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EDUCAÇÃO LITERÁRIA
PARTE A
[…] [E]sta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo
portanto mediano termo entre a papada 1 pletórica2 e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo 3 e o outro héctico4, entre a
nádega dançarina e a escorrida, entre a pança repleta e a barriga agarrada às costas. Porém, a Quaresma, como o sol, quando
nasce, é para todos.
5 Correu o Entrudo 5 essas ruas, quem pôde empanturrou-se de galinha e de carneiro, de sonhos e de filhós, deu umbigadas
pelas esquinas quem não perde vaza autorizada, puseram-se rabos surriados em lombos fugidiços, esguichou-se água à cara com
seringas de clisteres, sovaram-se incautos6 com réstias de cebolas, bebeu-se vinho até ao arroto e ao vómito, partiram-se
panelas, tocaram-se gaitas, e se mais gente não se espojou, por travessas praças e becos, de barriga para o ar, é porque a cidade
é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios, e lama mesmo quando não chove. Agora é tempo
de pagar os cometidos excessos, mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se, ele rebelde, ele insurreto, este corpo
10 parco e porco da pocilga que é Lisboa.
SARAMAGO, José. Memorial do Convento, 2014, Porto: Porto Editora (pp. 29-30).
Ai como é diferente o carnaval em Portugal. Lá nas terras de além e de Cabral, onde canta o sabiá e brilha o Cruzeiro do Sul,
sob aquele céu glorioso, e calor, e se o céu turvou, ao menos o calor não falta, desfilam os blocos dançando avenida abaixo, […] o
samba, o samba terramoto da alma, até Ricardo Reis, sóbrio homem, muitas vezes sentiu moverem-se dentro de si os refreados 7
tumultos dionisíacos8, só por medo do seu corpo se não lançava no turbilhão, saber como estas coisas começam, ainda podemos,
15 mas não como irão acabar. Em Lisboa não corre esses perigos. O céu está como tem estado, chuvoso, mas, vá lá, não tanto que o
corso não possa desfilar, vai descer a Avenida da Liberdade, entre as conhecidas alas de gente pobre, dos bairros, é certo que
também há cadeiras para quem as pode alugar, mas essas irão ter pouca freguesia, estão numa sopa, parece partida
carnavalesca, senta-te aqui ao pé de mim, ai que fiquei toda molhada. Estes carros armados rangem, bamboleiam, pintalgados de
figuras, em cima deles há gente que ri e faz caretas, máscaras de feio e de bonito, atiram com parcimónia serpentinas ao público,
20 saquinhos de milho e feijão que acertando aleijam, e o público retribui com um entusiasmo triste. Passam algumas carruagens
abertas, levando provisão de guarda-chuvas, acenam lá de dentro meninas e cavalheiros que atiram confetti uns aos outros.
Alegria destas também as há entre o público, por exemplo, está esta rapariga a olhar o desfile e vem por trás dela um rapaz com
uma mão cheia de papelinhos, aperta-lhos contra a boca, esfrega freneticamente e vai aproveitando a surpresa para a apalpar
onde pode, depois ela fica a cuspinhar, a cuspinhar, enquanto ele afastado ri, são modos de galantear à portuguesa, há
25 casamentos que começaram assim e são felizes. Usam-se bisnagas para atirar ao pescoço ou à cara das pessoas esguichos de
água, ainda conservam o nome de lança-perfumes, é o que resta, o nome, do tempo em que foram suave violência nos salões,
depois desceram à rua, muita sorte é ser limpa esta água, e não de sarjeta, como também se tem visto.
SARAMAGO, José. O Ano da Morte de Ricardo Reis, 2016, Porto: Porto Editora (pp. 181-182).
NOTAS
30 1. papada – dobra da pele pendente por baixo do pescoço; 2. pletórica – exuberante; 3. rubicundo – corado; 4. héctico – tísico, muito magro;
5. entrudo – Carnaval; 6. incautos – imprudentes; 7. refreados – reprimidos; 8. dionisíacos – instintivos, sensuais.
1. Explicite uma das críticas feitas à cidade de Lisboa, comum aos dois excertos, comprovando a resposta com
2. Identifique a época festiva descrita nos excertos, demonstrando que surge caracterizada como um período de
excessos.
a) b) c)
1. o uso de um registo 1. «[E]sta cidade, mais que todas, é uma 1. «Agora é tempo de pagar os
predominantemente erudito boca que mastiga de sobejo para um cometidos excessos» (l. 10)
2. a distinção inequívoca entre as lado e de escasso para o outro.» (l. 1) 2. «Ai como é diferente o carnaval em
diferentes modalidades de reprodução 2. «Estes carros armados rangem, Portugal» (l. 12)
do discurso bamboleiam, pintalgados de figuras» (l. 3. «Em Lisboa não corre esses perigos»
3. a alternância entre o registo formal e 20) (l. 16-17)
o registo informal 3. «Alegria destas também as há entre o
público» (l. 24)
PARTE B
NOTAS
1. cuido – penso; 2. cara – estimada, prezada.
