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ÁLVARO DE CAMPOS

Heterónimo de Fernando Pessoa

Álvaro de Campos é, dos heterónimos de Fernando Pessoa, o mais moderno. Trata-se


biograficamente de um engenheiro naval (por Glasgow), cuja pertinência na obra literária de
Pessoa tem a ver, segundo o próprio afirma em carta a Casais Monteiro, com os momentos em
que sente “um súbito impulso para escrever”. É como que uma febre que contagia Pessoa e o
faz assumir-se como Álvaro de Campos. Em Páginas íntimas e de Autointerpretação, considera-
o de resto amoral, pois ama “as sensações fortes mais do que as fracas, e as sensações fortes
são, pelo menos, todas elas egoístas e ocasionalmente as sensações de crueldade e luxúria”.
Poeta futurista, bem ao jeito de Whitman ou Marinetti, Campos deseja sentir como
ninguém, porque sentir é tudo e o seu desejo é “sentir tudo de todas as maneiras”.  O
sensacionismo faz pois parte do seu conceito vivencial e do seu método artístico. O “eu” do
poeta tenta a todo o custo integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou
possibilidade de existir. Mas este desejo febril encerra um drama maior: a incapacidade de
amar pelo amor do “mundo da humanidade”. Campos é incapaz de unificar em si pensamento
e sentimento, mundo exterior e mundo interior.
O heterónimo revela - tal como Pessoa - a mesma inadaptação à existência e a mesma
demissão da personalidade íntegra. Mas simplifica, recorrendo à violência estética e à
fraqueza, esses dramas insolúveis e obscuros que atormentam o seu criador.
  Em suma, não podemos esquecer quando falamos de Álvaro de Campos do seu caráter
vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em
que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso.

A partir da carta a Adolfo Casais Monteiro

*nasceu em Tavira a 15 de Outubro de 1890 (às 13:30);

*”Teve uma educação vulgar de liceu”;

*foi para a Escócia estudar engenharia, primeiro, mecânica e depois naval (Glasgow);

*numas férias, fez uma viagem ao Oriente de onde resultou o “Opiário”;

*um tio beirão que era padre ensinou-lhe Latim;

*inactivo em Lisboa;

Fisicamente:

*usa monóculo;
*é alto (1.75 m);

*magro, cabelo liso apartado ao lado;

*cara rapada, tipo judeu português;

Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”.
O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, inteiramente
oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro.
Campos é o “filho indisciplinado da sensação” e para ele a sensação é tudo. O
sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta
integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.
Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a
«sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e das percepções
conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”.
Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é configurado “biograficamente” por
Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos
poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso.
Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as
maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de
partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo,
delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do
quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.

TRAÇOS DA SUA POÉTICA

-   poeta modernista


-   poeta sensacionista (odes)
-   cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)
-   cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”)
-   cultor das sensações sem limite
-   poeta do verso torrencial e livre
-   poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral
-   poeta da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos
(“Tabacaria”)
-   observador do quotidiano da cidade através do seu desencanto
-   poeta da angústia existencial e da autoironia
1ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – DECADENTISMO (“Opiário”, somente)
- exprime o tédio, o enfado, o cansaço, a náusea, o abatimento e a necessidade de novas
sensações;
- traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia;
- marcado pelo romantismo e simbolismo (rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens);
-   abulia, tédio de viver; “E afinal o que quero é fé, é calma/ E não ter
-   procura de sensações novas; estas sensações confusas.”
-   busca de evasão. “E eu vou buscar o ópio que consola.”

2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS

-FUTURISTA/SENSACIONISTA

Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da


civilização moderna. Sente-se nos poemas uma atração quase erótica pelas máquinas, símbolo
da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da
máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa
“nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem
o exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela máquina, há a
náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna.

- celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna;


- apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina;
- exalta o progresso técnico, a velocidade e a força;
- procura da chave do ser e da inteligência do mundo torna-se desesperante;
- canta a civilização industrial;
- recusa as verdades definitivas;
- estilisticamente: introduz na linguagem poética a terminologia do mundo mecânico citadino e
cosmopolita;
- intelectualização das sensações;
- a sensação é tudo;
- procura a totalização das sensações: sente a complexidade e a dinâmica da vida moderna e,
por isso, procura sentir a violência e a força de todas as sensações – “sentir tudo de todas as
maneiras”;
- cativo dos sentidos, procura dar largas às possibilidades sensoriais ou tenta reprimir, por
temor, a manifestação de um lado feminino;
- tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir;
- exprime a energia ou a força que se manifesta na vida;
- versos livres, vigorosos, submetidos à expressão da sensibilidade, dos impulsos, das emoções
(através de frases exclamativas, de apóstrofes, onomatopeias e oxímoros).

        Futurismo
-   elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode
Triunfal);
-   rutura com o subjetivismo da lírica tradicional;
- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida.

     Sensacionismo
-   vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de
Caeiro);
-   sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal);
-   cantor lúcido do mundo moderno.

3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO, ABATIMENTO, CANSAÇO


Perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento, que provoca “Um
supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo, /Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio,
um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado. (“Esta
velha angústia”; “Apontamento”; “Lisbon revisited”).
O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante entre o amor do mundo e
da humanidade; é uma espécie de frustração total feita de incapacidade de unificar em si
pensamento e sentimento, mundo exterior e mundo interior. Revela, como Pessoa, a mesma
inadaptação à existência e a mesma demissão da personalidade íntegra, o ceticismo, a dor de
pensar e a nostalgia da infância.

- caracterizada pelo sono, cansaço, desilusão, revolta, inadaptação, dispersão, angústia,


desânimo e frustração;
- face à incapacidade das realizações, sente-se abatido, vazio, um marginal, um
incompreendido;
- frustração total: incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento; e mundo exterior
e interior;
-   dissolução do “eu”;
-   a dor de pensar;
-   conflito entre a realidade e o poeta;
-   cansaço, tédio, abulia;
-   angústia existencial;
-   solidão;
-   nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passado
roubado na algibeira!”, Aniversário).

TRAÇOS ESTILÍSTICOS
-   verso livre, em geral, muito longo;
-   assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas);
-   grafismos expressivos;
-   mistura de níveis de língua;
-   enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva;
-   desvios sintáticos;
-   estrangeirismos, neologismos;
-   subordinação de fonemas;
-   construções nominais, infinitivas e gerundivas;
-   metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles;
- estética não aristotélica na fase futurista.

Linhas Temáticas Expressividade da linguagem


     O canto do Ópio; Nível fónico
     O desejo dum Além; a)        Poemas muito extensos e poemas curtos;
     O canto da civilização moderna; b)        Versos brancos e versos rimados;
     O desejo de sentir em excesso; c)         Assonâncias, onomatopeias exageradas,
     A espiritualização da matéria e a aliterações ousadas;
materialização do espírito;     O delírio d)        Ritmo crescente/decrescente ou lento nos
poemas pessimistas
sensorial;
Nível morfossintático
     O sadomasoquismo;
a)        Na fase futurista, excesso de expressão:
 O pessimismo;
enumerações exageradas, exclamações,
 A inadaptação à realidade; interjeições variadas, versos formados apenas
 A angústia, o tédio, o cansaço; com verbos, mistura de níveis de língua,
 A nostalgia da infância; estrangeirismos, neologismos, desvios
 A dor de pensar. sintácticos;
b)        Na fase intimista, modera o nível de
expressão, mas não abandona a tendência para
o exagero.
Nível semântico
a)        Apóstrofes, anáforas, personificações,
hipérboles, oximoros, metáforas ousadas,
polissíndetos.
Álvaro de Campos

