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Copyright © 2020 por Matheus P. Costa

Revisão: Wanessa Carvalho


Capa: Igor Chagas

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Para todos os meus
leitores do Wattpad,
esta história é para
vocês...
Sumário
I O PIOR BAILE DE DEBUTANTE DE TODOS OS TEMPOS
II SE ARREPENDIMENTO MATASSE...
III NÃO TINHA UMA COR FAVORITA ATÉ ENTÃO

IV O RUDETÍMIDO MARQUÊS

V CASAMENTO É COVENIÊNCIA, AMOR É SORTE

VI PEQUENAS ARANHAS CAUSAM GRANDES PROBLEMAS

VII SOMERSET

VIII UM PASSEIO COM DESEJOS

IX AMOR OU DESEJO?

X MÁ NOTÍCIA

XI DESEJO MISERÁVEL

XII CASAMENTO, ANSIEDADE, PERDÃO E TUDO O MAIS

XIII UM BELO DIA PARA CHRISTINA E O HOMEM MURALHA

XIV DUELOS SÃO PROIBIDOS

XV A PIOR DAS CALÚNIAS

XVI O PODER DA SEDUÇÃO

XVII TODA A VERDADE

XVIII A ÚLTIMA COLUNA

XIX CANÇÃO DE AMOR


EPÍLOGO
I
O PIOR BAILE DE DEBUTANTE
DE TODOS OS TEMPOS
- Devonshire, Inglaterra (junho de 1822)

