
– aquele que conhece (cognoscente) – e um
objeto – aquilo que é conhecido
(cognoscido), consistindo num conjunto de
informação que o sujeito obtém sobre
um objeto, formando uma representação ou
imagem mental. É da interação destes
dois elementos que nasce o conhecimento. A expressão “objeto” não tem o sentido exclusivo das
coisas físicas e materiais, mas sim aquilo que é motivo de conhecimento. Sem sujeito, não
existiria ninguém para conhecer; sem objeto, nada haveria para ser conhecido.

DIFERENTES TIPOS DE CONHECIMENTO


O ser humano é dotado de um conjunto vasto de saberes / conhecimentos, mas nem todos são iguais.
Consideremos as seguintes afirmações:
1a) o João conhece o jogo de xadrez; 2a) a Carlota sabe jogar xadrez; 3a) a Julieta sabe que Garry
Kasparov foi um campeão mundial de xadrez;
Se alguém sabe alguma coisa como, por exemplo, jogar xadrez, terá essa pessoa o mesmo tipo de
conhecimento que aquela que conhece o jogo, mas não o sabe jogar, ou que aquela que sabe quem é
Garry Kasparov?

No primeiro exemplo – “O João conhece o jogo de xadrez”, o conhecimento em causa é um


conhecimento por contacto (saber de). Este tipo de conhecimento requer experiência direta do
próprio sujeito com os objetos, através dos sentidos, permitindo identificá-los.
Implica estar, ou ter estado, em contacto com o que é conhecido. Neste caso, o
objeto de conhecimento é um lugar, pessoas ou sentimentos.

Na segunda afirmação – “A Carlota sabe jogar xadrez”, o tipo de conhecimento presente é um saber
fazer ou um saber como e corresponde a uma
competência, aptidão, habilidade. É um saber prático. É o
tipo de conhecimento que se direciona para a capacidade
de realizar algo, ou seja, está relacionado com as aptidões
que alguém tem sobre algo, assim como saber falar,
escrever, conduzir, etc. Trata-se de aprender a fazer
mediante a prática. É, por isso, um conhecimento prático,
um conhecimento por aptidão, um saber-como ou saber
fazer. Não exige um envolvimento intelectual aprofundado.

Na terceira afirmação – “A Julieta sabe que Garry Kasparov foi um campeão mundial de xadrez”,
temos o tipo de conhecimento saber que ou proposicional, que é um conhecimento de verdades ou
conhecimento factual. É o conhecimento que nos permite falar sobre o que sabemos. Repare-se que o
objeto de conhecimento não é Garry Kasparov, mas o que se sabe acerca dele.

O conhecimento proposicional diz respeito ao conhecimento de verdades por parte do sujeito. A


proposição “O rio Tejo ́inteiramente português” é falsa. Ora, só as proposições verdadeiras podem
constituir conhecimento. Ou seja, só haverá conhecimento proposicional se este partir de
proposições verdadeiras. O conhecimento proposicional (porque se refere ao conteúdo das
proposições) é sempre fáctico, logo, não podemos conhecer falsidades, embora possamos ter
crenças falsas.
Apenas o conhecimento proporcional pode ser transmitido de pessoa para pessoa. Por muito que
alguém se esforce por descrever a sua visita a Paris, aqueles que o ouvem não terão um conhecimento
por contacto da cidade até fazerem eles próprios a sua visita. O mesmo acontece no que diz respeito
ao conhecimento prático: por muito que se ensine alguém a cozinhar, essa pessoa não pode dizer que
sabe cozinhar antes de ter, de facto, cozinhado.
Quando alguém sabe que Portugal pertence à União Europeia – e transmite esse conhecimento a outra
pessoa, essa pessoa passa a ter exatamente o mesmo conhecimento, isto é, fica, também ela, a saber
que Portugal pertence à União Europeia.

A QUE TIPO DE CONHECIMENTO SE DEDICA A FILOSOFIA?


Embora todos estes conhecimentos sejam essenciais ao dia-a-dia, foi o conhecimento proposicional
que mais questões e dificuldades suscitou aos filósofos. Ou seja, à filosofia, mais do que o
conhecimento por contacto ou prático, interessa o conhecimento proposicional. Só este é o que
realmente interessa aos filósofos que estudam o conhecimento, dado que se aplica à explicação de
algo, assente em proposições suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas. É este tipo de conhecimento
que exprime as nossas ideias sobre a realidade e a conceção do mundo, e que pode ser transmitido
entre pessoas. É também aquele que, estando ligado a juízos, suscita o problema da condição de
verdade.
De que forma aquilo que pensamos ser verdade o é realmente?
Que garantia poderemos ter em relação àquilo que conhecemos ou afirmamos conhecer?
Haverá limites para o conhecimento?

Certamente diremos que sabemos que estamos aqui, que estamos a ler este livro ou que estamos na
aula de filosofia. Mas que garantia temos para dizer que isso é real e que constitui efetivamente uma
verdade?
Afirmar “estamos na aula de filosofia” expressa um tipo de conhecimento proposicional, mas em que
medida sabemos que a proposição “estamos na aula de filosofia” é verdadeira? Que relação existe
entre aquilo que acreditamos ser verdade e aquilo que verdadeiramente o é?
A partir de agora, conhecimento e conhecimento proposicional serão termos equivalentes. Este será,
portanto, o tipo de conhecimento que agora nos interessa estudar.