Carta astral de Álvaro De Campos

Álvaro de Campos nasceu em 1890 em Tavira e é engenheiro de profissão. Estudou


engenharia na Escócia, formou-se em Glasgow, em engenharia naval. Visitou o Oriente e
durante essa visita, a bordo, no Canal do Suez, escreve o poema Opiário, dedicado a Mário de
Sá-Carneiro. Desiludido dessa visita, regressa a Portugal onde o espera o encontro com o
mestre Caeiro, e o início de um intenso percurso pelos trilhos do sensacionismo e do
futurismo ou do interseccionismo. Espera-o ainda um cansaço e um sonambulismo poético
como ele prevê no poema Opiário: «Volto à Europa descontente, e em sortes / De vir a ser
um poeta sonambólico».

Conheceu Alberto Caeiro, numa visita ao Ribatejo e tornou-se seu discípulo: «O que o mestre
Caeiro me ensinou foi a ter clareza; equilíbrio, organismo no delírio e no desvairamento, e
também me ensinou a não procurar ter filosofia nenhuma, mas com alma.» (Páginas Íntimas
e Auto Interpretação, p. 405).

Distancia-se, no entanto, muito do mestre ao aproximar-se de movimentos modernistas como


o futurismo e o sensacionismo. Distancia-se do objectivismo do mestre e percepciona as
sensações distanciando-se do objecto e centrando-se no sujeito, caindo, pois, no subjectivismo
que acabará por enveredar pela consciência do absurdo, pela experiência do tédio, da
desilusão («Grandes são os desertos, e tudo é deserto / Grande é a vida, e não vale a pena
haver vida») e da fadiga («O que há em mim é sobretudo cansaço - / Não disto nem daquilo, /
Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço»).

Álvaro de Campos experimentara a civilização e admira a energia e a força, transportando-as


para o domínio da sua criação poética, nomeadamente nos textos Ultimatum e Ode Triunfal.
Álvaro de Campos é o poeta modernista, que escreve as sensações da energia e do movimento
bem como, as sensações de «sentir tudo de todas as maneiras». É o poeta que mais expressa
os postulados do Sensacionismo, elevando ao excesso aquela ânsia de sentir, de percepcionar
toda a complexidade das sensações.

A sua primeira composição data de 1914 e ainda em 12 de outubro de 1935 assinava poesias,
ou seja, pouco antes da morte de Fernando Pessoa o qual cessara de assinar textos antes de
Álvaro de Campos.

Fonte: Site da Universidade Fernando Pessoa, Portugal.


©2004/11/18 by Sebastián Santisi, all rights reserved.

Álvaro de Campos: angústia existencial

 Exemplo de um texto expositivo-argumentativo, relativamente à temática


apresentada.
 
A angústia existencial em Campos é um aspecto significativo porque está
relacionada com o cansaço e angústia que caracterizam a terceira fase.
Essa angústia é provocada pela dor de ser lúcido e possuído de loucura, mas
consciente dessa loucura, o que intensifica o seu sofrimento: “lúcido e louco”,
“alheio a tudo e igual a todos”, “dormindo desperto com sonhos que são loucura /
Porque não são sonhos …” (“Esta velha angústia”).
Outro fator que contribui para essa angústia é o facto de ele se considerar um
inútil, um “vaso vazio inútil” que se partiu em mil pedaços: “Sou um espalhamento
de cacos sobre um capacho por sacudir”.
A angústia provocou em Campos um cansaço existencial devido às suas
ambições não concretizadas na medida desejada: impossibilidade de anulação de
todos os limites, sensações inúteis, paixões violentas por coisa nenhuma, amores
intensos por o suposto em alguém; isto é, o viver excessivo, o viver cada momento
no limite, o ter querido o finito e o possível, mas ter-se desiludido (“O que há em
mim é sobretudo cansaço”).
Concluindo, Campos sente um cansaço de tudo, não especialmente,
concretamente de coisa alguma: cansaço da vida e de si que lhe provoca uma grande
angústia.

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