Você está na página 1de 18

CURSO PROFISSIONAL DE TÉCNICO DE ANIMADOR SOCIOCULTURAL

DISCIPLINA: M Ó D U L O 9 - Textos Líricos PROFESSORA:


Português Fernando Pessoa Ortónimo e Heterónimos ELISABETE TAVARES

ÁLVARO DE CAMPOS: o filho indisciplinado da sensação

Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de


Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde …). Este, como sabe, é
engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa
em inactividade. (…)Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura,
mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se.
(…)Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu
português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado,
monóculo. (…) Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de
liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia,
primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao
Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era
padre.
Álvaro de Campos surge quando sinto um súbito impulso para escrever
e não sei o quê.
Fernando Pessoa, Correspondência 1923-35,

ALVARO DE CAMPOS E OS OUTROS HETERÓNIMOS:


O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, 1
inteiramente oposto, a Ricardo Reis», apesar de ser como este um discípulo
de Caeiro.
Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para
ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação
a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta
integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou
possibilidade de existir.
Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência
de sentir, mas não lhe basta a «sensação das coisas como
são»: procura a totalização das sensações e das
percepções conforme as sente, ou como ele próprio
afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.
Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é
configurado “biograficamente” por Pessoa como
vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu
perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a
civilização moderna e os valores do progresso.
carta astral de Álvaro de Campos
Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir
tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a
velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos
tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo, delirante e até
violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto
do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.

Poeta sensacionista e por vezes escandoloso (qualificativos da carta de Pessoa a Casais


Monteiro), Campos é o primeiro a retratar-se e a referir circunstâncias biográficas, o que
reforça a simulação e daria ao próprio Fernando Pessoa estímulos para se manter na
pele de heterónimo. Descreve-se «de monóculo e casaco exageradamente cintado»,
«franzino e civilizado», «pobre engenheiro preso/A sucessibilíssimas vistorias». Escreve,
febril, «à dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica», ou, no seu cubículo,
ouvindo o «tic-tac estalado das máquinas de escrever».
Dos vários heterónimos é aquele que mais sensivelmente percorre uma
curva evolutiva.
J. P. Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa
(Editorial Verbo)

As três fases poéticas de Álvaro de Campos

1.ª fase: 2.ª fase: futurista e 3.ª fase: intimista


decadentista sensacionista • incapacidade de realização
• sentimentos de • poesia repleta de vitalidade; – abatimento;
tédio, enfado, • predilecção pela ar livre e • poeta vive rodeado de2 sono
náusea, cansaço, pelo belo feroz; e cansaço, revelando revolta,
abatimento e • o elogio da civilização desilusão, inadaptação
necessidade de industrial, moderna, da • desânimo e frustração;
novas sensações; velocidade e das máquinas, • sente um vazio após uma
• reflexo de uma da energia e da força, do caminhada heróica;
falta de sentido progresso; • decaído, cosmopolita,
para a vida • um poeta virado para o melancólico, devaneador,
recorrendo à fuga exterior, que capta tudo incompreendido;
e à monotonia através dos sentidos mas • dor de pensar e saudades
(feita normalmente que rejeita o pensamento; da infância (Pessoa
através de • irregularidade estrófica e ortónimo);
estupefacientes – métrica; • recusa a estética, a moral, a
• adoptou o verso livre; metafísica, as ciências, as
• adoptou um estilo artes, a civilização moderna;
esfuziante, torrencial, • apela ao direito à solidão;
anafórico, exclamativo, • infância como símbolo da
interjectivo, monótono pela felicidade perdida.
simplicidade dos processos
1ª FASE DE utilizando apóstrofes, ÁLVARO DE CAMPOS –
enumerações, metáforas,
DECADENTISMO
comparações, anáforas a fim
(“Opiário”) de realçar o sensacionismo;
• desfilar irónico dos
escândalos da época: a
desumanização, a hipocrisia,
a corrupção, a miséria, os
falhanços da técnica, a
prostituição de menores
- exprime o tédio, o enfado, o cansaço, a naúsea, o abatimento e a
necessidade de novas sensações
- traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à
monotonia
- marcado pelo romantismo e simbolismo (rebuscamento, preciosismo,
símbolos e imagens)

- abulia, tédio de viver “E afinal o que quero é fé, é calma/


E não ter estas sensações
- procura de sensações novas confusas.”

- busca de evasão “E eu vou buscar o ópio que


consola.”

