Lê o texto.
Releio passivamente…
Releio passivamente, recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento, aquelas frases
simples de Caeiro, na referência natural ao que resulta do pequeno tamanho da sua aldeia. Dali, diz
ele, porque é pequena, pode ver-se mais do mundo do que da cidade; e por isso a aldeia é maior que a
cidade…
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“Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura.”
Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda a
metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de as ler, chego à minha janela sobre a rua
estreita, olho o grande céu e os muitos astros, e sou livre com um esplendor alado cuja vibração me
1 estremece no corpo todo.
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“Sou do tamanho do que vejo!” Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus nervos,
ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo. “Sou do tamanho do que
vejo!” Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até às altas estrelas que se
refletem nele, e, assim, em certo modo, ali estão.
E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objetiva dos céus todos com uma segurança
1
5 que me dá vontade de morrer cantando. “Sou do tamanho do que vejo!” E o vago luar, inteiramente
meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro do horizonte.
Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvajaria ignorada, de dizer palavras aos
mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade vasta aos grandes espaços da matéria vazia.
Mas recolho-me e abrando. “Sou do tamanho do que vejo!” E a frase fica-me sendo a alma inteira,
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encosto a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a
0 paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.
SOARES, Bernardo (2013), Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio e Alvim, pp. 83-84.
Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Divide o texto em três partes lógicas, explicitando a ideia-chave de cada uma delas. (20 PONTOS)
2. Indica dois traços do perfil de Bernardo Soares, fundamentando a tua resposta com exemplos.
(20 PONTOS)
3. Comenta o valor da repetição da expressão “Sou do tamanho do que vejo!” ao longo do texto.
(20 PONTOS)
Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
4. Mostra de que forma a reflexão sobre a vida pessoal do poeta é concretizada nas duas
primeiras estâncias. (20 PONTOS)
G R U P O II (50 PONTOS)
Lê o texto.
5 Centrarmo-nos em nós, na nossa própria vida, é uma opção tão válida como qualquer outra, mas
tolda-nos a visão ao não confrontarmos as nossas ideias e opiniões com as dos outros, ao ignorarmos os
seus pontos de vista e, sobretudo, ao não considerarmos a essência da sua existência humana enquanto
seres que, tal como nós, têm anseios, têm sonhos e, essencialmente, têm direito a existir na plenitude
da sua dignidade.
1 Esta frase foi pintada nos muros do Parque de Saúde de Lisboa, e pertence ao poema “O guardador
0 de rebanhos” de Alberto Caeiro, o heterónimo de Fernando Pessoa que valoriza a natureza e a simplic-
idade da vida. Representa a dicotomia entre a vida na cidade e a vida na aldeia, defendendo Caeiro que,
nas cidades, os prédios impedem de ver o horizonte, pelo que, no campo, na sua aldeia, a possibilidade
de ver “quanto da terra se pode ver do universo” é bem maior e, como tal, também ele próprio pode ser
bem maior.
1
5 Esta afirmação pode naturalmente ser questionada, porque, sabemos, não são os prédios que nos
impedem de ver, mas a nossa própria incapacidade de levantar os olhos para o céu e descobrir, também
aí, o universo, ou de, mantendo os olhos no que nos rodeia, descobrir a beleza e os estímulos de que
necessitamos para sermos mais do que do tamanho do que vemos e conseguirmos ser do tamanho do
que sonhamos, do tamanho do que desejamos realmente ser. E é quando olhamos mais além de nós,
da nossa vida, da nossa família, do nosso trabalho ou estudo que verdadeiramente nos podemos tornar
2
0 do tamanho incomensurável do universo.
Todas estas frases e palavras que me encontram na rua são também uma outra forma de me ajudar
a ver mais além, a refletir sobre alguns temas em que nunca tinha verdadeiramente pensado ou que me
conduzem a novos caminhos e novos pensamentos, como quem desenrola o fio de Ariadne para en-
contrar o caminho na descoberta do que há em mim.
2 E conhecermo-nos a nós próprios é fundamental para conhecermos os outros e com eles partilharmos
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uma visão mais fraterna da vida, seja seguindo os ensinamentos de Buda, de Krishna, de Alá ou de
Deus, porque quem tem fé consegue sempre ver mais além.
LEITÃO, Maria Eugénia. “Porque eu sou do tamanho do que vejo” [Em linha].
Sol/Sapo, 11-05-2016 [Consult. em 07-11-2016, adaptado].
7. A oração “quem tem fé” (l. 29) classifica-se como subordinada (5 PONTOS)
(A) adverbial comparativa. (C) substantiva relativa.
(B) substantiva completiva. (D) adjetiva relativa restritiva.
8. Identifica o valor aspetual veiculado no enunciado “Esta frase foi pintada nos muros do Parque
de Saúde de Lisboa” (l. 10). (5 PONTOS)
9. Identifica a função sintática desempenhada pelo constituinte “Caeiro” (l. 12). (5 PONTOS)
10. Identifica o valor do modificador “que me encontram na rua” (l. 23). (5 PONTOS)
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada
por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.:
/dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos
algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – um mínimo de duzentas e
um máximo de trezentas palavras –, há que atender ao seguinte:
• um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5
pontos) do texto produzido;
• um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos