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Um Beijo de um Patife

Resgatada da Ruína ― Livro 10

Elisa Braden
SINOPSE

O último e empolgante romance de Elisa Braden para a


série Resgatadas da Ruína é a história que os leitores têm
pedido: a frágil, e ao mesmo tempo inquebrável, Hannah Gray
embarca em uma caça a marido... Se ao menos Lady
Wallingham não tivesse convidado um lobo para a festa.
Tudo o que ela quer é uma vida comum
Um passado cruel deixado para trás com uma simples
vontade: normalidade. Damas normais cavalgam e dançam
sem medo. Elas têm maridos seguros e normais para lhes
darem beijos seguros e normais. Após anos curando-se, ela
está pronta para encontrar o 'normal' para si mesma e a festa
na casa de Lady Wallingham é o lugar perfeito para começar.
Perfeito, exceto pelo cínico lobo em roupas de patife
miserável cujo olhar esfomeado ameaça romper a sua
armadura e trespassar seu coração frágil.
Tudo o que ele quer é esquecê-la

O agente de Bow Street, Jonas Hawthorn, jurou nunca


mais ver a fria e altiva Srta. Gray novamente. Um ano atrás,
ele quase morreu ao tentar protegê-la, apenas para ser
dispensado como um criado de baixo nível. Mas em breve, ele
teria terra e criados dele mesmo. Ele apenas precisava
localizar os bens roubados de uma velha viúva, cobrar seu
preço e evitar a bela que o assombrava como o céu enluarado.
Tudo que precisa é de um único beijo
Ele nunca teve intenção de tocá-la. Ela nunca quis
revelar a verdade. Mas uma vez que ele experimentara o calor
e o desejo escondidos embaixo daquela máscara de gelo, o
único mistério que o homem de Bow Street queima para
solucionar é descobrir como um lobo patife poderia
conquistar a esquiva Srta. Gray para si mesmo.··.
DEDICATÓRIA

A todos aqueles que caíram de amores por viscondes


vingativos e anjos arruinados, encalhadas obstinadas e
duques formais, canalhas malvados e duendes resistentes,
diabos perversos e desastres ruivo, gigantes loiros e fadas de
luzes estrelares, o filho do dragão e certa viúva, lordes
perigosos e especialistas em felicidade doméstica, rufiões sem
berço e solteironas de espinha de aço, grifos de olhos
misteriosos e roseira espinhosa, cavaleiros valentes e
determinada abelha zangada...
E um dragão de língua afiada.
PRÓLOGO

“Esteja avisado, sir. Você invocou um fogo inesgotável que só


pode ser apagado pela derrota de seus inimigos. Espero a sua
rendição com a máxima antecipação."

L D P para Malcolm Charles Bainbridge, Conde


de Bainbridge, em uma carta com uma repreensão mordaz.

11 de setembro de 1814
Wiltshire, Inglaterra

Ela estava flutuando. Ali, em um quarto envolto em


vermelho. Um quarto com uma única janela, duas cadeiras de
veludos flanqueando uma mesa de xadrez e um fogo baixo
tremeluzindo imagens parecidas a dedos laranjas nas paredes
escuras.
Hannah flutuava acima da garota naquela cama.
Criatura lamentável. Congelada como se a imobilidade fizesse
diferença. Nunca fizera.
Lá fora, a chuva caía escorrendo cinza pelo vidro. A
vibração da água sobre as pedras e a grama não abafavam o
som.
Toc, pá. Toc, pá. Toc, pá.
Ecoando pelo terraço.
Toc, pá. Toc, pá. Toc, pá.
Descendo as escadas.
Toc, pá.
Uma pausa.
Ela mergulhou em direção à menina, cada centímetro se
afundando no terror.
A voz dele soou embaixo da janela. Plácida. Agradável.
Toc, pá. Toc, pá. Toc, pá.
Recuando. Retrocedendo. Sumindo. Foi-se.
Abençoadamente se foi.
Ela flutuou novamente, no teto agora. Uma luz cinza
oferecia um conforto frio.
― Aqui está, senhorita. ― A mulher redonda com
cadência irlandesa gingou perto da menina, colocando uma
bandeja ao lado da cama. Ela começou a virar-se e, então,
parou. Tocou a pequena garrafa ao lado do bule. ― O láudano
deve ajudar.
Errado. O láudano apenas entorpecia os seus sentidos.
Nunca ajudava.
― Você não deveria ter tentado pegar o cavalo dele,
senhorita. Ele a machucou ainda mais quando fugiu. Céus,
você nunca aprendeu a montar. Quão longe imaginou que
chegaria, hein?
A menina não moveu nem um cílio.
― Se eu... Se eu tentasse ajudá-la, ele me mataria. ― A
voz da mulher enfraqueceu-se até ela não ter substância,
apenas respiração. ― Você é importante. Eu não.
Verdade. Matar era a resposta dele para muitos
problemas: criados rebeldes, vizinhos inconvenientes. A mãe
dela.
Em um vago gesto maternal, a mulher alisou uma mecha
preta e úmida que estava sobre os ombros da menina.
A menina não se mexeu. Mas, então, ela não estava
presente. Hannah afastou-se, enrolada em um canto do teto
onde as sombras se reuniam cinzas e sombrias.
― Eu gostaria de pegar aquela maldita bengala dele e... ―
A fala vingativa da mulher sumiu, não completada. Seus
dedos gordos formaram um punho antes de se enfiarem nos
bolsos de seu avental. Ela puxou um cobertor verde dos pés
da cama e o espalhou com gentileza sobre o corpo da menina.
― Agora. ― Ela sussurrou. ― Deixe a velha Sra. Finney cuidar
de você. ― Outra carícia no cabelo da menina, molhado pela
chuva. ― Espere um pouco, doce senhorita. Ele tem inimigos.
Pessoas perigosas. Um dia, eles o encontrarão. ― A mão da
mulher tremeu. Um rubor correu em suas bochechas. ― Um
dia ele irá e você será livre.
Hannah desejava que a mulher fosse embora. A Sra.
Finney era uma boa governanta, mas a menina na cama não
desejava ser tocada. Por ninguém, por nenhum motivo.
― Sem mais bravuras. ― A governanta advertiu enquanto
servia o chá e adicionava o láudano. ― Sem mais destas
besteiras. Olhe para você. Uma coisa pequena e frágil. Não
deve continuar fazendo convites às punições dele. E aonde
você iria, de qualquer forma, se conseguisse escapar? Órfãos
não têm família. ― A Sra. Finney foi até o lavatório e jogou
água na bacia. ― Não que conseguisse se esconder dele se
tivesse chance. ― Ela voltou com um pano em sua mão,
cuidadosamente abrindo o vestido úmido na menina e
expondo as costas dela. O ofego da mulher soou agudamente
no quarto silencioso.
Em seu canto no teto, onde estava escuro e frio, Hannah
deixou as sombras a envolverem, abafando a cor, o som e a
sensação. O tempo passou. Ela não sabia dizer quanto.
Quando as sombras se transformaram em fios, a Sra. Finney
já tinha ido e a chuva havia amainado.
Hannah assistiu a menina na cama, aninhada, imóvel,
embaixo do cobertor verde. Os dedos pálidos da menina
estavam curvados perto dos olhos vazios e abertos. Devagar,
devagar, como se fosse puxada através de um espelho,
Hannah se viu empurrada para dentro daqueles olhos.
Pálidos; verdes pálidos. Ninguém mais tinha olhos como os
dela. Apenas seu amado papai, que se fora. Foi, foi, foi.
Agora, ela enxergava através daqueles olhos. Viu os
dedos da menina. Seus dedos. Brancos e curvos. Eles
apertavam.
Não. Ela não queria estar ali. Ela queria as sombras, o
teto. Ela queria flutuar novamente.
A dor não a deixaria. Ela cantava em uma vibração
horrível.
As palavras da Sra. Finney formaram as letras para
acompanhar. Um dia, ele irá. As palavras cantavam.
Repetidamente. Uma canção mais perigosa do que os
inimigos, mas idiota do que a coragem e a estupidez de uma
menina desesperada. Um dia, ele irá. Elas sussurravam. Um
dia, ele irá. E você estará livre.

*~*~*

11 de setembro de 1814
Lake Champlain, New York

Jonas deveria ter sido morto umas dez vezes até agora.
Doze, se contasse um marido raivoso que o perseguiu com um
machado ou o pai raivoso que, com um tiro, tirara o chapéu
de sua cabeça. Mas ele nunca contava os incidentes
envolvendo mulheres e bebidas. Esses eram autoinfligidos.
A verdade era que Jonas Bartholomew Hawthorn não
fora feito para morrer. Pelo contrário, ele fora amaldiçoado
para assistir os outros morrerem.
― O que está desenhando aí, Hawthorn? As tetas da sua
mãe? ― Risos alegres seguiram a piada, misturando-se ao
ruído dos cascos da fragata e ao estalo de suas velas.
Jonas levantou o rosto de seu esboço. O sol brilhava
como um espelho sobre o enorme lago naquela manhã.
Enquanto os carpinteiros raspavam e martelavam e os
homens da infantaria mal treinados colocavam os canhões no
lugar, ele estava aproveitando alguns momentos abençoados
antes da batalha para registrar o cenário ao seu redor: milhas
de lago de água azul, uma margem com floresta densa e um
bando de gansos voando acima.
Em breve, a morte chegaria. Por enquanto, ele exploraria
algo mais bonito.
― Não. ― Ele respondeu ao insulto de Bailey com um
sorriso meio preguiçoso. ― As tetas da sua mãe são mais
atraentes. Quer dar uma olhada?
A alegria de seu colega soldado azedou-se. Aos vinte
anos, Bailey era apenas um ano mais novo do que Jonas, mas
vira apenas uma escaramuça medíocre no continente antes
de embarcar ao Canadá com o Trigésimo Nono Regimento de
Infantaria. Jonas se juntara ao Trigésimo Nono aos dezesseis
anos. Ele sobrevivera aos mosquetes e canhões em Buçaco,
atirou lanças em Albuera. Ele assistiu homens como Bailey
irem cegamente enlouquecidos para Vittoria e desmoronarem
como marionetes em Toulouse. Ele vira inúmeros franceses
morrerem por suas mãos. Hoje, ele veria o mesmo acontecer
aos americanos.
Jonas era experiente e a morte o conhecia bem.
O ruivo Bailey levantou seu queixo de barba ruiva.
― Eu não deixo ninguém insultar a minha mãe, seu
canalha.
Rindo, Jonas assoprou o pó do carvão de seu desenho,
guardou o pequeno caderno no bolso e entrecerrou os olhos
sobre o deplorável jovem antagonista.
― Talvez não devesse deixá-la rebolar nua com os tipos
como eu.
― Como assim, rebolar?
― Vadiar.
A confusão se transformou em fúria.
― Você nunca encontrou a minha mãe. Ela voltou à
Inglaterra.
― Não, de fato. Embora nada amplie mais o prazer de um
homem do que a expectativa.
A confusão retornou.
― O que diabos está dizendo?
Jonas agarrou o corrimão às suas costas e se levantou.
Ele se movimentou devagar, pois sempre achara que ser
subestimado era uma vantagem valiosa. Por outro lado, ele
era alto, então se inclinou contra o corrimão para reduzir sua
altura. Depois, sorriu.
― Estou dizendo que é melhor evitar mencionar a mãe de
um homem.
― Foi isso o que eu disse.
― Então, nós concordamos.
Bailey coçou a sua cabeça ruiva.
― Eu não gosto muito de você, Hawthorn.
O sorriso de Jonas cresceu.
― Dê um tempo e você não gostará nada.
Outra coçada. Mas testa franzida em confusão.
― Quando a batalha começa?
Jonas suspirou e olhou para trás. Eles estavam
passando pelo farol na Cumberland Head. Esperava que os
navios começassem a atirar em breve, mas os tolos como
Bailey não tinham paciência. Ansiavam por uma luta, mesmo
que essa fosse contra seus colegas. Jonas apenas queria ser
deixado em paz.
― Não se preocupe, Bailey. Em breve você estará
limpando o sangue do convés. Provavelmente o seu próprio.
Se sobreviver, poderá voltar a beber rum e a insultar as mães
dos colonos.
― Bom em falar bobagens. Ouvir dizer que o Tenente
Phillips puxou o seu traseiro de uma prisão para embarcar no
Confiance.
Jonas cruzou seus braços e deu uma risadinha.
― Um mal entendido. Acontece que a mulher do alferes
não foi confiável ao dizer que seu marido não voltaria em
horas.
― Você estava bêbado.
― Cada homem do Trigésimo Nono estaria na prisão se
isso fosse uma ofensa.
Bailey estreitou os olhos.
― Você foi pego beijando a dama no quarto do marido
dela.
―Humm. ― Jonas sorriu com a recordação. ― Falando
em seios adoráveis.
Três homens da infantaria mais jovens se aproximaram,
flanqueando Bailey e semicerrando os olhos para Jonas com
vários graus de nervosismo.
― O último canhão está no local. ― Disse o loiro, secando
o suor de sua testa com as costas sujas da mão.
― Maldição. ― Disse o mais alto com uma marca cor de
vinho em sua bochecha. ― Nunca pensei que sentiria falta da
sujeira espanhola novamente.
Clayton, Jonas se lembrou. O nome do homem era
Clayton. Ele tentava evitar descobrir os nomes deles, mas a
marca de nascença era muito vívida, assim como o cabelo
ruivo de Bailey.
―Aye. ― Falou o mais magro, remexendo-se de um pé
para o outro como se lutasse para segurar a urina.
Jonas virou os olhos para a popa. Os navios menores do
esquadrão seguiam como cordeiros atrás de uma ovelha. O
Confiance era o maior de todos ― o maior navio, o maior alvo.
As nuvens cobriram momentaneamente o sol, colorindo a
água de cinza.
Ele girou para olhar ao norte, além da proa. À distância,
uma linha de navios de guerra americanos esperava para
recebê-los com uma estrondosa saudação.
Olhou para os homens diante dele, parte de uma
tripulação montada às pressas para uma embarcação não
terminada. Olhou para as pranchas sujas de piche sob as
suas botas. Os conveses foram construídos com madeira
verde tão áspera que os canhões do enorme navio tiveram que
ser erguidos em vez de serem rolados. Mesmo para uma
tripulação bem treinada ― o que eles não eram ― usá-los era
um trabalho árduo.
Olhou para cima, para o cordame e sentiu o vento forte
enfraquecer dentro das grandes e brancas velas. Lutou contra
um frio estranho e agourento.
― Espero que esteja certo. ― Ele murmurou, afastando-
se do corrimão. ― Melhor começar. ― Ele se abaixou para
pegar sua sacola assim que um oficial atarracado como um
castor se aproximou. Evitando os olhares azedos do homem,
Jonas encolheu os ombros sob a sua sacola. Obviamente o
alferes ainda estava irritado com o incidente entre Jonas e os
adoráveis seios da esposa dele.
― Tomem as suas posições. ― O castor gritou. ― Estejam
prontos.
Eles se moveram para baixo do convés de canhões. Outro
arrepio serpenteou através dele diante do caos: marinheiros
grisalhos gritavam ordens para uma tripulação de oito
homens com pouquíssima experiência. Mesmo ali, os
carpinteiros corriam carregando fitas métricas e ferramentas.
Bolas de quase meio quilo esperavam nas prateleiras para
serem carregadas após a primeira saraivada.
Uma mão puxou seu ombro para trás.
― Mova o seu traseiro inútil, Hawthorn. ― O castor
vociferou.
Ele quis perguntar se a esposa do alferes achava o seu
traseiro inútil ― ela pareceu bastante impressionada, pelo que
se lembrava. Mas ele não gostaria de ser enfiado em um
canhão e atirado ao outro lado da baía. Em vez disso, segurou
a língua e se uniu a Clayton e Bailey e cinco outros homens
no sétimo canhão.
Um oficial com sotaque escocês, um sobretudo azul e
grandes dragonas1 vagava pela linha dos canhões, mãos
atrás das costas, olhos na tripulação. Ele era mais jovem do
que Jonas esperava para um comandante de um esquadrão ―
trinta anos, supunha. Mas os olhos do Capitão Downie
pareciam tão sombrios quanto Jonas sentia.
Um terceiro calafrio arrastou-se pelo pescoço de Jonas.
― Preparem-se para carregar os canhões! ― O Capitão
Downie anunciou sobre a cacofonia. Atirar os canhões
sinalizava que o exército britânico na vila de Plattsburgh
avançaria em um ataque coordenado. ― Enquanto nós
vencemos a batalha na baía, nossos soldados clamarão vitória
em terra!
Jonas observou o capitão, orgulhoso e direto, receber
acenos respeitosos da tripulação inexperiente e rejeitada por
outros navios. Todos pareciam ter segurança. Mas aos olhos
de Jonas, Downie não parecia um homem prestes a vencer
uma batalha. Ele parecia um homem indo à forca.
Outro calafrio arrepiante o atingiu, transformando-se em
coceira ao longo de sua nuca. O olhar de Jonas caiu sobre
Bailey, febril de antecipação. Ao lado dele, o firme Clayton
parecia confiante, embora sua garganta ondulasse como em
um gole.
Ao sinal do capitão, eles carregaram os canhões. Cada
canhão recuou vários metros, parou apenas pelas cordas de
segurança que os prendiam. Jonas e o resto da tripulação se
apressaram para carregar e colocar a arma de duas toneladas
de volta a posição.
Seus ouvidos zumbido como insetos.
O navio mantinha o seu curso em direção ao navio de
bandeira americana, o Saratoga. Pode ter levado minutos ou
horas até o Confiance sofrer seu primeiro golpe ― minutos,
provavelmente. Quando a explosão aconteceu, a madeira
estilhaçou e voou como balas. Os conveses acima foram
destruídos. Se os seus ouvidos estivessem funcionando, teria
ouvido os gritos dos homens morrendo. Como estavam, ele
não conseguiu ouvir nada além do zumbido.
Entretanto, ele conseguia enxergar. Um dos tenentes,
com o rosto manchado de sangue, gritar a Downie, que estava
parado ao lado de um dos canhões. Jonas viu a boca do
tenente repetir as formas das palavras ‘perdemos” e “maldita
âncora”.
Apesar de seus esforços para subir nas cordas dos
canhões, o calafrio de Jonas agora pulsava espesso dentro
dele. Inferno maldito. Se eles tivessem perdido a âncora,
teriam pouca esperança para manobrar até uma posição
apropriada para a batalha, muito menos virar o navio para se
valer de novas armas. Ele entrecerrou os olhos pela abertura
do canhão em direção ao Saratoga. O vento cessara. De fato, o
Confiance parecia ter diminuído a velocidade a um rastejar
aquém da posição que precisavam para um ataque completo.
O marinheiro que liderava a tripulação de Jonas
gesticulava freneticamente, tentando transmitir a necessidade
de armar-se novamente. Jonas pareceu ser o único a
entender, então ele empurrou um Clayton que franzia a testa
e um Bailey de olhos vítreos em direção ao lado oposto do
carregamento de canhões. Mostrando-lhe o que era preciso,
apressou-se à frente e fez o mesmo com outros dois homens.
O marinheiro lhe acenou em agradecimento.
Quando o Confiance atirou nos americanos, já havia
sofrido um dano fatal. Jonas sentiu isso chegar. A perda da
âncora, a morte do vento. A tripulação desorganizada e
inexperiente. Até mesmo a madeira verde dos conveses. Esses
fatores não foram os responsáveis pelo desastre que se
seguiu. Em vez disso, gotas individuais de azar coincidiram
para formar o curso.
Uma das embarcações menores fora danificada mais
cedo. Ele flutuava como um barco de brinquedo infantil entre
o Confiance e o Saratoga, negando-os um tiro curto.
Eles esperaram e esperaram por sinais de que as forças
terrestres tivessem avançado e comprometido as fortalezas
americanas. Os sinais nunca vieram.
Pior de tudo, não mais do que meia hora do início da
batalha, o Capitão Downie foi derrubado por um de seus
próprios malditos canhões. Foi atingido diretamente por uma
bala atirada pelo Saratoga, o enorme canhão de ferro voou de
seu carro e esmagou o escocês de olhar sombrio com o seu
peso. Seu relógio foi esmagado também, marcando o
momento de sua morte.
A tripulação do canhão já exausta e desesperada,
afundou-se no desespero. Jonas e o marinheiro continuavam
a empurrar os outros homens às suas posições. Continuaram
gritando, embora ninguém pudesse escutar. Continuaram
gesticulando para recarregar. Jonas continuou levando o
canhão em seu lugar, ignorando a mancha de piche e sangue
no convés. Ignorando o odor fétido da morte, o cheiro amargo
da pólvora queimando em um clarão. Ignorando a inclinação
do navio enquanto eles afundavam na água.
Outra explosão atingiu o casco do Confiance. Lascas de
madeira verde voaram, salpicando em sua carne como tiros
de chumbinho. Ele ignorou isso. Forçou suas botas a se
apoiarem às pranchas ásperas e empurrou o carrinho do
canhão.
Perder não era desculpa para desistir.
Outra explosão. Um laranja brilhante passou pela visão
periférica de Jonas. O horror manchado de vinho envolveu o
rosto suado de Clayton que olhava boquiaberto para o convés
atrás de Jonas. Agarrando o braço de Clayton, ele o empurrou
para que olhasse para a direção oposta.
Não fazia sentido olhar. Bailey estava morto.
Provavelmente melhor. Os feridos estavam sendo
arrastados ao convés abaixo, onde a água estava acima de
seus narizes. Aqueles que não tinham sido feitos em pedaços,
estavam prestes a se afogar.
Apenas carregue o canhão. ― Pensou. ― Carregue o
canhão e atire.
A tripulação à esquerda havia sido eliminada no último
ataque lateral. Metade da tripulação à sua direita estava
sentada no convés sujo de sangue, os olhos vazios e baixos,
as cabeças abaixadas em derrota.
Que maravilha. As armas deste lado do navio estavam
reduzidas a quatro. Eles perderam a segunda âncora há uma
hora. Sem âncoras ou vento, eles não tinham chances de virar
o navio para o conjunto de canhões novos.
Apesar do desespero, apesar de tudo, ele agarrou as
cordas e forçou a sua tripulação a empurrar o canhão em
direção à sua abertura. Ao sinal do tenente, Clayton acendeu
a arma.
O tiro sacudiu o navio.
Imediatamente a sua tripulação correu para recarregar.
Ela batia nos ombros e oferecia acenos de
encorajamento. Podia não saber os nomes deles. Ele poderia
nunca mais ver os seus rostos novamente. Mas se
sobrevivesse, queria que eles tivessem certeza de uma coisa: a
falha não fora deles.
O suor ardia os olhos. A fumaça queimava os pulmões.
Os ombros estavam em chamas pelo esforço de puxar uma
arma de duas toneladas para a posição, de novo e de novo.
A bochecha com a marca vinho de Clayton atraiu a sua
atenção um momento antes de ele ter um vislumbre do
Saratoga. Onde o rosto do rapaz não era marcado, ficou
branco. Branco como as nuvens sobre o Lago Champlain.
Ele se virou como se fosse fazer uma pergunta a Jonas.
Em seguida o seu corpo estava voando. Colidindo. Um
crânio duro com uma marca vinho atingiu o queixo de Jonas.
Lampejos de luzes giraram e faiscaram. Oitenta quilos de seu
colega de infantaria amassaram-no como uma semente
embaixo de um arado. A força fez com que ambos deslizassem
pela madeira verde e manchas vermelhas de sangue
Por um tempo ele flutuou dentro do branco e cinza.
Ouviu um zumbido. Primeiro, culpou o zumbido nos ouvidos
que não pararam desde que o tiroteio começou.
Mas não, este era musical. Uma voz suave e leve. Oscilou
um pouco, como as águas do lago na costa de pedras. Uma
beleza tímida e incerta. Ele quis capturá-la. Prolongá-la e se
aquecer.
No som, um calor tímido.
A terra apareceu diante dele, uma extensão ondulante de
pasto, ovelhas, cevada e centeio. Também casinhas. Telhados
de palha em bom estado. Uma casa grande feita de pedra
cinza com, de todas as coisas, torres em dois cantos. Como
um castelo em miniatura.
Ele se sentou em um jardim à sombra de um salgueiro
mais alto do que a casa. Sob os seus pés havia pedras
quadradas e, entre as pedras, havia tomilho. A fragrância da
erva encheu sua cabeça, parecendo verão. Flores se
derramavam dos vasos próximos. Uma fonte espirrava. Ele
não conseguia vê-la, pois os dois lados do jardim eram
ornados por sebes altas, mas a ouvia. Uma luz dourada
atravessava a névoa. Isso iluminou tudo.
O vento soprou.
― Algum dia. ― Ele pareceu suspirar.
Não. Não algum dia. Agora. Ele queria ficar ali, com a voz
gentil dela limpando-o da morte.
Ele tentou insistir. Tentou falar.
― Não é assim que termina. ― O vento assoprou.
Em meio a fios brancos e luz dourada, logo atrás dos
galhos do salgueiro chorão, ele viu uma seda preta tremular.
Talvez a asa de um pássaro? Um corvo. Preto cintilante.
Ela cantarolou a sua canção.
― Não é como termina. ― Sussurrou o vento.
O preto se afastou entre as folhas. O nevoeiro engoliu o
jardim. Sua canção ficou fraca. Ansiosa. Assustada.
Não! Ele queria ficar. Deus, por que ele não podia ficar?
― Não é como termina.
Ele precisava ficar. Precisava encontrar seu lugar.
Encontrá-la.
O branco e o cinza se desvaneceram na noite. O ruído em
seus ouvidos ficou mais forte. Uma força violenta o levantou
por uma fenda no céu.
O preto ficou vermelho. Vermelho ruivo.
E vinho.
E madeira.
Alguma coisa estava deitada no seu peito. Pesada. Não
conseguia respirar.
Os ombros doíam. O queixo doía. Os ouvidos zumbiam.
Sua cabeça rolou para o lado. Ele se permitiu um único
momento para fechar os olhos. Ignorar o horror. Recordar a
canção.
Respirar.
Então ele empurrou. Rolou o corpo sem vida de Clayton.
Sentou-se e olhou a morte.
Em todos os lugares. Em todos os lugares.
O rosto com dentes grandes do alferes Beaver apareceu
na frente do dele, limpo, exceto por um pouco de fuligem.
― Hawthorn. ― O homem murmurou. ― Você está vivo?
O diabo o levasse. Sim. Ele estava. Como sempre, ele
estava vivo e rodeado pela morte.
Aquilo parecia uma punição, e uma cruel.
O alferes Beaver murmurou alguma coisa como
‘rendição’. O convés de armas estava coberto pelos destroços
da guerra ― corpos e sangue. Partes do que deveria ter sido
homens e não eram mais. O navio quebrado e rangendo
tombou bruscamente.
Jonas quis rir. O absurdo geralmente fazia isso. Que
farsa esquecida por Deus para enviar homens como Clayton e
Bailey ― soldados da infantaria posando de marinheiros ―
para lutar em um navio não terminado, depois render-se logo
após o massacre. Eles morreram por nada.
Malditamente nada.
Sim, ele quis rir. Mas ele estava coberto pelo sangue
inútil deles.
E ele ainda era capaz de ouvi-la cantarolar. Apenas uma
memória, claro, mas era um doce conforto. Algum dia, ele
escaparia desse mundo vil. Por enquanto, ele encontraria
pedaços de belezas para mantê-lo são ― costa verde e um lago
de água azul. Ou um vislumbre de um preto brilhante entre
os galhos de um salgueiro.
Algum dia, ele teria um lugar bonito em vez da guerra.
Ele ficaria nas pedras que cheiravam a tomilho, assistiria a
luz do sol cortar a névoa e saberia que ele havia encontrado
um lar. Um lar que nenhuma força desse mundo ou do
próximo o faria partir.
CAPÍTULO 1

“Uma cavalgada tediosa em uma montaria manca é mais


atrativa do que uma dança com você, meu lorde. Talvez seja a
companhia.”

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta expressando sua
insatisfação com a conciliação do dito cavalheiro.

11 de julho de 1826
Primvale Castle, Dorsetshire

O vento com cheiro de mar batia no rosto de Hannah


enquanto o ritmo do galope de sua montaria era tão indômito
quanto as batidas de seu coração. O solo costeiro voava. A
grama alta ondulava como água. A luz do sol aquecia suas
luvas de veludo.
Suas cavalgadas nunca eram fáceis. Mesmo agora, um
ano após ela montar pela primeira vez em uma sela, sua
palma suava onde ela agarrava o seu chicote de montaria.
Bastões de qualquer tipo tendiam a nublar sua mente. Mas,
com ajuda e tempo, ela se negou a temer a sua vitória.
Ou quase isso, de qualquer forma.
No início, o melhor que ela conseguiu fazer foi uma
caminhada lenta, balançando ao ritmo da égua gentil e
apenas quando a sua cunhada, Eugenia, estava a seu lado,
adulando, incentivando e insistindo que ela fosse forte. Ela
não era, claro. Cada momento era preenchido por um pavor
torturador. Com o tempo, forçou o revirar em seu estômago a
recuar. Forçou o seu aperto nas rédeas do cavalo a
suavizarem. Ela se impulsionava, dia após dia, a trotar,
depois acelerar e, então, a galopar.
Agora, todos os dias após o desjejum, ela levava Astrea
através das vastas terras de seu irmão. Esta manhã, o sol
brilhava sobre o mar enquanto acelerava ao longo do
penhasco acima de Primvale Cove. Suas pernas apertavam as
laterais da sela, como Eugenia lhe ensinara. Ela abaixou-se
sobre o pescoço de Astrea, levando a montaria ― e ela ― com
mais força.
A velocidade era o ponto. Se ela corresse rápido o
bastante, era como se ela voasse.
Logo, os flancos de Astrea ficaram pesados com suas
respirações difíceis. Hannah diminuiu o ritmo, guiando o
animal para o interior, de volta a Primvale Castle.
― Nos saímos bem hoje. ― Ela murmurou, acariciando o
pescoço de Astrea. Sua voz tremeu um pouco. Quase
imperceptível, na verdade.
Ela sentou-se ereta e suspirou. Como ela amava este
lugar. Seu irmão possuía um extraordinário talento para
cultivar jardins. Enquanto passava pelo pomar, notou que a
sua nova variedade de pereira estava começando a frutificar.
Ele ficaria feliz. Phineas Brand podia ser o Conde de
Holstoke, mas o título não era a fonte de seu orgulho. Ele era
um cientista, um horticultor. Sua paixão por plantas o levou
a desenvolver variedades mais fortes e prolíferas, apesar de a
Sociedade de Horticultura de Londres continuar a negar seu
pedido de ser tornar um membro.
Que absurdo. O mero fato da mãe de Phineas ter sido o
mal encarnado não deveria significar de forma alguma
quando se tratava de assuntos científicos. Não era suposto
que as pesquisas científicas serem baseada nas análises
objetivas? Infelizmente, o nome Brand estaria para sempre
manchado pelo legado assassino da antiga Lady Holstoke.
Todos os dias, Hannah sentia-se grata por aquela mulher
estar morta ― para o bem de Phineas tanto quanto o dela.
Felizmente, a nova Lady Holstoke era uma mulher
esplêndida. Hannah não pensara assim no começo. Quando
Phineas se casou com Eugenia Huxley em meio a um
escândalo turbulento, Hannah temera perder o vínculo que
compartilhava com o seu irmão. Ele era a única família que
lhe restara e, após o pesadelo infernal que fora sua vida
anterior, o cuidado e a devoção dele tinham sido o céu dela.
Mas Eugenia não o roubara. Pelo contrário, ela atraiu
Hannah para perto e virou sua irmã de verdade. Ela fora
implacável, ignorando as frias rejeições de Hannah,
desgastando sua resistência até que Hannah não pudesse
deixar de amá-la.
Agora, enquanto guiava Astrea para fora do orquidário ao
longo do caminho que atravessava os jardins sudeste,
Hannah sorria. A Eugenia louca, sincera e obcecada por
chapéus. Ela sentia falta da companhia de sua amiga
durantes as cavalgadas. Mas Eugenia era uma mãe recente e
insistia em cuidar, ela mesma, do bebê. O sobrinho de
Hannah mantinha seus pais ocupados, de fato.
O sorriso dela aumentou. Só em pensar no pequeno
precioso bebê aquecia o seu peito. Ela nunca pensou que
poderia sentir tanto amor tão rapidamente.
Contornando a simetria quadrada de Primvale Castle, ela
passou pela grande fonte onde um majestoso grifo abraçava
os ramos de uma roseira e desceu pela trilha até os estábulos.
Dentro do pátio dos estábulos, o cavalariço chefe de Phineas,
o bondoso Sr. Reynolds, não ofereceu nenhum ajuda
enquanto ela desmontava, apenas bateu na ponta de seu
chapéu e lhe desejou bom dia. Cuidando para não tocá-la,
esperou que Hannah descesse do bloco de montaria e se
afastasse alguns passos antes de vir pegar as rédeas de
Astrea.
― Como foi o seu passeio hoje, senhorita? ― Ele
perguntou com um sorriso caloroso e enrugado.
― Bastante agradável. ― Ela respondeu, colocando seu
chicote de equitação cuidadosamente sobre a palma aberta da
mão dele antes de recuar vários passos. ― Quando o sol
brilha, não há lugar na terra mais bonito do que Primvale.
Ele assentiu e levou o chicote para longe de sua visão.
Seus olhos gentis irradiavam compreensão. Como ela
desejava poder retribuir do mesmo modo. Reynolds era um
bom homem, ela se lembrou. Ele nunca a machucaria.
Mas ela ainda não encontrara uma forma de persuadir o
seu corpo sobre o que sua mente sabia.
Silenciosamente ela o agradeceu antes de dar uma
palmadinha no flanco de Astrea e seguir ao castelo. Lá dentro,
ela ouviu Eugenia rir. O som a fez sorrir.
Ela os encontrou na sala de estar ― seu irmão, alto,
magro, com cabelos negros como corvo e olhos verdes pálidos.
Sua cunhada com o seu abundante cabelo castanho, cintura
estreita e um chapéu de aba larga com não menos do que três
frutas em miniatura em cima. E, melhor de tudo, seu
sobrinho Griffin Brand, ou Griffy, o Traquina, como Eugenia
às vezes o chamava. No momento, Griffy estava gritando com
um curioso deleite e dando repetidos chutes no ar por baixo
de sua longa bata. Ele estava deitado no sofá, olhando para o
chapéu de Eugenia com uma fascinação encantadora.
― Ele quer a fruta, Roseira. ― Phineas comentou com
Eugenia, calmamente dobrando seu jornal. ― Eu a alertei.
― Griffy reconhece a moda elegante quando a vê. Não é?
Sim, reconhece. ― Eugenia abaixou o rosto na barriga de seu
filho e fez ruídos engraçados de beijos. Enquanto isso, Griffy
agarrava a aba de seu chapéu com um foco determinado. Sua
mamãe riu e gentilmente retirou os dedos do bebê. ― Agora,
meu querido. Deixe as obsessões para seu papai. ― Ela
lançou um olhar malicioso na direção de Phineas. ― Ele é
bom nisso.
Os olhos pálidos de Phineas ― tão parecidos com os de
Hannah ― se acenderam com um segredo. Ele levantou-se da
cadeira, colocou o jornal embaixo do braço e se abaixou para
beijar Eugenia em um único movimento. A mão dele segurou
a nuca dela em um gesto possessivo. A mão de Eugenia tocou
o rosto dele com um amoroso. O filho deles gorgolejava e
soltava bolhas.
― Estarei na estufa, Roseira. ― Phineas murmurou. ―
Enquanto Griffin tiver dormindo, pode se unir a mim lá, se
quiser. Estou conduzindo uma nova experiência, eu acredito
que você as achará...edificante.
― Humm. Adoro ser edificada por você, meu amor.
Hannah quase podia ouvir o sorriso de seu irmão.
Phineas tinha sorrido e gargalhado mais no último ano do que
nos seis anos anteriores que viveram juntos. Provavelmente
mais do que em toda a vida. Hannah não saberia. Ela
conhecera seu irmão há apenas sete anos, quando um
conhecido em comum ― a irmã de Eugenia, por acaso ―
percebeu a semelhança entre eles e os apresentou.
Apesar de Hannah ser a bastarda do pai deles, Phineas
não hesitou em nenhum momento em levá-la a sua casa e
abraçá-la completamente. Ele a protegia, a abrigava. Ele lhe
dera um lar e uma família.
Agora, enquanto ele se aproximava, ela admirou o
homem em que ele se transformou. Ele parecia tanto com o
pai deles. Ela recordava do pai visitando a sua mãe e a ela,
levando presentes e a segurando no colo. Antes que ele
lentamente fosse envenenado pela víbora que era a esposa,
Simon Brand fora um homem bom, inteligente, paciente e
bondoso. Phineas herdara estas qualidades com uma
intensidade que alguns achavam intimidante.
Perto de Hannah, ele se mantinha cuidadosamente
controlado, já que conhecia o efeito que isso teria sobre ela.
Phineas era protetor por natureza.
Ele parou assim que chegou ao seu lado. Lentamente,
estendeu-lhe a mão.
Com ela, Phineas sempre tomava o maior cuidado.
Ela hesitou apenas um momento antes de forçar a
deslizar a mão na dele. Como sempre, sua recompensa foi um
gentil aperto e uma sensação de alívio. Phineas nunca a
machucaria. Ela sabia disso. Ela sabia.
Os olhos dele cheio de ternura.
― Suas bochechas estão adoravelmente coradas,
Hannah. Acredito que teve um passeio agradável.
Ela assentiu.
― Astrea e eu apreciamos um galope vigoroso acima da
enseada. A brisa está soprando quente esta manhã. Parece
seda.
― Suspeito que teremos uma onda de calor este mês.
― Suas novas peras estão se mostrando promissoras.
Ele sorriu.
― De fato, elas estão. Tenho muita esperança de uma
safra para setembro deste ano. Veremos-nos antes do jantar
para nossa partida de costume, sim?
Eles jogavam xadrez todos os dias e todos os dias ele a
derrotava. Mas ela aprendia mais a cada dia. Na noite
passada, ela ficou a dois movimentos de derrotá-lo. Em breve,
ela triunfaria. Ela sentia isso. Ela era uma excelente jogadora.
― Se anseia por humilhação, é claro que farei isso. ― Ela
disse atrevidamente.
Ele riu.
― Até lá. ― Com um último aperto em seus dedos, ele
lentamente se abaixou para beijar seu rosto.
Ela se preparou, esperando imóvel como sempre fazia
nos últimos sete anos. Em famílias, era importante aceitar
gestos de afeição. Phineas era o único homem com quem ela
conseguia tal feito, e ele fazia um grande esforço para não
assustá-la.
― Vá, Phineas. ― Eugenia balançou os dedos para ele ir.
― Suas plantas esperam.
Assim que ele partiu, Eugenia reverteu o movimento e
pediu que Hannah fosse até o sofá.
― Você deve ver isso, querida. Eu acho que Griffy está
rindo. ― Ela inclinou a cabeça. ― Ou talvez esteja tramando
para desmanchar o meu chapéu.
Hannah sentou do lado de seu sobrinho e o pegou em
seus braços. Ele arrulhou e contorceu seus braços em
círculos.
― A inteligência corre na família.
Eugenia bufou.
― Ele pode fazer o que quiser, desde que continue
dormindo profundamente a noite inteira. Bons céus, eu
contemplei implorar a Phineas por uma poção para dormir.
― Para você?
― Para Griffy. O garoto tem um apetite voraz. Não pode
ser saudável.
Hannah sorriu para os familiares olhos verdes.
― Acho que um bom apetite é um excelente sinal. Quer
dizer que ele está crescendo.
― Humph. No próximo ano precisaremos de uma carroça
e cavalos de arado para carregá-lo.
Deslizando um dedo sobre os sedosos cabelos pretos,
Hannah depositou um beijo na testa dele.
― Sua mãe está brincando, Griffin. Provavelmente um
menino tão inteligente quanto você estará andando sozinho
nesta época. Mãos minúsculas agarraram seus cachos, onde
uma espiral negra estava ao seu alcance.
― Ele lhe adora, sabia.
Hannah sorriu, recusando tirar os olhos do seu precioso
rosto.
― E eu a ele.
Um longo silêncio caiu. Quando ela levantou o rosto,
Eugenia a olhava especulativamente, os dedos dando
tapinhas em seus lábios.
― Você deveria ter um.
O choque borbulhou em suas entranhas. Por um longo
momento, ela não foi capaz de falar. A dor que ela tentava
negar ― uma dor que ficava mais afiada e profunda a cada dia
que passava ― aumentava, preenchia e exigia.
Eugenia era direta por natureza. O benefício de sua
franqueza era que raramente alguém tinha que se perguntar o
que ela estava pensando. A dificuldade era que ninguém
estava preparado para ouvir a verdade.
Tranquilamente retirando o seu chapéu e o colocando na
mesa baixa, o olhar direto de Eugenia alfinetou Hannah a
almofada do sofá.
― Para ter um desses, primeiro deve-se ter um marido,
claro. E aí está o problema, não querida?
Hannah não consegui formar as palavras, pois nada
poderia descrever a sua angustia. Ela não conseguia tolerar a
ajuda do Sr. Reynolds para descer do cavalo. Ela tinha que se
esforçar todas as vezes que seu próprio irmão beijava o seu
rosto.
Um marido era impossível.
O rosto de um homem surgiu em sua mente: queixo
quadrado, sorriso malicioso, olhos que a devoravam. Ela
lutou para afastar a visão, mas isso lhe custou.
O adorável rosto de Eugenia borrou em um redemoinho
líquido.
― Por favor. ― Hannah sussurrou apertadamente. ― Não.
― Eu segurei a minha língua por meses. ― Ela
respondeu. Olhos castanhos e calorosos brilhavam
compaixão. ― Quem dera eu pudesse esperar mais um pouco.
Você fez um progresso maravilhoso, querida irmã. Mas o
tempo está trabalhando contra nós agora.
Hannah balançou a cabeça e embalou Griffy mais
próximo. Seu pequeno punho batendo nela como se
oferecesse conforto.
― Não entendo.
― Esta sempre será a sua casa. Nós sempre seremos sua
família. Nunca duvide disso. ― Eugenia pegou o olhar dela e o
segurou, forte e certo. ― Mas você tem vinte e três anos. Se
quiser construir uma família para si, deve avançar além dos
seus medos.
― Não consigo.
― Sim, consegue.
― Não. Não estou pronta.
Eugenia sorriu e pôs uma mão no antebraço de Hannah.
― Pronta ou não, querida, é o momento.
O ressentimento ferveu dentro dela.
― Talvez a idade sirva como marca para as damas
normais. Uma temporada aos dezoito. Um marido aos vinte.
Um bebê aos vinte e dois. Alguém poderia ter um relógio de
cordas feito por um mestre ferreiro, marcando as horas
mecanicamente. ― Hannah ergueu o queixo. ― Mas eu não
sou normal, Eugenia. Bem longe disso.
A cabeça de sua cunha inclinou-se.
―Desejaria ser?
Outra onda de choque explodiu dentro dela. Deus, às
vezes ela desejava que Eugenia medisse as palavras. Apenas
de vez em quando. Mas a honestidade dela era também um
conforto, já que Hannah não precisava temer a decepção. Em
retorno, ela deu uma resposta honesta.
― Mais do que qualquer coisa.
Eugenia assentiu.
― Como pensei. ― Ela apertou o braço de Hannah e
acariciou a cabeça cabeluda de seu filho. ― Você tem muito
amor em seu coração para mantê-lo trancado e distante.
Devemos formular um plano.
― Eu não quero...
― Eu sei. Mas evitar o que você não quer, atrapalha o
que quer. Um marido. Um bebê só seu. Normalidade.
Seu coração tropeçou em uma batida de pânico com o
mero pensamento.
― Como? ― Ela sussurrou. ― Como eu... Não posso nem
imaginar isso.
― Vamos abordar essa diligência como faríamos como
qualquer outra. Primeiro, vamos estabelecer nossos objetivos.
Começaremos com a normalidade. Você não está muito longe
disso como pensa. ― Eugenia inclinou-se para frente e serviu-
lhes uma xícara de chá da bandeja. ― Damas normais bebem
chá. E você bebe chá.
Hannah ergueu uma sobrancelha.
Eugenia gesticulou em direção ao pianoforte no canto da
sala.
― Damas normais tocam músicas. Assim como você.
Desta vez, Hannah rolou os olhos.
― Damas normais também dormem e comem. Eugenia.
Devemos contar isso também?
Gargalhando, Eugenia balançou a cabeça.
― Se isto lhe der consolo, querida, contaremos até o uso
do penico.
― Nada me consola. Por essa razão isso é impossível.
Eugenia estalou a língua.
― Quanta besteira. Como supõe que as outras damas
conseguem aparentar normalidade?
Hannah franziu o cenho.
― Porque elas são normais.
― Errado. Estes são simplesmente comportamento. As
outras damas aprenderam a servir chá, a tocar instrumentos.
Elas aprenderam a cavalgar, assim como você tem aprendido:
praticando. Prática, prática, prática. ― Eugenia suspirou. ―
Por dentro, todas somos estranhas, sabia. Criaturas
estranhas com naturezas peculiares. Algumas de nós têm
mais inclinações para chapéus. Algumas de nós temos uma
curiosidade infinita sobre plantas. Outras são francas e
outras reservas. Algumas meramente toleram crianças,
enquanto outras... ― Ela cobriu a mão de Hannah,
acariciando gentilmente os nós de seus dedos. ― Outras não
podem evitar amá-las.
Hannah engoliu em seco e olhou para onde Eugenia a
tocava. Ela nem mesmo vacilava mais. Ela estava tão
acostumada com os gestos de afeição de Eugenia que mal
prestava atenção a ela, a não ser o conforto que ofereciam.
Talvez Eugenia estivesse certa. Talvez a normalidade
fosse apenas uma questão de prática.
Ela examinou o pequeno rosto de Griffy. Suas pálpebras
estavam fechadas, um cochilo se aproximava.
― Eu quero isso. ― Ela concedeu. ― Você está certa sobre
isso.
― Claro que estou.
― O que propõe?
― Lady Wallingham nos convidou para visitá-la em
Northumberland para uma festa em Grimsgate Castle. Minha
família irá, inclusive Maureen e Henry.
Maureen era a irmã de Eugenia ― uma das cinco filhas
Huxleys ― e uma querida amiga de Hannah. Ela fora a
responsável por apresentar Hannah a Phineas, na verdade.
Henry Thorpe, o Conde Dunston, era o marido de Maureen,
um cavalheiro impetuoso com uma atração por coletes
ousados e adagas afiadas. Ele salvara a vida de Hannah uma
vez. Ele era um bom homem e nunca a machucaria.
Ela soltou um suspiro irregular.
― Ter amigos por perto tornaria a nossa estada mais
agradável, suponho.
― Humm. Útil na caça a um marido também. ― Eugenia
voltara a bater nos lábios e analisar Hannah com um olhar
especulativo. ― Minha mãe e irmãs se divertirão com nosso
pequeno projeto.
― Caçar um m-marido? Pensei que apenas iríamos
praticar normalidade.
― E iremos...Enquanto nós procuramos um marido para
você.
― Esta é a sua pior ideia.
― Besteira. Primeiro, devemos ensiná-la a flertar. Finja
que sou um cavalheiro.
Hannah olhou para a elaborada confecção perto da
bandeja de chá.
― Nenhum cavalheiro usaria um chapéu decorado de
frutas.
Eugenia abaixou o tom de sua voz e suas sobrancelhas.
― Você é uma criatura extraordinária, Srta. Gray. Eu a
acho encantadora.
― Quem diz tais coisas?
Eugenia ergueu as sobrancelhas e se aproximou.
― Na verdade, minha bela, eu falo apenas a verdade
sobre o seu surpreendente esplendor.
― Bem, pare. Parece tolo. Griffy é mais encantador do
que eu.
Eugenia quebrou a interpretação para rir.
― Como mãe dele, eu concordo. Mas os cavalheiros não.
Você tem a essência de Holstoke sem a severidade dele.
Linhas tão puras e delicadas. Nenhum homem será capaz de
afastar os olhos. Uma pintada de flerte e você os terá como
escravos, competindo por seus favores de uma maneira bem
embaraçante.
― Mas eu não os quero como escravos. Eu nem mesmo
os quero... Olhando para mim.
― Você quer isso? ― Ela acenou em direção a Griffy,
agora dormindo.
O coração de Hannah se apertou tão forte que ela sentiu
sufocando-se.
― Sim.
― Então flerte comigo.
― Eu não sei como.
― Simples. Passo um: sorria.
Hannah franziu a testa.
― Direção errada, querida.
― Sorrir não é o problema.
Eugenia suspirou. Um estremecimento triste repuxou
suas feições.
― Eu sei.
― Tocar é. Não consigo suportar isso.
― Você também não suportava cavalgar. Agora faz isso
todas as manhãs.
Hannah encarou sua cunhada, desejando poder explicar
como era lutar pela sanidade nas mais simples interações.
Um toque educado de mãos. Uma conversa mais próxima.
Uma dança.
― Como saberia cavalgar se nunca tivesse tentando
montar um cavalo?
Suspirando, Hannah focou em seu sobrinho adormecido.
O menininho cheirava a leite e doces.
― Não.
― Em frente, então. Dê-nos um sorriso. ― Eugenia
demonstrou sorrindo.
Hannah hesitou antes de seguir o exemplo.
― Humph. Um esforço anêmico.
― É o melhor que posso fazer.
― Talvez seja melhor pularmos o flerte.
― Eu a avisei.
Eugenia bateu os dedos contra os lábios.
― Vamos estreitar um pouco o campo. Maridos podem vir
em muitas variedades. Baixos, altos. Magros, gordos.
Agradavelmente estúpidos e sombriamente brilhantes. Que
tipo prefere?
Engolindo sua primeira resposta, que era ‘nenhum
desses’, Hannah considerou a pergunta. Ela vasculhou na
lembrança os homens que ela admirava ao longo desses sete
anos: Phineas, Lorde Dunston, o proprietário de um clube de
jogos chamado Sebastian Reaver, o irmão de um duque
chamado Lorde Colin Lacey. Outro homem roubou os seus
pensamentos, mas ela bloqueou a introdução com aspereza.
Ele se fora, descarte-o. E ele provavelmente a rejeitaria.
― E-ele precisa ser bondoso. ― Hannah murmurou. ―
Paciente. Eu precisaria me sentir...segura.
Eugenia assentiu.
― Naturalmente. Eu não teria a minha irmã casada com
um bruto. O que mais?
― Um bom pai. ― As palavras quase a chocaram, mas
elas tinham que ser ditas. ― Acima de qualquer coisa, ele deve
amar crianças e tratá-las muito bem.
― Humm. Deve ser bonito?
Novamente, um rosto apareceu em sua mente ― um
rosto com lábios que ela não seria capaz de resistir. Ela
forçou a lembrança a ir embora.
― Não. ― Ela respondeu. ― Homens bonitos se sentem
superior em relações às mulheres.
― Verdade. Entretanto, aconselharia manter a mente
aberta neste assunto. Alguns dos melhores homens que
conheço são bonitos como o diabo e duas vezes mais
charmosos.
Desta vez, ela teve problema em banir a imagem dele.
Sem querer, Eugenia o descrevera perfeitamente.
― E a altura? Alto, médio, baixo?
Hannah sacudiu a cabeça, ainda tentando forçar a
imagem dela a ir embora.
― Ele não precisa ser alto.
― Importa-se com títulos?
― Gostaria que ele fosse bem estabelecido. ― Hannah
respondeu, deslizando o dedo sobre a bochecha rechonchuda.
― Capaz de prover um lar para nossos filhos. Mas não, um
título é a última coisa que quero. ― Um homem com título
esperaria que sua esposa assumisse funções de receber,
talvez até mesmo viajar a Londres a cada temporada para
participar das agonizantes rodas de entretenimento. Ela
preferia montar Astrea pelo Canal usando o tipo de lã que
causa erupções na pele.
― Sensato. ― Eugenia bebeu o chá. -Não será muito
difícil encontrar uma abundância de cavalheiros solteiros,
sem títulos e não ameaçadores. ― Ela baixou a sua xícara e
bateu nos lábios. ― O desafio será encontrar alguém que
também agrade a seu irmão. Ele exigirá bolsos profundos e
honra impecável, assim como facilidade com armas.
Hannah franziu o cenho.
― Armas?
― Humm. Pistolas, facas, espadas. Punhos também. Ele
precisará estar em forma e ser forte. Você pode não se
importar com a altura, mas Phineas preferirá um homem alto.
― Eu não enten...
― Escreverei para a minha mãe e para Lady Wallingham
ainda hoje.
― Eugenia...
Sua irmã segurou seu queixo, o contato quente e gentil.
― Nós o encontraremos. ― Olhos de mogno brilharam em
garantia. ― O homem cujo toque lhe será bem-vindo. O
homem em quem poderá confiar a sua vida e, mais
importante, o seu coração. ― O polegar dela secou abaixo do
olho de Hannah. ― Sem lágrimas, querida. Acredite, eu nunca
lhe pediria mais do que eu acho que pode suportar.
Hannah piscou para eliminar a irritante onda de
lágrimas. Ela odiava a sua fraqueza. Novamente, ela lutou
para derrotá-lo com a força do hábito.
― Xadrez.
A boca de Eugenia se puxou em divertimento.
― O que tem isso?
― Ele deve jogar e ser muito bom. Eu sou uma excelente
jogadora. Prefiro um desafio nesse sentido.
Eugenia riu.
― Deixe isso comigo. ― Ela respondeu. ― Os homens que
visitarem Grimsgate Castle não terão noção do teste que estão
prestes a enfrentar.
CAPÍTULO 2

“Você pode estar correta ao afirmar que eu exigi a lua e as


estrelas, meu lorde. Mas eu achei a sua contraoferta
equivalente a substâncias muito mais terrestres. Ouso dizer
que, inadvertidamente, alguém pode pisar em tais substâncias
enquanto atravessa os estábulos mais imundos de Londres.”

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge sobre troca de valores díspares.

Muito antes de o ladrão atacar, Jonas sentiu suas


intenções como uma coceira. A sensação rastejou
demoradamente por sua nuca. Ele podia tê-la atribuído ao
calor sufocante de agosto em Londres. Mas ele já a sentira
antes.
Cada vez que a morte pairava perto, a coceira voltava.
Ele manteve seu passo constante ao longo da Exeter
Street, enganosamente preguiçoso, intencionalmente casual.
Virou uma esquina de um beco fétido, ele calmamente retirou
sua adaga de dentro de seu casaco enorme.
E esperou para que seu peixe mordesse a isca.
Ele não esperou muito.
O ladrão ofegou, engasgou e chiou quando o braço de
Jonas apertou sua garganta. Ele se debateu contra Jonas,
seus calcanhares escorregando nas sobras escorregadias
deixadas por animais e homens.
― Pensei que tivesse dito que nunca foi a oeste do Temple
Bar, Pickens. ― Ele murmurou a provocação no ouvido do
astuto bandido e depois estalou a língua em uma repreensão
zombadora. ― Deveria ter continuado assim. Os nobres de
Mayfair têm uma emoção peculiar em ver merdas como você
pendurados.
Bertie Pickens arranhou o braço de Jonas e o torceu
para tentar se livrar da adaga dele. Após apertar o pulso do
ladrão e aplicar um pouco de pressão, a adaga caiu no chão
com um sibilar. Jonas a afastou pelo chão enlameado com
um chute. Então, ele girou e colocou o rosto de Bertie contra
os tijolos sujos de fuligem.
― Ei! Sem motivos para me agredir, Hawthorn. ― O
ladrão lamentou. ― O que lhe fiz?
Jonas puxou uma bolsa de veludo roxa do bolso de
Bertie e a sacudiu diante do nariz do bandido.
― Nada, Pickens. Meu empregador, por outro lado,
gostaria de ter a joias de volta. ― Jonas guardou a bolsa e
puxou uma corda para amarrar os pulsos do ladrão. ― Valor
sentimental. Você entende.
― O que a Bow Street quer com um pobre miserável que
apenas trabalha para alimentar suas pequenas crianças
famintas...
Enojado, Jonas arrancou Bertie dos tijolos e o empurrou
para a rua, onde sinalizou para uma carruagem.
―O silêncio seria inteligente, Pickens. ― Ele jogou a
criatura vil dentro da carruagem. O ladrão fedia a azedo,
como se tivessem cozinhado cogumelos na mesma água das
calças suadas.
Após um doloroso ‘aaai’, Bertie deslizou pelo chão da
carruagem, evitando as longas pernas de Jonas.
― Eu nunca roubei nada. E, se o fiz, era a única coisa
que faria para os meus pobres...
― Minta ao magistrado, se quiser. ― Jonas disse
categoricamente. ― Talvez ele não tenha ouvido falar como
você vende seus pobres filhinhos a homens depravados
quando está malditamente cansado para roubar.
Eles chegaram a Bow Street dentro de minutos. Aliviado
por ter se livrado do bandido, ele passou Bertie Pickens a um
policial conhecido por vestir os prisioneiros de preto e azul
antes de seus encontros com os magistrados.
Jonas tirou o seu casaco ― um mal sufocante, mas
necessário ― e pegou o jornal que ele começara a ler de
manhã antes de um de seus informantes o alertar sobre o
paradeiro de Pickens.
Ele pesou a bolsa de veludo roxa em sua mão. Afrouxou
o cordão. Os diamantes piscaram para ele como estrelas no
escuro. As pérolas brilhavam como o luar.
― Maldição, Hawthorn. ― O sobrenome grunhido veio de
um agente de meia idade com cara de sabujo que se
aproximava pela direita. Sulcos profundos penetravam no
rosto do outro homem. Era de se esperar, supôs. Drayton já
estava na Bow Street uma boa década antes de Jonas se
tornar um oficial.
Calmamente Jonas se sentou atrás de sua mesa e pegou
o jornal.
― Quem mijou em sua cerveja desta vez, Drayton?
― Pickens era meu.
― Parece que a recompensa foi oferecida a qualquer um
que recuperasse a mercadoria. ― Ele jogou a bolsa sobre a
mesa e a alisou com os nós dos dedos. Depois, sorriu. ― Eu
sou qualquer um tanto quanto você, ãh?
― Eu precisava deste trabalho.
― Todos nós precisamos dos trabalhos. ― Nenhum dos
homens de Bow Street vivia como rei. Se eles quisessem um
pagamento melhor, eles tinham que caçar ratos como Bertie
Pickens.
Drayton mancou até a cadeira mais próxima e sentou-se
esfregando a perna como a velha bala doesse.
― Eu salvei o seu traseiro não mais do que um ano atrás,
Hawthorn.
― E eu comprei a melhor cerveja do Black Bull por seu
esforço, não foi?
― Maldito ingrato. Por que precisa da recompensa afinal?
Tudo o que veste é trapo. Não tem bocas para alimentar além
da sua.
Jonas se recostou, avaliando os bêbados de olhos turvos,
ladrões insignificantes, prostitutas e trombadinhas que
lotavam o escritório da polícia em Bow Street. Alguns eram
criminosos esperando para falar com o magistrado. Alguns
esperavam para descobrir o destino de seus parentes e
conspiradores. Outros eram jornalistas rabiscando notas ou
esposas retorcendo seus lenços.
Ele assistia a mesma cena, da mesma peça, todos os dias
durante nove anos. Mais, se contasse seu tempo como
soldado. Os padrões se repetiam e repetiam e repetiam, tão
inexorável quanto uma infecção no osso.
― Você gosta disso aqui, Drayton? ― Ele perguntou em
voz baixa.
O homem com cara de sabujo estreitou os olhos.
― Bow Street? Há lugares piores.
Meio sorrindo, Jonas assentiu.
― Acredito. ― Ele pegou uma caneta e bateu sobre o
jornal. No verão, quando os nobres fugiam para as suas
propriedades do interior, os trabalhos com recompensas
generosas ficavam escassos. ― Melhores também, acho.
― Aye. Mas para tipos como nós? ― Drayton balançou a
cabeça e bufou. ― A melhor coisa que podemos esperar é uma
boa cerveja depois de um longo dia.
Cristo, que pensamento depressivo. Talvez Drayton
estivesse contente em prender o lixo humano por uma
ninharia, uma cerveja e uma pobre satisfação em impedir que
homens como Bertie Pickens sujassem a sociedade civilizada.
Mas Jonas queria mais. Mais um ou dois anos e ele teria
fundos para deixar Bow Street para trás.
― Teria gostado do trabalho de Pickens, no entanto. ―
Drayton murmurou, coçando seu queixo barbudo. ― Eu
economizei quase o bastante para uma nova pedra.
Um sibilo de vermes rastejou pelo peito de Jonas.
― Pedra?
― Aye. Para a minha irmã. Algum diabo sodomita
corrompeu o cemitério da igreja no mês passado, quebrou a
lápide dela com um martelo. ― Um pequeno e melancólico
sorriso assombrou o rosto de sabujo. ― Betsy merece o
melhor.
Ele não deveria se importar. Inferno, ele não aprendera
até agora que todos tinham uma história triste para contar?
Irmã morta. Mãe morta. Perna ruim. Má sina.
Se ele não lutasse por seu próprio pedaço de chão, ele
nunca o teria, quanto mais mantê-lo.
Era por isso que ele não gostava de criar vínculos.
Um dos jovens rapazes que Bow Street contratava para
entregar recados espremeu-se entre dois policiais e deu a
volta na mesa, ofegante e com um brilho ansioso. O rapaz era
novo. Jonas estimava que o brilho desapareceria em um mês.
― Carta para você, Sr. Hawthorn! ― O garoto estendeu o
envelope e ajustou o chapéu. ― É uma com um daqueles selos
elegantes.
Jonas pegou a carta, notou a letra elegante e rebuscada
e dispensou o rapaz com um aceno. O rapaz não entendeu a
dica. Em vez disso, pairou pelo local, olhando com
curiosidade.
Drayton se inclinou para frente e bateu no ombro do
rapaz.
― Caia fora agora, Tommy. Você tem muitas tarefas
antes que o dia termine.
O rapaz assentiu e saiu correndo em meio à multidão de
lixo humano.
Jonas quebrou o selo e desdobrou o fino papel.
― Por que você se incomoda em aprender os nomes
deles? ― Ele murmurou.
A resposta de Drayton foi uma longa pausa, um olhar
duro e um eco das palavras anteriores de Jonas.
― Eles são alguém tanto quanto você, não, Hawthorn?
Ele balançou a cabeça. O rapaz não duraria seis
semanas. Oito, se endurecesse.
― De quem é isso?
Franzindo a testa, Jonas rapidamente terminou de ler a
carta. Então, releu.
Depois desdobrou uma página adicional que havia sido
enviada junto à carta.
―Hawthorn?
― A Marquesa Viúva de Wallingham.
As sobrancelhas bagunçadas de Drayton se arquearam.
― O dragão? O que ela quer com você?
― Uma tarefa. -Jonas caiu para trás em sua cadeira,
perplexo com o esboço, surpreso pela coincidência. Ele
esfregou o queixo e piscou. Então ele leu a carta pela terceira
vez. ― Uma de ‘urgência indescritível’ ou assim ela diz.
― Ela menciona uma recompensa?
Uma incrível. A mulher idosa adicionara três zeros e cem
acres sem perceber? Ela não parecera senil da última vez que
ele a vira.
― Aye. Mas ela exige que eu viaje imediatamente a
Northumberland.
Grunhindo, Drayton se mexeu em sua cadeira e esfregou
a dor em sua perna.
― Melhor ficar alerta do que está pegando, Hawthorn.
Eles não a chamam de dragão por causa de suas escamas.
Jonas lançou um meio sorriso irônico.
― Já sobrevivi ao fogo de Sua Senhoria antes.
― Não. Pode ter sido na proximidade, mas não
diretamente em sua visão. ― Drayton estremeceu o corpo
inteiro. ― Melhor trabalhar para Blackmore.
O formidável duque havia empregado Drayton para
várias tarefas ao longo dos anos. Ele pagava bem, mas
ninguém que trabalhava para ele ganhava três vezes do que
merecia.
Jonas tinha pouco dúvida de que o dragão seria pior.
Mas a recompensa...seu coração bateu mais rápido com o
mero pensamento.
Ele estaria livre. Livre de escavar. Livre de caçar. Livre
dos nobres ricos e suas bugigangas preciosas. Livre do refugo
de Londres e do desespero.
Um trabalho final ― um ― e ele estaria livre.
O pensamento o levou a se levantar. Ele puxou o casaco
e o lápis. Jogou o jornal no colo de Drayton e colocou o
chapéu antes de passar pela cadeira do homem.
― Hawthorn! Não está esquecendo-se de nada?
Ele olhou por cima do ombro.
Drayton indicou a bolsa de veludo que ele deixara sobre
a mesa.
Jonas empurrou mais para baixo o chapéu.
― Não. ― Vestindo o casaco, lançou ao homem mais
velho um olhar de aviso. ― Clark e Filhos fazem um trabalho
de merda. Fale com Harris. Ele fará a sua irmã uma lápide
apropriada. ― Ele se apressou pela multidão e saiu à Bow
Street.
Dentro de dez minutos, ele chegou à sua pensão. Os
quartos não eram grandes coisas ― o andar superior de uma
casa de dois andares na lateral de uma rua esquecida. O
gesso não era nem cinza e nem marrom, apenas uma distante
memória do branco. A cama era estreita e gemia toda às vezes
que ele se virava. A única janela tinha vista para um beco. O
lugar era limpo ― ele preferia a limpeza ― entretanto, vazio.
Ele também preferia vazio.
Rapidamente ele vasculhou o bolso de seu casaco de
baixo para retirar sua faca. Então, ajoelhou-se e ergueu a
terceira tábua à direta da janela, logo abaixo do lavatório
simples e rachados. Empurrou o lavatório de lado com o
ombro e, usando as pontas dos dedos, soltou a tábua e
levantou. Finalmente, ele puxou a pequena caixa do buraco.
A caixa já era velha quando ele a comprou em uma casa
de penhores no ano anterior. Pequenas dobradiças de latão
protestavam sempre que ele abria a tampa. Mas ele apenas se
incomodava em olhar o interior quando a escuridão ficava
profunda, quando a necessidade superava a resistência. Além
disso, o tamanho da caixa era perfeito ― pequeno o bastante
para caber em seu bolso e grande o suficiente para guardar o
que ele precisava guardar. E o forro era de seda. Seda
imaculada e antiga.
Ele deslizou um polegar sobre a superfície entalhada da
madeira, um relevo de lua e estrelas. Abriu-a. Enfiou lá
dentro a carta de Lady Wallingham e o esboço sobre os
sonhos que ele mesmo desenhara. Depois fechou a tampa,
deslizou a caixa dentro de seu bolso junto com a faca,
recolocou a tábua e empurrou o lavatório ao lugar.
Após pegar suas poucas posses, ele deixou o seu quarto
alugado e seguiu para fora. Uma das garotas que exercia o
seu comércio entre a rua dele e a Covent Garden inclinou-se
contra a lateral da casa. Ela o olhou com um sorriso pateta.
― Um ótimo dia para você, Sr. Hawthorn. ― Ela
murmurou usando os seus ombros para inflar os seios acima
de seus confinamentos.
Ele tocou a aba de seu chapéu em sua usual dispensa e
seguiu para passar por ela sem uma palavra, mas ela
persistiu.
― Gostaria de me levar lá para cima? Não cobraria de
você. ― Ela vagou atrás dele, seus quadris ondulando de um
lado para o outro em um movimento exagerado. ― Vamos,
Hawthorn. Nunca vi trazer uma mulher para casa. Homens
como você, fortes e bonitos... Você tem necessidades, sim? ―
Ela bateu os cílios e deslizou as pontas dos dedos por seu
ombro. ― Até o deixaria ser um pouco rude, se quiser.
Ela lhe oferecera seus serviços muitas vezes e ele nunca
aceitou. Primeiro, a garota era muito nova ― dezoito, talvez.
Segundo, ela era toda errada. Cabelos loiros em vez de pretos.
Olhos escuros em vez de claros. Rechonchuda em vez de
esguia.
Normalmente ele demonstrava mais paciência. Ele
disfarçava a sua natureza real com sorrisos e brincadeiras
inofensivas. Rejeitava as suas ofertas descaradas ao sugerir
que ela encontraria clientes mais receptivos em uma taverna
ou em uma cafeteria. Mas por que se incomodar? Ele estava
partindo. Com sorte, ele nunca mais a veria ou a este lugar
novamente.
Levantando o pulso dela com seu polegar e indicador, ele
inclinou a cabeça e a deixou dar uma boa olhada no homem
que ela estava convidando para saciar a sua fome com ela.
A prostituta visivelmente engoliu em seco, puxando sua
mão. A precaução substituiu a ousadia.
Sem falar nada, ele deixou a garota para trás. Deixou o
seu quarto para trás. Em breve, ele deixaria Londres para trás
e tudo mudaria.
Automaticamente sua mão traçou a caixa em seu bolso.
Sim, tudo seria diferente agora. Tudo o que ele tinha que fazer
era terminar uma pequena tarefa para um dragão.