DEFINIÇÃO TRADICIONAL DE CONHECIMENTO


O problema filosófico de que nos vamos ocupar agora é o seguinte: “O
que é o conhecimento?”. Desde a antiguidade, os filósofos têm-se interessado por descobrir as
condições em que podemos afirmar que sabemos seja o que for.
A definição tradicional de conhecimento, também designada por definição tripartida do conhecimento,
incide, portanto, sobre o “saber-que”, ou conhecimento proposicional, e pretende apresentar as
condições necessárias e suficientes para que possamos dizer que estamos na posse de
conhecimento.
Uma das mais célebres tentativas de responder a esta pergunta foi-nos apresentada no século V a.C.,
na obra Teeteto, de Platão.

Esta abordagem ficou conhecida como “definição tripartida do conhecimento”, pois estabelece que
existem três condições simultaneamente necessárias e suficientes para o conhecimento, a saber:
- a crença;
- a verdade;
- a justificação.
TESE ----> Conhecer é ter crenças verdadeiras justificadas.

A CRENÇA é a atitude de adesão a uma determinada proposição, tornando-a verdadeira. É uma


atitude proposicional, isto é, uma atitude adotada por um sujeito relativamente a uma proposição, mais
concretamente a atitude de achar que uma dada proposição é verdadeira.
Sendo assim, saber é, em primeiro lugar, acreditar naquilo que se sabe. Não faria sentido dizer “Eu
sei que Lisboa é capital de Portugal, mas não acredito nisso”. Como tal, a crença é uma das primeiras
condições necessárias para que haja conhecimento. Contudo, também se pode acreditar em
falsidades (existem muitas crenças falsas e tais crenças não constituem conhecimento, pois só as
proposições verdadeiras ligam o sujeito à realidade de forma adequada), pelo que a crença não é uma
condição suficiente (saber e acreditar são coisas distintas): a verdade e a justificação são outras
condições necessárias.

Para haver conhecimento é necessário não só que uma pessoa acredite em algo, como também que
isso seja verdadeiro, ou seja, esteja de acordo com a realidade. E só as proposições verdadeiras estão
de acordo com a realidade. Portanto, a VERDADE é outra das condições necessárias para haver
conhecimento. O conhecimento é factivo, o que
significa que não podemos saber algo que é falso:
saber algo implica a verdade daquilo que sabemos.

Crença e verdade não são condições suficientes.

O conhecimento não se reduz à mera crença


verdadeira. Pode haver situações em que, embora
tenhamos crenças verdadeiras, não temos
conhecimento, porque nos falta ter uma justificação
para essas crenças. Para haver conhecimento é
necessário que as crenças estejam fundadas, isto é,
justificadas por boas razões. Torna-se, portanto, necessário dispor de provas, razões ou evidências
para justificar essa crença. Só então uma crença passa a conhecimento. Por conseguinte, a
JUSTIFICAÇÃO é a terceira condição necessária para a existência de conhecimento.

Apesar de a definição de conhecimento como “crença verdadeira justificada” ser ainda hoje
razoavelmente consensual, houve alguns pensadores, entre os quais Bertrand Russel e Edmund
Gettier, no século XX, que levantaram objeções à possibilidade de podermos não estar na posse de um
verdadeiro conhecimento mesmo quando se cumpram as três condições apresentadas.
A maioria das objeções e dos debates em torno desta definição resultaram de um artigo publicado por
Edmund Gettier em 1963.
Nesse artigo, Gettier defende que é possível que, por mera coincidência ou acaso, um sujeito
acredite numa verdade, que ela esteja, portanto, justificada para o sujeito, mas que a justificação
encontrada seja dada por motivos errados. Gettier propõe situações hipotéticas em que as pessoas têm
crenças verdadeiras justificadas e, no entanto, não têm conhecimento. Os contraexemplos de Edmund
Gettier mostram que, apesar de a crença em causa ser verdadeira e estar justificada, a justificação que
o sujeito tem para essa crença não se baseia nos aspetos relevantes da realidade que tornam a sua
crença verdadeira.
Ou seja, é possível termos uma crença verdadeira justificada sem que ela corresponda a
conhecimento. Pode haver crenças justificadas acidentalmente. Nesses casos, a relação de
justificação com a crença verdadeira não é adequada, sendo a verdade da crença apenas o resultado
da sorte, do acaso ou da mera coincidência. Mas, segundo Gettier, acreditar numa verdade justificada
pelas razões erradas não pode ser considerado conhecimento.
TESE ----> Ter uma crença verdadeira justificada é condição necessária, mas não é condição suficiente
para o conhecimento.

Imaginemos a seguinte situação.


Francisco olha para o relógio da torre, que funcionou sempre bem durante décadas, e constatou que
eram 8 horas, formando a crença de que eram 8 horas. Ora, se admitirmos que são, efetivamente, 8
horas, então a sua crença era verdadeira. E será justificada. Sem dúvida. O facto de o relógio sempre
ter funcionado perfeitamente no passado é uma boa razão para acreditar nas horas que vê marcadas no
relógio. Admitamos agora que, sem que o Francisco soubesse, o relógio tivesse avariado no dia
anterior, tendo parado precisamente nas 8 horas. Mas mesmo um relógio parado indica a hora certa
duas vezes por dia. E foi isso que aconteceu. Ou seja, estando o relógio parado, ele teve apenas a sorte
de o consultar numa ocasião em que este mostrou a hora certa. A possibilidade da proposição ser
verdadeira resultou de um mero acaso.

