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Poesia do ortónimo | Bernardo Soares, Livro do desassossego
GRUPO I
A
Sonho
[c. 24-5-1902]
1
palidez, associada a tristeza profunda
1
B
Lê o texto seguinte.
O sonhador
Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida.
Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores
da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para a rua do meu sonho,
esqueço a vista no seu movimento.
Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei
atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o
que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa
nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar. À vida nunca pedi senão que
passasse por mim sem que eu a sentisse. Do amor apenas exigi que nunca deixasse de ser
um sonho longínquo. Nas minhas próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi
sempre o longínquo que me atraiu, e os aquedutos que se esfumavam quase na distância
das minhas paisagens sonhadas, tinham uma doçura de sonho em relação às outras partes
da paisagem – uma doçura que fazia com que eu as pudesse amar.
A minha mania de criar um mundo falso acompanha-me ainda, e só na minha
morte me abandonará.
Fernando Pessoa, Livro do desassossego – composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros
na cidade de Lisboa, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 110.
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GRUPO II
Lê o texto seguinte.
Vida e morte
6-abril (domingo de Páscoa). O tempo arrefeceu, mas há sol no azul. Sento-me à beira do
lume, olho, para lá da janela, os pinheiros cheios de luz. Longe de mim, cada vez mais longe de
tudo, onde estou? Certamente todas as estruturas da vida se vão dissipando. Amigos, parentes,
conhecidos. Realizámos com eles a nossa ligação à vida, a rede que nos sustentava nas relações
com o mundo e connosco. Mas não só isso se dissipa. Há o mais – as ideias, os projetos, os gostos,
os hábitos, o modo de sermos em face dos outros, a significação que tínhamos pelo que éramos e
fazíamos, o nosso lugar na ordenação de tudo. Outras gentes vieram e se instalaram nos nossos
pontos de referência, outros gostos se sobrepuseram aos nossos e subtilmente os afastaram para
a inutilidade do olvido, outros valores se instauraram e foram sub-repticiamente valores em vez
dos nossos que se pressupõe terem existido, mas de que nunca se falou como se não tivessem
existido. E em dada altura sabe-se que estamos «a mais». Tudo à nossa volta discretamente nos
diz que nada aqui temos a fazer. Há os filhos que querem ocupar as nossas casas, colegas que
querem ocupar os nossos lugares, simples desconhecidos que nos olham na rua como
preenchendo um espaço que é deles. Que significa mesmo a obra que se fez? Ela pertence ao
mundo que se esgotou, fará parte do conjunto desse mundo para recordar no exercício da
memória, mas já não funciona no exercício da vida. Quebrados de um a um os fios que nos
sustentavam de pé. É a altura simplesmente de se tombar. Abrir-se-á à pressa uma cova que nos
enterre. E alisada a terra à superfície, uma discreta e nova vegetação tudo recomporá numa vida
que recomeça e de que em breve haverá de nós o que há dos que viveram há séculos. Falo da
morte. É hoje dia de Páscoa. De ressurreição. Não é um problema nosso. É um problema de
deuses. Mas deles se há de dizer o que estou dizendo de nós. Só que leva um pouco mais tempo a
ser altura disso. Mesmo do sol, que hoje brilha no azul, se há de isso dizer também. Ou não se dirá
por não haver então ninguém para o dizer. Esquece, entretanto. Sentado no escritório – esquece.
Mesmo a tua saúde que se vai marimbando para ti. Está um dia bonito. Olho-o nos pinheiros
imóveis da mata. Curioso: não há pássaros a explicá-lo. Estão mudos. Estarão talvez meditando no
fim das coisas. É horrível, mas os pássaros também morrem. Esquece entretanto. Olho o sol
escorrendo pelos pinheiros. A vida existe. Agora, agora. E é quanto basta para haver sorriso no
mundo.
7-abril (segunda). Porquê esta evidência de que tudo está no fim? Porquê de vez em
quando? Sobretudo, para quê? Ora, para que se tenha a certeza e se c ontinue, é preciso não ter a
certeza... É o que no fundo eu suspeito, uma vez que estou a dizê-lo. A certeza absoluta decerto
nos paralisaria. A menos que nos restasse um pouco de vocação teatral para ser ator. Não, não se
tem a certeza, porque da morte só se teria a certeza se a pudéssemos ter depois. Até lá, há esta
angústia física que entontece, e esta cabeça assolada de sangue e de vertigem, e esta
incapacidade de estar de posse de mim, e esta zumbideira infernal nos ouvidos, e esta fadiga
imensa, e estas palpitações aflitivas, e esta dor suspeita que hoje sinto no braço… Ora! Está uma
tarde imensa de sol, como a promessa da alegria em toda a terra. Olha-a no deslumbramento de
teres nascido para a veres. É quanto te basta. Agora. Agora...
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Responde aos itens que se seguem, registando a resposta no teu caderno. Seleciona a única
opção que permite obter uma afirmação correta.
3. Na frase «Quebrados de um a um os fios que nos sustentavam de pé.» (ll. 16-17) ocorre
uma
[5 pontos]
(A) enumeração.
(B) metáfora.
(C) comparação.
(D) hipérbole.
5. Identifica, no primeiro parágrafo, os referentes dos deíticos pessoal «-me» (l. 1) e temporal
«hoje» (l. 20).
[10 pontos]
6. Indica o valor temporal do complexo verbal destacado na frase «Mas deles se há de dizer o
que estou dizendo de nós».
[10 pontos]
7. Indica a função sintática do segmento destacado em «[...] a rede que nos sustentava nas
relações com o mundo e connosco.» (ll. 4-5).
[10 pontos]
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GRUPO III
[50 pontos]
O sonho é uma força que atua tanto a nível individual como a nível social, no sentido
de impulsionar ações conducentes à concretização dos nossos objetivos.
O teu texto deve ter entre 200 e 300 palavras e estruturar-se nas três partes lógicas
habituais.