Lê atentamente o poema Opiário e comprova a presença destas


características:

OPIÁRIO
É antes do ópio que a minh'alma é doente. (…)
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola Eu acho que não vale a pena ter
Um Oriente ao oriente do Oriente. Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
Esta vida de bordo há-de matar-me. E há só uma maneira de viver. 3
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça, Por isso eu tomo ópio. É um remédio
já não encontro a mola pra adaptar-me. Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
(…) E ver passar a Vida faz-me tédio.
Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte. Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte, Muito a leste não fosse o oeste já!
E caí no ópio como numa vala. Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?
Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes (…)
E numa noite cheia de brilhantes, Volto à Europa descontente, e em sortes
Ergue-se a lua como a minha Sina. De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.
Perdi os dias que já aproveitara
. Trabalhei para ter só o cansaço Gostava de ter crenças e dinheiro,
Que é hoje em mim uma espécie de braço Ser vária gente insípida que vi.
Que ao meu pescoço me sufoca e ampara. Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro.
E fui criança como toda a gente.
Nasci numa província portuguesa (…)
E tenho conhecido gente inglesa E afinal o que quero é fé, é calma,
Que diz que eu sei inglês perfeitamente. E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E basta de comédias na minh'alma!
Álvaro de Campos, Março de 1914, no Canal de Suez a bordo de um navio ( Orfeu, nº1, 1915)
PROPOSTA DE LEITURA:
No poema Opiário, Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)
escreve quadras, estrofes de quatro versos, de teor
autobiográfico, apresentando-se amargurado e
insatisfeito.
Este é o único poema da primeira fase de
Campos, a fase da morbidez e do torpor
(Decadentismo). Exprime o tédio, o enfado, o
cansaço, a naúsea, o abatimento e a necessidade
de novas sensações. Traduz a falta de um sentido
para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. É
marcado pelo romantismo e simbolismo
(rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens).

O poema imita-lhe desde a nostalgia de além,


a morbidez snob de um saturado de civilização, a
embriaguês do ópio e dos sonhos de um Oriente
que não o horror à vida, o realismo satírico de certas notações, até ao
vocabulário entre precioso e vulgar, às imagens, símbolos, estilo
confessional brusco, amimado e divagativo, ao ritmo dos decassílabos
agrupados em quadras. Os estupefacientes surgem aqui como um escape
à monotonia e um certo horror à vida, são um estimulante que, no entanto
nada resolvem. http://www.passeiweb.com 4
5

2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS

-FUTURISTA/SENSACIONISTA “Ser tudo de todas as maneiras”

Nesta fase, Álvaro de Campos:

Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica


e da civilização moderna. Sente-se, nos poemas, uma atracção quase erótica
pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos
“maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação
metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o
exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela
máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da
vida moderna.
A título de síntese, Álvaro de Campos…
 celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização
moderna
 apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da
máquina
 exalta o progresso técnico, a velocidade e a força
 procura da chave do ser e da inteligência do mundo torna-se
desesperante
 canta a civilização industrial
 recusa as verdades definitivas
 estilisticamente: introduz na linguagem poética a terminologia do
mundo mecânico citadino e cosmopolita
 procura a totalização das sensações: sente a complexidade e a
dinâmica da vida moderna e, por isso, procura sentir a violência e a
força de todas as sensações – “sentir tudo de todas as maneiras”
 cativo dos sentidos, procura dar largas às possibilidades sensoriais
ou tenta reprimir, por temor, a manifestação de um lado feminino
 exprime a energia ou a força que se manifesta na vida
 usa versos livres, vigorosos, submetidos à expressão da
sensibilidade, dos impulsos, das emoções (através de frases
exclamativas, de apóstrofes, onomatopeias e oxímoros) 6

Discípulo embora de Caeiro, desde logo, porém, se coloca num terreno


oposto ao dele. Enquanto Caeiro via tudo simples, nítido, positivo e sereno,
dispensando toda a espécie de doutrinas e filosofias para fundamentar a
sua felicidade e o seu optimismo, Álvaro de Campos desde logo se vê
obrigado a recorrer a uma teoria que justifique a sua ética do dinamismo e
da violência, da civilização e da força. Discípulo de Caeiro na aparência,
reproduz a lição de Marinnetti e de Walt Whitman.
J.G
Simões, in Prefácio à 1ª edição da Obra Poética de F. Pessoa,

Vamos agora analisar um excerto do poema “Ode Triunfal”. Com esta


ode, publicada no 1º número da revista Orpheu, nasceu Álvaro de
Campos futurista/sensacionista. A ode está escrita em 240 versos
livres e em estilo profundamente inovador.

