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António Vieira
1608 – Nasce em Lisboa;
1614 – Vai com os pais para o Brasil;
1623 – Ingressa na Companhia de Jesus após ter ficado impressionado com um sermão sobre as
torturas do inferno;
1625 – Faz voto de pobreza, castidade e obediência;
1634 – É ordenado;
1652 – É enviado, de novo, para as missões no Maranhão;
1654 – Envia a D. João IV duas cartas, relatando o problema dos índios; prega o Sermão de
Santo António aos Peixes;
1656 – Perde o apoio da coroa (morte do rei);
1669 – Vai a Roma, onde exerce, de modo brilhante, a função de pregador. Na sombra, tenta
alertar a Santa Sé para o comportamento do Santo Ofício em Portugal;
1675 – Regressa a Portugal, triste e desiludido;
1681 – Volta definitivamente ao Brasil;
1697 – Morre na Baía.
Docere (ensinar)
Funções do sermão Movere (persuadir)
Delectare (agradar)
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Sermão de Santo António aos Peixes
Sermão pregado a 13 de junho de 1654, na cidade de S. Luís do Maranhão, três dias antes de
António Vieira embarcar ocultamente para o reino, a procurar o remédio da salvação dos índios.
Todo o sermão é alegórico, os peixes vão corporizar os vícios e defeitos dos homens.
Capítulo I - Exórdio – Parte-se do conceito predicável (intemporal) “Vós estis sal terrae” – é o
ponto de partida das ideias a desenvolver pelo orador; apresenta um valor metafórico que consiste
em associar as seguintes ideias:
Sal pregadores
Atendendo à ineficácia do sal, deve-se desprezar e considerar inútil todo aquele que não
cumpre verdadeiramente a sua função de pregador.
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A palavra “terra” surge polissemicamente, pois não se refere só à sua designação denotativa
de solo, mas essencialmente ao seu valor conotativo associado aos homens.
O tom panegírico resulta do discurso elogioso que o orador faz relativamente à figura de
Santo António e às suas ações “…o nosso grande português Santo António…”, “…mais galharda e
gloriosa resolução…”, “…ânimo generoso do grande António…”
Identificação padre António Vieira (século XVII)/ Santo António (século XII)- Santo
António quis pregar aos homens de Arimino, mas, como estes não o quiseram ouvir e até quase o
atacaram, foi pregar aos peixes, mudando o púlpito e o auditório, não desistindo da doutrina e os
peixes vieram ouvi-lo. Também António Vieira pregava a sua doutrina numa terra corrompida pelos
vícios, a um auditório que não o ouvia e que estava contra ele. Vai então proceder como o santo e
pregar aos peixes.
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CAPÍTULO II
Estrutura do discurso:
1 - Causas da mudança de auditório: os peixes "ouvem e não falam" enquanto os homens ouvem
pouco e falam muito.
2 - Retoma o conceito predicável: como recomeça o sermão para um novo auditório, explica
novamente a função do sal:
a) conservar o são;
b) preservar do mal
"E desta maneira satisfaremos às obrigações do sal, que melhor vos está ouvi-las vivos, que
experimentá-las depois de mortos".
Nestas palavras está presente a ironia, na medida em que António Vieira tenta alertar os homens
para o facto de ser melhor escutar a doutrina agora do que chamar por ela depois de mortos. Ou
seja, acabou por se referir ao Céu e ao Inferno, mas de forma subentendida.
Neste capítulo, Vieira refere que irá apresentar as qualidades e as virtudes dos peixes, em geral.
Assim sendo,
As qualidades dos peixes são:
- a obediência, quando chamados pela honra do Criador;
EM CONTRASTE
Os homens:
- perseguiram Santo António porque este os repreendia e porque não era condescendente com os
seus erros.
"Aos homens deu Deus a razão, e não aos peixes; mas neste caso os homens tinham a razão sem o
uso, e os peixes o uso sem a razão." Através do quiasmo, Vieira revela que os homens são dotados
de inteligência, racionalidade mas não a utilizam, enquanto os peixes, que não possuem essa
capacidade, revelam-se mais perspicazes que os próprios homens.
O discurso de Vieira segue com a apresentação de uma comparação que justifica a escolha
dos peixes para seu auditório: contraste entre os peixes e os outros animais (rouxinol,
papagaio, açor, bugio, cão, boi, cavalo, tigre e leão).
CONCLUSÃO: todos estes animais servem e são domesticados pelo homem. Os peixes, por sua
vez, são autónomos e vivem felizes. Não confiam nos homens e fogem deles. Na opinião do autor,
os peixes devem afastar-se dos homens por prudência. (exemplo do Dilúvio).
Analogia com Santo António: referindo-se ao episódio bíblico de Dilúvio, o autor apresenta o
exemplo que comprova o argumento dos benefícios do afastamento dos peixes relativamente aos
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homens. Demonstra, assim, que também Santo António se afastou dos homens para se aproximar de
Deus, "tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens".
