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PORTUGUÊS 12º Ano

Ficha de apoio: Mensagem de Fernando Pessoa

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”

1. Uma breve contextualização histórica

Os séculos subsequentes à edição de Os Lusíadas foram extremamente penalizadores para o nosso


país. Portugal foi, gradualmente, perdendo o seu Império e, por consequência, as suas riquezas e poder
económico e polí co. No século XIX, o nosso atraso em relação à Europa imperialista era cada vez maior.
No plano interno, a hipocrisia de uma sociedade movida pela ociosidade e a ganância foi superiormente
retratada em Os Maias, de Eça de Queirós. O governo monárquico caiu em descrédito e o orgulho
nacional estava a sangrar de humilhação. A Geração de 70 dava-se por vencida. Os feitos gloriosos de 300
anos antes pareciam bem longe da realidade portuguesa do início do século XX.
Ora, é neste contexto sócio-histórico de crise de iden dade que Fernando Pessoa escreve a
Mensagem. Embora a sua grandeza como obra a torne intemporal, a circunstância cronológica em que foi
escrita vai aumentar a importância do seu conteúdo. Com efeito, o elogio tecido por Pessoa à ambição
dos portugueses em par r à conquista de novos mundos cons tuirá como que uma regeneração do
orgulho português. Daí a ênfase dada pelo poeta na recriação do mito, na virtude de ser português.
Pessoa eleva a insa sfação de alma como a maior virtude dos conquistadores portugueses e assume que
tem como pretensão mi ficar esse espírito português: «Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério
mais alto que pode obrar alguém da Humanidade».

2. Contextualização literária. Leitura esotérica e a visão providencialista da história

Mensagem, escrita entre 1913 e 1934, foi o único livro de poesia publicado em vida do autor.
Reúne um conjunto de 44 poemas escritos num momento de crise e de falta de iden dade nacional. O
poeta interpreta simbólica e liricamente a História de Portugal, mas também reflete os seus estudos
esotéricos, nomeadamente a Numerologia, a Ordem dos Templários, a Cabala, a fraternidade Rosa Cruz e
ainda as lendas Arturianas (Excalibur, do rei Artur e a Demanda do Santo Graal). O poeta valoriza a leitura
esotérica e mí ca em detrimento dos aspetos factuais e narra vos e assume-se como uma espécie de
mediador entre Deus e os homens, uma espécie de profeta dos mistérios divinos de Portugal.
O assunto de Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Não são os factos
históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam; são sim as suas a tudes e o que
eles representam. Daí que se interpretem as figuras dos reis como heróis que se enquadram no plano que
Deus quis para Portugal, de acordo com uma visão providencialista da História humana, isto é a ação e o
des no dos povos obedece à vontade divina (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce/ Deus quis que a
terra fosse toda uma,” (“O Infante”).

3. A natureza épica-lírica da obra


Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como epopeia, parte de um núcleo histórico
(heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subje va,
introspe va, de contemplação interior, caracterís ca própria do lirismo.
Assim, de acordo com o género épico, os poemas celebram as ações heroicas, figuras de
lendárias ou históricas de carácter superior e excecional e os momentos maiores do passado
pátrio, tal como sucede quando o Homem do leme vence o Mostrengo ou quando se fala dos

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sacri cios dos portugueses e das famílias para conquistar o mar “Ó mar salgado, quanto do teu
sal/ São lágrimas de Portugal”(“Mar Português”). A par desta faceta épica, emerge na obra uma
dimensão lírica e, como é caracterís co deste modo, encontramos um sujeito poé co que dá
conta do seu mundo interior, dos seus sen mentos, das suas reflexões sobre Portugal e o seu
des no. Há poemas que denunciam esta natureza lírica: o discurso é assumido por uma figura
histórica que sinte za a sua vida ou comenta o seu des no, como em “D. Sebas ão, Rei de
Portugal” ou ainda a manifestação dos sen mentos do poeta (“Screvo meu livro à beira mágoa”).

4. Estrutura da obra (cf. Pág. 125 e 126).

A obra, composta por 44 poemas, apresenta uma estrutura tripar da: etapas
do Império Português (teoria cíclica) com o NASCIMENTO (fundação da nação a
REALIZAÇÃO (vida, glória) e a MORTE à qual se seguirá a RESSUREIÇÃO, isto é, um
novo ciclo (como a Fénix renascida das suas próprias cinzas).

