Existem três condições necessárias para que uma proposição seja conhecida: temos
de acreditar nela, tem de ser verdadeira e tem de estar justificada. E nenhuma delas é
suficiente para o conhecimento. Mas se juntarmos as três condições, obtemos a seguinte
definição de conhecimento: conhecimento é uma crença verdadeira e justificada. A ideia
desta definição é que uma condição necessária e suficiente para ter conhecimento é ter
uma crença verdadeira justificada. Apesar de separadamente, nenhuma das condições
ser suficiente para o conhecimento, tomadas conjuntamente parecem suficientes. Se
alguém tiver uma crença, se essa crença for verdadeira e se além disso, houver boas
razões a favor da sua verdade, parece impossível que essa pessoa não tenha
conhecimento.
A principal tarefa dos cépticos consiste em mostrar que as nossas crenças não estão
provadas. Assim, surgem-nos dois argumentos: o argumento das ilusões e erros
perceptivos; e o argumento da regressão infinita da justificação.
Argumento das ilusões e erros perceptivos: A percepção, modo como tomamos
consciência dos objectos através dos nossos sentidos, é relativa ao ponto de vista do
observador, uma vez que, em diferentes momentos, percepcionamos os mesmos
objectos de maneiras diferentes. Por exemplo, quando acabamos de comprar umas
calças e uma vezes estas parecem verdes e noutras parecem castanhas. No entanto, por
vezes, também experienciamos uma ilusão perceptiva, uma falsa imagem da realidade,
criada pelos nossos sentidos, ou seja, somos enganados pelos nossos sentidos. Por
exemplo, parece-nos ouvir um carro a passar quando, afinal, era apenas o cão a ladrar.
Como o conhecimento depende da justificação da crença e esta baseia-se na nossa
percepção, então o conhecimento não existe. ( as ilusões e erros perceptivos provam,
que é possível que as crenças baseadas na percepção sejam falsas). Muitas vezes podes
achar que estás a pensar correctamente e estás a ser enganado.
Argumento da regressão infinita da justificação: O único modo de tentar
justificar as nossas crenças é recorrendo a outras crenças, ora se tal acontece, nunca nos
podemos dar por satisfeitos, uma vez que as justificações que damos precisam elas
mesmas de ser justificadas e, assim, o processo de justificação continua infinitamente.
Dar-se-á uma regressão infinita da justificação, processo de recuo sem fim, o que nos
leva à conclusão que as nossas crenças não estão justificadas. * Assim, uma vez que não
existe justificação de crenças, não existe conhecimento. Confiamos na indução.
É um argumento à priori, argumento retirado da racionalidade, onde se
pressupõe que não existem crenças básicas, ou seja, não existem crenças que não se
baseiam noutras anteriores.
* Mas é por isso que, segundo os cépticos, a justificação não funciona. Os cépticos
argumentam que não podemos confiar nas nossas crenças, porque mesmo que uma
proposição nos pareça incontestável ela baseia-se sempre noutra crença e se regredirmos
até à crença de que ela parte, ela própria precisa de justificação, o que conduz a uma
regressão infinita (processo de recuo que não tem fim).
Se a justificação para as nossas crenças é inferida sempre a partir de outras
crenças, então nunca os podemos dar por satisfeitos; as justificações que damos
precisam elas mesmas de ser justificadas e, assim, o processo de justificação continua
infinitamente.
1) A justificação de qualquer crença é inferida de outras crenças.
2) Se a justificação de qualquer crença é inferida de outras crenças, então
dá-se uma regressão infinita.
3) Se há uma regressão infinita, as nossas crenças não estão justificadas.
4) Logo, as nossas crenças não estão justificadas.
Crenças básicas advêm do conhecimento primitivo, assim, são crenças que não
carecem de outras crenças para ser justificadas, conhecem-se directamente.
Conhecimento Inferencial. Justifica-se a si própria e é o fundamento de todo o
conhecimento.
Crenças não básicas advêm do conhecimento derivado, assim, são crenças que
carecem de outras para ser justificadas, ou seja, conhecem-se através de argumentos ou
razões. É justificada por outras crenças.
Enquanto que os cépticos afirmam que não existem crenças básicas e que por
isso, o conhecimento não é possível; os fundacionistas apoiam que hà crenças
básicas que não carecem de outras crenças básicas e que, por isso, existe
conhecimento.