*~*~*

Grimsgate Castle erguia-se sobre os campos planos e


abertos como um navio de linha em um mar tranquilo.
Entretanto, em vez de velas brancas, uma pilha de pedras se
alastrava, ocupando uma colina à margem da água, torres
quadradas erguendo-se sombrias contra um céu emplumado.
Jonas sabia que ele deveria ter dormido algumas horas
extras na última hospedaria. Sua viagem até Northumberland
levara apenas dois dias, mas seus olhos pareciam cascalho
seco. Ele fedia a cavalo e suor. Seu estômago protestava
contra o pedaço de pão que ele comera na última parada.
Bem antes do meio dia, o calor de início de agosto estava
sufocante, apesar da boa brisa soprada da água. Ele esperava
como o inferno que Lady Wallingham exigisse que ele tomasse
banho e se barbeasse antes de sujar os móveis. Imaginá-la
franzir seu nariz arrogante diante de seu desalinho quase
fazia a sua miséria valer a pena.
Ele guiou sua montaria alugada por uma trilha de
cascalho sinuosa passando pelas velhas torres do portão. No
momento em que ele entrou no grande salão de Grimsgate,
entregando o seu chapéu manchado para um mordomo e
pescoço duro, ele decidiu que sua primeira compra seriam
botas que coubessem em seus pés sem criar bolhas.
― Por aqui, sir. ― O mordomo disse, acenando em
direção ao um conjunto de arcos aos fundos do salão
cavernoso. O castelo era grande, ele concederia isso. Uma
vasta extensão de múltiplas torres cercadas por uma parede
de pedra; o complexo de estruturas e jardins ocupavam o topo
inteiro de uma colina. Dentro da torre principal, paredes de
pedras eram enriquecidas com painéis quadrados de madeira,
lareiras gigantes e um teto alto com vigas. Em cada lugar
haviam sinais da antiga linhagem e títulos de influência eram
proeminentemente exibidos: retratos, tapeçarias e escudos
pintados com o brasão de Wallingham. Igualmente, o próprio
castelo, com a sua abundância de janelas e as pedras do chão
polidas, falava de imensa riqueza. Só a manutenção das
janelas de um lugar como aquele devia custar centenas de
libras por ano.
O mordomo o levou através de um conjunto de portas ao
que ele supunha ser a sala de estar. O espaço enorme
ostentava vários tapetes grandes, duas lareiras, múltiplas
janelas com cortinas vermelhas, dúzias de móveis que iam de
cadeiras com listras douradas e uma mesa de xadrez de
mármore preta e branca.
E um dragão vestido de roxo.
Ela pousou sua xícara de chá no pires com um tilintar e
arqueou uma sobrancelha branca.
― Confio que haja uma sonora razão para o seu atraso,
Sr. Hawthorn. ― Ela fungou e inclinou o queixo para cima,
embora sua boca tenha se curvado para baixo. As penas
gêmeas enfiadas em seu cabelo branco assentiram
concordância. ― Foi emboscado por um vagabundo que lhe
forçou a usar as roupas dele?
Ele lhe fez uma pequena reverência.
― Eu saí de Londres anteontem, quando eu recebi a sua
carta, minha senhora.
― Humph. ― Ela gesticulou para a cadeira à sua frente,
uma peça de couro que provavelmente custa seis meses do
aluguel dele. ― Sente-se, garoto. Você está me dando dor no
pescoço.
Ele tirou o seu casaco colocando-o sobre o braço da
poltrona antes de se afundar no assento.
― Está bastante acostumado à informalidade, Sr.
Hawthorn? ― Seu tom azedo de desaprovação.
Ele olhou para suas mangas arregaçadas antes de sorrir.
― Aye.
― Aqui, nós chamamos tal impertinência de grosseria.
O sorriso dele aumentou.
― Aye.
Ela bufou. Era um sorriso lutando para dominar aqueles
lábios velhos e enrugados? Ele pensava que sim.
― Felizmente para nós, não exijo um cavalheiro, mas um
investigador. Um com alguma habilidade, embora não tenha
modos.
― Sua carta mencionava um item perdido.
― Itens, Sr. Hawthorn. Um baú. O conteúdo dele é
extremamente valioso.
Ele assentiu. Eles deviam justificar tal recompensa
colossal.
― Quando ele desapareceu?
― Recentemente.
― Você pode ser mais específica?
― Não.
― Onde ele foi visto pela última vez?
― Aqui.
― Nesta sala?
― Neste castelo.
― Você não tem um cão de caça que poderia rastrear...
― Humphrey ficou prostrado durante o período em que
houve o desaparecimento. Consumo imprudente de tortas de
carne da pilha de lixo, receio. Uma bagunça terrível. Quando
ele se recuperou, não havia cheiro para ser seguido. ― Ela
fungou. ― Confio que demonstre mais disciplina, Sr.
Hawthorn.
Suspirando, estreitou os olhos sobre a senhora idosa.
Ela era minúscula ― mais como um pássaro do que um
dragão. Mas a voz dela ia além do tamanho, não era alta, mas
clara. Ela falava da mesma forma que os generais, assim
eram ouvidos acima do tiroteio.
― O que o baú continha? ― Ele perguntou.
― Nada que um ladrão acharia atraente.
― Então o baú é valioso?
― É um baú, Sr. Hawthorn. Madeira e couro. Bem feito,
mas dificilmente valia a pena ser roubado.
― Então, o conteúdo deve ser valioso.
― Eles são infinitamente valiosos para mim.
― Mas você se recusa a me dizer qual o conteúdo.
― Encontre o baú. Esta é a sua tarefa.
Rangendo os dentes de trás, ele tentou outro sorriso e se
recostou no couro liso.
― Poderia um criado ter movido por engano o baú sem o
seu conhecimento?
Olhos verdes como joias brilharam com uma gota de
indignação.
― Meus criados nem ao menos engolem seu jantar sem o
meu conhecimento, Sr. Hawthorn. Ou eles não são meus
criados por muito tempo.
― Mas se eles...
― Eles não mexeram. ― Ela espetou. ― Alguém roubou as
minhas posses. É sua tarefa encontrá-las e trazer o ladrão até
mim. Agora, pretende ficar sentado aí com esse sorriso
insuportavelmente masculino que confunde com charme e
continuar a me fazer perguntas idiotas? Se for, chamarei o Sr.
Drayton imediatamente. Ele, pelo menos, terá o bom senso de
vestir um casaco apropriado enquanto desperdiça o meu
tempo.
As mãos dela, ele percebeu, apertava os braços da
cadeira. Dedos frágeis marcavam o couro. Lady Wallingham
era uma mulher formidável que raramente exibia tensão.
Muito superior, ele acreditava. Outros sinais ― respiração
cuidadosamente controlada, cordões tensos no pescoço ―
acrescentavam à sua conclusão que a angustia dela era
aguda e real.
Ele inclinou-se para frente para fixar o olhar no dela.
Deliberadamente ele se desfez do seu ‘sorriso
insuportavelmente masculino’ e a deixou ver sua resolução.
― Encontrarei o seu baú, minha senhora. ― Disse em voz
baixa. ― Isso, posso garantir.
Alguns minutos passaram enquanto se encaravam ―
mediam-se um ao outro. Finalmente ela assentiu, suas
plumas concordando.
― Acredito que irá. Dentro de quinze dias, jovem. Ou,
reconsiderarei a minha decisão de contratá-lo em vez do Sr.
Drayton. Talvez os sabujos sejam rastreadores superiores,
mas o lobo caça por sobrevivência. Em todo caso, a motivação
importa.
Ele franziu o cenho.
― Eu sou o sabujo ou o lobo nesta analogia?
― Nós descobriremos, Sr. Hawthorn. Os resultados dirão.
― Ela lhe deu permissão para sair e interrogar sua equipe e
procurar pela propriedade. Depois, ela o informou que ele
precisava conduzir sua investigação discretamente, já que ela
daria uma festa.
Ele praguejou entre os dentes. Maldição, era tudo o que
ele precisava ― procurar um baú perdido em meio a um mar
de convidados aristocratas, todos provavelmente com seus
próprios baús.
― Presumo que tome banho de vez em quando. ― Lady
Wallingham disse asperamente, gesticulando com os dedos
em sua direção. ― Apesar das aparências.
Novamente, ele reuniu toda a sua paciência e assentiu.
― Esplendido. Meu mordomo, o Sr. Nash, mostrar-lhe-á
o seu quarto.
― Não é necessário, minha senhora. Eu peguei um
quarto na hospedaria...
― Você aprecia infestação, Sr. Hawthorn?
Ele piscou.
― Perdão?
― Insetos que mal são vistos. Ratos com preferência por
carne humana. Anseia por tais desconfortos?
― Não. Não posso dizer que eu...
― Então sugiro que aceite a minha oferta generosa e siga
o Sr. Nash. Almoço às duas. Você desejará tomar um banho e
usar um casaco apropriado.
Desta vez ele franziu a testa. Almoço? Que diabos?
― Está sugerindo que eu almoce com você e seus
convidados? ― Ele perguntou apenas porque a ideia era
absurda e esperava ver a reação horrorizada dela. Isso seria
divertido.
― Precisamente. ― Erguendo calmamente sua
sobrancelha, ela soou um sino e lhe dirigiu um pequeno
sorriso. ― Vista uma camisa limpa. Sem dúvida todos em
minha mesa apreciarão.
Ele começou a se perguntar se a xícara dela estava
preenchida de conhaque em vez de chá naquela manhã, mas
o obstinado Sr. Nash o levou da sala de uma maneira
obstinada.
Maldito inferno. Por que diabos ela queria que ele se
misturasse com os convidados dela? Ela suspeitava que um
deles roubara seu baú? Ele teria que esperar para perguntar.
O dragão o dispensou o trocando pelos óculos e
correspondência.
Nash o levou ao longo de uma galeria longa e cheia de
janelas em direção ao salão.
― Sua senhoria pediu que os empregados cooperassem
totalmente com a sua investigação, Sr. Hawthorn. Se precisar
se minha assistência no que diz respeito ― o mordomo avaliou
as botas e o casaco de Jonas ― a qualquer coisa, só basta
pedir.
― Sua senhoria deseja que eu me junte a seus
convidados no almoço.
― De fato, sir.
Ele observou o rosto do homem, esperando algum sinal
de incredulidade.
― Alguma ideia do motivo?
― Ela deseja a sua presença, sir.
― Um oficial de Bow Street. Fazendo refeições com lordes
e damas na mesa da marquesa.
― Nós preparamos um banho para você, assim como um
traje adequado.
Jonas parou.
― Nash.
O mordomo magro com cabelo meio ferrugem e meio
grisalho parou e deu meia volta, as mãos nas costas. Seu
rosto mostrava apenas a disciplina de sua profissão.
― Sim, Sr. Hawthorn?
― Qual a relação da refeição com a busca do baú?
― Até onde eu sei, nenhuma.
― Ela me deu quinze dias para terminar a minha
investigação. Almoços desperdiçam o meu tempo e o dela. Não
faz sentido.
― É o que sua senhoria deseja, sir. Os motivos são
apenas dela. ― Nash abaixou o queixo para um ângulo menos
pomposo. ― Entretanto, em minha experiência, é aconselhável
presumir que os motivos dela são sólidos.
Aparentemente, dragões idosos não podem ser
questionados.
― Muito bem. Prossiga. Quanto antes nós comermos,
mais rápido posso terminar com o que vim fazer aqui.
― De fato, sir.
Á medida que eles se aproximavam do grande salão,
vozes ecoavam da galeria. Um homem e uma mulher. A
entonação indicava dinheiro e títulos.
―... nos convidou para a sua caça anual em novembro. ―
A voz baixa e masculina soou através dos arcos. ― Ela
certamente pode esperar até lá para encontrar um marido. Ou
o próximo ano, aliás. Sua urgência me impressiona.
― Isso é porque é um homem. Meu querido. ―
Respondeu uma irônica mulher.
― O que o sexo tem a ver com isso?
― Lorde Muggeridge ainda pode ser pai se ele puder
encontrar uma mulher cega e desesperada o bastante para
acomodá-lo. E ele é mais velho do que Lady Wallingham. O
tempo de uma mulher é limitado.
― Minha irmã está longe de ser senil. Um ano ou dois
farão pouca diferença...
― Pense em termos de plantas. Talvez faça mais sentido
para você.
― Como assim?
Um suspiro feminino de exasperação.
― Algumas plantas precisam de nada mais do que sol e
chuva para florescerem por um verão inteiro, correto?
― Sim.
― Outras são mais delicadas. Orquídeas, por exemplo.
Elas florescem apenas quando um conjunto de condições
particulares se encontram. Perca essa chance e não terá
outra.
― Roseira, você está lendo os meus textos de horticultura
novamente?
― Apenas apreciando as pinturas. Desenhos adoráveis,
sabia. Mais do que um chapéu foi criado com suas pequenas
plantas em mente. Além do mais, ouvi você falar
monotonamente sobre a reprodução das plantas enquanto
brincávamos no jardim...
A voz dura e masculina se aprofundou.
― Talvez esteja se sentindo sonolenta, amor. Deveria se
recolher ao nosso quarto.
― Do que está falando? Estou bem. ― Uma pausa. ― Oh!
Sim, bem. ― Uma risadinha. ― Suponho que alguém está sem
fôlego depois do passeio.
Nash chegou ao centro do arco a frente de Jonas. O
mordomo parou e inclinou-se diante dos convidados. Uma luz
surgiu e depois desapareceu quando uma porta abriu e
fechou-se.
Foi quando ele ouviu. Uma voz tão fria e suave quanto
uma nevasca.
― Gostaria de cavalgar pela praia amanhã, Eugenia.
Jonas reduziu o passo. Flutuou até o som.
― Claro, minha querida. ― A primeira mulher disse, um
sorriso em sua voz. ― Mas devo insistir que use sua roupa de
montaria vermelha. Um vestido não é realmente seu se recusa
a usá-lo.
Ele esperou pela resposta dela. Apoiou uma mão na
parede do corredor e cerrou os dentes bem apertados.
O que maldito inferno ela estava fazendo ali?
Deus, ele precisava ouvi-la. Mais uma vez. Um gostinho
de neve para acabar com ele.
Que tolo fora. Após tudo o que acontecera. Um maldito
tolo.
As mãos dele fecharam em punhos. A cabeça inclinou-se
para frente enquanto esperava. Desejava.
― Não acha que o vermelho é muito ousado?
― Não seja tola. Cada homem em mais de dez
quilômetros repentinamente declarará essa a sua cor favorita.
Marque as minhas palavras.
O alto e de olhos pálidos Conde de Holstoke e sua
pequena sua sincera condessa passaram por Nash, virando-
se em direção a grande escada sem olhar na direção de Jonas.
Uma mulher seguiu.
A mulher.
Cabelo meia-noite e olhos de luar.
Voz como neve caindo e pele como creme fresco.
Ela vestia veludo azul. Possuía o porte de uma rainha.
Intocável. Altiva. Serena.
Ele achou que ela passaria por ele sem vê-lo. Melhor
assim, ele supôs. Rainhas da Neve não deveriam reconhecer
as criaturas inferiores, selvagens e abaixo da posição dela.
Porém, enquanto o seu irmão e a esposa dele seguiam
em direção à escada, alguma coisa fez a Rainha da Neve
diminuir o passo.
Ela parou no limiar do terceiro arco. Os ombros se
retesaram e estremeceram como se ela tivesse sido pega por
uma raja de vento.
Então virou-se. Seu pescoço esguio endureceu, o queixo
delicado se levantou.
Olhos verdes gelados e surpresos pousaram nele.
Abriram-se em reconhecimento. Alarme.
Bochechas cremosas floresceram em um tom rosado.
Ele já vira esta reação antes. Um ano atrás, a primeira
vez que se encontraram, ela estava em pé na sala de estar de
seu irmão em Londres, desafiando Jonas com a altivez de
uma Rainha da Neve ― e exatamente com a mesma cor. Ela o
olhava do mesmo jeito, como se ele fosse um lobo e ela o
jantar.
A afirmação não estava muito longe.
Ele a encarava agora, luar e meia-noite. Cintura
pequena, queixo delicado. Nariz gracioso, lábios como botões
de rosas. Ele pareceu se satisfazer. Pois, isso era tudo o que
ele teria: olhar e desejar.
Ela era a irmã de um conde. Uma bastarda, porém,
ainda assim, quilômetros de seu alcance.
Não, ele nunca a teria. Mas ele podia ter isso. Um
momento. Um pequeno sorriso que ele sabia que faria as
bochechas dela brilharem e a respiração acelerar.
E sim. Lá estava.
Assim como da primeira vez.
Exatamente como ele sonhava a cada noite desde que
pusera os olhos sobre a requintada e esquiva Srta. Hannah
Gray.
CAPÍTULO 3

“Um homem bonito espera facilidade quando seduz uma


mulher comum a fazê-la esquecer de si mesma. Mas eu nunca
fui comum. E nunca esqueço.”

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta explicando porque
algumas expectativas estão destinadas a falharem.

A primeira vez que Hannah pôs os olhos sobre Jonas


Hawthorn sua pele praticamente se levantou do corpo.
Brilhou. Fez cócegas com a sensação de um raio cruzando o
ar ― parte medo, parte consciência e parte prazer.
O contato deles começara no ano anterior quando ela e
Phineas viajaram a Londres para a temporada, assim ele
poderia encontrar uma esposa. Já que a mãe de Phineas era
uma notória assassina e ele tinha uma ‘natureza bastante
peculiar’, como Eugenia colocava, a busca dele havia sido
difícil. Jovens damas respeitáveis o temiam, embora essa
evasão fosse uma bobagem histérica. Phineas era o melhor
tipo de homem que ela podia imaginar, bom e honrado.
Ainda assim, Lydia Brand, a Condessa de Holstoke
anterior, tendia a arruinar cada vida que ela tocava, mesmo
morta. A reputação de Phineas sofrera por ser filho dela.
As coisas ficaram consideravelmente piores quando duas
mulheres que rejeitaram Phineas foram envenenadas. Phineas
se tornara suspeito nos assassinatos e as famílias das damas
contrataram um agente de Bow Street para investigar.
Ele se apresentou em Holstoke House na Park Lane logo
depois das cinco. Ela recordava porque frequentemente
praticava música às cinco e ela estava ao pianoforte quando o
mordomo deles Sackford, perguntou-lhe se poderia receber
um visitante.
― Quem é?
― O Sr. Jonas Hawthorn, senhorita. Um oficial do
escritório de polícia de Bow Street. Ele está aqui fazendo
perguntas sobre os terríveis ataques à duas jovens damas.
Ela considerou mandá-lo embora. Era melhor deixar as
perguntas dos homens de Bow Street para Phineas. Mas o
incidente envolvia jovens damas.
Hannah fora vítima uma vez. Ela não teve ninguém para
defendê-la, ninguém para ajudá-la. Se responder algumas
perguntas evitasse que outras moças sofressem de horrores
similares, então ela faria isso com prazer.
Então, ela reprimiu sua reação comum a circunstâncias
incomuns ― bolhas na barriga e peito apertado ― e assentiu.
― Mande-o subir. Obrigada, Sackford.
Levantando-se do pianoforte, ela alisou as saias e o
cabelo, olhando seu reflexo no grande espelho acima da
lareira. Ela caminhou até a cadeira no centro da sala. Suas
mãos vagaram nervosamente para o encosto de madeira
diante dela para as forçarem a ficar imóveis. Depois, as
cruzou diante da cintura e esperou.
Ela pensou estar preparada. Não estava.
Seu primeiro vislumbre de Jonas Hawthorn a deixou sem
palavras. Ela ficou imóvel enquanto o lobo de cabelos pretos,
olhos cinzas e queixo quadrado vagava pela sala de seu
irmão, avaliando todo o espaço com apenas uma olhada.
Então, como o caçador que ele era, fixou-se nela.
Ele se movia como se quisesse ficar despercebido: rápido
fingindo ser lento.
Vestia-se como se quisesse ser confundido com um
vagabundo: inteligente fingindo-se de indeciso.
Ele sorriu como se quisesse ser bem recebido: perigoso
fingindo-se charmoso.
Os olhos dele afiados sobre ela. Iluminados como prata.
Ela mal respirou enquanto ele cruzava a sala. Passadas
longas eram dissimuladamente preguiçosas à medida que ele
se aproximava. Muito próximo. Ela não gostava que homens
se aproximassem dela, particularmente homens como ele.
Alto. Forte. Capaz.
Ele inclinou a cabeça para baixo e para o lado, lançando-
lhe um sorriso torto que enrugava os cantos dos olhos. Um
incisivo se sobrepunha levemente sobre o dente vizinho, ela
percebeu. A imperfeição sensual atraiu a sua atenção à boca
dele.
― Srta. Gray, presumo.
Engolindo o desejo de retribuir o sorriso, ela o
cumprimentou com a maior firmeza possível.
― Sr. Hawthorn. ― Droga, ela soou como uma boba
esbaforida. Seu coração estava batendo forte: batendo asas e
socando, batendo asas e socando. ― Entendi que está aqui
por causa de um incidente.
― Sim. ― Ela gostou da voz dele ― um pouco grave, um
pouco áspera. O sotaque era difícil de localizar,
principalmente em Londres como uma colcha de retalhos com
sotaques de Norwich até Devonshire. ― Duas jovens damas
aparentemente foram envenenadas. ― Ele mudou o peso,
assim um ombro ficou mais alto do que o outro. E isso o pôs
muito perto dela. ― Esperava falar com Lorde Holstoke.
― Como o Sr. Sackford lhe informou, meu irmão não está
em casa.
― Não, de fato. ― O peso do olhar dele vagou sobre o
rosto dela, fazendo-a recuar um passo. O sorriso dele
reapareceu, maior desta vez. ― Talvez você possa me ajudar.
Ela manteve fixo o olhar prateado o máximo que
conseguiu antes de desviar e gesticular para um sofá a dois
metros de sua cadeira, separada por uma mesa baixa. Então,
tomou assentou.
Mas ele não. Em vez disso, ele ficou parado no lugar,
sorrindo para ela, um lobo intrigado pelo mau comportamento
da refeição. Ele tirou um pequeno caderno e um lápis de
dentro de seu casaco preto de lã.
― Onde Holstoke está?
Piscando, ela respondeu com sinceridade.
― Em um jantar.
― Com quem?
― Com a família Huxley.
― A residência do Conde de Berne, então. Grovesnor
Street, se me lembro.
― Está correto.
Ele assentiu como se confirmasse alguma coisa. Batendo
o lápis na capa de seu caderno, ele lhe lançou um cativante
sorriso de menino travesso.
― Por que você não o acompanhou?
― Como isso é relevante a sua investigação?
― Satisfaça-me. ― A maneira como ele falou essas
palavras fez seu coração girar. Elas eram uma brincadeira
provocativa. Uma carícia secreta.
Formigando como bolhas em um copo, a reação a fez
congelar no lugar. Ela precisava afastá-lo. Precisava fazer com
que ele parasse de lhe olhar.
― Ocorre-me que já o satisfiz o bastante ao agraciar um
homem de seu tipo com uma audiência em primeiro lugar, Sr.
Hawthorn.
O brilho divertido dele tornou-se aguçado. Ela pretendia
que ele se ressentisse. Que recuasse. Ele não fez nada disso.
Ao contrário, ele moveu-se diretamente até sua frente e se
agachou, seus olhos no mesmo nível dos dela.
― Duas mulheres estão mortas, Srta. Gray. ― Ele disse
em voz baixa. ― Quando tais males ocorrem, homens do tipo
do seu irmão contratam homens do meu tipo para buscar
respostas. Mesmo quando homens do meu tipo possam sujar
o bom ar de damas como você.
Ela engoliu em seco, seu coração trovejando em protesto.
Perto demais. Perto demais. Perto demais.
― Eu agradeceria se se sentasse. ― Ela murmurou.
― Eu agradeceria se respondesse as minhas perguntas.
― Eu me senti mal. Escolhi ficar aqui esta noite.
― Mal? ― Pela primeira vez, seu sorriso infernal
desapareceu completamente. ― Está doente?
― Isso não é da sua conta. ― Na verdade, ela estava
sofrendo, mas não lhe diria o motivo. Os fluxos dela vinham
com dores fortes e uma fadiga profunda todos os meses.
Phineas normalmente lhe preparava um de seus chás
medicinais para diminuir seus sintomas. Eles ajudavam um
pouco, mas ela não se sentia bem o bastante para apreciar
um jantar com a turbulenta família Huxley.
― Humm. ― O olhar dele recaiu sobra as suas mãos. ―
Onde ele esteve essa manhã?
― Não perguntei.
― A que horas ele saiu de Holstoke House?
― Após o desjejum. Nove ou algo assim.
Olhos prateados voltaram a encontrar os seus.
― Você estava familiarizada com a filha de Lorde
Glencombe, Lady Theodosia?
― Lady Dunston a mencionou
― Lady Dunston. Uma das filhas dos Huxley, sim?
Ela inclinou a cabeça.
― Lady Maureen Huxley, antes do casamento.
― Vocês são amigas?
― Sim.
― Então, isso me confunde.
Sua recusa em se afastar dela, assim como sua
enxurrada de perguntas, diminuiu a sua paciência já curta.
― Não é de admirar. ― Ela espetou. ― Talvez encontrasse
maior clareza se focasse em sua tarefa em vez de incomodar
aqueles que são atenciosos o bastante para tolerar as suas
impertinências.
Ele riu como se ela fosse um filhote de gato
divertidamente enfadada.
― Eu lhe incomodo, Srta. Gray?
Sim. Profundamente. Mais do que qualquer homem em
sua memória recente.
― Faça as suas perguntas, Sr. Hawthorn. Depois vá
embora.
― Por que você não foi com seu irmão à Berne House?
― Porque eu não desejava ir.
― Por que não?
Seu mau humor acendeu-se.
― Nós já discutimos isso.
― Está doente?
― Eu quis ficar aqui. Isso é tudo o que precisa saber.
― Ficou em casa o dia todo?
― Sim.
― Porque está se sentindo mal.
― Porque estou me sentindo totalmente miserável, Sr.
Hawthorn. E você não está melhorando as coisas.
Os olhos dele pousaram nas mãos dela mais uma vez.
Desta vez, ele percebeu que ela segurava sua barriga. Sua
sobrancelha ― que ela não notara que estava tensa ― relaxou.
Ele assentiu.
― Certo. ― O sorriso dele voltou, revelando a perfeita
imperfeição de seu dente sobreposto. -Então, você não tem
ideia de onde o seu irmão esteve, nem esta manhã e, com
certeza, neste momento.
― Eu lhe disse...
― Você me disse o que ele lhe contou. Mas, você esteve
aqui e não com ele. Pelo que sei, ele pode ter ido visitar a
amante dele.
A pele dela ficou quente. Ela quis se levantar e forçá-lo a
sair da sala. Ela quis tirar a tapas o sorriso do rosto dele. Ela
quis gritar que seria melhor que as próximas palavras dele
fosse, um pedido de desculpa por sua grosseria.
Porém ela não fez nada do tipo. Em vez disso, ela sentou-
se imóvel e segurou aqueles olhos cinzas por longos
segundos, reunindo todo a calma ao seu redor em uma
concha.
― Meu irmão não tem amante. Ele está na cidade em
busca de uma esposa. Agora, se já acabou de me insultar...
― Oh, não tive intenção de insultá-la, garanto-lhe.
Meramente tentando determinar se Holstoke assassinou Lady
Theodosia. ― Ele sorriu. ― Isso é tudo.
― Assassinada? ― Todo o calor de seu corpo se dissipou
embaixo da enchente de fraqueza e gelo. ― E-ela foi
assassinada?
― Envenenada. ― Ele inclinou a cabeça de um jeito
lupino. ― Quantos anos tem, Srta. Gray?
Ainda se recuperando das notícias de uma segunda
morte por envenenamento ― a primeira acontecera dias antes,
outra jovem dama a quem Phineas havia brevemente tentado
cortejar ― ela respondeu sem pensar.
― Vinte e dois.
Os olhos dele tocaram seu cabelo, sua garganta, suas
mãos.
― Você parecer ser tanto mais jovem...quanto mais velha.
Interessante.
― Q-quando ela foi...
― Hoje, por volta do meio dia. Ela foi descoberta uma
hora depois.
A mente dela girou.
― Phineas... Meu irmão nunca mataria alguém. Ele é um
homem bom.
― Você é a meia irmã dele, certo? Sua mãe foi amante de
Lorde Holstoke?
Ela assentiu.
― Sua lealdade ao seu irmão é encorajadora, Srta. Gray.
Mas então, sua senhoria tem sido muito generoso. ― Ele
murmurou, os olhos vagando pela sala de estar. ― Não é todo
conde que mantém os bastardos do pai em um luxo
decadente, sejam eles homens ou... a mais adorável das
mulheres.
Ela se retesou.
― Meu irmão se preocupa comigo. E ele não é um
assassino. ― Apesar de seu agudo desconforto diante da
aproximação dele, ela se levantou, o que pôs o rosto dele a
centímetros de suas saias. ― Se realmente deseja encontrar o
homem responsável pelo envenenamento de Lady Theodosia,
sugiro que saia de Holstoke House imediatamente, pois não o
encontrará aqui.
― Mas eu a encontrei. ― Olhos prateados ergueram-se a
ela. Provocando. Desafiando. ― Tempo bem passado, ouso
dizer.
Ela se afastou dele vários passos, incapaz de suportar
mais. Era bonito demais. Avançava demais. Perto demais.
Ele se endireitou de sua posição agachada, ficando de pé.
Então o sorriso sumiu, deixando apenas uma fome sutil. Sua
postura enfatizou a sua altura. Seu tamanho. Sua força.
Sua cabeça começou a levantar e girar. Ela engoliu o
alarme. Recuou para trás do sofá.
Ele a seguiu, franzindo a testa.
― Srta. Gray. Você ficou branca como as velas de navios.
Está tudo bem? ― Ele segurou o seu cotovelo.
Ela saltou para trás, sua mente flutuando para longe.
― Eu gostaria que fosse embora. ― Alguém falara com a
sua voz, remota e sem vida.
O lobo que estava na mesma sala que ela soltou a sua
mão. Pegou o caderno e o lápis dentro do bolso. Lançou-lhe
um olhar duro.
― Convença-me que está tudo bem.
Por um momento ela não foi capaz de falar. Deus, como
ele a assustara. Mais do que quando ele sorria, quando ela
vislumbrava o homem real. Sua cabeça queria voar e se
esconder. Ela se forçou a ficar firme.
― Prevejo que melhorarei imensamente após a sua
partida, sir.
Ele piscou e esfregou o queixo como se ela o tivesse
golpeado. Então, o sorriso dele voltou.
― Imploro o seu perdão, senhorita. Homens do meu tipo
raramente têm a permissão de ficar na presença de uma
beleza tão esplêndida. ― Ele fez uma reverência de um modo
exagerado, seu enorme sobretudo preto apertou em torno de
seus ombros largos. ― Perdoe um sabujo humilde por
implorar sobras, sim?
Sabujo. Ridículo. Não, sabujos eram domesticados. Ele
era um lobo por completo.
Ela cruzou a sala para puxar a corda da campainha.
― O Sr. Sackford lhe mostrará a saída. Se tiver mais
perguntas, pode endereçá-las a Lorde Holstoke.
― E se minhas perguntas forem para você, Srta. Gray? ―
O tom dele era provocador. Leve. Ela assumiu que um homem
tão bonito quanto Jonas Hawthorn usava o flerte como um
método para cavar informação de mulheres descuidadas.
Mas Hannah não era mais descuidada.
― Sugiro que controle a ansiedade, Sr. Hawthorn. Meu
irmão não ficará feliz com o seu comportamento presunçoso
em relação a mim.
― Duas mulheres estão mortas. Holstoke tem
preocupações maiores.
Seu mau humor ressurgiu, pressionando-a a defender
Phineas novamente, para atacar o lobo antes que ele atacasse
o seu irmão. Mas antes que ela pudesse fazer isso, Sackford
chegou para acompanhá-lo para fora da casa.
Ela assistiu pelas janelas da sala de estar enquanto as
longas passadas dele o levavam pela Park Lane. Traçando o
vidro com dedos trêmulos, ela lutou para controlar as ondas
selvagens de pânico intercalada com desejos desconhecidos.
Ela se afastou naquele dia, deixando-a cambaleante.
Porém o efeito que a presença do lobo não a deixou. Nem
mais tarde naquela noite quando ela correu até Berne House
para alertar da presença de Phineas. Nem nos dias seguintes
enquanto o seu irmão lutou para defender a sua inocência.
Nem em nenhum outro dia.
O lobo entrou na sua vida, tentando, desafiando e
desejando. Ele arriscou a vida por ela, cavalgou até
Dorsetshire como um homem possuído enquanto sangrava
pelas feridas que o inimigo lhe causara. Ele quase morreu.
Para alertá-la, para protegê-la.
E se o homem real com uma fome real em seus olhos não
a tivesse aterrorizado até sua alma covarde, ela teria tornado
o lobo dela.
Em vez disso, ela o fizera odiá-la.
Agora, ali na grande galeria do Grimsgate Castle, ela se
virou e encontrou olhos prateados a devorando como se nem
um dia tivesse se passado, quanto mais um ano, desde o dia
que ela o assistira subir na carruagem e desaparecer de sua
vida.
Ela sentia o mesmo. A pele ergue-se e brilhar. O coração
esticar-se e acelerar. O medo subir e a sufocar.
Ela viu o seu lobo ― esfarrapado, sombrio e faminto ― e
desejou com todo o coração que ela pudesse ser diferente por
ele. Melhor.
Mas ela não podia. Então, ela fez o que sempre fazia
quando o medo atacava. Virou-se e se afastou.

*~*~*

Jonas estava bastante acostumado a se barbear sozinho.


Mas tinha que admitir que ter alguém fazendo a tarefa para
ele era um luxo que ele não se importava.
Ainda assim, teria preferido uma mulher.
― Aí está, sir. ― O valete de Lorde Wallingham, um
homem baixinho que cheirava a perfume francês, enxugou o
seu rosto com uma toalha. ― Uma boa melhora, de fato.
Lorde Wallingham ― o filho do dragão ― emprestara a
Jonas suas roupas e seu valete. O que o marquês pensava ao
vestir um agente de Bow Street com um traje de dândi e fazê-
lo desfilar como um pônei de uma garotinha, Jonas não sabia
dizer. Ele presumia que a viúva tinha métodos para
pressionar seu filho que não exigiam explicações.
O valete pegou um tecido e envolveu a coisa ao redor do
pescoço de Jonas com uma série elaborada de pregas fofas e
insistiu que certamente não era um laço. Em seguida veio o
casaco: bem-arranjado nos ombros, leve e confortável. Jonas
e Lorde Wallingham eram parecidos no peso e na forma de
acordo com o valete.
Ao todo, ele achou que ser amarrado e escovado, mimado
e enfeitado como um pônei de menina não era totalmente
desagradável. Quando uma garrafa de perfume apareceu,
entretanto, Jonas saiu da linha.
― Sem perfume. ― Ele disse. ― O sabão de barbear já era
ruim o bastante. Não vagarei por aí cheirando a um espartilho
de prostituta.
― Oh, mas, sir...
― Brindle...
― É Wendell, sir.
Ele pôs a mão no ombro do valete.
― Certo. Alguns homens elegantes têm cheiros fortes. ―
Inclinando a cabeça para nivelar os olhos ao do homem mais
baixo, ele sorriu. ― Disfarça o número de pecados, ãh? Um
dente podre. A predileção por conhaque. Um encontro recente
na dispensa.
Os olhos do valete se arregalaram a cada frase dita. Na
palavra ‘dispensa’, sua garganta ondulou como em um gole.
Jonas deu um tapinha no ombro.
― Outros homens ― eu, por exemplo ― preferem nossos
disfarces menos cheirosos. Entendeu?
― C-Como...Como soube?
Ele se endireitou e procurou o seu casaco. O valete o
escondera em uma cômoda.
― Sua mandíbula está inchada de um lado. Percebi
enquanto estava me barbeando. ― Ele vasculhou nos bolsos
de seu velho casaco seu caderno e lápis. ― O conhaque eu
pude sentir em seu hálito. Tenho gosto pela coisa, embora
não tenha dinheiro para comprá-lo. ― Ele procurou pelo bolso
interior de seu casaco emprestado. Apenas um. Droga.
― E-e a... dispensa, sir?
Ele enfiou o caderno e o lápis no único e pequeno bolso e
depois passou pelo valete.
― Um pouco de suposição, esse. Abrindo a porta do
quarto, ele sorriu de volta para o homem. ― Embora, você
possa querer limpar a farinha da frente de suas calças antes
que sua senhoria perceba.
Jonas deixou o valete se batendo freneticamente e seguiu
pelo longo corredor até a grande escada. O dragão o colocara
em um dos quartos de convidados, um quarto grande com
uma cama grande e com grandes faixas de veludo marrom e
seda cinza. Ele ainda não sabia porque ela o tratava como
convidado. Assim como não sabia porque o destino o colocara
no caminho de Hannah Gray novamente.
Droga, ele precisava esquecê-la. Isso era sobre terminar
um trabalho. Isso era tudo.
Ele achou o caminho para a sala de jantar quando os
lacaios carregavam bandejas de pedaços de carne da sala em
direção à galeria. Nash estava parado no vão da porta,
direcionando a sua tropa.
― Por favor, diga-me que eu perdi o almoço. ― Jonas
murmurou.
Nash arqueou uma sobrancelha rígida.
― Sua senhoria decidiu que o almoço será servido no
jardim, sir. Acredito que ela está lá com vários convidados.
Suas entranhas apertaram-se.
― Holstoke.
― Sim, senhor.
Ele debateu os méritos de recusar brincar de pônei para
o entretenimento dos aristocratas. Mas ele malditamente
precisava deste trabalho. Então, um pônei ele seria, pelo
menos nas próximas horas.
Seguindo um lacaio, ele achou o caminho para o exterior
através da porta de vidro da galeria. Os jardins combinavam
com o castelo em escala, com sebes, flores, trilhas e gramados
que se estendia hectares adentro das antigas paredes de
pedra. Uma trilha de cascalho levava a uma grande fonte
onde sete mesas haviam sido decoradas com toalhas brancas
e vasos com flores. Lady Wallingham examinava uma das
flores com seu monóculo enquanto o Conde de Holstoke, com
seus cabelos pretos e olhos pálidos, explicava a estrutura.
Holstoke gostava de suas plantas.
― Sr. Hawthorn?
Ele se virou. Uma mulher bonita com olhos castanhos
alegres sorrindo para ele. Cinco penas de pavão balançavam
em seu bonnet de seda verde.
― Lady Holstoke. ― Ele sorriu e inclinou a cabeça. ― Um
prazer em vê-la novamente. ― Era, de fato, um prazer. A
primeira vez que ele encontrara Lady Eugenia Huxley, ela
havia caminhado até o escritório de polícia na Bow Street,
surpreendentemente ousada e anunciou ser a amante de
Holstoke, portanto, seu álibi para a morte de duas mulheres.
Uma mentira óbvia, claro, embelezada com improváveis
afirmações sobre o vigor de Holstoke. Mas Jonas fora
encantador.
Holstoke, por outro lado, ficou furioso. Ele casou-se
coma garota descarada com tanta pressa que Jonas concluiu
que o homem devia estar esperando por uma desculpa.
Depois, quando Jonas os viu juntos em Primvale Castle, sua
suspeita se confirmou. O Conde de Holstoke era louco por sua
esposa.
Agora, os olhos de Lady Holstoke dançavam alegremente
enquanto ela analisava o novo traje de Jonas.
― Pois bem. Como fica elegante com roupas bem
ajustadas. O que os oficiais diriam se eles o vissem agora?
Ele deu uma risadinha.
― Alguma coisa vulgar, sem dúvida. Somos um grupo
grosseiro, minha dama.
― Humm. Já conversou com meu marido?
― Não.
Ela acenou em direção às mesas.
― Ele ficará feliz em vê-lo tão bem. ― Os olhos dela se
fixaram no seu ombro e sua perna. ― Quando saiu de
Primvale, nós esperávamos que suas feridas não causassem
muitos danos. Mas você parece ter se curado plenamente.
― Assim foi. ― Ele mentiu. As flechas haviam rasgado o
seu ombro e sua coxa eram meras alfinetadas em comparação
às outras feridas. Essas, não se curaram.
Ele olhou ao redor do jardim, notando os convidados
caminhando em direção às mesas. Dois jovens almofadinhas
cujas cravats2 quase envolviam as suas orelhas. Uma
matrona alta de braços com um homem mais baixo com um
colete amarelo brilhante. Um cavalheiro de cabelos pretos
com as têmporas prateadas e uma constituição similar a
Jonas. Este era Lorde Wallingham, acompanhado por uma
mulher loira que acariciava afetuosamente a sua manga.
Nenhum deles tinha um cabelo preto sedoso como as
asas de um corvo. Nenhum deles brilhava como a luz da luz
na água. Nenhum deles era...ela.
―... minha irmã, Maureen, e Lorde Dunston chegam
amanhã. Sr. Hawthorn?
Ele voltou sua atenção à mulher à sua frente.
― A última vez que vi Dunston, ele estava me passando
doze guinéus pelo prazer de perder uma aposta. Ele ainda
deve estar magoado.
― Dunston é um tipo afável. Não um que guarda rancor.
― A aposta envolvia arco e flecha e o consumo de
conhaque. Ele pode ter se enganado com a minha verdadeira
capacidade em ambos.
― Enganado por quem?
Ele respondeu com um sorriso.
Os lábios dela franziram.
―Humph. ― Com um brilho de determinação, ela agarrou
seu braço e o puxou para frente. ― Venha. Você deve falar
com Holstoke.
― Sobre?
― Alguma coisa agradável, de preferência. Seja honesto.
Mas não honesto demais. Não minta. Essencialmente. E tente
entrar em contato com ele. Agora, melhore o comportamento.
― Humm. Que bom que me recordou. Eu havia pensado
em remover as minhas calças e pular na fonte. Sem uma
mulher para me gerenciar, é um milagre que eu seja uma
companhia educada.
― Oh! Essa é outra coisa. Corte o seu sarcasmo. Nós
queremos que ele goste de você, não que apenas o tolere.
Ele franziu o cenho olhando paras as penas de pavão e
seda verde.
― Por que precisamente?
Ela o apertou com mais força, puxando-o em frente.
― Se a conversa ficar azeda, pergunte a ele sobe plantas.
Isso deve apaziguá-lo por um tempo.
― Apaziguá-lo? ― Ele franziu a testa. A mulher estava
desorientada.
― Você é um bom atirador, Sr. Hawthorn?
Ele não se lembrava de ela ser louca. Um pouco
incomum. Direta, com certeza. Extravagante em suas
escolhas de chapéus, talvez. Mas não uma lunática. Talvez ele
tivesse perdido alguma coisa.
Ela o avaliou por baixo da aba de seu chapéu.
― Você é, não? Um atirador soberbo. Eu apostaria todas
as minhas fitas vermelhas nisso.
― Lady Wallingham não me disse que serviria vinho tão
cedo. Leve-me até ele, minha senhora. Eu poderia tomar uma
taça ou duas.
― Como você é com adagas? Facas, espadas, este tipo de
coisa.
Ele parou, o que forçou a lunática agarrada a seu
cotovelo parar também.
― Você está antecipando um cerco?
― Responda à pergunta.
― Sou capaz de fatiar o presunto em pedaços educados
se é o que está se perguntando.
Os olhos dela brilharam quando ele mencionou o prato
preferido dela.
― Você se lembra?
Ele deu de ombros. Ele se lembrava de um monte de
coisas. Coisas demais.
― Se está pensando em contratar um agente, recomendo
o Sr. Drayton. Eu posso atestar a pontaria dele e ele não é
sarcástico.
― Eu não desejo contratá-lo.
― Então, sobre o que é isso?
Ela soltou um suspiro.
― Você deve confiar em mim.
Em sua experiência, o maior erro de um homem começa
com apenas uma imploração. Ele deu um tapinha na mão da
condessa e gentilmente a removeu de seu braço.
― Foi um prazer revê-la, minha senhora. Dê meus
cumprimentos a Lorde Holstoke, ãh?
Ele deu três grandes passos de volta ao castelo quando
um brilho negro atraiu sua atenção. Era...ela.
Ela usava branco. Camadas brancas e translúcidas de
musselina com um faixa de cetim no mais suave verde. Sem
bonnet. Sem luvas. Ela estava sentada em um banco perto de
um arbusto de rosas.
E em seus braços havia um bebê.
Congelando no lugar, Jonas estacou diante da visão. Ela
olhava para a criança pequena com um sorriso de derreter
coração. Se a lua tivesse repentinamente ficado rosa e
brilhasse mais do que o sol, ele não teria ficado mais chocado.
Então ele examinou o bebê. Alguns meses de idade,
talvez. Cabelos pretos como corvo. Olhos verdes pálidos. Tão
lindo quanto a mulher cujo amor resplandecia
impossivelmente brilhante.
Suas pernas ficaram imóveis. Suas entranhas arderam.
Deus todo poderoso. Era esse o segredo que ela havia
guardado? Que ela guardara seu coração para outro? Dado
seu corpo para outro? Deixou outro tocá-la enquanto ela
afastava Jonas a cada oportunidade?
Isso explicaria muita coisa. A rejeição dela. Sua frieza. Se
ela estivera carregando o filho de outro homem um ano atrás,
Jonas podia ter sido nada mais do que um incômodo. Apenas
outro vira-lata patético implorando aos pés da Rainha da
Neve.
Tudo dentro dele foi apertado. Ele lutou para permanecer
imóvel. Não seguir em frente. Não fazer exigências.
Ela não lhe devia nada, pois ela não lhe prometera nada,
ele lembrava a si mesmo. Ele nunca nem ao menos a beijara.
Admitia, ele quase morrera tentando protegê-la. Mas ela não
lhe pedira isso. Ele fizera isso porque...inferno maldito, ele
não sabia o porquê.
Uma criada ― sua criada pessoal, pelo que parecia ―
aproximou-se carregando um chapéu de palha com fitas
verdes. Hannah não olhou para cima quando a criada falou
com ela. Em vez disso, murmurou uma resposta, mas não
tirou os olhos de cima do bebê, embalando-o gentilmente de
um lado para o outro enquanto dedos minúsculos agarravam
seu polegar. A criada colocou o chapéu no banco ao lado de
sua senhora e se afastou.
Jonas não soube o que o levou a se mover. Deveria
ignorá-la. Não se enrolar. Se aproximar desta mulher
intocável novamente era pura idiotice.
Suas pernas não se importaram. Seu peito queimou com
a necessidade de saber. Ouvir a voz dela. Talvez a neve o
afetasse de modo diferente desta vez.
― Srta. Gray.
Ela parou de embalar.
Ele se viu se aproximando, olhando o negro sedoso e o
branco cremoso, esperando por um vestígio do cheiro dela.
Esperar. Deus, como ele queria.
Lentamente, cílios grossos e pretos levantaram-se. Olhos
surpreendentes da cor de folhas foscas o encontraram. O
único sinal de inquietação foi a aceleração da respiração.
Entretanto, ela parecia totalmente composta.
― Sr. Hawthorn.
Ele quis praguejar diante da reação de seu corpo. Parecia
que a neve caindo sempre o faria queimar.
― Eu presumo que ainda seja ‘Srta. Gray’. ― Os olhos
dele recaíram sobre a sua mão nua. ― Ou estou errado? ― Um
bebê em seus braços, mas sem anel. O homem teria morrido?
Estava preso?
Se não, talvez um ou outro pudesse ser arranjado.
― Por que meu nome deveria ser diferente?
A resposta dela foi tão fria, a expressão tão fechada, que
ele pensou por um momento que ela estava zombando dele.
Mas a natureza de Hannah Gray era distante, não sarcástica.
Uma pequena ruga formou-se entre suas sobrancelhas pretas
indicando uma confusão genuína.
Os olhos dele caíram sobre o bebê nos braços dela. O
ácido estava comendo as suas entranhas, tanto quanto a
resposta, ele deu de ombros.
― Estou surpresa por lhe encontrar aqui. ― Ela disse.
Northumberland está bem distante de Londres.
― Lady Wallingham precisava de um sabujo para
rastrear seus pertences. ― A boca dele se retorceu em um
sorriso. ― Parece que é o que farei.
O bebê começou a ficar inquieto, grunhindo e
balançando os braços. Hannah afastou a criança um pouco,
acariciando cabelos pretos com delicadas mãos brancas para
acalmá-lo.
― Você parece bem. ― Ela murmurou, os olhos correndo
da cintura até a testa dele. Nem ao pestanejar ela revelava
algo próximo a interesse. Ainda assim, ele sentiu algo
embaixo da superfície ― um distúrbio que ela estava
controlando com grande força de vontade. ― Quando você
partiu, eu... Bem, Você estava começando a se recuperar. ―
Ela afastou os olhos dos dele e os voltou ao bebê. ― O médico
de Phineas o visitou em Londres?
― Sim. Não se preocupe, Srta. Gray. As feridas de um
sabujo dificilmente valem um momento de seus pensamentos.
Damas como você têm coisas melhores para fazer do que se
macularem com vira-latas, hein?
Os ombros dela se retesaram e então, estranhamente,
tremeram. Os músculos delicados de sua mandíbula
ondularam. Ela acariciou novamente a cabeça do bebê.
― Eu vi as suas feridas. Eu fiquei sentada ao seu lado
enquanto elas tentavam tomar a sua vida. Talvez tenha
esquecido.
Ele observou a reação dela, confuso por seu tom. As
palavras dela eram suaves, mas em qualquer outra pessoa,
ele teria jurado que elas estavam no limite de serem gritadas.
Ela tinha, de fato, sentado-se com ele por horas. Dias. Cada
vez que ele ficava consciente, ela havia estado lá, pálida e
perfeita. Esperando e observando.
Quando finalmente recuperou controle suficiente, ele a
tocou. Ela se afastou como se tivesse sido queimada.
― Eu não me esqueci. ― Ele lhe deu um sorriso. ― Uma
benção e uma maldição, poderia dizer. ― Acenando em
direção à criança, ele sentiu sua boca se retorcer, sua
mandíbula cerrar-se. ― Deste, eu não me lembro.
Ela piscou.
― Oh, bem, não poderia. Griffin nasceu em março.
Ele analisou as linhas da cintura dela, as suas curvas de
seus seios, ambas não haviam mudado desde a última vez
que eles se viram.
― Você também parece ter se recuperado bem.
― Recuperado?
― Quem é o pai? ― A pergunta escapou sem seu
consentimento. Ele não devia ter perguntado. Ele não tinha
direito sobre ela. Ela deixara isso claro.
― Não tenho certeza se entendi a sua pergunta.
― Onde ele está agora? ― Ele deveria ter fechado a boca.
Deveria ter se afastado antes de fazer papel de bobo mais
uma vez. Mas ele queria saber. Queimava para saber. ― Indo
direto ao ponto, onde está o anel dele?
Aqueles olhos extraordinários dilataram-se.
― Você está… Está implicando… Que Griffin é meu?
― Não é?
A criança começou a se retorcer. O pequeno rosto
maculado. Então, ele soltou um grasnado, vários grunhidos e
um gemido em total escala.
Jonas franziu o cenho. Aquilo havia acontecido muito
rápido.
Por trás dele veio uma risadinha feminina.
― Céus, parece que Griffy, o traquina, prefere se
alimentar antes de todos nós.
Lady Holstoke deslizou por ele para reivindicar o bebê,
que se acalmou assim que ela o segurou em seus braços. Ela
roçou seu nariz no do garoto e depois fez cócegas em sua
barriga com os dedos. ― Griffin Brand, você é bem filho de
seu pai. ― Ela gargalhou e depois sorriu a Jonas. ― Eu devo
alimentá-lo ou nós sofreremos toda a sua cólera. Mas você e
eu não terminamos a nossa conversa, Sr. Hawthorn. Quando
eu voltar, esperou que façamos isso. ― Com um aceno
atrevido, Lady Holstoke levou a criança de cabelos negros
para longe, arrulhando e acalmando de uma maneira
materna.
Porque ela era a mãe dele.
E Phineas Brand o seu pai.
E Hannah era a tia.
Droga, não levou muito tempo para Jonas bancar o bobo
novamente, não foi?
Hannah levantou-se do banco e calmamente colocou o
seu bonnet, amarrando a fita verde embaixo de seu queixo.
― A presunção foi natural. ― Ela disse. ― Ele tem as
minhas cores. Você me viu segurando-o. ― Ela focou nele com
um olhar nivelado. ― E nós não nos vemos há algum tempo.
Ela estava certa, mas, ainda assim, ele se sentia como
um idiota. Ele esfregou o queixo com os nós dos dedos.
― Um ano. ― Ele concordou.
― Mais.
Ele franziu o cenho.
― Um ano e treze dias. ― Ela esclareceu. ― Você parece
bem Sr. Hawthorn.
Ela já havia dito aquilo. Ela estava com a respiração
acelerada? E ela havia contado os malditos dias? Ele era o tolo
que fazia isso. Ela era aquela que lhe afastou, recusando-se a
olhá-lo enquanto ele subia na carruagem.
Ele se aproximou, mas parou quando o pescoço dela
endureceu.
― O casaco é emprestado.
Lançando um olhar pelos ombros dele, ela murmurou.
― Serve-lhe lindamente.
― Você percebeu. Cuidado, Srta. Gray. Você me fará
corar.
― Eu mal o reconheci sem aquele saco de lã preta que
sempre veste.
Ela obviamente estava passando muito tempo com Lady
Holstoke. A franqueza era transmissível.
― Eu gosto de bolsos. ― Ele respondeu, olhando para as
suas mangas. ― Este tem apenas um.
― Por que perguntou sobre o pai de Griffin?
Mais franqueza. Uma mudança surpreendente quando
ela sempre fora reticente antes.
― Curiosidade. ― Ele respondeu. ― A aflição de um
sabujo, receio.
― Pare de chamar a si mesmo de sabujo. ― Lábios suaves
se contraíram. ― Isso não combina.
― Como eu deveria ser chamado então?
― Por seu nome.
― E qual é o meu nome? ― Ele estava apenas
provocando. Ele queria ouvir seu nome naqueles lábios de
botões de rosa.
Seus olhos, eles podiam parar o coração de um homem
com a beleza deles, não lhe deu nada. Em toda a sua vida, ele
nunca vira uma mulher tão opaca. Ela era tão fria e
imaculada como um vidro espelhando a luz da lua em uma
sala. Mas por uma fração de segundo, algo brilho embaixo da
superfície. Uma sombra, depois uma faísca. O medo seguido
pelo desafio.
― Jonas. ― Ela sussurrou. ― Jonas Bartholomew
Hawthorn.
Ele não conseguiu falar. Não conseguiu mover-se. Não
conseguiu respirar. Maldito inferno, com três palavras, ela o
deixara pegando fogo.
O olhar dela deslizou pelo queixo dele, seu pescoço e sua
cintura.
― Fico feliz que esteja bem. ― Ela disse, sua voz baixa e
contrita. ― Eu nunca estive tão feliz por algo.
A criada dela veio buscá-la. Uma brisa leve soprou sobre
a pele dele enquanto ela lhe dava um aceno educado e
caminhava em direção ao castelo. À distância, ele ouviu a
fonte jorrar. Pássaros cantarem. Convidados conversarem.
Lady Wallingham reinar.
Mas tudo o que ele conseguia fazer era ficar parado ali
com o sol aquecendo as suas costas.
Ela sabia o seu nome. Ele nunca lhe dissera o nome do
meio. Talvez ela tenha descoberto por meio de seu irmão ou
por Dunston. Talvez o médico mencionara. Uma coisa era
clara: uma mulher que se incomodava em descobrir o nome
do meio dele e falar isso para ele não era tão indiferente
quando ela o fazia crer.
CAPÍTULO 4

“Minha irmã insistiu que eu conversasse com você. Ela não


especificou educadamente. Nem insistiu que seu casaco
continuasse limpo. Mas, então, ela me conhece muito bem.”

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta na qual não se
desculpava por um confronto em uma festa civilizada.

Ela se escondeu em um canto escuro buscando ar. Com


as mãos em garras, ela tirou o seu bonnet, assim poderia
respirar.
Ela fizera aquilo. Ela havia sido normal.
Com ele.
Ela falara o nome dele. Segurara o seu olhar. Sentiu a si
mesma caindo sobre ele como água quente e limpa.
Tapando a boca com ambas as mãos, ela se recostou em
uma superfície velha e empoeirada.
Mais cedo, quando Hannah confrontara Eugenia sobre a
inesperada presença de Jonas Hawthorn em Grimsgate, sua
cunhada havia categoricamente refutado as acusações de
Hannah de traição.
― Você está escolhendo um marido, minha querida.
Oferecer-lhe a opção com o homem que realmente quer é o
oposto de traição.
― Por que não me contou?
― Porque não teria vindo.
― Ele complica tudo. Eu não posso escolhê-lo, Eugenia.
― Ela não fora capaz de disfarçar a sua angustia. ― Você sabe
o motivo.
― Sim. Mas a sua escolha deve ser feita totalmente ciente
do que está rejeitando. E quem.
― Por que deve ser assim?
― Para enfraquecer o arrependimento que possa ter um
dia. ― Eugenia lhe explicara como recebeu uma carta de Lady
Wallingham dizendo que pretendia contratar um agente de
Bow Street para procurar um baú perdido. Ela imediatamente
encorajou a viúva a contratar Jonas Hawthorn e orquestrou a
‘feliz coincidência’ em uma reunião em sua chegada a
Grimsgate.
Então, para dar a Hannah a ‘melhor oportunidade’ para
tomar uma decisão apropriada, Eugenia a fez praticar ser
normal. Hannah pensara em todos os cenários, centenas de
vezes desde aquela manhã. Como cumprimentá-lo. Como
controlar suas reações. Como conversar como uma dama
normal com um homem que ela…
O que? Droga, o que ele era para ela? A conexão entre
eles continuava obscura. Ele salvou a vida dela. Ela se
recusou a deixá-lo morrer. Ele estendeu-lhe a mão. Ela fugiu.
Enviou-o para longe.
Mas o desejo ― oh, o desejo permaneceu.
Bons céus, ele era bonito. Quando ela o vira naquele
casaco de lã verde, seu cabelo castanho tão bem cortado, seu
queixo magro e quadrado recém-barbeado, os ossos dela
viraram ouro derretido. Como ele podia ficar ainda mais
bonito do que antes? Parecia impossível, e ainda sim ele
estava, um lobo em roupas de cavalheiro.
Ele a assustava insensatamente. Mesmo agora, ela
pensava que partes dela poderiam se soltar e voar.
Griffim fora um conforto, uma âncora. Porém,
finalmente, ela sentiu escorregar.
Uma suave batida soou à porta. Ela fechou os olhos.
― Senhora?
Era Claudette, sua criada pessoal. Provavelmente viera
buscá-la de volta ao almoço. Mas Hannah havia queimado
cada grama de sua conversa normal com ele. Não sobrara
nada. Apenas medo, e isso ameaçava parti-la ao meio.
A porta ruiu ao ser aberta.
― Senhorita? Sua senhoria ― Lorde Holstoke ― está lhe
esperando. ― Sua jovem criada deslizou para dentro do
quarto de pedra antiga. Claudette era pequena e gentil. Ela
carregava uma lamparina. Ela veio e sentou-se ao lado de
Hannah, colocando a lamparina no chão. Então, descansou a
mão aberta na superfície entre elas.
Lentamente, Hannah forçou a tirar a mão de sua boca.
Ela a abaixou na palma de Claudette. A garota acariciou os
nós de seus dedos com o polegar.
― Nós temos um momento para reparar suas saias,
senhorita. ― A criada murmurou. ― Há muito pó aqui.
Hannah olhou ao redor. Era um porão. Fresco e escuro,
construído escondido abaixo do solo em um canto onde nem
mesmo os criados se aventuravam. Hannah o encontrara no
primeiro dia em Grimsgate Castle. Ela gostava de lugares
escondidos.
― Suponho que sim.
―Lady Wallingham me ofereceu uma posição novamente.
Hannah apertou a mão de sua criada.
― Ela ofereceu? Esta é a quarta vez, não é?
― Terceira. Eu não conto a última vez, já que ela estava
despedindo a sua antiga criada naquela hora. Acho que ela
quis atormentar a pobre garota.
Gradualmente, com a mão fria de Claudette segurando a
dela, ela conseguiu sufocar as forças que tentavam repeli-la.
Respirou fundo. E mais uma vez.
― Você... Você considerou isso? ― Hannah se forçou a
encontrar os olhos de Claudette. Eles eram pura bondade. ―
Deixar-me?
― Não, senhorita. ― O polegar dela acariciou as costas da
mão de Hannah. ― Tanto quanto quiser que eu fique, eu
ficarei.
Ela não conseguiu exibir um sorriso. Ela sentiu isso.
Quis responder com a gratidão que ela sentiu. Mas tudo o que
ela conseguiu fazer foi assentir.
Que tola era fora ao ouvir Eugenia. Todo mundo lhe trata
como papel molhado, sua cunhada havia zombado. Você é
mais forte do qualquer um que conheço.
Besteira. Ela não era forte. Ela estava quebrada.
― Venha, senhorita. Vamos limpá-la e voltaremos ao
jardim. Lady Wallingham está servindo tortas de pêssegos.
Tortas de pêssegos eram as suas favoritas. Finalmente,
após longos segundos, Hannah assentiu.
Claudette era uma excelente criada pessoal, assim ela
tinha sua senhora limpa, reparada e de volta ao jardim em
minutos. Hannah visualizou Jonas imediatamente
conversando com Lorde Wallingham perto da fonte. Ela
seguiu em direção a ele sem pensar, mas parou antes de ir
mais adiante sebe em torno da fonte circular. Ali, ela pairava
e tentava não olhar.
Um homem se aproximou por sua direita. Bonito.
Dourado. Alto. Ele sorriu para Hannah com um brilho de
afeição em seus olhos azuis.
Ela não conseguiu evitar o sorriso de retorno. Ele era
herói, seu professor. Após o período ruim e antes que ela
encontrasse Phineas, ele foi o único homem que ela sabia que
era bom, pois ele foi aquele que deu um fim ao período ruim.
― Lorde Colin. ― Ela exclamou. ― Que adorável vê-lo.
― E você, Srta. Gray. Parece que se passou uma era
desde a sua última visita.
― Um mês ou dois, pelo menos. ― Ela concordou. ―
Receio que Eugenia me mantém ocupada com a sua nova
chapelaria em Weymouth. ― Hannah olhou ao redor em
busca da esposa dele, que normalmente estava ao seu lado. ―
Sarah está...?
― Emboscada por duas rufiãs do tamanho de um
pinscher que exigiram um resgate por cinco tortas de
pêssegos. Bom comportamento é raro atualmente. ― Ele fez a
observação com uma cara de pai carinhoso. ― Espero ela de
volta a qualquer momento.
Colin e Sarah Lacey tinham duas filhas, Rebecca, de três
anos e Abigal, de quatro. As duas eram diabinhas travessas
muito adoráveis para não mimar, apesar de elas parecerem
perfeitos querubins com os cachos dourados de seu pai.
Hannah às vezes trançava seus cabelos em elegantes halos
quando ela os visitava em Devonshire. A casa deles, Yardleigh
Manor, também hospedava a escola que Colin e Sarah
administravam juntos. Hannah frequentara a St. Catherine ―
Academia para Moças de Comportamentos Impecáveis por
dois anos antes que ela fosse viver com Phineas.
Lorde Colin a ensinara a amar música. Ele a ajudara a
aprender a dançar. Ele lhe ofereça um senso de segurança
durante o período que ela mais precisava. E naqueles anos,
desde que ela deixara a escola, ele e sua esposa viraram
queridos amigos.
Ele aproximou-se inclinando a cabeça.
― Eu soube que você pode estar procurando um marido.
― Ele disse com um sorriso de aprovação.
― Quem lhe disse?
― Primeiro Sarah, depois Reaver. ― Colin sorriu, olhos
azuis brilhavam com seu humor usual. ― Devo alertá-la,
entre ele, eu, Dunston e Holstoke, qualquer cavalheiro que
peça a sua mão enfrentará um diabo de críticas antes que ele
seja julgado merecedor.
Ela sorriu suavemente.
― Sou grata a cada um de vocês.
― Já encontrou alguém que atraiu a sua atenção?
Instintivamente os olhos dela pousaram em Jonas. Ele
estava olhando para Lorde Colin com uma expressão
estranha.
― É cedo ainda. ― Ela murmurou, lutando contra uma
estranha torção em seu estômago. ― Nem todos os convidados
chegaram.
― Uns poucos interessantes chegaram, entretanto.
Com esforço, ela afastou o olhar de onde ele queria estar
e voltou a seu amigo.
― Eugenia insiste que eu devo ter uma decisão
consciente.
― Humm. Correta. Embora eu deva dizer que às vezes
simplesmente sabemos. Foi desse jeito comigo.
Ela franziu o cenho para ele.
― Com Sarah?
― Eu estava meio morto quando ela me encontrou.
Deveria ter estado totalmente morto, em todo os casos. Eu
acordei nos braços de um anjo e pensei que por erro de algum
escrivão, eu havia sido enviado ao céu em vez do local ao qual
eu pertencia. Ela não me conhecia bem, e ainda assim se
recusou a me deixar. Recusou a me deixar morrer.
― Sarah tem um coração bondoso. Você deve ser grato
pelo cuidado dela.
Olhos azul céu brilharam com o amor que ele sentia por
sua esposa.
― Sim, mas eu também sou grato a mãe dela. ― Ele
assentiu ironicamente. ― E eu não movi céus e terras para
casar-se com a Sra. Battersby, embora ela fosse encantadora.
― Sua expressão ficou mais pensativa. ― Levou algum tempo
para eu aceitar, você sabe. Estava muito danificado. Como eu
poderia pedir a Sarah para me aceitar?
Confusa, Hannah balançou a cabeça.
― Mas as suas feridas se curaram.
― Meu corpo, sim. Mas eu me danifiquei além do
perdoável muito antes de Sarah me encontrar. Eu não queria
que ela soubesse das coisas terríveis que eu fiz. Pensei que
ela merecia um homem melhor, um que não tivesse cometido
os meus erros. E assim ela fez. ― O sorriso dele era
melancólico. ― Mas ela tinha ideias diferentes sobre o
assunto. Para ela, nós todos estamos danificados de um jeito
ou de outro. Aqueles que realmente nos ama não nos julga
por nossas cicatrizes, mas por quem nos tornamos como
resultado.
Seu couro cabeludo se arrepiou quando ela percebeu o
que Colin estava tentado lhe dizer ― que ele entendia. Ele
entendia o quão assustada ela estava para pedir a alguém
para dividir as cargas de seu passado. Mas até mesmo Colin,
que tinha sido torturado pelas mesmas mãos que ela fora,
não poderia compreender a extensão do dano que ela levava
ao casamento. Além do mais, ninguém ― nem Eugenia, seu
irmão ou amigos ― sabia o motivo pelo qual Jonas Hawthorn
era tanto seu maior risco e sua grande tentação.
Cuidadosamente, ela pousou a mão sobre o braço de
Colin.
― Ela é uma mulher inteligente, sua esposa.
Ele sorriu e começou a responder, mas uma comoção
além da sebe interrompeu a conversa deles. Um latido
profundo e um uivo ressonante ecoaram além da horta e pelo
gramado. Risadinhas infantis o seguiram. E então um “Por
aqui, Humphrey! Pegue-me!”
Hannah e Colin trocaram olhares divertidos e depois
vaguearam ao redor da sebe para ver um cão marrom de
orelhas caídas e vincos profundos correndo atrás do jovem
menino com cabelo escuro e sorriso alegre. A visão enviou
uma felicidade radiante através de Hannah como o sol
atravessando de uma janela.
O sabujo de Lady Wallingham, Humphrey, podia estar
velho, mas quando os netos dela estavam por perto, o
cachorro corria como um filhote. O menino mais velho, o
Conde de Bainbridge ou Bain para encurtar, corria a toda
velocidade ao redor da fonte e arremessava-se entre as mesas.
Ele era seguido de perto por Humphrey e dois meninos
menores, seus irmãos, Christopher e William.
Era esta a razão pela qual Hannah permitira Eugenia
empurrá-la em uma busca por marido. Era por isso que ela
arriscaria tudo: pelo prazer de assistir crianças brincarem,
rirem e correrem, a diversão de despejar seu coração ao seu
próprio bebê. Talvez ela devesse agradecer à sua cunhada.
Ser normal não era fácil para Hannah e provavelmente nunca
seria, mas Eugenia estava certa, era a única chance de ela ter
sua própria família.
Respirando profundamente, ela vasculhou os convidados
em busca de Eugenia.
Porém, seus olhos prenderam-se na lã verde e no sorriso
de patife. Ele tinha sua usual expressão encantadora, aquele
que revelada seu dente sobreposto. Aquele que poderia
encantar uma dama além de suas anáguas. Mas desta vez
não estava direcionado a Hannah.
Era direcionado a uma dama que ela nunca vira. Bonita.
Cabelos da cor da luz da manhã. A mulher brilhava para ele,
pestanejando com seus longos cílios e corando de um rosa da
cor do pôr do sol. Ela tinha sorriso aberto e grandes seios.
Possuía lábios cheios e um vestido azul vívido.
Em outras palavras, ela era tudo o que Hannah não era.
Além disso, uma preocupação particular era que ela tinha a
atenção dele.
E como uma ondulação de areia sob os pés de Hannah,
algo poderoso fluiu. Empurrava contra sua pele. Do rubor até
um comichão quente.
Jonas riu de alguma coisa que a mulher dissera. Ele
inclinou-se para perto como se confidenciasse um segredo.
O calor piorou. A garganta de Hannah queimou. As mãos
se fecharam. O que era isso? Ela odiava. Odiava a sensação.
Odiava a mulher. O odiava.
― Aqui está você. Estive lhe procurando em todos os
lugares. ― Eugenia cumprimentou Colin enquanto ele saia
para procurar Sarah. Então ela segurou no braço de Hannah.
― Tem dois cavalheiros que você deve conhecer. Ambos sem
títulos. Ambos mansos como manjar branco. Não muito
bonitos, embora não repulsivos também. Acho que ficará
impressionada.
Ele estava parado tão perto dela. E ela o olhava tão...
insinuante.
Hannah nunca flertara com ele ― com ninguém, na
verdade. Eugenia a forçara a praticar, mas ela continuava
terrível nisso. Ela simplesmente não conseguia sorrir
afetadamente, pestanejar ou fingir interesse em propriedades
de caça sem pensar como tudo isso era muito idiota. Esta
mulher, ao contrário, parecia ter talento na arte. Até mesmo
descaradamente.
― O que diabos está espreitando, querida? ― Eugenia
inclinou de lado para alinhar sua cabeça com a de Hannah. ―
Oh, percebo.
― Quem é ela? ― A pergunta emergiu do nada. Bem,
talvez não do nada. Mas certamente de algum lugar sombrio e
inexplorado.
― Clarissa Meadows. A neta de Lady Darnham. Bastante
agradável, de verdade. Passou anos como encostada. Na
última temporada, ela conseguiu escalar a prateleira e
tornou-se uma figura bastante popular. Não está
comprometida ainda. Espero que ela que aproveite a atenção
depois de tantos anos sentada perto de sua avó enquanto as
outras moças valsavam em direção ao matrimônio.
Jonas disse algo que fez a Srta. Meadows rir. A cor rosa
da mulher se aprofundou. As entranhas de Hannah ficaram
pontiagudas.
― O que supões que poderia acontecer, querida? ― O tom
de Eugenia era gentil. ― Ele não esperará para sempre.
― Eu quero que ele pare. Eu quero que ela vá embora. ―
A respiração de Hannah se acelerou. Ela cerrou as mãos em
punhos de novo e de novo. ― O que eu posso fazer, Eugenia?
Isso é... Eu odeio isso.
― Esses sentimentos que tem são desagradáveis, não?
― Não gosto deles.
Eugenia bufou.
― Imagine senti-los por sua irmã. ― Ela murmurou antes
de gesticular como se mandasse os pensamentos embora. ―
Esqueça. Você perguntou o que pode fazer. Pense no Sr.
Hawthorn como uma cadeira que gostaria de reivindicar como
sua, um assento de primeira e um adorável banquete de acres
de presunto e tortas de pêssegos. Se esse assento é desejado
por você, naturalmente deve ser desejado por outros. Ao
deixá-lo desocupada por muito tempo, você perderá a cadeira
para outras... Irmãs, por exemplo.
― Fale diretamente, Eugenia. Enigmas não combinam
com você.
― Humph. Sentindo-se irritada, não? Muito bem. ―
Eugenia apertou o braço dela e se aproximou. ― Tome o seu
assento, querida. Mostre à Srta. Meadows e a qualquer outra
vadia que este assento em particular, está ocupado.
― E se eu não puder?
― Então deve ceder seu assento a outra pessoa. Ao
contrário de uma cadeira, o Sr. Hawthorn tem sentimentos
também. E ele merece ser tratado com justiça, não concorda?
Hannah engoliu em seco. Sim, a justiça era importante.
Mas, no momento, seu impulso menos nobre era tê-los em
seu punho. Assisti-lo flertar com outra pessoa era uma dor
que ela nunca sentira antes e, ela pensou que já
experimentara todo tipo de dor antes.
― Venha. Atirar adagas neles apenas tornará tudo pior.
― Eugenia a empurrou em direção a um grupo de cavalheiros
que conversavam entre duas mesas. ― Deixe-me apresentá-la
a meus dois candidatos manjares brancos. Eles podem ser
menos sedutores do que os assentos, mas talvez eles lhe
ofereçam novas perspectivas.

