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Incrementação

humana

Terceira mão, Stelarc, 1980


O problema filosófico

 Em que medida é legítimo usar os avanços biomédicos para nos modificar?

 Devemos investir na investigação tecnológica para que possamos conseguir


desempenhos humanos extraordinários?

 É moralmente permissível fazer uso de toda e qualquer técnica ao nosso


dispor para desenvolver as aptidões humanas e diminuir ou eliminar os limites
que a natureza nos impõe?
Técnicas e tipos de incrementação

 A incrementação humana diz respeito à tentativa de superar temporária ou definitivamente as


limitações normais das capacidades humanas, quer através de meios artificiais quer de meios
naturais.  

 Assim, tudo aquilo que deliberadamente façamos para


aumentar as nossas capacidades físicas ou mentais pode
ser considerado como um incremento.

 As técnicas de incremento mais comuns são o treino e a educação.

 O uso de substâncias bioquímicas é outra forma de incrementar


as capacidades humanas. Algumas destas substâncias são legais,
como as vacinas, a cafeína, o tabaco, o Viagra ou o Prozac; outras
são ilegais, como alguns esteróides anabolizantes ou a cocaína.
Técnicas e tipos de incrementação

 O incremento humano poderá fazer-se também através da engenharia genética.

 Neste âmbito existem duas possibilidades: ou seleccionar os


embriões que apresentem a combinação genética que preferimos,
sem os alterar, ou manipular o ADN de modo a retirar ou inserir
genes responsáveis por comportamentos específicos.

 Os implantes, as próteses e outras tecnologias biomédicas


(como os transplantes de órgãos, por exemplo), ou informáticas
(como o upload mental, se alguma vez for tecnicamente possível)
poderão servir como meios de incrementação, no caso de virem
a ser usados para aumentar as capacidades tidas como normais.
Terapia vs. Incrementação

 Considera-se habitualmente que uma  Se uma técnica for usada para elevar uma
técnica é usada como forma de terapia se aptidão acima dos padrões normais, sem que
serve para recuperar uma aptidão que foi ela tenha sido perdida ou lesada, classifica-se
perdida ou minorada. frequentemente como um incremento.
Incrementação humana: o debate filosófico

 O problema filosófico em torno da  A questão ética da incrementação humana diz


incrementação humana não corresponde respeito à possibilidade de usar a tecnologia
à questão genérica de saber se devemos existente e a desenvolver para elevar as
ou não incrementar o ser humano. capacidades humanas acima dos seus níveis atuais
de desempenho.
As técnicas mais polémicas

 A questão ética da incrementação humana coloca-se sobretudo quando pensamos nas


seguintes técnicas:

 A manipulação genética.

 A utilização de algumas substâncias bioquímicas.

 O uso de equipamentos biomédicos e robóticos associados ao corpo humano.


Três posições filosóficas em debate

 Embora existam muitas formas de responder à questão sobre a moralidade da incrementação


humana, podemos identificar três conjuntos de perspetivas que traduzem posições filosóficas em
debate:

 As respostas dos bioconservadores;

 As respostas dos transumanistas;

 As respostas moderadas.
Posição bioconservadora

A posição bioconservadora opõe-se ao uso da tecnologia para mudar a natureza humana tal como a
encontramos, defendendo que:

 A utilização da tecnologia para mudar a natureza humana tal como a conhecemos não trará
benefícios nem individuais nem sociais, ainda que permita aumentar algumas das capacidades que
temos. Ou seja, “incrementação” não é sinónimo de “melhoramento”.

 Temos amplas razões para condenar a utilização das técnicas de incrementação disponíveis e para
travar o desenvolvimento de novas aplicações tecnológicas.

 Uma vez que o uso da tecnologia pode prejudicar a natureza humana e a vida dos indivíduos,
desumanizando-a, devem ser tomadas medidas  contra:
a) o desenvolvimento tecnológico para fins de incrementação;

b) a utilização individual das técnicas de incrementação;


c) opções por parte dos pais que visem a incrementação dos filhos.
Posição transumanista

O transumanismo é um movimento filosófico favorável à incrementação, que partilha as seguintes


teses:
 A natureza humana tal como a encontramos actualmente pode ser melhorada através da
tecnologia existente (da engenharia genética e da tecnologia de informação, por exemplo) e a
desenvolver no futuro (da nanotecnologia e da inteligência artificial, entre outras).
 Temos amplas razões para considerar que estes melhoramentos são  obrigatórios (e não apenas
permissíveis). 
 As tecnologias de incrementação devem ser largamente disponibilizadas para que os indivíduos
possam decidir quais pretendem aplicar a si próprios e aos seus filhos.