Este exemplo mostra que as três condições que até então eram consideradas, no seu conjunto,
suficientes para haver conhecimento se revelavam, agora, insuficientes. Além disso, vem mostrar que
mesmo as nossas crenças, ainda que possam ser verdadeiras e justificadas, apresentam fragilidades.
A crítica de Gettier abriu fendas na definição tradicional. Será necessária uma condição extra, para
além das três propostas por Platão. Resta saber qual, pois, Gettier limitou-se a levantar o problema, a
apresentar contraexemplos, mas não identificou a solução.

Várias têm sido as tentativas de resolução dos problemas colocados pelos casos de Gettier e por
outros contraexemplos similares. Essas tentativas para resolver ou dissolver o problema formulado por
Gettier passam por:
• ou acrescentar uma quarta condição para o conhecimento – Alvin Goldman
• ou por proporem uma teoria epistemológica radicalmente diferente – Timothy Williamson

AS FONTES DE JUSTIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO


(ou as duas modalidades de conhecimento proposicional)

Já vimos que, tradicionalmente, se considera que para haver conhecimento tem de haver crenças
verdadeiras e boas razões, ou justificações, para as sustentar. O facto de haver diferentes formas de
justificar as crenças que temos como verdadeiras remete-nos para o problema das fontes do
conhecimento. Perguntar pelas fontes equivale, então, a perguntar pelas fontes de justificação das
nossas crenças ou pela justificação que apresentamos para mostrar que as nossas crenças são
verdadeiras.
Como justificamos, então, as nossas crenças?
Os filósofos admitem, de forma bastante consensual, duas fontes de justificação: a razão (ou o
pensamento) e a experiência (ou os sentidos). A estas duas fontes estão associados, respetivamente,
dois modos de conhecimento: o conhecimento a priori (baseado em juízos / proposições a priori) e o
conhecimento a posteriori (baseado em juízos / proposições a posteriori).
A expressão a priori refere-se ao que é independente e anterior à experiência (anterioridade lógica e
não cronológica) e a expressão a posteriori refere-se ao que decorre ou depende da experiência, que
é posterior a ela.
O conhecimento a priori é aquele que podemos adquirir recorrendo apenas ao pensamento e
independentemente da experiência. Neste tipo de conhecimento, a fonte de justificação das
nossas crenças é o pensamento ou a razão, na medida em que é um conhecimento que se pode
obter independentemente dos sentidos.
Não é preciso olhar para o mundo, isto é, recorrer aos sentidos para saber que três mais dois são
cinco, basta pensar nos conceitos aqui envolvidos para saber que estas proposições são verdadeiras,
ou seja, basta-nos usar o raciocínio. A fontes destes conhecimentos é a razão ou o pensamento.

Claro que a experiência desempenha um certo papel na aquisição do conhecimento a priori. Foi
preciso termos alguma experiência para adquirir os conceitos de soma, número, cor, solteiro, casado...
Ou seja, não precisamos de recorrer à experiência para justificar o conhecimento de que um objeto
azul é colorido, no entanto, o conceito de cor e de azul teve de ser, em primeiro lugar, adquirido pela
experiência.
Estas proposições são universais – no sentido em que não admitem qualquer exceção, sendo
verdadeiras sempre e em toda a parte – e necessárias – são verdadeiros em quaisquer circunstâncias,
e negá-las implicaria entrar em contradição.

Um conhecimento é a posteriori se só o podemos adquirir pela experiência. A sua fonte não é


racional, mas empírica.
Neste tipo de conhecimento, a fonte de justificação das nossas crenças é a experiência – a informação
que obtemos a partir dos sentidos. É também chamado conhecimento empírico (decorrente da
experiência – de empeiría, palavra grega para experiência). Efetivamente, não basta usar o
pensamento para saber qual é a cor dos ursos polares (estes poderiam ter sido de outra cor sem
deixarem de ser ursos polares), ou qual é proporção de água à superfície do planeta ( o planeta
continuaria a ser o mesmo ainda que a quantidade de água à superfície se alterasse), ou ainda para
saber que existe alguma relva verde (imagina, por exemplo, que toda a relva do mundo já tinha
secado). Este tipo de conhecimento só pode ser obtido através da experiência – só recorrendo aos
sentidos é que podemos obter e justificar estas crenças, já que o pensamento e o raciocínio não são
suficientes.
Estas proposições não são estritamente universais – porque admitem exceções, podendo não ser
verdadeiras sempre e em toda a parte – e, não sendo necessárias, são contingentes – são verdadeiras,
mas poderiam ser falsas, e negá-las não implica entrar em contradição. Até podem ser altamente
prováveis, mas nada garante a sua permanência e universalidade, pelo que são contingentes.

Uma verdade necessária tem de ser verdadeira em quaisquer circunstâncias ou em todos os mundos
possíveis. “Se os felinos são carnívoros e os gatos são felinos, então os gatos são carnívoros” é
necessariamente verdade.
Uma verdade contingente é verdadeira, tal como as coisas são num dado lugar ou tempo, mas poderia
não o ser. Por exemplo, a afirmação “os dias de inverno são frios” é contingente, pois depende de
circunstâncias muito específicas e variáveis.

