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Fernando Pessoa

Heterónimos

Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Poesia de Álvaro de Campos
Tópicos de conteúdo do Programa

O imaginário épico Linguagem, estilo e


Reflexão existencial
estrutura
• Matéria épica: a • Formas poéticas e
• Sujeito, consciência e
exaltação do formas estróficas,
Moderno; tempo;
• nostalgia da infância. métrica e rima
• o arrebatamento do • Recursos
canto. expressivos: a
aliteração, a
anáfora, a
apóstrofe, a
enumeração, a
gradação, a
metáfora, a
hipérbole e a
personificação;
• a onomatopeia.

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O monóculo é um sinal de distinção aristocrática no final do século XIX,
mas vai-se banalizando ao longo do século XX. No tempo
de Orpheu parece manter ainda a conotação de elegância, ligado ao ícone
da ironia de Eça de Queirós, evocando ainda uma imagem de Cesário
Verde, de O Sentimento dum Ocidental: «E eu, de luneta de uma lente
só, / Eu acho sempre assunto a quadros revoltados». Este elemento de
humor e de vida citadina adequa-se bem ao figurino de Álvaro de Campos
– a quem o monóculo garante «ao mesmo tempo a aparência de dândi e
um olhar, que ele pretendia ter, sem profundidade», isto é, um olhar que
corre veloz sobre todas as coisas.
IDENTIDADE DE ÁLVARO DE CAMPOS
Carta ao amigo Adolfo Casais Monteiro (13 janeiro 1935)
..
 Na carta ao amigo, Pessoa revela que o heterónimo tomou forma em junho de 1914, após
a epifania de Caeiro, para se tornar um discípulo do sensacionismo do mestre.
 Nasceu em Tavira, em 15 de outubro de 1890, sendo, segundo Teresa Rita Lopes, o retrato
melhorado, física e moralmente, do seu criador: mais novo 2 anos, mais alto 2 cm, como
ele «entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português», cabelos lisos, risco ao
lado, monóculo e com tendência para se curvar.
 Depois de fazer o liceu em Lisboa, Campos foi para Glasgow, na Escócia, estudar
Engenharia, primeiro mecânica, depois naval; numas férias, em dezembro de 1913, fez a
viagem ao Oriente, da qual resultou o poema decadentista Opiário; aprendeu latim com
um tio.
 Viveu e trabalhou alguns anos em Inglaterra, voltava de vez em quando a Portugal e
regressou definitivamente a Lisboa, onde, nos últimos anos, vivia em inatividade.
IDENTIDADE E OBRA DE ÁLVARO DE CAMPOS
..
Estatuto especial entre os heterónimos: o que tem perfil biográfico
mais completo; criado como atual, modernista e vanguardista, é o
mais publicado e o autor da Ode Triunfal e da Ode Marítima, duas
obras maiores do Modernismo, publicadas na revista Orpheu; o que
saiu da ficção para interagir com o criador na vida real; escreveu em
prosa, na revista Athena, para discordar da opinião de Pessoa;
aquele cuja obra evolui em três fases, tendo sentido isoladamente;
o que assinou mais poemas na fase final da vida do criador.
AS INTROMISSÕES DO HETERÓNIMO NO NAMORO DE FERNANDO E OFÉLIA (1.ª e 2.ª fase)
Álvaro de Campos
Fernando Pessoa [Carta a Ophélia Queiroz - 25 Set. 1929]
Exma. Senhora D. Ophélia Queiroz:
[Carta a Ophélia Queiroz - 11 Jun. 1920]
Um abjecto e miserável indivíduo chamado Fernando Pessoa,
Meu Bebezinho querido: meu particular e querido amigo, encarregou-me de comunicar a V.
Então o meu Bebé não ficou ontem descontente com o Ibis? Ex.ª — considerando que o estado mental dele o impede de
Então ontem achou o Ibis meigo e digno de jinhos? Ainda bem, comunicar qualquer coisa, mesmo a uma ervilha seca (exemplo
porque o Ibis não gosta que a Nininha fique zangada, ou triste da obediência e da disciplina) — que V. Ex. ª está proibida de:
com ele, porque o Ibis, e mesmo o Álvaro de Campos, gosta (1) pesar menos gramas,
muito, muito do seu Bebezinho. (2) comer pouco,
Olha, Nininha: hoje estou muito aborrecido; não é bem o que se (3) não dormir nada,
(4) ter febre,
chama mal disposto, mas apenas o que se chama aborrecido . (5) pensar no indivíduo em questão.
Hoje sentir-me-ia muito melhor se pudesse contar com ir logo a Pela minha parte, e como íntimo e sincero amigo que sou do
ver a Nininha, e vir para baixo de Belém com ela, e sem o meliante de cuja comunicação (com sacrifício) me encarrego,
Álvaro de Campos; que ela, naturalmente, não gostaria que aconselho V. Ex.ª a pegar na imagem mental, que acaso tenha
esse distinto engenheiro aparecesse. (…) formado do indivíduo cuja citação está estragando este papel
razoavelmente branco, e deitar essa imagem mental na pia, por
ser materialmente impossível dar esse justo Destino à entidade
fingidamente humana a quem ele competiria, se houvesse justiça
no mundo.
Cumprimenta V. Ex. ª
Álvaro de Campos
eng. Naval
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25/9/1929
OBRA DE ÁLVARO DE CAMPOS
..
 Segundo Teresa Rita Lopes, Campos viveu catarticamente os males (a abulia, a insónia, a
náusea, o enigma do ser e a hiperconsciência) e os medos do seu criador (da morte e da
loucura).

