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Teste 4 – O Ano da Morte de Ricardo Reis José Saramago

PROPOSTA DE CORREÇÃO

1. Localiza o excerto na globalidade da obra.


O excerto localiza-se (conforme e referência bibliográfica indica) no capítulo 16 do romance, no
dia “Dez de junho” (l. 4), o dia da “Festa da Raça” (l. 4). Neste momento da obra, Ricardo
Reis, tendo chegado a Lisboa há pouco mais de cinco meses, encontra-se entregue aos “seus
novos hábitos de indolência” (ll. 1-2), depois de ter sido dispensado da clínica onde trabalhara
durante algum tempo, substituindo um colega, e de ver frustrada a sua relação amorosa com
Marcenda. Corresponde, pois, ao início da parte final da obra, que terminará com a insurreição
dos marinheiros e, findo o prazo de Fernando Pessoa, antes de desaparecer completamente, com
a decisão de Reis de o acompanhar.

2. Identifica e explicita o valor do recurso expressivo presente na passagem: “para que se


entenda bem que não temos mais que ver com a apagada e vil tristeza de que
padecíamos no século dezasseis, hoje somos um povo muito contente” (linhas 13-14).
Na passagem, o narrador recorre à ironia na referência à homenagem prestada a Camões,
insinuando (ao contrário do que afirma, como é próprio daquele recurso expressivo) que a nação
continua envolta na “apagada e vil tristeza” de que padecia ”no século dezasseis” e de que
Camões falava. A menção ao “povo muito contente” sugere a discrepância entre a imagem
oficial do país, construída pelos mecanismos do regime e divulgada através da imprensa
nacional e estrangeira, e a realidade.

3. Interpreta o valor simbólico das referências a Camões ao longo do excerto,


relacionando-o com o tempo histórico do romance.
As menções a Camões funcionam, neste excerto e ao longo do romance, como referências
simbólicas e críticas. A figura omnipresente do épico relembra a época gloriosa da nação e
Salazar usa oficialmente a imagem do poeta associada aos seus interesses colonialistas, pois
as grandes navegações eram parte essencial da ideologia oficial, servindo de justificação
para a manutenção de um império colonial numa época em que os outros países europeus já
tinham superado essa retrógrada visão política. Ao regime interessava passar a ideia de que
Portugal era uma nação grandiosa e gloriosa e nada melhor do que a imagem de Camões
para o simbolizar. Na realidade, o tempo histórico da obra, marcado pela ditadura, pela
opressão e pelo controlo imposto pelo Estado, é precisamente o oposto dessa grandiosidade.

4. Explica a insinuação feita pelo narrador nas últimas linhas do texto (linhas 17-19).
Ao dirigir-se à figura de Camões, o narrador afirma ironicamente que os portugueses estão já
habituados “à penumbra, à escuridão total, às trevas originais” (linha 18). Através desta
gradação, é referido metaforicamente o estado de ignorância e passividade em que a população
era mantida, durante o Estado Novo, através de uma política repressiva de supressão das
liberdades.

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