*~*~*

A Srta. Meadows era uma mulher encantadora. Pequena,


mas voluptuosa. Educada, mas com vívido humor. Embora
falasse sem parar, era atraente. Esplêndida de verdade.
Se Jonas não fosse um tolo completo, ele poderia cercá-
la, mas ele era, então era um ponto discutível.
Droga, ele perdera metade do que a garota dissera. Claro,
ela empacotava dez pedras de conversa em uma jarra de dois
litros.
― ...chegamos mais cedo porque vovó insistiu em deixar
Ellery Hall três semanas atrás. Eu lhe disse que eram apenas
dois dias de viagem, mas ela disse que poderia estar mais frio
no norte. Um erro de cálculo, ouso dizer...
Quem era o homem com quem Hannah estivera? Mesma
altura de Jonas. Cabelos loiros. A beleza dos nascidos nas
altas classes que traziam a lembrança de deuses alados nas
pinturas florentinas. Não tinha algum desses deuses
despencado até a morte após suas asas derreterem? Ele
pensava que sim.
― ... em qualquer evento, é por isso que chegamos antes
de todos. Lady Wallingham nos deixou caminhar para cima e
para baixo, e isso foi adorável. Simplesmente adorável. A
praia, os jardins, a biblioteca. Oh! E os cavalos. Magníficos.
Lorde Wallingham mantém um estábulo soberbo. Qual foi
mesmo a sua pergunta?
Ele pigarreou.
― Você viu alguém saindo quando chegaram? Talvez
carregando um baú?
― Não que eu me lembre. Tudo foi um pouco agitado,
como nós não esperávamos chegar tão cedo. A equipe de
criados de Grimsgate nos mostrou a maior cortesia...
Talvez Lady Holstoke soubesse quem era o deus de
cabelos claros com quem Hannah estava. Ela parecia
conhecer todos ali, como se ela mesma tivesse feio a lista de
convidados de Lady Wallingham.
― ... você disse que era de onde, Sr. Hawthorn?
Ele sorriu para a garota, percebendo como as bochechas
dela ficavam rosadas cada vez que ele fazia.
― Londres. ― Ele respondeu, dando de ombros. ―
Basicamente.
― Você deve achar Northumberland um alívio. Londres é
sufocante no verão. Embora, eu tenha passado um período
maravilhoso na cidade durante a temporada. Não me lembro
de tê-lo visto.
Ele aumentou o sorriso e se aproximou. A maioria das
pessoas achava tal movimento encantador ― normalmente as
mulheres.
― Lembrar-se-ia de mim se tivesse, Srta. Meadows?
― Oh! ― Ela ofegou, pestanejando os cílios e ficando mais
rosa. ― Sim. Sim, eu certamente me lembraria.
Com isso, ele não precisava explicar como ela não o teria
visto andando espalhafatosamente pelos bailes de Mayfair
porque ele era um agente de Bow Street de classe baixa que
prendia ladrões para viver. Ele se endireitou. Acima das
mechas loiras da mulher, ele divisou Nash.
― Peço o seu perdão. Vi um velho conhecido com quem
devo falar.
― Talvez conversemos de novo? ― Seu tom era
esperançoso.
Ele inclinou sua cabeça.
― Seria um prazer.
Ela disse algo mais, mas ele já começara a cruzar o
gramado em direção ao homem que poderia ter as repostas
que ele queria.
― Preciso de um nome, Nash.
O mordomo se virou e elevou uma sobrancelha grisalha.
― Apenas um, sir?
― Por enquanto. ― Ele rapidamente vasculhou a
aglomeração, localizando o deus com asas conversando com
um duende de cabelos cor de mel. ― Ali. Quem é ele?
Nash franziu a testa. Perscrutou além de fonte e mesas.
― Aquele é Lorde Wallingham, sir.
― Pelo amor de Deus, Nash. Eu conheço Wallingham.
Estou vestindo o casaco dele.
Entrecerrando os olhos, Nash tentou novamente.
― O camarada gigante com óculos? Esse é o Sr. Reaver.
Ele é dono de um clube de jogos ...
― Eu também conheço o Sr. Reaver. ― Jonas espetou. ―
Casaco azul. Cabelos dourados. Parece que saiu de uma
pintura.
― Ah. Lorde Colin Lacey. O irmão mais novo do Duque de
Blackmore.
O irmão de um duque. Maldito inferno. Isso explicava o
motivo pela qual ela sorria para ele e pôs a sua mão sobre o
maldito braço dele. Eles eram perfeitos juntos. Luz da lua e
luz do sol. A linhagem aristocrata e o resultado da beleza
incomum.
― Lorde Colin chegou logo depois de você, sir. ― Nash
soou divertido. ― Com a esposa e suas duas filhas.
― Esposa?
― De fato. Lady Colin está ali com ele agora. ― Acenando
em direção à mulher grávida e cabelos em espirais cor de mel,
o mordomo não se incomodou em disfarçar o sorriso.
Se Lacey era casado, então por que Hannah lhe olhara
com tanta...afeição? Ele lhe prometera uma posição de
amante? Era esse o motivo do sorriso tão doce dela enquanto
ficava gelado com Jonas?
― Lorde e Lady Colin dirigem uma escola para moças em
Devonshire. A Srta. Gray pode ser capaz de lhe contar mais.
Ela frequentou a escola alguns anos atrás e manteve a
amizade com a família Lacey.
A sanidade começou a penetrar de volta em sua cabeça
dura e enlameada. Droga. Ele não deveria se preocupar com a
Rainha da Neve. Ele não deveria perguntar sobre os homens
para quem ela guardava os sorrisos ou se Jonas a faria sair
correndo.
Ele estava ali para fazer um trabalho. Isso era tudo.
― Meu lorde. ― Nash fez uma vênia.
Jonas franziu o cenho para o mordomo e depois viu a
sombra se aproximar por trás ele. Ele se virou.
― Holstoke.
O conde era um centímetro ou dois mais alto do que
Jonas, mas era a sua quietude, mais do que a altura, que o
tornava uma presença intimidadora. A maioria das pessoas se
encolhia ou se inquietava diante daquele olhar verde gelado.
Jonas não era tão fácil de intimidar.
― Minha esposa quer que eu converse com você.
Ele se lembrava da voz fria e pedregosa, da expressão
impenetrável. O comportamento do homem era uma das
razões para Jonas tê-lo considerado um suspeito nas mortes
por envenenamento de duas mulheres. Isso e o fato da mãe
dele ter métodos similares para matar muitas de suas
vítimas.
Finalmente Jonas rejeitara a probabilidade de Holstoke
ser o assassino, mas não antes do conde ter decidido não
gostar dele. Compreensivo, na realidade. Ninguém gostava de
ser acusado de assassinato, particularmente quando esse
alguém virara o principal alvo do assassino verdadeiro, assim
como sua esposa e irmã.
Eles trabalharam juntos no verão anterior quando salvar
Eugenia e Hannah os tinha acendido com um fogo assassino.
Mas o desgosto de Holstoke permanecia tão visível quanto o
alfinete de esmeralda na cravat do homem.
― Sua esposa me fez um pedido similar. ― Jonas disse
agora com um sorriso que ele sabia que irritaria o conde. ―
Intrigante, isso.
― Sim. Intrigante. ― Ele caiu em silêncio, estudando o
rosto de Jonas.
Jonas esperou. Longos e vazios segundos. Nada.
― Bem, então. ― Falou finalmente. ― Conversa
estimulante, meu lorde. Talvez devêssemos fazer isso
novamente na próxima reunião onde eu estiver trabalhando
em busca de coisas perdidas. ― Ele começou a se afastar,
mas parou diante das palavras de Holstoke.
― Minha irmã não é uma opção para você, Hawthorn.
Lentamente ele deu meia volta.
― Ela nunca será.
― Quem disse que eu a quero?
Holstoke ergueu uma sobrancelha.
― Quem disse que eu queria Eugenia antes de nos
casarmos?
Sorrindo, Jonas esfregou seu queixo com os nós dos
dedos.
― Alguém com olhos, homem.
― Precisamente.
O sorriso de Jonas sumiu.
― Abaixe as suas pistolas de duelo, Holstoke . Eu não
estou aqui por ela. Estou aqui para fazer um trabalho. É o
começo e o fim disso.
― Ela tem pouca experiência com um homem como você.
― O conde prosseguiu já que Jonas não falou. ― O que seduz
algumas mulheres, assusta outras. Se você se importa com
ela, sugiro que mantenha distância.
O choque pinicou a sua nuca.
― Assustada. Comigo? ― Ele balançou sua cabeça. ― Isso
é pura merda. Ela sabe que eu morreria por ela. ― Ele não
quis dizer isso em voz alta, e certamente não para o irmão
superprotetor de Hannah.
― De fato. Você quase o fez. Nós todos somos gratos
por…
― Não há necessidade de mentir, homem. Eu sei do que
está atrás.
― Sabe?
― Aye. ― Ele invocou Southwark, Norwich e Dorchester
para expor o seu ponto. ― Alguém qui num tem que pegá
imprestado seu casaco pra uma reunião elegante com’essa.
Num é assim, m’lorde? ― Dessa vez seu sorriso acompanhou
uma reverência zombadora. ― Nunca diga que não sou ligeiro.
― Ele bateu em sua têmpora. ― Minha cabeça é fraca, mas
meusóio inxergam o bastante.
Holstoke inclinou a cabeça em um ângulo analisador.
― Então, sem dúvida verá a sabedoria em ficar fora de
vista e deixá-la encontrar um marido com melhor capacidade
de lhe dar o que ela precisa.
Contra a sua vontade, ele sentiu sua própria boca
provocadora curvar-se em um esgar.
― Marido?
― É por isso que ela está aqui. ― Holstoke disse as
palavras calmamente, como se ele apenas balançasse um
martelo sobre os joelhos de Jonas.
Assim que ele conseguiu respirar, Jonas perguntou em
voz baixa.
― E é disso o que ela precisa? ― Ele riu, mas não havia
humor na risada. ― Deixe-me adivinhar. Alguma coisa
relacionada com bolsos e o conteúdo dentro dele.
Holstoke franziu o cenho e pareceu que ia responder,
mas Jonas estava cheio.
Cheio das conversas.
Cheios dos malditos aristocratas.
Cheio de Rainhas da Neve que queriam um marido ―
qualquer marido.
Exceto Jonas Bartholomew Hawthorn.
Tanto quanto ele queria estar cheio dela, seu corpo tinha
outras ideias. Mas tarde naquela noite, ele ia querer recordar.
Ele passou a tarde em busca de detalhes sobre o baú
perdido e rastreando o castelo e o resto da propriedade. Após
sua viagem apressada de Londres a Northumberland e um
longo dia de caçada infrutífera, ele deveria ter caído no sono
facilmente. Ele não conseguiu.
Em vez disso, ficou deitado no escuro sobre uma cama
enorme que não fazia ruído, cercado por veludo marrom e
seda azul. Uma brisa fria soprava através da janela aberta,
acariciando a sua pele com o cheiro de mar e verão.
Seus olhos ficaram secos, mas ele não os fechou. Eles
queriam o luar. Eles queriam vê-la.
Com uma maldição, ele se sentou na beira da cama e
deslizou uma mão pelo rosto. Ele caminhou para fora da
cama. Isso doía. Muito. Mas ele já fizera isso. Não havia razão
para não fazer novamente.
Mas o pensamento de como eles se separaram fizeram as
lembranças surgirem.
O primeiro vislumbre dela, composta e solene sob a luz
da sala de jantar da casa de seu irmão em Londres, o pegara
de guarda baixa. Ela vestia um vestido de gaze rosa. A luz do
dia, vinda das janelas, brilhava através das cortinas,
destacando os quadris estreitos e seios pequenos e redondos.
Ele achara a silhueta dela bonita. Então, ele encontrara
seus olhos: verdes gelados e extraordinários. E isso tinha sido
tudo o que ele conseguiu enxergar. Ela havia sido puramente
recatada, queixo elevado, olhar frio e opaco. Mas um rosado
havia tocado aquelas bochechas pálidas. Lábios como botões
de rosa se abriram em um suspiro leve. Cílios grossos e
pretos pestanejaram.
Ele tinha se aproximado, esperando encontrar alguma
coisa para enfraquecer a sua súbita fascinação. Sua frieza
fizera isso.
Ocorre-me que já o satisfiz o bastante ao agraciar um
homem de seu tipo com uma audiência em primeiro lugar, Sr.
Hawthorn.
Deus, ele quis beijá-la. Ele tinha um trabalho a fazer, um
assassino para pegar. Mas ele quis seguir aquele rubor até
onde ele levava. A frieza se derreteu no calor.
Ele nunca reagira a uma mulher daquela forma. A
maioria sucumbia facilmente. A maioria caía diante de seu
sorriso, dando-lhe tudo rapidamente. Ele sempre
recompensava a generosidade delas com prazer, mas isso era
tudo o que sempre fora: prazer passageiro.
Ele não se incomodava com inocentes, ainda menos as
inocentes altivas e remotas de linhagem aristocrata.
Ela era diferente. Muito. Desde o começo ele vira isso: o
vinco de preocupação quando ele mencionara as duas
mulheres mortas. A reação a sua aproximação como se ela
vibrasse e ficasse tentada.
Agora ele esfregava os olhos e se forçava a lembrar-se do
resto. Ele voltara a Holstoke House várias vezes. Cada vez, ele
se questionava, amaldiçoava sua maldita fascinação. O
pretexto fora sua investigação sobre envenenadores, claro.
Mas ele ia lá por causa dela.
Para ouvi-la dizer “Bom dia, Sr. Hawthorn” naquela voz
baixa e fria.
Para assistir o rosa florescer naquelas bochechas
enquanto os olhos verdes gelados voaram para sua boca e
sobre seu peito.
Para ouvir seus insultos divertidamente arrogantes.
― Quando disse que Lorde Holstoke retornaria?
― Eu não disse.
― Humm. Pensei que havia dito.
― Pensou errado, Sr. Hawthorn. Alguém teria a impressão
que não é a primeira vez.
As faíscas afundaram-se nele como um gancho ― o
contraste das reações calorosas dela e a perfeita calma era
um mistério que ele não tinha forças para resistir.
Então, Holstoke voltou com ela para a segurança de
Dorsetshire enquanto Hawthorn caçava o homem que
envenenava mulheres e que cercava o filho de Lydia Brand.
Seu sangue havia trovejado com a máxima urgência. Ele
estivera focado como nunca antes. Implacável.
Ele seguira as pistas do envenenador até o final de uma
rua perto da Covent Garden. Descobriu uma conexão com
Hannah que sugeria que ela era o próximo alvo do
envenenador. Tudo dentro dele havia rugido com a
necessidade de encontrá-la. Protegê-la.
Depois, ele fora surpreendido por duas flechas, uma
atravessara seu ombro e a outra sua coxa. Drayton o
encontrara. Levara-o a casa de Dunston, onde um cirurgião
retirara as flechas e fechara as feridas.
Mas algo dentro dele não o deixou ficar parado. Ele
cavalgara até Dorsetshire com Dunston e Drayton. Estava
fora de si quando eles chegaram a Primvale Castle.
O seu corpo recordava, no entanto. Aquela voz de neve
caindo lhe dizendo que ele não tinha permissão para morrer.
Ordenando a seu irmão que fizesse o que fosse necessário
para mantê-lo vivo.
Ele se lembrava da dor. Calor. Abrir os olhos e vê-la, de
madrugada e no meio do dia, sentada ao lado de sua cama à
luz rosa claro do amanhecer, na luz amarela do dia e na azul
da noite. Às vezes, ele a pegava o observando, um desejo
estranho nos olhos dela. Outras vezes, acordava agitado para
senti-la quase lhe tocando. Ela murmurava o seu nome e lhe
ordenava que descansasse, depois lia para ele enquanto a
neve caindo diminuía a sua febre.
Uma vez ele pensou que ela o beijara. Mas ele deve ter
sonhado com isso.
Dias depois, quando a sua febre finalmente acabara, ele
a encontrou parada perto da janela, observando os jardins de
seu irmão, imóvel como uma estátua. Ele grunhiu o nome
dela. Estendeu-lhe a mão. Ela se aproximara, a expressão
fechada. Porém não pegou a sua mão.
Ele exigira saber tudo: Ela fora ferida? Eles encontraram
o envenenador? Então, fez sua pergunta final: Por que ela
ficara com ele?
A única resposta dela foi o silêncio. Mas ele sabia. Pena.
A obrigação que alguém sentia quando um homem louco que
arriscara a sua ida por uma mulher que ele mal conhecia.
Ela saiu do quarto. O deixara sozinho com suas
conclusões.
Depois o envenenador a capturou, Jonas ainda estava
malditamente fraco para ajudar, embora tenha conseguido
tirar seu traseiro da cama e organizar uma busca.
Finalmente, Holstoke, Dunston e Drayton mataram o canalha
e salvaram tanto Hannah quanto Eugenia.
Nos dias seguintes, sua frieza aumentou, sua indiferença
era um espelho perfeito. No desjejum, ela mal olhou em sua
direção. Quando chegou a hora de sua partida, ela fugiu para
o quarto para evitar até mesmo a cortesia de uma despedida
apropriada.
Ele se sentiu como um cachorro jogado à rua. Mas a
mensagem estava tão clara como se tivesse sido hoje: ela não
o queria. Hannah Gray se casaria com alguém com linhagem
melhor, melhores maneiras, com um casaco melhor.
Ela se casaria com um homem com riquezas, terras e
criados. Não um soldado que virara um homem de Bow Street
com nada para oferecer além de sua inteligência e seu corpo.
Sentado a cama do quarto de convidados em um grande
castelo em Northumberland, Jonas cruzou seus dedos atrás
de sua nuca, apoiou sua cabeça e repetiu o que ele sabia. Eu
devo esquecê-la, maldição. Esqueça-a, esqueça-a, esqueça-a.
Isso raramente funcionava e não funcionou agora. Seu
corpo exigia as lembranças. Pele cremosa e corada. Olhos
pálidos e curiosos. Lábios como botões de rosa que ele queria
beijar.
Com uma maldição obscena, ele desistiu. Levantou-se.
Encontrou o seu casaco e a caixa com dobradiças que ele
mantinha no bolso de baixo.
Acendeu uma vela. Ficou de pé nu, duro e sem
esperança enquanto abria a caixa decoada com a lua e
estrelas.
Em seguida, ele tirou os esboços desenhados por um
homem desesperado. Requintado. Intocável. Imaculado. Ele
se permitiu imaginar as mãos elegantes dela sobre o seu
rosto, seus lábios suaves sobre sua boca. Permitiu-se um
último momento de ilusão. Depois, com a mão trêmula, ele
abaixou o papel sobre a chama da vela. Observou-o sendo
alcançado. Observou-o queimar.
E jogou os sonhos idiotas na lareira, onde eles poderiam
terminar da forma que eles sempre deveriam ter sido: nas
cinzas.
CAPÍTULO 5

"Não me alimente com enguia e espere que eu confunda isso


como ambrosia. Eu não estou suficientemente faminta nem sou
suficientemente tola para tais inadequações."

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta respondendo ao fraco
elogio do dito cavalheiro.

Hannah deixou a conversa na sala de estar de Lady


Wallingham a rodear, uma leve brisa de sons femininos.
Enquanto isso, ela ponderava o sabor da vitória não
merecida. Tinha gosto de manjar branco.
― O Sr. Winstead parece impressionantemente...
sensível. ― Proclamou Maureen. ― Eu nunca soube que
mergulhar as mesas folhas de chá quatro vezes diminuiria as
despesas de alguém de forma tão marcante.
Meredith Huxley, a calorosa e rechonchuda Condessa de
Berne, bufou um protesto.
― Após o segundo mergulho, dificilmente podemos
chamar de 'chá'.
― Não. ― Respondeu Lady Wallingham asperamente. ―
Nem o homem que sugeriu isso pode ser chamado de inglês.
― Devo dizer que eu prefiro o Sr. Brown. ― Comentou
Sarah Lacey, descansando uma mão sobe o ventre inchado. ―
Ele pareceu mais interessado na Srta. Gray.
Annabelle Conrad, a mais velha das cinco filhas Huxley,
riu.
― Como pode dizer isso? Ele não falou uma palavra ―
nem mesmo quando ele esbarrou no vaso.
― Talvez ele seja desajeitado. ― Ofereceu Jane, a
Duquesa de Blackmore e a segunda mais velha das filhas
Huxley. Ela empurrou seus óculos e bebeu seu café. ―
Devem-se fazer concessões. Nem todos nascem graciosos,
vocês sabem.
Com seus cabelos cor de fogo e sardas, Charlote
Chatham, Marquesa de Rutherford, levantou um dedo.
― Como alguém que não é, posso confirmar que, de fato,
o Sr. Brown está apaixonado e não meramente um habitual
desajeitado.
A requintada de cabelos pretos, Viola Kilbrenner,
Condessa de Tannenbrook, deu uma risadinha.
― Oh, Charlotte. Agora, você simplesmente deve nos
dizer como sabe. ― Sentada entre e excepcionalmente Lady
Rutherford e a, um tanto, alta Augusta Kilbrenner, Viola
parecia uma fada minúscula e brilhante protegida por duas
valquírias de cabelos ruivos.
Não que ele precisasse proteção ― o marido de Viola,
Lorde Tannenbrook, era do mesmo tamanho que seu
montanhoso primo, Sebastian Reaver, cujo nome real era
Elijah Kilbrenner e cuja esposa era Augusta. O que tornava
Viola e Augusta primas.
Não era? Manter todos em ordem era uma tarefa árdua.
Tudo o que ela sabia era que lembrar os nomes e títulos era
parte de parecer normal. Então, nos últimos quatro dias,
desde o almoço no jardim, ela recorreu a amarrar pequenas
etiquetas ao redor das peças de xadrez ― brancas para as
damas, pretas para os cavalheiros ― para memorizar os
nomes e conexões.
Ela rapidamente ficou sem peças.
― Nós, os atrapalhados, raramente ficamos surpresos
com nossos contratempos. ― Charlote respondeu. ―
Envergonhados, talvez, mas não surpresos. O Sr. Brown ficou
totalmente pasmo.
Augusta, cuja autoconfiança régia e os cabelos
vermelhos escuros, Hannah sempre invejou, olhou por cima
da cabeça de Viola para Lady Rutherford.
― Charlotte, você não disse que o seu primo, o Sr.
Farringhton, planeja visitar Chatwick Hall em breve? ― As
terras de Chatwick Hall eram vizinhas com as de Grimsgate
Castle.
― Ele chegou esta manhã. ― Charlotte confirmou antes
de se virar para Hannah com um sorriso caloroso. ― Andrew
herdará um baronato do meu tio um dia, então ele não ficará
eternamente sem título, receio. Mas ele é um homem muito
querido, Hannah. Suspeito que o achará encantador quando
você o conhecê-lo amanhã. ― Rapidamente, a marquesa de
cabelos ardentes olhou entre Viola e Hannah antes de
arquear a sobrancelha ironicamente. ― Tenho certeza de que
a achará encantadora.
Hannah piscou. Ela não entendeu a referência, mas não
era novidade. Como responder? As respostas flutuaram em
sua mente. O silêncio estranho se estendeu e ela soube que
devia falar alguma coisa.
― Isso... Eu ficarei... Eu ficarei feliz em conhecê-lo.
Frustradamente, isso não soara normal. Ela devia tentar
com mais afinco. Até ali, ela fizera nada além de falhar no que
Eugenia chamava de Projeto Normalidade. Provavelmente sua
insatisfação diminuiria conforme ela melhorasse sua técnica.
Não era como se Eugenia tivesse falhado com ela. Pelo
contrário.
Nos últimos quatro dias, três cavalheiros foram servidos
à Hannah sobre uma almofada emplumada. Todos os três
eram cavalheiros seguros e sem títulos, bem estabelecidos,
solteiros e não excessivamente bonitos. Para tal eleição,
Eugenia solicitara a ajuda das damas atualmente reunidas na
sala de estar: A viúva Lady Wallingham e Julia, a atual Lady
Wallingham, Lady Berne e suas cinco filhas, Annabelle, Jane,
Maureen, Eugenia e Kate, Sarah Lacey e a irmã de Lorde
Colin, Victoria, Viscondessa de Atherbourne e, claro,
Charlotte, Viola e Augusta. A maioria era damas com títulos e
vasta conexões. Algumas conheciam detalhes do passado de
Hannah, enquanto outras sabiam apenas generalidades.
Todas eram bondosas e queriam apenas ajudar Hannah a
encontrar a felicidade.
Hannah deveria estar feliz. Ela tinha as mais poderosas
mulheres da Inglaterra trabalhando por seu bem-estar ―
mulheres que não haviam apenas navegado no mercado de
casamento, mas o dominava.
Inquestionavelmente, ela era sortuda.
Sem dúvidas, ela poderia escolher qualquer um dos
cavalheiros que Eugenia selecionara e estar casada antes do
outono.
Inesperadamente, ela não se sentia assustada com a
perspectiva. Ela se sentia entediada. Essa era a coisa mais
estranha e confusa.
O primeiro manjar branco de Eugenia, o Sr. Winstead,
era meio centímetro mais alto e meio tom mais branco que
Hannah. Seu tufo de cabelo podia ser considerado castanho
claro ou loiro escuro, ela acreditava. Para ela, parecia cinza.
Ele falava em um tom baixo, como se Deus estivesse ouvindo,
e ele não ousava ofender ouvidos do Todo Poderoso com algo
mais alto do que um sussurro. Durante a conversa deles, ela
percebeu que a frugalidade era sua virtude favorita.
― Especiarias como o macis e a canela são as melhores
reservas para o Natal. ― Ele comentou enquanto eles
trocavam gentilezas durante o almoço no jardim. ― Se não
puder cultivar perto da porta da cozinha, ouso dizer, o custo
pode esvaziar o resto da despensa em um instante.
Seu sorriso era bastante agradável, os olhos castanhos e
bondosos. Eugenia tinha lhe garantido que ele era dono de
uma propriedade próspera em Yorkshire, perto de Blackmore
Hall, onde Jane vivia. Além do mais, embora ele não fosse um
Quacker, empregava muitos deles e havia desenvolvido
simpatia pela filosofia deles. Em resumo, o homem em breve
estaria enterrado em canela que crescia às mãos de qualquer
um.
Seguro, próspero e bondoso. O Sr. Winstead poderia ter
sido perfeito.
Depois ela conheceu o Sr. Brown, um médico de
Nottinghamshire. Mas alto do que o Sr. Winstead uns sete
centímetros, o Sr. Brown combinava com seu nome. Seu
cabelo, olhos, casaco e calças eram todas do mesmo tom de
marrom ― aproximadamente a cor de lama seca. Ela não
sabia como ele soava, pois ele não falava em voz alta. Por
outro lado, ele ficara perplexo, com seus olhos castanhos
maravilhados e, como Annabelle notara, tropeçou de costas e
derrubou um vaso.
Hannah ficara confusa com o comportamento dele. Não
assustada. Não aterrada. Simplesmente confusa.
Eugenia sugerira que ele ficara maravilhado com a sua
beleza. Hannah havia bufado. Viola era muito mais bonita.
Augusta e Charlotte eram mais impressionantes com seus
lindos cabelos ruivos. A espirituosa e vivaz Kate Huxley era
mais charmosa. Certamente, o homem ficara comovido.
Mas o momento decisivo que desfavoreceu o Sr. Brown
viera quando Lady Wallingham a alertou a não usar o
sobrenome duplo quando se casarem. Gray-Brow3 era
comicamente próximo a atual cor do Sr. Brown. Uma vez
pronunciado, ela não fora capaz de afastar a imagem de vasos
derrubados e sobrenomes tolos.
O último manjar branco era o mais alto, alguns poucos
centímetros mais baixo que um metro e oitenta. Um tutor de
matemática m Cambridge, o Sr. Keeble havia juntado uma
considerável fortuna por meio da especulação. Ele possuía
um sorriso tímido, corava um pouco nas bochechas todas as
vezes que ela falava e tinha um adorável par de olhos azuis
por trás de grossos óculos.
Ela gostou bastante do Sr. Keeble. Eles jogaram xadrez
anteontem á tarde. Ela o derrotou sonoramente. Após seis
partidas, por misericórdia, ela alegara sonolência e o deixou
examinar o tabuleiro.
Agora, enquanto estava sentada entre as mulheres que
planejavam estratégias para o seu bem, ela podia apenas
suspirar. Nada disso estava funcionando. Ela tentou ser
normal e às vezes ela alcançava a aparência disso. Os
manjares brancos eram todos agradáveis às suas maneiras e
cada um deles parecia achá-la atraente.
Isso era algo, ela supôs.
Mas ela tentou imaginar cada um deles olhando para ela
do outro lado de uma mesa de desjejum. Ela pensou sobre
cuidar deles quando eles tivessem fracos com febre, beijá-los
porque ela sentia uma forte compulsão que a fazia sair da sua
cadeira. Ela imaginou segurando os bebês deles, vendo os
olhos azuis do Sr. Keeble, ou o tufo de cabelo do Sr. Winstead
ou o castanho acinzentado do Sr. Brown em uma criança que
ela ajudaria a criar.
As visões não vinham. Nada funcionava. Nada.
Ela olhava agora para Eugenia, que estava
anormalmente quieta, desenhando um novo chapéu perto da
lareira enquanto as outras damas conversavam e riam.
Hannah não sabia como lhe dizer a verdade. Ela mal sabia
como dizer a si mesma.
― Hora de dar a nossa querida Hannah nossos melhores
conselhos, damas. ― Anunciou Lady Berne, dando a Hannah
uma alegre piscadela. ― Vamos dividir nossos segredos em
serviços de uma grande causa.
― Um homem oferece a uma mulher duas necessidades
vitais. ― Lady Wallingham reverberou. ― Três se ele tiver uma
visão noturna adequada.
Lady Berne tossiu. ― Dorothea, talvez deva se abster
desta parte do conselho do nosso encontro.
A viúva bufou.
― Besteira. A garota saberá mais cedo ou mais tarde,
Meredith. Agora, escute-me atentamente, Srta. Gray. O
manejo de um marido não é um esforço menor do que o de
ser incumbida de cordeiros lunáticos. Se for diligente, terá as
duas primeiras necessidades em pouco tempo: uma prole e
uma casa de tamanho suficiente para permitir um quarto só
seu. A primeira torna a segunda ainda mais essencial. Assim
como a terceira necessidade...
― Dorothea...
― Eu ouso dizer que se falta a um homem talento, vigor
ou a circunferência...
― Oh, céus. Dorothea!
― ...então reze, não deite de costas e aceite a
mediocridade de seu destino. ― A mulher idosa ergueu o
queixo. ― Alguns homens têm vantagens naturais. ― Ela
fungou e olhou para Charlotte, cuja boca se repuxou em um
sorriso secreto. ― As suas esposas são as mais afortunadas. ―
A viúva voltou a olhar a Hannah. ― Para as outras há apenas
instrução e repetição.
― Sou agraciada. ― Murmurou Sarah.
― Mãe. ― Julia disse, lançando um olhar de dúvida a sua
sogra. ― Está sugerindo que um homem pode ser treinado
como um cachorro? Provavelmente eu tenho feito isso da
maneira errada.
Lady Wallingham levantou uma sobrancelha branca e
bebeu seu chá.
― Eu falho em ver a afronta. Um cão treinado se
ajoelhará e deitará onde quer que você queira. Um cão
destreinado confundirá maus tratos com afeição e saias
limpas com um convite para causar estragos.
Maureen cobriu as bochechas. Annabelle estava
prendendo uma risada. Julia piscou. Sarah parecia se
divertir. Lady Berner franzia o cenho. Victoria sussurrou
alguma coisa a sua melhor amiga, Jane.
Jane, a rechonchuda de óculos, Duquesa de Blackmore,
pigarreou, abriu a boca várias vezes e então falou:
― Ela está certa.
O choque tomou conta da sala. Lady Wallingham foi a
primeira a se recuperar.
―É claro que estou.
Todos os olhos fixaram-se em Jane, que há muito tempo
lutava contra a timidez. Ela se avermelhou no que Maureen e
Eugenia chamava de Rubor Huxley. Todas as filhas Huxley
tinham pele leitosa e cabelos castanhos e o vermelho era
notável.
― Eu... Eu apenas quis dizer que os maridos não
precisam saber sempre o que nos agrada. É de nosso
interesse oferecer-lhes... uma visão.
Lady Wallingham bufou.
― Acredito que instrução é o termo que procura.
― Orientação. ― Viola exclamou. ― Sim, acho que é
verdade. Homens fazem as coisas muito melhores quando eles
sabem o que nós queremos. Caso contrário, eles ficam
tentando adivinhar. E isso pode terminar de inúmeras
maneiras, algumas boas, outras esplendorosas.
Aprimorando o assunto, Lady Berne acrescentou:
― Descobri que as pastinacas são as formas mais
eficazes para dissuadir um comportamento indesejável.
― E peixes. ― Disse Victoria. ― Bastante persuasivos.
― Encoraje-o a gastar um tempo com exercícios
vigorosos. ― Aconselhou Augusta. ― O humor de Sebastian
piora significativamente quando ele fica muito tempo atrás de
uma mesa.
― Sim. ― Concordou Charlotte. ― Eu também acho,
exercícios ajudam imensamente. O que quer que ele prefira:
cavalgar, caminhar ou cultivar. Especialmente cultivar.
Maureen inclinou-se para frente, seus olhos castanhos
dourados dançavam como se ela apreciasse do espírito da
conversa.
― Não se esqueça de mimá-lo de vez em quando. Pode se
surpreender com o que uma mordida no bolo favorito dele ou
um pequeno elogio em suas habilidades podem fazer.
Annabelle, parecendo calorosa e irônica, deu uma
palmadinha na mão de Maureen, acrescentando.
― Muito bem. ― Ela lançou um sorriso a Hannah que
falava de tempestades e batalhas que ambos perdiam e
ganhavam. ― Lembre-se sempre, querida Hannah, quem quer
que escolha para ficar ao seu lado, estará no mesmo solo que
você. O que quer que faça para minar este terreno, a minará.
O que quer que faça para fortalecê-lo, a fortalecerá.
De todos os conselhos que ela recebera, muitos uteis,
alguns divertidos, este pareceu ser o mais verdadeiro.
Então, Eugenia falou.
― Riam juntos. ― Ela disse, sua expressão
estranhamente séria. ― Mesmo quando se sentir boba fazendo
isso. E lhe diga a verdade. A confiança é o solo. O amor é o
florescimento.
Hannah respirou irregularmente.
― E se a verdade for um fardo que ele não deseja
carregar?
Eugenia não sorriu. Ela não oferecia falsas esperanças.
Em vez disso, ela deu a Hannah não menos do que ela
perguntara.
― Então ele não é forte o bastante para carregá-lo. Você
precisa de alguém forte.
Várias horas e muitos bons conselhos depois, Hannah
vagava sozinha pelos jardins, pensando sobre xadrez, manjar
branco e homens que derrubavam vasos. Uma brisa suave
soprou sobre suas saias. Cheirava a mar.
Sentia falta de casa. Em Primvale, tudo era conhecido: os
jardins, as praias, os campos e os pastos. Ela acordava às
sete, tomava o café às oito, ia cavalgar às nove. Ela passava
suas manhãs trabalhando com Eugenia, fazendo chapéus e
criando estratégias para melhoras as chapelarias delas em
Bridport e Weymouth. O almoço era às duas. Sua caminhada
às três. às cinco, praticava no pianoforte. Às seis jogava
xadrez com Phineas. O jantar era às sete. Todos os jardins
eram mantidos à perfeição e não havia um milímetro deles
que ela nunca explorara. Todos os criados foram escolhidos
particularmente pela natureza bondosa. Incluindo Claudette,
que estava frequentemente ao seu lado.
Ali, em outro castelo perto do mar, embora do lado
oposto da Inglaterra, a maioria das coisas eram
desconhecidas. Qualquer coisa poderia acontecer. Humphrey
podia correr atrás de um esquilo. Lady Wallingham poderia
insistir falar sobre a anatomia masculina novamente. O Sr.
Keeble poderia derrotá-la na próxima partida ― improvável,
mas possível. O primo de Charlotte, o Sr. Farrington podia
encantá-la tolamente.
Então, por que elas estava...entediada?
Ela soltou um suspiro e seguiu o caminho de pedras ao
redor de outra cerca viva. Dentro do pátio, pequeno e
quadrado, haviam mais vasos cheios de heras e topiarias4.
Um deles parecia um peixe.
― Eu acreditava que estivesse tocando sua música.
Ela se virou para encontrar Phineas debaixo de um arco
entrelaçado na entrada do pátio.
― Já são cinco horas?
Ele assentiu, aproximando-se, as mãos cruzadas às suas
costas em sua postura costumeira.
― Como vai o projeto?
― As escolhas de Eugenia são soberbas. Eu não teria
pedido algo melhor.
Ele ficou quieto e depois seguiu até uma topiaria em
forma de cisne.
― Ela tem trabalhado incansavelmente por seu bem-
estar. ― Ele murmurou, examinando a hera aos pés do cisne.
― Quando Eugenia ama, ela não para até que ela consiga a
sua felicidade.
― Ela é uma amiga extraordinária.
Novamente, ele ficou em silêncio. Este era o padrão de
pensamento de Phineas ― queria dizer que ele estava
tentando resolver alguma coisa em sua cabeça. ― Presumo
que ainda não tenha um favorito.
― Um favorito?
― Entre os homens que ela convidou.
― Oh, os cavalheiros manjares brancos. Não totalmente.
Phineas se virou para encará-la, suas sobrancelhas
unidas.
― Manjar branco?
Ela assentiu.
― É assim que os chamamos. Por que eles são pacíficos
e...seguros.
O vinco se aprofundou.
― Manjar é o que as enfermeiras usam para alimentar os
inválidos.
Bem ali, ela percebeu o que estava por baixo de seu
descontentamento. Ela não tinha reconhecido, pois ela
apenas começara a senti-lo regularmente desde que vira...
Oh, céus.
Phineas se aproximou, suas mãos pararam alguns
centímetros do ombro dela.
― Talvez devêssemos nos sentar.
Ele tinha muito cuidado com ela. Ele sempre tivera.
Como se lidasse com um inválido.
Fraca, quebrada e dependente.
Alguém que devia ser cercada por criados bondosos e
cuja aproximação fosse feita com preocupação gentil. Alguém
que devia ser alimentada com o equivalente a leite meio doce.
Eugenia, ao contrário, insistira que ela era forte. Desde o
começo ― mesmo quando Hannah se ressentia da intrusão de
sua nova e ousada cunhada em sua vida ― Eugenia não
media palavras. Ela ensinara Hannah a montar. Ela a
empurrara para usar a sua mente de negócios, par falar
francamente e aceitar o toque de um amigo sem estremecer.
Sem pensar.
Sem medo.
Eugenia, por pura determinação, tinha tornado Hannah
normal. Pelo menos, normal com ela.
Elas riam juntas. Elas falavam a verdade uma para a
outra. Sempre.
A confiança é o solo. O amor é o florescimento.
Todos lhe tratam como papel molhado. Você é mais forte
do que todos os que conheço.
Em todos esses anos, Hannah e Phineas haviam jogado
xadrez juntos, ela vencera apenas uma única vez o seu irmão.
Sua satisfação havia durado aproximadamente trinta
segundos ― o tempo que ela levou a perceber que ele a
deixara vencer. Tudo dentro dela havia murchado, azedado e
congelado. Ela cuidadosamente lhe explicara porque lhe dar a
vitória não era bondade, mas um insulto. Ele nunca mais
repetira o erro.
Ma ela lembrava-se da sensação o suficiente ara
reconhecê-la como agora.
Ela não queria ser uma inválida.
Ela não queria ser alimentada com manjar branco.
― Phineas. ― Ela sussurrou. ― Segure-me.
― Perdão?
― Segure meus ombros. Ou meus cotovelos. Ou as
minhas mãos. Mas, por favor, faça-o rapidamente. Não seja
cuidadoso, como sempre é.
― Hannah...
― Por favor, Phineas. Preciso que faça isso por mim.
Ele se aproximou, franzindo ferozmente o cenho e
obviamente confuso. Mas ele fez o que ela lhe pedira,
segurando os ombros dela com leveza.
O medo frio rastejou entre as mãos dele e seus ombros,
estimulando o impulso de afastá-lo. Mas, em vez disso, ela
ficou imóvel e olhou para os olhos de seu irmão. Os olhos
dela. Os olhos do pai deles. Os olhos de Griffin.
Phineas a manteve firme enquanto ela lutava a sua
batalha.
― Agora, puxe-me para seu aperto. ― Ela disse. ― Sem
hesitar.
Ele a levou até, seu peito e fechou os braços ao redor de
suas costas.
Por um momento, ela não conseguiu respirar. Os dedos
dela arranhavam a cintura de seu irmão.
― Hannah, por favor. Está tremendo. Deixe-me soltá-la.
― Não. ― Ela falou contra o casaco dele. ― Não, eu estou
bem.
El depositou um beijo no topo de sua cabeça.
― Deus, pequenina. Eu não posso suportar que tenha
medo.
― Mais apertado. ― Ela falou roucamente, seu coração
acelerado. ― Por favor.
Os braços dele a apertaram gentilmente. A princípio, ela
sentiu o mesmo sufocamento que costuma sentir. Sua cabeça
girou e a ameaçou a soltar. Mas ela forçou a abrir os olhos e
viu o alfinete esmeralda na cravat de Phineas.
Ele o usava com frequência, já que Eugenia achava
agradável. Ela respirou fundo e reconheceu o aroma de erva-
doce. Ela focou no peso dos braços de Phineas ao redor de
suas costas, a força que ele sempre ― sempre ― segurava por
ela.
E o amor inundou seus impulsos normais. O medo. O
sufocamento. A sensação de se partir e flutuar.
O amor por seu irmão, que lhe dera tudo.
Ela respirou. E respirou. E deixou o amor diluir os
vestígios de dor.
Então, ela devolveu o abraço de seu irmão, mais
apertado do que ela já fizera.
― Obrigada, Phineas. ― ela sussurrou. ― è assim que
deve ser de agora em diante. Não tenha cuidado comigo. Você
entendeu, não?
Ele beijou o topo da cabeça dela mais uma vez.
― Tem certeza?
Ela assentiu contra ele. O apertou com mais força.
― Eu sou forte, Phineas.
―Eu sei que é, pequenina.
Ela o sentiu suspirar. Ouviu a sólida batida do coração
dele ― uma forte garantia.
― Você sempre foi forte. ― Ele murmurou. ― Embora
desejasse que não tivesse que ser.
CAPÍTULO 6

“Sabujos buscam o que está perdido e comem o que é


descartado. É onde termina a utilidade deles.”

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta de desagrado sobre o
valor de um cão leal.

Jonas havia cavalgado para o meio de um maldito lugar


nenhum para encontrar nenhuma maldita coisa. Era a
segunda vez naquele dia. Este lugar nenhum em particular
tinha mais árvores do que o último e uma vista agradável das
fazendas ao redor, mas ainda era meramente um afloramento
de arenito projetando-se na lateral da colina ondulante
de  Northumberland. Ambos lugares nenhum pareciam
singularidades deixadas para trás após uma enchente que
assolara o resto da terra. Ambos eram cavernas. Ambos
dividiam as mesmas lendas sobre São Cuteberto, o
monge ermitão de Lindisfarne.  
Ambos estavam vazios de tudo, exceto do vento.  
Atrás dele, subindo a colina, ele ouviu Henry Thorpe, o
Conde de  Dunston, conversando com seu amigável
companheiro.  
― Não consigo imaginar qual pode ser a pressa,
Humphrey. ― Dunston  parou, fingindo escutar o sabujo. ―
Sim, pode ser a necessidade de urinar, mas supõe-se que
poderia ser feito em qualquer lugar. Atrás de uma árvore, em
uma rocha, na grama. Bem, você entendeu perfeitamente,
não? Não é como se uma caverna fosse o único receptáculo
adequado. ― Fingiu mais uma vez escutar. ― Ah, sim. Talvez
ele tenha comido muita fruta no café da manhã. devo dizer.
Jonas arqueou uma sobrancelha.
― Ninguém pediu que viesse junto. ― Ele falou para o
conde que subia. ― Se não puder acompanhar...
― Nunca tive problemas com isso, velho camarada. ―
Dunston sorriu ao chegar à boca da caverna. ― Os sabujos
requerem água e descansos ocasionais, entretanto. Cavalos
também, por incrível que pareça.
Humphrey, bufando alegremente enquanto as suas
longas orelhas balançavam de um lado ao outro, vagou até o
fundo da caverna. A fenda não era particularmente grande,
então Jonas deixou o cão farejar.
Com as mãos no quadris, ele olhou ao redor. Nada além
de pedras, musgo e samambaias.
― Tarefa de tolo. Outro maldito dia perdido.
― Bem, agora, não vamos nos precipitar. Faremos uma
viagem agradável. Exploraremos um pouco os mitos
eclesiásticos.
Jonas olhou para Dunston, cujo humor nunca parecia
deteriorar, independente do calor sufocante ou da
peregrinação inútil.
― A propósito, como alguém se torna santo simplesmente
por ter seu corpo carregado por seus colegas por todo o país?
― Eu devo investigar isso. Nunca se sabe quando tal
medida pode provar-se útil.
O elegante lorde tinha toda a aparência de um dândi. Os
cabelos castanhos avermelhados eram bem cortados, seu
casaco azul perfeitamente ajustado em seus ombros magros e
dorso bem formados. Seu colete era de um tom brilhante de
esmeralda ― Dunston preferia um pouco de extravagância
nesta peça. Todos o achavam afável e elegante.
Jonas reconheceu a criatura semelhante desde o início.
A afabilidade era um disfarce efetivo para a letalidade. Assim
como os sorrisos encantadores, os gestos afáveis e
caminhadas preguiçosas.
Ele sabia.
― A criada disse que era a Caverna de São Cuteberto,
não disse? ― Jonas não dormia a dois dias, então a pergunta
era sincera. Talvez ele tivesse imaginado isso.
― Foi isso o que ela disse. Embora, para ser honesto, ela
me pareceu como...Bem, vamos ser honestos. Já usei
instrumentos mais precisos para cortar uma marmelada.
Jonas esfregou as costas de seu pescoço. Estava
molhado de suor.
― Você deveria tirar o casaco.
― Preciso dos bolsos.
Dunston suspirou.
― Se estiver carregando um arsenal aí, Hawthorn,
asseguro-lhe, você está lidando com este negócio de caçador
clandestino de crimes da maneira errada.
Jonas moveu-se até a entrada e inclinou-se contra uma
pedra. Um inseto rastejou sobre as costas de sua mão. Ele
não se importou.
― O truque. ― Dunston continuou. ― É focar em uma
única arma. Adagas são letais e de tamanho conveniente,
particularmente útil quando usada em conjunto. ― Ele tirou
adagas gêmeas de dentro de seu casaco bem ajustado. ― Vê?
Não precisa morrer dentro de um inferno de lã preta
deformada.
― Por que ela deveria destacar algo tão específico como a
Caverna de São Cuteberto?
― Por que as mulheres fazem qualquer coisa? Elas são
temperamentais.
Jonas havia passado as últimas quatro horas
interrogando a vasta gama de criados de Grimsgate ― Nash, o
exército de lacaios, uma governanta meio prussiana que
falava com os dentes cerrados, jardineiros, ajudantes de copa
e os meninos dos estábulos. Todos. Ninguém tinhas respostas
até que uma criada de quarto trêmula se entregou antes
mesmo que ele pegasse o seu caderno. Ela começou a chorar
quando perguntou sobre a última vez que ela vira o baú.
A lacrimosa e afiada Srta. Allen desenvolvera o hábito de
entrar furtivamente no quarto de vestir de Lady Wallingham
para experimentar os calçados de sua senhoria. O baú ficava
rotineiramente lá, trancado e às mãos.
Na manhã que Lady Darnham e a Srta. Meadows
chegaram mais cedo para a estadia, os criados ficaram em
um alvoroço. A governanta meio prussiana enviara a garota à
vila em uma missão urgente para obter laranjas. Um homem
se aproximou dela.
― Um homem escuro, el’era. ― Ela exclamou como se
descrevesse um encontro com uma aparição fantasmagórica.
Ele franziu o cenho.
― Escuro?
― Aye. Cabelos como os seus.
― Castanhos, então.
― Aye.
― Qual a altura dele?
― Qual su’altura?
― Um e oitenta e dois.
― Aye. Assim como ele.
― E como era a estrutura dele? Pesado? Gordo? Magro?
Ela olhou para os ombros dele.
― Magro, eu diria. Mas ‘le podia erguer três baús como
de su’senhoria sozinho, num tenho dúvidas. Parecia muito
bem.
― Bem?
― Aye. Bunito.
― Srta. Allen, você está descrevendo o homem que
acreditar ter roubado os pertences de Lady Wallingham? Ele
tinha que perguntar, já que a garota não parava de encará-lo
desde que interrompera o choro.
―Oh, aye.
Ele tinha as suas dúvidas sobre a confiabilidade da
criada, assim mesmo, perguntou-lhe o que o ladrão exigira.
― Ele queria o baú.
― Não. Eu entendi que era isso o que ele queria. O que
ele lhe disse?
Ela abaixou a voz até uma imitação masculina.
― Sei o qui’stá fazendo, Srta. Allen. E é melhor m’ajudar
ou direi à sua empregadora. Só que ele me chamou de Elly.
― Por que ele a chamaria assim?
― É o meu nome.
Ele piscou, reunindo paciência.
― Sim, mas por que ele a chamaria por seu nome de
batismo?
Ela deu de ombros. Depois arregalou os olhos.
― ‘Cê acha qu’ele é um cigano? Eu conheci uma, uma vez
na feira em Alnwick. Ela podia dizer com quem ‘cê se casaria
pelo formato de sua mão. ― Ela levou a sua palma para baixo
do nariz dele descrevendo a sua própria explicação. ― Ela
disse que meu marido seria alto e bonito. Escuro, também.
No fim, ele conseguiu obter detalhes o suficiente da
garota que o levaram ao curso atual. O ladrão ameaçara expor
os testes furtivos de calçados por parte de Elly Allen se ela
não providenciasse uma entrada através da porta perto da
cozinha. Ele descrevera o baú para a criada e depois a
chantageou para dizer-lhe onde ele estava guardado. Se tudo
fosse como ela dizia, o baú de fato era o alvo.
Ela começou a chorar de novo ao confessar que deixou o
homem a beijar. Jonas tinha achado isso desconcertante, mas
ela fungou que ele retornara em outras três ocasiões para
beijá-la e nestes ‘momentos de paixão’ lhe contara onde ele
manteria o baú: na caverna de São Cuteberto.
Jonas pedira à criada que descrevesse o homem
enquanto ele desenhava o rosto dele.
Agora, com o ombro apoiado na pedra fria na segunda
caverna vazia de São Cuteberto, ele enfiou a mão em seu
bolso mais alto e tirou o esboço.
Dunston venha aqui e examine isto.
― Este é o ladrão? Parece que você, Wallingham e
Atherbourne desafiaram as leis de todas as coisas sagradas
para gerar um filho.
Jonas esfregou o queixo. Droga. Ele precisava se
barbear.
― Ou ela está apaixonada, ou está mentindo. Ainda não
decidi qual. ― Ele olhou para trás onde Humphrey investigava
uma samambaia meio queimada. ― O baú não está aqui, isso
é certeza.
Dunston bateu no ombro dele.
― Coragem, homem. Talvez ela esteja louca. Uma criada
louca com fantasias selvagens sobre ser arrebatada por um
ladrão de estrada. ― Ele pegou o esboço da mão de Jonas. ―
Que, coincidentemente, parece com você e Wallingham, só
que mais bonito.
― Maldito inferno, Dunston. Isso não está ajudando.
― Isso é o que se consegue ao tomar meus doze guinéus.
― Preciso terminar esta tarefa.
― Por que a pressa?
― Um castelo cheio de nobres me dá coceira.
― Acho que isso pode ser o seu casaco, velho camarada.
Ele olhou para Dunston e depois tirou o seu casaco,
dobrando a lã pesada sobre o braço.
― Feliz?
O olhar azul escuro de Dunston tornou-se avaliador. Ele
dobrou o desenho e o devolveu a Jonas.
― Eu já lhe contei sobre a minha perseguição a Horatio
Syder?
Jonas pegou seu frasco de água de um dos bolsos antes
de responder.
― Syder. Recordo o nome. ― Ele bebeu um gole d’água e
depois molhou um lenço e molhou sua nuca. ― Quando eu
cheguei a Bow Street, parecia que ele estava atrás de cada
roubo e inferninhos de Londres.
Recostando-se na parede da caverna, Dunston cruzou os
braços e olhou para a paisagem larga e ondulante.
― Ele estava por trás de algo muito maior que isso.
De fato, cada criatura da classe baixa e pobres infelizes a
leste de Mayfair havia sussurrado o nome de Horatio Syder
como alguém que fala o nome do diabo. Outrora, um
advogado obscuro, o homem acumulara um vasto império de
negócios ilícitos: bordéis dedicados às mais malévolas das
perversões, infernos construídos à base da trapaça e da
exploração. Syder mandava nos bairros mais sombrios da
cidade, subornando funcionários para ficar livre da punição,
controlando o seu império por meio do medo. Alguns o
chamavam de o “Carniceiro”, pois ele gostava de torturar e
matar àqueles que o desafiavam dentro de um matadouro em
Whitechapel.
― Eu não sabia que você ajudou Drayton a derrubá-lo. ―
Jonas disse. ― Faz sentido, afinal. Metade de Bow Street
recebia pagamento de Syder. Um estranho teria sido
necessário, suponho.
Por anos, Dunston trabalhou secretamente com o
Ministério Interior para perseguir os mais esquivos criminosos
dentro da Inglaterra. Jonas havia assumido que a mãe de
Holstoke, uma assassina e traidora, era o alvo principal do
conde. Mas, aparentemente, ele foi encarregado de derrubar o
Carniceiro também.
― Mais precisamente, Drayton me ajudou, mas sim. ―
Dunston lhe lançou um olhar. Metade de seu rosto estava na
sombra, A outra metade estava mais dura do que uma pedra.
― Ele era um monstro, Hawthorn. Cada dia que eu falhei em
pará-lo, inocentes sofreram. Ainda assim, não pude fazer
nada além de seguir as pistas, uma por uma.
Jonas entendia o sentimento. Frequentemente, pequenos
ladrões como Bertie Pickens eram a pedra em seu sapato. Se
os crimes deles ficassem impunes, alguns nobres ricos
ficavam sem um anel ou uma bugiganga bonita. Mas no
último verão, quando apenas a coisa que ficou entre Hannah
Gray e a morte foi a sua habilidade em parar um assassino,
ele descobriu o que era o desespero real.
― Como fez isso, afinal? ― Ele perguntou.
― Ele valorizava os seus negócios acima de tudo. ―
Dunston explicou. ― Sua riqueza o protegia. Sua brutalidade
tornava quase impossível encontrar traidores entre os seus
empregados. Um ataque direto apenas ricocheteava e eu tinha
outros alvos com que me preocupar.
― Lady Holstoke.
― Efetivamente, embora, naquela época, eu não soubesse
que era ela. Eu nem ao menos suspeitava que o Investidor
pudesse ser uma mulher.
― Investidor?
Dunston lhe lançou um olhar duro por longos segundos.
― Era assim que nós chamamos a figura que
inicialmente pensamos ser Horatio Syder.
― Inferno maldito. Eles estavam conectados?
― Ele começou como advogado dela e depois virou seu
protegido e, eventualmente, seu parceiro. ― Novamente
Dunston ficou em silêncio, examinando o rosto de Jonas
como se fizesse cálculos. ― Eles tinham que serem
derrotados. Ela queria que ele matasse uma mãe e uma
criança, percebe.
Jonas franziu o cenho.
― O Carniceiro se recusou a matar?
― Oh, a mãe ele dispensou com rapidez o suficiente. Mas
a criança, sim. Ele ficou... Obcecado por ela. Levou-a sob sua
proteção. Manteve-a como uma proteção contra sua ex-
benfeitora.
Um arrepio sombrio deslizou por sua coluna. Uma
criança nas mãos de um homem como aquele ― o
pensamento era grotesco.
― Então, você perseguiu Syder para pegar o Investidor.
Dunston assentiu.
― Drayton e eu seguimos seus negócios, pedaço por
pedaço. Nós enviamos um homem para o inferno para
conseguir informações. Mais tarde esse homem foi torturado
em meu nome, mas se recusou a dá-lo. Desta vez, outros de
meus contatos, um homem com quem trabalhei enquanto
perseguia o Investidor, conseguiu soltá-lo. Mas ele estava mal.
― A cabeça de Dunston virou-se para olhar para a colina. ―
Com o tempo ele se recuperou. Casou-se. Então, Syder pegou
a esposa dele. O canalha cortou sua garganta enquanto o
homem assistia, então o homem o estripou por isso.
Compreensível, de verdade. Eu teria feito pior. ― Dunston
soltou um suspiro e depois virou a cabeça em direção a
Jonas. ― Lembra-se da casa em Knightsbridge?
Jonas franziu o cenho e assentiu. No ano anterior,
quando ele caçava o vilão responsável por uma série de
assassinatos centrados em Holstoke, a vítima final fora
encontrada na casa vazia em Knightsbridge. Ela era
prostituta na Covent Garden conhecida como Midnight Mary
por causa de seu cabelo preto e olhos claros. A semelhança
não lhe escapara.
― Aquela era a casa onde Syder encontrou o seu fim. ―
Os olhos de Dunston estavam duros como uma lâmina de
aço. ― Um fim justo, embora inconveniente.
― Inconveniente?
― Ele foi morto antes que eu pudesse usá-lo para
encontrar o Investidor. Aparentemente, cheguei poucos
minutos depois a Knightsbridge.
Isso explicava porque a prostituta fora localizada ali. Os
envenenamentos, como se descobriu, foram ‘ofertas’ em
suposta honra a Lady Holstoke. Colocar uma de suas vítimas
na casa onde o seu ex-parceiro morreu teria parecido
apropriado ao lunático responsável. Ele olhou para Dunston.
― Teria sido útil saber sobre a conexão de Syder com o
lugar no ano passado.
― Quando eu descobri que a morte ocorrera em
Knightsbridge, você estava cheio de flechas e fora de si...
― Isso é um monte de merda. Deveria ter me contado.
Dunston suspirou.
― Talvez. Meu ponto é que levou quase dois anos após a
morte de Syder para eu descobri quem era o Investidor.
Então, veja, Hawthorn, algumas investigações simplesmente
levam mais tempo do que outras. As pistas permanecem
teimosamente escondidas e devem ser trazidas à superfície.
Tenha paciência. Pelo menos o baú de Lady Wallingham, não
pode sentir dor.
Mais uma vez, Jonas sentiu o frio deslizar. Ele deu outro
longo gole, refletindo sobre o que Dunston lhe contara.
― O que aconteceu com a tutelada? ― Perguntou.
Quando ele encontrou os olhos do outro homem, eles
não estavam mais duros, estavam tristes. Dunston levou um
longo tempo pra responder.
― Ela sobreviveu. Mas não sem cicatrizes.
A água em sua barriga agitou-se. Ele secou a boca com o
pulso.
Um gemido baixo e resmungão soou perto da
samambaia. Humphrey fungou e trotou até Dunston. Em sua
boca havia algo roxo.
Dunston o puxou com um tapinha na cabeça do
cachorro. Quando ele o virou, atraiu a luz: lantejoulas pretas
e veludo roxo.
― Maldito inferno. ― Jonas respirou fundo ao perceber o
que era aquilo... O que aquilo queria dizer.
Sorrindo abertamente, Dunston estendeu o chinelo
elegante à luz do sol para dar uma melhor olhada.
― Vê, Hawthorn? Tudo o que precisa é de um pouco de
paciência. ― Ele deu outro tapinha em Humphrey. ― E um
companheiro fiel a seu lado.
CAPÍTULO 7

“Eu o acho tolerável.”