 Nas revistas Orpheu (n.º 1 e n.º 2, em 1915) foram publicadas, respetivamente, a Ode
Triunfal e a Ode Marítima; na revista Portugal Futurista, em 1917, foi publicado o poema
Ultimatum e outros poemas foram publicados nas revistas Athena, Contemporânea e
presença.

 A obra completa do heterónimo (total aproximado de 330 poemas) só foi publicada


postumamente.
FASES NA OBRA POÉTICA DE CAMPOS

DECADENTISTA VANGUARDISTA INTIMISTA


FUTURISTA
SENSACIONISTA
Visão pessimista do mundo, Alter ego de Pessoa. Temas/estados
Cosmopolita, aberto à Europa, de espírito: solidão, nostalgia da
através de recursos influenciado por Walt Whitman e infância, consciência e tempo e
simbolistas, expressando pelo Futurismo: culto da força (e não desencontro com os outros;
tédio e grande necessidade da beleza), da vida moderna, da autoironia, angústia, desalento,
velocidade, da ciência e da máquina, náusea de viver, fuga para o sonho,
de fuga da monotonia. sem rejeitar o passado e a tédio e sentido do absurdo;
subjetividade; ritmo dinâmico, desdobramento em «eu» sujeito e
irregularidade formal e «eu» objeto.
onomatopeias.

Ode triunfal (240 v.) Aniversário


Ode marítima (902 v.) Tabacaria (167 versos)

Opiário
Datilografia
Saudação a Walt Whitman
Lisbon revisited (1923)
Ultimatum Lisbon revisited (1926)
Acaso
(até anos 20)
Poema em linha reta
Fases de Campos
(segundo Teresa Rita Lopes)

POETA
DECADENTE • 1913-
antes do encontro
com Caeiro
1914

ENGENHEIRO
SENSACIONISTA
• 1914-
das grandes odes 1923

ENGENHEIRO
METAFÍSICO • 1923-
já às voltas com a
insónia de ser
1930

ENGENHEIRO
APOSENTADO • 1930-
o Campos a
envelhecer, 1935
desencantado
PRODUÇÃO POÉTICA
(poemas datados, a partir de 1923)
1923 e 1926
1930 1933
«Lisbon
21 poemas 5 poemas
Revisited»

1928 1931 1934


11 poemas 9 poemas 12 poemas

1929 1932 1935


17 poemas 6 poemas 7 poemas

Em muitos poemas, a JANELA e o parapeito é o cais das viagens interiores do heterónimo, de onde se debruça sobre a rua, o mundo e o seu passado.
A partir de 1923, Campos deixará de se rever nessa imagem de si, «de monóculo e casaco
exageradamente cintado» das primeiras grandes odes, e dirá de si, no poema:
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara O «vadio e pedinte» com quem o
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; (…) poeta se cruza, na Baixa, desencadeia
em si uma reflexão metafísica sobre o
Sim, eu sou também vadio e pedinte, seu desajustamento à vida social e aos
E sou-o também por minha culpa. outros, vistos como inconscientes, de
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte: quem vive distanciado.
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida, Assume-se o «vadio» por «ser isolado
Às normas reais ou sentimentais da vida — (…) na alma», viver à margem das
conveniências sociais, e ser lúcido;
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, ciente da finitude da vida, assume-se o
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: «pedinte», o que vive de esmolas de
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, tempo de vida.
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte. (…)
Depois de olhar o «pedinte» da Baixa, é como
Coitado do Álvaro de Campos! se o poeta se sentisse olhado por ele,
desdobrando-se então em dois: o «eu» sujeito
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! que se vê ser e assiste à mágoa de viver do
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! (…) «eu» objeto, aquele que é visto a existir e lhe
suscita compaixão. 11

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