1ª parte: “BRASÃO” – O Nascimento da Nação e os construtores do Império

Nesta primeira parte, o Poeta faz uma interpretação poé ca e simbólica dos elementos que
cons tuem o Brasão de Portugal. Cada um dos elementos é encarnado por personagens históricas.
Em 19 poemas, desfilam os fundadores e construtores de Portugal e do Império marí mo e os
már res da Pátria. Os heróis lendários (Ulisses e Viriato) e as principais figuras históricas desde D.
Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebas ão são conver dos em símbolos.

2º parte: “MAR PORTUGUÊS” – o domínio dos mares pelos Portugueses enquanto realização do
Sonho
Há a referência aos protagonistas e aos eventos mais importantes dos Descobrimentos. A
epopeia marí ma é vista como um percurso realizado por aqueles que ousam libertar-se da sua
condição animal através da loucura do sonho, como o Infante D. Henrique. Os 12 poemas são
marcados pela ânsia do desconhecido e pelo esforço e sofrimento heroico da luta contra o mar. O
Poeta realça a universalidade dos Descobrimentos; a conjugação do divino e do humano e a
missão divina de Portugal como a pátria eleita por Deus, isto é, como já foi referido, há nesta
obra, uma visão providencialista da História (crença filosófica que defende que o des no dos povos
advém da vontade de Deus). Esta parte termina com “Prece”, na qual o Poeta considera que a
epopeia resultou num fracasso de que apenas resta o silêncio “hos l” e a saudade. Todavia, Pessoa
não perde a esperança de ver a epopeia renovada num sen do alegórico, como escreveu na
revista A Águia “E a nossa grande raça par rá em busca de uma nova Índia, que não existe no
espaço, em naus construídas daquilo de que os sonhos são feitos”.

3ª parte: “O ENCOBERTO” – A decadência da Nação e a possibilidade de ressurreição


Os 13 poemas estão distribuídos nas subpartes “Símbolos” (símbolos associados ao Quinto
Império), “Avisos” (os três portugueses que profe zaram a vinda do Encoberto) e “Tempos”
(momentos que antecedem a chegada do Encoberto/messias). Nesta terceira parte da obra,
evidencia-se a constatação de um tempo e de um espaço perdidos e envoltos nas brumas da
memória e o sofrimento do “eu” poé co por ver o seu povo adormecido que perdeu a sua
iden dade e os seus referentes. É neste momento que o poeta faz a afirmação do sebas anismo, o
apelo ao sonho e a ânsia messiânica da construção do Quinto Império. Pessoa acredita na
possibilidade de uma regeneração nacional pelos mitos e pelos símbolos.

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A esperança e impaciência do poeta na vinda do Messias para a construção do Quinto Império, são
notórias (“Quando é o Rei? Quando é a Hora?” – “Screvo meu libro à beira-mágoa”). Apela à
mudança de a tude dos portugueses do séc. XX e a passagem do caos à fase do renascimento.

5. Dimensão simbólica do herói


Em Mensagem o conceito de herói aparece como agente de uma vontade transcendente,
como predes nado e consagrado por Deus. Os heróis “são símbolo de a tudes”; “desvendadores
e dominadores de mundos”; “figuras incorpóreas que ilustram o ideal de ser português”;
involuntários – “o braço do herói é movido pela vontade divina”. Estas figuras são símbolos e as
suas ações, muitas vezes inconscientes, acontecem de acordo com a vontade divina. A “loucura”
(no sen do posi vo) e a febre do “Longe” e do ir mais “Além” têm um preço, que está acima da
sua condição humana, é o sofrimento ou a morte, sendo o paradigma deste po de herói D.
Sebas ão. Mas, aqueles que conseguem ultrapassar o medo e a dor são elevados à condição de
imortais. Foi o que aconteceu com D. Sebas ão, que se encontra nas “Ilhas Afortunadas” e
regressará como “o Encoberto”, uma figura já não humana mas mí ca, que conduzirá Portugal à
glória do Quinto Império.
Assim, são-nos apresentados:
- o valor simbólico de heróis lendários (Ulisses) e históricos como D. Dinis, D. João I, etc.
- a dimensão espiritual e exemplar de figuras históricas como Nuno Álvares Pereira ou D.
Fernando;
- os heróis involuntários que agiram por intuição ou movidos pela vontade de Deus como o
Infante D. Henrique;
- os heróis conscientes das suas ações e do dever a cumprir como D. Sebas ão ou o Homem do
Leme que enfrenta o Mostrengo e representa as ordens de D. João e a vontade de um povo.

