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Desesperança

- Vai-te na asa negra da desgraça,


- Pensamento de amor, sombra duma hora,
- Que abracei com delírio, vai-te embora,
- Como nuvem que o vento impele... e passa.

5 Que arrojemos1 de nós quem mais se abraça,


- Com mais ânsia, à nossa alma! e quem devora!
Dessa alma o sangue, com que mais vigora,
- Como amigo comungue à mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,


10 Enquanto a dor eternamente assiste2,
- E só engane nunca a desventura!

- Se em silêncio sofrer fora vingança!...


- Envolve-te em ti mesma, ó alma triste,
- Talvez sem esperança haja ventura!.

Antero de Quental, Poesia completa – 1842-1891, organização e prefácio de Fernando Pinto


do Amaral, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, pp. 230 e 231

1
afastemos com violência; 2 persiste

1. Explicita quem é apostrofado na primeira estrofe.

2. Justifica a presença dos pontos de exclamação na segunda estrofe.

3. Relaciona o sentido dos dois últimos versos com o tom geral do soneto.

respostas

1. É apostrofado o «Pensamento de amor,» (verso 2), a quem o sujeito poético se dirige


para o mandar afastar.
2. Ambos refletem o espanto do sujeito poético por mandar embora a grande esperança
que teve – o «Pensamento de amor»; ele espanta-se porque tendo essa ideia tido
tanta força junto dele, agora a desilusão chegou e ele tudo perdeu
3. Os dois últimos versos traduzem bem a desilusão a que a «alma» do sujeito poético
chegou e a resignação irónica que é sua marca – talvez a felicidade seja, afinal, a
ausência de esperança.
Em viagem

- Pelo caminho estreito, aonde a custo


- Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte,
- Mas só bruta aridez de áspero monte
- E os sóis e a febre do areal adusto1,

5 Pelo caminho estreito entrei sem susto


- E sem susto encarei, vendo-os defronte,
Fantasmas que surgiam do horizonte
- A acometer meu coração robusto...

Quem sois vós, peregrinos singulares?


10 Dor, Tédio, Desenganos e Pesares...
- Atrás deles a Morte espreita ainda...

- Conheço-vos. Meus guias derradeiros


- Sereis vós. Silenciosos companheiros,
- Bem-vindos, pois, e tu, Morte, bem-vinda!

Antero de Quental, Poesia completa – 18421891, organização e prefácio de Fernando Pinto de


Amaral, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, pp. 284 e 2851

1
queimado

1. Caracteriza a paisagem apresentada na primeira estrofe.

2. Explicita a natureza geral dos «peregrinos singulares» referidos no verso 9.

3. Refere a relação do sujeito poético com esses «peregrinos».

1. Trata-se de uma paisagem agreste, caracterizada pela ausência de marcas positivas: não existem nela
flores, aves ou água, tudo é seco e áspero.

2. Estes «peregrinos» caracterizam-se por apresentar uma natureza comum de índole pessimista e dolorosa;
estão personificados e são eles que habitam a paisagem referida na primeira estrofe: a uma paisagem
horrífica correspondem estes seus habitantes marcados pela dor da desilusão e pela certeza da morte.

3. O sujeito poético compraz-se na companhia destes seres que o acompanham no final da vida; ele acolhe
com benevolência (verso 14) estes últimos amigos.

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