4. Considerando as quadras, identifique dois momentos temporais distintos, associando cada um deles a
diferentes estados de espírito do sujeito poético.
5. Clarifique o sentido do primeiro terceto.
a) b) c)
PARTE C
7. Ao longo dos tempos, diversos autores portugueses destacaram o papel da mulher nas suas obras.
Baseando-se na sua experiência de leitura, escreva uma breve exposição sobre o modo como a mulher é
representada em dois autores ou em duas obras que estudou, no ensino secundário, no domínio da educação
literária.
GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
LEITURA | GRAMÁTICA
Leia o texto.
O século XXI será o século em que ganharemos ou perderemos a batalha pelos Direitos Humanos, esses que estão contidos
na Declaração Universal assinada em dezembro de 1948, em Nova Iorque. Em 1998, quando foi celebrado o respetivo
cinquentenário, realizaram-se por todo o mundo congressos, exposições, colóquios e simpósios, pronunciaram-se quilómetros
de discursos, escreveram-se milhares de artigos e ensaios, enfim, durante uma semana quase não se falou doutra coisa nos
5 órgãos de comunicação social. A realidade, porém, mostra-nos que não só não se progrediu durante esses cinquenta anos,
como em muitos aspetos se andou para trás.
Provavelmente iremos ter de esperar o ano 2048 para que de novo se volte a falar de Direitos Humanos… Talvez os mais
novos tenham essa sorte. Entretanto, o planeta está como está e tudo indica que nessa altura estará pior. […]
O verdadeiro drama que temos Diante de nós não se chama mudança de século ou mudança de milénio, chama-se final de
10 uma civilização. […]
Ainda somos os filhos da Ilustração, do Iluminismo, da Enciclopédia, direta ou indiretamente todos nos alimentámos
dessas ideias, mas o universe mental que, para o bem ou para o mal, forjou as pessoas que somos está a chegar ao seu termo.
A civilização, tal como a entendíamos, está a despedir-se de nós, não tarda que pertença ao passado.
Ninguém poderá prognosticar como virão a ser homens dentro de cinquenta ou cem anos, ninguém será capaz de realizar
15 essa projeção de futuro.
Também nós não poderemos afirmar que fomos melhores do que será essa gente futura, mas, segundo apontam todos os
indícios, Podemos, sim, prever já que eles serão outros.
Ora, em minha opinião, o único bem que realmente valeria a pena legar-lhes seria o respeito pelos Direitos Humanos, não
apenas aquele respeito formal que se manifesta em celebrações tão pouco sinceras como foram as de 1998, mas sim a
20 responsabilização efetiva, internacionalmente assumida, do seu reconhecimento e do seu total cumprimento.
Movemo-nos dentro de um Sistema que fomenta as desigualdades económicas e condena milhões de seres humanos à
miséria, um sistema sem pudor que despreza e ofende todos os dias o documento por ele próprio elaborado há cinquenta
anos e agora reduzido a um farrapo de papel. Creio que só aquelas a quem os direitos humanos têm vindo a ser negados
poderão ainda salvar essa já quase frustrada esperança da humanidade. O mundo precisa urgentemente de uma revolução
2. No segundo parágrafo, através de várias expressões, conclui-se que o autor exprime uma ideia de
(A) certeza.
(B) obrigação.
(C) permissão.
(D) possibilidade.
5. Todas as orações abaixo transcritas são subordinadas substantivas completivas, exceto a oração
(A) «que somos» (l. 12).
(B) «que fomos melhores do que o será essa gente futura» (l. 16).
(C) «que eles serão outros» (l. 17).
(D) «que sem democracia não haverá direitos humanos» (l. 27).
6. Na expressão «despedir-se de nós» (l. 13), «de nós» desempenha a mesma função sintática que
(A) «de papel» (l. 23).
(B) «da humanidade» (l. 24).
(C) «de uma revolução moral» (ll. 24-25).
(D) «do homem» (l. 25).
7. A frase iniciada por «O mundo precisa» (l. 24) e a frase iniciada por «É certo que» (l. 27) exprimem
(A) a modalidade epistémica, em ambos os casos.
(B) a modalidade deôntica, em ambos os casos.
(C) a modalidade epistémica, no primeiro caso, e a modalidade deôntica, no segundo caso.
(D) a modalidade deôntica, no primeiro caso, e a modalidade epistémica, no segundo caso.
GRUPO III
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, faça a
apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado, da autoria de Konstantin Kazanchev.
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos
ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o constituam (ex.:
/2023/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras –, há que
atender ao seguinte:
um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES
As pontuações obtidas nas respostas a estes Grupo
10 itens contribuem obrigatoriamente para a I II III Subtotal
classificação final. 2. 3. 5. 6. 7. 1. 2. 6. 7.
Cotação (em pontos) 13 13 13 13 13 13 13 13 13 44 161
Destes 5 itens, contribuem para a
I II
classificação final da prova os 3 itens cujas Subtotal
respostas obtenham melhor pontuação. 1. 4. 3. 4. 5.
Cotação (em pontos) 3 x 13 pontos 39
Total 200