O que te sugere o título desta composição poética?

Lê agora, atentamente, o excerto do poema Ode Triunfal e


identifica as marcas futuristas/sensacionistas atrás enunciadas:
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas
da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza
disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!


Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu
sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos
modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
http://
projecto-pessoa.blogspot.com
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, 7
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, E pedaços do
Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes
volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!


Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Álvaro de Campos, Poesias, Edições Ática, Lisboa, 1997. (excerto)

LINHAS DE LEITURA:
Tema;
Espaço/cenário;
Humanização das máquinas;
Exaltação de uma estética não aristotélica (apologia da força e
não do Belo)
Sacrifício Sado-masoquista do sujeito poético;
Erotização perversa e provocatória no desejo de fusão com as
máquinas;
Tentativa de unificação de todos os tempos
(passado/presente/futuro)
Marcas de futurismo;
Marcas do Sensacionismo;

Acerca da Ode Triunfal…

A ode pode ser dividida em três momentos:


1ªparte (vv1-4)- introdução marcada pela vontade de “cantar”, mas
confessadamente em situação de “não canto”, ataca-o uma espécie de
delírio, “tenho febre e escrevo”.
2ªparte (vv5-238) – desenvolvimento marcado pela busca de
identificação com tudo –máquinas, pessoas e tempos; abertura para 8o
exterior e anulação do “Eu” pelo excesso de sensações; cosmopolitismo
(cidades, luzes, modernidade, Europa); exaltação de todas as grandes
actividades da modernidade (comércio, indústria, agricultura, política,
imprensa, bordéis, gente reles) à mistura com uma vontade de fusão
com o moderno que vai até à perversão sexual (v72, 86-108 e 116-117)
e à expressão de desejos sado-masoquistas.
Este canto de triunfo vai em crescendo até ao final, mas com “quebras”:
referência a escândalos e à corrupção (coexistente com a Modernidade
exaltada) é, sobretudo, e, sobretudo, o discurso (enunciado entre
parêntesis) dos versos 182 a 190 com a evocação nostálgica da infância
e do mundo rural em desaparição. Estas quebras, à mistura com a
referência à febre do 1º verso, à exaltação do Passado (vv.17-22) e à
impotência manifestada na conclusão, afastam o poema dos preceitos
estritos do futurismo de Marinetti.
3ªparte (239) – Um verso de conclusão “ah não ser eu toda a
gente em toda a parte” que representa uma confissão do
fracasso e um retorno ao ponto inicial, à febre.
9

In: www.escola virtual.pt


Ode Triunfal
1. Orientações de Leitura do Poema
a) A estética não aristotélica (estética da força, em oposição à estética da
beleza) realiza-se em textos eufóricos, triunfalistas, sensacionistas, cantando
o espasmo da vertigem das sensações provindas das máquinas, das
realizações da técnica industrial e dos ruídos das multidões.
b) A. Campos pretende “sentir tudo de todas as maneiras”, por isso
transporta para este poema toda a gama de sensações, mesmo as que
provêm de grupos marginais. Todavia, a sua atitude transbordante não
esconde a manifestação de uma crise, que é, de certa maneira, a doença da
civilização moderna. Daí os aspectos negativos ironicamente focalizados.
c) É necessário distinguir neste texto aspectos de sensacionismo e de
futurismo.
d) É possível distinguir neste texto, apesar da sua extensão, uma
introdução, um desenvolvimento e uma conclusão.
e) O tempo merece também uma atenção especial, já que são anuladas as
fronteiras entre passado, presente e futuro. O presente é o instante, a
concentração de todos os tempos. 10
f) Espírito do Poeta face ao mundo da grande técnica moderna –
influência de Pessoa-ortónimo

Ideal de A. Campos neste poema = “sentir tudo de todas as maneiras”;


sentir tudo numa “histeria de sensações”; sentir tudo e identificar-se com
tudo, mesmo com as coisas mais aberrantes [“Ah!, poder exprimir-me
todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma
máquina!/(...) / Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo
isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, (...)/ A todos os
perfumes de óleos e calores e carvões(...), vv.26-31]
Todo o prazer do poeta está, pois, em revelar-se como um “monte confuso de
forças”, um “eu” universo donde jorra a volúpia sensual de ser tudo, uma
espécie de “prostituição febril às máquinas”. Este ideal é o oposto do
ideal da estética aristotélica, que punha toda a ênfase na ideia da
beleza, no conceito do agradável, no equilíbrio comandado pela
inteligência.
Na poesia de Campos, em vez da bela harmonia clássica saída da clara
inteligência, há a caótica força explosiva saída de um subconsciente em
convulsão. A sua poesia revela-se, assim, como um novo processo de
descompressão do subconsciente de Pessoa, sempre torturado pela
inteligência, pela “dor de pensar”.