Em suma, HERÓI É AQUELE QUE:

⮚ interpreta a vontade divina;


⮚ cumpre o seu sonho de grandeza e faz a obra nascer “Deus quer, o homem sonha e a obra
nasce”;
⮚ querendo conquistar, está preparado a sofrer e a renunciar;
⮚ se transforma em mito e em exemplo a seguir.

Os heróis da obra são os construtores da nação e do império, os navegadores, as mães e


os profetas.

A IMPORTÂNCIA DO SONHO NA OBRA


Para Pessoa, é o sonho, a loucura, a utopia que dis nguem o homem do animal, o sonho tem
um poder mobilizador, é fonte de energia, faz o homem desejar ir mais além “Ser homem é ser
descontente”. Os descobrimentos portugueses foram a realização máxima do sonho.

6. A Exaltação patrió ca

Há uma clara expressão do nacionalismo, já que Portugal, além de ser o herói cole vo, é o
centro da obra. Os poemas refletem sobre a iden dade portuguesa, a história e o des no da nação
e centram-se em grandes figuras da História de Portugal associadas às épocas da fundação e aos
Descobrimentos. D. Afonso Henriques, D. João Primeiro e os seus filhos, Vasco da Gama, entre
outros, foram os heróis que construíram gloriosamente o império. Este passado é celebrado em

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termos épicos, e o povo português é enaltecido pelos feitos que realizou. Os exemplos do passado
glorioso surgem como impulso para despertar a nação do presente que se encontra adormecida e
estagnada que urge despertar.
Na verdade, o presente, época em que Mensagem é escrita, caracteriza-se pela crise polí ca,
social, económica e de valores (os tumultos da Primeira República e o estado Novo). Estes
problemas acabam por ser simbolicamente representados na obra: Portugal atravessa a “noite” e
as trevas, sendo que o “nevoeiro” alude ao estado de indeterminação e de desorientação de quem
espera a regeneração (o próprio Pessoa).
No final, o Poeta anuncia o futuro, onde Portugal, a nação escolhida por Deus, cumprirá o seu
Des no e fundará e dirigirá um império espiritual - o Quinto Império. A regeneração do país e a
fundação de um império universal só se consegue com a mobilização de todo um povo, crença
implícita na exortação final “Valete Fratres!” ( Força irmãos).

7. Os mitos e os símbolos
Nesta obra pessoana, é manifestada a ideia de que o mito (“nada que é tudo”), a lenda, a
inspiração divina, isto é, forças sobre-humanas e transcendentes são da maior importância para
a ngir o impossível e para ultrapassar os limites humanos. São estas forças que fecundam a
realidade, tornam a vida ser digna de ser vivida.
Por outro lado, Pessoa acredita que Deus talhou o des no dos povos e nos momentos
decisivos, o braço do herói é movido pela vontade divina. O desejo divino de unir por via marí ma
a Terra levou à escolha e sagração do Infante D. Henrique que, com a sua ação, cumpriu a obra
espiritualmente concebida. O Infante é representante de Deus, concre zador da sua obra.

Vejamos, agora, os dois principais mitos da obra:

7.1. O Sebas anismo


O Sebas anismo é um mito messiânico porque assenta na ideia de que um salvador
(“messias”) virá resgatar Portugal do estado de marasmo e decadência em que se encontra.
Este mito tem uma origem bem concreta: começa com o desaparecimento de D. Sebas ão, em
Alcácer Quibir, em 1578 (como vimos com Frei Luís de Sousa com as personagens Telmo e
Maria). Segundo a lenda, o jovem monarca, cognominado o “Desejado” ou o “Encoberto”, seria
o salvador que voltaria numa manhã de nevoeiro para libertar Portugal do domínio filipino.
Fernando Pessoa retoma o mito sebás co e assume-se agora como o profeta que, num
contexto nacional di cil e de crise polí ca e social, fala do ressurgimento de Portugal e do seu
futuro traçado por Deus. O poeta acreditou mesmo que Sidónio Pais (Presidente da República)
seria esse salvador e dedicou-lhe um poema-elogio fúnebre e dá-lhe mesmo o epíteto de
Presidente-Rei.
Em Mensagem D. Sebas ão surge com gigantescas dimensões, sobretudo em confronto com o
lugar quase mesquinho da dedicatória n’ Os Lusíadas. O jovem rei, na primeira parte do Poema
“Brasão”, é uma das Quinas: é a loucura que fecunda o sonho e leva o homem a ultrapassar os
limites da «besta sadia / Cadáver adiado que procria». Para Pessoa, este D. Sebas ão é o Sonho
e a Loucura, a Ambição e a Grandeza. De facto, o poeta considera-o um «louco», mas não na
aceção nega va que lhe damos, antes com uma conotação superior de alguém que é louco
«porque quis grandeza / Qual a sorte não dá». Porque, para Pessoa, a loucura (Sonho) é
exatamente aquilo que dá ao homem a razão para exis r, traduz-se na significância que só
alguns conseguem adquirir, sob pena de se tornarem meros seres irrelevantes, caminhando
comodamente para a morte: «Minha loucura, outros que me a tomem / Com o que nela ia. / Sem
a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?». Mas D.