 A atitude mais inteligente perante os perigos que o uso da tecnologia acarreta é a de aliar:
a) um otimismo em relação ao progresso;
b) medidas concretas, como o alargamento da informação e da educação, uma defesa inequívoca
dos direitos humanos e da livre escolha e uma acção firme contra o uso de armas químicas e
outras ameaças sociais e ambientais.
Posição moderada

As respostas moderadas evitam tanto o entusiasmo dos transumanistas pela tecnologia como a
repulsa que encontramos entre os bioconservadores perante a incrementação.

Teses comuns:

 Algumas tecnologias existentes e futuras (mas nem todas) poderão, de facto, ser usadas para
melhorar a natureza humana. Ou seja, em alguns casos um aumento das nossas capacidades
corresponderá a uma melhoria efectiva nas nossas vidas.
 Não pode adoptar-se uma política que proíba ou
promova indiscriminadamente as técnicas de
incrementação.
 A avaliação das técnicas de incrementação deve
ser feita caso a caso, através dos métodos de decisão
moral habituais.
Uma defesa da posição bioconservadora

 Uma defesa emblemática da posição conservadora foi apresentada por Francis


Fukuyama, que defendeu que a incrementação é um mal por destruir a dignidade humana.

 Segundo Fukuyama os seres humanos têm dignidade por terem um Fator X, que os
diferencia e que lhes confere um estatuto moral superior.

 O Fator X corresponde à complexidade da natureza humana, que inclui um vasto leque de


emoções (algumas boas, outras más, algumas que controlamos outras que não controlamos),
a consciência, o pensamento moral, a razão, a linguagem, a perceção, as relações sociais, a
resiliência, etc.  
O Argumento da Perda da Dignidade

1) A destruição do Fator X é um efeito inevitável da utilização das técnicas mais polémicas de


incrementação (como a manipulação genética ou o consumo de substâncias bioquímicas).

2) Desta forma, compromete-se irremediavelmente a identidade do ser humano, que lhe confere o
estatuto moral que habitualmente lhe atribuímos.

3) Sem a marca da sua identidade, os seres humanos perdem o estatuto moral e com este a dignidade.

4) Logo, abrir as portas à incrementação trará inevitavelmente a perda da dignidade  que hoje é
reconhecida igualmente a todos os seres humanos, independentemente das suas diferenças
individuais.
Uma defesa do Transumanismo

Muitos transumanistas, como Nick Bostrom Juliam Savulescu e John Harris, defendem que a
incrementação humana é obrigatória e isto porque:

1) Quando alguém tem uma desvantagem física ou mental, isso é um mal para ela.

2) O mal da desvantagem advém de reduzir as oportunidades do indivíduo, de diminuir o seu bem-


estar, a sua qualidade e/ou esperança de vida.

3) Se for possível e seguro, temos a obrigação moral e social de reduzir a desvantagem através de
técnicas terapêuticas.

4) Não há diferença entre terapia e incrementação, uma vez que em ambos os casos se aumentam
as oportunidades, o bem-estar, a qualidade e/ou a esperança de vida dos indivíduos que são
beneficiados.

5) Logo, temos a obrigação moral e social de incrementar, sempre que isso for possível e seguro.
Argumentos Moderados

 Os moderados defendem que por vezes é legítimo recorrer a técnicas de incrementação,


sobretudo quando isso se traduz num ganho generalizado evidente, que não conseguiríamos
de outra forma. O exemplo mais consensual é o das vacinas.

 Defendem ainda que nem sempre é assim.


Outros meios para os mesmos fins

1) As técnicas de incrementação visam desenvolver capacidades, mas o incremento é apenas um


meio para atingir um fim. O que se pretende não é apenas mais inteligência ou mais memória.

2) Se queremos crianças mais felizes, mais adaptadas, física ou psicologicamente mais robustas ou
mais empreendedoras, podemos educá-las para saberem lidar com a adversidade, estimular os
talentos que tenham ou ainda valorizar estilos de vida menos competitivos, por exemplo.

3) Se o objetivo é o de formarmos ou sermos pessoas mais felizes, esses meios são inclusivamente
mais razoáveis.

4) Logo, as técnicas de incrementação não são sempre um bem.

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