AI
MEU
DEUS!
Thereza Christina Righter tinha certeza que estava prestes a
desmaiar! Sua animação era tão grande que fazia seu estômago girar. Estava
demasiadamente empolgada, isso podia ser visto de longe. A moça não
parava de se remexer o tempo todo... Sem falar naquele sorriso branco que
nunca deixava seus lábios.
A tamanha empolgação e inquietude da menina vinha por
consequência de três causas:
1) Fazia apenas um dia desde que voltara de Windsor, onde ficou
por um ano numa escola de moças, longe de toda sua família e amigos de
Londres.
2) Ela estava, enfim, a caminho da propriedade de lorde e lady
Devon para participar de sua primeira temporada social. Thereza Christina
finalmente debutaria!
3) E por último, mas não menos importante — na verdade, essa é o
que mais fazia Thereza ter coceiras pelo corpo — estava a caminho da
Propriedade Devon, em Devonshire. Finalmente veria Gregory Devon,
futuro conde de Devonshire e um amigo — muito íntimo, aliás — de
Thereza há bastante tempo.
Depois de um ano somente trocando cartas onde escreviam não mais
que "Eu estou bem, e o senhor, como está?", "Ah, estou indo, milady. Na
verdade, estou sendo guiado pela saudade nesses últimos dias. Não vejo a
hora de poder vê-la novamente, Srta. Sussex!". Ela ainda não estava
acreditando que faltava tão pouco para revê-lo.
Será que ele mudou muito? Os pensamentos da moça começaram a
incomodá-la. Será que seu cabelo está maior ou mais curto? E sua barba?
Será que ele ainda tem aquelas costeletas?
Thereza riu sem nem mesmo perceber quando a voz de Gregory
veio em sua memória e cochichou um "Srta. Sussex". Ela adorava quando
ele a chamava pelo título de sua família.
A dama é filha do conde e da condessa de West Sussex e irmão do
tão galanteador e libertino Thomaz Christopher Righter, que partira esta
manhã para West Sussex como visconde de seu pai. Já não bastava Thomaz
ser tão charmoso e maravilhosamente bonito, ainda por cima tinha que ter
um condado em suas mãos! O que muitas damas não dariam para ficar com
ele?
— Ai! Tessa, se não parar de se remexer assim, chegarei em Devon
sem minhas costelas! — Srta. Spinhoff, sua melhor amiga, repreendeu-a.
Ela estava sentada ao seu lado na carruagem, e Thereza tinha consciência
das cotoveladas que acertavam a amiga, mas não conseguia se aquietar de
forma alguma, até parecia que formigas faziam festa em seu traseiro.
— Desculpe-me, Marjo. Mas é que realmente estou muito nervosa
e... Empolgada! — respondeu, tentando respirar fundo em uma tentativa
falha de se acalmar.
— E olha que nem viu Gregory ainda. Imagina só quando estiverem
cara a cara! Eu não quero mesmo estar perto.
Marjorie riu, mas se calou assim que Thereza inferiu um beliscão
em sua coxa. Ela olhou feio para a amiga, depois desviou o olhar para seus
pais, que estavam sentados bem diante delas, para alertá-la de que eles
ainda estavam ali.
A Srta. Spinhoff tentou inverter a situação:
— Quer dizer... Quem é Gregory? — ela solta uma risada sem graça
e olha para Thereza. — você conhece algum Gregory, Tessa? Humpf! De
onde tirei esse nome?
A Srta. Righter revira os olhos. Era sempre assim, todas as vezes
que Marjorie falava alguma coisa errada e tentava consertar, ficava mil
vezes pior.
— Querida, é claro que minha filha conhece Gregory — diz Lady
Amélia Righter — Gregory Devon, aliás — ela se vira para encarar
Thereza. — Não precisa esconder o que sente por ele, querida. Sei que
gosta do rapaz e...
— Diabos! — soltou lorde Righter ao lado de Amélia. — Não gosto
nada dessa ideia de Thereza ficar vagando por aí com qualquer um.
— Papai! Gregory Devon não é qualquer um. — repreendeu-o
Thereza. — Ele é o futuro conde de Devonshire, poxa!
— Mesmo assim, querida. A ideia daquele menino pomposo
tocando-a me dá calafrios e...
— Chega, querido, chega. — lady Righter pega a mão do marido
com a intenção de calá-lo e percebe a coloração rosada que preencheu as
bochechas da filha.
— Ele pode ser pomposo, mas pelo menos é educado, simpático,
cavalheiro e tem um condado em suas mãos. Ou seja, Gregory Devon é um
ótimo partido! — Thereza defendeu-o, se virando de cara feia para a janela.
E quando o fez, viu que tinham adentrado os portões da Propriedade Devon
e por isso gritou: — FINALMENTE!
A agitação pareceu se apossar ainda mais de seu corpo, portanto
abriu seu leque da mesma cor de seu vestido dourado e começou a se
abanar. Ela tratou de colocar rapidamente suas luvas, no mesmo instante a
porta da carruagem se abriu e foi a primeira a descer com a ajuda do
cocheiro.
Assim que terminou de subir as escadas da entrada da propriedade,
deu de cara com a anfitriã, lady Hellen Devon, com seu lindo vestido
bufante de um verde pálido e seus cabelos louros presos de um jeito
perfeito.
— Ah! Srta. Righter! — Hellen Devon correu e esmagou Thereza
em um abraço. — Finalmente está debutando! E então, como está se