RACIONALISMO E EMPIRISMO
A distinção entre conhecimento a priori e conhecimento a posteriori é bastante consensual. Mas há
duas doutrinas filosóficas que valorizam e privilegiam diferentemente cada um desses dois modos de
conhecimento, dando mais importância à razão e ao conhecimento a priori – o racionalismo – ou à
experiência e ao conhecimento a posteriori – o empirismo.
Sob o ponto de vista da origem do conhecimento (génese das nossas crenças) e respetiva justificação
das crenças, os racionalistas defendem que a razão é a principal fonte do conhecimento. Por sua vez,
os empiristas defendem que todos os nossos conhecimentos têm origem, em última instância, na
experiência.
Mas qual delas é a fundamental? É essa a discussão principal que divide racionalistas e empiristas.
Os racionalistas e os empiristas divergem, sobretudo, quando se trata de saber se podemos ter
conhecimentos a priori acerca do mundo, ou seja, se é possível conhecer verdades sobre o mundo
independentemente da experiência.

Os racionalistas destacam a importância da razão e consideram que podemos ter algum


conhecimento do mundo sem recurso à experiência – conhecimento a priori acerca do mundo.
De acordo com o racionalismo, a razão – por vezes, também chamada entendimento – é a principal
fonte ou a origem principal do conhecimento. Só através da razão é que se pode encontrar um
conhecimento seguro, apoiado em princípios evidentes e totalmente independente da experiência
sensível (ou seja, a priori). Trata-se de um conhecimento de verdades necessárias. Por exemplo, o
conhecimento de 3x8=24 possui estas características. Daí que, segundo vários filósofos racionalistas, o
modelo do conhecimento ou do saber nos seja dado pela matemática. Assim, para os racionalistas, o
conhecimento a priori tem um papel essencial, proporcionando-nos verdades substanciais, ou seja,
verdades que dizem algo acerca do mundo. Existe, portanto, um conhecimento a priori do mundo.
Isto não significa que os racionalistas neguem que haja conhecimento a posteriori. Esse conhecimento
existe, mas é na razão que se encontra o seu fundamento.
Teses:
- O conhecimento tem um fundamento racional: as crenças básicas provêm da razão.
- Há crenças sobre o mundo que podem ser justificadas a priori.

Os empiristas destacam a importância da experiência e consideram que não temos conhecimento


do mundo sem recurso à experiência – não há conhecimento a priori do mundo.
Opondo-se ao racionalismo, o empirismo é uma teoria que considera que a experiência é a fonte
principal do conhecimento. Nesse sentido, todo o nosso conhecimento do mundo tem de ser
adquirido através da experiência e, previamente a ela, o entendimento ou a mente assemelha-se a uma
página em branco. É, portanto, na experiência que o conhecimento tem o seu fundamento e os seus
limites. Os empiristas não negam o conhecimento a priori, aceitando que há certas verdades que
podem ser conhecidas a priori. No entanto, consideram que essas verdades são desinteressantes,
triviais, não- instrutivas, tautológicas e nada nos dizem acerca do mundo. Elas podem ser adquiridas
através da mera compreensão dos conceitos relevantes, não exigindo outro tipo de investigação do
mundo.
Assim, segundo os empiristas, qualquer conhecimento substancial, ou acerca do mundo, tem de
ser adquirido através da experiência. Por outro lado, as ideias presentes no conhecimento a priori
acabam também por derivar, em última instância, da experiência.
Teses:
- O conhecimento tem um fundamento empírico: as crenças básicas provêm da experiência.
- O conhecimento a priori não é substancial (sobre o mundo).
FUNDACIONALISMO
O racionalismo e o empirismo são perspetivas que abraçaram o fundacionalismo.
O fundacionalismo é a perspetiva segundo a qual o conhecimento deve ser concebido como uma
estrutura que se ergue a partir de fundamentos certos, seguros e indubitáveis, ou seja, o
conhecimento está alicerçado em crenças básicas (ou fundacionais).
Mas o que são crenças básicas?
As crenças básicas ou fundacionais são crenças autoevidentes, de tal modo autoevidentes que se
justificam a si mesmas, independentemente de qualquer fundamento noutra crença – não precisam de
ser justificadas por outras crenças. As crenças básicas são a base absolutamente primeira, originária,
que não carecem de justificação por se autojustificarem a si mesmas, pela sua evidência imediata, pela
sua infalibilidade, incorrigibilidade e certeza. Podemos, então, caracterizá-las como:
➢ infalíveis, ou seja, não podem estar erradas;
➢ incorrigíveis, ou seja, não podem ser refutadas;
➢ e indubitáveis, ou seja, não podem ser postas em causa.

Por sua vez, as crenças não básicas são aquelas que são justificadas por outras crenças, ou que se
inferem de outras crenças – justificação inferencial -, não sendo autoevidentes e encontram o seu
fundamento em crenças básicas.

As crenças básicas ou fundacionais são as que suportam todo o sistema de saber. E uma vez que estas
proposições em que acreditamos não são inferidas de outras, a justificação envolvida é não-inferencial.