Lady Dorothea Penworth a Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta expressando uma afeição
recém-descoberta.

Hannah gostou dele. Mas do que esperava. Mais do que


ela queria. Andrew Farrington era tudo o que Charlotte
Chatham dissera, ainda melhor.
O cabelo dele era da cor exata da areia em Primvale Cove
após a maré baixar. Sua beleza era de um tipo que
dificilmente geraria expectativas. Os olhos dele dançavam
quando ria. Ele era um pouco mais baixo que Charlotte por
dois centímetros, mas isso colocava o queixo dele na testa de
Hannah.
E a primeira coisa que ele disse para ela foi:
― Alguém já reclamou sobre a escassez de tortas de
pêssego? Esse é o único motivo para frequentar um desses
piqueniques, sabe. Pêssegos. Tortas.
Ele a fizera sorrir. Ele a deixava confortável. Ele a
encantara tolamente.
Agora, ela o observava cumprimentar sua prima alta de
cabelos ardentes, que imediatamente tirou o chapéu caramelo
da cabeça dele com um gesto descuidado. Ele o pegou no
meio do ar e o jogou de ponta cabeça antes de colocar de volta
como se executasse um truque bem praticado. Charlotte riu e
beijou a bochecha dele.
Hannah riu também, surpresa consigo mesma. O Sr.
Farrington esboçou um sorriso com covinhas em sua direção
e lhe deu uma piscada.
Deus, que charmoso era. O rosto dela era totalmente
aberto. Os pensamentos iluminavam seus olhos ― até mesmo
seu encantamento por ela era fácil de perceber. Por que ele a
achava charmosa era um mistério, mas o interesse estava ali
se ela desejasse ir atrás.
Ela poderia amá-lo, ela decidiu. Ela poderia. Com tempo
e esforço, era possível.
O filho mais velho de Charlotte, Jameson, viera informar
à sua mamãe que seu papai a procurava. O menino rolou
seus extraordinários olhos turquesa.
― Margaret arruinou de novo o seu vestido. De novo,
geleia de morango. Papai tornou as coisas piores ao tentar
arruma. De novo. ― A cada ‘de novo’ o tom sofrido de um
irmão que tinha pouca vontade em entregar o recado.
Quando Charlotte os deixou, o Sr. Farrington pôs a mão
sobre o ombro do menino.
― Quantas tortas de pêssego você escondeu?
Os olhos do menino ganharam um brilho astuto.
― Pois bem, isso depende, tio. O que está disposto a me
dar por elas?
O Sr. Farrington estreitou os olhos e removeu o seu
chapéu com um floreio.
― Eu o deixarei usar isso, digamos, por meia hora.
O menino ergueu uma única sobrancelha e cruzou os
braços. Ele parecia tanto com Lorde Rutherford naquele
momento ― cabelos pretos, calculista e irônico ― que era
como estar vendo um reflexo ganhar vida.
― Uma hora. Duas tortas.
― Uma hora por quatro.
― Feito. ― O menino estendeu a mão e o Sr. Farrington o
segurou acima do alcance dele.
― Sua mãe me ensinou desde cedo a pegar as minhas
compras antes de fazer o pagamento.
Jameson suspirou.
― Muito bem. Espere aqui.
Quando ele correu de volta ao castelo, o Sr. Farrington
deu uma risadinha e pôs o chapéu novamente na cabeça.
― Ele ama uma boa negociação. Um traço que herdou
tanto de Charlotte quanto de Rutherford, sem dúvida. ― As
palavras estavam cheias de afeição.
Hannah inclinou a sua cabeça e examinou o homem ao
seu lado.
― Você gosta de crianças. ― Ela observou.
― Eu gosto. ― Ele sorriu. ― Provavelmente porque eu seja
uma, no coração.
Esse devia ser o motivo para ela se sentir tão confortável
perto dele. Ele era cheio de energia infantil.
― Eu também as aprecio. ― Ela disse, esperando que a
conversa soasse normal. ― Meu sobrinho nasceu na
primavera. Griffin. Embora ele ainda seja um bebê, já posso
ver sua inteligência. Tanta curiosidade sobre o mundo.
― Meus irmãos mais novos são gêmeos e, enquanto
tenham os mesmos traços, suas personalidades são bastante
diferentes. Quando garotos, podia-se notar que Freddie era
mais assertivo e Edward o mais reflexivo dos dois. ― Ele lhe
lançou um olhar de esguelha. ― Acredita que nós nascemos
com certas características, Srta. Gray?
Ela assentiu.
― Em muitos aspectos, sim. Embora, as coisas que
acontecem conosco pode remodelar que somos. ― Ela olhou
em direção à parede do jardim leste que dava para o mar. ―
Às vezes drasticamente.
Ele ficou quieto e depois perguntou se ela jogava xadrez.
Minutos depois, eles estavam parados diante de um
tabuleiro gigante de xadrez formado por quadrados de grama
e pedras lisas e cinzas. As peças eram em grande escala
também, feitas de madeiras pintadas. Seu jogo com o Sr.
Farrington durou uma hora.
Claro, eles foram interrompidos duas vezes; uma por
Jameson entregando as tortas de pêssegos ― das quais o Sr.
Farrington lhe ofereceu duas ― e outra por Phineas, que
pediu para observar.
Hannah deixou o jogo ir mais longe do que o necessário.
Ela poderia ter derrotado o Sr. Farrington nos primeiros cinco
minutos. Mas o tabuleiro de xadrez em larga escala estava na
parte do jardim que tinha vista para a água e ela estava se
divertindo imensamente.
Na hora que o Sr. Farrington admitiu a derrota e se
despediu, ela simplesmente decidiu que deveria ter um
tabuleiro de xadrez semelhante em seu próprio jardim ― onde
quer que ele fosse.
― Você poderia tê-lo derrotado sete minutos antes do que
fez. ― Phineas veio ao seu lado enquanto ela olhava a água. ―
É ele quem você quer, pequenina?
Por todas as razões, deveria ser ele. Andrew Farrington
não era um manjar branco, com certeza, mas suas maneiras
com ela eram tão leves que o seu medo diminuiu até um mero
ruído em vez do ruído constante. Ele gostava de crianças. Ele
jogava xadrez, embora com mais exuberância do que
conhecimento.
Ele não a tocara, obviamente. Isso era um teste real. Mas
para um início, as suas horas juntos mostravam-se
promissoras.
Exceto que o seu peito não parava de doer.
― Hannah?
Ela piscou mais rápido e focou no mar. À distância, as
nuvens escuras se empilhavam sobre as montanhas.
― O que foi?
― Não. ― Ela sussurrou. Era como se a verdade estivesse
sendo arrancada dela pelo vento. ― Ele não é.
Apesar de todo o charme, Andrew Farrington não era o
homem que ela queria. Não, aquele a quem queria raramente
a deixava tranquila. Pelo contrário, ele a desafiava. Queimava
seus sentidos. A levava seu controle a um precipício.
Phineas suspirou.
― Não me diga...
― Eu quero...
― Maldito inferno.
Ela olhou para seu irmão, cuja expressão era feroz.
― Eu quero Jonas Hawthorn. ― Era bom dizer isso. A
pressão dentro ela fez seu peito ficar mais leve. Depois
mudou. Começou a brilhar. Ela soltou o ar. E de novo. Antes
que ela percebesse, estava sorrindo e pequenos arrepios
subiam por sua espinha até o couro cabeludo. Elas faziam
cócegas em sua pele.
Phineas sacudiu a cabeça.
― Droga. Ela me disse que você faria isso. Eu insisti que
você era muito sensível.
― Eugenia sabia?
― Ela estava tentando me persuadir a gostar dele. Agora
eu entendo o porquê.
Hannah riu diante do tom ressentido de Phineas. Se
Eugenia um dia tivesse paciência para aprender xadrez,
Hannah suspeitava que ela venceria aos dois.
― Você percebe que o homem não tem fundo para
comprar um casaco decente. ― Ele disse. ― Quanto mais para
sustentar uma esposa e filhos. Ele vive como um avarento
empobrecido. Deus sabe o que ele está fazendo com todas as
recompensas que ele recebe.
― Eu tenho fundos. Mais do que suficiente.
― Você não deveria usá-los.
Ele levantou o queixo.
― Essa não foi uma decisão fácil, você sabe.
Ignorando-a, ele exalou e levou as mãos aos quadris.
― Ele mora em Londres. Você odeia Londres. Ele é um
agente de Bow Street cujo trabalho é prender ladrões e outros
criminosos. É uma ocupação perigosa para um homem com
família.
― Ele arriscou a vida dele para salvar a minha.
― Ele te assusta. Posso perceber isso.
Era verdade. Nem um homem era mais perigoso para o
seu coração do que Jonas Hawthorn. Assim como, nem um
outro deteria o seu coração com tal posse exclusiva. Nem um
outro homem recebera duas flechas em seu corpo e depois
cavalgara por dois dias, sangrando e morrendo por ela.
Sim, ele a aterrorizava. Com ele, ela arriscava mais do
que a dor. Mas eles vinham lado-a-lado, não? O risco e o
prêmio.
― Eu quero o tipo de amor que você compartilha com
Eugenia. ― Ela engoliu o nó em sua garganta. Ela devia ficar
forte ou Phineas acreditaria que ela era fraca demais para
sobreviver à provação que estava prestes a enfrentar. Suas
próprias dúvidas já eram dificuldades o bastante. ― O amor
de vocês tem um poder imensurável, Phineas. Ele o faz se
dispor a suportar qualquer coisa para o bem dela. Dor. Medo.
Morte. ― Ela descansou as mãos na antiga parede de pedra,
áspera sob seus dedos, e olhar em direção às águas escuras.
― As coisas que devo enfrentar exigem exatamente tal poder.
A sensibilidade é segura, mas é demasiadamente fraca. Eu
não preciso de dinheiro. Eu preciso de força.
As mãos dele cobriram as dela. Ela apenas se encolheu
um pouco.
― Se ele a machucar, eu o punirei a ponto de ele desejar
que aquelas flechas tivessem terminado com a sua existência.
― Mas você não ficará no meu caminho?
Olhos parecidos com os dela focaram sobre as mãos
deles.
― Não. Eu não a impedirei.
― Você... ― Ela engoliu em seco. ― Ajudar-me-ia,
Phineas?
Os olhos dele subiram, ferozmente iluminados com a
intensidade que ele normalmente continha por causa dela.
― Eu lhe darei tudo o que pedir. Sempre, pequenina.
Vendo o amor dele por ela ser revelado foi difícil de
suportar. Porém, assim como ela trabalhara para montar um
cavalo, segurar um chicote de montaria e deixar Eugenia
abraçá-la, ela praticou permitindo que a resistência
aumentasse e depois a atravessasse. Ela a imaginava como
uma membrana que deveria passar. Uma membrana de pavor
― desagradável, para deixar claro. Mas finalmente, com tempo
e repetição, isso seria cavado e ela mal o sentiria. Ela devia
acreditar nisso. Devia.
Com uma respiração profunda e irregular, ela pediu um
conselho ao irmão.
― Eu...Eu preciso saber... o que se deve fazer... para
tentar um homem.
Olhos parecidos com os dela se arregalaram alarmados.
Phineas recuou e andou dez passos antes de se virar.
― Bom Deus, Hannah. Talvez eu devesse ter sido mais
específico ao dizer que lhe daria tudo, exceto conselhos
sobre...
― Sou terrível flertando, Phineas. Eugenia tem me
ensinado, mas...
― Droga.
― ...Preciso de uma perspectiva masculina. Você é o
único em que confio.
Ele a encarou por vários segundos, depois olhou ao redor
e aproximou-se, exceto os últimos dois passos entre eles.
― Você não terá que flertar com ele. ― Ele murmurou.
Ela franziu o cenho. Eugenia estava errada?
― Ele já a quer. Tudo o que deve fazer é convencê-lo de
que está... aberta ao pedido dele de casamento.
― Eu o quero como meu marido, não como meu
prometido.
― Talvez devêssemos buscar Euge...
― Isso deve acontecer imediatamente. Antes que ele volte
a Londres. ― E antes que ela perdesse a coragem. ― Não
tenho tempo para experiências.
Phineas prendeu a ponte de seu nariz.
― Faça-lhe um pedido.
― De?
― Casamento.
A mente dela ficou branca. Pedido de casamento? Apenas
isso?
― O homem a olha como se fosse a primeira refeição que
ele vê em uma década de fome. Transforme o casamento no
preço para jantar.
― Sim, mas provavelmente não pode ser simples assim.
E quanto a cortejar?
― O que tem isso?
― Ele não precisará ser persuadido?
― Não.
Ela exalou, completamente exasperada.
― Não acredito em você. Eu acho que está tentando me
sabotar.
― Não seja ridíc...
― É exatamente como a trapaça que preparou para a
minha rainha duas noites atrás. Eu movi para matar e a
próxima coisa que percebi, você estava dando o checkmate.
― Você deve... Eu não... diabos, Hannah. Apenas confie
em mim.
― Obrigada por seu conselho, Phineas. ― Ela fungou. ―
Eu perguntarei a Eugenia.
Ele apertou a ponte de seu nariz de novo.
― Era isso o que tentei...
Ela deu meia volta e foi em busca de sua cunhada, que
com certeza lhe daria conselhos melhores do que propor
casamento a Jonas Hawthorn sem nem mesmo bater os cílios.
Ela vasculhou os jardins primeiro, mas não encontrou
sinal de Eugenia. Ela conseguiu, entretanto, encontrar o
mordomo, o Sr. Nash, calmamente instruindo um lacaio para
encontrar as tortas de pêssegos desaparecidas. O Sr. Nash
não sabia onde Eugenia fora.
Rodeando uma sebe, ela encontrou Benedict Chatham,
Lorde Rutherford, a fonte dos cabelos negros e olhos
turquesas do pequeno Jameson. Ele estava carregando um
menino barulhento de aproximadamente dois anos em seus
ombros.
Pernas minúsculas chutavam o peito do marquês à
medida que o menino quicava e exigia:
― Ontá, papá. Ontá.
Ela presumiu que ele queria dizer “Montar”.
Rutherford sorriu para ela, demonstrando o que
Charlotte devia achar irresistível no marido dela.
― Srta. Gray. Meu filho me disse que o seu esquema da
torta de pêssego é muito lucrativo.
Ela sorriu para o irmão mais novo de Jameson enquanto
o menininho esticava os braços para ela de seu poleiro alto.
― De fato. Ele persuadiu o Sr. Farrington a abrir mão de
seu chapéu com menos de uma rodada de negociação.
― Influência da mãe. ― Os olhos turquesas ganharam
um brilho de admiração. ― Charlotte tem um grande
conhecimento sobre oferta e demanda.
Ela perguntou se ele vira Eugenia, ele apontou em
direção ao castelo, contando-lhe que a vira com Maureen um
pouco tempo atrás.
Minutos depois ela encontrou Maureen no corredor, mas
não Eugenia.
― Lady Wallingham, exigiu a opinião dela sobre um novo
chapéu. ― Maureen lhe informou. ― Parece que ela está em
dúvidas entre um com três ou cinco penas de avestruz.
Hannah suspirou. Droga.
Com uma inclinação de cabeça, Maureen perguntou:
― Oh, querida. Isso soou melancólico. Posso ajudá-la?
Piscando, Hannah examinou a sua amiga. Com
fisionomia doce e suave, cabelos em um tom castanho
iluminado pelo sol, Maureen Thorpe era a mais bonita das
irmãs Huxley. Ela podia não ser tão direta quanto Eugenia,
mas tivera várias temporadas de sucesso antes de se casar
com Lorde Dunston. Ela até mesmo atraiu Phineas a fazer
uma oferta de casamento.
― Sim. Talvez possa. ― Hannah olhou ao redor dois
lacaios passavam carregando uma bandeja com tortas de
pêssegos. Ela apontou à sala de estar, que, felizmente, estava
vazia. Ela fez a sua pergunta assim que Maureen sentou-se
no sofá ao seu lado. ― Como faz para induzir um homem a
propor casamento?
A boca de Maureen se arredondou.
― Obrigar. Com urgência.
― Oh, meu Deus. Já escolheu um pretendente, querida?
É o Sr. Keeble, não é? Ele tem olhos azuis adoráveis.
― Não é o Sr. Keeble.
Ela mordeu o lábio inferior.
― Oh, devo confessar, quando eu chamei o Sr. Winstead
de sensato, era uma tentativa de ser bondosa. Reusar folhas
de chá é uma coisa apavorante...
― É o Sr. Hawthorn.
A mão de Maureen tremeu sobre o seu corpete.
― Oh. ― Ela respirou. ― Oh!
Hannah esperou. E esperou.
― Então, como você persuadiu Lorde Dunston a se casar
com você?
―Como eu...Oh, sim. Henry e eu estávamos muito
apaixonados. Mas ele levava uma vida perigosa por causa
de... ― Os olhos de Maureen se entristeceram. ― Bem, você
sabe.
Hannah assentiu.
― Naquela época ele me convenceu de que seus
sentimentos eram meramente amizade. Para me manter
segura de... você sabe. Depois o seu irmão começou a se
interessar e eu gostava muito dele. Phineas é um homem tão
bom.
― Sim, ele é.
― Ã-hã. Mas o meu coração sempre fora de Henry. Ele
era tudo o que eu queria. E, com o tempo, ele veio a enxergar
as coisas da mesma forma.
Hannah sentou para frente.
― O que o fez mudar de ideia?
― Bem, Henry pode parecer ser o perfeito dândi, mas ele
é um pouco... possessivo. Suspeito que era uma boa posição,
fingir ser meu melhor amigo enquanto outros cavalheiros
expressavam um interesse...
― Você bateu os seus cílios?
― Perdão?
―Seus cílios. Você os bateu? ― Hannah demonstrou.
―Oh, querida. Não. Isso parece como se tivesse um
inseto voando em direção aos seus olhos.
Ela desabou.
― Foi o que Eugenia disse.
A expressão de Maureen se suavizou.
―Querida, sobre o que é isso tudo?
― Flertar é algo normal que as damas fazem. Eu sou
inepta para o flerte. Ainda assim, eu devo flertar se eu quiser
persuadir o Sr. Hawthorn a se casar comigo.
O olhar marrom dourado de sua amiga tornou-se irônico.
― A última vez que eu vi o Sr. Hawthorn, ele não me
pareceu cego.
Hannah franziu o cenho.
Maureem esclareceu.
― Você é bonita, Hannah. Duvido que o flerte seja
necessário para obter o interesse dele. Talvez você deva
simplesmente conversar com o homem.
Ela exalou uma raja da de frustração.
―E dizer o que, precisamente?
―Bem, comece com um “Dia adorável, Sr. Hawthorn.” ―
Depois sorria.
―Isso não funciona.
― O que?
―Meu sorriso.
―Você tem um sorriso adorável.
― Não com... ele. Fico muito ansiosa. Minha barriga
fervilha. ― Sua mão moveu para o local. Mesmo agora, ela
sentia as bolhas formando-se.
― Isso é excitação, querida. ― Maureen sussurrou as
palavras como um segredo. ― Depois ela estalou a língua. ―
isso é o que deve fazer. Está pronta?
Hannah assentiu, esperando por instruções apropriadas
desta vez.
― Sua primeira tarefa é localizar o Sr. Hawthorn. A
segunda é se aproximar dele. Deseje-lhe um bom dia. Fale
sobre o tempo, talvez. Em seguida, pergunte sobre a sua
saúde.
― Saúde.
― Certo. Ou sobre o cavalo dele. Isso funcionará
igualmente bem.
― Depois, deve repentinamente perder o controle sobre
algum elemento de seu vestuário.
Que diabos? Maureen enlouquecera?
― Seu lenço, por exemplo. Ou se chapéu. Até mesmo um
calçado servirá. Peça a ajuda dele. Isso o colocará perto de
você. Agora, eu sei que isso pode ser difícil, mas a
proximidade é necessária nos assuntos desta natureza.
― Eu tenho problemas com normalidade, Maureen. Nem
um conhecimento básico.
― Agora, o passo final é crítico. Está me escutando?
Hannah quis rolar os olhos. Mas ali estava uma chance
mínima, quase invisível, de Maureen poder dizer alguma coisa
realmente útil. Então, ela assentiu.
― Ele deve ajudá-la a reaver qualquer que seja a peça de
roupa que perdeu. E quando ele se mover próximo o bastante
para isso, deve olhar diretamente nos olhos dele. Segure o
olhar tanto quanto conseguir, depois deixe os olhos cair sobre
os lábios. Sobre o queixo dele funciona também. Eles não
podem dizer a diferença. ― Ela gesticulou a mão em um
movimento amplo. ― O ponto é baixar o olhar. E é quando
você diz: ‘meu querido Sr. Hawthorn, eu seria uma dama
realmente afortunada se tivesse um cavalheiro tão arrojado
como você em minha vida”. ― Maureen se recostou,
parecendo bastante impressionada consigo mesma. ― Ele se
derreterá mais rápido do que manteiga em uma panela
quente.
― Você empregou tais medidas com Dunston?
―Oh, não. Henry sabia como eu me sentia desde o
começo. Nós éramos encantados um pelo outro. Havia
certos...assuntos diferentes...
―Lady Holstoke. Você pode dizer o nome dela.
― Sim. Lady Holstoke.
― Então, você aplicou este estratagema com Phineas? Ou
outro cavalheiro?
Maureen balançou a cabeça.
― Eu li isso em um jornal alguns anos atrás. Eu posso
ter perdido algum passo aqui ou ali. Mas o conceito soava
bastante efetivo.
Droga. Que o diabo levasse o melhor chapéu dela. Não
havia ninguém naquela reunião que poderia ensiná-la como
flertar apropriadamente?
― Ah, aí está você. ― Dunston atravessou a porta da sala
de estar, parecendo bagunçado pelo vento e bonito e seu
casaco azul e colete esmeralda. Ele sorriu um cumprimento a
Hannah, mas se moveu diretamente para a sua esposa e
roubou um beijo.
―Eu estava lhe procurando.
― Humm. Pensei que voltaria muito mais tarde.
Descobriu alguma coisa útil?
Dunston riu.
― Apenas que Hawthorn é mal humorado como o diabo
quando está superaquecido. Fiquei tentado a enviá-lo a meu
alfaiate para um novo casaco Mas ele já tem os meus doze...
― Você estava com o Sr. Hawthorn? ― Hannah
interrompeu.
Ele ergueu a sobrancelha.
― Sim. Desde que amanheceu. Por que pergunta?
― Onde ele está agora?
Dunston olhou para Maureen, que assentiu como se lhe
desse permissão.
― Ele foi à vila. Para a estalagem, acho.
Ela se levantou e foi até as portas, seu estômago
formigava e borbulhava. Sua respiração vinha rápida e ela se
perguntava se não estava um pouco louca.
Claro que estava. Mas se ela não fosse até ele agora, ela
temia que perderia a sua coragem.
― Hannah. ― Maureen a chamou suavemente.
Hannah virou-se.
Maureen agarrou a mão do marido e ele pareceu lhe dar
um aperto de segurança.
― Boa sorte, querida.
Embora sorrisse, os olhos de Dunston apresentaram um
vislumbre de um brilho sombrio.
― Se ele lhe der problemas, recorde-o que eu sou muito
mais eficiente com as facas do que com arco e flecha.
Hannah lhe sorriu em agradecimento. Desde o momento
que ele descobrira a sua existência, muito antes de saber seu
nome, Dunston lutara para salvá-la do perigo. Mas esta
batalha ― sua batalha mais dura ― era uma que ela devia
lutar sozinha.
CAPÍTULO 8

“Uma semelhança fortuita não implica parentesco. Alguém


poderia decidir que uma ovelha dá à luz às nuvens. Ou Lorde
Muggeridge era o pai da ovelha.

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta expressando dúvidas
sobre o parentesco de um bonito puro sangue.

― Parece um pouco com você, eh? ― O grisalho e velho


estalajadeiro coçou a cabeça e entrecerrou os olhos para o
desenho nas mãos de Jonas. ― Não. Não vi tal homem pelas
redondezas.
― Deve ter sido há semanas atrás. Talvez ele carregue
um baú com ele. Preto com enfeites marrons.
O estalajadeiro balançou a cabeça.
― Lamento dizer, mas eu não posso ajudá-lo. Talvez
minha criada possa recordar algo diferente. ― Ele acenou em
direção a uma mulher de cabelos vermelhos com quadris
redondos e um sorriso pronto servindo tigelas de ensopado a
dois homens grandes.
Jonas passou a mão no pescoço e guardou o desenho.
― Ela não lembra. Já perguntei.
― Ah, bem. Se ela não se lembra, então ele não esteve
aqui.
Assentindo, Jonas agradeceu ao homem e voltou a mesa
onde sua caneca estava meio vazia. Ele terminou de beber e
pegou seu chapéu.
Que dia infernal. Após encontrar o chinelo perdido de
Lady Wallingham na caverna de São Cuteberto, ele e Dunston
voltaram a Grimsgate, apenas para descobrir que Elly Allen
havia desaparecido. Ninguém sabia onde a criada fora nem a
governanta meio prussiana, nem o descontente Nash, e nem
as outras criadas.
Além do mais, ninguém havia reconhecido o desenho que
Jonas fez do homem de acordo com a descrição dela do
bandido. Provavelmente porque ele era um pedaço de sua
imaginação. Porém, porque o calçado estava onde ela alegara
estar escondido o baú?
Tudo isso era uma maldita inutilidade. E, após duas
noites lutando contra sonhos movidos à luxúria com uma
mulher de cabelos meia-noite e olhos de luar, a exaustão não
ajudava.
Ele virou-se em direção à porta da estalagem.
E congelou.
Endureceu.
Sua mão apertou o encosto da cadeira.
Deus, ele a imaginava? Piscou. Não. Ela estava ali.
Usando um vestido de noite com camadas de seda vermelha
com mangas curtas e sem luvas. Parada em uma humilde
estalagem do interior quando poderia estar dentro das
paredes do castelo, especialmente com o sol tão perto de se
pôr.
Olhos gelados lentamente varreram o interior difuso,
observando a criada antes de encontrá-lo. Por um momento,
ele desejou ter tido tempo para mudar suas roupas, talvez se
barbear e se lavar após um longo dia de cavalgada para o
meio de lugar nenhum.
Os olhos dela voaram entre ele e a criada. Então, aquele
queixo doce e teimoso elevou-se e ela se moveu em direção a
ele. Graciosa. Cada passo, cada respiração que essa mulher
dava era graciosa.
Ele cerrou os dentes. Agarrou a cadeira até que a veia da
madeira ficasse impressa em sua mão.
Ela parou diante dele, sua expressão mais suave do que
o vidro, mas fria do que a lua. Ela cheirava a rosas e à
ameaça de chuva. Não disse nada, simplesmente o examinou
como o irmão dela examinava uma folha. A respiração estava
um pouco rápida, mas ele suspeitava que era devido a
caminhada até a vila.
Com esforço, ele soltou a cadeira, dobrou o casaco sobre
o braço e colocou o chapéu. Em seguida, puxou a aba e,
passando por ela, sorriu.
― Srta. Gray. ― Mais esforço e ele ordenou à suas pernas
que se movessem. Elas o carregaram além dela e para fora da
estalagem.
O que ela estava fazendo ali? Não era um lugar para...
Maldição, ele precisava parar de ficar questionado. Ela
não era dele e nunca seria. O paradeiro dela não era de sua
maldita conta.
― Sr. Hawthorn.
O suave chamado quase o parou. Mas ele se forçou a
prosseguir. Atravessar o quintal da estalagem. Descer a rua
esburacada. Sair da pequena vila. Passar pelos campos cheios
de grãos maduros e flores silvestres.
Quando ela o alcançou, o vento soprava a água e as
nuvens haviam escurecido o céu a uma cor de ameixa.
― M-Mr. Hawthorn!
Uma gota caiu em sua mão, fria e ameaçadora. Sem
parar o olhar na direção dela, ele alertou:
― Melhor voltar ao castelo, Srta. Gray. Uma tempestade
está chegando. Uma pena ter seu vestido arruinado.
― Eu devo falar com você.
Ele manteve seus olhos para frente, suas passadas
longas.
― Então, fale.
Um momento depois, alguma coisa suave atingiu seu
chapéu, tirando a coisa de sua cabeça. Ele parou. Virou-se.
Olhou para ela, parada no meio da via, bochechas rosadas,
seios suaves levantando-se com respirações ásperas. Então
ele olhou para o chão perto de suas botas.
Um sapato. Cetim prata com franjas vermelhas na frente,
deitado na via empoeirada.
― O que infernos está fazendo? ― Ele olhou para ela,
depois para o sapato que obviamente ela atirou nele. Quando
a altiva Srta. Gray começou a atirar coisas nos homens? Por
falar nisso, quando ela começou a procurá-lo para conversar?
Tanto quanto se lembrava, ela preferia ser aquela que se
afastava.
― Eu preciso falar com você.
― Eu entendi essa parte. ― Ele se abaixou e pegou o
sapato dela. A sola era de couro, fino e leve. Era incrível ela
ainda não ter se ferido nas pedras afiadas. Ele cruzou a
distância rapidamente e os ombros dela se retesaram. Há
centímetros de distância, ele devolveu o sapato e fez um
alerta.
― Atire isso em mim novamente e voltará andando ao
castelo sem ele.
Ela flexionou seu delicado queixo.
― Você deveria me ajudar... devolvendo-o.
Ele inclinou a cabeça e admirou a estranha criatura à
sua frente. Ela não parecia bêbada. Um pouco mais corada do
que o normal, certamente, mas não louca e nem confusa.
― Eu deveria? Acho que perdi alguma regra de etiqueta,
Srta. Gray. Eu nunca ouvi falar sobre ajudar mulheres que o
aborda com sapatos.
― Escorregou da minha mão.
― Ele deveria estar no seu pé.
― Exigia ajuste.
― E aconteceu de ele voar em minha direção.
―Você pretende me ajudar?
― Não.
Uma pequena ruga surgiu entre as sobrancelhas
escuras.
― Por que não?
― Você me atingiu com o seu sapato.
― Você se recusou a parar.
Ele estendeu o sapato.
― Pegue-o. Calce-o de volta.
Lábios como botão de rosa se apertaram.
― Você deveria me ajudar. É uma coisa que os
cavalheiros fazem.
Ele abaixou a cabeça até que seus olhos estivessem ao
mesmo nível dos dela.
― Ah, mas eu não sou um cavalheiro, Srta. Gray.
― Todavia, eu insisto.
― Agora, você insiste?
― É um dia adorável, não acha?
Ele olhou para o céu, que começara a derrubar uma
chuva com gotas grossas que caiam e espirravam a terra seca.
Depois ele a viu tremer quando uma rajada de ar frio do mar
atingiu seus braços nus.
― Eu negligenciei perguntar sobre o seu cavalo. ― Ela
disse.
― Meu cavalo?
― Sim.
Ela devia estar bêbada. Verdade seja dita, ele não via
sinais disso. Os olhos dela estavam claros, seu equilíbrio era
bom, suas palavras eram suaves e nítidas. Sua pontaria
obviamente não falhara. Mas não havia outra explicação. A
mulher estava bêbada.
― O único cavalo que tenho é alugado e ele está zangado
comigo por tê-lo por pressioná-lo demais hoje. Quanto ao
tempo, estamos prestes a ficar encharcados, Srta. Gray. ― Ele
falou lentamente entre os dentes cerrados, pois ela o estava
empurrando para a borda de sua paciência. ― Então, pela
última maldita vez, pegue o seu sapato e calce-o.
O rubor em suas bochechas abruptamente desbotou
para o branco.
Oh, Deus. Ela estava adoecendo?
Preparado para colocar distância ele e a trajetória de
qualquer revolta violenta, esticou a mão até a dela,
pretendendo devolver o sapato a ela.
A reação dela foi violenta, mas ela não o acertou com
suas coisas. Pelo contrário, ela recuou antes que os dedos
dele fizessem mais do que roçar a pele dela. Ela apertou os
lábios, respirou com dificuldade. A mulher cuja graça era
inata tropeçou e se reequilibrou.
Ele franziu o cenho. Isso era a bebida? Ela reagiu de
forma similar antes, embora ele estivesse febril e meio morto à
época. Ele estendera a mão para ela, a única coisa bonita em
um mundo de dor e ela recuara como se ele fosse repulsivo.
Agora, ele a observava recuperar a compostura, as mãos
espalmadas sobre seu abdômen.
Ah, sim. Estômago rebelde. Perda de equilíbrio. Confusão
repentina Suas reações eram simplesmente por causa da
bebida. Deviam ser. Ou talvez ela tenha se desequilibrado e
pisado em uma pedra.
Ou talvez ela ainda sentisse repulsa pelo homem a quem
considerava inferior a ela.
A boca dele se retorceu com uma nova compreensão
daquele velho sentimento.
― Bom o bastante para se ajoelhar a seus pés. Não o
bastante para tocá-la, ãh? ― Ele jogou o sapato nos poucos
centímetros entre eles, surpreso quando ela o pegou com
facilidade. ― Volte ao castelo, princesa. Você está fora de seu
ambiente aqui, onde os camponeses vagam.
Ele se virou e a deixou ali, pálida e ofegante. Ela parecia
se sentir melhor após colocar seu sapato. Ele informaria a
Holstoke sobre a condição dela quando chegasse a Grimsgate.
Ela fiaria bem. Não era como se ela pudesse se perder até o
castelo. A coisa massiva pairava sobre aquela vila como uma
gárgula.
Ele dera uns vinte passos quando a tolice começou a
tomar conta. A chuva mais forte agora. Ela ficaria ensopada.
Ela pegaria um resfriado.
Ele deveria deixá-la. Ela encontraria o caminho de volta
sozinha, Ele seria um tolo se parasse agora.
Mas a sua tolice diminuiu seu ritmo. Isso permitiu que
ela o alcançasse.
Ela falou, quase ao seu lado, sem fôlego.
― P-Por favor, Sr. Hawthorn. Por favor. Espere.
Ele parou blasfemando contra a sua própria estupidez.
Ela se moveu para a sua frente, opaca e linda. Sua pele
brilhava com a água da chuva. Seus lábios tremiam.
― Eu... Eu tenho uma proposta.
Centenas de coisas diabólicas queimaram em sua
cabeça, todas com que ele sonhara em detalhes escaldantes
durante o último ano. Impiedosamente, ele as forçou a
recuar. Ela não o queria. E ele não queria se envolver com a
Rainha da Neve.
Quantas vezes ele tinha que se lembrar?
― Deixe-me adivinhar. ― Ele disse com um meio sorriso.
― Você perdeu uma bugiganga.
― Não.
― Humm. Você deseja me contratar para...
― Eu não quero contratá-lo.
Ele cruzou os braços, perguntando-se o que a
mulherzinha embriagada imaginava querer.
― O que é que quer de mim, então? Além de me ter de
joelhos, claro.
Ela engoliu em seco. Sua cor retornou.
― Phineas disse que eu poderia simplesmente fazer a
minha proposta. Como o outro conselho não se mostrou
efetivo. Então fiquei sem escolha. Você deve se preparar, Sr.
Hawthorn.
Desta vez ele sorriu. Por Deus, ela ficava divertida
quando bebia.
― Completamente preparado Srta. Gray.
― Eu desejo que você...seja meu...
Ele esperou. Ela estava ofegando novamente.
― Seu? ― Ele perguntou.
― Marido.
De todas as coisas que ele previra ― investigador,
segurança, companhia para o chá, pônei ― marido não estava
nem perto de ser listado. Ela estava claramente bêbada, então
ele não a levaria a sério, claro. Mas o seu pênis levou. Ele se
transformou em aço em uma única batida do coração.
Maldita coisa idiota. Bastou uma sugestão de que ela o
queria e ele já latejava por ela. Ele amaldiçoou o dia em que
ele foi a Holstoke House. Ela não era nada além de um
tormento. Bela e um tormento.
Sua raiva aumentou, amarga e quente. O que ela estava
fazendo? Isso era uma brincadeira? Ela não parecia desse
tipo, mas os nobres faziam coisas estranhas quando o
aborrecimento tomava conta.
― Você me ouviu?
― Aye, eu ouvi bem o suficiente.
― E qual a sua resposta?
― Não importa.
A confusão enrugou a sua testa.
― Como não?
― Eu poderia prometer carregá-la a Hades sobre os meus
ombros e você não se lembraria de uma maldita palavra.
Ela pareceu ofendida.
― Eu tenho uma excelente memória.
― Tenho certeza que sim. Quando está sóbria.
Chocada, levou um momento para ela responder.
― Eu não tive nada mais inebriante do que tortas de
pêssego, garanto-lhe.
― Certo. É por isso que está parada no meio de uma
tempestade com seu vestido de noite e sapatos com franjas,
propondo casamento a um agente de Bow Street que
normalmente não seria agraciado nem com um sorriso.
― Não estou bêbada, Sr. Hawthorn. Estou pedindo que
se case comigo.
― Aceite o meu conselho, Srta. Gray. Evite propostas a
homens do meu tipo. ― Ele se aproximou e sorriu. ― Nunca
sabe quando nós podemos tomá-la por sua palavra e... bem,
aceitá-la.
O rubor dela se acentuou a um rosa totalmente
florescido. Os olhos caíram sobre a sua boca. Todo o corpo
tremia.
O sorriso dele foi substituído por um vinco na testa.
Droga, a chuva caía forte e ela estava completamente
encharcada. A mulher precisava de cuidado. Onde estava seu
irmão superprotetor? Contra o seu melhor julgamento, ele
desdobrou o seu casaco e lhe ofereceu.
Ela pegou a coisa pesada como se nunca tivesse visto lã
antes. Então, atrapalhando-se à medida que o licor
obviamente afetava os seus dedos, ela lutou para colocá-lo
sobre seus ombros.
― Aqui. ― Ele disse impacientemente. ― Deixe-me. ― Ele
pegou as suas próprias lapelas e ajustou a lã ao redor dela
até a roupa engoli-la completamente.
Ela ficou totalmente imóvel. Os olhos fixos em sua boca.
Ou era em seu queixo? Ele não saberia dizer. Tudo o que
sabia era que ela cheirava a rosas e chuva. E ela era a coisa
mais linda que ele já vira.
Bêbada.
Ensopada.
Devastadora.
Deus, ele era um idiota.
― Pretendo beijá-lo agora, Sr. Hawthorn. ― A afirmação
mal registrada, mas diretamente falada.
Ele riu.
― Claro que irá.
― Fique parado, por favor.
― Com certeza. Há dois de mim?
― Não. ― Ela sussurrou. ― Há apenas unicamente um de
você, Jonas Bartholomew Hawthorn. Apenas um. ― E, com
isso, ela se levantou nas pontas dos pés.
Esticou o pescoço.
E inclinou a cabeça para alinhar suas bocas.
Mesmo ao sentir o hálito dela ― cheiro de pêssego e doce
― contra os seus lábios, ele não acreditou.
Não, isso pedia contato. O roçar de uma boca como botão
de rosa. Trêmula.
A sensação de uma mulher macia encostada no corpo
dele. Dor.
E a percepção de que jamais havia sido tocado antes que
a intocável Hannah Gray pressionasse seus lábios nos dele.
Ela manteve os olhos fechados.
Ela não tinha sabor de vinho, conhaque ou licor de
nenhum tipo.
Pequenos tremores a atravessaram. Depois, mãos macias
flutuaram para cima como borboletas inexperientes,
pousando sobre seu peito. Ele sentiu o calor dela através de
sua camisa. Sentiu seu casaco escorregar por um dos ombros
dela.
Não conseguia se mover.
Não queria fazê-lo.
Apenas queria isso: o toque do luar em sua boca.
― M-Mr. Hawthorn? ― Cílios grossos e escuros
continuavam pressionados contra sua bochecha, quase como
se ela tivesse medo de olhar para ele. ― Estou fazendo
apropriadamente?
Ele a teria afastado ― deveria, por todas as razões ― se
tivesse experimentado a embriaguez que suspeitava. Se os
seus sentidos não tivessem explodido diante do primeiro
contato arrepiante. Se ela não tivesse feito a pergunta com
tanta incerteza.
Em vez disso, ele respondeu.
― Não, amor. Permita-me.
Então, com um movimento rápido, ele deslizou o seu
braço ao redor dela e trouxe a boca até a dele. Ela estremeceu
contra ele, mas não se afastou. E, Deus querido, a boca dela
era suave. Doce. Os seios achataram-se contra ele. Os braços
apertaram ainda mais e ela gemeu.
O fogo pulsou por suas veias, exigindo que ele se
aprofundasse. Mostra-lhe como realmente era beijar.
Obedecendo a ordem, ele deslizou a língua ao longo dos lábios
dela, que ainda estavam sob os dele. Ela não se afastou. Ela
não o empurrou. Ela ficou em seus braços.
Em seguida, ele a sentiu se mover. Primeiro os lábios
tremeram novamente, respondendo ao lento deslizar de sua
língua. Abriu-se para ele.
Deus, sim. Ele tomou a rendição dela. Invadiu e a fez
dele. Tinha sabor de pêssegos doces e mulher quente. Outro
gemido. Sim. Ele a puxou com mais força contra ele, sentindo
o corpo dela suavizar, descobrir cada chama, curva e linha
requintada da mulher que fora feita para o seu prazer.
Logo, as bocas deles estavam fundidas e colidindo, os
gemidos dela eram mais suaves e guturais, as mãos grudadas
e subindo em círculos no seu pescoço. Quadris delgados
tornaram-se exigentes, contorcendo-se contra suas coxas e
pênis enquanto a língua ensaiava acariciá-lo.
Queimando mais do que uma forja, sua ereção era forte e
uma agonia. Suas mãos apertaram, querendo contado com a
pele dela. Ele afastou a lã. Sentiu camadas de seda molhada.
Gemeu em sua boca. Agarrou a coxa esguia dela para puxá-la
ao longo de seu quadril. Desejo. Deus, como ele a desejava.
A boca, pele e mãos dela sobre o pescoço dele. Ele
precisava de mais.
Mais, mais e mais.
A chuva ensopou os dois. Ele não se importava. Amava a
umidade da pele dela, as respirações ofegantes entre eles, a
surpreendente força dos dedos dela ao afundarem em seus
músculos. Ela agarrou sua camisa forçou seus lábios e os
quadris com mais força contra ele, envolveu sua língua e
derreteu-se em sua pele.
A cabeça dele girava. Precisava de ar, mas precisava
ainda mais dela. Não poderia ceder seu abraço ou ela poderia
transformar-se em gelo.
Como poderia esta ser a sua Rainha da Neve? Exigindo a
sua boca e buscando o seu pênis como uma flor faminta pelo
sol. Mamilos duros e suaves, seios molhados. Calor, calor e
calor. Deus, não havia nada frio nesta mulher. O fogo dela o
queimava vivo.
A força entre eles era muito forte. Nos sonhos dele, ela
era friamente sensual, desafiando-o a encontrar os pontos
certos para agradá-la. Na realidade, ela tremia de desejo, sua
inocência era óbvia.
Inferno maldito, ele era o primeiro homem a beijá-la? O
pensamento começou na base de sua coluna, subiu, enrolou e
finalmente detonou dentro de sua cabeça.
Ele era. Ela nunca beijara outro homem. Apenas ele.
O seu pênis inchou e endureceu até ele se perguntar se
perderia seu controle. Ergueria as saias molhadas dela e
tomaria a sua virgindade no meio de uma via enlameada.
Virgem. Sim. Isso não deveria importar, mas importava.
Assim como o calor dela importava. Os gemidos desesperados
e necessitados garganta na garganta dela e o aperto
desesperado e necessitado dos dedos ao longo de seu rosto.
Ele precisava vê-la. Precisava ver aqueles olhos de luar
queimando só por ele.
Foi a única coisa com poder para afastá-la.
O desejo de ver aqueles olhos. Iluminado para ele.
Derretidos para ele. Apenas para ele.
Ela os mantinha fechado, os lábios inchados e ofegando
com pequenos suspiros de prazer. A chuva iluminou sua pele
cremosa. Umedeceu seus cabelos de corvo.
― Abra os seus olhos, amor. ― Ele disse mal
reconhecendo a sua própria voz. ― Abra-os para mim.
Ela pestanejou. As mãos deslizaram dos ombros dele
para o peito. Por longos momentos, ela não se moveu, não
abriu os olhos. Simplesmente respirou. Agarrada a ele.
― Hannah.
Ela apertou os olhos. Os ombros tremiam. Sua boca
movia-se em uma repetição muda. Ele não sabia que ela
estava dizendo, mas parecia como “devo fazer isso. Devo fazer
isso.”
Finalmente aqueles olhos extraordinários se abriram.
Levantaram-se.
E o que seja que ela tenha visto no rosto dele fez todo o
sangue drenar do dela. os centros escuros que estavam
inchados com a excitação se reduziram a pontos. O corpo dela
ficou duro como pedra, embora mole o bastante para ele
aumentar o aperto e mantê-la em pé.
Ela estava branca. Totalmente branca. Os lábios, suas
bochechas.
Isso congelou até os seus ossos.
― Cristo, Hannah. O que diabos está errado?
Os olhos dela continuavam abertos, mas ela se fora.
Apenas...se fora.
Maldito inferno, ela fora envenenada? O mero
pensamento enviou uma onda de pânico por ele. Ele não
pensou. Ele se abaixou para recolher o seu casaco e o
envolveu ao redor dela, depois se inclinou e a levantou em
seus braços. Ela não disse nada. Não se moveu. Olhava o
vazio a frente.
― Deus todo poderoso, amor. ― Ele mal sabia o que
estava dizendo enquanto corria com ela pela chuva. ― Fique
comigo, está me ouvindo? ― Ele beijou seu rosto frio.
Respirou o cheiro de chuvas e rosas. ― Nós voltaremos ao
castelo. Chamaremos um médico. Tudo ficará bem.
Ele sussurrou as afirmações repetidamente ― talvez para
si mesmo mais do que para ela. Porém a urgência dentro
gritava. E seu coração estava trovejando em alerta. Algo
estava errado. Ele devia descobrir o que era e depois lutar
com tudo o que possuía.
Porque esta mulher era sua.
Sua para carregar. Sua para beijar. Sua para manter. E
o que quer que custasse, ele a veria em segurança.
CAPÍTULO 9

“Seu beijo não muda nada, Bainbridge. Entretanto, é bem-


vindo a tentar novamente. Não se sabe quando a prática pode
virar a maré em direção à melhora.

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta desafiando o dito
cavalheiro a desenvolver talentos latentes.

Um metro e oitenta e cinco de massa e músculo estava


parado entre Jonas e sua mulher. E se Sebastian Reaver não
tivesse trazido seu igualmente largo primo, o Conde de
Tannenbrook, para ajudá-lo a conter o ‘maldito lobo louco”,
Jonas estaria a segurando agora.
Ou dilacerando o irmão dela para descobrir que tipo de
planta Holstoke lhe dera. Era a única explicação, ele decidiu.
Ele não sentira odor de licor no hálito dela, mas o seu
comportamento bizarro sugeria intoxicação. Então, ela tivera
o colapso.
O seu coração ainda estava acelerado, embora não pelo
esforço de carregá-la colina acima até Grimsgate. Ele gritou
por Holstoke no momento em que Nash havia aberto a porta.
O conde aparecera momentos depois, sombrio e quase tão
pálido quanto Hannah. Ele tentou pegá-la dos braços de
Jonas, mas Jonas ameaçara cortar as mãos de seus pulsos.
Estranhamente, o conde lhe dera um olhar de simpatia antes
de acenar e levá-lo pelas escadas até o quarto dela. Holstoke
enviara Nash para buscar sua esposa e, enquanto Jonas
sentava-se na cama com Hannah em seus braços, o conde
calmamente perguntou o que aconteceu.
Jonas explicara tão breve quanto possível, poupando os
detalhes mais íntimos e exigindo saber o que Holstoke lhe
dera.
― Nada. ― O conde insistiu franzindo a testa. ― Ela
resiste tomar qualquer coisa que considera embriagante.
Bebidas fortes. Láudano. Eu a convenci a tentar chá de
valeriana, por causa da severidade de seu desconforto.
Jonas recordou de ver a evidência de sua dor mensal na
primeira vez que eles se encontraram. Aquilo o corroera de
uma maneira muito peculiar. Ele se recordou de exigir que ela
explicasse o que estava errado, sentindo uma preocupação
desconcertante por uma mulher que ele não conhecia. Ele
deveria ter deixado isso quieto ― ela ficara embaraçada
quando percebeu que ele suspeitava da causa de seu
desconforto. Mas, desde o início, ele fora incapaz de manter
distância dela. Incapaz de pensar nela como algo sem rosto e
sem nome, como fazia com a maioria das pessoas.
Aí estava o problema. Ninguém mais era comparável.
Sua beleza. Sua graça. A quietude e a sensação persistente de
que existiam mundos inteiros por baixo da superfície intocada
dela. Ela o intrigara desde o início e, apesar de seus maiores
esforços, sua preocupação não diminuíra.
Motivo pelo qual foram necessários dois gigantes ―
Reaver e Tannenbrook ― para afastá-lo dela e colocá-lo no
corredor.
Agora, eles estavam parados ombro a ombro, um de
cabelo preto e o outro, loiro escuro, ambos rudemente
esculpidos, descomunais e com expressões de simpatias
combinando. Se os atingir não fosse um caminho certo para a
inconsciência, ele tentaria isso.
Através da porta do quarto, ele ouviu Lady Holstoke
discutir com seu marido.
― Essa é uma decisão dela, Phineas. Ela entende os
riscos e é decisão dela tomá-los.
― Ela não está pronta. Eu lhe disse.
― Se continuarmos a tratá-la como frágil, ele nunca se
curará.
A inquietação rastejou pela espinha de Jonas. Deus todo
poderoso, ela estava doente. Ela jurara que não estava, mas
isso poderia apenas dizer...
Uma mão enorme pousou com força no meio de seu
peito.
― Acalme-se, Hawthorn. ― Reaver ordenou.
Jonas não percebera que havia se movido até a porta.
Isso o estava deixando louco. Ele precisava vê-la. Ele queria
respostas.
― Deixe-me passar. ― Ele rosnou.
Tannenbrook balançou a cabeça.
― Confie em Holstoke. Ele está cuidando da irmã há
muito tempo. Ele não deixará que nada a machuque.
Uma pequena e calada criada apareceu no corredor
carregando uma pilha de toalhas. Ele a reconheceu como a
criada pessoal de Hannah. Ela fez uma reverência e lhe
estendeu uma toalha.
― Para você, sir. ― Seu sotaque ela levemente francês.
Ele pegou a toalha, percebendo que ainda estava
ensopado pela chuva. Ele derrubara o seu chapéu na estrada,
o seu casaco ficara ao redor de Hannah. Os dois gigantes se
separaram para permitir que a criada entrasse no quarto. Ele
se esticou para ver através da porta aberta e blasfemou
quando ela foi fechada.
― Se não me deixarem entrar, eu os machucarei. ― Ele
alertou os gigantes. ― Eu não quero. Mas farei.
― Seque-se. ― Reaver o aconselhou. ― Acalme-se.
Jonas estava planejando atacar o joelho de Reaver e a
garganta de Tannenbrook quando a porta abriu. Era a criada.
― Mr. Hawthorn? ― A Srta. Gray gostaria de conversar
com você.
Os gigantes se afastaram.
Jonas engoliu em seco. Deus, o seu coração estava
batendo a sua morte. Ele assentiu e passou a toalha no rosto.
Em seguida, seguiu a pequena criada para dentro do quarto.
Hannah estava sentada em uma cadeira olhando pela
janela aberta. Ela ainda estava enrolada em seu casaco. As
mãos estavam agarradas à lã como se alguém tivesse tentado
roubar a coisa dela.
― Jonas. ― Murmurou Lady Holstoke, atraindo a sua
atenção ao puxar sua manga. Olhos castanhos normalmente
alegres estavam solenes ao fixar nele. ― Gentil, hein?
Ele não sabia o que ela quis dizer. Gentil? O que diabos
estava errado com Hannah?
― Ela se recuperou. ― A pequena condessa respondeu
antes que ele perguntasse. ― Ela explicará. ― Ela olhou ao
marido, que não parecia feliz. ― Nós vamos deixar vocês dois
à sós. ― Seu tom era firme, como se encerrasse uma
discussão. Ela então enxotou a criada para fora, agarrou a
mão do marido e o tirou quarto. A porta se fechou
suavemente.
Mal ousando respirar, ele se dirigiu até ela.
― O que aconteceu?
Aquele olhar de luar saiu da janela para as mãos.
― Queria poder contar.
― Tente. Eu preciso saber o que está errado.
Por um longo tempo, ele não falou.
Ele se aproximou, cuidadoso para não a assustar?
― Eu causei isso?
― Não. Você não é a causa.
― Está doente?
Ela apertou os lábios.
― Em uma maneira de falar. Mas estou tentando
melhorar. Ele se agachou diante dela de joelhos. Respirou
fundo novamente contra a necessidade de exigir respostas. Ao
sentir isso, ele decidiu usar um de seus velhos truques:
distração.
― Você gostou do meu casaco, amor?
Os dedos dela apertaram e um sorriso puxou os cantos
dos lábios de botão de rosa.
―Sim. É quente e tem o seu cheiro.
Ele deu uma risadinha.
― Deveria. Eu o visto com frequência. Provavelmente,
mais do que é sensato, dado o calor.
― Ele tem muitos bolsos. ― Ela observou. ― Posso ver
porque o acha útil.
Ele deixou o silêncio preencher o espaço entre eles
enquanto ele absorvia cada detalhe dela: o cabelo perto e
úmido, agora trançado sobre o ombro. A pele suave e cremosa
de sua garganta e os lábios macios e rosa. Sua cor retornara,
embora ela ainda tremesse.
― Sinto muito por lhe assustar, Jonas. ― Ela sussurrou
para seu casaco. ― Não era a minha intenção.
A recordação causou uma onda de pânico que quase o
derrubou de costas. Ele nunca sentira isso. Nem durante a
batalha.
― Nunca deveria ter o beijado. Perdi a cabeça... ― Ele
exalou e passou uma mão pelo cabelo úmido. ― Você deveria
obviamente ingerido algum tipo de erva ou...
― Não.
― ... envenenada para falar tais besteiras, beijar-me
como fez...
― Eu não estava nem um pouco embriagada. ― Seus
olhos, abaixados desde que ele entrara no quarto,
levantaram-se em direção a seus ombros. ― Eu quis dizer
cada palavra.
Ele ela tivesse soprado em cima dele, ele teria caído de
costas. Como podia isso ser verdade? Ela havia perguntado
sobre o seu cavalo e em seguida lhe propusera casamento.
― Talvez ainda esteja um pouco...
Subitamente ela agarrou sua mão onde ela estava sob
seu joelho. Os dedos dela eram frios e fortes. Eles o
agarraram com uma força surpreendente.
― Estou perfeitamente lúcida. Do contrário, Phineas não
teria me deixado sozinha com você.
Verdade. O padrão do irmão dela era ser muito protetor.
Ele acariciou os dedos dela com o seu polegar e franziu o
cenho.
― Mas isso quer dizer que você pretende...
― Sim.
― Isso não faz sentido.
― Você me quer?
Deus, ela acabou com o ar de seu peito. Ele não
conseguia inalar, quanto mais responder.
A mão dela apertou a dele até os nós ficarem brancos.
― Quer?
― Maldito inferno. ― Ele respirou, sua voz reduzida a um
fio. ― Sim. Eu quero.
Ela estremeceu, os ombros pesados. Trêmulos. Então,
ela ergueu aqueles olhos extraordinários para ele.
― Eu serei sua. ― Ela disse, prendendo o seu coração em
uma prensa. ― Mas eu tenho c-condições.
Em sua mente, ele se perguntava quais seriam as
demandas dela. Mas as outras partes dele não se
importavam. Ela podia pedir para ele cavalgar nu através de
uma colmeia coberto de geleia e penas de galinha e ele
concordaria, tolo como ele era. Ainda assim, ele a ouviria.
― E quais são? ― Ele perguntou.
Ela engoliu em seco, seus olhos revelando nervosismo.
Tumulto. Mas também, coragem.
― Você deve se casar comigo. Logo. Imediatamente, de
fato.
Ele a examinou de perto, tentando decidir o motivo da
pressa.
― Agora? ― Ele lhe deu um sorriso. ― Já está
completamente escuro.
― Amanhã será bom.
― Amanhã.
― Sim. ― Aquele pequeno queixo orgulhoso se levantou.
― Eu quero ser a sua esposa. Muito, muito em breve.
Ele esfregou o queijo e tentou persuadir seu pênis a ficar
malditamente quieto.
―Entendi. O que mais?
― Eu gostaria de ter regras quando nós... quando nós
deitarmos... juntos.
― Que tipo de regras?
― Eu explicarei depois do casamento.
― Perdão?
― Você me ouviu.
― Há regras para gerenciar a forma como faremos amor,
mas não saberei até depois do casamento.
―Você entendeu.
― Receio que não, amor. Diga-me algo. Mereço isso.
A respiração dela acelerou. Um pequeno rubor apareceu
em suas bochechas.
― Muito bem. Embora não tenha rejeição ao seu toque,
prefiro permanecer com as roupas durante nossa...enquanto
estivermos... tendo intimidades.
Ele franziu o cenho diante do estranho pedido.
― Por quê?
Ela soltou o ar, os ombros caindo.
― Essa é a razão que eu quero esperar para lhe contar.
Agora, pensará que sou estranha e não desejará casar-se
comigo.
Se ela suspeitasse quão ansioso ele estava para pegá-la,
colocá-la sob seu cavalo e viajar algumas milhas a Escócia,
aquelas macias bochechas estariam escarlates em vez de
rosa.
― É um pedido estranho, deve admitir. Mas tanto quanto
eu possa tocá-la como me agradar, suponho que não é muito
a pedir.
Os olhos dela pousaram no lugar onde as mãos deles
estavam agarradas e entrelaçadas.
― Eu amo beijá-lo, Jonas. ― Ela sussurrou. ― Muito
mais do que antecipei.
Amanhã não seria breve o bastante, por Deus. Mas como
ela estava confessando seus desejos, ele pediu por mais.
― Conte-me outra condição.
No começo ele achou que ela não concordaria. O queixo
dela posicionou-se teimosamente, aqueles olhos pálidos
estreitaram-se. Então, ela umedeceu os lábios e assentiu.
― Eu quero filhos. Você deve providenciá-los.
― Bem, filhos são consequência de...
― Não. Não uma consequência. Você deve se aplicar
totalmente à tarefa. ― Ela estava franzindo a testa de uma
forma que agarrava as suas bolas e a torcia com força, como
se ela suspeitasse que ele pudesse ser preguiçoso em suas
tarefas como marido e isso a irritasse.
Ele segurou o riso com toda a sua força de vontade. No
fim, ele teve que encobri-la com uma tosse.
― Você está exigindo...
― Sua semente. Sim, estou.
Onde quer que o sangue estivesse vagando livremente em
seu corpo, apressou-se a entregar o pedido dela. Sua cabeça
girou. Outra noite insone com certeza.
― Eu estudei isso em detalhes. ― Ela prosseguiu. ― A
regularidade é a chave. Múltiplas tentativas por semana
seriam ideais, embora deva fazer concessões a quaisquer
dificuldades que surgirem. Nem todos os homens
compartilham similares...impulsos.
Ele simulou outra tosse, mais profunda, e pigarreou.
― Humm. E, se for preciso aumentar a frequência?
Conceber um bebê pode ser um negócio incerto, sabe. Pode
levar meses. Está disposta a acomodar ‘meus impulsos’?
Desde que eu me dedique, claro.
― Certamente.
― Certamente. ― Ele concordou, sua mão pousando
sobre a boca como se estivesse pensando profundamente. ― E
eu poderei tocá-la como quiser.
― Sim. Desde que eu esteja vestida.
― Bem, algumas partes não podem estar cobertas. Para o
intuito de conceber.
Ela estalou a língua.
― Não sou ignorante, Jonas.
― Não, claro que não. ― Ele fingiu pensar. ― Eu
precisarei ficar vestido?
Ela arregalou os olhos. Piscou e olhou ao seu peito, as
bochechas queimando.
― E-Eu acho que prefiro que não esteja, na verdade. ― O
desejo pareceu confundi-la. ― Você é muito bonito.
― Agrada-me que pense assim, amor.
―Eu quero dizer todo o corpo, não apenas o rosto.
Ele assentiu.
― Agrada-me o fato de poder agradá-la.
― Oh, sim. Muito.
― Bom. Agora, há outras condições que eu deva saber? ―
Quando ela hesitou, ele adulou. ― Vamos, eu não recusei
nada até agora.
Aquecendo para tocar no seu assunto, ela assentiu.
― Você deve permitir que eu compre uma casa adequada
para a nossa família.
Suas entranhas endureceram e congelaram.
― Não. ― Ele disse em voz baixa.
― Nossos filhos precisam de segurança...
― Eu comprarei nossa casa, Hannah. Eu.
Ela franziu o cenho. Olhou para o casaco dele e o
devolveu.
― Mas...
― Eu serei seu marido. Deve acreditar que eu a provirei.
Pode fazer isso?
Olhando-o com aparente ressentimento, ela remove sua
mão e entrelaçou seus dedos.
― Sim. Mas os meus fundos estarão a sua disposição.
Ele inclinou a cabeça como se aceitasse a sua oferta. Ele
não aceitava.
― É a última de suas condições?
Os dedos dela apertaram onde eles estavam juntos com
os dele.
― Eugenia diz que não estou sendo justa contigo.
― Qual é a injustiça?
O queixo cerrou, ela exalou.
― Pedir que se case comigo sem lhe contar... ― Ela
sacudiu a cabeça. ― Não sou normal, Jonas. Talvez já
suspeite disso. Talvez não. Prometo que farei tudo em meu
poder para melhorar, ser uma boa esposa. Mas ao princípio
eu posso precisar que faça algumas coisas. Coisas para
prevenir mais episódios como os de hoje.
― Tal como?
― Eu posso lhe pedir para...cobrir seus olhos.
Principalmente enquanto nós...
O choque dele deve ter sido aparente pois ela levou a
mão fria à boca.
― Droga. Eu não devia ter lhe dito isso. ― Ela murmurou
entre os dentes. O desalento enrugou a testa dela. A angustia
a fez sacudir os ombros.
Ele acariciou a mão dela com seu polegar.
― Você me surpreendeu, foi tudo. ― A necessidade de
compreender o esmagava por dentro. Mas ela claramente não
queria lhe dizer o que estava errado até que os votos fossem
declarados e eles estivessem permanentemente atados ― o
que significava que era algo ruim.
E se envolvia ela mantendo suas roupas e ele cobrindo os
olhos, ela era desfigurada ou apresentava sinais de uma
doença. Nenhuma delas mudaria a sua decisão, claro. Ele não
se importava, exceto que morreria para mantê-la longe de ser
ferida. Ela admitira uma doença “na maneira de falar’. Talvez
ela estivesse se recuperando de uma doença de infância. Ou
talvez ela não tivesse, afinal, se recuperado.
E se ela morrendo? E se ele se casasse com ela,
plantasse filhos em seu ventre, tivesse dois ou três anos e
então ela morresse? Isso se encaixava no padrão perdido por
Deus que era a sua vida, com certeza.
― Pelo menos me diga isso. ― Ele murmurou, mal
conseguindo verbalizar as palavras. ― Está morrendo? É essa
a fonte da urgência?
Dedos macios e hesitantes tocaram sua mandíbula,
fazendo com que seus olhos fixassem nos dela.
― Não, não estou morrendo. Não mais do qualquer um,
pelo menos. Salvo infortúnios imprevistos, nós teremos uma
longa vida juntos, Jonas Hawthorn.
Tanto que ele sabia, ela nunca mentira para ele. E ele
não via evidências de ela estar fazendo agora.
O alívio quase o fez rolar para trás. Em vez disso, ele
inclinou a cabeça para a frente e levou os dedos dela aos seus
lábios. Beijou-os de novo e de novo.
― Prometa-me que me contará tudo quando nos
casarmos. ― Ele disse quando seu coração entrou em um
ritmo normal.
― Sim, eu prometo.
― Prometa-me que poderemos revisar as suas condições
quando necessário.
Ela hesitou. Depois falou:
― Prometo.
Ele perdeu uma pequena parte de seu controle e fez sua
exigência final.
― Prometa que posso tê-la, Hannah Gray. Que eu posso
mantê-la.
Ela empalideceu um pouco. Apertou a mão dele com
tanta força, as unhas formaram sulcos em sua pele. Cílios
grossos e escuros pestanejaram de maneira estranha. Então,
ela engoliu em seco. Inclinou-se para frente. Roçou a boca
dele com seus lábios como botão de rosa e sussurrou, suave
com a neve caindo:
― Prometo.
CAPÍTULO 10

“Casamento? Meu querido Bainbridge, você está louco em


sugerir isso.

Lady Dorothea Penworth para Malcolm Charles Bainbridge,


Conde de Bainbridge, em uma carta mencionando casamento
pela primeira vez.