Análise semântica
Excesso de sensações

Sensação visual: “À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas” (v.1)

Sensação auditiva: “De vos ouvir demasiadamente de perto” (v.11)

Sensação táctil: “Tenho os lábios secos” (v.10)

Sensação olfactiva: “A todos os perfumes de óleos e calores de carvão” (v.31)

Global:
- “Como eu vos amo de todas as maneiras,/Com os olhos e com os ouvidos e com
11
o olfacto/E com o tacto (o que apalpar-vos representa para mim!)/E com a
inteligência como uma antena que fazeis vibrar!/Ah!, como todos os meus
sentidos têm cio de vós!” (vv.87-91)

Paixão

“Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera./Amo-vos carnivoramente.” (vv.105-


106)
Violência
“À dolorosa luz das lâmpadas eléctricas da fábrica” (v.1)

Erotismo e Sadomasoquismo
- “Possuo-vos como a uma mulher bela” (v.116)

“Eu podia morrer triturado por um motor/Com o sentimento de deliciosa entrega


duma mulher possuída./Atirem-me para dentro das fornalhas!/Metam-me debaixo
dos comboios!/Espanquem-me a bordo de navios!/Masoquismo através de
maquinismos!/Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!” (vv. 134-140)

“Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.” (v.25)

“Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-


me completamente, tornar-me passento / A todos os perfumes de óleos e calores
e carvões / Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!” (vv.29-32)
Identificação/Fusão com os maquinismos
“Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!” (vv.26-27)

Uso da ironia, para exprimir a face negativa da civilização industrial.


— “escrocs exageradamente bem vestidos”: além da ironia, está aqui
presente a antítese entre
a compostura exterior (vestuário) dos escrocs e as suas intenções:
— “Chefes de família vagamente felizes”: o advérbio “vagamente”
projecta sobre a felicidade
dos chefes de família a sombra do cansaço (fartos de viver);
— “Banalidade interessante.../ Das burguesinhas.../ Que andam na
rua com um fim
qualquer”: de assinalar são a palavra “burguesinhas” e a expressão “com
um fim qualquer”, já que
mostram a existência de uma antítese entre o aspecto exterior das
burguesinhas (diminutivo irónico) e as suas obscuras intenções;
— “A maravilhosa beleza das corrupções políticas, / Deliciosos
escândalos financeiros e
diplomáticos”: a adjectivação antitética assume aqui a forma de oxímoro.

_ outras antíteses presentes no poema são:


— “tudo o que passa e nunca passa”: exprime a concentração do 12
passado no presente, ou a
continuidade dos acontecimentos do dia-a-dia.;
— “O ruído cruel e delicioso da civilização de hoje”: antítese que
reflecte os sentimentos
contraditórios do poeta em relação à civilização industrial.
_ presença de metáforas e imagens expressivas, tais como:
“Arde-me a cabeça de vos querer cantar”; “Grandes trópicos
humanos de ferro, fogo e força”
“Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável”
“Nos cafés, oásis de inutilidade ruidosas” “Quilhas de chapa de ferro
sorrindo
Através destas imagens e metáforas, o sujeito poético mostra a forma como
vibra com as coisas da civilização industrial (com a fúria do movimento das
máquinas. Além disso, dá também uma imagem muito negativa dos cafés,
com ruídos inúteis; apresentando, ainda, a imagem dos navios ancorados:
“quilhas de chapa de ferro sorrindo”.

Análise fónica e morfossintáctica


Frases exclamativas que sublinham a reacção emocional do sujeito poético

Interjeições que reforçam a importância conferida às emoções do sujeito


poético. (espanto, alegria, animação, etc.)
Ó!; Olá!; Eia!; Eh-lá!;
Enumerações remetem para uma expressão pautada pela emoção e não pela
razão.