Visto que as crenças básicas não carecem de justificação (elas autojustificam-se), elas podem justificar
as crenças não-básicas, sem que sejam necessárias mais justificações. A metáfora aqui subjacente é a
seguinte: tal como os alicerces (fundações) servem de suporte para a totalidade de um edifício, sem
ser suportados(as) por este, também as crenças básicas representam uma base sólida sobre a qual
podemos edificar as restantes crenças. E é porque as crenças básicas ou fundacionais, que sustêm as
demais crenças (crenças não-básicas), têm de ser irrefutáveis, absolutamente verdadeiras, que
dizemos que o racionalismo e o empirismo defendem uma perspetiva infalibilista.
Teses:
- que todo o nosso conhecimento está fundado em crenças básicas
- e que todas as nossas crenças justificadas estão, em última instância, fundamentadas em crenças
básicas.

Ora, segundo o racionalismo, essas crenças básicas provêm da razão, são crenças que podemos saber
que são verdadeiras através do pensamento; diz-se, por isso, que são conhecidas a priori, isto é,
independentemente da experiência sensível. Mas, segundo o empirismo, essas crenças básicas
provêm da experiência, isto é, são crenças que só podemos saber que são verdadeiras através dos
nossos sentidos; diz-se, por isso, que são conhecidas a posteriori, isto é, só podem ser conhecidas
através da experiência.
Para um fundacionalista, seja racionalista ou empirista, renunciar a esta base significa
inviabilizar a possibilidade de justificar qualquer crença ou conhecimento.

Uma alternativa ao fundacionalismo é o coerentismo. O coerentismo rejeita a ideia de crença


fundacional e a conceção linear da justificação subjacente ao fundacionalismo, propondo, em seu
lugar, uma justificação holística, ou seja, uma visão integral e uma compreensão geral dos fenómenos
e não uma análise isolada dos seus constituintes. Assim sendo, o coerentismo defende que a
justificação é exclusivamente um problema de relação entre as crenças e é a coerência entre crenças
dentro de um mesmo sistema que constitui o critério principal para justificar uma crença.

Defende, portanto, a ideia de que o conhecimento é uma estrutura na qual não há fratura entre crenças
básicas (primeiras) e crenças não-básicas: qualquer conhecimento justifica-se através da integração e
conciliação com as restantes crenças. Ou seja, uma crença particular é justificada se se conformar bem
– ou se for “coerente” – com a totalidade do nosso sistema de crenças.

Ou seja, enquanto o fundacionalismo defende que a justificação depende de uma relação de suporte
das crenças básicas para com as crenças não- básicas ou derivadas, a teoria coerentista sustenta que a
justificação de umabcrença depende das relações de suporte mútuo que uma dada crença estabelece
com as restantes crenças de um conjunto coerente de crenças.

O debate que separa estas correntes é, com frequência, ilustrado por duas metáforas. De acordo com o
fundacionalismo, o conhecimento é um edifício que deve ser construído sobre alicerces sólidos e por
meio de método fidedigno. Já para o coerentismo, o conhecimento é um barco, ou um avião, cuja força
e estabilidade advêm das partes que, no seu conjunto, se reforçam mutuamente e formam um todo
consistente.

2. É POSSÍVEL CONHECER?
(O problema da possibilidade do conhecimento)

Será possível ter uma crença não só verdadeira como satisfatória e suficientemente justificada acerca
da realidade? Será que o conhecimento é possível?
O ceticismo é a perspetiva epistemológica que nega total (ceticismo radical/global) ou
parcialmente (ceticismo moderado/localizado) a possibilidade do conhecimento. Mesmo que
algumas das nossas crenças sejam verdadeiras, segundo os céticos, não temos justificações suficientes
para mostrar essa verdade, ou seja, não temos maneira de saber se elas são verdadeiras ou falsas.

O ceticismo radical é global, pois duvida da possibilidade de todo e qualquer conhecimento.


Para o ceticismo moderado, o conhecimento é possível. No entanto, esta perspetiva admite que há
limites no conhecimento e/ou que o saber é apenas provável – probabilismo. Importa ainda notar o
seguinte: alguns filósofos aceitam que há coisas que podemos conhecer, mas sustentam que não é
possível ter conhecimento acerca de certas questões específicas ou sobre determinados aspetos da
realidade. Nestes casos estamos perante um ceticismo regional ou localizado porque duvida da
possibilidade do conhecimento em algumas áreas, mas noutras não. Um cético moderado pode, por
exemplo, duvidar que haja conhecimento na Ética e na Estética, mas não na Física e na Matemática. É o
que acontece, por exemplo, quando se defende que podemos conhecer fenómenos da natureza, mas
não podemos saber sobre se Deus existe ou não ou se o Universo é ou não infinito, como não podemos
conhecer outras mentes ou o futuro. Reconhece, portanto, a falibilidade de alguns juízos e defende que
não podemos ter conhecimento sobre certas categorias de factos.

O ceticismo pode ser visto como 1) corrente filosófica e, nesse caso, nega a possibilidade de
conhecimento, sendo, portanto, uma “teoria” e, enquanto tal, é autorrefutante, ou como 2) atitude e,
neste caso, é uma atitude de desafio e questionamento, de investigação ou exame.
Se o ceticismo é a perspetiva filosófica que responde negativamente ao problema da possibilidade do
conhecimento, o dogmatismo é a perspetiva filosófica que responde afirmativamente ao problema da
possibilidade do conhecimento. O dogmatismo defende a possibilidade de se alcançar um
conhecimento credível e verdadeiro e deposita confiança na razão humana e em certos princípios
evidentes (dogmas), considerando que é possível chegar à certeza e à verdade.