Enquanto que o racionalismo tem como modelo a ciência moderna apenas no
seu aspecto matemático, o empirismo consideram importante a experiência. O
racionalismo entende que a razão, por si só (dotando-se de um método
apropriado), pode conhecer toda a realidade, e o empirismo que entende que a
razão depende dos dados empíricos, que todo o conhecimento deriva da
experiência e que só podemos conhecer o que está ao alcance dos nossos sentidos.
O método:
→ Se for possível duvidar de uma crença, então essa crença não pode ser usada
como fundamento de conhecimento. Isto não quer dizer que seja falsa, apenas
quer dizer que não pode ser fundacional ou básica. Assim, para encontrar
crenças fundacionais ou básicas, Descartes tem de afastar todas as crenças em
relação às quais se levante a mínima duvida – mas não tem de provar que essas
crenças são realmente falsas.
→ Como existe um número elevadíssimo de crenças, Descartes não teria como
analisa-las a todas. Assim, Descartes decide analisar os princípios fundamentais
de cada um dos domínios do conhecimento. Se esses princípios mais centrais do
conhecimento se revelarem falsos, todas as crenças baseadas neles terão de ser
abandonadas.
A importância da dúvida:
→ Trata-se de começar tudo de novo, do princípio. Esse princípio tem de ser um
conhecimento que resista a todas a tentativas de o pôr em causa.
→ Se o conseguirmos encontrar, teremos o alicerce ou a base que será o
fundamento do sistema do saber que pretendemos firme, seguro e bem
organizado.
Descartes estuda as crenças pensando não se estamos enganados em relação a elas mas
sim, se existe a mínima possibilidade de estarmos a ser enganados, relativamente a elas.
Assim, para este filosofo as crenças à priori também não são crenças fundacionais uma
vez que, pode existir um génio maligno que nos faça pensar que são obviamente
verdadeiras proposições que afinal são falsas. Por exemplo, uma crença do tipo 2+2=4,
que pensamos ser obviamente verdadeira pois é justificada pela razão ou pelo
pensamento, poderá afinal, ser falsa em resultado do poder desse génio. Deste modo,
uma vez que existe a possibilidade destas crenças serem falsas, as crenças à priori não
passam no teste da dúvida metódica. Há razão para acreditar que o nosso
entendimento confunde o verdadeiro com o falso.
Uma experiência mental é quando imaginamos situações, por vezes muito fantasiosas e
idealizadas, com o objectivo de percebermos melhor certos aspectos de uma questão.
Tanto os cientistas como os filósofos recorrem frequentemente à experiência para testar
ou desenvolver teorias. Neste caso, Descartes pede para imaginarmos que existe uma
espécie de Deus enganador que, sem o sabermos, manipula os nossos pensamentos.
Trata-se de um génio porque revela poder semelhante ao de um Deus, mas não é um
Deus pois revela maldade ao querer enganar-nos sistematicamente para seu próprio
divertimento. Esse génio teria o poder de nos enganar sistematicamente provocando em
nós os estados mentais e as crenças que bem lhe aprouvesse. O génio maligno
conseguiria fazer-nos pensar que são obviamente verdadeiras proposições que afinal são
falsas. Assim, segundo esta hipótese, a nossa mente é completamente controlada sem
nos apercebermos disso. Logo, Uma crença de tipo 2+2= 4, que pensamos ser
obviamente verdadeira, poderá, afinal, ser falsa em resultado do poder e da acção do
génio maligno.
Podemos agora ver qual o resultado da aplicação da dúvida. Ela pôs em causa toda a
dimensão dos objectos, quer sensíveis quer inteligíveis.
Nenhum objecto resistiu ao exame impiedoso da dúvida. Neste momento,
poderíamos julgar que reina o cepticismo: tudo é falso, nada é verdadeiro, ou seja, nada
resiste à dúvida.
Contundo, essa conclusão é precipitada porque, quando a dúvida atinge o seu ponto
máximo, uma verdade indubitável vai impor-se.
«Resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu
espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo em
seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o
pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade, eu penso,
logo existo (Cogito ergo sum),era tão firme e tão certo que todas as extravagantes
suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar,
sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava».
Então, afinal existe proposições que passam no teste da dúvida metódica pois, não é
possível duvidar da crença “Se penso, existo”. Através da dúvida metódica foi
encontrada, finalmente, uma crença fundacional. Descartes defende que o Cogito é
uma crença básica, o mesmo é dizer, uma certeza inabalável.
O Cogito é uma certeza que não se descobre por meio do raciocínio, nem se
infere de coisa alguma. Trata-se de uma intuição racional, uma evidência que se impõe
ao nosso espírito como absolutamente clara e distinta.
Mesmo que os nossos sentidos nos enganem é preciso existir algo para ser enganado.
Vejamos:
i) Duvidar é um acto que tem de ser exercido por alguém.
ii) Para duvidar, seja do que for e mesmo que seja de tudo, é necessário que exista o
sujeito que dúvida
iii) A dúvida é um acto do pensamento que só é possível se existir um sujeito que a
realiza.
Logo, a existência do sujeito que duvida é uma verdade indubitável.
Descartes fala na 1ª pessoa. De facto, ele quer dizer, “Eu penso, logo, existo” e não
“Descartes pensa, logo, existe”. Só a primeira proposição passa no teste da dúvida. Cada
um de nós sabe sem dúvida possível que pensa, logo, existe. Mas daí não se segue que
possa saber o mesmo acerca de qualquer outra coisa além de si.
“Penso, logo, existo” é uma certeza que nenhuma dúvida pode abalar, pensa Descartes.
Mas porque?
«E tendo notado que nada há no eu penso, logo existo, que me garanta que digo a
verdade, a não ser que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei
que podia admitir como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que concebemos
muito claramente e muito distintamente, havendo apenas alguma dificuldade em notar
bem quais são as coisas que concebemos distintamente».
Depois da descoberta de uma crença fundacional (sobre a qual poderia construir
o edifício do conhecimento), Descartes pergunta-se que características tem essa crença
que a torne indubitável. Assim, o cogito é uma ideia clara e distinta pois, é uma ideia
que se apresenta com tal evidência ao nosso espírito que não podemos duvidar da sua
verdade.
Registe-se que a clareza e a distinção não é um critério empírico ou a posteriori,
mas racional ou a priori (por isso Descartes fala em conceber e não em ver ou sentir,
ou perceber).
Munido deste critério, Descartes vai partir à procura de outras ideias que consiga
conceber clara e distintamente.
Com o cogito surge uma limitação, apesar de termos a certeza que, enquanto
pensamento, existimos, mas continua a poder ser falso tudo aquilo que pensamos:
pode ser uma ilusão ou um génio maligno. Assim, ficamos encerrados nesta
primeira e única verdade, o que leva ao solipsismo, há uma solidão do eu,
encarcerado em si próprio.
Mas «Parece-me que está uma folha à minha frente», já é uma ideia clara e distinta, pois
não consigo conceber como posso estar enganado. Ainda que esteja com alucinações e
não haja qualquer folha à minha frente, é verdade que me parece que há uma folha à
minha frente. Esta é uma crença na 1ª pessoa (acerca de mim próprio) e é clara e
distinta, portanto, verdadeira. Mas «Está uma folha à minha frente», não é na 1ª pessoa,
(não é acerca de mim) e não é clara e distinta.
1º
•Se Descartes conseguir estabelecer a existência deste ser perfeito, terá alcançado
uma nova verdade que se irá revelar de importância decisiva.
• Trata-se de saber como, a partir da ideia de um ser perfeito, vai o sujeito
pensante estabelecer a existência real de um ser perfeito (Deus).
Como só o que é perfeito pode ser a causa da ideia de perfeito, Descartes conclui que
Deus existe.
Antes de tudo, descobre que tem a ideia de perfeição a partir da sua consciência
de que ele próprio é um ser imperfeito, na medida em que se engana. Ora, não poderia
ter a consciência de que é um ser imperfeito se não tivesse em si a ideia de perfeição.
Assim, vê com clareza e distinção que a sua ideia de Deus é a de um ser perfeito.
Com a mesma clareza e distinção vê ainda que a causa da ideia de perfeição não
pode vir de um ser imperfeito. O Imperfeito não pode gerar o Perfeito.
Tem de haver um ser perfeito, ou seja, que Deus existe.
Uma vez que Deus existe, então nenhum génio maligno o pode incomodar. Deus é, por
definição, bom e não o pode querer enganar, o que garante, assim, a verdade das ideias
que concebe clara e distintamente e a correcção dos seus raciocínios. A partir daí,
Descartes já pode deduzir muitas verdades e construir com segurança o edifício do
conhecimento. Assim, Descartes chega à 3ª certeza: O mundo existe (o perigo do
cepticismo desapareceu).