sentindo?
— Nervosa em demasia, milady. — ela responde assim que se
desvencilham. — Não vejo a hora de entrar e dançar com meu primeiro
parceiro!
Elas riem e se abraçam novamente.
— Ah, olá, Srta. Spinhoff. — a anfitriã cumprimentou a assim que a
viu. — É bom vê-la de novo.
Marjorie fez uma pequena mesura.
— Igualmente, milady.
Thereza reparou no tom triste que acompanhou a voz da amiga, e
não pôde deixar de sentir uma pontada de pena. Era a segunda temporada
de Marjorie, e ela disse que este ano não sairia do baile sem ter ao menos
cinco pretendentes. Caso contrário, se ela aparecesse em algum baile na
próxima temporada, seria taxada como uma solteirona.
Assim que a anfitriã termina de cumprimentar seus pais, adentraram
enfim, o salão. E, Deus! Thereza achou nunca ter visto tanta gente reunida
em um único lugar. Os murmúrios de vozes ecoando por todo lado, a
música suave do recital... Tudo era exatamente como sempre sonhou! Sem
falar no salão, que estava lindamente decorado de vermelho e marrom. Os
lustres e candelabros eram magníficos também.
A Srta. Righter ficou parada por um instante apenas reparando nas
pessoas e pensando no que faria primeiro: olhar seu cartão de dança ou
comer. No entanto, ao girar a cabeça para encarar toda a multidão, achou
que seu coração fosse a mil quando viu o Sr. Devon parado ao lado da mesa
de aperitivos. Rapidamente Thereza começou a se abanar novamente.
Bom, ela resolveu que era melhor ir até a mesa de aperitivos
primeiro. A dança podia esperar.
Fechou o leque, levantou as saias bufantes de seu vestido e partiu
em direção a Gregory que, por sinal, ainda não a tinha visto. Enquanto
passava em meio à multidão sufocante, não conseguia desviar o olhar do
rapaz que parecia ainda mais lindo desde a última vez em que o
vira. Cristo! Ainda não estava acreditando que era mesmo ele ali, a poucos
centímetros de distância! Queria tanto abraçá-lo, mas isso seria um
escândalo ali no meio de todos. Teriam que sair para os jardins se quisessem
ter uma conversa um pouco mais privada, ou ir para algum canto escuro do
casarão... O que era uma possibilidade muito melhor para Thereza.
Ele está magnífico! Era tudo o que conseguia pensar. Seu cabelo
curto e louro como de sua mãe estava bem-penteado, sem nem um fio
atrapalhando. O casaco grande que destacava seus músculos fazia as pernas
de Thereza bambearem. As botas que iam até os joelhos naquelas calças
apertadas... Aquieta esse fogo, Thereza Christina! ralhou internamente
consigo mesma.
Todavia, a cena a seguir fez todo o fogo que estava sentindo se
esvair em questão de segundos, e congelou no lugar.
Uma mulher tão lindamente perfeita — de pele branca e cabelos
ruivos — aproximou-se de Gregory e entrelaçou seu braço no dele. Mas o
que mais chocou Thereza foi que ela estava extravagante demais. Joias por
todos os lados e — seu estômago girou — mãos sem luvas. Uma dama só ia
a um baile sem luvas se...
Thereza teve sua resposta quando a bela moça levantou a mão para
acenar para alguém na multidão, e uma aliança extremamente grande
brilhou em sua mão direita. Instintivamente ela correu os olhos pelas mãos
de Gregory, que também tinha a mesma aliança.
Lágrimas preencheram os cantos de seus olhos quando percebeu que
seu maior pretendente — e amor de sua vida — ficara noivo enquanto
esteve fora.
Ele estava sorrindo tanto! Parecia tão feliz!
Mas seu lindo sorriso se esvaiu quando por fim, a encarou. Ela teve
certeza de que ele percebera seus olhos cheios de lágrimas e a frustração
visível em sua face, pois soltou-se da mulher e começou a caminhar em sua
direção.
Tudo o que Thereza queria era ficar ali sem se mover até que todas
aquelas emoções negativas sumissem, mas não queria conversar com o Sr.
Devon. Na verdade, não queria vê-lo nunca mais. Por isso se virou e
começou a correr para qualquer lugar que não fosse o salão de baile.
— Srta. Righter! — ouviu-o gritar atrás de si.
Ela sabia que ele estava seguindo-a, mas não se importava.
Continuou correndo pelos corredores da propriedade e adentrou a primeira
porta que avistou. E antes que pudesse fechá-la, o pé do Sr. Devon já estava
lá, impedindo.
— Srta. Righter, por que está fugindo de mim? Eu não compreendo.
— a voz dele estava baixa e afetada. — Eu estava com tanta saudade.
Explique-me o que está acontecendo.
Quando Thereza viu, lágrimas jorravam sem piedade de seus olhos
enquanto o encarava da fresta da porta. Infelizmente não conseguia dizer
nada. Tudo o que saía de sua boca eram ferozes soluços.
— O que está havendo aqui?! — uma voz rugiu atrás de Thereza de
repente, fazendo-a saltar de susto.
Ela se virou rapidamente para ver de quem se tratava, fazendo,
assim, com que Gregory conseguisse abrir por completo a porta e adentrar o
cômodo.
— Quem é você e o que está fazendo no escritório de meu pai? —