A RESPOSTA CÉTICA – o ceticismo radical


O ceticismo é a corrente filosófica que defende não ser possível ter garantias sobre o que conhecemos
e, portanto, aquilo que pensamos pode não ter valor algum. E não podemos ter qualquer garantia
sobre oque pensamos porque nenhuma fonte de justificação do conhecimento, das nossas crenças, é
satisfatória, quer seja ela a razão, quer seja ela a experiência.
Esta corrente teve origem na Grécia Antiga. A sua figura principal foi Pirro de Élis. Daí que este
ceticismo também se chame ceticismo pirrónico. Segundo Pirro, o conhecimento é impossível,
negando, assim, a possibilidade de se ter uma posição segura e universal sobre um qualquer assunto.
O cético pirrónico nega que haja justificações suficientes para as nossas crenças. As justificações são
sempre falíveis e insuficientes, mesmo que aparentemente sejam as melhores. Isto significa que não
sabemos aquilo que pensamos saber.

Tal como Gettier, os defensores do ceticismo não questionam a necessidade das três condições da
definição tradicional de conhecimento. Concordam que para haver conhecimento, tem de existir
crença verdadeira justificada. Temos crenças e algumas delas serão verdadeiras, afirmam. Mas saber
se uma dada crença é ou não conhecimento está fora das nossas possibilidades.

A perspetiva cética pode ser resumida nos seguintes argumentos (que seguem o modus tollens):
1) Se S sabe que P, então não é possível que S esteja enganado acerca de P.
É possível que S esteja enganado acerca de P.
Logo, S não sabe que P.
(P → Q), Q P

2) Se há conhecimento, então há crenças justificadas.


Não há crenças justificadas.
Logo, não há conhecimento.
(P → Q), Q P

3) Para o conhecimento ser possível, alguma crença tem de ter justificação


apropriada.
Mas nenhuma crença tem justificação apropriada.
Logo, o conhecimento não é possível.
(P → Q), Q P

Trata-se de argumentos válidos. Mas serão sólidos, ou seja, ambas as premissas serão
verdadeiras?
A primeira premissa é bastante consensual (limita-se a repetir, por outras palavras, que a justificação é
uma condição necessária do conhecimento, o que qualquer defensor da definição tradicional de
conhecimento aceita), já a segunda é francamente discutível e problemática.
Por isso, o cético radical terá de mostrar que a segunda premissa é verdadeira- que “é possível que
S esteja enganado acerca de P” ou que “não temos qualquer crença que esteja justificada” ou que
“nenhuma crença tem justificação apropriada”.

Do ponto de vista dos céticos, uma justificação é apropriada quando não temos razão alguma para
duvidar dela. Uma tal justificação teria, então, de excluir a possibilidade de estarmos enganados. Dado
que nenhuma justificação garante tal coisa, argumentam os céticos, também nenhuma é apropriada.
Segundo o ceticismo, existem muitas razões que nos permitem duvidar da realidade e da forma como a
conhecemos. Por isso, nenhuma crença está devidamente justificada, pelo que não será possível
garantir o conhecimento. Face a este quadro de incerteza, o mais adequado e sensato será duvidar de
tudo e suspender qualquer juízo – epoché -, isto é, não julgar nem adotar qualquer crença, em vez de
supormos que sabemos seja o que for, a um estado de espírito que consiste em abster-se de julgar, ou
seja, em nada afirmar ou negar. Esta seria a única maneira de manter a tranquilidade, aquilo que os
gregos definiam como ataraxia – “tranquilidade” da “alma” ou “ausência de perturbação”.

Os principais argumentos céticos


Uma das principais fontes de informação sobre o ceticismo são os escritos do filósofo Sexto Empírico,
também cético pirrónico, que compilou as diversas abordagens do ceticismo, nas obras Hipóteses
Pirrónicas e Contra os Professores, as quais exerceram uma enorme influência na emergência da
filosofia moderna, nomeadamente em Descartes e Hume.
Sexto Empírico, nessas obras, apresentou-nos os principais argumentos céticos que conduzem os
céticos à dúvida e os levam à suspensão do juízo – epoché.