Eles cruzaram o Rio Tweed uma hora depois do nascer


do sol. Fios de névoa ainda rodopiavam nas margens. O sol
cintilava nas vidraças na pequena casa de pedágio no fim
norte da ponte.
Viola tagarelava sobre as suas próprias recordações,
enchendo os ouvidos de Hannah com contos sobre o
engraçado alfaiate escocês com um colete muito branco que
realizara o casamento de Lorde e Lady Tannenbrook na
mesma casa de pedágio anos antes.
― Como eu estava determinada. ― Viola suspirou. ― Ele é
grato agora, mas a época, meu James estava mais do que
chateado comigo.
Muito nervosa para falar, Hannah apenas ouvia
enquanto a carruagem em que estava ― uma das quatro que
carregava os muitos convidados de Lady Wallingham ―
viajava ao norte, de Grimsgate para Coldstream.
― Pode não ter sido o casamento dos sonhos de uma
dama. ― Viola continuou, sua voz carinhosa e melancólica. ―
Sem igreja ou um sacerdote. Sem flores e músicas. Nem
mesmo a presença de familiares. Mas nosso casamento não
sofreu nada por toda a pressa e simplicidade do começo. Não,
a vida que construímos juntas é o que importa. E essa tem
sido maravilhosa.
Mais de uma dúzia de pessoas ― Lorde e Lady
Wallingham, a viúva Lady Wallingham , Phineas e Eugenia,
Viola e Lorde Tannenbrook, Colin e Sarah Lacey, Reaver e
Augusta, Maureen e Dunston ― lotaram a minúscula sala da
Casa de Pedágio de Coldstream para testemunharem o
casamento de Hannah com Jonas.
Ele estava usando um casaco cinza-aço emprestado de
Lorde Wallingham. Ela, o seu vestido favorito, de gaze rosa
com mangas bufantes e rosas brancas. Phineas lhe dera um
buquê que ele mesmo selecionou ― lírios do vale, rosas de um
rosa profundo e raminhos com fragrância de lavanda.
Eugenia decorara o seu cabelo com pérolas, botões de rosas
brancas e uma fita de seda. Quando ela recuou para admirar
o seu trabalho, ela deu o seu ‘sorriso Eugenia’ e abraçou
Hannah com força, sussurrando.
― Nunca duvide de sua força, querida. Hoje é uma prova.
Coragem, beleza e força.
Hannah mal ousou respirar enquanto um ‘sacerdote’
escocês de óculos realizava a cerimônia. Em parte, era por
causa de Jonas. A beleza dele tinha derretido os seus ossos.
Muitas vezes ― especialmente quando ele olhou para ela com
os olhos brilhando e falou os votos ― ela sentira sua cabeça
se afastar. Mas ela usou o truque de apertar um caule de
uma das flores em sua palma, o que a manteve firme no chão.
Depois, todos retornaram a Grimsgate para o café da
manhã de casamento, um banquete que começou com
omeletes temperadas com tomilho e salpicada com presunto e
terminou com um bolo de especiarias, coberto com pêssegos
fatiados e flores de açúcar. Hannah olhou para o outro lado
da sala de estar, para Jonas, seu marido. Alto, forte e capaz.
Ela examinou os ombros, o traseiro. Imaginou ter a liberdade
de tocá-lo onde ela quisesse.
Os lábios. Cabelos. Peito.
Ele estava rodeado por outros cavalheiros, todos
pareciam estar o aconselhando. Ele bebia chá e tinha sua
usual expressão irônica. Mas ela conseguia perceber a
impaciência dele aumentar.
Isso enviou uma sensação estranha a sua barriga.
Ele a queria. Talvez até mais do que ela a ele, o que era
bastante, de fato.
O beijo deles paralisou cada parte dela: dos lábios às
pontas dos cabelos. Ela o achou explosivo. Enlouquecedor.
Ela nunca experimentara nada tão quente ou doce. Ela nunca
imaginou que tal desejo existisse.
Se ele não tivesse recuado, se não tivesse pedido que ela
olhasse para ele...Bem, não importa mais. Agora eles estavam
casados.
Ela olhou para o seu anel ― um que Jonas parecia de
tirado do nada. Ele não tivera tempo para comprá-lo, certeza.
No entanto, era extraordinário. O anel era de ouro, a fixação
de prata. No centro havia uma série de pérolas em formato de
uma lua brilhante e crescente incrustada na prata polida.
Dentro dela havia a safira mais escura que ela já vira,
multifacetada e azul brilhante. Em torno do dueto celestial,
cinco minúsculos diamantes em formatos de estrelas.
Delicado, excêntrico e bonito, o anel era um céu inteiro em
sua mão. Apenas em olhá-lo, ela queria sorrir.
― Humph. Após ele achar o meu baú, deve insistir que
ele vá a um alfaiate, minha querida. ― Lady Wallingham veio
ao seu lado, examinando Jonas através de seu binóculo. ―
Sua forma fica melhor em casacos bem ajustados.
O coração de Hannah inchou com um calor incomum.
― Ele fica mais bonito.
― Sim. Competente também, se meu palpite não estiver
errado. Uma vez que experimente as extensões das
habilidades dele, suspeito que ficará ciumenta. Natural. Ainda
assim não posso permitir que ele deixe Grimsgate sem que
termine sua tarefa. Peço desculpas por antecipação.
Hannah não tinha a mínima ideia do que a velha
senhora dizia, então estudou seu marido e ouvia apenas
metade.
― Sugiro que se controle, minha querida. Com um
homem assim, ficará surpresa como rapidamente a gula se
transforma em um hábito. Antes que perceba, está gastando
horas de suas preciosas horas livres fora da cama buscando
novas formas de agradá-lo ― arrumando a mesa dele para
melhor adaptar-se a um canhoto. Usando verde porque ele
mencionou que ilumina os seus olhos. Secretamente
comprando sabões de sândalo que recordam o cheiro dele
quando ele não está perto. Coisas desesperadas e tolas que
apenas garotas desesperadamente tolas fariam. Esta não é a
maneira de lidar com um marido.
Muito ocupada admirando o traseiro de Jonas para
prestar atenção, levou um tempo para Hannah digerir as
divagações da idosa.
― Canhoto? ― Ela murmurou em confusão, mas Lady
Wallingham e suas plumas roxas já haviam se afastado em
direção ao seu filho e nora.
Lady Berne se aproximou com todas as cinco filhas
Huxley. O grupo de damas de cabelos castanhos a
envolveram, oferecendo-lhe felicitações e conselhos.
― Você já perguntou qual é o prato predileto dele,
querida? ― Perguntou Lady Berne. Ele pressionou uma mão
sobre seu colo amplo quando Hannah balançou a cabeça. ―
Você deve se certificar disso imediatamente. E também do
prato que ele não gosta. Essas ferramentas funcionam melhor
juntas. Oh, e pergunte se gatos o fazem espirrar. Você gosta
de gatos?
― Esqueça isso, Mamãe. ― Eugenia falou. ― A pergunta
apropriada é: ela pode convencê-lo a se mudar a Dorsetshire?
Weymouth é adorável, sabia. Lembra-se da propriedade
Martin-Mace que mencionei? ― Eugenia fungou e ergueu uma
sobrancelha. ― Ainda está à venda.
― O que um agente de Bow Street faria em Weymouth? ―
Perguntou Annabelle. ― Cobrar para perseguir chapéus
assoprados pelo vento?
― Eu posso pensar em ocupações piores. ― Eugenia
respondeu.
Annabelle bufou.
― Não muitas. ― Ela assentiu em direção ao seu marido,
o homem de ombros largos, Lorde Robert Conrad, que estava
em pé com sua bengala apoiada ao lado da bota, ouvindo os
outros cavalheiros aconselharem Jonas. Lorde Robert franziu
a testa como se ouvisse um monte de besteiras, mas estivesse
se decidindo se deveria intervir. ― Pedir a um homem de Bow
Street para deixar Londres é como pedir a meu Robert que
abandone Rivermore Abbey. Como ele sustentaria uma esposa
e filhos?
― Talvez ele possa virar um consultor. ― Jane sugeriu. ―
Um investigador contratado. ― Ela empurrou os ósculos até
eles roçarem nas pontas de cabelos que cobriam sua testa. ―
Maureen, você não me disse que Dunston emprega tais
homens?
Maureen assentiu, mordendo o lábio inferior.
― De tempos em tempos. Pequenos projetos aqui e ali.
Kate, dois anos mais nova do que Hannah e Eugenia,
rolou os olhos na clássica maneira Huxley.
― Pequenos projetos. Duvido que o Ministério Interior os
considere ‘pequenos’.
Jane prosseguiu.
― Meu ponto é, ele pode trabalhar em qualquer lugar,
dada as conexões apropriadas. E, com recomendações de
Dunston, Holstoke, Blackmore e Wallingham, para não
mencionar o Sr. Reaver, Atherbourne e Tannebrook,
certamente existirão ‘pequenos projetos’ em grandes
quantidades.
― Uma sugestão inteligente, Jane. ― Aprovou Lady
Berne. ― Agora, sobre o planejamento de refeições.
Kate grunhiu.
― Isso de novo, não, Mamãe.
― Funciona para o seu pai a mais tempo que tem de
vida, Katherine Ann Huxley.
Hannah franziu o cenho. Ela se lembrava de Eugenia rir
sobre isso uma vez . Sua mãe gostava de servir os pratos que
Lorde Berne menos gostava quando ela estava chateada com
ele, e seus favoritos quando ele lhe agradava. Eugenia preferia
uma aproximação mais direta: quando ela não estava feliz
com Phineas, ela lhe dizia.
― Você já leu Orgulho e Preconceito, querida? ― Jane
perguntou. ― Ficaria muito feliz em lhe emprestar uma cópia.
Inteligência e percepções soberbas referente às complexidades
entre homens e...
Kate girou no lugar de seu jeito normalmente teatral.
― Deveria ser uma peça, Jane. Talvez você pudesse
escrevê-la.
― Já foi escrita. Só porque não tem paciência para ler um
romance não quer dizer...
― Não vamos discutir. ― Maureen implorou. ― Hoje é o
dia de Hannah. ― Ela sorriu docemente. ― Nós estamos muito
felizes por você, querida.
Ela abriu a boca para agradecê-las. Apenas para ser
agraciada com mais argumentos entre Jane e Kate, se os
primeiros trabalhos de Sir Walter Scott eram melhores do que
os esforços mais recentes. Após uma leitura dramática de
Macbeth durante a última temporada, Kate ficara encantada
com as aventuras escocesas e ela exigiu que Jane enviasse as
cópias de cada história escocesa que ela tinha. Os trabalhos
mais recentes de Sir Walter não se passavam na Escócia,
assim fora classificado como ‘inútil e tedioso’.
Annabelle e Maureen continuavam a oferecer conselhos
sobre escolher uma casa com tubulação apropriada e sobre
comprar um fogão novo para a sua cozinha. Ambas
recomendaram Nottinghamshire como o local ideal, perto de
Lorde e Lady Berne, assim como de Annabelle e Robert.
Eugenia insistia em Dorsetshire tinha um clima superior a
Nottinghamshire e que Hannah deve certamente se
estabelecer lá, pois sentiria muita falta do mar.
Hannah ficou tonta depois de outro quarto de hora de
conselhos sobre cozinha, histórias escocesas, homens fictícios
com grandes fortunas, os ‘áridos pântanos cobertos de gelo’
no inverno de Nottinghamshire e a importância da
organização adequada das refeições. Assim, ela pediu licença
e deixou o grupo em busca de chá ― e talvez um pouco de paz
para juntar forças que precisaria para a noite que estava por
vir.
*~*~*

― Um lar agradável começa com uma mulher feliz, Sr.


Hawthorn. ― Lorde Berne ergueu sua xícara de chá como se
brindasse sua própria sagacidade. Olhos castanhos deram
uma piscadinha. ― Agrade-a.
Os outros homens ao redor de Jonas riram e murmuram
suas concordâncias.
― Aye. ― Disse Reaver, batendo com sua mão gigante no
ombro de Jonas. ― Descobrirá que isso lhe ajudará, na
maioria dos dias. Embora eu ache que um pouco de
discordância aqui e ali funcionem como um pouco de pimenta
no molho, eh?
Mas risos e expressões de compreensão.
― Assim que se estabelecer em uma casa, dê-lhe uma
sala só para ela. ― Aconselhou Lucien Wyatt, Visconde de
Atherbourne. O lorde de cabelo preto era outro eu escapara
de uma pintura ― este representava um anjo caído ou um
deus sombrio e mítico.
Muitos dos homens concordaram com a ideia ― o alto e
de cabelos dourados Duque de Blackmore, o irmão do duque,
Lorde Colin, Lorde Wallinghan, Lorde Berne e Holstoke.
― Esposas adoram ter um santuário para seus
passatempos. ― Atherbourne continuou. ― O da minha é a
pintura. A melhor retratista que conheço.
Tannenbrook assentiu.
― Sem dúvida. Ele é excepcional. ― O gigante loiro ficou
mais caloroso com o sentimento. ― Minha Viola voltou à sua
harpa. Ela transformou uma de nossas salas em sala de
música e está ensinando as nossas filhas a tocarem. ― O
sorriso dele ganhou um brilho de homem apaixonado. ― O
sorriso delas é toda a música que preciso.
Dunston sorriu e deslizou a mão por seu colete dourado.
― Em entreguei as cozinhas inteiramente nas mãos de
Maureen. Minha única reclamação é que eu devo triplicar os
meus exercícios para não sobrecarregar a minha montaria.
― Entreguei Steadwick Hall nas mãos de Julia. ―
Destacou Lorde Wallingham. ― Nenhum homem tem a casa
tão arrumada, garanto. Ela reorganizou os temperos na
semana assada, primeiro por nome, depois pela cor. Mulher
notável.
― Mesmo grávida, ― acrescentou Lorde Colin ― Sarah faz
colchas a um ritmo prodigioso. Metade da minha sala de
música está ocupada por elas.
― Jane e eu compartilhamos duas bibliotecas. ― Falou
Blackmore. ― Ela prefere a mais antiga e eu devo concordar.
Todas às vezes que me pergunto onde ela está, é o primeiro
lugar que procuro. ― O homem com fisionomia aristocrata
relaxou. Suavizou. ― É o seu lugar preferido de leitura. ― O
duque puxou o seu relógio e depois olhou para o outro lado
da sala, onde estava a sua esposa.
― Harrison, guarde esta coisa. ― Ordenou Dunston como
se já houvesse dito isso milhares de vezes a Blackmore.
― Eugenia tem duas salas para criação de chapéus. ―
Destacou Holstoke. ― Ela não disse porque precisa de duas
precisamente. Mas isso a faz brilhar como uma lamparina.
Razão suficiente para eu dar-lhe mais dez, em minha
estimativa.
Toda esta conversa sobre casas, salas e esposas
brilhantes irritava o pescoço de Jonas assim como a cravat
que o valete de Wallingham havia amarrado bem apertada.
Maldito inferno, ele estava sufocando.
Também havia a possibilidade de ele querer levar a sua
esposa a cama. Mais do que possível. Ele fora cuidadoso em
não olhar muito para ela desde que retornaram a Grimsgate.
Mas ele a sentia em sua pele. Ele a queria com todo ar.
Ele esperou por tempo demais.
Quando eles poderiam sair, perguntou-se. Agora era
muito cedo?
― Outra meia hora pelo menos. ― Disse uma voz
profunda e calma ao seu lado. Era Lorde Robert Conrad, um
homem de cabelos pretos com uma bengala ― algum tipo de
acidente em sua juventude, assim Jonas ouvira. ― Espero até
que Lady Wallingham declare que é hora de jogar badminton.
Deve vir em breve.
A boca de Jonas se curvou.
― Frequenta a muitas festas dela, não é?
Conrad assentiu e depois fixou em Jonas com um olhar
penetrante.
― Você foi um soldado.
Jonas deu um gole no chá frio antes de responder.
― Aye. Trigésimo Nono Regimento de Infantaria.
― Dorsetshire?
Ele assentiu.
― É de onde veio?
Ele ofereceu ao homem o seu sorriso usual e sua
resposta usual.
― Eu sou de vários lugares.
Conrad, um tipo quieto e impassível, pareceu aceitar a
sua resposta.
― Você foi enviado ao continente?
Jonas preferia não discutir guerras. Nada de bom para
recordar. Mas, ele aprendera que era melhor satisfazer a
curiosidade e seguir em frente.
― Aye. ― Ele respondeu. ― Espanha e Portugal. Depois,
Canadá, por volta de um ano.
Conrad indicou Atherbourne.
― Ele esteve em Waterloo. Meu avô lutou em Belle Isle.
Nunca deixa um homem, uma vez que ele viu o que outros
homens são capazes de fazer. Em quem nós todos somos
capazes de nos transformar.
Droga, essa era a última coisa que ele desejava discutir
no dia de seu casamento.
― Eu sobrevivi. ― Ele disse ignorando o vazio
desconcertante para tomar outro gole. ― Na verdade, é tudo o
que importa.
― Annabelle me disse que você e Hannah ainda não
decidiram aonde vão se estabelecer.
Seu pescoço coçou diante da pergunta.
― Nós ainda não discutimos sobre isso. ― Existia um
monte de coisas que eles não discutiram e um dos assuntos
queimava e seu peito. Ela lhe devia respostas e ele as queria.
― Minha esposa prefere Nottinghamshire, claro. ―
Conrad continuou. ― Ela gosta de Hannah e apreciaria tê-la
vivendo perto. ― Os olhos azuis do filho de um marquês
nivelaram sobre Jonas e o fez recordar de seus comandantes
no exército: duros, firmes e profundamente enraizados. ― Um
lugar que você e Hannah tenha algo em comum seria melhor.
Dorsetshire, talvez?
A voz de trombeta de Lady Wallingham intrometeu-se.
― Venha, venham todos. Vamos ao gramado sul para
uma disputa de badminton. ― Ela virou-se ao seu filho. ―
Charles, pegue Bain imediatamente. Ele deve aprender a
dominar a peteca se espera manter a cabeça elevada como
um garoto Rutherford.
Conrad se aproximou apoiando na bengala.
― Agora é a sua chance, Hawthorn. ― Ele murmurou,
acenando em direção a um canto janelado onde uma mulher
etérea em gaze rosa estava sentada sozinha. ― Parece que a
sua noiva precisa de companhia.
Santo Deus. Sua noiva. Ela era dele. Dele.
Ele passara as últimas doze horas ansiando por este
momento.
A mão de Conrad bateu em seu ombro.
― Vá lá. ― O homem murmurou como se lesse os
pensamentos de Jonas. ― Ela é sua agora. Cuide dela.
O coração de Jonas quase bateu em sua caixa torácica.
Ela estava tão bonita, seu estômago doía com a tensão da
espera.
Os outros homens davam tapas em seu ombro e lhe
lançavam olhares divertidos enquanto ele passava. Enquanto
isso, ele se perguntava o que maldito inferno ele tinha feito.
Ele não era um marido, pelo amor de Cristo. No máximo,
ele podia lhe oferecer seu nome, o que não era nada. Sem
família. Sem conexões. Sem fortuna. Apenas ele ― Jonas
Bartholomew Hawthorn ― de joelhos diante da Rainha da
Neve. Não era estranho ela ter demorado tanto para se decidir
por ele.
Seus ombros delicados tremeram com a respiração.
Olhos verdes gelados olhavam pela janela. Mãos brancas e
macias estavam cruzadas sobre saias de gaze rosa.
Ele recuperou seus sentidos. Seguiu seu caminho
através da sala. Aproximou-se dela e inclinou-se sobre o sofá.
Ela suspirou e engoliu em seco. Após uma hesitação, ela
ergueu seus olhos para ele.
― Jonas. ― Ela sussurrou.
― Olá, amor. ― Ele murmurou de volta. ― Gostaria de me
acompanhar?
Ela piscou, parecendo equilibrada e nervosa ao mesmo
tempo.
― S-Sim.
Ele estendeu a mão. Ela deslizou a dela na sua. E juntos,
saíram da sala de estar, um marido que não deveria ser um
marido e uma esposa que não deveria ter se casado com ele.
Eles acharam o caminho para o quarto dele. Eles não se
falaram enquanto atravessavam a grande galeria, subiam a
grande escada e seguiam o longo corredor.
Foi só quando ele a levou para dentro de seu quarto com
veludo marrom e seda azul que ele pensou em perguntar se
ela queria sua criada. Ou um banho. Ou qualquer outra de
uma dúzia de perguntas que um marido deveria fazer.
Ele deslizou uma mão pelo rosto. Pelo menos o valete de
Wallingham barbeara sua maldita barba. Ele não marcaria a
pele dela.
Entrecerrando os olhos, ele tentou dominar as visões
selvagens de Hannah com sinais de sua barba na garganta
branca, nos seios brancos, nas suas coxas brancas.
― Jonas. ― Ela disse com uma voz com um tremor e um
aperto. ― Eu não desejo...conversar agora. Não hoje. Está
tudo bem?
Ele se retesou.
― Você prometeu que explicaria.
O olhar dela caiu sobre o tapete azul.
― Eu sei. Mas, agora, eu prefiro beijá-lo novamente. E...
tocá-lo.
E exatamente assim, ele estava escravizado.
CAPÍTULO 11

“Francamente, seu eu soubesse o que me esperava, teria


sugerido nos casarmos antes.”

Dorothea Bainbridge, Condessa de Bainbridge, para Malcolm


Charles Bainbridge, Conde de Bainbridge, em uma carta
reconhecendo que alguns talentos masculinos são incomuns
e algumas esposas são felizardas.

A pele dela pulsava junto a cada batida de seu coração.


Ela tentou juntar coragem para lhe contar tudo. Mas achou
impossível.
Apenas estar parada ali com ele, no quarto e segurar sua
mão olhando para suas botas bem gastas, fazia sua barriga
agitar-se.
Repentinamente ele a soltou. Andou até o outro lado da
cama. Começou a puxar sua...Cravat? Sim. Ele estava
tentando afrouxar o que parecia ser um adorável nó
Osbaldeston.5
― Muito bem. ― Ele falou, sua voz baixa e áspera. ―
Deixe-me soltar este maldito nó.
Ela respirou fundo e o seguiu, rodeando-o para alcançar
as mãos dele.
― Permita-me. ― Ela murmurou. Os dedos dele se
afastaram e ela começou a trabalhar na bagunça que ele
fizera. ― O problema é o amido, sabe. ― Ela explicou. ― Deixa
tudo duro e pegajoso. ― Ela sentiu a garganta dele ondular e
engolir. ― Aplique muita força e o nó virará contra você.
― Deus todo poderoso. ― Ele murmurou.
Como ela frequentemente fazia quando estava
concentrada, ela pressionou a língua no lábio inferior.
― Quase lá. ― Um puxão. Outro. Um puxão e um longo
suspiro. E, finalmente, o tecido libertou-se. ― Viu? ― Ela
sorriu triunfante para ele.
Os olhos dele... Oh, céus, seus olhos estão em chamas.
Prateados e vorazes. Eles a devoravam com luxúria. Desejo.
Posse.
A cabeça dela começou a flutuar. Retroceder.
Não! Não, não, não.
Ela apertou o lenço de pescoço dele e o puxou para mais
perto dela.
Ele grunhiu.
Ela envolveu o tecido branco e engomado ao redor de
suas mãos com força. Mais e mais força. Obrigando seus
dedos a fecharem a ponto de doerem. Então, ela o puxou para
ela, ergueu-se nas pontas dos pés e suspirou seu nome
contra os lábios dele.
― Jonas.
― Maldito inferno.
― Eu devo fechar os meus olhos agora. ― Ela o fez,
precisando da escuridão. ― Então, eu gostaria muito que me
beijasse.
― Humm.
― Depois, eu quero tocá-lo. Pelado. Para ser clara, eu
gostaria que você estivesse nu, não eu. Se não se importa.
― Está me matando, amor.
― Quando me tocar, deve se mover lentamente. Eu... Eu
me assusto facilmente. Logo, espero que não precisemos ser
tão cautelosos.
― Espero o mesmo.
― Eugenia foi direta em suas explicações.
Assustadoramente.
― Ela foi?
― Sim. Eu sei o que esperar. Não sou ignorante.
― Bom. Isto é bom.
― Um dia, eu serei uma excelente amante, Jonas. Não se
arrependerá da necessidade de cumprir seus deveres de
marido.
― Um alívio, garanto-lhe.
― Eu me aplicarei com grande diligência.
― Diligência. Aye.
― Estou lhe sufocando?
― Não, mas talvez devêssemos nos sentar. Posso abraçá-
la, amor?
Ela apertou os olhos com mais força e abraçou a si
mesma. Depois, assentiu.
Mãos fortes deslizaram lentamente por seus quadris,
trilhando firmemente por suas nádegas e subindo para sua
cintura. Ele a segurou ali, os dedos apertando um pouco. Ela
gostou disso. Forte. A pressão que falava da tensão. Ele
recuou vários passos, puxando-a com ele até ela sentir que
seus rostos estavam alinhados. A respiração dele atingia sua
testa e sua bochecha. O ritmo era rápido.
― Você mencionou beijos, não foi? ― A voz dele possuía
uma nota zombadora ao roçar os lábios contra os dela.
Ela sentiu um rubor quente subindo por todos os locais
― seios, coxas e bochechas ― enquanto assentia.
― Por favor.
― Tanta educação. ― Ele deu uma risadinha, o som
caloroso e ressonante. ― Devo remover meu casaco?
― Sim. ― Sua boca ficou seca. Ela quis abrir os olhos.
Olhar para ele. A frustração a consumia. ― Você poderia fazer
isso enquanto me beija?
― Acho que descobrirá que tenho capacidades incomuns
neste assunto. ― A boca dele tomou a dela. A língua,
escorregadia, forte e com sabor de pêssego com especiarias e
chá forte, tornou-se exploradora.
Sua cabeça começou a girar, mas apenas da maneira
mais deliciosa. Ela gemeu sobre os lábios dele, agarrando-se
ao lenço em seu pescoço com mais força e o puxando. Céus,
ela estava faminta por ele.
Vagamente, sentiu as mãos dele a abandonar. Os
ombros se moverem. Em seguida. As mãos voltaram,
curvando-se na parte de baixo de sua cintura e a puxando
para as profundezas de seu abraço. Seus dentes apertaram
seu lábio inferior. Os dedos dele envolveram sua nuca. Os
polegares controlaram seu queixo. Acariciaram suas
bochechas.
Gentil e lentamente, com doces carícias de sua língua e
seus lábios, ele levou o beijo deles à conclusão. Separou-se
dela.
Ela quis que ele voltasse. Ela quis rosnar em protesto.
Em vez disso, ela grunhiu e enfiou as pontas dos dedos nos
ombros dele.
― Jonas. ― Sua voz saiu rouca. Sem fôlego.
― Por que você...
― Primeiro, eu lhe beijo. Depois, dispo-me. Não foi essa a
sua ordem, amor?
Sua pele estava tensa. Os seios inchados contra o
espartilho.
― Eu quero vê-lo.
― Então abra os seus lindos olhos.
Como ela queria ser capaz.
― Não posso. ― Sussurrou.
Ele ficou em silêncio por longos segundos. As mãos
agarraram a sua cintura. Exploraram seu cabelo e queixo. Os
dedos dele trilharam sobre seus lábios.
― Soltarei o seu cabelo. ― Ele murmurou.
Imediatamente, seus dedos começaram a retirar os grampos.
Ela o sentiu remover as pérolas, fita e botões de rosa. Ela o
ouviu ofegar quando as mechas caíram.
― Por Deus, você é magnífica. ― Ele suspirou.
Seu coração disparou a medida que a mão dele deslizava
por sua garganta, gentilmente ao longo das curvas acima de
seus seios, depois levemente para baixo ― tão levemente ―
através de seus mamilos duros. Ela ofegou diante das
sensações. A necessidade que elas alimentavam. A fraqueza
em suas coxas e joelhos.
― Eu... Eu quero vê-lo. ― Ela repetiu. ― Tocá-lo.
― Solte o lenço. Não há necessidade de uma coleira. Você
me tem firme em seu poder, Rainha da Neve.
Ela não sabia o eu aquilo significava, mas ele estava
certo ― ele não poderia se despir se ela se recusasse a soltá-
lo. Com esforço, ela soltou uma ponta e depois,
relutantemente, a outra.
― Eu não o machuquei, não é? ― Sua voz soou baixa.
― Não. ― Ele puxou o tecido, seus movimentos mais
ásperos do que antes. ― Aguente firme. ― Seu deslocamento
balançou a cama. Ela ouviu um pedaço de pano cair no
tapete. ― Bem, então. Pegue essas suas mãos imaculadas e as
coloque sobre mim antes que eu malditamente morra.
― Eu quero vê-lo. ― Ela repetiu.
― Deus, Hannah. Abra os seus olhos.
― Eu... Eu preciso que cubra os seus antes.
Silêncio.
― Por favor, Jonas. Essa é a única maneira.
Muitas batidas do coração se passaram antes de ela
sentir que ele se inclinava, pegando algo. Depois, ele sentou-
se e um momento depois, disse:
― Pronto. Coberto.
Quando ela finalmente juntou coragem, abriu os olhos.
Oh, céus. Suas mãos se estenderam por vontade própria. Ela
não pensou, não hesitou. Os músculos dele ondularam à
medida que ela o sentia com seus dedos fascinados:
compactos, magros e firmes. Cabelos pretos. Pele quente.
Ele lhe estendeu a mão. Ela ofegou e recuou, apesar da
determinação de não o fazer. Ele abaixou os braços, fechando
os punhos ao lado dos quadris, arquejando e franzindo a
testa.
Enquanto seu coração se acalmava, ela retomou sua
exploração.
― Quão adorável você é. ― Ela murmurou, incapaz de se
segurar.
― Prefiro bonito. Divino também funciona. Vigoroso.
― Quando esteve ferido, a maior parte de você estava
coberta de bandagens. Eu soube que era forte por causa dos
seus braços. ― Ela traçou as curvas dos antebraços, brincou
com os cabelos ao longo do pulso. Então, subiu, varrendo por
seus bíceps, parando sobre a cicatriz deixada pela flecha do
envenenador. Esta, ela circulou e circulou com as pontas dos
dedos. ― Você é bonito então. Mais agora que se recuperou.
Tão forte, Jonas Hawthorn. Eu quero empurrá-lo para dentro
de mim. Quero que a sua força seja minha e a minha seja
sua.
Com um grunhido longo e baixo, ele se apoiou em suas
mãos e levantou os quadris como se fosse se sentar. Sua
cabeça caiu para trás acima de seu pescoço forte e nu
enquanto seu peito trabalhava como um fole. Os músculos de
seus ombros e de seu ventre plano ondularam. O tecido
branco de sua cravat brilhava contra sua pele e cabelo.
Ele tinha se vendado. E obviamente mantinha as suas
mãos simuladamente atadas. Por ela. Dado o estado de suas
veias ao longo do peito e pescoço, isso era a causa de um
sofrimento significativo.
Ela se deu um momento para observar. Para saborear a
visão dele. Atrás da aba de abertura de suas calças. A fonte
de seu sofrimento era visível. Intimidador. Estava inchado
contra o tecido, uma haste enorme empurrando para cima,
exigindo o que lhe era devido.
Seu coração flutuou. Suas coxas se apertaram contra
uma dor.
― Acho que deveríamos nos unir agora, Jonas.
― Droga, inferno maldito.
― Eu vou abrir sua calça. Fique onde está.
Ela afundou-se entre os seus joelhos abertos. Primeiro,
ela permitiu a si mesma uma carícia lenta e deslizante pelas
coxas dele. Engolindo um nó na garganta seca, ela se
encantou com a espessura e a dureza ali. Suas palmas
deslizaram para cima. Os botões eram fáceis, embora um
pouco apertados com toda a dureza. Então, seu membro nu
estava em suas mãos.
Ela nunca vira e nem sentira nada como aquilo. Suave
como cetim. Duro como pedra. Inchado e com veias. Quente e
vigoroso. Ela vira desenhos em alguns ensaios nos textos
científicos de Phineas, mas os sujeitos deviam ser homens
bem menores.
O membro de Jonas, ao contrário, era alarmantemente
longo e muito, muito mais grosso do que ela imaginou ser
possível. Hannah franziu o cenho enquanto se recordava da
referência de Lady Wallingham à ‘circunferência”. Existiria
algo como muita circunferência? Isso podia ser um problema.
Hannah mordeu seu lábio inferior enquanto deslizava as
mãos sobre a extensão dele, apreciando a sensação de pele
sedosa, veias pulsando e uma pequena gota de fluido
emergindo da cabeça. Embaixo, ainda enfiada nas calças suas
bolas estavam apertadas e cheias.
Certamente ele estava pronto para ela. Ela estava pronta
para ele?
O calor doloroso em seu baixo ventre era similar ao que
Eugenia descrevera. Seus seios pareciam pesados, os
mamilos duros e sensíveis.
Talvez ela já estivesse pronta.
Uma sensação estranha atingiu o seu peito ― um aperto,
uma sacudida, uma pontada.
― Jonas? ― Ela se levantou. Deslizou as mãos pelo peito
dele. Acariciou seu pescoço duro e tenso. ― Vou montar em
você agora.
A pele dele ficou em chamas perto de suas bochechas.
― Deixe-me tocá-la. ― Ele grunhiu. ― Droga, eu preciso.
Porra, implorarei se é isso o que quer.
Ela já ouvira a palavra antes, claro. Era vulgar ― um
sinal de seu controle em ruínas. Outros sinais era os seus
punhos apertando a colcha de veludo e os movimentos sutis
de seus quadris.
Ele precisava dela. Ela era a sua esposa. Devia lhe dar
conforto. Acalmá-lo.
Ela pegou seu pulso direito e levou a mão dele a seus
seios. Enquanto ele gemia, apertava e a acariciava
prazerosamente, ela levantou suas saias, amontoando-a em
sua cintura. Ela começou a colocar um joelho sobre a manta
ao lado do quadril dele. Em seguida, apoiou-se nos ombros
dele e subiu as coxas de modo que um homem pudesse ser
montado como um cavalo. Parecia estranha, mas não ruim.
Enquanto a mão direita de Jonas dava prazer a seu
mamilo através das camadas de seu vestido e espartilho, a
sua mão esquerda se moveu para agarrar sua coxa nua. Ela
não queria que ele explorasse demais, assim o beijou e deixou
a mão dele entre seus corpos. Em seguida, como ela sonhava
fazer quase todas as noites desde que Jonas Hawthorn entrou
pela primeira vez na sala de estar de Holstoke House, ela
entrelaçou seus dedos com os dele e levou as pontas dos
dedos ao seu centro.
Ele gemeu contra a sua boca.
― Está tão molhada, amor. Deus todo poderoso. ―
Levemente ele traçou suas dobras com as pontas dos dedos,
girando e experimentando, pressionando e empurrando. ―
Preciso estar dentro de você.
Ela deslizou os dedos sobre a venda em um movimento
ondulado. Beijou os lábios dele ― aqueles a qual não
conseguia resistir.
―Sim. Eu preciso de você também.
O braço esquerdo dele envolveu a sua cintura. A ergueu
alto sobre ele. Sua mão esquerda posicionou seu membro em
direção à sua abertura.
Ele parou. O esforço sacudiu todo o corpo dele.
― Tudo bem, amor? ― ele murmurou.
Ao redor de seu coração. Calor e luz explodiram e se
expandiram. Ele parara no ponto mais alto do desejo para
garantir que ela estava bem. Ela o beijou mais uma vez,
acariciando seu queixo e em seu pescoço.
― Sim. ― Falou no ouvido dele. ― Agora, Jonas.
Romper sua virgindade foi uma sensação dolorida, mas
ela sentiu muito mais a pressão. Ele era muito grande e a dor
de uma invasão estranha lhe roubou o fôlego. Ele grunhiu,
longa e profundamente, enquanto se afundava dentro dela.
― Cristo. Droga. Estou vivo. ― Ele soava divertidamente
alarmado, como se nunca tivesse passado por tal problema
antes.
Ela sorriu, embora ele não pudesse ver. O beijou.
Deslizou a língua pelo lábio inferior dele. Começou a se
mover, apesar do desconforto em tê-lo dentro dela.
― Dói?
― Você é muito grande.
Ele grunhiu e empurrou mais fundo.
― Há uma sensação de calor. Queima um pouco.
Ele empurrou mais fundo.
Ocorreu-lhe que ele ainda não estava totalmente dentro
dela. Ela moveu seus quadris testando.
― Quanto mais há de você precisamente?
― Eu não vou...fazer isso. ― Ele praguejou. ― Isso é uma
maldita desgraça.
Ela franziu a testa.
― Estou fazendo errado? Deve me dizer, assim posso
melhorar.
― Tão molhada. Deus. Tão molhada, apertada, minha. ―
A mão dele voltou e a tocou diretamente no pequeno ponto
que continha um prazer ilimitado.
Ela ofegou enquanto as sensações começavam a fundir e
expandir.
Ele mergulhou mais fundo.
― Oh! Isso. Isso é... Dói um pouco, mas... Eu gosto,
Jonas.
Mais fundo.
Ela gemeu.
― Humm. Sim. O que é que está...?
Mais fundo. Uma investida dura para cima.
Ela ofegou. Enfiou as unhas no ombro dele.
― Oh, doce céu.
Outra vez. E outra vez. E outra vez.
Sua mão permaneceu ali dando-lhe prazer. A outra mão
envolveu sua cintura e controlou seus movimentos. Impôs um
ritmo que começou a diminuir e, em seguida, ganhou
impulso.
Logo ela o acompanhou. Esse ritmo febril, a fricção na
sua parte mais profunda. Essa beleza. A beleza dos dois
juntos. Da entrega deles.
E, enquanto olhava para seu homem vendado, sentiu
que ele lhe enchia além do ponto de conforto, além de ponto
onde não haveria nem mesmo um suspiro para alguém que
não fosse ele, ela aceitou cada gota de prazer que ele lhe dava
e jogou a cabeça para trás.
E cavalgou.
A sensação era de voar
Onda após onda, quebrando como as águas de Primvale
após uma tempestade. Mexendo em toda a costa e nas
pedras, há muito tempo encravadas, com suas forças. Ela
recebia os impulsos dos quadris dele, toda a dor era uma
memória distante. Ondas de êxtase agitadas, sequenciais e
circulares explodiram através de seu corpo. Ela ofegou,
gemeu e apreciou o poderoso prazer eu ele lhe dava.
Finalmente, ela o segurou e saboreou o prazer dele.
Talvez isso acima de todo o resto. Porque ele lhe deu
isso. Depois de tudo que ela tomara dele, de toda a angustia e
dificuldade que ele sofreu antes ― e tudo o que ainda estava
por vir ― ela tomou a semente dele dentro dela, ouviu seus
rosnados profundos de conclusão e apreciou o conhecimento
de uma coisa, ela podia ser uma esposa normal.
Ela podia tomá-lo. Acalmá-lo. Dá-lhe prazer.
E, desta forma, ele sempre seria dela.
CAPÍTULO 12

“Pelo contrário, emprestar-lhe a minha assistência é um ato de


generosidade. Se um homem ajuda um levemente menos
inteligente a repreender o Primeiro Ministro, isso é chamado de
‘interferência’? Acho que não.”

Dorothea Bainbridge, Condessa de Bainbridge, a Malcolm


Charles Bainbridge, Conde de Bainbridge, em uma carta
protestando contra as definições erradas e partidas abruptas.

Jonas saiu da única estalagem em Alnwick com pouca


esperança e frustração em abundância. Mas, então, a
frustração parecia ser o seu destino. O estalajadeiro da White
Swan não reconhecera o desenho que ele fizera do ladrão,
apenas o aconselhando a Jonas: “indague na pensão pública,
sir, onde ladrões são mais fáceis de serem achados do que em
um estabelecimento elegante como o meu.”
O estalajadeiro pomposo fora insultado de todas as
coisas. Talvez Jonas tenha sido um pouco rude, mas, depois
dos últimos três dias, sua paciência estava mais desgastada
que as suas botas. Ele pegou o seu cavalo alugado e
percorreu uma pequena distância até a decrépita pensão
pública na esquina da estalagem.
Lá dentro, o cheiro de fumaça de madeira e peixe se
misturava com o de cerveja e sujeira dos moradores locais
que gastavam seus poucos centavos em pensões públicas em
ruínas.
Não era um ‘estabelecimento elegante’, mas era familiar.
Jonas passara a vida em lugares como este. Durante a parte
quente do dia, havia clientes, mas não muitos. Alnwick podia
ser uma cidade mercantil, mas era pequena e remota.
Após pedir uma cerveja, ele falou com o homem alto e de
braços grossos atrás do balcão.
― Procurando por esse homem. ― Ele desdobrou o
desenho, deslizou pela madeira. ― Você o viu na última
quinzena ou mais?
O homem entrecerrou os olhos sobre o desenho.
Começou a balançar a cabeça. Depois parou.
― Talvez. Parece um pouco familiar. ― Ele levantou a
vista. ― Um pouco com você. Ele é seu parente?
Maldito inferno, era a mesma resposta que ele recebia
repetidamente.
― Não. ― Ele respondeu, puxando do bolso outro
desenho que ele terminara no dia anterior. ― E ela?
Era parecido com Elly Allen, a criada desaparecida.
Quando os olhos do homem se arregalaram, um
formigamento começou na nuca de Jonas.
― Aye, de fato. Ela esteve aqui nos últimos três dias. Não,
quatro. Uma encomenda de hadoque chegou um pouco antes
de ela partir. Má sorte. Ela ficou sentada no sol por muito
tempo. Ficou suja.
― Aye, um homem. Não esse. ― Ele bateu no desenho do
ladrão. Cabelos mais claros. Tipo bruto.
Era a primeira pista desde que a criada desaparecera, e
ele a pegou com ansiedade.
― Algum deles disse alguma coisa? Perguntou por
direção ou mencionou aonde eles se dirigiam?
O homem grande coçou o queixo e balançou a cabeça.
― Não que eu me lembre. Embora eu tenha achado um
pouco peculiar quando ele perguntou sobre as marés.
Outro formigamento ao longo da nuca de Jonas.
― Marés, ãh?
― O porto mais próximo é o de Blyth. Nada além de
pescadores aqui e ali. Este camarada confundiu o meu
hadoque com bacalhau.
― Não lhe pareceu ser um tipo do mar, então.
O homem grunhiu e balançou a cabeça.
― Lembra de algo mais?
―Ele não era de Northumberland, isso é certo. Manteve-
se reclamando sobre os ventos durante a pequena rajada dos
últimos dias. ― O homenzarrão zombou. ― Já tive vendavais
maiores saindo da minha bunda.
Jonas riu.
― Conseguiria localizar o sotaque dele? ― Em sua
experiência, homens que atendiam nos balcões de estalagens
desenvolviam bons ouvidos para isso: para melhorar a
distinção entre locais e viajantes e cobrar de acordo.
―Yorkshire, talvez. Tinha a necessidade de adicionar
alguma moeda ou algo do tipo. Um indivíduo que conheci de
Yorkshire costumava oferecer trabalho em troca de algum
trocado ou algo do tipo. Um indivíduo que conheci de
Yorkshire costumava dizer isso quando estava com bolsos
vazios.
Jonas agradeceu ao homem e começou a terminar a sua
cerveja quando sentiu uma presença atrás dele. Uma sombra
curvilínea caiu sobre seu braço.
― Maldição. ― Ele murmurou. ― Pela última vez, não
preciso da sua ajuda.
Um braço magro em veludo vermelho passou por seu
ombro para puxar seu desenho da criada.
― É ela? Perguntou sua esposa desobediente. ― A Srta.
Allen?
Ele se virou. Deus, ela roubou o ar de seu peito. Veludo
vermelho vinho abraçava seu colo suave e cintura estreita.
Caía em camadas para formar sua saia. Isso fez o coração
dele bater como um tambor furioso. Ou, talvez, ela o fizera. O
veludo era algo acidental.
― Volte a Grimsgate, Hannah.
Ele ergueu o queixo.
― Eu desejo ajudar.
― Não há nada que possa fazer. ― E as muitas coisas que
ela poderia fazer, tornaria tudo mais difícil. Distraí-lo, por
exemplo. Aumentar a sua frustração, era outro exemplo.
― Tenho uma mente excelente, quero que saiba.
― Não é essa a questão.
― Se colocar sua obstinação de lado, verá que é muito
melhor fazer uso apropriado dos recursos que estão a sua
disposição.
Naquele momento, seu corpo tinha um único uso para
ele. Mas, até isso se prova insatisfatório. E sentia-se
amaldiçoado por não saber o que fazer com isso. Ela ainda
não lhe contara nada. Nem uma maldita coisa. Ela o beijara,
fodera com ele, tomara seu pênis e sua semente. Tudo sem o
deixar tocá-la apropriadamente. Sem permitir que ele a visse
apropriadamente.
Sem permitir que ele entrasse.
Ele pensou que tê-la seria o bastante. Mas ele não a
tinha. E o que ele tivera, não era o bastante.
― Volte ao castelo. ― Ele grunhiu, terminado sua cerveja
e recolhendo seus esboços. ― Ou eu devo acompanhá-la?
Aqueles olhos pálidos iluminaram com um brilho
desafiante. Seu atrevido chapéu de veludo podia muito bem
ser uma coroa.
― Deixe-me ajudar.
Ele se afastou do balcão e se encaminhou até a porta.
Ela o seguiu, como ele sabia que ela faria. Lá fora, o brilho do
sol fazia as construções em arenito assumirem um brilho
dourado.
― Você me ajudará mais ao apreciar a festa com seus
amigos.
― Eles poderiam ser seus amigos também, se permitisse.
Quando eles chegaram aos cavalos ― a dela era uma
égua branca imaculada com uma brilhante sela lateral,
enquanto o seu era um velho cavalo alugado de crina rala e
pouca força ― ele lhe ofereceu ajuda para montar. Ela fungou
e assentiu, virando as suas costas para ele, para posicionar
uma bota no estribo.
Ele se aproximou. Olhou para a pele nua entre sua gola e
cabelo. Aspirou a rosas e a sua mulher. Seu corpo reagiu
previsivelmente. Mas ele ignorou, segurando a cintura dela e
a erguendo facilmente sobre a sela.
Ela arrumou suas saias e recolheu seu chicote.
― Obrigada, Jonas.
A resposta dele foi montar em seu cavalo e seguir ao
norte, sabendo que ela o seguiria.
― Não consigo entender porque recusa a minha ajuda.
― Porque eu quero que fique no castelo.
― Você diz bastante isso, mas é tolice. ― Eles seguiram
em silêncio enquanto passavam pelo White Swan e
continuavam ao longo das pequenas ruas de Alnwick. ― Joga
xadrez?
Ele franziu a testa.
― O que isso tem a ver?
― Eu jogo xadrez. Sou uma jogadora excelente.
― Parabéns.
― Phineas e eu jogamos todas as tardes. Ele é o único
oponente que me derrota constantemente. Ele é brilhante.
Mas não se engane, eu sou muito, muito boa.
― Fascinante. Gosto de desenhar. ― Talvez ele estivesse
sendo grosseiro. Mas, ao diabo, ela desafiava suas ordens
expressas toda hora. Além do mais, ela era uma distração à
sua perseguição a trilha do ladrão ― e ele precisava terminar
o seu trabalho.
Ele tinha uma esposa agora. Ela queria bebês. Ele não
podia falhar. Aqueles três pensamentos o impulsionavam com
uma força urgente.
― Xadrez exige a antecipação dos movimentos e contra
movimentos do oponente. Planejar. Administrar. Criar
armadilhas. ― Ela prosseguiu, ignorando o sarcasmo dele. ―
Todas as habilidades que, ouso dizer, podem ser uteis para
perseguir um ladrão. ― Ela fungou. ― Se não estiver cego pela
teimosia, é isso.
Ele tentou afastar sua frustração e focar na poeira da
estrada que levava a Grimsgate.
― Estranho. Pensei que gostasse mais de mim vendado,
princesa.
Isso lhe deu vários metros de silêncio. Ela não falou
novamente até ele apontar um pequeno caminho através de
um conjunto de árvores e mencionou que eles deveriam dar
água aos cavalos. E depois, tudo o que ela disse foi um “muito
bem.”
Ele era um desastre como marido. Sabia disso. Ela
claramente sabia. E, se ele não encontrasse o baú de Lady
Wallingham, viveriam em quartos de aluguéis em Londres e
ele voltaria a Bow Street, perseguindo ladrões pequenos por
ninharia.
Ela queria ajudá-lo, mas ele precisava focar em sua
tarefa. No momento, isso era tudo o que importava. Terminar
o trabalho. Receber a recompensa.
Ele a levou a um ponto com sombras perto do pequeno
riacho. Ele havia parado ali quando viajou a Grimsgate. Eu
um local adorável e pacífico. O riacho serpenteava em meio a
um bosque de salgueiros e, enquanto o sol da tarde deslizava
seus dedos sobre as folhas, a luz brincava sobre os seus
cabelos pretos, pele branca e no pequeno chapéu vermelho.
Sua respiração ficou presa em seu peito, as mãos
apertaram as rédeas.
Linda. A coisa mais linda que ele já vira.
Ele se forçou a desmontar, levando o cavalo para a
margem antes de se virar para ajudá-la a descer. Mas ela já
havia desmontado sozinha. Agora, enquanto o cavalo bebia
água, ela olhava para cima da copa do salgueiro e fechou os
olhos.
Suas mãos enluvadas estavam dobradas sobre a cintura.
Sua garganta esticada como a de um cisne. Seus ombros
eram magros. Graciosos.
Ele conhecia cada linha de cor.
― Eu amo a forma que o vento sopra. ― Ela disse.
Música tocada em sussurros.
Ele virou de costas, precisando de distância. Precisando
parar de desejá-la tanto.
― Você se arrepende de nosso casamento, Jonas?
Suas entranhas se apertaram. Ficaram geladas.
― Você se arrepende?
Uma pausa.
― Não. Embora eu desejasse que você me deixasse ajudá-
lo em sua investigação.
Ele soltou um meio sorriso. Removeu seu chapéu e
deslizou uma mão entre os cabelos.
― Tive essa impressão.
― Permitiu que Dunston lhe ajudasse.
― Ele me seguiu. Não foi minha escolha. Parece ser um
padrão comum ultimamente.
Ela ficou em silêncio por um momento.
― Você parece... descontente comigo.
Ele inclinou a cabeça e esfregou a nuca.
― Eu devo terminar esta tarefa. Se ficar onde é seu lugar,
tudo ficará bem.
― Mas eu desejo lhe fazer feliz.
Ele fechou os olhos bem apertados. A aba de seu chapéu
bateu nos pulsos. Ele ouviu um farfalhar, um sussurrou de
veludo. Aspirou rosas e uma insinuação de chuva.
― Diga-me o que estou fazendo de errado. ― Ela falou. ―
Eu não deveria ter lhe pedido...esta manhã? Pensei que, por
estar... tão duro... facilitaria se eu...
― Pare. ― Se ele pensasse sobra aquela manhã, ele iria
levantar as saias dela e fodê-la contra a árvore. ― Nada está
errado. Apenas vamos voltar ao castelo.
― Eu quis tê-lo em minha boca. ― Ela sussurrou a sua
confissão. ― Preferiria isso?
― Maldito inferno. ― Ele sentiu a aproximação dela.
Quente. Suave.
― Eu aprendo rápido, Jonas. Verá. ― A mão dela, leve
com uma borboleta, tocou seu braço. Acariciou seu pulso. ―
Diga-me o que mais lhe agrada e eu procurarei dominar isso.
― Ao diabo, mulher. ― Ele grunhiu, afastando o braço. ―
Você é a minha esposa, não a minha prostituta.
Ele soube no momento que ele disse, arrepender-se-ia da
falta de controle para sempre. Ele a sentiu se afastar,
observou sua sombra ficar imóvel ao seu lado. Sufocando com
as suas próprias palavras imperdoáveis, ele não conseguiu
olhar para ela. Não quis ver a dor ali.
Agachando-se, ele atirou o chapéu para o outro lado da
clareira com um estalo violento. Ele caiu na água. Flutuou rio
abaixo. Com as duas mãos, ele alisou o cabelo, as pontas dos
dedos enfiadas em seu couro cabeludo.
― Deus, Hannah. ― Ele respirou fundo. Cobriu o rosto.
Exalou forte em suas mãos. ― Sinto muitíssimo.
― P-Por que disse tais coisas para mim?
― Porque eu sou um idiota. ― Ele abaixou as mãos.
Apoiou os cotovelos sobre os joelhos. ― Um idiota frustrado,
idiota e louco.
― Frustrado. Por minha causa?
Ele quis negar. Mas ele não usaria mais máscaras. Nem
mesmo para poupar os sentimentos dela.
― Sim.
― Não compreendo. O que eu fiz além de tentar ser uma
boa esposa para você?
Ele se levantou. Virou-se. Encarou a mulher que ele
casara, mas não poderia ter.
― Você mentiu para mim. ― Ele disse suavemente.
Um vinco de confusão apareceu.
― Eu não faria...Eu não fiz...
― Você disse que me contaria tudo assim que
estivéssemos casados. Você não me disse nada. Não me deu
nada. Principalmente você mesma.
A confusão se aprofundou, os olhos dela vasculhando ao
redor dele em vez de ficarem parados. Sua boca abriu.
Balançou a cabeça.
― Nós... Nós fizemos...
― Aye. Nós fizemos. Mas não tive permissão de olhar seu
corpo. Ou tocar a sua pele. Ou ver seus olhos quando gozou
para mim... Cada vez que tentei me aproximar de seus
limites, você me impede. Isso não é fazer amor. É procriação.
Nós não devemos ter limites entre nós, Hannah. E você nem
ao menos me diz porque eles existem.
Ela ficou mais pálida. Engoliu em seco. O encarou como
se ele tivesse queimado a casa dela até o chão.
― Não estou pronta para lhe contar.
― Você não confia em mim.
― Eu confio. Realmente confio.
― Então me conte a verdade.
Ela parecia arrasada.
― Você me odiará. Eu odiarei que você saiba. Que me
verá de forma diferente.
Ele não lhe deu uma resposta porque ele não sabia o que
ela escondia.
Uma brisa soprou. A mão dela pousou sobre o ventre.
Ela estremeceu. Respirou ofegantemente.
― Está certo. ― Ela finalmente sussurrou. ― Eu lhe
contarei.
Ele ficou imóvel. Forçou seus músculos a não se dirigir
até ela.
Ela entrelaçou as mãos. Os ombros tremeram.
― Eu... Eu estava com quatro ou cinco anos. Não tenho
certeza exata. Era inverno. Nós morávamos em Bath, minha
mãe e eu. Papai estava doente. Ele me trazia uma boneca
cada vez que visitava. Eu tinha dúzias quando ele... ― A boca
dela tremeu com um pequeno sorriso pesaroso. ― Ele era
bondoso. Os olhos dele eram iguais ao meu. ― Ela engoliu em
seco. ― Mamãe frequentemente me levava ao parque na parte
alta da colina e depois à confeitaria. Ela fez isso no dia em
que morreu.
O frio começou na parte de baixo de sua coluna. Subiu
enquanto ela falava. Mas ele se disciplinara para manter-se
imóvel. Escutar.
― Nós estávamos voltando para a loja. Havia gelo nos
degraus. Eu pensei que tudo havia sido congelado pelas
fadas. Brilhava e... ― Ela balançou a cabeça. Olhou para as
mãos. Um estremecimento de dor cruzou o rosto dela. ― O
pescoço dela foi quebrado, acho. Os olhos dela estavam
abertos. Ela estava tentando me pegar quando ela caiu.
O frio mergulhou mais fundo. Mais fundo e mais fundo.
― E-ele a empurrou. Eu desci a colina primeiro. Uma
fada cavalgando um cavalo, imaginei. Eu estava lá, no fundo,
quando ela pousou.
Maldito inferno.
― Ele me pegou.
― Quem?
Ela balançou a cabeça.
― Eu não gosto de dizer o nome dele.
O frio estava se agitando agora. Crescendo. Queimando.
― Por favor, diga-me.
― Ele disse que era para salvar a minha vida.
― Quem, Hannah?
Fechando os olhos bem apertados, ela soltou um
pequeno suspiro. As mãos dela formaram garras sobre seu
ventre. Então, ela abriu os olhos.
E doce Cristo, ele desejava que ela não tivesse feito.
― O nome dele era Horatio Syder.
― Não. Ah, Deus. Não. ― Alguma coisa foi esmagada
dentro de seu peito. Agarrou-se a seus ossos. O queimou vivo.
― Ele me levou...
― Não.
― Ele me machucou...
― Não! ― Seu rosnado machucou seus próprios ouvidos.
Ele estava morrendo. Ele não conseguia suportar isso.
― Manteve-me. Por um tempo muito longo.
A tutelada. Ela era a tutelada de quem Dunston lhe
falara. Uma garotinha delicada de olhos pálidos nas mãos de
um açougueiro.
― Eu sobrevivi, Jonas. Estou aqui e ele se foi.
Ele precisava se mover. Começou a andar em círculos na
clareira enquanto visões de como o monstro deve tê-la
machucado o perfuravam profundamente, rasgando-o. Ruídos
estranhos e guturais ressoavam em seu peito.
― Jonas. ― Ela se aventurou a se aproximar, cuidadosa e
levemente. ― Eu- Eu devo lhe contar tudo.
Ele balançou a cabeça. Pressionou as palmas nas
têmporas, precisando parar as visões.
― Você deve saber e eu não posso fazer isso uma
segunda vez.
Apoiando-se em uma árvore, ele bateu no tronco com seu
pulso. Uma vez. Duas. Novamente.
― Por favor. ― Ela parou mais perto, agora. Neve caindo e
rosas. ― Ouça.
A mão dele sangrava. Caíram a seus flancos. A cabeça
pendeu para frente. Ele não conseguia pegar ar o bastante.
― Não era a dor. ― Ela murmurou. ― Todos presumem
isso. Eles acreditam que as surras e os cortes eram a piores
coisas. Mas não é verdade.
Surras e cortes. O açougueiro colocara uma faca na ele
macia e branca dela. Jonas bateu seu punho na árvore mais
vezes, balançando galhos e cortando a pele.
Ela prosseguiu calmamente, como se suas entranhas
não estivessem em pedaços.
― Ele me amava. Essa era a pior parte. Ele era maluco,
claro, e seu amor era... Retorcido, de alguma forma.
Obsessivo. Para ele, eu era a sua amada filha. Suas punições
eram instrutivas. Para proteger. Ele exigia que eu o chamasse
de papai. Após um tempo, ele até mesmo se convenceu de que
ele e minha mãe foram... apaixonados. ― Sua voz tornou-se
um fio. ― Ele contratou tutores e governantas para cuidarem
de mim. Ele me mantinha escondida de alguém que ordenou
a minha morte. Ele me ensinou a jogar xadrez.
Ele apoiou a testa no braço e lutou para respirar.
― Deus todo poderoso, amor.
― De alguma forma, ele brincava de pai comigo, acredito.
Eu aprendi bastante coisa com ele. Ele estava construindo
um império, vê. Ele desejava dividir comigo uma vez que
lidasse com Lady Holstoke . As lições dele eram... bem
completas.
― Quanto tempo? ― Sua pergunta caiu como uma pedra
de moinho dentro de seu peito.
― Dez anos.
― Não havia ninguém...
― Não. Todos que tentaram me ajudar foram mortos. Ou
pior. Uma governanta, a Sra. Lisle, interveio uma vez. Ela o
impediu. Agarrou a bengala dele quando ele estava... ―
Hannah balançou a cabeça. ― A Sra. Lisle foi embora na
manhã seguinte. Ele me deu as mãos dela de presente.
Estava prestes a vomitar. Ele sentia a bile subir. Ofegou
e engoliu. O suor brotou em seu pescoço.
― Ele acreditava que estava certo. ― Ela continuou,
balançando-se perto dele, seu vestido vermelho e sua pele
muito branca. ― A forma como ele me olhava. ― Ela respirou
irregularmente. ― Era...possessivo. O amor transformado em
uma febre obscura. E, em minha cabeça, essas coisas estão
emaranhadas.
― Isso não é amor. É demoníaco. ― Ele esfregou os dedos
sobre os olhos. ― Deus, é tudo menos amor.
― Eu sei. Mesmo na época, eu sabia. Porque o amor do
meu pai era gentil. Ele nunca me machucou. Mas Syder
afastou tudo de mim até que tudo o que eu tinha era... ele.
Apenas ele, o amor dele e a dor.
― Ele... ― Maldito inferno, ele tinha pavor de perguntar.
Precisava saber. Não queria saber. Jonas vira muitas coisas
durante seus anos de investigação nos corredores sombrios
de Londres. Meninas eram tratadas não muito melhor do que
animais ― às vezes até pior. ― Ele lhe tocou...como um
homem toca uma mulher?
Um vinco de confusão enrugou sua testa.
― Não. Dunston me fez pergunta similar há muitos anos.
Nunca foi... Syder não me olhava assim. Minha sensação é de
que ele tinha esses sentimentos por Lady Holstoke .
― Lydia Brand.
― Sim. Ela me queria morta. Ele me alertou sobre ela
várias e várias vezes. Deu-me um retrato em miniatura dela,
assim eu a reconheceria, se ele alguma vez me encontrasse.
Ele até mesmo me ensinou a usar uma pistola. Ele às vezes
falava dela com medo e com um desejo peculiar.
Ele cedeu contra a árvore com uma onda de alívio. Sua
esposa era virgem ao se casar. Ele sabia. Mas havia muitas
coisas que um açougueiro desgraçado pudesse fazer com uma
garota sem tomar sua virgindade.
As coisas que ela contara já lhe diziam que havia danos
suficientes.
― Então, quando me pediu para cobrir os meus olhos,
é...
― Não é nossa intimidade que me deixa mal. Eu... Adoro
tocá-lo, Jonas. Beijá-lo. O prazer disso é ― Ela respirou
irregularmente ― transcendental.
Mais alívio surgiu, afastando parte daquele frio que
queimava.
― Quando olha para mim, posso ver o seu coração. ― Ela
olhava para as suas mãos retorcidas. ― Queima-me viva.
A implicação o deixou mal.
― Não me diga que eu lhe recordo a ele.
Olhos pálidos finalmente se ergueram para encontrar os
dele.
― O amor me recorda a ele. Amor. Mesmo o afeto do meu
irmão é difícil de suportar. Phineas sempre foi cuidadoso
comigo. Ultimamente tenho lhe pedido para dispensar essa
precaução.
― Por quê?
― Pelo mesmo motivo pelo qual me casei com você. ―
Após um momento de hesitação, ela se aproximou dele. As
mãos pairavam levantadas. Posaram suavemente sobre o
peito dele. ― Se eu não suportar ser amada completamente,
então serei uma prisioneira de Syder para sempre.
Desta vez, foi ele quem estremeceu. Tremeu.
― Preciso abraçá-la.
Ela deslizou para dentro dos braços dele. Deitou a
cabeça sobre seu peito. Envolveu seus braços ao redor da
cintura dele. Suspirou.
― Nada a machucará novamente. ― Ele prometeu. ― Eu
matarei qualquer um que tentar. Eu queria ter matado o
homem que lhe fez isso. De novo e de novo. Todos os dias
pelos próximos milhares de anos.
Ela assentiu contra ele. Aconchegou-se em seus braços.
Respirou sobre seu casaco velho.
― Eu sobrevivi. ― Ela repetiu. ― Estou aqui. Ele se foi.
Mas o dano permanecia. Ela não tinha que dizer. Ele
sabia. Sua frieza não fora frieza, mas armadura. Ela não o
rejeitara por desdém, mas por medo.
― Deixe-me levá-la de volta a Grimsgate. ― Ele falou,
precisando cercá-la com paredes de pedras e aliados
protetores.
― Antes, deve me abraçar apropriadamente.
― Eu estou.
― Não. Está me tratando como papel molhado.
Ele piscou. Percebeu que ela estava certa. A mão que ele
usou para golpear a árvore latejava, mas não era esse o
motivo pelo qual suas palmas pairavam ao longo das costas
dela, levemente acariciando o veludo vermelho. A raiva da
última hora rugiu dentro dele, sacudindo a sua jaula como
uma besta enlouquecida.
― Abrace-me mais forte, Jonas.
― Não consigo.
― Toque-me.
Seus pulmões ardiam enquanto ele tentava respirar.
Tentou controlar sua raiva, acalmar seu coração, relaxar seus
músculos.
― Por favor. ― Suas mãos arranharam seu casaco. ― Por
favor, não faça isso.
― Devemos ir. Escurecerá e breve
― Jonas.
Lenta e gentilmente, ele se afastou. As mãos dela
agarraram a seu casaco. Os olhos permaneciam sobre o seu
rosto, embora ele mantivesse o olhar abaixado.
― Deixe-me levá-la a um local onde ficará em segurança.
Os braços dela se afastaram. Ela ficou em silêncio.
E pelo resto da viagem até o castelo, nenhuma palavra
foi trocada entre eles. Apenas o som do vento e dos cavalos. O
cheiro forte do mar. E o sol se pondo atrás das distantes
colinas de Northumberland.
CAPÍTULO 13

“Cada sala parece vazia sem você.”

Dorothea Bainbridge, Condessa de Bainbridge, para Malcolm


Charles Bainbridge, Conde de Bainbridge, em uma carta
escrita à meia-noite, à luz da lua.