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Sebas ão não é, por certo, um mero cadáver adiado, ele é o arqué po do português ambicioso
que quer conquistar novas terras para engrandecer a Nação: «Levando a bordo El-Rei D.
Sebas ão, / E erguendo como um nome, ato o pendão / Do Império», lê-se em «A Úl ma Nau»,
um poema de Mensagem.

7.2. O mito de “O QUINTO IMPÉRIO”


Trata-se de um conceito bíblico que Padre António Vieira, Pessoa e entre outros autores
atualizaram. Surge associado ao desejo de recuperar a glória nacional, na tradição messiânica do
Sebas anismo e ao desejo da própria independência do domínio filipino.
Para Fernando Pessoa, depois dos impérios Grego, Romano, Cristão e Europeu Marí mo,
chegará esse Novo Tempo. O intenso sofrimento patrió co leva o Poeta a antever um império que
se encontra para além do material: um novo império civilizacional, de teor espiritual, que, por
escolha de Deus, tem Portugal à cabeça e que se propõe trazer fraternidade, paz, prosperidade a
todos os povos. Será uma espécie de regresso ao paraíso perdido que resulta na construção de
uma supra nação, através da ligação Ocidente/Oriente.
Assim, o Quinto Império é um conceito universal, na medida em que envolve toda a
humanidade e não será conquistado pelas armas.

8. As mensagens de Pessoa em Mensagem


♦ Para combater a inércia, a mediocridade, a mágoa e a saudade de um passado glorioso
histórico é necessário: renascer para uma nova grandeza e seguir o exemplo de mitos e
figuras históricas que deveriam influenciar os portugueses a agir, no sen do de construir
um novo Império.
♦ A regeneração de Portugal implicava “valorizar em nós o indivíduo que somos” e
reconquistar uma iden dade e autoes ma perdidas, e, por isso, Fernando Pessoa procura
convencer, comover e exortar o povo português, usando uma linguagem persuasiva e
recorrendo ao passado glorioso.
♦ O Poeta propõe uma interpretação dos sonhos, símbolos e mitos portugueses, tentando
despertar o povo para a crença de que o Messias, o Encoberto, está a chegar para cumprir
Portugal.
♦ Acredita que “É a Hora” de traçar novos rumos e caminhar para a construção de um
Portugal novo.
9. Ideias chaves da obra:
⮚ A ideia de predes nação e missão do povo português “Deus quer”, isto é, Deus é agente
da história (conceito providencialista). A vontade DIVINA é a causa primeira, o HOMEM é
um agente intermédio através do sonho e a OBRA é um efeito.
⮚ Ao contrário do herói camoniano que se caracteriza pela ação, os heróis de Mensagem são
mi ficados e encarnam valores simbólicos; têm a capacidade de SONHAR; são intérpretes
da vontade de DEUS e cumprem um DESTINO que os ultrapassa.
⮚ O sonho (loucura) é aquilo que dá sen do à vida do homem, sem ele só há mediocridade.
⮚ A verdadeira grandeza está na alma. Com o sonho e a vontade de lutar se alcança a glória.
⮚ Portugal, contemporâneo de Pessoa, encontra-se em decadência (“Portugal a entristecer”),
vivendo-se num presente de sofrimento, de estagnação, de mágoa e de tristeza. Para o
Poeta é preciso voltar a sonhar.

Bibliografia: “Entre nós e as palavras 12º ano” de Alexandre Dias Pinto e outros, San lhana (Seleção,
organização e adaptação: pela prof. Noélia André)
Consulta da obra na íntegra: h p://arquivopessoa.net/ (ponto 6)

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