1. Argumento da discordância e divergência de opiniões


É um facto que existem, não só entre as pessoas comuns, mas mesmo entre os especialistas numa dada
matéria – médicos, juristas, economistas, críticos de cinema, … - opiniões divergentes, ou até
contrárias e inconciliáveis, acerca da mesma coisa e nos mais variados assuntos. Em quais confiar?
Porquê tomar o partido de uns em vez de outros, quando todos eles são especialistas na matéria? E se
algum deles me parece mais convincente a mim, por que razão não consegue convencer os seus
colegas de ofício?
Se alguma dessas opiniões estivesse apropriadamente sustentada, não haveria boas razões para
alguém discordar dela. Mas as pessoas continuam a apresentar razões para discordar. Isto torna
impossível que nos decidamos por uma ou outra, sendo preciso suspender o juízo sobre qual é
verdadeira e qual é falsa. Se existem tais opiniões e crenças divergentes e inconciliáveis, então,
nenhuma delas se encontra adequada ou suficientemente justificada, sendo que o mais certo a fazer é
suspender o juízo, ao invés de considerar uma delas certa ou verdadeira.
Conclui-se, portanto, que nenhuma dessas crenças está justificada. A discordância é particularmente
notória entre as doutrinas dos filósofos, sendo que também os costumes, a educação e as leis
divergem.
Exemplos: Em relação à existência de Deus, uns afirmam que Deus existe, outros negam a sua
existência, não havendo consenso universal a esse respeito. O mesmo em relação à existência de seres
extraterrestres inteligentes: uns
acreditam que existem, outros não.
O problema dos céticos não é com a crença nem com a verdade, mas com a justificação que nunca
chega a ser satisfeita.
Em síntese: Se alguma opinião estivesse apropriadamente justificada, não haveria lugar a opiniões
divergentes. Mas há opiniões divergentes. Logo, nenhuma opinião está devidamente justificada.

2. Argumento dos erros e ilusões/aparências dos sentidos


Este argumento tem em conta que nem todas as nossas crenças são uma questão de opinião. Há muitas
crenças que se baseiam nos nossos sentidos – no que vemos, ouvimos, tocamos, etc. E, habitualmente,
confiamos nos nossos sentidos, mas, por vezes, é um facto que eles nos enganam. Ou seja, este
argumento centra-se no facto de as informações provenientes dos sentidos nos iludirem
ocasionalmente, tornando legítimo questionar em que medida serão fiáveis para garantir o
conhecimento. Por exemplo, quase todos já tivemos a experiência embaraçosa de parecer
reconhecer um amigo à distância, para descobrir depois que estamos a acenar a um desconhecido.
O mesmo objeto pode desencadear sensações e perceções distintas, e até incompatíveis, para
diferentes pessoas ou para a mesma pessoa em situações e circunstâncias diversas, não havendo,
assim, a possibilidade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. Os objetos desencadeiam,
portanto, muitas vezes, ilusões – ou seja, os sentidos são frequentemente enganadores e iludem-nos -,
não existindo a possibilidade de decidir qual a verdadeira realidade dos objetos.

Existe, então, uma diferença entre aquilo que realmente é e aquilo que é percecionado pelos sujeitos,
permitindo assim a diversidade de opiniões. E é neste ponto que os céticos se apoiam para defender a
ideia de que os objetos imediatos da perceção são os dados dos sentidos e não os dos objetos reais.
Estes dados dos sentidos são estruturas internas que funcionam como mediadoras entre o mundo real
externo e a consciência mental que temos dele, não permitindo representá-lo fidedignamente.

Objetos físicos e reais: Objetos concretos, tal como são. Realidade exterior, independente da
consciência do sujeito
Dados dos sentidos: Perceção imediata do objeto pelo sujeito, passível de erro. Realidade interior,
construída pela consciência do sujeito

3. Argumento da regressão infinita da justificação


Este argumento, diferentemente do anterior, baseia-se apenas no raciocínio. Geralmente considera-se
que este último argumento cético é bastante mais persuasivo do que os anteriores. Tanto que veio a ser
o mais amplamente debatido. A ideia aí presente é que, para as nossas crenças estarem justificadas, o
processo de justificação teria de parar em algum ponto.
Segundo os céticos, as nossas crenças são justificadas com base noutras crenças, não havendo
nenhuma crença que se possa justificar a si mesma.
Assim, ao tentar justificar a crença A recorremos à crença B, ao tentar justificar a crença B recorremos à
crença C, e assim sucessivamente, ou seja, recuar de crença em crença, a fim de as justificar. Isto é, o
único modo que temos para justificar as nossas crenças é recorrendo a outras crenças, que também
teremos de justificar. Se temos de recorrer, sucessivamente, a outras crenças, então, cairemos numa
cadeia de justificação que se estende até ao infinito – regressão infinita da justificação. Se há uma
regressão infinita da justificação, nenhuma crença está justificada. E se nenhuma crença está
justificada, não há conhecimento. Conclui-se, pois, que não há conhecimento.

O problema surge porque é sempre legítimo pedir uma justificação (ou seja, perguntar "porquê?")
para cada uma das nossas crenças e, uma vez que essa justificação consiste numa outra crença que,
também ela, precisa de ser justificada, rapidamente se instala uma cadeia de justificações. Isto
acontece porque justificamos as nossas crenças com base noutras crenças, mas, para que estas sirvam
de justificação seja para o que for, precisam, também elas, de estar justificadas. Uma vez que novas
crenças serão invocadas para justificar as próprias justificações, caímos num encadeamento de
crenças que se justificam umas às outras.

Mas qual é o problema das cadeias de justificações?