Muito depois da meia-noite chegar e passar, o sono


vagava como um barco perdido fora do alcance de Hannah.
Ela esperou Jonas dizer alguma coisa. Pegá-la em seus
braços. Beijá-la. Em vez disso, ele tirou a calça e a
aconselhou a dormir, já que ele tivera um dia difícil.
Ela não dormiu, claro. As lembranças agitadas após a
conversa deles havia incomodado a princípio. Mas elas eram
teias de aranhas esquecidas. Ela as varria há anos.
Esse sentimento ― a sua raiva diante da reação de Jonas
― era um arbusto espinhoso ao qual não antecipara.
Ferramentas mais novas e afiadas seriam necessárias.
Assim, tão logo percebeu que ele estava dormindo, ela
pôs seu roupão e saiu do quarto. O corredor estava iluminado
de azul por causa da luz da lua que atravessava a janela. Ela
deslizou os dedos levemente ao longo do vidro enquanto
vagava por sua extensão.
Agora, fazia o mesmo com a janela da sala de estar. As
soleiras estavam esfumaçadas pela luz noturna. Ela gostava
da sala desse jeito. Vazia. Quieta. Escura.
Á distância, ela ouviu umas batidas. Não rítmicas, mas
erráticas. Quase brincalhonas. Começou fraca e ganhou a
companhia de uma fungada. Logo, uma língua quente e
úmida acariciou a sua mão e um gemido baixo soou. Ela
sorriu.
― Boa noite, Humphrey. ― Ela acariciou a cabeça macia
e brincou com suas orelhas. ― Deveria estar dormindo.
Garoto bobo.
Ele se sentou e se inclinou sobre ela, seu peso sólido era
um conforto.
― Humph. Aí está você. ― Disse Lady Wallingham das
sombras perto do vão da porta. ― Deveria saber. Como a
maioria dos homens, nunca perde uma oportunidade de ser
acariciado.
A mulher idosa segurava uma xícara de chá e usava um
roupão branco com um gorro de renda. Seu cabelo branco
recebeu um brilho azul ao caminhar até eles.
― Está tarde, minha senhora. ― Hannah disse em voz
baixa. ― Problemas para dormir?
A senhora sentou-se em sua cadeira favorita, perto da
lareira e depois tomou um gole de chá antes de responder.
― Uma consequência da idade, receio. Imagino que o
funcionamento do relógio falhe tão rápido quanto o resto. A
natureza não poupa ninguém. ― A senhora idosa fungou e
apontou para o peito de Hannah. ― E nenhuma parte.
Considere-se avisada.
Os lábios de Hannah curvaram-se.
― Posso sentar-me com você?
― Humm. ― A viúva acenou com seu dedo autoritário em
direção à cadeira mais próxima.
Humphrey a seguiu e deitou aos seus pés ― ou, mais
precisamente, sobre seus pés.
― O que faz vagando por este castelo velho a estas horas,
querida garota? Deveria estar lá em cima apreciando os
benefícios de um marido competente.
Suspirando, Hannah balançou a cabeça e depois a
deixou cair contra o braço do sofá. Talvez fosse a escuridão. A
quietude. O fato de que estavam as duas de roupões. Ou
talvez seu desespero simplesmente quisesse saiu. Mas sua
confissão escapou antes de ela poder impedir.
― Temo ter muito que aprender para me transformar em
uma esposa competente.
― Céus, garota. ― A xícara de Lady Wallingham tilintou.
― Tentou levá-lo para a cama?
Hannah estava acostumada com a franqueza ― Eugenia
era sua melhor amiga, afinal. Então, em vez de achar
ofensiva, ela pensou na ideia.
― Sim.
― E?
Hannah encontrou os olhos da idosa, que brilhavam
intensamente à luz da lua.
― Acredito que ele ficou insatisfeito.
Enrugou a testa.
― Terminou o ato?
Hannah assentiu, grata pela escuridão.
― Então não há chance de ele ter ficado insatisfeito. ―
Ela bebeu o chá e devolveu a xícara ao pires enquanto como
se discutisse tais assuntos íntimos todos os dias. ― Homens
são criaturas simples.
― Nosso casamento não é uma coisa simples, minha
senhora. Como eu desejava que fosse.
― Tolices.
― Sou danificada. Tenho cicatrizes.
A senhora bufou.
― E supõe que ele não?
Hannah piscou. Sentiu-se estranhamente entorpecida.
Depois machucou-se com a inundação de dor ao perceber que
imaginara exatamente aquilo. De fato, ela não tinha
contemplado as cicatrizes de Jonas. Estivera muito
preocupada com as dela.
― O homem foi á guerra quando tinha dezesseis anos.
― E-ele foi?
― Quanto sabe sobre o seu marido?
Aparentemente, não tanto quanto achava.
― Eu não sabia dessa parte.
― Sim, bem. Eu tenho excelentes fontes. Quando se
contrata um homem de Bow Street, deve ser bem aconselhada
para inspecionar a mercadoria, como foi feito.
― Dezesseis. Um garoto, na verdade.
― Humph. Duvido que ela já tenha sido um garoto. Muito
esperto. Ele perceberia rapidamente qual a direção que o rio
corria em sua vida.
Ela deveria lhe perguntar sobre a infância dele. Agora
que ela pensava sobre isso, devia fazer muitas perguntas.
― Não, o que você sente no Sr. Hawthorn não é
insatisfação, minha querida. É solidão.
A flecha da viúva, direta e no alvo. Perfurou o coração de
Hannah entre uma respiração e outra. Solidão. Oh, céus. Ela
deveria ter visto, deveria ter reconhecido a mesma dor que ela
frequentemente sentia. Como ela falhara nisso?
― O remédio para tal condição é igual ao remédio para
insatisfação. Com uma diferença crucial.
―Sim?
― Deitar-se com ele continua essencial, claro. Como eu
disse, criaturas simples. ― Ela gesticulou em direção a
Humphrey, que começara a roncar. ― Bem parecido com
sabujos. Mantenha-o bem alimentado e garanta que ele
entenda que é do interesse dele agradá-la e tudo ficará bem.
― Ela ergueu um dedo. ― Você, entretanto, não se casou com
um sabujo.
Hannah franziu a testa em confusão.
― Não, eu...
― Casou-se com um lobo. Lobos não são domesticados
da mesma forma que os sabujos. Eles exigem cuidado ao
lidar. Os solitários ainda mais.
― Solitário. ― Hannah soltou o ar. Doeu por dentro ao
considerar sua resistência à amizade, sua deliberada forma
de mascarar o seu verdadeiro caráter. ― Sim. Precisamente.
O que devo fazer?
― Atraia-o para um compromisso.
― Nós somos casados. Nosso compromisso é
permanente.
― Não, moça. Você tem o nome dele. Mas isso é
meramente uma coleira, pois o instinto dele o força a escapar
de empecilhos. Torne-se essencial a ele. Primeiro, ofereça um
prêmio que ele não possa obter em outro lugar. Uma quase
nudez e um ótimo começo.
Hannah levantou as sobrancelhas.
― Quase?
― De verdade. Vista algo provocativo e fácil de descartar.
Homens apreciam ter uma pequena tarefa antes de pegarem o
prêmio deles.
― Não tenho certeza, eu...
― Após aumentar a confiança dele diante de suas ofertas,
deve ganhar a confiança e guardá-la ferozmente. Um lobo não
é fácil de ganhar como um sabujo, mas sua lealdade, uma vez
que seja sua, o prenderá ao seu lado com mais certeza do que
qualquer corda.
A confiança é o solo. O amor é o florescimento. As palavras
de Eugenia ecoaram em sua cabeça, recordando-a que, de
fato, a verdade devia ser cultivada. Hannah não sabia como
ela poderia construir a confiança entre eles. Ajudá-lo com as
investigações? Além do mais, ele resistia às suas propostas
nesta área, mas ela deveria persuadi-lo a aceitar a sua ajuda
se ela quisesse passas mais tempo na companhia dele. Não
era como se eles tivesse jogando bastante badminton com os
convidados de Lady Wallingham. Jonas se irritava com tais
frivolidades.
Hannah hesitou, olhando para a senhora à sua frente.
― Minha senhora, vejo sabedoria em seu conselho.
― Claro que vê.
― Mas as minhas próprias dificuldades resultam em uma
grande tensão entre nós.
― Então, o que está fazendo aqui?
Hannah franziu o cenho. Ela já não explicara? A tensão
não a deixava dormir.
― Humph. Deveria estar lá em cima, moça. Ficar quase
nua é totalmente ineficaz sem proximidade.
A nudez era o problema, ela não queria que ele visse o
que o passado fizera com ela. Ela odiava só de pensar na pena
por parte dele.
― Oh, pare com suspiros trágicos. O diabo já se
apresentou a você e sobreviveu para contar a história da
morte dele. Seduzir o seu marido requer uma pequena fração
de coragem que você já provou possuir. ― A idosa inclinou-se
para a frente em sua cadeira, lançando-lhe um olhar de
comando. ― Suba. Ofereça-se a ele. Não aceite uma negativa,
assim como não aceitou a derrota nas mãos do demônio. ― A
voz dela ficou mais baixa e ressonante no escuro. ― Se quiser
o seu lobo, torne-o seu.
Essa ideia ― de seduzir Jonas, permitir que ele a visse ―
era aterrorizante. Mas Lady Wallingham estava certa. Hannah
devia ser forte. Não devia permitir que o medo triunfasse. Ela
já chegara longe. Antes de perder a coragem, ela se pôs de pé,
passou cuidadosamente por cima de Humphrey e começou a
sair da sala. Assim que chegou à porta, um estranho
pressentimento a fez parar. Ela olhou para trás.
A mulher a quem todos chamavam de dragão estava
sentada em sua cadeira, branca e pequena, enrugada e frágil.
Ela olhava distraidamente pela janela, olhos verdes
iluminados pelo azul do luar Sozinha. Muito sozinha.
― Vá agora, moça. ― O dragão disse suavemente. ― Você
tem coisas melhores para fazer do que acompanhar uma
velha senhora.
Alguma coisa dentro de Hannah quis ficar, perguntar
como ela sabia tanto sobre um homem como Jonas ― como
ela sabia que a dor dele era solidão. Mas ela sentiu o desejo
da viúva em ficar na solidão, assim ela simplesmente lhe
agradeceu e deixou seu boa noite antes de apressar a voltar
para o corredor.
Dessa vez, seus pés mal tocavam nas pedras enquanto
ela corria em direção à grande escadaria. O coração dela
acelerou. Sua respiração vinha curta e rápida. O calor a
atravessou, misturando-se a trepidação.
Enquanto avançava pelo corredor, começou a soltar o
cabelo. Ao chegar à porta do quarto deles, ela começou a
desamarrar seu roupão. Quando fechou a porta, começou a
desfazer o nó em seu ventre ― aquele que temia a reação dele.
A luz da lua atravessava a janela, pousando nas costas
nuas dele. Os músculos pareciam mais profundos com as
sombras. Mas fortes.
Rapidamente ela foi a sala de vestir-se e abriu seu baú.
Jogando sedas, linhos e musselinas de lado, alcançou a roupa
que buscava. Um penhoar. Seda prateada com renda branca.
Tremendo, ela descartou o roupão, chinelos, vestido e
camisa. Fechou os olhos. Respirou. Recordou o que Lady
Wallingham lhe dissera.
Então, deslizou seu penhoar sobre o corpo, deixando que
ele escorregasse por seus quadris e coxas. Quase um
sussurrou ele acariciava sua pele tão bem quanto as mãos
dele.
Como ela ansiava pelas mãos dele. Por ele.
Entrando no quarto, ela lentamente se dirigiu até a
cama. Suas respirações eram ritmadas, a pele empalidecida
pela lua. Ele se deitava de bruços, a cabeça virada em direção
à mesa de cabeceira, longe da janela.
Ela se recordou de observá-lo quando ele estivera ferido e
com febre. Então, ela só ousara tocá-lo enquanto ele estivesse
dormindo. Ela achava o corpo dele fascinante. Lindo. El lutou
para refrescar sua febre, diminuir sua dor.
O seu coração quase morreu diante do pensamento de
que ele não sobreviveria.
Agora ela o tinha. Ali. Perto. Em sua cama. Mas ela devia
torná-lo dela. E, para isso, deveria ser forte.
Ela respirou e sentou-se na cama, seu quadril ao lado
dele. Ela traçou as linhas de sua bonita boca. Ela se abaixou
e beijou suas sobrancelhas negras e sua mandíbula
quadrada. Correu a mão ao longo dos ombros, acariciando a
pele, músculos e ossos.
Foi quando ela as sentiu: as cicatrizes. Pequenas. Quase
imperceptíveis. Exceto que elas não eram das flechadas.
Havia dúzias de pequenas rugas e linhas. Imediatamente ela
abriu suas mãos sobre ele, explorando as costas do seu
marido como nunca havia feito antes. Depois, incapaz de
evitar, as beijou. Cada uma. As acariciou com suas mãos. O
tocou com uma nova percepção.
Ele fora ferido. Muito tempo atrás, ele fora ferido. E
aquelas cicatrizes eram agora parte dele.
Ele grunhiu. Afundou os quadris nos cobertores.
Suspirou e virou a cabeça.
― Hannah? ― A voz dele saiu mais rouca por causa do
sono. ― O que está fazendo, amor?
Ela sorriu delicadamente.
― Tocando-o.
Ele passou a mão no rosto.
― Você deveria estar dormindo.
― Não conseguirei dormir até que me veja.
Ele piscou. Virou de lado. Empurrou-se para sentar na
cama. Olhos prateados pousaram em seus seios e se
arregalaram.
― Maldito inferno, mulher.
Ela se levantou. Soltou um suspiro irregular.
― Eu devo mostrar-lhe agora. Tenho medo, mas o que eu
temo é que isso fique entre mim e o que eu mais desejo. ― Ela
começou a subir sua saia, puxando seda e renda acima dos
joelhos. ― Que o medo tenha a sua última vitória sobre mim.
Ela subiu o penhoar até as coxas. Engoliu em seco.
Deixou o véu do medo passar por ele, uma onda que quase
roubou seu ar. Então, ela ergueu o queixo, prendeu seus
olhos nos dele e subiu a roupa até a cintura.
Ele estendeu as mãos enquanto olhos cinzentos e duros
queimavam sobre sua pele. Tremendo, as pontas dos dedos
levemente roçaram as cicatrizes finas e brancas que iam de
seus joelhos até os seus quadris. Um músculo flexionou e
tremeu em sua mandíbula. Ele engoliu em seco e aqueceu
sua pele com a palma da mão. Um grunhido profundo e
agoniado soou em seu peito.
Como se ele tivesse sido aquele que fora cortado.
Ela puxou o penhoar por cima dos ombros e o tirou.
E ficou nua para ele.
Com o peito arfando com respirações pesadas, ele ficou
de pé. Rodeou seu corpo. Ele olhou para a parte mais baixa
da sua coluna. Suas nádegas. Suas coxas. Ela sentiu os olhos
dele sobre ela. Sentiu a dor dele enquanto ele traçava suas
cicatrizes antigas e salientes com os dedos. Depois, sua testa
pousou sobre o ombro dela, sua respiração quente e cabelo
frio tocando o seu pescoço.
Sons opressivos e angustiados emergiram da garganta
dele ― os sons de um animal gravemente ferido.
Ela se virou em seus braços. Precisava abraçá-lo.
Deslizar os seus braços ao redor dele e puxá-lo até ela, pele
contra pele.
― Acabou. ― Ela sussurrou contra o pescoço dele,
beijando seu queixo e acariciando seu cabelo. ― Acabou
agora. Ele nunca mais poderá me machucar.
Os braços de Jonas apertaram a sua cintura. A agarrou
com força contra ele.
― Quero que me toque. ― Ela murmurou, acariciando,
acariciando e acariciando o pescoço, rosto e ombro dele. ― Eu
o quero dentro de mim.
― Deus, Hannah. ― Suas mãos subiram para passar no
cabelo dela. Ele pegou suas mechas e levou ao rosto. Cheirou-
as.
― Você... Você me quer? ― Ela estava com pavor de
perguntar. Com pavor da resposta dele. ― Você ainda me
quer?
― Sim. ― Ele murmurou, os lábios encontrando sua
bochecha, sua testa. Ele segurou o rosto dela e a beijou na
boca. ― Eu a quero tanto, que isso está me matando.
Seu suspiro foi quase como um soluço quando o alívio
quente a inundou e substituiu a tensão que ela estava
segurando.
A mão dele tremia enquanto acariciava seu cabelo.
― Eu faria qualquer coisa para poupá-la da dor, amor. Se
eu pudesse tomá-la...
― Minhas cicatrizes são parte de mim. Assim como as
suas são parte de você. ― Ela se encorajou e pegou o rosto
dele entre suas mãos. Depois, capturou o olhar e lhe deu a
verdade. ― Não sou frágil. Sou forte. Preciso acreditar nisso.
Eu preciso que faça amor comigo como se você soubesse
disso.
Os olhos dele faiscaram prateados. Ficaram brilhantes e
quentes. Ele separou os lábios como se soletrasse o nome
dela.
Depois, ela se levantou. Segurou os olhos dele nos dela.
O deitou e murmurou contra a boca dele.
― Possua-me. ― Ela deslizou as costas de seus dedos
sobre a bochecha dela. ― Faça-me sua, Jonas Bartholomew
Hawthorn. Sempre.
CAPÍTULO 14

“Minha capacidade de sedução não tem relação alguma com a


compra de novos vestidos. Apenas disse que vestidos novos
aumentam as chances de um marido encontrar a esposa de
bom humor. E uma esposa emprega as alavancas ao seu
dispor.”

Dorothea Bainbridge, Condessa de Bainbridge, para Malcolm


Charles Bainbridge, Conde de Bainbridge, em uma carta
explicando a necessidade relações sexuais e mesadas
generosas para manter a ordem doméstica.

Ela não vestia nada além da luz da lua. Curvas que ele
só vira cobertas por vestidos teciam um feitiço sinuoso. Fez
sua cabeça girar e seu pênis ficar mais duro do que as pedras
na Caverna de São Cuteberto. Mamilos que ele só tocara
através de tecido estavam duros também. Eles eram rosas.
Joias do tom mais de rosa mais escuro em doces e brancos
como a neve.
Ele a deitou na cama. Agora, estava ao lado dela,
satisfazendo o olhar.
Ele queira olhá-la para sempre. Mas havia muito que
tocar.
Deslizando a mão pelo cabelo, ele considerou suas
opções. Precisava manter o controle. Isso nunca fora um
problema antes dela, mas agora era um maldito problema.
Nada era mais bonito para ele do que a sua esposa. A
curva de sua cintura encaixada em seus quadris delgados.
Seu ventre liso, aveludado como um pêssego. Os cachos
negros entre suas coxas, um oásis para um homem sedento.
― Jonas? ― A neve caindo o inflamou. Fez seu coração
acelerar e seus músculos doerem.
Ele se afastou dela. Tentou respirar novamente contra a
necessidade eterna. De tomá-la. Dura e profundamente. Duro
e com força. Sem limites. Sem pausa.
O que ele precisava era de uma estratégia. Uma forma de
que ela o acompanharia em cada parte. Que ele não faria
nada para lhe causar medo e dor.
Ele se virou. Caminhou até ela.
Ela parecia confusa.
― Jonas?
― Eu vou descrever o que pretendo fazer. ― Ele absorveu
o choque de sua bela novamente. Por Deus, ela fazia sua
cabeça mergulhar. ― Antes de eu fazer isso.
― Oh.
Ele engoliu em seco e assentiu. Era uma boa ideia. Ela
não queria que ele a considerasse fraca, mas ele acabara de
despertar de um sono pesado para encarar a verdade horrível
e cruel que ela suportara. Ela simplesmente teria que aceitar
esse acordo.
Ela suspirou e se contorceu sobre o cobertor, levando o
corpo dele a uma febre.
― Muito bem. Se acha que deve.
― Devo.
― Devemos começar agora ou...?
― Sim. ― Ele encarava seus seios, perguntando-se qual o
gosto deles.
― Jonas.
Ele provavelmente deveria manter suas calças. Melhor
controlar dessa forma.
― Talvez devesse me beijar.
― Eu removerei minhas calças agora.
― Bom. Eu gostarei disso.
Se ela estava nua, ele deveria ficar nu. Fazia sentido. Ele
rapidamente as dispensou, pulando em um pé quando o
outro ficou preso.
Lábios como botão de rosa curvaram-se em um sorriso
malicioso. Os dedos dela moveram-se até sua boca.
― Aparentemente o seu desejo ficou inalterado.
Ele olhou para baixo antes de jogar a calça de lado.
― Aye.
― Isso me deixa muito feliz.
― Vou deitar ao seu lado agora.
Ela assentiu, movendo-se em direção ao centro da cama
para lhe dar espaço.
― Mudei de ideia.
Olhos de luar escureceram desapontados.
― M-mudou?
― Aye. ― Ele se ajoelhou. Eu irei pegar as suas pernas e
puxá-las em minha direção.
Ela piscou.
― Oh. Com que intenção?
― Assim eu posso prová-la.
Cílios grossos pestanejaram. Lábios macios se abriram.
― Oh!
Ele segurou os joelhos dela. Virou-a de lado e a puxou
para ele. A posicionou precisamente onde a queria, com o
traseiro na beira da cama e as pernas apoiadas em seus
ombros. Ele ficou feliz por estar de joelhos, pois o aroma dela
o deixou inebriado assim como uma garrafa de conhaque dos
Wallinghams. Rosas. Chuva. Tempestade marítima e uma
doce mulher.
Ele separou ainda mais as coxas dela. Apreciou a beleza
de sua mulher.
― Eu vou beijá-la aqui, amor. ― Ele deslizou um dedo por
dentro de suas coxas. Levemente. Apenas um leve roçar, de
fato. Ele usou a outra mão ― a mão que ainda estava ferida
por sua batalha com a árvore ― para mergulhar em suas
dobras, espalhando o mel que ele encontrou ali para o seu
centro de prazer. ― Então, mergulhou um dedo dentro de seu
centro encharcado. ― E aqui. ― Ele mergulhou outro dedo. ―
Eu vou experimentá-la e fazê-la gozar para mim.
Ela gemeu o nome dele. Sua vagina fechou-se ao redor
de seus dedos. Ondulando e exigindo mais.
Ele beijou na beira de uma de suas longas cicatrizes
antes. Branca e fina, começava na parte mais alta de sua
coxa e terminava em seu joelho. Depois, ele se moveu para o
interior da coxa, onde o demônio não se aventurara. Onde a
pele macia e branca era tão imaculada quanto a neve fresca.
Ele a beijou ali, saboreando água de rosas e sal. Saboreando
a sua mulher.
O oásis de cachos negros esperava, e ele lhe deu o que,
agora, implorava ― um toque mais profundo com seus dedos.
Ele os reposicionou para testar uma teoria. Reposicionou
novamente. Recebeu uma respiração ofegante.
― Oh, céus, Jonas. O que é... Isso é... Oh, céus.
E seu sorriso aumentou. Ele abaixou sua cabeça em
direção a ela. Agradou-lhe com firmes carícias de sua língua.
Levou-a cada vez mais alto. Usou cada maldita coisa que ele
aprendera para prolongar a pulsação de seu botão doce e
fazê-la gritar. Fazer Hannah entender o quão bonita ela era
para ele.
Ele lambeu e saboreou. Pressionou e golpeou.
E experimentou. Deus, como ele queria afogar-se nela.
Ela agarrou seu cabelo. Apertou seus dedos até eles
doerem. Arqueou as costas e cantou o nome dele.
Após ele levá-la ao ápice uma vez, decidiu fazer isso
novamente. Então, como prometera, ele retirou seus dedos e
os substituiu por sua língua. Forçou o corpo dela a aceitar o
prazer que ele estava dando como devido.
Ele não queria soltá-la. Ele não queria se afastar. Mas o
seu corpo estava fazendo demandas intensas.
No rastro do segundo clímax dela, ele a reposicionou
novamente, afundando quadris delgados dela na cama e
levantou-se.
― Eu sugarei os seus seios agora, Hannah.
― Jonas. ― Ela ofegou, os olhos brilhando, os braços
caídos moles e esparramados ao lado dos ombros. ― Eu...Eu
não sei se consigo...
― Você consegue. ― Ele lhe assegurou. ― Eu lhe
mostrarei.
Ele se deitou ao lado de sua esposa. Acariciou sua
bochecha e seu cabelo de meia-noite. Beijou a garganta e a
puxou para ele.
Ela ofegou ao sentir a enormidade de sua ereção.
― Oh, céus. Possua-me. Por favor. Você deve estar tão...
Deus, ela era macia. E os mamilos estavam duros.
― Eu irei tocá-la. ― Ele levou sua mão ao seio direito.
Apertou o mamilo e o puxou. Sentiu o ventre dela ondular.
Ouviu a voz de neve caindo excitada. Gemendo. Surpresa.
Sem entender quanto prazer ele podia lhe dar. Ele tomou a
boca dela na sua ― aveludada e madura como pêssegos.
Suas coxas se ergueram, as pernas envolveram os
quadris dele enquanto ela exigia.
Ele segurou os seios por baixo e os sugou. Puxou,
apertou, mordiscou e se deleitou. Então, ele moveu-se ao seio
esquerdo.
Este parecia lhe agradar ainda mais. Os dedos dela
aprofundaram-se em sua nuca. Puxaram seus cabelos. O fez
sorrir contra a pele dela. O terceiro clímax dela veio assim que
ele passou os dentes em suas pontas sensíveis.
Seus doces gritos de êxtase o acalmaram. Fez algo
caótico dentro dele se retesar. Ele diminuiu o auge dela com
beijos sobre sua doce boca. Acariciou a língua dela com a
sua.
― Eu vou fodê-la agora. ― Ele falou, todo seu controle se
fora. Ele não deveria usar tais palavras com ela. Mas sua
mente não estava falando. Era o seu corpo.
Ela assentiu, suas bochechas corando, os seios maduros
e inchados.
― Sim. ― Ela murmurou.
― Será fundo e rápido.
Ela gemeu. Arqueou o pescoço e fechou os olhos por um
breve momento. Quando os reabriu, estavam brilhantes. Eles
o devoravam.
― Sim. ― Ela grunhiu. Sim, sim. Sim.
Ele afastou ainda mais suas coxas. Puxou-a
completamente para baixo dele. E deslizou profundamente
para dentro de sua esposa, sem parar. Sem limites. Sem nada
entre eles além da luz da lua e luxúria.
Ela o agarrou com força ― sua vagina, braços, dedos.
Agarrou-se a ele rápido quando ele começou a impor seu
ritmo. Ele enterrou o rosto em seu pescoço. Beijou a pele dela
e aspirou rosas. Seus quadris agiam por conta própria,
golpeando cada vez mais rápido. Seu pênis estava dentro de
um forno sedoso e apertado. Ele queria explorar. Tudo estava
mais brilhante do que era. A pele dela. Os olhos. O brilho
dentro de seu peito.
Ele não sabia de nada, não sentia nada além dela.
As pernas dela fechadas ao redor dele. Os braços
apertados e os lábios moveram-se por seu ouvido.
Depois ele ouviu. Seu nome.
Ele queria vê-la. Precisava disso.
Então ele olhou. Encontrou verdes pálidos.
Alguma coisa brilhava ali. Uma vibração. Algo único.
Ela cerrava os dentes. Pegou o rosto dele em suas mãos
com uma ferocidade que ele não sabia que ela possuía.
― Mantenha-me com você. ― Ela exigiu, suspirando e o
beijando. ― Fique aqui.
Ele não sabia o que ela queria dizer. Seu corpo
empurrava, levando-os a um precipício. Ela segurou a mão
dele. Levou-a a sua bochecha. Pegou o polegar em sua boca.
Sugou-o com força e mordiscou antes de soltá-lo.
― Mantenha-me com você. ― Ela repetiu.
― O que você precisa?
Ela levou a mão dele aos seios dela. Pegou o polegar e o
indicador e apertou seu próprio mamilo ― com muito mais
força do que ele faria. Ofegando, ela arqueou como se ele
estivesse lhe levando a outro pico. Ela estava quase lá, ele o
sentia chegar. Ondulando em torno dele. Mas quando ela
olhou dentro de seus olhos, era com desespero.
― Por favor. ― Ela soluçou. ― Mantenha-me aqui.
Ele lhe deu o que ela pedia e, em retorno, ela lhe deu a si
mesma. Mesmo quando ele golpeava dentro dela, sentia seu
próprio pico chegar à crista de uma onda rebelde, ela não
afastou o olhar.
Ela o prendeu. O tomou. Amou-o.
E o deixou amá-la.
Deixou que ele a penetrasse.
Dentro do luar, meia-noite, rosas e chuva. Dentro do
coração dela tão brilhante que ele se sentiu cego. Mas ele não
estava. Ele a via.
E, Deus, como ele a amava.
― Hannah. ― Ele falou, desesperado para ter mais. Ele
tocou a sua testa na dela. A manteve com ele.
Um olhar de encantamento quase dolorido cruzou o rosto
dela.
― Estou aqui, Jonas. ― Ela disse enquanto seu corpo
começava a ser tomado pelo clímax, a exigir que ele lhe desse
o seu em retorno. ― Oh, doce céu, estou aqui.
E quando o prazer surgiu e explodiu dentro dele, ele se
rendeu alegremente enquanto repetia a única coisa que ele
sabia ser verdade:
― Você é minha, amor. Apenas minha.

*~*~*

Ela acordou com a luz da lua e uma brisa sedosa


beijando seu corpo nu. Seus olhos abriram-se. Ela se esticou
na cama, o interior de suas coxas estavam doloridas e
protestavam. Recordar o prazer a fez sorrir.
Então ela o viu. Estava sentado perto da janela, ombros
nus pintados de prata, caderno de desenhos em mãos. Ele a
encarava. Inclinou sua cabeça.
― Você é malditamente maravilhosa, sabia disso?
O sorriso dela se aprofundou. Ela ficou sem ar.
― Está me desenhando, marido?
― Estou.
Ela engoliu em seco. Olhou para seus quadris e coxas.
Cicatrizes finas brilhavam brancas à luz da lua ― linhas,
linhas e linhas. Eventualmente espaçadas. Precisas. As
cicatrizes mais antigas eram mais longas, estendiam-se até
perto de seus joelhos em alguns lugares.
― O que você quis dizer quando me pediu para mantê-la
aqui?
A pergunta dele fez seu coração se retorcer. Ela
pestanejou. Cobriu a boca com as costas de seus dedos.
Depois seus olhos encontraram os dele.
― Não sei o porquê que isso acontece. ― Ela sussurrou.
Ele ficou sombrio. Intenso.
― O que acontece, amor?
― Alguma coisa me assusta e eu... Vou embora. Através
dos meus olhos, estou muito longe. Flutuando.
Frequentemente não consigo me lembrar... ― Ela não
conseguiu manter o olhar no dele por mais tempo, então
focou no ombro e depois na janela aberta. ― Não consigo me
lembrar de nada do tempo que estive ‘ausente’. Eu
simplesmente desapareço. Os episódios estão menos
frequentes do que já foram. Aprendi a lutar contra eles.
Sentimentos fortes ajudam. Mas, às vezes, eu temo partir e
nunca mais voltar.
― Após nosso beijo. Aquilo foi...
― Sim.
― Eu a amedrontei.
― Não. Você me completou. ― Ela suspirou. ― Nada disso
é sua culpa. Não sou normal, Jonas.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo. Finalmente,
em sua voz áspera, ele repetiu:
― Você é maravilhosa. Cada pedacinho. Por dentro e por
fora.
O coração dela inflou. Acelerou.
― Você me faz me sentir bonita.
― Apenas porque você é.
― Lembra-se do dia em que nos conhecemos na sala de
estar de Holstoke House?
Um sorriso sensual curvou os cantos da boca dele. Olhos
pratas queimaram uma trilha desde seus seios até os quadris.
― Eu podia ver o formato de seu corpo através do seu
vestido. Uma Rainha da Neve altiva cuja beleza me incendiou.
― Você não me deixaria me esconder. ― Ela murmurou.
― Eu tentei não lhe querer. Mas lá estava você, perto o
bastante para beijar. Ajoelhando-se aos meus pés. Olhando
como seu eu fosse desejável e... normal. Conversando comigo
como se eu fosse forte o bastante para aceitar o seu desafio.
Ele passou uma mão no queixo e deixou seu caderno de
desenhos de lado.
― Estava malditamente fascinado para ser educado.
― Eu não precisava de educação. Precisava ser sacudida.
Tentada. Eu apenas não percebia isso.
Ele se levantou. Vagou até a cama, o rosto nublado, sua
ereção evidente.
― Eu a tento?
― Infinitamente.
Os músculos dos ombros dele flexionaram quando ele
respirou profundamente.
― Diga-me o que devo fazer. ― As mãos dele se fecharam
em punhos e depois se soltaram. ― Eu não quero que...
desapareça por causa de algo que fiz.
Ela estendeu a mão para ele.
Ele hesitou antes de pegá-la na dele.
― Toque-me. ― Ela disse, seu coração na garganta. ― Por
favor, Jonas.
Ele se sentou na cama, sua expressão escondida pela
escuridão.
― Se alguma vez lhe machucar...
― Nunca. Você nunca me machucará. ― Ela trouxe a
mão dele para o meio de seus seios, espalmando-a sobre seu
coração. ― Eu sei aqui dentro. Você não deve deixar que as
minhas cicatrizes fiquem entre nós. Entende? Prometa-me.
Ele balançou a cabeça.
― Com você eu não devo ser frágil. ― Ela insistiu. ―
Prometa-me que sempre me desafiará a ser mais forte.
Prometa-me que sempre me tocará sem limites.
Um gemido baixo e profundo emergiu do peito dele. O
momento seguinte, ele deslizou os braços por baixo de seu
traseiro e pescoço. Levantou-a até sua boca. A beijou até que
ela se agarrar a ele, gemendo.
Suas costas encontraram o colchão mais uma vez, mas
desta vez, ele a comprimiu com seu peso sobre ela. A
inflamou.
Ela amava ficar deitada sob o corpo magro e duro dele. A
boca dele sobre a dela, o peito pressionando seus seios e
roçando seus mamilos, as coxas entre as dela, assim ela
ficaria aberta e vulnerável a ele.
Ela o recebeu. Precisava que seu membro duro e espesso
a preenchesse novamente.
― Jonas. ― Ela sussurrou contra a boca dele. ― Eu o
quero muito. ― Não era apenas o corpo dele ou as mãos que
ela ansiava. O que ela mais queria era a conexão que eles
compartilharam antes, o momento transcendental quando ela
se viu fundida a ele. Ela tentou se afastar o bastante para
olhar nos olhos dele. Mas, estranhamente, ele evitou seu
olhar.
Em vez disso, ele beijou sua garganta, seu hálito quente.
Em seguida, ele sugou seus seios. Seu queixo alguns fios de
barba friccionando sua pele de uma forma que a fez retorcer-
se.
― Mais. ― Ela falou. ― Preciso de mais.
Ele grunhiu contra ela, as mãos a imobilizando,
segurando o seu seio para posicioná-lo em sua boca.
Ela levou seus quadris mais para baixo com a intenção
de tentá-lo a deslizar seu membro grosso e duro para dentro
dela. Como ela se sentia vazia sem ele. Enfiando a mão nos
cabelos dele, mais uma vez tentou fazer com que ele virasse o
rosto para cima, assim ela poderia ver seus lindos olhos
prateados.
Outra vez o olhar dele escapou.
Ela franziu a testa, frustrada, ficando mais quente e
necessitada a cada momento.
― Jonas.
Os ombros dele se ergueram com as respirações ásperas.
Ela tentou segurar o queixo dele.
Ele segurou o pulso dela e afastou sua mão. Então, como
um raio, ele se moveu e a virou de bruços. Levantou seus
quadris embaixo dele, assim sua ereção transformou-se em
uma carícia íntima contra o seu traseiro.
Ela gemeu sobre o travesseiro como se a nova posição
lhe trouxesse novas sensações ― os lábios dele em sua nuca,
os cabelos de seu peito contra as suas costas, o arrepio
causado pelas mãos dele segurando seus quadris e
apertando-os como se não pudesse se segurar. O calor e
solidez a envolveram enquanto uma das mãos dele deslizou
entre o colchão e seu ventre.
Deslizando para onde ela estava úmida para ele.
Acariciou com força e segurança a sua carne inchada.
A boca dele sugou seu pescoço. Os dentes arranharam e
a língua acariciou.
Ela queria a conexão. Que ele lhe desse o prazer bruto.
― J-Jonas. Deixe-me...
Ele a levantou de joelhos, seu vigor era uma força
maciça.
― Sem amarras. ― Ele grunhiu em seus ouvidos. ― Diga-
me que ainda quer isso. Mesmo quando eu a tomo desta
forma.
Bom céu. Ele estava lhe testando? Ela sentiu o braço
dele envolver seus quadris, puxando suas costas para ele. Ele
sustentava-se sobre o outro braço, mantendo-se acima dela.
Esperando. Esperando que ela se encolhesse.
Ele esperou por um longo momento. Ela adorou sentir a
extensão dele. Sua dureza. A luxúria primitiva que ela sentia
nele. Ela preferia poder ver os olhos dele, mas se ele a queria
nesta posição, ela agradeceria alegremente.
― Eu quero isso. ― Ela ronronou. ― Eu o quero.
A testa dele tocou seu ombro. Suas respirações eram
quentes e rigorosas. Entre uma e outra, seu membro duro e
grosso encontrou sua abertura. Pressionou para entrar.
Ela ainda se sentia um pouco sensível por causa da
relação anterior e ele parecia maior neste ângulo reverso. Mas
céus, como o corpo dela apreciou ser preenchida novamente.
Ela apertou e grunhiu o nome dele.
― Relaxe, amor. ― Ele falou. ― Deixe-me... Ah, Deus.
Deixe-me penetrá-la.
Ela se esforçou para fazer o que ele pedia, relaxando
seus músculos e focando na sensação de tê-lo dentro dela.
Abrindo. Pressionando.
Investidas longas e lentas o levaram cada vez mais fundo
a cada segundo. A mão dele subiu para brincar com os seus
mamilos, aumentando ainda mais o calor no local onde eles
se uniam. Sua boca sugou seu pescoço e a língua traçou sua
orelha.
― Sinta-me aqui. ― Ele murmurou. ― Vamos devagar.
Você gostará de como isso se constrói. ― Ele mordiscou o
lóbulo de sua orelha. ― Eu gostarei de saber quão profundo
eu estive, como ainda me sentirá amanhã.
Foi exatamente como ele descreveu: lenta, metódica,
uma fogueira construída sobre brasas fumegantes. Sua
ereção deslizava em longas estocadas até quase a deixar.
Então, voltava a penetrá-la, tão profundamente que a pressão
se tornou dor.
A mão permanecia ocupada, acariciando seus seios e
ventre, deslizando entre suas coxas para provocar seu botão
inchado, para testar o quanto ele a esticava.
A cadência de sua posse era controlada, embora
implacável. Não acelerava e nem diminuía, apenas
reivindicava como as ondas na praia.
― É isso, amor. ― Ele espalmou a mão em seu ventre
enquanto os dedos acariciavam monte. Então, ele usou a base
de sua palma para adicionar mais pressão. ― Sente-me?
Ela estava ofegando, lutando para respirar. O calor, o
estiramento e a pressão eram todas uma coisa só. Eles
expandiam e inchavam. Carícias e preenchimento.
Transformavam-se em uma tempestade crescente de calor e
luz. Rolando. Rolando. Rolando.
Explodindo e liberando. Liberando. Liberando.
Agarrando-se a ele com suspiros e soluços.
Ela arranhou o colchão. Grunhiu o nome dele no
travesseiro. Apertou-se a dele, mais e mais, enquanto o prazer
e seu marido a mantinha em um aperto explosivo.
Apenas que seu ritmo aumentava. Golpeando.
Golpeando. Golpeando.
E ela recebeu a liberação dentro dela, quente e completa.
Completo. Seu marido, totalmente reivindicado.
Enquanto os corpos deles mergulhavam juntos na cama, ele
manteve-se unido a ela, seus braços fortes levaram suas
costas contra ele, cruzando seu ventre e ombros.
Ele beijou seu pescoço e bochecha. Abraçou-a com força.
Ela tentou virar o rosto. Queria ver os olhos dele sentir a
conexão.
Em vez disso, ele a manteve no lugar. Manteve-se ele
mesmo dentro dela, ainda meio-duro.
― Durma agora, amor. ― Ele murmurou, beijando sua
orelha.
De fato, ela sentia uma letargia agradável a puxar. Ele os
virou, assim ambos olhavam para a janela e uma brisa fria
subiu como uma dança sobre seus corpos unidos. E,
enquanto o sono a clamava, ela deslizou a mão sobre ele,
tocando-o onde pudesse e murmurou um pensamento
perdido que não fazia sentido nenhum e, ao mesmo tempo,
todo sentido.
― Não me deixe sozinha. ― Ela disse, suas palavras
arrastadas pela sonolência. ― Eu preciso de você aqui comigo.
A única resposta dele foi acariciar seu cabelo, depositar
um beijo tão suave quanto a brisa sobre sua bochecha e
abraçá-la ainda mais perto enquanto a luz da lua foi engolida
pelo céu escuro.
CAPÍTULO 15

“Meredith Huxley sugeriu que eu lhe servisse seus pratos


favoritos sempre que me agradar. Mas se eu lhe servir tortas
de pêssego em cada refeição, logo precisaremos de uma
carruagem com rodas mais robustas. E uma cama com
pranchas mais robustas.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham, em uma


carta expressando a apreciação por homens com apetite.

Sentado ao lado de sua esposa na mesa de seis metros


em Grimsgate na manhã seguinte, Jonas descobriu que sua
fome era maior do que sempre fora. Não por comida ― seu
apetite permanecia estável neste quesito. Não, sua forma era
por... ela.
Enquanto observava seu rosto, pescoço, a musselina
branca modestamente fechada ao longo de seu colo e
fechando-se em seu corpete, ele lambeu os lábios e se
debateu se deveria carregá-la imediatamente escadas acima
ou esperava mais uns quinze minutos para ela terminar o seu
desjejum.
Ele estava mais inclinado para o primeiro.
Uma cor rosa suave surgiu em suas bochechas enquanto
ela mordia o brioche. Ela engoliu e suspirou. Depositou seu
garfo ao lado do prato. Deu um delicado gole no chá.
Ele assistia seus seios subirem e descerem, o ritmo
acelerando enquanto ela recolocava sua xícara e levava sua
mão para baixo da mesa. Seus lábios se separaram. Sua
língua traçou seu lábio inferior.
Então, ele sentiu. A mão dela. Sua coxa. Deus todo
poderoso.
Ela levantou os olhos. Encontrou os dele. Queimou sua
pele e o endureceu sem misericórdia. Prendeu-o a ela
inexoravelmente.
Ele afastou seus olhos, mas segurou sua mão nua. A
guiou para o local aonde a sua fome se centrava.
Um sorriso sensual e lento curvou os lábios dela.
Maldito inferno. Ele estava pegando fogo, bem ali na
mesa do dragão.
―... devo comprar uma nova cópia de Waverley, pois Kate
se recusa a devolver o que eu lhe emprestei.
Jonas engoliu a sua luxúria e devolveu a mão de sua
esposa para o colo dela quando o Duque e a Duquesa de
Blackmore entraram na sala. O par se juntou a Robert e
Annabelle Conrad e Lorde e Lady Holstoke do outro lado da
mesa.
― Nós temos três cópias adicionais em casa, Jane. ―
Blackmore olhou para o lacaio cuja mão enluvada roçou na
manga da duquesa enquanto lhe servia café. ― Não é o
suficiente?
― E seu eu desejar emprestar outra cópia? Então ficarei
com apenas duas.
O duque, cuja postura rígida poderia erguer uma vela de
navio, respondeu:
― Se isso ocorrer, alegremente comprarei uma nova cópia
para a sua coleção.
Ela fungou, ajustou os óculos e então colocou uma
colherada de creme no café. Enquanto ela mexia, seu marido
olhava às suas mãos com olhos de gato brilhantes,
observando um pássaro: com fome e fascinação.
Assistindo a cena, Jonas sentiu uma estranha conexão
com o homem. Eles não eram nada parecidos, claro. O duque
de cabelos dourados nascera para o privilégio e se portava
como se todo o decoro inglês estivesse sobre seus ombros
rígidos. Mas isso ― a adoração quase venerável ― parecia
malditamente familiar.
Não sendo essa única semelhança, ele se sentia tão
deslocado quanto um cão vira-lata entre valiosos sabujos.
Conrad e Holstoke discutiam esquemas de drenagem e
cultivo de árvores frutíferas. Blackmore tentava persuadir sua
esposa que duas bibliotecas eram suficientes para a
necessidade deles. Lady Holstoke e Anabelle Conrad
fofocavam sobre o flerte de Clarissa Meadow com alguém
chamado Andrew Farrington, que preferia damas com cabelos
escuros.
Ele estremeceu em sua cadeira, bebeu seu café e se
perguntou o que diabos ele estava fazendo ali. Então, sua
delicada esposa pigarreou.
― Jonas. ― Ela disse em voz baixa.
― Aye?
― Pretende terminar isso?
Ele olhou para baixo. Ela estava olhando para o seu
brioche parcialmente comido. Ela pestanejou. Ela parecia
ansiosa e esperançosa.
Rindo, ele se inclinou para perto dela.
― Acredito que há mais no aparador, amor. Não prefere
pegar um fresco para você?
Ela umedeceu os lábios. Iluminou-se com um rubor que
o deixou quente.
― Eu gosto de terminar o que você começou.
Ele lutou contra a luxúria que o escravizava.
― Tudo o que tenho é seu. Pegue o que desejar.
Com um sorriso perverso, ela fez exatamente isso.
Ele bebeu o restante de seu café em um único gole.
Enquanto trocava a xícara, notou que Lady Holstoke lançava
a eles um olhar especulativo do outro lado da mesa.
Parecia aprovar.
― Hannah, Phineas e eu cavalgamos pela praia hoje.
Definitivamente esplêndido. Esperávamos vê-la lá. Perdeu a
sua cavalgada matinal?
Hannah lançou à sua cunhada um sorriso secreto.
― Não. Eu cavalguei. Foi muito revigorante. ― Então,
calmamente ela enfiou os dentes no brioche dele.
Deus santo. Ela iria matá-lo. Ele se remexeu na cadeira,
tentando em vão convencer a sua ereção a diminuir. Em
desespero, ele se serviu de um pouco de chá e engoliu o
líquido meio quente em dois goles.
― Ah, sim. ― Disse Lady Holstoke. ― Cavalgadas
matinais são maravilhosas. Tenho certeza de que o Sr.
Hawthorn concorda.
Ele olhou e serviu mais chá.
― Como sua investigação está evoluindo, Sr. Hawthorn?
― Ela perguntou.
― Estaria melhor se ele permitisse que eu o ajudasse.
Ele rapidamente dirigiu seu olhar a ela.
― Eu não preciso de ajuda. ― O pequeno e teimoso
queixo se ergueu.
― Talvez, mas por que não pega quando lhe é oferecida?
Suspirando ele tamborilou os dedos na mesa.
― Eu voltarei a Alnwick hoje. Deve ficar aqui e aproveitar
a reunião.
― Bobagem. ― Ela disse atrevidamente. ― Irei com você.
― Não irá.
Ela levantou uma sobrancelha escura.
― Veremos.
Esperando ter apoio de alguém mais sensato, ele
cometeu o erro de se virar para Lady Holstoke. Eugenia Brand
os observava com uma grande fascinação. Ela estava radiante
como uma mãe orgulhosa.
― Bem, o tempo está ótimo hoje. Acho que sua roupa de
equitação azul seria perfeita para uma excursão a Alnwick,
minha querida. Use o chapéu com as penas brancas.
Droga. Ele estava cercado.
Naquele exato momento, um som alto ecoou no corredor,
como uma bandeja caindo sobre a pedra. Uma voz arrastada
e masculina se introduziu, insistente.
― Eu sou um Bainbridge, pelo amor de Deus. Sou
sempre convidado.
Jonas ouviu Nash falar baixo demais para entender as
palavras. Um momento depois, um homem jovem, baixo,
queixo largo e cabelo escuro tropeçou pela porta aberta. O
rosto do homem não estava barbeado, os olhos vermelhos e as
bochechas mais ainda. Seu colete estava mal abotoado e sua
cravat, torta.
Nash seguiu tentando segurar valentemente o bêbado
perdido.
― As instruções de Senhora são explícitas, Sr.
Bainbridge. ― O mordomo disse preocupado. ― Devo insistir
que parta ou serei forçado a vê-los fazer isso. ― Ele gesticulou
em direção a dois lacaios grandes.
O bêbado puxou o braço do aperto deles e colidiu com a
mesa. O barulho da porcelana e de líquido derramando
causou vários ofegos femininos, e três dos homens à mesa se
levantaram, movendo-se para se posicionarem entre
Bainbridge e suas esposas. Holstoke foi o primeiro. Depois o
duque. Enfim, Conrad.
Jonas se manteve sentado, olhando o homem de
constituição fraca e barriga gorda. Ele bebeu o seu chá e
esperou.
― Onde está Wallingham? ― O bêbado exigiu. ― Minha
mesada não é um brinquedo para ser retirada para sua
diversão. Eu era o herdeiro dele, maldito sejam os seus olhos.
O mínimo que ele poderia fazer é cumprir as suas obrigações.
Os braços de Bainbridge se agitaram enquanto ele se
livrava de Nash, dos lacaios e de três aristocratas protetores
que tentavam mantê-lo afastado de suas esposas.
Jonas manteve o intruso em sua visão, apoiando sua
xícara na mesa e se recostando na cadeira. Ele esperou.
Observou.
Alguma coisa no homem lhe pareceu familiar. Isso fez
seu pescoço coçar. O queixo, talvez? Se ele era primo de
Wallingham, isso explicaria a semelhança. Queixos largos
apareciam proeminentemente nos retratos dos homens
Bainbridge pelo castelo.
Bainbridge cambaleou em direção ao aparador, bateu na
bandeja de bolinhos que caiu no chão e virou seus olhos
ressentidos em direção à Nash.
― Você e Wallingham são iguais. Sempre cumprido as
ordens dela. Como cachorros, vocês são. Com medo de uma
bronca de uma maldita mulher.
Nash se aproximou. Bainbridge se afastou para o lado.
Em direção à Hannah, cujos ombros ficaram tensos e
estremeceram quando ele se aproximou de mais.
Em um instante, Jonas estava em pé, torcendo o braço
do homem a ponto de quebrar. Ele jogou o miserável idiota de
cara sobre a mesa. O peso do homem achatou um brioche
perdido.
― Estar bêbado não foi o seu erro. ― Ele murmurou no
ouvido do bêbado, aplicando pressão para garantir ser ouvido.
― Vir aqui não foi o seu erro. Desobedecer a senhora e o
mordomo de Sua Senhoria não foi o seu erro.
O homem choramingou piedosamente.
― Devo dizer qual foi o seu erro, Bainbridge?
Outro gemido.
― Você foi descuidado. Perto da minha esposa, eu não
tolero descuidos.
Wallingham entrou um momento depois. Normalmente, o
homem tinha um ar calmo e descuidado. Mas ele também
tinha os olhos da mãe e, ocasionalmente, seu fogo. Ele
analisou o cenário, ardendo com uma fúria controlada e deu a
Jonas um aceno de aprovação.
― Obrigado, Hawthorn. Infelizmente, meu primo nunca
aprendeu o valor da circunspecção, apesar dos incontáveis
esforços de mamãe. ― Ele acenou aos dois lacaios, que se
moveram para retirar Bainbridge, arrastando-o para fora.
Wallingham inclinou sua cabeça. ― Por favor, aceitem as
minhas mais profundas desculpas. Garanto-lhes, Cecil
Bainbridge não nos causará mais problemas.
Wallingham falou rapidamente com Holstoke, Conrad e
Blackmore antes de sair da sala. Enquanto isso, Jonas se
agachou ao lado da cadeira de Hannah e cobriu as mãos dela
com a dele.
― Está tudo bem, amor?
Ela assentiu, os olhos presos ao dele. Ela parecia firme.
Parecia como se quisesse beijá-lo.
― Sim. Ele me assustou, foi tudo.
― Eu nunca o deixaria tocá-la.
― Eu sei. ― Ela segurou seu rosto. Inclinou-se para a
frente e o beijou. Suspirou. ― A competência é
muito...tranquilizadora. ― Ela sussurrou.
Ele não sabia o que ela quis dizer, precisamente, mas ele
aceitaria a afeição dela sem se importar com o motivo.
― Agora, devo subir e vestir minha roupa de montaria.
― Hannah...
― Eu irei com você, Jonas Hawthorn. É isso.
― Maldição.
― Enquanto eu subo, deveria considerar o valor de
aceitar a minha ajuda que não custará nada e ainda pode
beneficiá-lo imensamente. ― Ela deu um tapinha no queixo
dele. ― Acredito que Dunston está no jardim.
Ele piscou quando sua rosa graciosamente se levantou.
Por um momento, ela pairou sobre ele e ele olhou para cima
como um sabujo apaixonado aos pés de uma Rainha da Neve.
Talvez fosse o local a qual ele pertencia, já que era um vira-
lata.
Mas então, ela olhou para baixo com um brilho
carinhoso, curvando-se para beijá-lo novamente com os lábios
sobre a boca dele, as mãos no rosto e a respiração rápida.
Ele podia estar aos pés dela, mas ela também estava
escravizada. Isso deveria confortá-lo. Não funcionou.
Logo depois, ele se viu no jardim, caminhando
vagarosamente em direção à fonte enquanto considerava o
ponto sobre aceitar ajuda. Ele não tinha muito tempo para
terminar a investigação antes que Lady Wallingham perdesse
a paciência e oferecesse o prêmio para outra pessoa.
Ainda assim, irritava pensar que sua esposa pensasse
que ele precisava de ajuda para terminar um trabalho. Ele
trabalhou com outros homens antes ― Drayton fora útil
algumas ocasiões. Mas ele trabalhava melhor sozinho.
Sempre fora assim.
Ele vagou além de sebe e ouviu a fonte, perguntando-se
como poderia convencer Hannah a ficar no local ao qual
pertencia.
― Talvez Hawthorn possa resolver isso. Hawthorn! ― Era
Dunston, parado com vários outros homens do lado oposto da
fonte, perto de um par de vasos. ― Mosquete Brow Bess ou
rifle Baker, meu bom homem?
Ele se aproximou do grupo ― Dunston, Atherbourne,
Reaver e Rutherford ― com suspeita. Dunston podia preferi as
facas, mas ele conhecia armas melhor do que ninguém. Havia
poucas razões para pedir a opinião de Jonas a menos que
Hannah ou Lady Dunston o tenham colocado nisso.
― Depende. ― Ele falou ao se aproximar dos homens. ―
Prefere matar o alvo ou feri-lo?
― Nunca atire a menos que queira matar, é o que sempre
digo. ― O sorriso de Dunston era enorme.
― Bem, se tiver perto o bastante, poderá matar um
homem com ambas as armas. Mais de setenta metros,
entretanto, achará o Brown Bess útil apenas como um
adereço para mirar o seu Rifle Baker.
Dunston bateu no ombro de Reaver.
― Vê? Não perdi doze guinéus para um amador.
Reaver grunhiu, olhando primeiro para Hawthorn, depois
para Dunston.
― Foi uma aposta tola. Uma garrafa de conhaque para
cada um. Maldição. É um milagre que não tenham
confundido seus traseiros com os alvos.
― Estou lhe dizendo, Holstoke não teria dado aquele tiro
e ele é o melhor arqueiro que eu conheço.
Jonas esfregou o queixo.
― Ainda chateado com aquilo, ãh?
― Curioso. Você nunca disse como adquiriu tais
habilidades.
Normalmente ele preferia evitar respostas diretas para
tais perguntas. Havia pouca vantagem em trocas
confidências. Um homem apenas as fazia quando desejava
cultivar a amizade. Ele não precisava de amizades. Ele
precisava inclinar as coisas a seu favor, ficar do lado vencedor
entre não ter nada e ter o bastante. Nenhum desses homens
entenderiam o seu desespero.
Ainda assim, ele hesitou em ignorar a pergunta de
Dunston e olhou para cada homem ao seu redor. Eles eram
ricos, com certeza. Mas as posições privilegiadas deles não
vieram sem custos.
Atherbourne era um tipo bonito que fazia as mulheres
olharem e arfarem. Ele tinha uma mulher adorável, quatro
filhos, um título e uma rica propriedade em Derbyshire. Mas
Conrad havia mencionado que ele fora para Waterloo. Essa foi
uma das poucas batalhas que Jonas não fora. Depois,
quando ouvira os relatórios da infantaria que estivera lá, ficou
agradecido por estar há milhares de quilômetros de distância.
Reaver era um tipo astuto. O gigante era o único do
grupo que viera do nada, como Jonas. Ele não descobrira a
ligação com Tannenbrook antes de construir o clube de jogos
com maior sucesso de Londres, usando nada além de seus
punhos, suor e inteligência. Após conhecê-lo no ano anterior,
Jonas começou a admirar a ambição implacável do homem.
Ele também tinha uma esposa. Também tinha uma
propriedade em Derbyshire, embora ele e a esposa prefiram a
casa de Londres. Com uma ninhada de cinco filhos que
pareciam destinados a ter as proporções do pai, Jonas podia
ver como mais de uma casa poderia ser sensata.
Rutherford era o mais difícil de decifrar. Benedict
Chatham parecia ter tudo o que um homem queria. Ele era
um marquês de linhagem antiga e uma propriedade próspera.
Jonas ouvira que a quantidade de carvão sob suas terras
poderia manter os portos de Newcastle ocupados pelos
próximos cem anos. Entretanto, o lorde de olhos turquesa
parecia tão satisfeito quanto um gato após um galão de creme
e horas de carinho. Ele e sua esposa ruiva, de altura
incomum, tinham dois filhos e uma filha. Como Atherbourne
e Dunston, a sorte parecia sorrir para ele.
Acontecia que Jonas o conheceu antes do casamento, a
fortuna de Benedict Chatham não era tão brilhante. De fato,
ele estivera prestes a se matar com a bebida. Reaver lhe
explicara isso em uma noite, quando Jonas parara em seu
clube para obter informação para um trabalho. Ele lamentou
que as fontes não eram mais como antes. Então explicara
como o futuro Marquês de Rutherford trabalhara com ele
descobrindo segredos.
― Tive que mandá-lo embora. ― Ele lamentou. Vergonha
maldita. Ele era de primeira classe. Mas o idiota teimoso
estava caminhando até a morte. Precisou de um chute no
traseiro, isso é certo.
Então, havia Dunston, o homem que vivia duas vidas,
uma de coletes de seda, a outra de violência. Ele uma vez
dissera a Jonas que ocasionalmente tinha a sensação de
desorientação de caminhar em dois mundos ― um claro e
outro escuro. Cinco filhos, uma bonita esposa de sorriso doce,
uma propriedade grande e um grande título. E um conde,
enquanto nauseantemente feliz, ainda carregava as cicatrizes
de seu tempo de caçador de fantasmas e demônios.
Contra a sua vontade, Jonas veio a se aproximar de
Dunston no último ano. Ele realmente gostava do homem.
Então, agora, com as palavras de Hannah ecoando em
seus ouvidos e quatro homens o encarando com expectativa,
ele mexeu os ombros e abriu uma porta que provavelmente
deveria manter fechada.
― Eu aprendi arquearia quando pequeno. Meu pai me
treinou.
― Ele era um arqueiro?
― Um guarda-caça. Por um tempo, pelo menos.
― Então, deve saber como caçar. ― Dunston sorriu. ―
Para jogos que não sejam ladrões, quero dizer.
― Aye,
O sorriso de Dunston cresceu.
― Esplêndido, de fato. Minha caça anual é em novembro,
Fairfield Park. Deve ir, velho camarada. Nós devemos testar
sua mira de setenta metros. ― Ele gesticulou para Reaver. ―
O filho mais velho, Ash, é um verdadeiro prodígio. Derrubou
um cervo no ano passado a quatrocentos metros. Um talento
natural como esse clama por um tutor.
Por um tempo, os outros homens conversaram
animadamente sobre caça e tiros, incluindo-o como se Jonas
fosse um maldito igual. Ele moveu os ombros novamente,
perguntando-se sobre o convite de Dunston. Perguntando-se
se Hannah era o motivo para a amizade deles. Mas, então,
Dunston havia feito tais aberturas antes.
Agora que pensava sobre isso, Dunston vinha tentando
se ser amigo há um ano, pagando jantar no Reaver’s.
Bebendo canecas com ele no Black Bull. Bêbado, fizera
apostas de arquearia e o recomendava para trabalhos.
Até agora, ele não pedira nada em troca.
A advertência de Hannah sobre aceitar ajuda veio à
superfície mais uma vez. Ele não queria. lady Wallingham lhe
dissera para ser discreto, não envolver nenhum de seus
convidados. Mas ele tinha apenas uma semana antes que ela
retirasse a sua oferta e chamasse Drayton. Então, talvez ele
pudesse pedir. Apenas desta vez. Apenas para terminar esse
trabalho, assim ele poderia parar de imaginar Hannah sendo
forçada a viver em quartos alugados e vazios com um beco
como vista.
Ele pigarreou.
― No momento, um ladrão é minha presa. ― Ele disse
enquanto os cavalheiros discutiam o desafio do faisão em
detrimento a pato. ― Ele está provando ser escorregadio.
Reaver cruzou seus braços maciços.
― O que tem até agora?
Jonas descreveu as suas descobertas, explicou sobre a
criada desaparecida, do calçado na caverna e do que o
homem em Alnwick lhe dissera.
― Alguma ideia do conteúdo do baú? ― Atherbourne
perguntou, olhos escuros pensativos. ― Se nos disser o que o
ladrão realmente quer, ajudaria a identificá-lo.
― Não. ― Jonas respondeu. ― Lady Wallingham se recusa
a falar sobre o conteúdo do baú e ninguém mais parece saber.
― Já perguntou ao filho dela? ― Perguntou Reaver. ―
Wallingham conhece o dragão melhor.
Jonas assentiu.
― Primeira coisa. Ele não sabe sobre o conteúdo. Apenas
disse que ela tem problemas em manter criadas pessoais ao
longo dos anos e questionou se uma delas poderia ter
roubado o baú por maldade. Eu fui atrás disso. Suas últimas
três criadas estão todas bem empregadas em outros lugares.
― Você disse que ela guardava o baú em sua sala de
vestir. ― Disse Rutherford. ― Bastante pessoal, então. Mantê-
lo ao alcance implica tanto extremo valor, quanto sentimento
extremo. Talvez ambos. ― O marquês inclinou a cabeça em
um ângulo a acessível. ― Poderia fazer perguntas, se quiser.
Discretamente, obviamente.
Jonas baixou sua resistência instintiva e assentiu.
― Apreciaria, meu lorde.
O sorriso de Rutherford tornou-se irônico.
― Considere feito. E dispense o ‘meu lorde’. Rutherford
basta. Ou Ben, se se sentir ousado.
― Ele deve gostar de você, Hawthorn. ― Comentou
Atherbourne. ― Ele se irrita quando o chamo de Ben e eu
conheço o canalha desde Eton.
― Eu era Chatham então. ― Rutherford respondeu
preguiçosamente. ― Tive que passar o título quando Jameson
nasceu. Agora, sou Ben para os meus amigos.
Jonas sentiu a tensão entre os dois homens, mas não
sabia decifrar a causa.
― Humm. Diz que o homem com a criada perguntou
sobre as marés? ― Dunston perguntou.
Jonas assentiu.
― No que está pensando?
― Ocorre-me que o ladrão tem uma inclinação por
cavernas.
― Aye. Mas não há muitas por aqui. A de São Cuteberto é
a mais perto de qualquer lado.
O olhar de Dunston ganhou um brilho aguçado.
― Se tiver no interior, talvez.
Jonas sacudiu a cabeça ao entender o significado.
― Em Dorsetshire, posso concordar que as cavernas
marítimas são lógicas. Mas as praias são muito planas.
Poucos penhascos. Poucas cavernas.
― Entretanto, elas existem. ― A voz fria e dura soou atrás
dele. Holstoke cruzava o gramado com sua usual expressão
inescrutável. ― A nordeste de Alnwick. Remota. Acessível
quando as marés baixam. Mais difíceis quando a maré sobe.
Um bom lugar para evitar ser visto por qualquer um, além
das gaivotas.
Reaver grunhiu sua concordância.
― Precisamos determinar se a criada está trabalhando
com o ladrão ou é meramente uma vítima. Se ela realmente
foi levada contra a vontade, estará em perigo.
― Aposte na última. ― Disse Dunston. ― Ela não me
pareceu do tipo maquinadora quando Hawthorn a
questionou. Mas do tipo impressionável, diria.
As sobrancelhas pesadas do gigante se juntaram.
― Encontrarei respostas. Talvez um pouco de pressão
sobre os criados masculinos, um bocado de moedas para
aqueles que podem saber mais do estão dizendo. Nós não
queremos uma moça sofrendo indevidamente por causa dos
encantos de um ladrão.
Atherbourne perguntou:
― Disse que tem esboços deles? ― Diante do aceno de
Jonas, ele ofereceu. ― Poderia pedir a Victoria para copiá-los
para você. A caça pode ser mais rápida com vários deles.
Jonas puxou seus desenhos do bolso e os passou ao
visconde.
― Obrigado.
― Vamos, Hawthorn. ― Disse Holstoke. ― Wallingham
tem um mapa na biblioteca. Mostrar-lhe-ei onde as cavernas
estão localizadas. Acredito que elas tenham sido usadas para
contrabando de tempos em tempos.
Após agradecer aos cavalheiros e seguir seu cunhado ao
castelo, Jonas lutava contra a urgência de voltar atrás e lhes
dizer que lidaria com a investigação sozinho. Deixar outros
homens fazer seu trabalho fazia sua pele pinicar. A sensação
o lembrava de um dia, quando era um menino, e um grupo de
rapazes abriu a porta do privativo no qual ele se aliviava ―
exatamente no momento que um grupo de moças vagava por
ali.
Ele supôs que tinha superado, mas ainda se sentia como
se estivesse com as calças abaixadas na altura do joelho.
A sensação não diminuiu quando ele entrou na
biblioteca, notando a grandiosidade do teto de seis metros
com prateleiras escuras e altas. Ele nunca poderia dar a
Hannah algo assim.
Ele observou Holstoke puxar um livro grosso de capa de
couro de uma das prateleiras mais baixas e o depositou na
mesa ornamentada.
Ele pediria para a sua esposa deixar um castelo tão
grande quanto aquele, esquecer as bibliotecas enormes e
jardins elaborados. Até mesmo se ele recebesse a recompensa
de Lady Wallingham, eles sempre viveriam com menos meios
do que ela apreciaria como irmã de Holstoke.
Além do mais, se ele quisesse prover uma casa aceitável
a sua esposa ― uma casa com criados, bons cavalos, um
pianoforte e estofados de veludo ― então, ele teria que
encontrar o maldito baú.
― Aqui estamos. ― Holstoke murmurou, alisando a
página com a palma e batendo com o dedo. ― As cavernas
existentes ao longo da praia e ao redor de Lindisfarne. Porém,
como o homem mencionado está em Alnwick, aposto que
estas são as mais prováveis.
Jonas se aproximou. Olhou a localização. Guardando o
mapa na memória.
― Mais de uma na mesma área?
― De fato. Mas essas parecem ser as mais prováveis. ―
Ele bateu na menor de duas cavernas. ― Mas profunda que as
restantes. Eu estudei a área geológica antes que Eugenia e eu
nos aventurássemos perto da praia. ― As sobrancelhas pretas
do conde se juntaram. ― Ela ficou muito desapontada pela
pouca quantidade de conchas intactas perto de Grimsgate.
Ela gosta de coletá-las para decoração.
Jonas sorriu. Há muito tempo ele achava o
relacionamento de Holstoke com a sua pequena e franca
esposa divertido. Desde o começo, Eugenia parecia ter
chegado para capturar o lorde frio e inescrutável contra a
vontade dele. Evidentemente, Holstoke continuava tanto
fascinado quando, ocasionalmente, enfeitiçado pelo charme
de sua esposa impertinente.
Um arrepio de familiaridade dançou por sua pele. Seu
sorriso sumiu.
Holstoke levantou o rosto. Olhos pálidos o avaliaram.
― Hannah parecia bastante feliz. Fico alegre em perceber
isso. ― Ele parou, parecia reunir seus pensamentos. ― Por
sete anos, foi meu dever sagrado protegê-la de todo mal.
Entretanto, posso ter levado o meu dever muito longe ao
alertá-la para ficar longe de você. Pelo menos, é o que Eugenia
me disse. ― Holstoke sorriu. ― Ela não tem meias palavras. ―
Ele pigarreou e ergueu o queixo em um ângulo que Jonas
reconhecia: era o espelho do de Hannah. ― Confio que
cuidará muito bem de minha irmã. Hawthorn.
Jonas reconheceu a oferta de paz com um aceno.
― Pode estar certo disso.
Endireitando-se, Holstoke cruzou as mãos às suas
costas.
― Nós nunca discutimos o dote dela.
O frio penetrou em sua pele, contorcia-se como vermes.
Em sua mente emergiram lampejos dos olhos cinzentos de
uma linda mulher indo de dançantes a opacos, vazios e
perdidos. Visões de vestidos virando trapos, de risos virando
desespero, o assombravam.
― Um dote não é necessário. ― Ele disse finalmente.
Holstoke franziu o cenho.
― Fico feliz em oferecer. Desejo que ela seja bem provida.
― Ela será. ― A voz dele era áspera. Fria. ― Eu sou o
marido dela e eu a proverei.
― E se algo acontecer a você? E então? Um dote oferece
segurança a uma viúva.
― Cuidarei de minha esposa, Holstoke. ― Ele não sabia
porque importava ganhar esse argumento. Orgulho,
acreditava. Antes de Hannah, ele não dava a mínima
importância ao que as pessoas pensavam dele. Na verdade,
ele gostava de ser subestimado. Ele estava tentado a dizer a
Holstoke a verdade. Mas ele queria terminar o maldito
trabalho antes.
Holstoke balançou a cabeça, um vinco intrigado se
formando.
― Muito bem. Suponho que um dote é quase
desnecessário, dado o tamanho da fortuna dela.
Jonas franziu a testa. Fortuna?
― Eugenia provavelmente me censuraria por dar crédito
insuficiente à perspicácia de Hannah nos negócios. ―
Holstoke sorriu. ― Ela é realmente notável, sabe. ― O olhar
dele tornou-se pensativo. ― Minha mãe queria a morte dela. A
caçou por anos, tudo por causa de uma boneca que meu pai
dera a filha. Duvido que ele soubesse o que era. Estava
bastante doente naquela época. Como descobrimos depois, a
boneca fora da minha mãe. Ela escondia uma fortuna em
joias. Eu perguntei a Hannah o que ela gostaria de fazer e ela
decidiu vendê-las. Ao longo dos últimos cinco anos, ela juntou
uma fortuna e a dobrou. Investimentos, principalmente. Ela
tem um talento para especulação. Trata a coisa toda como um
jogo de xadrez. ― Ele sorriu novamente, o seu amor por sua
irmã brilhava. ― Ela usou sua fortuna para criar escolas para
meninas, duas fora de Londres e uma perto de Bath. Elas são
orfanatos, na verdade, embora ela não goste do termo. Ela
prefere chamá-las de santuários para garotas que não têm
família e nem meios para cuidarem de si mesmas. Cada
escola treinas as garotas em um ofício, assim elas podem usá-
lo para conseguir um emprego quando tiverem idade para
isso. Ela também paga pelo ensino de garotas que tem poucos
meios para frequentar a escola de Lorde e Lady Colin em
Devonshire. A amiga dela, Biddy, é uma. Hannah nunca me
contou. ― Holstoke fechou o livro de mapas. ― Extraordinário.
Sim. Ela era. E nada que Holstoke havia descrito veio a
ser surpresa para Jonas. A inteligência, a generosidade, a
coragem. Principalmente a coragem.
― Ela é a coisa mais bela neste mundo. ― Ele murmurou,
sua voz contrita.
O olhar de Holstoke aguçou-se sobre ele. O examinou
como uma nova semente de planta. Inclinando a cabeça, o
conde assentiu como se confirmasse uma suspeita.
― Dir-me-á se precisar de qualquer coisa.
Jonas franziu o cenho.
― Acredito em sua habilidade de cuidar dela. Esse não é
o problema. ― Holstoke aprumou os ombros. ― Mas, agora,
você é um membro da família, Hawthorn. Família ajuda
família. Isso é o que Eugenia diz, de qualquer modo. ― Um
pequeno sorriso surgiu. ― Ela também insiste que gostarei de
você.
Dando uma risadinha, Jonas respondeu.
― Bom Deus, homem. Não vamos tão longe.
CAPÍTULO 16

“Isso não quer dizer que suas prateleiras de inteligência são


prateleiras empoeiradas. Não, certamente não. No entanto, em
circunstâncias perigosas, beneficia-se com prateleiras
abarrotadas. Estaria bem servido em ter uma mulher com
meus recursos ao seu lado.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham, em uma


carta discutindo os benefícios de uma esposa com recursos
em suas batalhas no parlamento.