Desvios sintácticos:
Acentuam a ideia de espontaneidade do discurso emotivo do sujeito poético.
“fera para a beleza de tudo isto”; “todos os nervos dissecados fora” (v.8)

“Ode Triunfal”: uma ruptura com a lírica tradicional portuguesa


Ruptura a nível formal: irregularidade estrófica, métrica e rítmica; uso
excessivo da coordenação; catadupa de figuras de estilo (onomatopeias
ousadas, apóstrofes e enumerações exageradas), discurso caótico...
Ruptura a nível do conteúdo: o uso de palavras completamente prosaicas
(comuns ou vulgares); o canto excessivo da civilização industrial; a ousadia
de tocar em alguns aspectos negativos da sociedade, etc.

PARA SABER MAIS sobre a FASE FUTURISTA (também conhecida por


mecanicista ou whitmaniana)

Esta fase da obra de campos é marcada pela inspiração de Walt Whitman e no


futurismo de Marinetti através do Sensacionismo. Está marcada pela
intelectualização das sensações ou pela desordem, pela integração da civilização
da máquina, pela pressa mecanicista e pela inquietude.

O SENSACIONISMO
13
“A Arte, na sua definição plena, é a expressão harmónica da nossa consciência
das sensações, ou seja, as nossas sensações devem ser expressas de tal modo
que “criam um objecto que seja sensação para os outros”.
“ O Sensacionismo prende-se à atitude energética, vibrante, cheia de
admiração pela Vida, pela Matéria e pela Força”. Fernando Pessoa

Considera-se criador do Sensacionismo, Alberto Caeiro, poeta das


sensações puras e verdadeiras.

“A única realidade da vida é a sensação. A única realidade da arte é a


consciência da sensação”.
“A sensação é tudo (…) e o pensamento é uma doença. “

Álvaro de Campos, seu discípulo, segue-lhe o passo…

“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir


Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente. (…)”

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, (…)
Quanto mais unificadamente diverso, dispersamente atento
Estiver, sentir, viver, for.
Mais possuirei a existência total do Universo,
Mais completo serei pelo Universo fora.”
…mas, tal como Walt Whitman, outro dos seus mestres, acrescenta-lhe
o sentir tudo em excesso, fora da “justa medida” que era defendida
pelos clássicos e pelo “mestre” Caeiro. Ele é “o filho indisciplinado da
sensação”. Nisto se mostra o precursor de todas as vanguardas do
século XX, introduzindo em Portugal o FUTURISMO…

Ah! Não poder exprimir-me todo como um motor se exprime…


Ser completo como uma máquina.”

O binómio de newton é tão belo como a


Vénus de milo.
O que há é pouca gente para dar por isso
Óóóó – óóóóóóóóóóóóóóóóóóóóó –
óóóóóóóóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora)
Álvaro de Campos

Álvaro de Campos defende um novo ideal de Beleza , uma estética


não aristotélica. A arte, a poesia já não deve provocar apenas um
14
prazer estético associado ao que é Belo, agradável… a arte deve
promover a VIOLÊNCIA, a FORÇA da nova civilização moderna.

Campos, nesta exaltação da velocidade e da força, mostra-se


impaciente, sente a força da realidade que lhe faz vibrar todo o corpo.
Sente “uma sinfonia de sensações”.
O sensacionismo de Campos começa com a premissa de que a única
realidade é a sensação. Mas a nova tecnologia na fábrica e nas ruas da
metrópole moderna provoca-lhe a vontade de ultrapassar os limites das
próprias sensações, numa vertigem insaciável.

Campos busca, na linguagem poética, exprimir a energia ou a força que


se manifesta na vida. Daí o surgimento de versos livres, submetidos à
expressão da sensibilidade, dos impulsos, das emoções. Ele tentar a
totalização de todas as possibilidades sensoriais e afectivas da
humanidade, em todo o espaço, tempo ou circunstâncias, num mesmo
processo psíquico individual.
Ver, ouvir, cheirar, gostar, palpar – são os únicos mandamentos da lei
de Deus. Para o sensacionista, a sensação é uma realidade da vida e
base de toda a arte: “sentir tudo de todas as maneiras”, “ser toda a
gente e toda a parte”.
Fernando Pessoa considera-o amoral, pois ama “as sensações fortes
mais do que as fracas, e as sensações fortes são, pelo menos, todas elas
egoístas e ocasionalmente as sensações de crueldade e luxúria”.

FUTURISMO
O Futurismo foi um dos movimentos de vanguarda do século XX. Iniciou-se em
Paris, sob a égide do escritor italiano Marinetti, com a publicação do seu «1º
Manifesto do Futurismo» datado de 1909. ~
Do ponto de vista geral defendem a destruição do passado, em favor de arte
arremessada para o futuro; a apologia da velocidade, do patriotismo nacionalista,
do automóvel (“Um automóvel de corrida é mais belo do que a Vitória de
Samotrácia”), da modernidade das fébricas, dos aviões, dos caminhos de ferro.