A partir do momento em que uma cadeia de justificações se começa a desenrolar instala-se o problema
conhecido como Trilema de Agripa que apresenta três opções quanto à forma de o resolver:

1. ou essa cadeia de justificações termina arbitrariamente numa crença injustificada (o equivalente ao


"Porque Sim!" na conversa com a criança na idade dos porquês), isto é, dizemos que não precisa de
qualquer outra justificação (a nossa crença não passa, nesse caso, de uma mera hipótese ou suposição
arbitrária)
Rejeitada por Agripa por ser dogmática
Não temos crenças justificadas, pois nenhuma crença injustificada serve de justificação para o que
quer que seja (ou seja, afirmar que uma qualquer crença não justificada pode justificar outras é o
mesmo que admitir que nenhuma crença está, afinal, justificada);

2. ou volta-se sobre si própria de um modo viciosamente circular - uma das justificações é sustentada
por uma crença situada num qualquer ponto anterior da cadeia: por exemplo, justifica-se a crença A
com base na crença B, e esta justifica-se com base numa crença C que, por sua vez, se justifica com
base em A (ou seja, recuamos nas justificações até voltarmos a alguma crença que já tínhamos usado
antes e, neste caso, ficamos com uma justificação circular)
Rejeitada por Agripa por ser viciosamente circular
nenhuma justificação circular pode ser eficaz, pois aquilo que se pretende justificar está a ser usado na
própria justificação, pelo que falha o intuito de justificar seja que crença for (ou seja, justificar uma
crença evocando outra da mesma cadeia é igualmente implausível);

3. ou regride infinitamente, de justificação em justificação - justificamos a crença A com base na crença


B; B é justificada através de uma outra crença C, e assim sucessivamente até ao infinito, iniciando-se
uma regressão infinita
Rejeitada por Agripa por ser uma mera tentativa inacabada de justificação
Nenhuma cadeia infinita de justificações, tal como surge em 3, pode ser abarcada por criaturas finitas e
limitadas como nós, pelo que, uma vez que tal encadeamento de justificações não tem um fim à vista,
não serve de justificação para coisa alguma (ou seja, regredir infinitamente implica que nunca se
justifique a crença de que se parte, até porque, dada a finitude do ser humano, é impossível que a sua
mente abarque uma cadeia infinita de justificações).

Considerando que a única forma de justificar as nossas crenças é invocando outras crenças caindo
inevitavelmente numa cadeia de justificações - e uma vez que as cadeias de justificações são incapazes
de justificar seja o que for -, podemos concluir validamente que não temos crenças justificadas.

O argumento cético da regressão infinita pode ser formulado do seguinte modo:


1. As nossas crenças justificam-se com base noutras crenças.
2. Se as nossas crenças se justificam com base noutras crenças, então quando tentamos justificar uma
crença caímos numa cadeia de justificações.
3. Se caímos numa cadeia de justificações, então ou:
• 1 paramos arbitrariamente numa crença injustificada,
• ou 2 voltamos a um ponto anterior da cadeia, de um modo viciosamente circular,
• ou 3 regredimos infinitamente.
4. Se 1, então as nossas crenças não estão justificadas.
5. Se 2, então as nossas crenças não estão justificadas.
6. Se 3, então as nossas crenças não estão justificadas.
7. Logo, as nossas crenças não estão justificadas.
8. Se as nossas crenças não estão justificadas, então não temos conhecimento.
9. As nossas crenças não estão justificadas.
10. Logo, não temos conhecimento.

Assim sendo, estes três argumentos principais dos céticos provam que nenhuma justificação é
adequada ou apropriada para mostrar que não estamos enganados quando julgamos conhecer alguma
coisa.
Objeção ao ceticismo radical
Na medida em que, se um cético defende que não é possível conhecer, por que razão entende que
afinal é possível conhecer com verdade que não é possível conhecer?
Expliquemos este argumento.
O ceticismo pode ser considerado uma teoria autocontraditório e autorefutante, na medida em que
ao defender que não há conhecimento, está a afirmar isso como um conhecimento. Se não fosse
possível saber-se com rigor nenhuma coisa, então também não devia ser possível ao defensor do
ceticismo saber que não é possível conhecer. Saber que o conhecimento é impossível é já saber
alguma coisa e, assim sendo, é possível conhecer. Ou seja, ao afirmar-se que não temos crenças
verdadeiras justificadas, está a afirmar-se a crença verdadeira justificada de que não há crenças
verdadeiras justificadas.
Por outro lado, o ceticismo só é autorefutante se o considerarmos como uma teoria. Se for apenas uma
atitude de desafio, então já não será autorefutante e remeterá apenas para a suspensão do juízo.

O ceticismo, enquanto atitude, adquire um papel importante no nosso desenvolvimento intelectual e


até espiritual. É quando se começa por adotar uma postura cética perante determinado problema que
se procede com maior prudência na resolução de tal problema. Só desse modo é possível o
inconformismo perante as soluções apresentadas, o que nos move para a busca de novas soluções.
Quando faz parte do espírito crítico e autónomo, o ceticismo adquire um carácter metódico – ceticismo
metódico. É um meio para alcançar a verdade e não uma confissão explícita de que a não podemos
encontrar.
Suponhamos que, ao apercebermo-nos que determinado conhecimento está errado, decidíamos, para
evitar enganos futuros, suspender a nossa crença em todo o conhecimento adquirido. Neste caso
defenderíamos um ceticismo inicial como método para a construção de um conhecimento seguro, o
que não é o mesmo que perfilhar o ceticismo radical. Não se trataria, neste caso, da suspensão total da
crença na possibilidade de conhecer. Esta postura constituiria, ao invés, um método que permitiria
maior segurança no nosso conhecimento.
O caminho até ele foi empreendido por filósofos que partiram do método crítico de não tomarem por
adquiridos os conhecimentos iniciais e decidiram consolidar o seu conhecimento partindo de um
ceticismo provisório.

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