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Leia o excerto de Os Maias, de Eça de Queirós. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

PARTE A

5 No verão, Pedro partiu para Sintra; Afonso soube que os Monfortes tinham lá alugado uma casa. Dias depois o Vilaça
apareceu em Benfica, muito preocupado: na véspera Pedro visitara-o no cartório, pedira-lhe informações sobre as suas
propriedades, sobre o meio de levantar dinheiro. Ele lá lhe dissera que em setembro, chegando à sua maioridade, tinha a
legítima1 da mamã…
– Mas não gostei disto, meu senhor, não gostei disto… – E porquê, Vilaça? O rapaz quererá dinheiro, quererá dar
10 presentes à criatura… O amor é um luxo caro, Vilaça.
– Deus queira que seja isso, meu senhor, Deus o ouça! E aquela confiança tão nobre de Afonso da Maia no orgulho
patrício, nos brios de raça de seu filho, chegava a tranquilizar Vilaça.
Daí a dias, Afonso da Maia viu enfim Maria Monforte. Tinha jantado na quinta do Sequeira ao pé de Queluz, e
tomavam ambos o seu café no mirante, quando entrou pelo caminho estreito que seguia o muro a caleche azul com os cavalos
15 cobertos de redes. Maria, abrigada sob uma sombrinha escarlate, trazia um vestido cor-de-rosa cuja roda, toda em folhos, quase
cobria os joelhos de Pedro, sentado ao seu lado: as fitas do seu chapéu, apertadas num grande laço que lhe enchia o peito, eram
também cor-de-rosa: e a sua face, grave e pura como um mármore grego, aparecia realmente adorável, iluminada pelos olhos
de um azul sombrio, entre aqueles tons rosados. No assento defronte, quase todo tomado por cartões de modista, encolhia-se o
Monforte, de grande chapéu panamá, calça de ganga, o mantelete da filha no braço, o guarda-sol entre os joelhos. Iam calados,
20 não viram o mirante; e, no caminho verde e fresco, a caleche passou com balanços lentos, sob os ramos que roçavam a
sombrinha de Maria. O Sequeira ficara com a chávena de café junto aos lábios, de olho esgazeado, murmurando:
– Caramba! É bonita!
Afonso não respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate que agora se inclinava sobre Pedro, quase o
escondia, parecia envolvê-lo todo – como uma larga mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.

Eça de Queirós, Os Maias, Lisboa, Livros do Brasil, 1995, pp. 29 e 30

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Vocabulário:
1
porção de bens legalmente destinada aos herdeiros.
5

1. Descreva a evolução do estado de espírito de Afonso da Maia ao longo do relato.

2. Aponte dois indícios do desenlace trágico da paixão de Pedro por Maria Monforte.
10
3. Explicite o valor expressivo da hipálage presente em “[…] sob o verde triste das ramas.” (linhas
21 e 22).

Leia o excerto de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado
a seguir ao texto.
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

À meia-noite estendeu Simão o braço trémulo ao maço das cartas que Teresa lhe enviara, e contemplou um
pouco a que estava ao de cima, que era dela. Rompeu a obreia 1, e dispôs-se no camarote para alcançar o baço
clarão da lâmpada.
Dizia assim a carta:
5 «É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu. A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta
carta, se me Deus não engana, está em descanso.
Eu devia poupar-te a esta última tortura; não devia escrever-te; mas perdoa à tua esposa do céu a culpa, pela
consolação que sinto em conversar contigo a esta hora, hora final da noite da minha vida.
Quem te diria que eu morri, se não fosse eu mesma, Simão? Daqui a pouco, perderás da vista este mosteiro;
10 correrás milhares de léguas, e não acharás, em parte alguma do mundo, voz humana que te diga: – A infeliz
espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.
Se te pudesses iludir, meu amigo, quererias antes pensar que eu ficava com vida e com esperança de ver-te
na volta do degredo? Assim pode ser, mas, ainda agora, neste solene momento, me domina a vontade de fazer-te
sentir que eu não podia viver. Parece que a mesma infelicidade tem às vezes vaidade de mostrar que o é, até não
15 podê-lo ser mais! Quero que digas: – Está morta, e morreu quando eu lhe tirei a última esperança.
Isto não é queixar-me, Simão; não é. Talvez que eu pudesse resistir alguns dias à morte, se tu ficasses; mas,
de um modo ou outro, era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está
partindo, e eu mesma o oiço partir.
Não vão estas palavras acrescentar a tua pena. Deus me livre de ajuntar um remorso injusto à tua saudade.
20 Se eu pudesse ainda ver-te feliz neste mundo; se Deus permitisse à minha alma esta visão!… Feliz, tu, meu
pobre condenado!…
Sem o querer, o meu amor agora te fazia injúria, julgando-te capaz de felicidade! Tu morrerás de saudade,

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se o clima do desterro te não matar ainda antes de sucumbires à dor do espírito.
A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas, que li há pouco! Estou
vendo a casinha que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves. A tua imaginação
25 passeava comigo às margens do Mondego, à hora pensativa do escurecer. Estrelava-se o céu, e a lua abrilhantava
a água. Eu respondia com a mudez do coração ao teu silêncio, e, animada por teu sorriso, inclinava a face ao teu
seio, como se fosse ao de minha mãe. Tudo isto li nas tuas cartas; e parece que cessa o despedaçar da agonia
enquanto a alma se está recordando. Noutra carta, me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu nome.
Também eu ia após da tua aspiração, ou adiante dela, porque o maior quinhão dos teus prazeres de espírito
30 queria eu que fosse meu. Era criança há três anos, Simão, e já entendia os teus anelos2 de glória, e imaginava-os
realizados como obra minha, se me tu dizias, como disseste muitas vezes, que não serias nada sem o estímulo do
meu amor.
Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo, estás tu para entrar na nau dos degredados,
e eu na sepultura. […]»
35 Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2006, pp. 215-216.

15 1
obreia: folha fina de massa de farinha de trigo, usada para fechar cartas. 2anelos: desejos intensos, aspirações.

4. Explicite dois aspetos que, na carta de Teresa, aproximam Simão do conceito de «herói
romântico».

20 5. Relacione a reflexão de Teresa, presente no penúltimo parágrafo do texto, com o sentido da


metáfora «Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!» (linha 36).

6. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada


espaço.
25 Na carta de Teresa, estão presentes marcas linguísticas da expressão da interioridade da personagem,
com a recorrência a ____a)____, como, por exemplo, em «à tua esposa do céu» (linha 7), e a utilização
de ____b)____, visível em «hora final da noite da minha vida» (linha 8).

a) b)

1. metonímias 1. um estilo simples e objetivo


2. metáforas 2. um tom confessionalista, centrado no tu
3. hipérboles 3. linguagem clara e denotativa
4. eufemismos 4. linguagem conotativa associada à morte

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