CAPÍTULO III
Neste capítulo, Padre António Vieira continua os seus louvores aos peixes, particularizando-os. O
exemplo que apresenta baseia-se na história do Santo peixe de Tobias, celebrado na Escritura:
1 - Relato do episódio bíblico referente a este peixe: quando Tobias lavava os pés no rio, surge
um peixe "com a boca aberta em ação de que o queria tragar”. O Anjo S. Rafael recomenda-lhe
que apanhe o peixe e lhe retire as entranhas, pois estas possuíam propriedades regeneradoras:
"Certo que se a este peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia o retrato
marítimo de Santo António." Esta comparação estabelecida entre o peixe e o Santo procura
enaltecer as pregações do Santo António, demonstrando que estas também tinham propriedades
benéficas, senão vejamos:
a) "... investe um grande Peixe com a boca aberta..." a) "Abria Santo António a boca contra os hereges..."
b) "... o fel era bom para sarar da b) "...lhe vísseis as entranhas... havíeis de achar e
cegueira..." conhecer claramente nelas que só duas cousas
pretende de vós: uma é alumiar e curar as vossas
cegueiras…”
c)"... o coração para lançar fora os c) ) "... e outra lançar-vos os Demónios fora de
casa."
Demónios."
"Pois a quem vos quer tirar a cegueira, a quem vos quer livrar dos Demónios, perseguis vós?! Só
uma diferença havia entre Santo António e aquele Peixe: que o Peixe abriu a boca contra quem se
lavava, e Santo António abria a boca sua contra os que se não queriam lavar."
O autor joga, aqui, com o significado do verbo lavar. Quando se refere a Tobias, o verbo assume o
seu sentido denotativo, mas quando se refere a Santo António e aos seus ouvintes, Vieira atribui um
sentido conotativo ao mesmo verbo de forma a ironizar o facto de os homens não se quererem
evangelizar, purificar através da sagrada palavra de Deus.
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Seguidamente, o orador vai referir a rémora (peixe pequeno cuja cabeça funciona como ventosa, o
que lhe permite fixar-se a peixes maiores ou a embarcações). Este peixe quando se agarra ao leme
dos navios tem força para impedir que eles naveguem à sua vontade, tornando-se ela mesma o guia
do navio. Simboliza o poder que a palavra do pregador tem como guia das almas.
O torpedo (peixe parecido com a raia, capaz de produzir pequenas descargas elétricas). Este peixe
simboliza o poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pecadores que pescam na terra tudo
o que apanham.
Analogia com Santo António- com as suas palavras também fez tremer os homens (22 pescadores
tremeram quando ouviram as palavras do santo e converteram-se).
O “quatro-olhos” é um peixe que anda à superfície das águas e tem a particularidade de ter um par
de olhos que lhe permite ver para baixo e proteger-se dos outros peixes e outro par que lhe permite
ver para cima e proteger-se das aves. Simboliza o dever que os cristãos têm de afastar os olhos da
vaidade terrena, olhando para o céu sem esquecer o inferno. Vieira lamenta que existam peixes com
tantos instrumentos de visão e tantos homens que sofrem de cegueira metafórica.
Analogia com o pregador- este peixe ensinou o pregador a olhar para o céu (para cima) e para o
inferno (para baixo).
Pregava Pregava
1ª Repreensão: Os peixes “comem-se” uns aos outros – Os homens “comem-se” uns aos outros.
Apelo à observação (exemplifica nos homens):
Conclusão: “ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra”.
Amplificação:
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- Os peixes/homens comem-se uns aos outros.
- Os peixes/homens comem os mais pequenos
- Comem não só o povo mas a sua plebe
- Não só os comem, mas engolem-nos e devoram-nos
- Os grandes comem os pequenos como pão
- Comem-se os mortos
- Comem-se os vivos
2ª Repreensão
Peixes: “…um pedaço de pano cortado e aberto (…) em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica
preso e boqueando, até que (…) acaba por morrer.”
Homens: “Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranhão, e com quê? Um homem do mar
com uns retalhos de pano.” (vaidade).
Crítica aos homens por quererem adquirir honrarias e títulos pelo ofício das armas, servindo, por
exemplo, as ordens militares e religiosas, acabando por morrer na guerra.
Em contrapartida, Santo António nunca se deixou enganar pelas vaidades do mundo, fazendo-se
pobre e humilde, tendo, assim, “pescado” muitos fiéis, salvando-os.
Capítulo V
Conclusão – Os poderosos que se apoderam dos bens dos mais fracos, movidos pela ganância e
ambição, serão vítimas da justiça divina.
Capítulo VI- Peroração- O pregador procura aliviar os peixes de “uma desconsolação mui
antiga”, afirmando que o facto de estes terem sido excluídos dos sacrifícios a Deus não é
prejudicial, na medida em que é melhor não chegar ao sacrifício do que lá chegar morto, como os
homens que estão em pecado mortal.
Vieira manifesta inveja dos peixes, na medida em que estes, por não serem racionais, não terem
livre-arbítrio, não falarem e não terem memória, não ofendem a Deus, cumprindo o destino que
Deus lhes reservou, que é servir o Homem. Em contrapartida, o pregador penitencia-se por
conseguir concretizar o fim para que foi criado: servir a Deus adequadamente.
Bons estudos!
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