Jonas não disse uma palavra durante seis quilômetros.


Mas, então, ela o seguia contra a sua vontade expressa e
múltiplas tentativas de usar seu poder de marido.
Quando Hannah o informou da intenção de acompanhá-
lo até as cavernas que Phineas apontara no mapa de Lorde
Wallingham, ele interrompeu com numerosas negativas.
Enquanto os argumentos dela eram sonoros, os dele eram
marcados pela obstinação e sinais crescentes de frustração.
― Eu levarei uma pistola. ― Ela lhe garantiu. ― Sou uma
excelente atiradora.
― Provavelmente terminará atirando em mim. Apenas
fique aqui. ― Ele estava rosnando e bravo ― mais do que o
normal.
― Não há nada para mim aqui, exceto jogar xadrez de
jardim com o Sr. Farrington. Eu desejo ser útil e não posso a
menos que...
― Farrington?
― Sim. O primo de Lady Rutherford. Você não o
conheceu ainda. Um jogador exuberante. Infantil, na verdade.
Esplendidamente bem humorado.
Jonas deu as costas e se afastou.
― Jogou com ele antes, não foi?
― Sim, um dia ou dois antes do nosso casamento. Ele é
um rapaz encantador. Charlote havia me alertado, mas devo
dizer, eu o achei muito mais encantador do que eu esperava...
― Fique. Aqui. ― A ordem fora explícita, rosnada em um
tom ameaçador que raramente usava com ela.
Aquele tom retomou quando ela o alcançou na estrada
para Alnwick.
― Maldito inferno, mulher. Volte. ― Ele ladrou. ― Vá! Ou
eu a porei sobre o meu cavalo e a levarei de volta.
― Eu o segurei novamente.
― Não se eu recrutar o seu irmão para mantê-la onde
pertence.
― Phineas tentou. E aqui estou eu. ― Ela levantou uma
sobrancelha implicando a conclusão óbvia. ― Pense nas horas
desperdiçadas refazendo nossos caminhos. As marés são
sensíveis ao tempo, não são?
Ele cerrou os dentes. Espetou-a com seu olhar. Depois
seguiu ao sul.
Seu humor não melhorou nas últimas horas. Na verdade,
ficara ainda mais tempestuosos, caindo a um silêncio forte e
ressentido.
Agora, enquanto apreciava o andar firme de sua égua e a
grande beleza da costa de Northumberland, observava
confusamente o seu marido.
― Qual é o seu plano, se acharmos o ladrão escondido
em uma dessas cavernas?
― Derrubá-lo. Pegar o baú. ― Os olhos dele continuaram
fixos na estrada a frente.
Ela tentou novamente.
― Phineas se ofereceu para nos acompanhar. Não acha
que seria mais inteligente...
― Não preciso da ajuda dele. E não preciso da sua
também.
Soltando um suspiro exasperado, ela tentou outro
caminho.
― Em Dorsetshire, as cavernas como estas são bem
comuns. Elas eram usadas frequentemente para contrabando
e...
― Eu sei sobre Dorsetshire.
Ela piscou.
― Oh? Lembro de sua estada lá ser bastante curta.
Partiu com alguma pressa, se me recordo corretamente.
― Eu parti porque você não olhava para mim. Ou falava
comigo. Ou tinha conhecimento da minha existência.
― Eu queria que tivesse ficado.
― Nunca me disse. Apenas me tratou como se eu não
estivesse ali.
― Tinha medo. As mentiras entre nós eram... muito
fortes.
Ele flexionou a mandíbula. Ficou em silêncio.
Após outro quilômetro, ela perguntou.
― Como sabe sobre as cavernas em Dorsetshire?
Inicialmente, ela pensou que ele não responderia.
Depois, com uma voz baixa e ranzinza, ele falou:
― Passei alguns anos em Poole. Trabalhei nas docas.
Franzindo a testa, ela analisou o seu marido.
― Por que nunca me contou isso?
Ele deu de ombros.
― Fui embora quando tinha dezesseis anos.
― E antes disso?
Finalmente ele olhou para ela. Seu olhar era cauteloso.
― Londres.
― Trabalhou nas docas lá também?
Ele mexeu os ombros.
― Aye, um pouco.
― E antes disso?
Uma longa pausa.
― Norwich.
― É onde nasceu?
― Nas redondezas.
― Jonas. Estou perguntando onde nasceu.
Ele cerrou os dentes. Olhou diretamente para a frente.
― Norte de Sandringham. Perto de Wash.
Ela tentou se recordar que isso era para ganhar a
confiança dele. Até agora, ela fora abissalmente mal sucedida.
Mas, como no xadrez, nem a vitória e nem a derrota poderia
ser declarada até que o jogo tivesse terminado.
― Eu lhe contei as piores coisas sobre mim, sabe.
Ele passou uma mão no rosto.
― Hannah...
― Apenas peço por informação. Uma coisa simples que
agradará sua esposa, arrisco-me a dizer.
Outro meio sorriso e, finalmente, ele cedeu.
― Nasci nas terras de um homem rico. Meu pai era o
guarda-caças dele.
― E a sua mãe?
Ele esfregou a nuca.
― Ela me ensinou a procurar a beleza. Para enxergá-la,
não importa onde eu estivesse.
― Ela parece adorável.
― Qual era o nome dela?
Os olhos dele ficaram suaves. Tristes.
― Grace.
― E do seu pai?
A dureza voltou. Ele afastou o olhar.
― Jacob.
― Ele era um guarda-caça.
― Aye.
― E você nasceu nas terras que ele administrava.
― Em um chalé, lá.
― O que aconteceu?
Ele suspirou.
― Hannah, devemos discutir essas coisas agora...
― Nós temos outra meia hora de cavalgada pela frente,
pelas minhas contas. Parece a hora ideal para mim.
Ele flexionou a mandíbula.
― Muito bem. Meu pai era um guarda-caça de um barão.
Lorde Hibbard. Bingham Park era a sua propriedade de caça.
Quando eu tinha sete anos, Hibbard convidou seus amigos
nobres para uma caçada. Um deles descobriu a minha mãe
cuidando do jardim. Tentou se impor sobre ela. Eu estava lá.
Tinha uma faca, já que estava fazendo a limpeza após o
desjejum. Eu ameacei esfaqueá-lo com ela se ele não fosse
embora. Ele riu. Aquela maldita risada. ― Ele passou a mão
sobre o rosto novamente. ― Meu pai voltou e viu o que o
homem estava tentando. Bateu nele. Disse que o mataria se o
visse novamente. ― Ele ficou quieto por um tempo e depois
prosseguiu. ― Mais tarde naquela mesma noite, Lorde
Hibbard demitiu o meu pai sem referências. Nós fomos
jogados do chalé, forçados a sair de nossa casa no meio da
noite.
Hannah não soube o que dizer. Como deve ter sido
assustador. Sete anos de idade, valentemente protegendo a
sua mãe. Ela conseguia imaginar isso. Entendia como era ter
tudo o que lhe era familiar ser arrancada de uma vez.
― Nós fomos para Norwich. Meu pai encontrou trabalho
ali. Sem uma referência, era uma tentativa, mas nós
administramos. Eu trabalhei um pouco. Então, minha mãe
ficou doente. Ela se foi rapidamente. Em questão de dias.
Seu coração doeu por ele. Ela também perdera a mãe.
― Sinto muito, Jonas.
Ele assentiu.
― Meu pai ficou... inconsolável. A morte dela o mudou.
Ele ficou... ― Ele suspirou. ― Não sei. Instável. Não confiável.
Ele afundava. E me levava com ele. Contou-me mil histórias
de como eu seria um grande homem um dia. Gastou cada
centavo comprando livros da biblioteca circular. Fez-me lê-
los. Cada um deles. Nós estávamos passando fome e tudo o
que ele pensava era como seu garoto se transformaria em um
grande homem. Educado e rico. Absolutamente idiota. Ele
enlouqueceu. ― Seu rosto endureceu. ― No fim, a morte foi
uma misericórdia.
― Como sobreviveu?
― Trabalhei. É assim que é feito, princesa.
― Jonas. Olhe para mim, por favor.
Levou um momento, mas ele fez o que ela pediu. Os
olhos dele estavam cheios de um ressentimento feroz.
― Sinto muito que isto tenha acontecido. ― Ela disse. ―
Sinto pelo que suportou. É terrível. Mas você sobreviveu. Com
cicatrizes, mas forte.
― Certo. Sobrevivi. Este é o meu destino. Assistir os
outros morrerem enquanto eu vivo.
― Jonas...
― Deixe-me em paz.
― Mas eu...
Ele seguiu em frente, terminando a conversa.
Uma hora depois, eles saíram da estrada por uma trilha
até a pequena faixa de praia dourada escondida dentro dos
altos penhascos de rocha desgastadas. As ondas rugiam
contra um trecho rochoso além dos penhascos, abafando o
som do vento.
Ao chegarem à praia, Jonas desmontou e veio ajudá-la a
descer. Foi a primeira vez que ele a tocou desde o café da
manhã e ela ficou tonta e fraca quando seu corpo roçou no
dele. Mas o rosto dele estava tão duro quando os penhascos
que agora os cercava, cortados pela água e pelo tempo.
― A maré está subindo. ― Ele falou, vasculhando a área
com os olhos semicerrados. ― Melhor nos apressarmos. ― Ele
olhou furioso para ela. ― Fique perto. Faça o que lhe disser e,
malditamente, não hesite. Entendeu?
Ela não gostou do tom rude dele, mas assentiu assim
mesmo.
Ele liderou o caminho para interior da caverna. Embora
a praia estivesse repleta de pedras, troncos e algas, seus
passos eram rápidos e seguros. Ela se esforçou para subir,
recordando a si mesma que provavelmente ele passara sua
infância explorando tais solos. Ela usava botas resistentes,
mas a areia molhada e pedras esporádicas e escorregadias
tornavam o caminho incerto. Suas saias eram bem adequadas
para cavalga, mas não para caminhadas na praia. Além do
mais, as pernas dele eram mais longas. E ele estava
impulsionado pela irritação naquele momento.
Ela o seguiu através de uma abertura estreita entre os
altos penhascos e montanhas.
― Eu disse para ficar perto. ― Ele rugiu, olhando para
ela por cima do ombro.
Ela ergueu as saias e exalou.
― Você tem um temperamento dos diabos, Jonas
Hawthorn.
― Você deveria ter ficado em Grimsgate.
― Não poderia ajudá-lo em Grimsgate.
― Não, apenas jogar o maldito xadrez de jardim com os
malditos homens infantis.
Ela franziu o cenho.
― Por que isso o incomoda?
― Não incomoda.
Andando cuidadosamente de uma pedra coberta de
musgo para outra, ela bufou.
― Pois soa como se incomodasse.
― Esta é uma conversa idiota.
― Eu poderia ensiná-lo a jogar se esse for a sua objeção.
O xadrez é realmente bastante agradável uma vez que... Oh!
Ele parou tão abruptamente que ela colidiu com as
costas dela. A mão dele foi até seu quadril, escorregou até sua
cintura para estabilizá-la contra o corpo dele. Ela agarrou o
casaco dele e espiou por cima do ombro.
Eles haviam passado da abertura para uma segunda e
menor caverna. Esta era mais escura, tinha menos areia e
mais pedras. Ao longo dos penhascos costeiros, dentro de um
recesso cercado por pedras, a água havia cavado uma caverna
funda e escura.
A abertura era mais larga, porém mais baixa do que
Jonas. Em todos os lugares ao redor deles e das pedras
estava escuro e molhado.
Ele segurou a mão dela, seu olhar mais predatório do
que ela já vira.
― Fique calada. Fique perto. ― Com a mão livre, ele
pegou e tirou uma pistola.
O maldito homem levara uma arma quando proibiu que
ela tomasse a mesma liberdade.
― Jonas. ― Ela sibilou. ― Pensei que havia dito...
― Shh. Calada e perto.
Toda a tensão dele estava focada na caverna menor e
escura. Os olhos avaliaram o topo dos penhascos, os três
pontos de acesso até a caverna e a maré subindo.
― Venha.
Ele segurou a mão dela e a levou com ele, margeando ao
redor da curva interior com o mar à direita deles e o abismo à
esquerda. Logo, eles pegavam o cominho para a pequena
alcova perto da boca da caverna. Quando eles passaram entre
uma pedra e o penhasco, Jonas parou e empurrou as costas
dela contra a rocha.
― Fique aqui. ― Ele alertou em voz baixa, lançando-lhe
um olhar ameaçador. ― Se acontecer alguma coisa, corra até
os cavalos. Cavalgue até Alnwick. Não espere por mim.
Entendeu?
― Jonas...
― Entendeu?
A respiração dela acelerou assim como o coração
enquanto cada parte da máscara civilizada que ele usava caía.
Ela segurou a mão dele, sentido sua cabeça tentar subir e
flutuar. Resistindo ao impulso, ela se pôs nas pontas dos pés
e o beijou.
― Tenha cuidado. ― Ela sussurrou.
Olhos lupinos e prateados se estreitaram sobre ela com
uma fome nua. Com um último aperto na mão dela, ele a
soltou na entrada da caverna.
Ela fechou os olhos brevemente, enfiando os dedos na
pedra de cada lado dela. Devo ficar, ela ecoou para si mesma.
Devo ficar, devo ficar, devo ficar. Ela focou nas ondas, altas,
arrebentando e rítmicas. Acima, os pássaros marinhos
voavam e cantavam. Embaixo de suas botas, pedras
molhadas cheiravam a peixe.
Ela estava ali. Ela devia ficar com ele. Ele precisava dela.
Tremendo enquanto os segundos viravam minutos, ela
cavou os dedos na rocha. Respirou. Deixou o medo subir, mas
o imaginou saindo como fumaça através de uma chaminé.
Ele ficaria bem. Ela ficaria bem. Tudo ficaria bem.
― Hannah.
Ela abriu os olhos enquanto ela estremecia. Piscando, ela
o encontrou franzindo a testa para ela, agachado na abertura
da caverna.
― J-Jonas?
― Estava esperando mais alguém?
Ela engoliu em seco.
― Eu estava preocupada. Você demorou demais.
Ele acenou em direção à caverna.
― Eu encontrei o baú. Está lá dentro, a uma distância
razoável.
Ela começou a entrar, mas ele a parou.
― Gostaria de ver. ― Ela protestou.
― Não há motivo para entrar. Eu apenas saí para lhe
dizer o que encontrei. Eu carregarei o baú sozinho.
― Eu ajudarei.
― Não precisa.
― Eu prefiro acompanhá-lo.
Ele soltou o ar.
― É escuro e apertado. Eles deixaram um lampião, mas...
Ela passou por ele ignorando as blasfêmias. Ele estava
certo ― a caverna tinha a entrada pequena, mas ficava maior
lá dentro. E bastante escura ao se mover uns dez metros. Mas
ela nunca temera lugares escuros. A rocha sólida e o
gotejamento a acalmavam.
― Eu perdi repentinamente a capacidade de falar inglês?
― Ele perguntou entre os dentes cerrados. ― Porque eu juro
que lhe disse para seguir as minhas ordens.
― Oh, você disse. ― Ela lhe garantiu, passando os dedos
ao longo das datas antigas cravadas no teto. ― Olhe aqui,
Jonas. Mil seiscentos e noventa e três. Acredita que foi escrito
em mil novecentos e noventa e três? Ou é apenas uma
brincadeira de alguns meninos que gravaram isso há alguns
meses?
Com a cabeça abaixada para evitar pensar, Jonas
grunhiu uma resposta evasiva e, após tirar do bolso uma
pederneira e uma faca, abaixou-se para acender o lampião
que ela havia colocado no chão. O brilho apenas intensificou
a escuridão, lançando sombras estranhas na escuridão do
interior da caverna.
Ela avançou mais, fascinada pelas estranhas criaturas
marinhas agarradas às superfícies molhadas.
― Por que eles trariam o baú para cá?
― É um bom esconderijo. Quando a maré está alta,
ninguém pode entrar.
― Ou sair. ― Ela murmurou, tremendo. ― Foi assim que
soube que eles não estariam aqui?
Ele ficou quieto.
Ela olhou para ele.
― Não sou tola, Jonas. A maré está subindo e apenas um
idiota se colocaria preso dentro de uma caverna por horas.
Sendo um esconderijo seguro ou não.
― Se puder escolher, nunca arriscarei a sua segurança.
Nunca.
Ela olhou para as mãos dele ― magras, fortes a capazes.
Uma ainda estava um pouco machucada das pancadas nas
árvores. Ele se machucara por ela. Quase morrera por ela. Ele
se casou com ela porque ela pedira. Concordou com os seus
termos. Deu-lhe prazeres inimagináveis.
E o que ela fizera por ele? Além de insistir em tomar uma
esposa feita de papel molhado. A brisa úmida da caverna
ensopou sua roupa de veludo azul. Engolia a sua pele.
― Ajudar-lhe-ei a carregar o baú. ― Ela murmurou.
Nisso, pelo menos, ela poderia ter alguma utilidade para ele.
Ele soltou o ar, exasperado.
― Faça como quiser.
Ela o seguiu até o fundo da caverna que aumentava,
assim Jonas foi capaz de andar ereto. O chão arenoso estava
molhado e coberto por vestígios marítimos perto da entrada,
mas à medida que avançavam, o chão subia, virando areia
seca e, pedra. Finalmente eles seguiram uma trilha à direita.
E ali estava.
Um baú preto com ornamentos marrons. Não era
especialmente grande ― talvez uns setenta centímetros de
largura e cinquenta de altura, o mesmo tamanho do baú que
Hannah às vezes usava para seus sapatos e bolsas. Ela olhou
ao redor, notando um cobertor dobrado perto de um pacote
pequeno. Ela contornou Jonas para investigar o pacote.
― Não se incomode. ― Ele disse. ― Eu já o olhei. Nada
além de um mapa de Alnwick e uma garrafa de uísque.
Ela olhou por cima do ombro, examinando seu marido
cuidadosamente. Ele colocara o lampião sobre uma longa
pedra achatada ao lado do baú que parecia uma prateleira.
Agora, ele estava segurando a alça do baú e testando o peso.
Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele levantou a coisa
e a colocou sobre os ombros.
― Bons céus, Jonas. Eu disse que o ajudaria. É pesado?
Ele lhe deu um sorriso ― o primeiro em horas. Isso fez
seu coração flutuar.
― Leve como lã. Aposto que poderia carregá-lo enquanto
eu carrego você. ― Ele olhou para o lado. ― Mas, para
economizar tempo, por que não carrega o lampião?
Engolindo o reconhecimento de sua total inutilidade,
assentiu e pegou o lampião.
― Pronto?
― Vá na frente, princesa.
Cada vez que ele a chamava de princesa sentia-se como
um bocado de areia tivesse entrado em sua bota, mas agora,
formando bolhas. No entanto, ela o irritara o bastante hoje,
então ignorou sua chateação e começou a voltar a entrada da
caverna.
― Isso significa que a tarefa está encerrada? ― Ela
perguntou.
― Metade dela. A outra metade é encontrar o ladrão. Sua
senhoria gostaria de ter uma conversa com ele. Assim como
eu, para ser verdadeiro. Ainda há o assunto da criada
desaparecida.
Ela pisou em uma criatura molhada e rastejante antes
de fazer sua próxima pergunta.
― Olhou dentro do baú? E se estiver vazio?
― Olhei. E não está. Embora, ainda seja possível que o
ladrão tenha levado tudo de valor e deixado o resto. Outro
motivo para pegá-lo.
Ela franziu o cenho.
― O que há dentro?
― Miscelânea. Pilha de cartas. Um vestido ou dois.
Sapatos. Uma barra velha e fina de sabão. Tudo com cheiro
de sândalo.
Um rubor formigou a pele dela.
― Sândalo?
― Aye. Algo sobre isso atrai o seu gosto, princesa? Talvez
seu charmoso cavalheiro infantil cheire a esta coisa.
Ela parou.
Ele grunhiu.
Ela se virou. Ele franziu a testa.
― Por que insiste em me chamar de ‘princesa’?
Ele arrumou o baú sobre o ombro, olhando para o teto
da caverna.
― Vamos discutir isso quando chegarmos a...
― Toda vez que diz isso, soa irritado, como se eu o
desprezasse.
― A maré está chegando. Precisamos sair.
Uma sensação fria e deslizante subiu em seu estômago.
Ela observava o rosto dele, viu o ressentimento ali ― pelo
menos, ela pensou ser ressentimento. O que ela realmente
sabia sobre seu marido?
― V-você não gosta muito de mim, não é?
― Que diabos? Ainda esta manhã você me montou.
Gritou o meu nome com alguma convicção. Era você, sim? Eu
não me confundi.
Ela sacudiu a cabeça.
― Desejar e gostar não é a mesma coisa.
― Esta conversa tola nos deixará presos aqui.
Ela ficou fria. Afastou os olhos dele. Com muita prática,
ela se recompôs, deixando o entorpecimento abafar a dor.
― Por favor, não me chame de princesa. Você diz isso
para zombar de mim e eu não mereço isso.
― Anotado. ― Ele espetou. ― Agora, vamos achar nosso
caminho para a luz do dia ante que o mar nos acrescente à
sua coleção de lixo.
Ela inclinou a cabeça e voltou a caminhar em direção à
entrada. Ao chegar aos últimos dez metros, ouviu o rugido do
vento e as ondas se enredando. As rochas sendo golpeadas.
Perto. Mais perto do que antes. Seu estômago embrulhou-se
quando a água do mar cobriu seus pés.
Jonas ficara para trás, tendo que reposicionar o baú.
Quando ela percebeu como a maré estava perto, como ela
enchia a pequena caverna, ela perdeu o fôlego.
― J-Jonas. ― Ela sussurrou. Olhou para trás.
Ele segurava o baú em uma alça, apoiando-o na parte
superior das costas. Abaixado e blasfemando, ele caminhou
pela água na altura do tornozelo.
Ela se apressou a seguir em frente. O lampião balançou,
luz dourada dançou estranhamente com o reflexo da luz do
sol na entrada da caverna.
― Apresse-se, Jonas. ― Ela conseguiu falar, sua voz
fraca, porém mais alta do que antes.
― Ele olhou para cima.
― Maldito inferno. Espere.
― Devemos nos apressar. ― Ela falou, chapinhando os
últimos passos enquanto as ondas surgiam em direção a eles.
― Hannah. Espere por mim para...
― Devemos nos apressar. ― Ela chegou ao anel de luz,
seu coração acelerado.
Neste exato momento a pedra explodiu sobre a sua
cabeça.
E um alto ruído ecoou acima das ondas crescentes.
E uma dor queimou sua coxa direita.
E um lobo rugiu seu nome.
Pegou-a com um braço.
E empurrou-a de volta à escuridão.
CAPÍTULO 17

“Eu tenho uma exceção ao seu uso da palavra ‘desastre’. Não é


como se o Primeiro Ministro nunca tenha ouvido tais
vulgaridades antes.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham, para


Malcolm Charles Bainbridge, o Marquês de Wallingham, em
uma carta na qual não se desculpava por sua desastrosa
intervenção.

Ele só sentira a fúria explodir assim duas vezes. A


primeira, quando uma prostituta que parecia com Hannah
fora selvagemente espancada até a morte e sobrou para ele
descobrir, uma indicação da intenção do envenenador em
matá-la. A segunda, foi quando ela lhe contara sobre Horatio
Syder.
Agora, ela era dele para ser protegida. Ainda assim, ele
permitira que ela viesse até ali, sabendo da possibilidade de
perigo. Ele contara com a própria habilidade em mantê-la
segura. Fora um tolo.
Fúria pura e trovejante ― contra ele mesmo, contra o
atirador ― impulsionou sua corrida com Hannah e o baú em
seus braços.
O tiro deve ter vindo do alto. Dos penhascos laterais,
provavelmente. Hannah ficara assustada, mas achava que ela
não fora atingida. Ela o acompanhava. Ela não desfalecera,
chorara ou até mesmo largara o lampião.
Mulher notável.
Ele correu pela câmara até a parte mais distante da
caverna. Eles estariam em relativa segurança enquanto a
maré subisse ― enquanto ele decidia como chutar seu maldito
traseiro por não ter dado meia volta e a arrastado até
Grimsgate.
Ele a soltou e abaixou o baú.
― Ponha a lanterna ali. ― Ele indicou uma plataforma e
puxou a pistola, checando a pólvora. ― Poderemos ficar aqui
por um tempo.
Ela fez o que ele pediu, a luz oscilando enquanto sua
mão tremia.
― V-você acredita que ele tentará nos atacar aqui dentro?
― Duvido. ― Ele se posicionou na curva que levava à
câmara. ― Se ele fizer, é um homem morto. ― Uma fúria
urgente vibrava dentro dele, afogando tudo, exceto a
necessidade de matar. ― Provavelmente um homem morre de
qualquer forma.
Definitivamente um homem morto de qualquer forma.
Ele sentiu Hannah mover-se atrás dele. Ouviu o farfalhar
das saias, a respiração ofegante. Mas ele manteve os olhos
fixos no túnel. Se aquele pedaço de merda se aproximasse
dela, Jonas rasgaria a garganta dele.
― A maré deve baixar em uma ou duas horas. ― Ela
observou, a voz perplexamente calma. ― O bastante para
sairmos, de qualquer forma. Uma pistola adicional seria uma
benção, de fato.
― Se eu achasse necessário que trouxesse uma arma,
não teria a deixado me seguir caverna adentro.
― Um erro de cálculo, então. ― Ela fungou. ― Eu
igualmente já subestimei meu oponente uma vez. Phineas
gosta de atrair-me para a minha morte com uma fraqueza
fingida. Seu brilhantismo é que raramente vejo isso até ele me
ter em um canto. ― Quando ela falou em seguida, sua voz
veio do fundo da câmara. ― Frequentemente ele dá pequenas
vitórias. Sua rainha ou uma torre. ― Ela parou. ― Essas são
peças importantes no xadrez.
Ela tinha o dom de uma professora pacientemente
instruindo um menino rebelde. Apesar da tensão, ele
perguntou:
― Se conhece a tática dele, por que não cria um contra-
ataque?
― Oh, eu fiz. Muitas vezes. É isso o que o torna brilhante.
Sempre à minha frente, meu irmão. ― Outra pausa. ―
Aprendi muito com ele.
Ele ouviu um clique. Virou-se. Ela segurava uma pistola.
Estava carregando uma pistola.
Maldito inferno, ela trouxera uma pistola.
Tranquilamente, ela enfiava um frasco de pólvora em um
bolso escondido entre as dobras de sua saia. Olhos verdes
pálidos encontraram-se os dele. Um pequeno sorriso curvou
seus lábios.
― Eu sou uma excelente atiradora.
Um milhão de ofensas passou por sua cabeça. Ele cerrou
o maxilar para mantê-las em sua boca. Ele sabia que ela uma
boa atiradora ― Reaver e Dunston lhe disseram que fora ela
quem atirara em Lydia Brand quando a Lady Holstoke
anterior a manteve cativa junto com a esposa de Dunston. No
meio de um ataque violento, uma garota de dezesseis anos
pegou a arma e atirou na mulher que matara a mãe dela,
envenenou seu pai e a caçara por mais de uma década.
Sua bela mulher sabia como atirar com uma pistola. Ela
sabia como colocar uma bala entre os olhos de uma vítima.
Mas ela não teria que fazer isso. Era o trabalho dele mantê-la
em segurança. Dele.
Ele virou-se para o túnel, tentando escutar sinais se o
atirador os seguira. Tudo o que escutou foi o rugido das
ondas enchendo a abertura da caverna. O eco aumentava,
arrepiando-lhe. Após alguns minutos, o ruído mudou.
Rapidamente, ele se moveu até o baú, abriu a tampa e achou
o que ele estava procurando. Ele acendeu a vela e a colocou
ao lado do lampião e o pegou.
― Fique aqui. ― Ele disse a Hannah. ― Desta vez, pelo
amor de Deus, faça como lhe foi dito. E não atire em mim
quando eu voltar.
Então, ele desceu o longo poço da caverna até que a água
do mar lambesse as suas botas. Olhando ao redor, ele
percebeu sinais da linha d’água um pouco acima de um metro
mais adiante. Estavam perto da maré alta. Na próxima hora,
a água atingiria seu pico e começaria a retroceder. Em duas,
eles estariam no caminho de volta a Grimsgate ― contando
que ele pudesse matar o atirador rapidamente.
Ele voltou para a câmara e encontrou Hannah sentada
calmamente sobre o cobertor, sua pistola no colo e o mapa do
ladrão em suas mãos.
Assoprando a vela, ele colocou a sua pistola em cima de
uma pedra e o lampião perto do ombro dela. Depois sentou-se
ao seu lado. Exalou.
― Eu deveria ter a levado de volta a Grimsgate. A
trancado em nosso quarto com Reaver e Tannenbrook do lado
de fora da porta. Esperado até amanhã para vir aqui. ― Ele
passou uma mão pelo cabelo. ― Maldita estupidez.
Ela olhou para cima, piscando lentamente.
― Bobagem. Seus pensamentos estavam certos. Perto da
maré alta, o ladrão não estaria dentro da caverna, mas ela
ainda estaria acessível. Você sabia disso. Se tivesse me
devolvido a Grimsgate, eu o teria seguido novamente. Você
também sabia disso. E eu observei examinar os penhascos.
Não havia ninguém perto quando nos aventuramos a descer
até a praia. Mesmo assim, você foi cauteloso.
Sua afirmação serena lhe pareceu estranha. Ele a
examinou de perto. Ela estava mais pálida do que antes?
Difícil dizer na luz fraca.
― Você deveria estar dentro do castelo neste momento,
não presa dentro de uma caverna com um sabujo mal
humorado. ― Ele riu dele mesmo e esfregou os olhos. Talvez
tivesse sido melhor ter se casado com seu encantador
cavalheiro infantil, amor. Poucas chances de levar um tiro
enquanto joga xadrez de jardim.
― Eu não o quero.
Deus, ele era um idiota. Um idiota louco e ciumento.
A forma como ela falou sobre Farrington naquela manhã
acendeu o seu pavio a um grau desconcertante. Ele os
imaginou juntos, sorrindo, encantados um com o outro,
compartilhando conversas espirituosas e tortas de pêssego.
Jogando o maldito xadrez de jardim.
Os seus olhos encontraram os dela.
― Por que me escolheu?
Ela olhou para o queixo dele e depois para seu próprio
colo.
― Muitas razões. ― Ela murmurou. A maioria não
consigo explicar com palavras. Nós estamos conectados. Isso
é tudo o que eu sei.
A observando, ele notou que a pele dela parecia mais
branca. Devia ser a luz, mas ele não tinha certeza.
― Hannah.
Ela fechou os olhos.
― Hannah. ― A voz dele ficou mais incisiva à medida que
os braços dela pareciam afrouxar. Ele a trouxe mais para
perto, alarmado por sua postura sem vida. ― Amor, o que há?
O que está errado?
Ela balançou a cabeça. Piscou lentamente. As mãos
tremeram até o peito dele. A cabeça dela pendeu sobre seu
ombro.
― Nada. Um pouco sonolenta, isso é tudo. Posso
descansar aqui por um instante?
Ele pegou a pistola e o mapa e os colocou sobre a
plataforma ao lado do lampião. Então, ele ergueu sua mulher
para colocá-la sobre o seu colo.
O braço dele ficou molhado.
Ele franziu o cenho. Ela estivera sentada na lama?
Improvável. A câmara estava seca.
Ele olhou para sua manga. O líquido era quente. Escuro.
Vermelho.
Santo Deus. Ela estava sangrando. Sua mulher estava
sangrando.
― Hannah. ― A voz dele quebrou-se no nome dela. O
pânico emergiu. ― Ah, Deus, Hannah. Onde está ferida,
amor?
Ela se agarrou ao pescoço dele. Enterrou o rosto em seu
colarinho.
― Perna direita. Ficarei bem. Apenas um pouco de
sangue.
Freneticamente ele levantou a saia dela para ver uma
faixa de musselina vermelha amarrada em sua coxa. Ela usou
um pedaço de sua anágua para amarrar a ferida, mas o
sangue a atravessara e ensopara sua saia.
― Deus todo poderoso.
― A bala deve ter ricocheteado. ― Ela disse, sua voz
baixa, a mão acariciando o queixo dele.
Ele desamarrou o pano ensopado e gentilmente
posicionou a perna dela para ver o longo sulco no alto da coxa
dela.
― Um arranhão. ― Ele murmurou. ― Mas um profundo.
Por que não me contou?
― Eu sou uma distração. E-eu pensei que precisaria da
minha ajuda, mas não precisa. Eu não quis tornar as coisas
piores. Estou bem.
― Você não está malditamente bem ― Ele espetou, sua
cabeça dando voltas, o pulso acelerado. ― Preciso te tirar
daqui. Preciso...
― Shh. Jonas. ― Ela beijou um ponto abaixo de sua
orelha, o polegar correndo em sal mandíbula. ― As feridas
estão longe de serem novas para mim. Recorda-se?
Ele sacudiu a cabeça, odiando a lembrança.
― Essa sangrará. Então ela se curará.
Ele a abraçou com mais força. Acariciou as costas dela.
O pescoço. Os ombros e braços. Ele pegou o cobertor.
Rasgou-o com os dentes e arrancou uma longa tira de uma
das pontas. Rapidamente ele amarrou o pano ao redor da
perna dela, apertando com força para diminuir o
sangramento.
Ela não fez mais do que estremecer.
― Eu sei que isso dói, amor. ― Ele sussurrou,
embalando-a em seus braços, acariciando as costas dela. ―
Sinto muitíssimo.
― A dor não é nada, Jonas. ― Ela acariciou o rosto dele.
― Não deve se preocupar.
Ele pegou o pacote de couro e retirou a garrafa de
uísque.
― Aqui. Beba.
― Eu não quero...
― Beba. ― Ele ladrou.
Ele pegou a garrafa. Bebeu um gole. Tossiu.
― Outro.
Ela bebeu novamente.
Eles repetiram o processo até ele ficar satisfeito de que
ela teria o bastante para enfrentar a dor. Então, ele pegou a
garrafa dos dedos flácidos dela, bebeu um pouco e jogou a
garrafa de lado.
― Assim que a maré baixar o bastante, cuidarei do
atirador. Então, voltarei e a levarei até um cirurgião em
Alnwick.
― Humm. ― Ela esfregou o nariz na garganta dele. ―
Você cheira bem, Jonas. Já lhe disse isso?
Ele esfregou os olhos. Uma hora. Menos, talvez. Apenas
uma hora. Ela ficaria bem.
― Não, amor. Diga-me.
― Não é como qualquer outro. Não consigo explicar.
Cheira a... prazer.
― Está ferida. Não é momento para sedução. Eu quero
que queira estar perto de mim.
Coisa ridícula a se dizer. Ela fora tecida com a mesma
trama dele. Sem ela, ele se desmancharia.
― Então, tem o seu desejo.
― Não meramente por motivos lascivos. Nós devemos
estar unidos. Amarrados.
A afirmação absurda combinada com as reações
previsíveis de se corpo aprofundaram o vinco em sua testa.
― Confie em mim, é melhor eu frear o uso de minhas
mãos.
Ela suspirou, seu hálito quente contra a pele dele.
― Lady Wallingham diz que você é um lobo solitário. Mas
eu quero que fique comigo. Sempre.
Suas palavras começaram a ficar arrastadas nos finais.
Sua pequena Rainha da Neve estava um pouco bêbada.
Apesar da pressão esmagadora em seu peito, ele manteve as
suas palavras leves.
― Coisa boa você ter se casado comigo, não?
― Oh, sim. Uma coisa muito boa. Eu farei qualquer coisa
que puder para garantir a sua felicidade, Jonas Hawthorn. O
que for preciso.
― Quando sua ferida estiver curada e tivermos uma
cama apropriada, vou cobrar sua palavra.
― Eu quero ter nossos filhos. Quero lhe servir seu prato
favorito nas refeições. Qual é o seu prato favorito?
Intrigado com a pergunta estranha, mesmo assim, ele
respondeu.
― Mel.
― Mel não é um prato.
― Se eu a tiver deitada sobre uma mesa, é.
Uma fungada. Depois, uma risadinha.
― Quero dizer comida, bobo.
― Pêssegos, então.
― Adoro pêssegos.
― Assim como eu.
Uma pausa.
― Você ainda não está falando de comida, está?
― Não. ― Ele a mexeu em seu colo. ― Agora sabe o
porquê.
Ela gemeu. Beijou seu pescoço.
― Você me deixa fraca.
― Isso é a perda de sangue. E o uísque.
― Não. É você. Apenas você.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, a cabeça dela
apoiada no ombro dele, a mão em seu pescoço escorregando.
Os músculos deles tremiam e lutavam contra o impulso de
esmagar o corpo dela com o dele. Para matar aquele que a
ferira. Ele os forçou a esperar. Porque isso era tudo o que ele
podia fazer.
― Jonas?
― Aye.
― Por que um ladrão teria tanto trabalho para roubar os
calçados de Lady Wallingham?
― Não sei, amor.
― Os calçados dela não serviriam em um homem.
Ele riu.
― Duvido que tenha sido precisamente pelos calçados.
Embora alguns cavalheiros gostem deles.
― Você disse que havia cartas. ― Ela fez uma pausa. ―
Talvez ele procurasse chantageá-la. Ou talvez...
Precisando de uma distração, ele se esticou de lado para
alcançar a beira do baú, arrastando-o para perto.
― Vamos dar uma olhada. ― Ele vasculhou além de um
vestido e dois pares de calçados. ― Aqui está. ― Ele pegou
uma pilha de cartas que uma vez foram dobradas e enroladas
por barbantes, mas que agora estavam soltas.
Ela começou a ler enquanto ele continuava a avaliar
entre os pertences da viúva.
― Oh, Deus. Jonas. Estas são... ― Ela folheou várias
páginas, virando-as e cobrindo os lábios com os dedos. ― São
cartas de amor.
― Humm. ― Ele virou o baú para ver se não perdera
nada. Ele ouviu alguma coisa deslizar e bater. ― Qualquer
informação valiosa para chantagem? ― Ele perguntou.
― Nada tão óbvio. Aparentemente é apenas
correspondência entre ela e o marido. ― Ela levou o papel até
o nariz. ― Sândalo. ― Ela murmurou.
Os dedos dele roçaram alguma coisa metálica. Ele puxou
uma pequena caixa com dobradiças em um dos lados, de
formato oval, com filigranas e achatada. Ele abriu a caixa.
E a coceira ao longo de sua nuca provocou um arrepio
pelo corpo todo.
― É uma miniatura? ― Hannah inclinou a cabeça contra
o peito dele para ver a imagem pintada em marfim.
― Aye. ― Ele murmurou. ― Droga, maldito inferno.
― Ele parece bastante com você. ― Ela inclinou a cabeça
em outra direção. ― E com Lorde Atherbourne. ― Outra
direção. ― Porém muito mais com Lorde Wallingham. O
queixo, acho. Este é... Acha que este é o pai de Lorde
Wallingham? Eu nunca vi um retrato dele.
― Este é o ladrão. Ou, pelo menos, combina com o
homem que a Srta. Allen descreveu. Talvez ela tenha visto
este retrato enquanto experimentava os calçados de sua
senhora e gostou dele.
― Humm. Certamente percebo o porquê.
Ele olhou para a sua esposa embriagada.
― Você percebe?
― Ele é muito bonito.
Ele fechou a tampa e jogou a miniatura de volta ao baú.
Ela o olhava, seus olhos pálidos suavizados pela bebida,
mas não menos pensativos.
― Ainda assim, ela teria que ser parte da conspiração ou
estúpida além da conta para descrever o homem na miniatura
de Lady Wallingham como o ladrão. Suspeito que ela tentou
enganá-lo e que o homem com quem estava em Alnwick é o
seu verdadeiro parceiro.
― Talvez. ― Ele lutou contra a irritação sobre ela admirar
o homem da miniatura. ― Além do mais, devo confrontar Lady
Wallingham quando voltarmos a Grimsgate. Ela está
escondendo algo. Eu lhe mostrei o meu desenho do ladrão e
ela disse não reconhecer. ― Ele gesticulou par ao baú. Uma
mentira óbvia.
Hannah lhe deu as cartas para devolvê-las ao baú.
― Talvez ela não esteja escondendo a verdade tanto
quanto... sua dor.
A mão dela acariciou sua mandíbula e depois desceu
para o coração. ― Estas são memórias, Jonas. As suas
lembranças sobre ele.
Ele rolou os ombros, ignorando a pontada que as
palavras dela produziram.
― Além do mais, não posso terminar este trabalho até
que eu descubra tudo.
Hannah se aconchegou mais nos braços dele. Ele beijou
a cabeça dela, inalou o cheiro de água de rosas e a doçura de
sua mulher. Então, enquanto ela cochilava, ele começou a
planejar seu ataque contra o atirador.
Quando a maré baixou o suficiente para ele implementar
o seu plano, ele já havia imaginado o cenário uma dúzia de
vezes. Ele se despiu, ficando apenas com as calças envolveu
Hannah no cobertor e a acordou apenas para lhe dar
instruções. Então, ele a beijou longa e profundamente para
acabar com seus protestos e acender a vela antes de pegar o
lampião e voltar para a linha de água.
Ele colocou o lampião no chão há uns dezoito metros da
entrada da caverna. Então, ele entrou na água enquanto esta
puxava e empurrava com a maré que baixava. Quando ele era
jovem, nadar era um ritual quase diário. A água fria era uma
velha amiga ― subindo por seus quadris, rolando uma onda
por cima dos ombros enquanto ele se agachava e meio se
agachava, meio nadava em direção à abertura. Um pouco
antes de mergulhar nas águas, ele vasculhou a enseada em
busca de sinais do atirador. Nada. Mas, então, o atirador
poderia ser complacente, pois a maré ainda estava alta.
Enchendo os pulmões, ele submergiu e seguiu em frente,
sentido que passava pela entrada da caverna, imediatamente
virou à direita. Uma onda o atingiu, levando o seu ombro
contra uma pedra. Ele ignorou a dor do machucado, a
queimação que começava em seu peito. Alcançando a lacuna
entre a rocha e a face do penhasco, ele deslizou para dentro
enquanto as ondas se agitavam e giravam, empurrando-o em
três direções ao mesmo tempo.
Ele precisava de ar, mas tinha que ir mais longe na
enseada. Precisava emergir onde o atirador não pudesse
esperar. Propulsionando-se ao longo das rochas embaixo das
águas, ele afundou-se e puxou a si mesmo, lutando contra as
ondas violentas até sentir a areia. Então, ao lado de uma
parede de rocha sólida, ele finalmente ousou levar seu rosto à
superfície.
Ofegando quando o ar substituiu a necessidade ardente,
ele se sacudiu para tirar a água dos olhos e se virou para o
local onde imaginou que o atirador deveria estar empoleirado.
Lá, no topo de um penhasco com uma visão clara da entrada
da caverna, um homem sentado. Loiro. Feio. Áspero. Uma
arma longa sobre o colo. Ele estava comendo alguma coisa,
suas mãos sacudiam-se enquanto ele dava uma mordida.
Então, ele bebeu de uma garrafa. Limpou a boca.
Desatento. Perfeito.
Jonas sorriu. Planejou. Então, com outra respiração
profunda ele voltou para dentro d’água e achou seu caminho
para a segunda enseada. Para a praia. Depois, a trilha.
E, finalmente, para o homem que ferira a única coisa
nesta maldita terra que ele amava.
Ele o vigiou antes. Rastejou pela grama alta e encontrou
o ângulo que queria. Esperou que a cabeça loira se virasse.
O homem jogou a carne seca que estivera mastigando.
Ele destampou a garrafa. E quando ele virou a cabeça para
trás, Jonas atacou.
Braço ao redor da garganta. Apertar. Controlar a luta.
O homem arranhou e chutou. O rifle dele foi lançado das
pernas dele e caiu no chão.
Ele era forte. Grosso na altura dos ombros. Mas Jonas
tinha uma vantagem, o elemento surpresa. A fúria queria se
soltar.
Ele segurou com mais força. Apertando. Apertando. E
um pouco antes do fim, um momento antes de o homem ficar
flácido, ele sussurrou:
― Durma agora. Sonhe com a dor que está por vir.
CAPÍTULO 18

“Se os queixos fossem fortunas, os homens Bainbridge seriam


reis, meu querido.

Dorothea Bainbridge, o Marquês de Wallingham, em uma


carta com reflexões divertidas sobre o nascimento do filho
deles.

Hannah acordou com uma lembrança de calor. O calor


dos braços de seu marido. A suavidade dos sorrisos dele em
seus ouvidos. O calor da luz do sol sobre as suas saias
úmidas.
Ele entrara na caverna como uma besta primitiva, nu e
molhado, uma fisionomia selvagem em seu rosto. Ela
perguntou o que acontecera, notando os hematomas
avermelhados se formando no ombro dele. Ele não respondeu,
meramente vestiu a camisa, a envolveu no casaco dele e a
carregou até a enseada sem dizer uma palavra. Depois, ele
recolheu o baú e, juntos, eles seguiram até os cavalos. Ela
notou que ele conseguira um rifle em algum lugar no meio do
caminho, assim como uma carga adicional: um homem, pela
aparência, tanto inconsciente ou morto. Ela não perguntou
qual. Ele colocara o homem sobre a sela dela e o cobriu com o
coberto que ainda estava ensopado com o sangue dela.
Ele a ergueu sobre o cavalo dele, montou-a atrás dele e
lhe passou uma garrafa de uísque.
― Beba. ― Ele grunhiu.
Aparentemente aquelas únicas sílabas eram tudo o que
ele podia administrar.
Ele a levara até um cirurgião em Alnwick, apenas um
quilômetro ou dois. Depois, ameaçou ‘cavar um corte cinco
vezes mais fundo’ na carne do cirurgião se o homem a
machucasse.
Enquanto o cirurgião limpava, costurava e enfaixava a
sua ferida, Jonas segurara a sua mão, sua mandíbula
flexionando e os olhos queimando.
Ela não apreciava ser tocada por ninguém além dele,
assim, o processo fora uma provação. Mas ela não queria
causar angústia a seu marido, então, ela fechou os olhos e
respirou fundo.
Respirou.
Respirou.
Isso não dissolvera a nauseante membrana de medo.
Então, finalmente, ela esticou a mão até Jonas. Ele acariciava
seu cabelo e lhe dizia como ela era forte.
Ela abriu os olhos para encontrar o de seu esposo,
pratas e fortes, ferozes e protetores. Não havia humor
despreocupado. Sem sorrisos cínicos. Sem piadas prontas.
Estava no estado mais bruto que ela já vira.
Depois, o cirurgião começou a costurar e a dor a fizera
estremecer. Os olhos de Jonas se moveram até a sua ferida.
Por um momento, ela piscou angustiada. Medo. O belo
prateado ficara sombrio. Depois frio. Tornou-se duro. Depois
remoto.
Ele continuou a segurar a mão dela, mas o seu aperto se
afrouxara e ele parara de acariciar o cabelo dela.
Ela falou o nome dele, esperando que ele a olhasse
novamente. Não a ferida, mas ela. Ele não o fez. Logo, o
uísque nublou sua mente, o láudano fez seus olhos ficarem
pesados. Ela caiu no sono ainda esperando que ele voltasse a
olhá-la.
Agora, horas mais tarde, ela acordava na cama deles em
Grimsgate, sentindo a ausência dele como um amplo arrepio.
Alguém emergiu da sala de vestir-se.
― Oh, senhora. ― Claudette chamou em voz baixa,
correndo ao seu lado. ― Deixe-me ajudá-la.
Sem pensar, Hannah instantaneamente atirou de lado
seus cobertores e começou a se levantar. Claudette estendeu
suas mãos, esperando que Hannah as pegasse. Hannah o fez,
mas apenas para apertas os dedos de sua criada e lhe dar um
sorriso de gratidão.
― Eu agradeceria se me trouxesse chá. O láudano me
deixa sedenta.
― Claro. Eu tenho uma bandeja exatamente ali. ― Ela
gesticulou em direção a uma pequena mesa perto da janela. ―
Está com dor? Eu devo buscar mais láudano?
― Não. Eu devo conversar com o meu esposo. Ajudar-me-
ia a me vestir?
Claudette hesitou, um vinco de preocupação enrugou
sua testa.
― Certamente irei. Nós devemos ter cuidado, entretanto.
Sua ferida é recente.
― Estou bem. ― Ela garantiu. ― Primeiro o chá. Depois
um lindo vestido. Rosa, eu acho. Então deverei encontrar o
Sr. Hawthorn. É urgente o que quero falar com ele.
Assentindo, Claudette sorriu com uma calorosa
segurança.
― Imediatamente, senhora.
A cabeça de Hannah rodou quando ela se sentou na
beira da cama. Mas ela devia seguir. Devia falar com Jonas.
Devia se levantar, vestir-se e falar com seu esposo.
Porque ela sentia que ele a deixava. Ela o assistiu
trancar a dor e o medo dentro de uma parede de indiferença.
Ela sabia como era. Ela fizera isso com ele.
Mas ela não podia permitir isso. Essa fortaleza podia
manter do lado de fora aqueles que o magoariam, mas o
trancaria na solidão. Ela lutou durante sete anos para
derrubar as suas paredes e se recusava a deixá-lo erguer uma
nova no meio do casamento deles.
Claudette serviu o chá, a ajudou a se lavar, escovou e
prendeu seu cabelo e a ajudou a se vestir. O vestido de manga
longa que ela escolhera era de veludo sedoso simples com
poucos ornamentos. Mas sua cor era extraordinária: o rubor
rosado de um pêssego maduro. Hannah sorriu ao imaginar
tentá-lo, beijando-o amorosamente neste vestido.
O leve sussurro de sua criada a acalmou enquanto ela
prendia um delicado colar de pérolas e prendia um conjunto
de pentes de conchas em seu cabelo. Hannah tocou os dedos
de Claudette enquanto a criada arrumava seu cabelo. Ela
apertou a mão da moça e encontrou seus olhos no espelho.
― Obrigada. ― Ela segurou os adoráveis olhos azuis da
criada. ― Obrigada por sempre ter um excelente cuidado
comigo.
O sorriso de Claudette irradiou.
― É uma honra, Sra. Hawthorn. Minha honra, na
verdade.
Sra. Hawthorn. Ela era a esposa dele. A percepção a
preencheu. A aqueceu. A fez brilhar. Ela respirou
profundamente.
― Vamos encontrar o meu marido, humm?
De acordo com o Sr. Nash, Jonas solicitara um encontro
com Lady Wallingham imediatamente após a chegada deles,
ou assim Claudette reportara. Os convidados da reunião,
incluindo Eugenia e Phineas, tinham aceitado um convite de
Lorde e Lady Rutherford para visitar Chatwick Hall e tinham
ido a horas. Consequentemente, o corredor e, na verdade,
todo o castelo parecia vazio e silencioso.
Perna de Hannah doía, embora não tanto quanto antes.
Ainda assim, ela aceitou a ajuda de Claudette enquanto elas
desciam a escadaria e entravam na galeria.
― Céus. ― Hannah exclamou vendo a chuva cobrindo as
janelas da galeria. ― Quando o aguaceiro começou?
― Gostaria que eu pegasse seu xale: Levará apenas um
momento.
― Não, eu... ― Ela assistiu a água serpentear pelo vidro.
Sua perna latejava. Uma sensação de enjoo a tomou. Ela
parou. Apoiou a mão no revestimento da janela. ― Talvez.
Sim, quero. Obrigada, Claudette.
Era uma lembrança estranha, pensou enquanto a criada
se afastava apressada. Chuva no vidro. Dor em suas coxas e
quadris. Um homem acariciando seu cabelo como se a
amasse.
Mas ele não amava. Ele a machucou repetidamente,
tentou destruí-la ao mesmo tempo em que a transformava em
algo diferente. Distorcida. Errada.
A escuridão dele quase a engolira. Então, ele morreu. E
ela ficara livre ― exceto que não era verdade. Ela tivera que
lutar, lutar e lutar. E ela teve que empurrar, empurrar e
empurrar. Ela teve que se curar.
Ela estava se curando. Por causa do amor. Colin e Sarah
Lacey a fizeram se sentir segura pela primeira vez. Maureen a
recordara o que significava ser querida como uma mãe quer
um filho. Lorde Dunston e o Sr. Reaver lhe ofereceram
proteção sem expectativas. Phineas lhe dera um lar, uma
família e um lugar ao qual pertencer. Eugenia tinha
incansavelmente atacado a fortaleza de indiferença de
Hannah até ela entrar e deixar ser amada. Depois, Eugenia
lhe ensinara a entender a sua própria força.
E, finalmente, havia Jonas. Seu lobo. Aquele que a
desejara, a desafiara, colocara o corpo e sua força entre ela e
o perigo, puramente por instinto.
Mas ele possuía cicatrizes, assim como ela. Eu sobrevivo.
Esse é meu destino. Assistir os outros morrerem enquanto eu
vivo.
Hannah perdera sua família uma vez. Depois, ela
suportou o tempo ruim. Mas ela reconstruiu uma nova
família com as melhores pessoas que podia encontrar. Ela
ajudaria Jonas a fazer o mesmo. Ela o ajudaria a descobrir a
sua própria força e ela seria incansável sobre isso. Como
Eugenia, ela não aceitaria menos do que a redenção
incondicional dele.
Porque ela o amava. A inteligência que ele fingia ser
charme. Suas discussões fingindo descuido. O coração fingido
ser desapegado.
Um sorriso curvou seus lábios. Ela traçou o caminho da
chuva pelo vidro e considerou o quão implacável ela deveria
ser. O marido dela não entendia. Ela lutaria esta batalha. Ela
conhecia cada movimento. E ela tinha uma vantagem
singular: ele a queria.
O pensamento era satisfatório.
Neste exato momento ela viu um brilho pelo canto dos
olhos. Pensando ser Claudette, ela olhou pela extensão da
galeria em direção à escadaria.
Mas não era Claudette. Era um homem, usando um
chapéu ensopado e um casaco escuro, deslizando através de
uma das portas de vidro vindo do jardim. Bonito ― uma
mandíbula magra e quadrada como a de Jonas, olhos escuros
como os de Atherbourne, um nariz orgulhoso e queixo
comprido como os de Wallingham. Ele virou-se em sua
direção.
Ele deve ter visto seus olhos arregalados, sua respiração
parar.
Oh, Deus.
Ela recuou, mas ele já avançava. Seu coração acelerou.
As orelhas latejavam. Tudo parecia desacelerar. Suas pernas
estavam machucadas e fracas da ferida e de todos os esforços
do dia. Ela tropeçou para trás quando ele a alcançou e
segurou seus braços.
Sua pele arrepiou-se. Velhas membranas de medo se
mesclaram com as novas ondas de perigo iminente, fazendo a
sua cabeça girar. Os pulmões ofegavam. Sua mente flutuou
um metro atrás de seus olhos. Depois voou.
Ele a agarrou, os dedos enfiados em seus braços.
―... Não a machucarei a menos que deva. Agora, fique
calada, bela.
Sua mente queria flutuar. Escapar. Ele a mantinha
contra ele. Tinha uma faca. Facas eram ruins. Ele pressionou
contra seus quadris.
Syder nunca cortara seus quadris. Ele sempre
trabalhava em suas coxas. Ele sempre sabia quão fundo
podia ir antes que as feridas tornassem fatais.
Sua mente flutuou mais alto.
Ele a sacudiu. Exigiu. Um lugar para se esconder.
O frio a ensopou. A chuva serpenteava pela janela.
Um reflexo brilhou entre a água e o vidro. Xale branco.
Olhos azuis. Cheios de horror.
Claudette. Sua doce criada com mãos suaves.
Hannah não a deixaria virar uma cativa também. Ela
devia ficar. Ela devia lutar. Antes que ele percebesse
Claudette parada atrás dele segurando um xale.
O homem a sacudiu com força o bastante para machucá-
la.
― Mova. O que diabos há de errado com você?
Ela se esforçou sua mente a descer, descer, descer.
Avançar para seus olhos. Ela se propôs a mover e falar.
― E-eu conheço um lugar onde pode se esconder. Um
porão, ninguém vai lá. Eu o levarei.
Ele a virou, segurando o seu braço com uma força
dolorida e depois pressionou a lâmina contra seu flanco.
― Não quero cortá-la, bela, mas irei. Faça um ruído,
tente pedir ajuda e eu a cortarei.

*~*~*

Uma hora antes

Jonas arrastou o pedaço de merda miserável atrás dele


como um saco de dejetos de cavalo. Ele bateu a cabeça do
homem na porta da sala. O homem gemeu.
O som foi malditamente satisfatório.
Ele o puxou por seis metros até o local onde o dragão
estava sentado tomando chá. Jogou o desgraçado de lado.
Pousou o baú ao lado dele. Fez uma pequena reverência.
― Seu baú e seu ladrão, milady.
Com uma imperiosa fungada, ela arqueou uma
sobrancelha e deixou de lado o chá e os óculos.
― De fato, este é o meu baú. ― Os dedos dela
gesticularam com desdém em direção ao saco de dejetos de
cavalos. ― Mas aquele não é o meu ladrão.
Jonas olhou com raiva.
― Ele atirou na minha esposa.
Os olhos dela aguçaram-se em brilhantes esmeraldas.
― Bem, mate-o se preciso. Não o contradirei. Mas ele não
é o homem que me roubou.
Atrás dele, a porta da sala de estar fechou-se com um
baque.
― Está certa, mãe. Ele não é. ― Wallingham caminhou
sala adentro arrastando Cecil Bainbridge da mesma forma
que alguém puxava um sabujo relutante ― pelo colarinho. O
marquês jogou seu primo desleixado e bêbado em uma
cadeira e caminhou até Jonas com uma fisionomia sombria.
Ele tirou um pedaço de papel de dentro do casaco e o
desdobrou, estendeu-o para que Jonas e Lady Wallingham
vissem. Era o desenho de Jonas, porém copiado por mãos
melhores que a dele.
Wallingham parecia furioso. Ele sacudiu o desenho na
frente de sua mãe, que virou o rosto.
― Quando Lady Atherbourne terminou a primeira cópia,
Atherbourne a mostrou para mim. Ele estava bastante
admirado com os talentos de sua esposa. Imagine a minha
perplexidade quando vi um rosto tão parecido ao do meu pai
que poderia muito bem ser seu fantasma.
― Oh, pare com o drama, Charles. ― O dragão o
repreendeu. ― Seu pai tinha maçãs do rosto mais acentuadas
e testa alta. Além do mais, seus lábios eram mais definidos.
Este homem pode ser bonito, mas não é o seu pai.
― Não. ― Wallingham alfinetou, apontando ao primo
bêbado. ― De acordo com Cecil, ele é meu meio irmão. Um
bastardo e chantageador, é o que parece. Por que infernos
nunca me disse isso?
As feições do velho dragão enrijeceram até cada ruga e
linha parecer ter sido esculpida em pedra. A única coisa viva
era o fogo esmeralda nos olhos dela.
― Aquela criatura baixa não é seu irmão.
― Pelo amor de Deus, mãe. Ele poderia ser gêmeo do
meu pai.
― Bobagem. Seu pai não tinha amante. ― Ela fungou e
virou seu fogo verde para Jonas. ― Espero que o encontre, Sr.
Hawthorn. Não receberá um centavo antes disso.
O saco de dejetos de cavalos grunhiu novamente,
virando-se de lado. Com suas mãos atadas, havia pouco que
ele pudesse fazer.
― Cecil diz que esse homem se aproximou dele três
meses atrás. ― Wallingham batia com o longo dedo no
desenho. ― Ele exigiu pagamento em troca de silêncio. Algo
sobre a recente sorte de Cecil em corridas de cavalos.
― Humph. Deveria ficar surpresa? Cecil não conseguiria
cair do cavalo sem trapacear.
― Explique, mãe. Expliquem quem ele é.
― Ele é um chantagista e um ladrão.
Cecil começou a roncar. Jonas olhou para o tipo de
queixo largo com desgosto.
Wallingham esfregou a testa, sua boca estava apertada.
― Você simplesmente não quer ver. Eu sei que o amava,
mãe, mas isso não é impossível.
― Sim. ― Ela falou tranquilamente. ― É.
Jonas observou a reação do marquês ― a tristeza, a
fúria, a relutância em ferir magoar a mãe dele ― e a sensação
de algo que ele raramente sentia pelos nobres como
Wallingham: simpatia. A viúva era um dragão exasperante
com modos arrogantes e uma força de vontade formidável.
Mas alguma coisa sobre a circunstância dela fez sua nuca
formigar. Ele olhou para o baú. Estas são memórias, Jonas.
As suas lembranças sobre ele.
Sem pensar, a mão dele acariciou o contornou da caixa
em seu bolso de baixo.
Outro grunhido do saco de merda atraiu a atenção dele.
Após pegar o desenho da mão de Wallingham, ele agarrou um
punhado do casaco do homem, segurou o desenho na frente
de seus olhos inchados e exigiu:
― Diga-me onde ele está.
― Não sei exatamente.
Lady Wallingham alertou:
― A sede de vingança do Sr. Hawthorn é superada
apenas por sua selvageria. Aconselho-o a responder suas
perguntas. Além do mais, ele pode não deixar nada para o
carrasco.
Os olhos do homem voaram em direção a Jonas.
Arregalados. O medo crescendo.
― Ele me pagou para vigiá-la, assim ela não contaria
mais sobre os planos dele. Isso é tudo. Era um trabalho. Eu
não roubei nada.
― Qual é o nome dele?
O homem balançou a cabeça e estremeceu.
― Maldito inferno. Seus punhos são como pedras, você...
― Qual é o nome dele?
― Lynch.
Jonas olhou para Wallingham e para a mãe dele.
Nenhum deles pareceu reconhecer o nome. Ele voltou sua
atenção ao saco de merda.
― Você disse que estava vigiando a garota. Quer dizer a
criada... Elly Allen?
― Aye. Elly. Garota doce, ela. Nunca me deu trabalho.
― Onde ela está?
O homem balançou a cabeça, parecendo desamparado.
― Não sei exatamente. Ela gostou de Lynch no começo.
Ele tem jeito com as moças. Mas saí para buscar o desjejum e
ela desapareceu. Ele estava muito zangado. Mandou-se ficar
vigiando a caverna enquanto ele a procurava.
― Ele disse para atirar na minha esposa?
O homem pareceu convincentemente horrorizado.
― Nay! Não me diga que ela foi atingida. Eu atirei para o
alto. Apenas queria que voltassem para dentro da caverna
enquanto Lynch procurava Elly.
Wallingham exclamou:
― Reaver descobriu que ela tem uma irmã que mora nas
redondezas. Ele foi interrogá-la. Talvez ela saiba para onde a
garota se foi.
Jonas passou uma mão pelos cabelos e depois levou as
mãos aos quadris. Sem criada. Sem ladrão. Sem uma maldita
pista.
― Qual a ligação que Lynch tem com a família
Bainbridge?
O homem fechou os olhos e grunhiu novamente,
reclamando sobre a dor em sal cabeça.
Jonas pegou o casaco dele e o sacudiu.
― Por que ele roubou o baú?
O homem entrecerrou os olhos por cima do ombro de
Jonas.
― Pergunte a ele. Foi nele que tudo começou.
Cecil, que havia emergido de sua cochilada levemente
menos embriagado, parecia esverdeado. Tentou se levantar da
cadeira, mas Wallingham o segurou no lugar.
― Bem, bem, primo. Não deve deixar a festa cedo.
Terrivelmente rude.
― Eu já lhes disse, eu sou uma vítima. Lynch tentou me
extorquir uma fortuna.
Wallingham olhou para a mãe.
― Explica todas aquelas cartas implorando um aumento
na mesada dele.
― Ã-hã. ― Ela concordou. ― Considerando que não há
mais explicações para a sua tolerância contínua a este patife.
Cecil fez nada além de exaurir a sua mesada e seu estoque de
conhaque na última década.
― Ele era o meu herdeiro naquela época.
― Eu o alertei para cortá-lo após o nascimento de Bain.
― Ela gesticulou para o saco de esterco reclamando sobre sua
cabeça. ― Você falou em não seguir meu conselho e este é o
infeliz resultado.
Wallingham prosseguiu questionando seu primo. Cecil
admitiu que Lynch havia se aproximado dele em Londres no
ano anterior.
― Eu acho que ele se surpreendeu com a semelhança no
começo. ― O bêbado disse. ― Eu o paguei para sumir. Pensei
que ele encerraria o assunto.
― Mas ele não fez.
― Não. Ele voltou por mais. E mais e mais. Finalmente
ele exigiu pagamento em forma de informação. ― Cecil
gesticulou na direção de Lady Wallingham. ― Queria saber
sobre ela. Grimsgate. Nossa linhagem. Uma noite, ele veio até
a velha casa do meu pai em Surrey. Estava me preparando
para vender a propriedade, e o retrato de seu pai estava no
sótão. ― A boca de Cecil se retorceu. ― Quando ele viu, soube.
Eu não disse a ele, juro. Ele deve ter suspeitado, mas, uma
vez que ele viu o retrato, teve certeza. Ele jurou encontrar a
prova que nem mesmo Lady Wallingham poderia negar.
Jonas olhou para Cecil, que ainda estava meio bêbado,
mas lúcido. Depois, examinou Lady Wallingham.
― Ele tentou chantageá-la, não foi, minha senhora? ―
Jonas perguntou suavemente.
Ela olhou para o baú e depois ergueu o queixo.
― O Sr. Lynch se aproximou de mim semanas atrás em
Londres. Ele presumiu que eu pagaria altas somas para evitar
que ele espalhasse um bocado de fofoca. Ele presumiu errado.
― Porque você não favorece chantagem?
― Porque as afirmações dele estão equivocadas. Meu
marido não gerou nem um bastardo. ― Ela estalou a língua. ―
E mesmo se tivesse, acredita que eu daria um pêni6 por
fofocas, Sr. Hawthorn? Eu conseguiria abafar a calúnia
daquele canalha em uma tarde e ainda ter tempo para um
passeio na praia com Humphrey. O Sr. Lynch nunca foi uma
ameaça. ― Ela gesticulou em direção ao seu baú. ― Ele é um
ladrão. Não mais ― e certamente, sem grande importância ―
do que isso.
―Então por que não o mencionou como possível
culpado?
― Quando ele apareceu na casa na Park Lane, eu o
mandei embora com o rabo entre as pernas. O assunto foi
resolvido. Ele não deu o nome e eu não me importei em
perguntar. Até eu ver o seu desenho do Sr. Lynch esta
manhã, suspeitei que uma das minhas criadas fosse a
culpada. Alguma ressentida e ingrata. Mais de uma me
roubou no passado.
― Você deveria ter me contado.
― Você deveria ter me mantido melhor informada sobre
os seus progressos.
― O que acredita que Lynch esperava encontrar no seu
baú?
― Não faço a mínima ideia. Evidência de sua
ascendência, presumo. Se ele tivesse perguntado, eu poderia
tê-lo poupado do trabalho. ― Ela olhou para o casaco de
Jonas. ― E a mim mesma da despesa.
A despesa estava correta. Ela oferecera a Jonas o
equivalente a uma fortuna para lhe devolver o pequeno baú.
Mais uma vez ele acariciou as linhas da caixa em seu bolso.
As portas da sala de estar se abriram. Desta vez, era
Sebastian Reaver. O cabelo dele estava úmido, sua expressão
era severa. E, ao lado dele, parecendo suja e com os olhos
arregalados, estava Elly Allen. Várias penas soltas estavam
espalhadas sobre a cabeça dela.
― Encontrei-a escondida no galinheiro da irmã. ― O nariz
duas vezes quebrado do gigante franziu-se. ― Melhor manter
distância.
A jovem criada instantaneamente começou a chorar.
Bem alto.
― Pare com seus miados, garota. ― O dragão alfinetou.
A Srta. Allen fechou a boca e soluçou até parar.
Jonas se aproximou assentindo um obrigado a Reaver e
dando à jovem criada um de seus mais encantadores sorrisos.
― Srta. Allen. Está ferida? O Sr. Lynch a machucou?
― N-num, sir. Ele num me permitia sair, mas nunca mi
machucou.
Indicando o saco de merda que olhava para a Srta. Allen
com um sorriso idiota, ele perguntou:
― E aquele ali?
― Eddie? Oh, el’ é como um cordeiro. Bondoso e gentil. ―
Ela lançou um sorriso igualmente idiota de volta para Eddie.
― Eu num o deixaria, Eddie. É qu’eu sabia que a minha irmã
começaria a se preocupar.
― Eu a perdoo, Elly. ― O homem começou a chorar
também. Em pouco tempo, os dois patéticos infelizes
começaram a vazar como vasos rachados.
― Bom Deus. ― Jonas murmurou esfregando os olhos. ―
Srta. Allen!
A garota fungou e parou.
― Aye, sir?
― Você sabe onde o Sr. Lynch pode estar agora?
Os olhos dela se arregalaram. Ela balançou a cabeça.
― Num, sir.
― Ele compartilhou os planos dele com você?
Ela piscou. Fungou.
― Ele falou de Paris algumas vezes.
― Paris.
― Ele prometeu mi levá lá quando Sua Senhoria
recuperasse a razão. Disse que haveriam muitos sapatos
elegantes. Pensei im acompanhá-lo. Mas isso foi antes de
conhecer o Eddie. ― A criada piscou, sua testa enrugou. ―
Sabe, cheguei à conclusão de que o que o Sr. Lynch diz é um
monte de besteira.
Maldito inferno. Toda essa farsa foi orquestrada por um
conspirador tagarela que parecia com o falecido marques.
Eddie e Elly eram dois tolos patéticos, nada mais. Eddie ainda
pagaria por ter ferido Hannah, mas era claro que o simplório
de cabeça-dura não tivera a intenção de machucá-la.
Ele passou a meia hora seguinte interrogando Eddie, que
trabalhara esporadicamente com Lynch há anos. Lynch era
um vigarista parecido com os que Jonas esporadicamente
encontrava no seu trabalho na Bow Street. Ele vagava de um
lugar a outro, seduzindo criadas ingênuas que o ajuda a obter
informação e aceso aos seus alvos. Ele provavelmente seduzia
viúvas vulneráveis com uma fortuna menor e depois as
deixava sem nada. Chantageava homens como Cecil
Bainbridge, o que não era menos do que homens como Cecil
Bainbridge merecia. Mas, ele também extorquia homens
idosos e senis após convencê-los de que eles cometeram
crimes que não existiam.
Quando não estava aplicando seus golpes sujos, Lynch
era um contrabandista mesquinho odiado por outros
contrabandistas por vender os nomes deles em troca de salvar
o próprio pescoço. Isso explicava sua tendência por cavernas
e uísque.
Quando Eddie terminou, Jonas tinha um claro retrato do
homem: ele era Bertie Pickens, apenas mais bonito.
Jonas se virou para Lady Wallingham.
― Quanto disso você sabia?
Ela ergueu uma sobrancelha.
― A questão certa é: quanto disso eu previ? A resposta é
tudo. Se conseguir localizar o patife, entenderá. Ele é uma
criatura inferior. A semelhança dele com os homens
Bainbridge é nada além de uma piada do caráter superior
deles. ― Ela fungou e gesticulou em direção a seu sobrinho. ―
A despeito de Cecil.
Cecil se sentou ereto na cadeira.
― Uma criatura inferior, de fato. A conversa dele é
grandiosa, um monte de frivolidade. Mas quanto a
ascendência dele, temo que ele tenha sido arrebatado. Ele
acredita ser um Bainbridge, tia. Ele acredita ter direito a
compartilhar da fortuna de Wallingham.
Wallingham franziu o cenho para o primo.
― Você acha que ele ainda está nas redondezas, então. ―
Diante do aceno de Cecil, Wallingham olhou para Jonas. ―
Como o encontraremos?
― Voltar aos esconderijos dele, talvez. As cavernas.
Alnwick. ― Jonas olhou para Reaver que estava parado com
os braços cruzados e com sua usual carranca.
― É um começo. ― Reaver concordou. ― Embora,
tenhamos que vasculhar as terras do castelo também.
― Aye. ― Jonas disse, seguindo a lógica. Lynch roubara o
baú pensando que ele lhe oferecia a chave para a fortuna dos
Bainbridge ou, pelo menos, provar sua ascendência. Não
funcionou, claro, mas um homem desesperado acostumado a
contar histórias grandiosas finalmente se convenceu de suas
próprias besteiras. Havia uma única razão para permanecer
em Northumberland, apenas uma razão para mandar Eddie
guardar a caverna. ― Ele ainda pensa que o baú é parte de
um mapa do tesouro.
Reaver grunhiu sua concordância.
― Ele voltará. Seus parceiros foram capturados e ele está
sendo caçado. Homens desesperados fazem coisas
desesperadas.
Vozes soaram do lado de fora da sala de estar. Nas
entrou parecendo solene e muito menos rígido que o normal.
Ele era seguido por uma trêmula e chorosa Claudette.
O coração de Jonas congelou. O gelo tomou todo o seu
peito.
― Peço perdão, milady, milordes. ― o mordomo disse. ―
temos um invasor no castelo.
A voz de Nash desapareceu por trás do sangue latejando
nos ouvidos de Jonas. Tudo o que ele via era Claudette cujo
olhar temeroso encontrou o de ela avançar, segurando um
xale branco em suas mãos.
Ele balançou a cabeça quando ela o alcançou, os olhos
dela suplicantes. Atormentados. Desesperados.
― E-ele tem uma faca, Sr. Hawthorn. ― Ela disse,
mergulhando-o em um pesadelo. ― Eu não pude pará-lo.
― Onde ela está?
― Eu lhe mostrarei. Mas temos que nos apressar. ― A
criada torceu o xale entre as mãos. ― Por favor, sir. Temos
que salvá-la.
CAPÍTULO 19

“Ladrões são os piores tipos de verme. Dada a escolha, eu


prefiro ratos. Não é preciso envolver o magistrado na
eliminação de ratos.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham, para


Malcolm Charles Bainbridge, o Marquês de Wallingham, em
uma carta explicando a necessidade de contratar uma criada
menos nociva.