Em Portugal, o Futurismo constitui uma das facetas do chamado “Modernismo”.


Esta corrente em Portugal aparece como um escândalo. Graças à estadia de Sá
Carneiro em Paris, a partir de 1912, tornou-se conhecido dos seus amigos da
geração de Orpheu. Na realidade, é nas páginas da revista “Orpheu” que o
Futurismo toma forma com as Odes Triunfal e Ode Marítima de Álvaro de
Campos.

Álvaro de Campos é o poeta vanguardista que, numa linguagem


impetuosa, excessiva, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo
da máquina e da civilização moderna, da força mecânica e da 15
velocidade. Integrado no espírito do modernismo e das vanguardas
europeias, que rompem as tendências e concepções artísticas e de
cultura, na senda de uma nova visão estética, apresenta a beleza dos
“maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova
revelação metálica e dinâmica
de Deus”. A Ode Triunfal e a Ode Marítima são bem o exemplo desta
intensidade e totalização das sensações.

O Futurismo canta a civilização industrial e, estilisticamente, introduz


na linguagem poética a terminologia desse mundo mecânico citadino e
cosmopolita, contemporâneo das máquinas e da luz eléctrica.

O futurismo caracteriza-se pela exaltação da energia, da velocidade e


da força até situações extremas. Procura um corte e mesmo o
aniquilamento do passado para exaltar a necessidade de uma nova vida
futura, onde se tenha a sensação da exaltação do poder e do triunfo.

3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO (ver página 59-63)


do Manual
Perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento,
que provoca “Um supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo,
/Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um
incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado.
(“Esta velha angústia”; “Apontamento”; “Lisbon revisited”).

O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante


entre o amor do mundo e da humanidade; é uma espécie de frustração
total feita de incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento,
mundo exterior e mundo interior. Revela, como Pessoa, a mesma
inadaptação à existência e a mesma demissão da personalidade íntegra.,
o cepticismo, a dor de pensar e a nostalgia da infância.

- caracterizada pelo sono, cansaço, desilusão, revolta, inadaptação,


dispersão, angústia, desânimo e frustração
- face á incapacidade das realizações, sente-se abatido, vazio, um
marginal, um incompreendido
- frustração total: incapacidade de unificar em si
pensamento e sentimento; e mundo exterior e
interior

- dissolução do “eu”
16
- a dor de pensar
- conflito entre a realidade e o poeta
- cansaço, tédio, abulia
- angústia existencial
- solidão
- nostalgia da infância irremediavelmente
perdida (“Raiva de não ter trazido o passado
roubado na algibeira!”, Aniversário)

Aniversário
Ver questionário na página
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 61 do Manual
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das
minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim... 17
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com
mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo
do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
No poema Aniversário, Álvaro de Campos
contrapõe o tempo da infância ao tempo
presente. A época da infância é marcada pela
inocência, pois a criança não tem noção do
que se passa à sua volta: “Eu tinha a grande
saúde de não perceber coisa nenhuma”. A
passagem de criança para adulto é marcada
por uma perda, pois se percebe que a vida não
tem sentido. O poeta hoje “é terem vendido a
casa”, ou seja, é um vazio, que perdeu a
sensação de totalidade, de alegria, de
aconchego dada pela vida em família na
infância distante. Assim, a festa de
aniversário toma o aspecto simbólico de um
ritual familiar, dentro do qual a criança
Álvaro de Campos propõe mostrar todos os seus sentidos ao mundo e à vida, procurando
se torna o centro de um mundo que a
utilizar uma linguagem poética capaz de exprimir a sua intensa vontade sensacionista. Este
acolhe e protege carinhosamente. No
poeta das sensações, tumultuoso e impulsivo, acreditava que a arte era um indício da força ou
presente, não há mais aniversários nem
energia que se manifesta na vida. Pelo que os poemas que escreveu serem poemas fortes,
comemorações: resta ao poeta durar,
vigorosos, energeticamente construídos em versos livres, soltos como a flutuação emocional
porque o pensamento o impede de ter a
do poeta. Campos submete tudo à sua sensibilidade, fazendo converter tudo em sensações
inocência de outrora.
que forcem os outros, queiram eles ou não, a sentir o que ele sentiu, que os domine pela força
do inexplicável.

18

Você também pode gostar