O grande mal difere da vilania comum de forma que a


maioria das pessoas foram abençoadas em nunca descobrir.
Hannah não foi tão abençoada. Ela conhecera a forma mais
escorregadia do mal. Sentiu o seu toque vil. Olhou dentro dos
olhos malévolos enquanto ele clamava amá-la.
Era por isso que ela sabia que o atual homem a
prendendo no pequeno e escuro porão era um vilão, porém
um da variedade comum.
― Que bela você é. Vamos, diga-me o seu nome. Devo
saber.
No escuro, ela não conseguia ver o rosto dele melhor do
que ele conseguia ver o dela. Tudo o que ela tinha era a voz
dele, que era agradável o bastante, mas carregada de um
encanto forçado. Ela achou o tom teatral irritante.
Ela preferia uma voz com uma cadência mais estável, um
tom mais baixo, com pitadas de Norwich, Dorchester e
Londres. Um pouco mais rouca e muito tentadora.
O ladrão suspirou.
― Nunca vi olhos de uma cor tão impressionante. ― Onde
ele segurava seu antebraço, seu polegar acariciava em
círculos. ― Faz com que eu pense em par de brincos que uma
vez vi em uma joalheria em Paris. A jade mais leve. Alcançava
uma soma principesca.
Ele esperava encantá-la a ponto de obedecê-lo. Desde o
momento em que entraram no porão, ele não parou com os
elogios presunçosos, as menções ‘casuais’ às suas viagens.
Aparentemente Paris impressionava as outras mulheres. Ele a
mencionara quatro vezes em cinco minutos.
― Diga-me o seu nome, bela. Diga-me e eu afastarei a
faca.
No começo ela lutara para ficar com os pés no chão, para
forçar o medo a retroceder. Ela tocara no seu anel de
casamento e imaginou Jonas. Os olhos dele enquanto ele
falava seus votos. As mãos dele quando seguraram o rosto
dela para um beijo. A boca dele quando falava o nome dela. O
imaginou segurando o primeiro bebê deles. Vencendo seu
primeiro xadrez de jardim. Amando-a à luz da lua. Visões dele
a mantinham calma, o que a ajudava a ver o vilão com
clareza.
O ladrão era um dissimulado, muito como Jonas. Era
bonito, como Jonas era. Mas os dois homens não poderiam
ser mais diferentes.
Jonas era bom, perigoso, mas bom. O charme dele era
uma ferramenta que ele usava em busca de objetos honrados.
O ladrão era mau, não diabólico, mas mau. O charme
dele era uma mentira por ganância. Ele usava a sua beleza
para atacar aqueles de mentes mais fracas.
No escuro era impossível não ser notado.
― Meu nome é Sra. Hawthorn. ― Ela respondeu,
demorando o máximo que conseguiu.
A faca se afastou de suas costelas.
― Sra. Hawthorn. Bem, é um prazer ser apresentado a
você. Embora eu ficasse mais feliz se fosse uma senhorita. ―
Ele estalou a língua de um modo irritado. ― Duplamente se
não fosse uma Hawthorn.
Ela não se incomodou em responder. O homem
obviamente reconheceu o nome de Jonas. A criada perdida
deve ter lhe dito.
― Acredito que o seu marido pode ter me roubado o baú
que roubei, Sra. Hawthorn. Receio que devo recuperá-lo. ― A
mão dele continuou a acariciar seu antebraço. Ele fazia sua
pele coçar. ― Eu sou um Bainbridge, sabe. O velho dragão
apenas se recusa a admitir isso.
― Havia alguma coisa no baú que prova a sua afirmação?
― Cartas. Nada dito em tantas palavras, claro. Mas com
o tempo, tudo será esclarecido.
Alguma parte dele tocou seu cabelo. O queixo talvez. Ou
o nariz.
Ele a puxou para mais perto.
― Minhas mais sinceras desculpas pela necessidade de
segurá-la assim. Se houvesse outra maneira...
― Há sempre outras formas. ― Ela disse tranquilamente.
― Você escolheu a pior. A erra, como logo vai descobrir.
A faca retornou à posição anterior.
― É isso o que acha?
― Eu não diria se não achasse.
A risada dele foi condescendente.
― Uma beleza com fogo. Estou intrigado. Talvez quando
eu tiver a minha fortuna, nós possamos chegar a um...acordo
agradável.
Ela não respondeu. O pensamento era muito revoltante
para contemplar.
― Você escolheu este lugar. -Ele disse, a respiração dele
soprando em sua orelha. ― Eu quase poderia imaginar que
planejou para nós dois ficarmos horas juntos no escuro em
um espaço íntimo. ― O queixo dele acariciou a sua bochecha.
― Ninguém nos achará aqui, hein? Se você me permitisse
certas liberdades, ninguém ficaria ciente.
Ela imaginou Jonas. Apertou o anel de luas e estrelas em
suas mãos. Respirou.
― Não a machucarei, bela. Nossas circunstâncias são
infelizes, mas não deve temer.
Fechando os olhos, ela ouviu seu coração bater, o
silêncio da câmara e o mais leve som da chuva. Ela virou a
cabeça até que os seus lábios estivessem perto do dele.
― Posso contar um segredo? ― Ela sussurrou. ― Eu não
tenho medo.
A mão dele afrouxou. Os lábios dele baixaram.
A porta abriu.
Ela ficou livre.
Um lobo vagou para dentro do porão. Em sua mão havia
uma pistola. Em seus olhos, a morte.
Perigoso. E bom.
Hannah correu para ele. Deslizou a mão dentro do
casaco dele. Colocou o seu corpo ao redor do dele, tão
próximo quanto ela conseguia.
― Está tudo bem, amor? ― A voz dele era calma. Baixa.
Um pouco rouca.
Deus, como ela o amava.
― Sim. Ela respondeu. ― Esperei que chegasse um
minuto antes, mas servirá.
― Eu sempre virei por você.
― Eu sei.
― Devo matá-lo?
Ela pousou a mão sobre o coração dele. Deitou o ouvido
sobre o peito. Ouviu a batida reconfortante. A cadência era
veloz. Poderosa.
― Não. Ele não me machucou.
― Mas você foi ferida por causa dele. Isso exige punição.
― Sim.
Uma pausa.
― Você quer que eu o deixe por conta do carrasco, não é?
― Sim.
Ele suspirou, sua mão livre apertando sua cintura.
― Maldito inferno.
Reaver entrou, ocupando metade do espaço do porão. Ele
agarrou o pulso do ladrão, o torceu e removeu a faca com
cuidado da mão do homem. Parando apenas para murmurar
em sua voz retumbante “você está segura agora, Hannah”, ele
arrastou o ladrão através da porta.
Minutos depois, ela estava abraçando uma chorosa
Claudette na sala de Lady Wallingham enquanto Jonas
entregava o ladrão a Marquesa viúva como um lobo
oferecendo sua presa abatida.
Lady Wallingham assentiu sua aprovação.
― Muito bem, Sr. Hawthorn. A recompensa é sua.
Ele lhe fez uma mesura e sorriu.
Com o filho parado ao seu lado, a viúva encarou o ladrão
com um olhar mordaz.
― Você errou bastante, Sr. Lynch. Roubar-me? Ordenar
que seu homem atirasse na esposa do Sr. Hawthorn? Tomar a
mesma esposa como refém? Poderiam compará-lo a uma
grande pilha de estrume, mas como Lorde Holstoke, sem
dúvida argumentaria, estrume pode ser responsável por um
jardim próspero. Considerando que o seu fim será bem menos
agradável.
― Eu sou um Bainbridge. ― O ladrão vociferou. ― Eu
provarei...
― Terminará na prisão. ― Ela alfinetou, sua voz ecoando
como a ordem de uma rainha. ― Ou enterrado em um buraco
qualquer que o executor destine para lixos descartáveis.
― Eu me pareço exatamente com ele. Seu marido. O
maldito trigésimo Marques de Wallingham. Eu sou filho dele!
Ela arqueou uma sobrancelha. Um pequeno sorriso
curvou sua boca.
― Você não se parece em nada a ele. Em nada.
― Como explica isso? ― O ladrão exigiu, o peito pesado
enquanto ele tentava lutar contra o aperto de Jonas. ― Eu
sou dono de uma porção, sua maldita...
Jonas passou um braço ao redor da garganta do homem.
― Mantenha sua língua civilizada ou eu a cortarei.
Hannah piscou diante da selvageria controlada de seu
marido. Ela não tinha certeza do quanto era real e do quanto
era uma tática de intimidação, mas claramente ele lutava
contra sua ira.
― Bastardos não possuem nada, Sr. Lynch. ― Lady
Wallingham instruiu calmamente. ― Sua semelhança com o
meu marido não é nada mais do que uma surpreendente
semelhança ente leite e pérola. Elas compartilham a mesma
cor. Mas enquanto uma é rara e preciosa por sua beleza, o
outro é vendido por centavos e pode ser obtido de qualquer
vaca vagando por um campo.
Lynch ofegou e engasgou sob o aperto de Jonas até
Reaver avançar e dar um tapinha em seu ombro.
― É melhor não matá-lo ainda, Hawthorn. Relaxe, agora.
Respirando rápido e ritmicamente, Jonas recuou,
permitindo que reaver assumisse o controle do ladrão.
Lady Wallingham gesticulou para um grupo de lacaios
que esperavam para levar Lynch à prisão e eles se
apressaram para responder a ordem muda.
Assim que o ladrão foi retirado, Lorde Wallingham
balançou a cabeça, franzindo o cenho em direção à imperiosa
cabeça de sua mãe.
― A semelhança é inquietante, mãe. Não vejo como pode
negar isso.
― Oh, eu não neguei.
Mostrando-se confuso, a ruga na testa se aprofundo.
Ela levantou o olhar para seu filho. Deu um tapinha na
mão que ele apoiava no encosto da cadeira dela em um raro
gesto maternal.
― Ele não é seu irmão, Charles. ― O olhar dele se moveu
para Cecil Bainbridge, sentado há uma boa distância
segurando uma xícara de chá e parecendo miserável. ―
Entretanto, ele pode ser irmão de Cecil. A terceira amante de
seu tio tinha olhos muito parecidos com os dele. Ele se casou
com a mãe de Cecil logo após ser trocado por Lorde
Muggeridge.
― Um primo, então.
― Um bastardo. ― Ela rebateu. ― Mas não um de valor.
Se ele tivesse, então eu pensaria que sua generosidade
infernal seria justificada. Você herdou esse traço de seu pai,
assim como o queixo.
Wallingham olhou para o baú, que estava no chão ao
lado dos pés dela. Ele balançou a mão de sua mãe e
gentilmente a levou aos lábios.
― Fico feliz que as suas posses estejam de volta ao local
a qual pertencem. ― Ele disse suavemente. ― Onde elas
sempre pertenceram.
Enquanto Hannah se encantava com o momento terno
entre mãe e filho, Jonas se aproximou. Os olhos dele estavam
tempestuosos, como se a necessidade por violência não
tivesse sido saciada.
― Você deveria se deitar amor. Deixe que Claudette lhe
leve para cima.
Ela balançou a cabeça.
― Estou bem.
― Não está bem, você foi ferida. ― O maxilar dele
flexionou enquanto a tempestade crescia.
― Jonas não deveria ser preocupar...
― Eu me preocupo. Maldito inferno, você foi levada. Bem
embaixo do meu nariz. Ele manteve uma faca em sua... ― Ele
cerrou os dentes. Prata brilhou como um relâmpago. O peito
dele ficou pesado.
Estendendo a mão na direção dele impotentemente, mal
os dedos dela tocaram a camisa dele, ele se afastou.
Os olhos dele se afastaram dela.
O seu esposo estava se afastando dela.
Ele envolveu os braços no quadril. Caminhou até o lado
oposto da sala e olhou pela janela em vez de olhar para ela.
Claudette, pequena e doce ofereceu:
― Foi um dia difícil para todos nós, senhora.
Hannah engoliu o nó e assentiu. Ele estava se afastando.
Novamente. Por dentro, onde ela lutara para dar a ele cada
parte de si mesma, uma dormência cinza começou a subir e
girar.
À distância, ela percebeu Wallingham escoltar seu primo
para fora da sala. Claudette disse alguma coisa sobre buscar
chá. Logo a sala ficou vazia, exceto por Hannah, Jonas e Lady
Wallingham.
Notando como a viúva parecia cansada, ela se
aproximou. Olhou para o baú. Inalou o leve aroma de
sândalo.
― Ele era canhoto, não era? ― Ela murmurou
suavemente.
A cabeça branca ergueu-se. Olhos esmeraldas ferozes
arderam em chamas. Uma boca enrugada se apertou.
― Sim.
Hannah moveu-se até a cadeira adjacente e sentou-se.
― É assim que se lembra dele.
Silêncio.
― É um bom caminho. ― Hannah disse. ― Do contrário,
como poderia suportar isso? ― Ela respirou profunda e
irregularmente. Lançou um olhar a seu marido. ― Eu não
conseguiria suportar.
― Consegue. ― A viúva disse tranquilamente.
Hannah nuca a virar parecer tão enrugada, tão cansada.
Como as cartas que ela escondera até a tinta desbotar e o
papel ficar fino.
― Se tiver o filho dele para amar, consegue suportar isso.
― Os olhos verdes recaíram sobre as mãos finas e enrugadas.
― Se reunir os amigos ao seu redor e os mantiver perto,
consegue suportar. ― Ela levantou os olhos.
Eles apertaram o coração de Hannah como um torno
implacável.
― Mas nunca estaria completa. Estaria apenas
esperando. ― O olhar dela recaiu sobre o baú. ― E, em seus
momentos de fraqueza...recordando.
Hannah ouviu a porta da sala de estar abrir-se e
estremeceu quando ela foi fechada com um estrondo. Era
Jonas.
Saindo.
No rastro da assustadora afirmação do dragão, a partida
dele foi um golpe de devastação gelada. A dormência se
espalhou como um lençol dentro ela. Nem isso impediu o
sangramento.
Sua mão tremeu até sua boca. Suas respirações eram
superficiais.
― Acalme-se, querida. ― Veio uma voz de comando ao
seu lado. ― Olhe para mim.
Ela não conseguia. Ele se fora.
― Olhe para mim, garota. Agora!
Os olhos de Hannah voaram em direção à velha senhora.
― Melhor. Para onde você fugiu, hã?
Um calafrio caiu sobre ela. Ela não tinha resposta.
― Ele não a deixou.
Ela balançou a cabeça.
― Eu não sei como convencê-lo, minha senhora.
― De que, especificamente?
― Conectar-se.
A idosa suspirou.
― Conexões levam tempo, garota. Você está lhe pedindo
para se render após apenas uma semana de casamento.
― Não se render. Apenas... Eu quero que ele me deixe
entrar. ― Era a mesma coisa que ele lhe pedira. E ela o fizera,
mas seu medo do que poderia resultar fora feroz. Talvez ele
estivesse lutando contra algo igualmente assustador. ― O que
será necessário?
― Da parte dele, coragem. Da sua, paciência. ― A boca de
Lady Wallingham se curvou. ― Ele já é seu, minha querida.
Talvez não tenha percebido, mas ele resistiu em matar o Sr.
Lynch em sua presença. Para um homem como Hawthorn,
isso é um ato de adoração.
Hannah bufou.
― Adoração. Não seja tola.
― Eu nunca sou tola.
― Ele me ama. Posso ver isso. Mas também posso ver o
medo dele e eu não sei como enfrentá-lo.
― Como enfrentou o seu próprio medo?
Ela pensou sobre isso. Recordou todos os passos que
dera ― os pequenos e os grandes ― matricular-se na
Academia Santa Catherine, conhecer Phineas, matar lady
Holstoke, aceitar a amizade de Eugenia, aprender a cavalgar.
E escolher amar Jonas. Talvez tenha sido o maior de todos.
― Pouco a pouco. ― Hannah sussurrou.
― Exatamente. Para criaturas selvagens e solitárias, o
amor é instintivo. Poderoso. Essa força o manterá contigo
enquanto você constrói estruturas mais permanentes. Conte
com isso.
Lágrimas inundaram os olhos de Hannah,
transformando o brilho em um redemoinho aquoso.
― C-como pode ter certeza?
― Simples, minha querida. ― Lady Wallingham indicou
seu baú. ― Dragões precisam de seus tesouros. Lobos
precisam de sua lua.
CAPÍTULO 20

“Quando o verei novamente? Uma eternidade vive dentro de


cada hora passada.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham, em uma


carta escrita após muitas eternidades passadas.

Jonas caminhou um quilômetro antes de parar de ver


Hannah morta dentro de um porão empoeirado. Outro
quilômetro antes de poder pensar nela sem uma névoa
vermelha de sede de sangue contra o homem que a ameaçara
com uma lâmina. Feri-la com uma bala. Tocá-la com suas
mãos abusadoras.
No momento em que ele parou e se encostou sobre uma
pedra atingida pela água, sua ira havia diminuída a um fogo
brando. Mas a dor persistia.
Nunca estaria completa. ― A voz do velho dragão que
falava naquele tom experiente. ― Estaria apenas esperando.
E, em seus momentos de fraqueza, recordando.
Grunhindo contra o aperto em seu peito, ele vasculhou o
seu bolso inferior. Recolheu a caixa. Deslizou o dedo pela
superfície enquanto observava o mar acariciar a areia
dourada e as pedras negras.
Ele tinha tudo o que sempre quis. Tudo o que ele enfiava
dentro daquela caixa.
Mas e se ele perdesse a caixa? E se ele a perdesse?
Nada durava. Mesmo as pedras da praia virariam pó com
o tempo. Os penhascos seriam escavados pela água e pelo
vento.
Ela poderia ficar doente. Ela poderia morrer e deixá-lo
sem nada além da espera. Passando seu tempo com uma
caixa cheia de papel.
Ele passou a mão pelo rosto. Ela queria filhos. Ela queria
segurar bebês como o sobrinho, pequeno e frágil. Ela queria
que ele os amasse.
E se ele os perdesse também?
A solidão era fácil. Sem complicações. Ele podia viver em
qualquer condado que quisesse sem ter que perguntar se era
melhor estar perto de Holstoke ou Dunston. Ele podia vestir o
casaco que o malditamente agradasse sem se perguntar se ele
a agradava. Ele podia ficar livre do peso do medo.
Mas, então, ele teria que viver sem ela. E quem no
maldito inferno precisava de casaco com bolsos se não tivesse
nada precioso para colocar dentro deles?
Ele deslizou o polegar pela lua e estrelas. Então, ele
empurrou seus sonhos de volta ao lugar onde eles pertenciam
e se encaminhou ao castelo.
Lá dentro, descobriu que a maioria dos convidados de
Lady Wallingham haviam retornado de Chatwick. Dunston e
Blackmore o abordaram em seu caminho ao grande salão
para lhe fazer dúzias de perguntas. Logo se uniram a eles,
Atherbourne, Tannenbrook, Conrad e Lacey, todos querendo
detalhes sobre a prisão do ladrão.
Jonas respondeu tão brevemente quanto pode, mas os
homens o seguravam. Ele ansiava escapar. Ele queria
encontrar Hannah. Ele queria beijar a sua doce boca e se
certificar que a ferida dela não doía demais.
― E você não o matou? ― Dunston perguntou pela
quarta vez.
Jonas esfregou a testa.
― Maldição, Dunston.
― Parece-me que poderia ter feito. Eu duvido que os
magistrados lhe causassem problemas. Se o fizessem, poderia
interceder em seu favor. ― O elegante conde sorriu. ― O
Ministro do Interior é um amigo.
― Ela me pediu para não o fazer.
Blackmore murmurou sua simpatia.
― Sim. As mulheres às vezes têm sensibilidades
diferentes ao que se diz respeito a tais coisas. Tendem mais
para a pena.
― Às vezes matar é a melhor coisa. ― Disse Colin Lacey.
O homem que parecia ter saído de uma pintura possuía um
olhar distintamente incivilizado. ― A única coisa.
Dunston bateu no ombro de Lacey com um aceno de
aprovação.
― Eu sempre soube que nós tínhamos mais em comum
do que a aparência sugeria. ― Os olhos dele caíram sobre o
colete de Lacey, que era de um tecido marrom simples. ― Você
pode ser um tutor glorificado do interior e pai de três, mas
esse colete está levando o enfadonho longe demais, meu bom
homem.
Lacey riu.
― Se a minha vida é enfadonha, então pode ficar cada dia
mais tediosa.
― Fez um bom ponto sobre matar aqueles que precisam
ser mortos. ― Dunston disse em um tom sombrio. Ele olhou
para Jonas, os olhos duros e cheios de propósito. ― Derrubar
Horatio Syder equilibrou a balança.
O corpo inteiro de Jonas corou de uma vez. Faíscas
vermelhas voavam em sua visão. Sem pensar ele se
aproximou de Lacey.
― Você? ― Ele falou, sua voz era um grunhido
irreconhecível. ― Você o matou?
Lacey ergueu as sobrancelhas com cautela.
― Eu o fiz. Devo dizer, não me lamento nem um
momento desde então.
― Eu queria tê-lo feito. ― As palavras escaparam dele,
brutas e guturais.
Mas ele viu que Lacey compreendeu. Os olhos do outro
homem mostraram simpatia, selvageria e satisfação em
medidas iguais.
― Mil vezes...
― Por mil anos. ― Jonas terminou. Ele recordou o que
Dunston lhe contara a respeito do homem que matara Syder.
― Sua esposa... Ela sobreviveu.
Lacey sorriu.
― Sim. Ela é forte. Como Hannah.
Jonas não sabia o que fazer com todas as coisas dentro
dele. Gratidão por Lacey. Orgulho por sua esposa. A
necessidade de segurá-la novamente. Era demais. Ele teve
que cerrar os dentes contra a força disso.
A tensão foi quebrada quando Rutherford juntou-se a
eles. O marquês entregou o seu chapéu a Nash e se
aproximou, ficando entre Atherbourne e Tannenbrook.
― Pensei que não deveríamos discutir a incursão de Colin
no mundo da espionagem e assassinato. ― Ele lançou a Jonas
um sorriso irônico. ― Assunto delicado, sabe.
Blackmore dirigiu um olhar de desaprovação a Dunston,
que deu de ombros e respondeu:
― Você é que salvou a pele do rapaz, Rutherford. Duas
vezes. Ainda assim, é aquele que insiste que devo evitar
mencionar isso.
Olhos turquesa brilharam irritados.
― Acredito que acabou de fazê-lo.
O sorriso de Dunston era o de quem não se arrependera.
― Escorregou pela língua.
Jonas ficou feliz em perceber que não era o único a quem
Dunston gostava de irritar.
Atherbourne riu.
― Ben sempre preferiu ser considerado mau. Não
devemos estragar a ilusão.
― Pelo que me recordo, você apreciou seguir-me nesta
questão, Luc. ― Rutherford respondeu. ― Infelizmente, nossa
maldade agora deve ser reservada a lugares onde ela será
melhor empregada. Temos filhas a considerar, não é?
Rindo, Atherbourne bateu no ombro de Rutherford.
― Exato. Se sua Margaret e a minha Mary Sophia
acreditam que somos santos, não podemos nem ao menos nos
dar o luxo de fingir maldade. Temo o dia em que minha garota
se aventurará no mercado de casamento.
Tannenbrook olhou com cara feia para os dois.
― Então vocês pretendem enviar suas ovelhas para o
meio dos lobos?
Atherbourne balançou a cabeça.
― Isso de novo. Já lhe expliquei, homem. Você tem
quatro filhas que, graças a Deus, assemelham-se à mãe. As
chances de ela ficarem solteiras para sempre são...
― Melhor que elas sejam solteironas do que objeto para o
apetite de lobos e diabos.
― Concordo com Tannenbrook. ― Disse Blackmore.
― Você gostaria. ― Bufou Dunston. ― Prevejo que Emma
e as irmãs terão ideias diferentes quando a hora chegar.
Lacey riu.
― E, se conheço o meu irmão, elas o terão dançando
conforme a música com a mesma facilidade com que Jane faz.
Blackmore pareceu prestes a protestar, mas finalmente
sorriu e concedeu:
― Acredito que sim.
Enquanto Jonas ouvia os homens zombando-se
mutuamente sobre quem satisfazia os desejos das esposas
mais rápido, outra pontada de desejo por Hannah o atingiu.
Ele se desculpou e foi em busca de sua esposa.
Ele a encontrou no berçário. Ela estava sentada em uma
cadeira perto da janela segurando o sobrinho. A luz oeste
atravessava o vidro pintando os cabelos pretos com sombras
aquosas e um leve branco. O sorriso dela era terno. O dedo
envolvia um punho minúsculo. E quando seu peito se
apertou, ela começou a cantarolar.
A canção era leve. Tão suave quando a neve caindo.
Tão familiar quanto sua respiração.
Suas pernas o levaram para mais perto. A mão moveu-se
para o seu bolso. Os olhos não conseguiam abandoná-la.
Ela pestanejou e levantou o rosto. Verdes fascinantes
focaram nele.
― Jonas. ― Ela sussurrou. ― V-você voltou.
Com o coração na garganta, ele murmurou:
― Sempre, amor.
Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Ela sorriu, os
lábios trêmulos. Então, embalando o bebê, ela se levantou e
se aproximou.
― Gostaria de segurá-lo?
Alarmado, ele começou a balançar a cabeça.
― Vamos. ― Ela murmurou. ― Ele não morde.
― Hannah...
Ela transferiu o bebê para os seus braços, posicionando
sua mão para segurar a cabeça pequenininha.
― Está tudo bem. Griffin não se incomoda. ― Ela
acariciou a bochecha gorducha com o dedo. Contemplou a
pequena criatura com os olhos. ― Não é, meu querido? Uma
boa refeição deixa um menino feliz.
Jonas não olhava o bebê. Ele a observava. Não era de se
estranhar que ela exigisse que ele lhe desse filhos. Ela fora
feita para ser mãe.
Considerou sua pouca experiência com humanos
minúsculos. Sem parentes, sem sobrinhas ou sobrinhos. Ele
manteve seus braços tão imóveis quanto possível, esperando
não derrubar o futuro Conde de Holstoke sobre sua
cabecinha frágil.
― Devo conversar com você. ― Sua voz soava como uma
corda desgastada.
Ela olhou para ele.
― Eu o imaginei segurando os nossos filhos exatamente
assim.
Ele engoliu em seco.
― Sou tola por esperar que eles sejam tão bonitos quanto
você?
― Hannah.
― Eu te amo, Jonas. ― Os olhos dela estavam úmidos e
iluminados. As lágrimas escorriam por suas bochechas
pálidas. ― Por favor, olhe para ele.
Ele não queria.
― Seu nome é Griffin. Ele gosta de cores brilhantes e
frutas em miniatura. Ele é um menino curioso. Inteligente.
Ele se agita quando está com fome e dorme quando se sente
seguro. Os olhos dele são iguais aos meus.
Ele balançou a cabeça. Lutou contra ela. Contra ele
mesmo.
― Olhe para ele, meu amor.
Lentamente, ele o fez. Abaixou a cabeça. Viu um humano
minúsculo com cabelos de corvo e os olhos de Hannah.
― Griffin. ― Ela murmurou. ― Diga o nome dele.
Ele cerrou o maxilar. Forçou a palavra a sair.
― Griffin.
A palma suave dela acariciou seu rosto. A outra mão
acariciava a cabeça de Griffin.
― Isso é o que teremos um dia, Jonas. Esse é o motivo
pelo qual devemos lutar. Por nossa família.
Quanto mais tempo eles levaram ali juntos, Hannah o
tocando enquanto ele segurava o bebê, mas o aperto em seu
peito diminuiu. Logo, respirar ficou fácil.
Ela ficou nas pontas dos pés e o beijou, seus lábios
suaves e ternos contra os dele.
O menino dormiu em seus braços. Hannah mostrou-lhe
como colocar Griffin no berço e depois pegou a sua mão e o
levou para o quarto deles.
Por dentro, veludo marrom e seda azul eram lavadas pela
luz cinza. Ela caminhou até a janela, traçando as gotas com
seu dedo. A chuva havia recomeçado.
Ele tirou o casaco e o jogou aos pés da cama. Passando
uma mão entre os cabelos, ele caminhou de um lado a outro
enquanto tentava pensar em como ele podia explicar. Por
onde ele devia começar para fazê-la entender. Finalmente, ele
avançou e parou centímetros atrás dela. Olhou para baixo,
para suas mãos graciosas, sua nuca vulnerável. E as palavras
saíram dele como a chuva caiam do céu.
― Uma vez eu achei ter morrido. ― Ele falou. ― Estava
em um navio. Nós fomos despedaçados. Todos ao redor
estavam mortos ou morrendo. ― A garganta dele se apertou. ―
Foi um inferno. Pior do que qualquer coisa que já vira, e Deus
sabe, eu já vira morte suficiente até então. Minha mãe. Pai.
Os garotos que conheci em Londres. Soldados em batalha.
Morte, morte, morte. ― Ele suspirou. ― Eu sempre sobrevivi.
Parecia uma piada perversa, após um tempo.
Ela virou a cabeça até o queixo descansar em seu ombro.
― Como você suportou isso?
― Tentei ver além do inferno. Procurava algo bonito onde
quer que pudesse, como a minha mãe me ensinara. Naquele
dia no navio, antes da batalha, eu desenhei a costa. Mas até
mesmo a beleza torna-se uma provocação quando assiste
tantos homens morrerem por nada. ― Ela balançou a cabeça.
― Eu fui atingido no fim. Eu não sabia se estava morto ou
sonhando ou... ou o quê, mas eu tive uma visão. Tão
malditamente vívida que ainda posso sentir a névoa sobre a
minha pele. Estava em um jardim. Tinha cheiro de tomilho no
ar. Ramos de salgueiro. Uma casa com torres. E uma voz.
Suave. Doce. Cantarolando. Eu nuca estive ali antes, isso
tenho certeza. Mas parecia tão real quanto qualquer coisa.
Parecia...lar.
Ela virou-se de costas para ele e ele deslizou seus braços
por cima do ombro e cintura dela.
― Um bom sonho, então. ― Ela disse.
― Humm. Isso me deu algo para desejar. Alguma coisa
pela qual trabalhar. Não aquela casa ou jardim em particular.
Mas uma terra minha. Um lugar ao qual eu pertencesse. ―
Ele descansou o queixo sobre a cabeça dela. A trouxe para
perto. ― O pagamento de um soldado foi um passo. Depois
deixei o exército. Voltei a Londres. Trabalhei em navios por
um tempo. Tornei-me um agente. Mas o sonho nunca me
abandonou. Era para isso que economizava. Cada
recompensa. Cada xelim sobressalente. Tudo para ter um
lugar meu bem longe da morte e do sofrimento. Um lugar que
nenhum maldito nobre pudesse me tirar de lá. Esse foi o ‘meu
algo bonito’.
Eles ficaram em silêncio, abraçados um ao outro
enquanto a chuva batia no vidro. Depois de um tempo, ela
sussurrou.
― Temi perdê-lo.
Ele franziu a testa e a abraçou com mais força.
― Nunca me perderá.
― Posso sentir isso, Jonas. ― A voz dela estava irregular,
sufocada e trêmula. Os dedos afundaram em seu antebraço.
― Posso sentir o quanto quer se afastar e eu não sei como
mantê-lo.
Ele não tinha resposta. Sem palavras para explicar. O
que ela temia era impossível. O que ela queria já era dela.
Ela se virou em seus braços. Envolveu-se ao redor dele.
― Preciso entrar. Assim como você precisou.
Ele fechou os olhos.
― É escuro aqui dentro, amor.
― Eu gosto de lugares escuros.
― Você pode não gostar desse. ― Ele confessou falando
em cima do cabelo de corvo. ― Meu amor por você é
consumidor. Mais do que percebe.
― Mostre-me.
― Isso a assustará.
― Mostre-me de qualquer forma.
Ele beijou a cabeça dela. Levantou o queixo, assim ele
poderia beijá-la na boca.
― Muito bem. ― Ele foi até o pé da cama. Enfiou a mão
dentro do bolso inferior. Puxou uma caixa. Estendeu-a a sua
esposa. ― Abra-a.
Ela deslizou os dedos sobre o relevo de luas e estrelas.
Traçou as linhas e depois olhou para o seu anel. Os lábios
dela tremeram enquanto abria a pequena trava de latão.
Finalmente ergueu a tampa. Colocando a caixa sobre a cama,
cuidadosamente desdobrou cada uma das páginas
embrulhadas em cetim branco. Então ela as espalhou sobre o
veludo marrom. As olhou com olhos úmidos. Cobriu a boca
com dedos trêmulos.
― Aye, amor. É você. Tudo você. ― A voz dele estava em
frangalhos, o peito apertado e frio enquanto esperava que ela
dissesse alguma coisa. Condenasse a sua obsessão. Dissesse
que ele era louco.
Ela não o fez. Uma lágrima escorria por sua bochecha,
mas ela não disse nada. Apenas observava os seus desenhos.
Ela na sala de estar em Holstoke House, meio virada e a
silhueta contra a janela. Ela sentada ao lado de sua cama em
Primvale, o cabelo bagunçado e olhos fechados enquanto a
mão estava sobre a cama à centímetros da dele. Seu corpo nu
à luz da lua e os dedos cobrindo um sorriso sensual. Havia
mais ― dez mais, para ser preciso ― e ainda tinha mais por
vir. Ele refizera os desenhos que ele queimara e adicionou
novos para cada dia do casamento deles.
― Você é a minha coisa bonita. ― Ele disse. ― Tem sido
desde o primeiro momento em que a vi.
Outra lágrima escorreu. Ela fechou os olhos.
Ele ficou mal. Ele sabia que não podia ter lhe contado.
Ele sabia do dano que causaria.
― Você pensa que eu não sou forte o bastante? ― Ela
perguntou com a voz instável. ― Acha que eu o confundiria
com ele?
Sim, ele tinha. Por mais forte que ela fosse, ele faria
qualquer coisa para não assustá-la recordando-lhe o que ela
havia suportado.
― Eu não sou papel molhado, Jonas Hawthorn. ― Ela
secou uma lágrima, os olhos começando a queimar. ― E eu
não permitirei que se esconda de mim.
Repentinamente, ele se viu encarando o puro fogo
feminino.
Ela segurou a mandíbula dele. Com força. Recusou-se a
deixar que ele desviasse o olhar.
― Toque me.
Gentilmente ele segurou o pulso dela. Tentou recuar.
Ela não permitiria. Ela agarrou a mão dele e levou-a ao
seu seio.
― Toque-me. ― Ela repetiu com um rosnado. ― Eu não
preciso me proteger contra você.
A excitação surgiu antes que ele pudesse impedir.
Controlando a respiração, ele levou a mão à cintura dela, bem
acima do lado do quadril que fora ferida à bala.
― Precisa.
O nariz dela se dilatou. Flexionou o queixo.
― Eu coloquei este vestido para você. Gostou?
O olhar dele estava colado nos seios dela, então ele
vagamente notou a cor.
― É adorável.
― Sim. ― Ela alfinetou. ― Você sabe o que imaginei
enquanto me vestia?
Os mamilos dela estavam duros. Inchados. Empurrando
o veludo. Ele lambeu os lábios e determinou-se a afrouxar o
aperto na cintura dela.
― O que?
Ela começou a subir as saias. Movendo-se na direção
dele, forçando-o a recuar até as coxas baterem na cama.
Ele sentou-se surpreso com a ferocidade dela.
Levando as saias até acima das coxas, ela colocou as
mãos sobre os ombros dele e montou nos quadris dele.
― Eu o imaginei rasgando do meu corpo. ― Ela disse. ―
Imaginei a sua boca aqui. ― Ela levou a mão dele e a colocou
entre as coxas dela, pressionando os dedos dele para dentro
de suas dobras úmidas e sedosas. Ela gemeu e enfiou a outra
mão nos cabelos dele. ― Imaginei seus dentes em meus seios.
Sua língua em meus mamilos.
Ele não estava preparado para isso. No momento em que
ele sentiu como ela estava úmida, inchada, doce e pronta, o
corpo dele foi inundado por fogo. A pele dele se retesou.
Corou. Seu pênis estava tão duro que ameaçava explodir
como uma pistola superaquecida. Então, ela começou a
descrever as suas fantasias. E nada fora tão malditamente
torturador.
Visões dela deitada sobre os restos rasgados de vestido,
contorcendo-se por ele enquanto ele se banqueteava com ela,
tornando-o um prisioneiro de sua luxúria.
― Então, imaginei você dentro de mim. ― Seu algoz
continuou, com a respiração firme e a voz áspera, enquanto
ela movimentava os quadris contra a mão dele. ― Fodendo-
me.
Ele grunhiu quando a palavra o atingiu com a força de
um canhão. Ele quase gozou só de ver os lábios como botões
de rosa formar a palavra.
Ela era a sua Rainha da Neve. Imaculada. Intocável.
Mas aquela palavra ― ah, Deus. Aquela palavra era suja.
E isso a excitava. Ele percebera isso antes, quando ele a
usava, mas isso havia sido sem intenção. Agora não era.
Incapaz de se segurar, necessitando de alguma coisa
pequena para alimentar a sua fome, ele deslizou dois dedos
profundamente em seu núcleo.
Ela o apertou com força, dando-lhe acolhimento. A boca
abriu-se com o admirado prazer, ela ofegou e mordeu o lábio.
Agarrou-se a nuca dele. Empurrou os quadris com força
contra ele.
― Possua-me. ― Ela exigiu, pegando a outra mão dele e
levando-a ao seio dela. ― Não pare. Não seja gentil.
A agonia angustiante de se segurar tomou conta de suas
bolas, exigindo que ele fizesse exatamente o que ela
descrevera. Ele balançou a cabeça, seus lábios
impotentemente caíram sobre a garganta dela, os pulmões
enchendo-se, impotentemente, com o aroma úmido de rosas
sedosas e com o calor e doçura feminina.
Ela soltou os cabelos com movimentos bruscos, fazendo
suas mechas pretas como corvo caírem ao redor dos rostos
deles.
― Olhe para mim, Jonas.
Ele grunhiu sua agonia contra a pele dela.
― Olhe para mim, meu amor.
Ele olhou. Doía lutar contra a sua própria resistência.
Sua própria necessidade de mantê-la segura. Mas enquanto o
calor, o aroma e o desejo puro dela batalhavam contra ele, ele
não resistiu. Rendeu-se. Levantou a cabeça. Encontrou os
olhos dela. Deixou que ela visse.
E ela o abraçou. Verdes brilhantes levantaram-se em sua
direção. Entraram. Sorriram.
― Estou aqui, Jonas. ― Ela movimentou a cabeça como
se acenasse para a cama onde seus desenhos estavam. ― Não
ali. Não em uma caixa. ― Ela colocou a palma da mão no
centro do peito dele, as pontas dos dedos pressionando como
se quisesse absorvê-lo. ― Aqui. ― Ela segurou a mão dele
sobre o seio dela. ― E você está aqui. Não estou quebrada. O
seu amor me torna mais forte. Você não é como ele. Nunca
confundi. E eu nunca o deixarei se afastar novamente. Não
importa o que aconteça.
― Deus todo poderoso. ― O coração dele estava girando,
acelerado e tão cheio que ele não conseguia nem respirar. ―
Eu te amo, mulher linda, altiva e gloriosa. Cristo, como eu te
amo.
A risada radiante dela terminou em um longo e baixo
gemido. A vagina dela começou a apertar e exigir uma
penetração mais profunda. Seu doce semblante marcado pelo
desejo. Ela murmurou:
― Oh, céus, eu vou... Você deve me tomar agora. Por
favor. Oh, preciso de você. Duro e forte. Por favor.
Em segundos, ele inverteu as posições deles, jogando-a
sobre a cama com um pulo e rasgando a abertura de sua
calça enquanto ela separava as coxas. Ele jogou as saias dela
para cima dos quadris, apreciando pelo tempo de uma batida
do coração. Duas. Uma terceira.
― Agora, Jonas. ― Ela ordenou.
Mas ele precisava experimentá-la. Então ele se ajoelhou.
Colheu o suco dela em sua língua. Chupou o botão doce e
inchado. Saboreou mel e água de rosas.
O corpo dela se retesou. O grito agudo sinalizou seu
clímax em uma canção familiar.
E, como música, ele a tocava para extrair as notas, para
criar uma sinfonia de prazer. Somente então ele agraciou sua
mulher com seus desejos.
Primeiro ele subiu entre as coxas dela. Apoiou o corpo
sobre o dela. Beijou os lindos lábios. Sentiu ela suspirar seu
nome. Recuou para encontrar os olhos dela. Viu o amor
brilhando ali. Uma nova excitação crescia ali.
Ele acariciou o mamilo através do veludo rosado.
― Espero que tenha embalado suas linhas e agulhas,
amor. Seu vestido precisará de reparo.
Ela gemeu. Arqueou as costas.
Ele segurou a borda do corpete e rasgou. O veludo se
afastou, revelando um espartilho rendado. Ele segurou a
borda do espartilho e forçou o tecido para baixo, deixando-o
raspar nos mamilos inchados. Então, ele começou a
trabalhar.
― Acredito que mencionou dentes.
Ele mordiscou. Tocou. Pressionou e atormentou. Depois,
moveu-se ao outro seio e fez o mesmo, usando sua mão para
segurá-lo, prendo-o para seu prazer.
Finalmente, quando ele a sentiu arranhado seus ombros
e agarrando seus cabelos, ele se moveu para o último desejo
dela, sussurrando no ouvido dela o que estava por vir:
― Duro e forte, agora, hã? ― Ele posicionou as coxas dela
e a tomou em uma investida profunda que fez sair outro
gemido da garganta dela. Um fogo doce e macio o engoliu
completamente. ― Duro o bastante? ― Ele lhe deu o que ela
pediu, suas estocadas martelavam tão rápido quando seu
coração. ― Está forte o bastante?
Por todas as razões, ela poderia ter protestado. Ele
investia contra ela como um saqueador, agarrando a sua coxa
sem ferimentos e forçando-a para cima, pressionando-a a
ficar mais aberta, assim ela receberia mais, mais e mais. Mais
dele. Mais prazer e fricção. Mais de tudo que eles faziam
juntos.
Mas ela amou. Punhos pequenos e macios cerraram em
seus cabelos. Uma boca apaixonada sugava sua garganta.
Uma vagina ardente exigia ser tomada. Feita dele. Que ele lhe
desse tudo o que tinha.
Então ele o fez. Ele deu a si mesmo, segurando o rosto
dela e prendendo o olhar no dela. Dizendo-a para mantê-lo
sempre. Deixá-lo possuí-la para sempre. recebesse a sua
semente e lhe desse crianças. Que nunca partisse.
E mesmo enquanto ela gritava seu prazer e tomava o dele
dentro dela, ela o segurou. O amou.
Quase tanto quanto ele a amava.
O que era tudo o que um homem podia pedir. Luar e
meia-noite, rosas e chuva, um coração apaixonado, forte e
gloriosos, tudo deitado em seus braços.
Algo bonito.
Alguém precioso.
Um futuro melhor do que qualquer sonho.
CAPÍTULO 21

“Minhas vitórias são muitas, é verdade. Mas nenhum prêmio é


tão precioso quanto o seu coração.”

Dorothea Bainbridge, a Marquesa de Wallingham para


Malcolm Charles Bainbridge, o Marquês de Wallingham em
uma carta explicando a diferença entre triunfos e tesouros.

A rainha dele estava presa. Ele analisou a posição do


inimigo absorvendo a estratégia e prevendo o próximo
movimento. Se ele fosse à esquerda, tudo estaria perdido. Se
ele fosse à direita, ele ficaria aberto a ataque. Recuar não era
uma opção. Qualquer idiota poderia recuar. Ele também
poderia se render.
Não, o único caminho era seguir em frente. Ou talvez
diagonal.
Um latido profundo soou atrás da sebe oriental.
Repentinamente Humphrey saltou pelos quadrados de pedra
e grama, uma bota babada entre os dentes. O cachorro virou
para a esquerda, derrubando o cavalo de Hannah e dois peões
de Jonas.
― Humphrey! ― Hannah gritou.
Jonas blasfemou entre os dentes. Se ele não quisesse
que ela zombasse durante todo o almoço, ele precisava dessa
vitória. Ele vencera os dois primeiros jogos e ela, os dois
últimos. Esse seria o de desempate.
Sua esposa, ele descobrira, ela absurdamente
competitiva.
Hannah enxotou o sabujo, mas Humphrey entendeu os
gestos dela como brincadeira e, em vez de ir embora,
continuou a causar estragos até que as únicas peças
restantes fosse o bispo de Jonas e o rei de Hannah. Um peão
branco rolou pela bota de Jonas.
― Jonas! Faça alguma coisa.
Ele cruzou os braços e esfregou o queixo.
― O que quer que eu faça, amor?
Ela franziu o cenho zangada.
― Pare-o.
― Ele já fugiu com a bota de alguém. Não desejo
encontrar um destino similar. ― Ele olhou para baixo. ― Elas
são novas.
― Você fez isso de propósito.
― Fiz o cachorro atrapalhar o nosso jogo? ― Ele bufou. ―
Estava prestes a alcançar a minha terceira vitória. Por que eu
ia querer...
― Você, meu querido marido, estava prestes a perder.
Ele amava a forma como os lábios como botões de rosa
franziam na palavra ‘perder’. Sorrindo, ele saltou uma torre
negra e caminhou em direção à mulher que o mantinha
escravizado.
― Era assim?
― Eu o tinha preso.
Aproximando-se mais, ele olhou paras as bochechas
coradas e a língua dardejante.
― Eu tinha um modo de sair.
― Bobagem. Mais três movimentos e eu o teria.
Ele abaixou a sua cabeça.
― Você sabe que pode me ter sempre que quiser, não
sabe, amor?
Os olhos dela se iluminaram. Os seios incharam em uma
respiração rápida.
― Distrações são uma violação à etiqueta.
O sorriso dele aumentou.
― Violar etiqueta é o meu esporte favorito.
― Oh, céus. ― Ela suspirou. ― Eu o amo tanto. ― As
mãos dele pousaram sobre o novo casaco dele ― um que
Wallingham lhe dera de presente de casamento.
― E eu a você.
― Eu ainda afirmo que teria ganhado.
― Claro que teria.
― Talvez devêssemos ir para o nosso quarto agora.
― O almoço será servido em breve. Devemos comparecer.
Ela pareceu mais desapontada por isso do que pelo jogo.
Ele a beijou e sussurrou:
― Nunca tema, amor. Eu lhe darei todas as vitórias que
merece quando estivermos a sós.
Quando estavam sentados à mesa de Lady Wallingham,
embora a comida estivesse excelente e a companhia vivaz,
tudo o que Jonas conseguia pensar era sobre o presente que
ele planejara dar a Hannah naquela tarde. Passara-se uma
semana desde o incidente com Lynch e a reunião estava
acabando. A maioria dos convidados planejavam partir dentro
de dois dias. Ele passara os últimos cinco dias conversando
com todos, desde Lady Wallingham até Holstoke e Eugenia,
sobre as decisões que ele tomaria.
Ele queria reunir seus pensamentos e dar a Hannah
tudo o que podia. Ela merecia ter uma escolha em seu futuro.
Ela tivera tão pouco no passado.
Ele a olhava agora, a luz da vela brincando com seus
cabelos pretos. Ela inclinou-se para Eugenia, que dizia
alguma coisa que a fazia rir. Bebeu limonada e comeu tortas
de pêssego enquanto Lorde Colin e sua esposa descreviam as
mais recentes travessuras da amiga dela, Biddy, na escola. O
irmão dela perguntou sobre o jogo de xadrez com Jonas e ela
lhe contou sobre o rompante destruidor de Humphrey. Todos
à mesa eram pessoas que a amavam, amigos que a apoiavam,
conexões que ela criara com o tempo.
Ele olhou à cabeça da mesa, onde Lady Wallingham
presidia a sua corte. O velho dragão parecia ter construído
uma vasta fortaleza de amigos e conexões. Com certeza ela
guardava as memórias de seu marido para momentos em que
ela mais precisava. Mas o filho dela, a nora e neto, assim
como a família Huxley eram claramente o centro de sua vida.
O almoço terminou com o chamado para o jogo de
badminton. Em vez de acompanhá-lo, Jonas emboscou sua
esposa e murmurou:
― Eu tenho algo para lhe mostrar, amor.
Os olhos dela se iluminaram. Pestanejou.
― Se for o que estou prevendo, espero que faça mais do
apenas me mostrar.
Rindo ele levou a mão dela aos lábios. Sentiu a lua e as
estrelas roçarem seu queixo.
― Acompanhar-me-ia em uma cavalgada?
Ela sorriu e assentiu.
Meia hora depois, ele estava assistindo sua bela esposa
galopar pela areia dourada enquanto a brisa marinha
brincava com as penas de seu chapéu.
Ela riu quando ele ficou para trás, mas logo diminui o
passo até ele se aproximar dela.
― Jonas! Você deve acompanhar! ― As bochechas dela
estavam coradas, os olhos alegres.
― Venha, amor. Vamos caminhar enquanto os cavalos
descansam.
Diante de sua concordância, eles se dirigiram até um
grupo de pedras onde ele a ajudou a desmontar e pegou a sua
mão. Então, ele a levou a uma pedra mais distante, uma
rocha achatada e larga onde eles poderiam descansar e
conversar. Onde ele poderia lhe mostrar o futuro deles.
― Recorda-se quando eu lhe contei sobre a casa da
minha visão?
Ela assentiu.
― Torres, sim?
Ele pegou a caixa de lua e estrelas do bolso e abriu a
tampa.
― Ele ficou em minha mente por um longo tempo. Anos e
anos. ― Ele falou enquanto ele desdobrava os desenhos,
alisando-os e os prendendo na superfície da pedra achatada
com pequenas pedras da praia. ― Mas sempre, a casa era
uma mera representação. Um símbolo, em um sentido.
Ela sorriu.
― De lar.
― Aye. ― Ele prendeu os olhos aos dela, assim ela
poderia ver a verdade nas suas palavras. ― Mas lar para mim
é você. E conquanto vivamos juntos, ela será apenas um
lugar. Poderia ser em qualquer lugar, na verdade. Um grande
castelo perto do mar ou uma caverna com nome de santo.
Contato que você esteja feliz, eu serei o homem mais feliz da
vida.
Ela olhou para baixo. Os dedos dela foram aos lábios.
― O que... Não entendo.
Ele apontou para o primeiro desenho, que ilustrava uma
pequena casa senhoral com um jardim bem cuidado e um
grande carvalho.
― Está é uma boa casa em Suffolk, perto de Dunston e
Wallingham. A terra é boa, particularmente para gado.
Ovelhas e coisas assim. Isso nos colocaria no interior, mas há
um amplo espaço para cavalgar. Wallingham nos prometeu
dois cavalos para começar nossos estábulos.
Os olhos dela vagaram para a segunda ilustração, uma
representação de uma praia muito parecida com aquele onde
estavam agora. Sobre o penhasco havia outra casa feita de
renito. Tinha um telhado íngreme e águas-furtadas. Ela
possuía uma grande via de entrada, cercada por uma fonte.
Ele se inclinou e bateu com o dedo.
― Esta aqui fica em Northumberland, ao sul de Alnwick.
Os jardins podem ser expandidos, mas Lorde e Lady
Rutherford me disseram que a terra é excelente para o trigo.
E é perto do mar. Eu sei o quanto ama o mar.
― Oh, Jonas.
― Holstoke se ofereceu para nos ajudar com os jardins.
Ele já até sugeriu algumas melhorias que, sem dúvida,
adorará. Um pomar. Um lago.
Ele apontou para um terceiro desenho, um chalé de
enxaimel de grande escala com telhado de palha e roseiras ao
redor da entrada.
― esta fica em Dorsetshire, Pertence à família Martin-
Marce e, de acordo com Eugenia, tem todo o charme de um
chalé com a elegância de uma mansão. Está há algumas
centenas de metros do Canal e menos de uma hora de
cavalgada de Primvale. Holstoke assegura que nossas safras
floresceriam e os aluguéis são excelentes por causa da
proximidade com Weymouth.
Os dedos dela tremiam quando ele se aproximou e se
aconchegou a ele. Ela pegou a quarta ilustração e a ergueu da
pedra.
Uma lágrima escorreu por seu rosto.
― O-onde fica essa?
― Agora, há uma história engraçada, amor. Ele se
recostou na rocha e a levou com ele, olhando para a
ilustração que ela segurava. ― Parece que essa casa um dia
pertenceu à família de Lady Wallingham antes de ela se casar.
A família passou por alguma dificuldade e o pai dela se viu
forçado a vender a propriedade a Malcolm Charles
Bainbridge. Conde de Bainbridge, pois ele já possuía o título.
Lorde Bainbridge planejou usá-la para caçar e como
residência para a sua amante. Ele era jovem, solteiro. Mas
Lady Wallingham, Lady Dorothea Penworth naquele tempo,
ficou ultrajada com o fato de sua casa ancestral estar sendo
tão contaminada. Ela iniciou uma campanha de
correspondência com ele, empenhada em dissuadi-lo daquele
curso.
Hannah sorriu sob seus dedos e balançou a cabeça.
― Só posso imaginar que ele se sentiu assediado.
― Humm. O primeiro encontro deles foi meses depois,
quando ela e a irmã, Lady Margaret, viajaram a Londres para
a primeira temporada delas. Suponho que as coisas correram
mal. Ela o acusou de transformar a casa dela em um bordel.
― Oh, querido.
― Dorothea o achou ‘bonito e quieto como um vaso
decorativo e, quase, tão útil. Mas ele era o herdeiro de um
marquesado e ela uma profunda determinação em recuperar
a sua casa. Então, de seu modo usual, ela elaborou um
plano.
Hannah riu.
― Ela se casaria com ele.
― Aye.
― Era sobre isso que todas aquelas cartas eram. Ela
estava tentando seduzi-lo com a sua inteligência.
― É o que parece.
Ela traçou as linhas da ilustração com o dedo.
― Eles se apaixonaram.
― Eu receio que o processo tenha sido um pouco mais
complicado, mas sim, este foi o resultado. Eles eram
totalmente devotados um ao outro. De acordo com
Wallingham, o casamento deles foi repleto de provações ―
bebês perdidos, dificuldades em gerar um herdeiro, as
intervenções dela nos assuntos políticos ― mas nada podia
separa-los.
― Ela estava tão certa de que ele nunca teve uma
amante. ― Hannah olhou para ele. Acariciou sua bochecha.
Ele deve tê-la amado muito.
Ele acariciou a ilustração com os nós dos dedos e depois
a sua esposa.
― Esta foi a casa deles pelos primeiros anos de
casamento. Quando ele se tornou o décimo terceiro Marquês
de Wallingham, eles se mudaram para Grimsgate. Mas
mantiveram o lugar. Lady Wallingham disse que se ela
coubesse no baú, estaria lá junto com os sapatos e o sabão de
sândalo.
Uma lágrima escorreu pela bochecha dela enquanto ela
considerava o desenho.
― Desenhou isso da descrição dela?
― Eu não a desenhei, amor. Ela me enviou junto com a
carta solicitando os meus serviços. Ofereceu a propriedade
como recompensa pela localização do baú e do homem que o
roubara.
― Oh, Jonas. Como pode ser?
― Não sei. Mas isso, com certeza, me trouxe galopando
até aqui sem atraso.
Ela traçou as torres gêmeas que marcavam a frente da
casa, o salgueiro chorão ao lado de um pequeno lago.
― Esta é a sua casa.
― Não, amor. É dela. Só será nossa se você quiser assim.
― Somersetshire. Meio dia de cavalgada de Lorde e Lady
Colin, várias horas de Primvale. Está no interior. Sem mar
sinto muito. Mas a terra é excelente. Florestas. Vastas áreas
cultivadas. Frutas. ― Ele parou avaliando a expressão dela. ―
Lady Wallingham me deu uma escolha ― a propriedade ou a
soma equivalente em dinheiro. Então, como vê, amor, nós
podemos viver onde quisermos. ― Ele depositou um beijo na
palma dela. ― Onde você for mais feliz, pois a sua felicidade é
minha.
Mas lágrimas escorreram pelo rosto dela. Ela deslizou o
polegar por seus lábios. O seu amor por ele brilhava em seus
olhos extraordinários.
― E a sua é minha, Jonas Bartholomew Hawthorn. ― Ela
se virou nos braços dele. Pegou a caixa de lua e estrelas.
Dobrou a quarta ilustração e a colocou com reverência no
cetim branco. Depois ela deslizou a caixa dentro do bolso
inferior, escorregou os braços ao redor da cintura dele e
sorriu para ele com a ternura de derreter um coração. ― Os
seus sonhos são meus. Seu coração é meu. Sua casa é
minha. ― Ela ficou nas pontas dos dedos e o beijou.
Ele não pode resistir, seu luar, botões de rosas, meia-
noite e chuva. Seu algo bonito.
― Você é meu. ― Ela sussurrou. ― Sempre.
EPILOGO

“Acompanhe-me, Humphrey. Vamos passear juntos pelo jardim


e recordar como tudo é belo quando está florescendo.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para seu bom companheiro


em uma manhã de setembro.

O sonho dele era perfumado por tomilho. Quadrados de


ervas amorteciam suas pisadas, enviando um cheiro verde e
apimentado para provocar e deleitar.
Estava iluminado pelo sol forte de setembro que
atravessava a suave névoa da manhã.
Era salpicado de risadas ― infantis e doces. Os gritos de
um menino para um novo filhote de cachorro. Os gritos de
uma menina, meio amedrontada, meio excitada.
Era acompanhado por um zumbido. Neve caindo no
verão. Suave e quente.
Era pintado de verde. Galhos de salgueiro acariciavam a
superfície do lago. Sebes altas formavam um pano de fundo
para rosas brancas e vasos cheios de hera.
Era compartilhado pela mulher que embalava o terceiro
filho dele. A mulher mais forte e mais bela que ele já vira.
O filhote correu entre os galhos do salgueiro, suas
orelhas marrons e caídas. Uma menina de cabelos pretos
usando um chapéu de fitas vermelhas ria e o perseguia. Um
menino de olhos cinzas com um sorriso maroto tentava o
filhote com um osso.
― Lady Wallingham pretende passar a semana conosco.
― Disse sua esposa. ― Phineas e Eugenia a trará com eles
amanhã.
― Griffin também?
Ela sorriu, uma ruga de afeição em seus olhos, depois
ela olhou em direção aos quadrados do tabuleiro de xadrez
gigante, visível de onde eles estavam sentados, no canto sul
do jardim.
― Todos os filhos deles, mas sim, você e Griffin poderão
ter a revanche depois do impasse anterior.
― Ele é um oponente digno, considerando que ainda não
tem idade o suficiente para ter bigodes.
― Humm. Com Dunston e Maureen nos visitando
também, nós teremos a casa bem cheia, de fato, meu querido.
Ele acariciou a bochecha rechonchuda de sua filha mais
nova. Inclinou-se e beijou o cabelo preto como corvo que
brilhava na luz dourada. Levantou e beijou o seu algo bonito.
― Exatamente como deve ser, amor. Tudo está como
deveria ser.
Notas

[←1]
Dragona é uma peça metálica ornada com franjas de fios de seda ou ouro, e era usada como
distintivo no ombro do uniforme militar.
[←2]
       A cravat é uma faixa para o pescoço, precursora da moderna gravata e gravata borboleta,
originada de um estilo usado por membros da unidade militar do século XVII, conhecida como
croatas.
[←3]
       Em inglês, ambos sobrenomes são cores. Gray é cinza e Brown, marrom. Assim, o sobrenome
seria ficaria Cinza-Marrom.
[←4]
       topiaria é a arte de podar plantas em formas ornamentais. 
[←5]
[←6]
Pêni ― moeda inglesa de menor valor

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