rugiu Gregory de volta.
A sala estava pouco iluminada, e Thereza se viu perdida entre dois
homens que começaram a discutir.
— Não importa quem eu sou. — o homem desconhecido falou, com
uma voz grossa. — É só que não curto bailes e prefiro ficar sozinho.
— Thereza, afaste-se dele!
Como ele ousa chamar-me pelo meu primeiro nome?
Alguma coisa tocou seu braço, e viu que tinha sido o Sr. Devon
tentando puxá-la para longe do homem desconhecido. Ela, porém, não
queria ser tocada por ele, por isso se afastou rapidamente com passos
decididos para trás e gritou:
— Não toque em mim!
O problema é que Thereza não sabia o quão perto estava do homem
desconhecido porque, quando percebeu, tinha tropeçado nos próprios pés e
agora estava nos braços dele.
No mesmo instante a porta foi escancarada, e a mesma mulher que
estivera agarrada com Gregory no salão de baile, apareceu. Ela estava
acompanhada com outra dama que Thereza não conhecia. As duas moças
na porta taparam a boca em horror quando viu a Srta. Righter nos braços de
um homem em uma sala escura.
Ah, não...
As damas deram meia-volta e partiram para o salão de baile.
— Infernos! — inferiu com ódio o Sr. Devon, e partiu atrás das
moças.
Quando Thereza percebeu o que estava prestes a acontecer se as
duas moças chegassem primeiro, berrou:
—Solte-me! — Ela se desvencilhou e correu até a saída, atrás das
moças e de Gregory.
Contudo, ao adentrar o salão, a música já não mais tocava e
ninguém mais dançava. Ao invés disso, todos estavam parados encarando
Thereza como se ela tivesse quatro braços ou chifres em sua cabeça. Ela viu
as duas damas paradas ali cochichando uma com a outra e dando risadinhas.
E, bem à frente de todos, seus pais estavam parados um ao lado do outro
com expressões fechadas e braços cruzados.
A reputação de Thereza Christina Righter estava arruinada...
Ela soube que sua reputação como uma dama de respeito tinha ido
por água abaixo assim que pisou no salão de baile e notou todos encarando-
a. Achou que fosse vomitar com todo aquele nó que percorria seu
estômago.
— O que está havendo aqui? — alguém rugiu atrás de Thereza.
— E aí está ele. — a mesma menina ruiva que causara todo esse
transtorno falou em tom condescendente, apontando com o leque fechado
para o homem atrás de Thereza.
Ela se virou vagarosamente. Não soube explicar, mas estava com
certo medo de encará-lo. Mesmo antes dele ter se pronunciado, Thereza
sentiu que tinha alguém atrás de si, como se o calor do corpo dele tivesse
sido transferido para o dela, ou foi como sentir uma muralha atrás de si.
Quando o encarou realmente, logo entendeu porque sentiu todas
aquelas sensações. O homem diante de si era realmente uma muralha de
músculos e altura. Ele era tão alto que a moça teve de levantar o queixo
para enxergar seu rosto. De relance, quando aquela muralha humana a fitou,
reparou nos olhos de um azul tão claro que parecia o céu durante um dia de
primavera — olhos estes que Thereza sempre sonhara ter. Portanto, o rosto
do rapaz era, com certeza, as portas de ferro da muralha com toda aquela
feição rígida e fechada. A boca dele era uma linha fina, e seu maxilar
quadrado estava tremendo. Infelizmente ela não conseguiu ver a cor de seus
cabelos porque o mesmo usava uma cartola.
— Esse é o homem com quem a Srta. Righter estava se agarrando
na escuridão do escritório de lorde Devon, — continuou a ruiva. Ela se
virou para a moça ao seu lado. — não é verdade, Srta. Quinn?
A Srta. Quinn balançou a cabeça vigorosamente em sinal positivo.
— Sim, é verdade. Eu vi tudinho.
Todo o salão soltou um murmúrio horrorizado.
Thereza não conseguiu se conter. Uma coisa é certa: Thereza
Christina é a moça mais doce e gentil que Londres poderia ter, mas, por
Deus! Não queiram vê-la nervosa.
Uma fúria subiu por todo o seu corpo, e quando fechou as mãos em
punho e sentiu que ainda estava com as luvas, rapidamente tratou de tirá-
las. Queria sentir suas unhas para ver se estavam mesmo afiadas, porque
elas estavam a caminho do rosto daquela garota.
Sabia que era um escândalo uma moça sem compromissos ficar com
os braços descobertos no meio de tanta gente, mas já que sua reputação
estava arruinada, não tinha problema se fosse um pouquinho mais para o
fundo do poço. Afinal, tudo o que queria naquele momento era arrancar
toda a beleza daquela insuportável com as próprias unhas.
— Aaaaah, sua...! — As mãos de Thereza estavam esticadas e
miravam o pescoço da moça. Mas, infelizmente (ou felizmente), seu pai
apareceu em sua frente e segurou-a pelos ombros.
— Thereza Christina! O que pensa que está fazendo? Onde estão os
modos?
Esqueci todos na escola de moças! Quase respondeu. Mas a
respiração pesada e a fúria que ainda sentia não deixou que o som saísse de
sua garganta. Sinceramente, Thereza odiara cada momento em que esteve
naquela escola em Windsor. Eram tantas meninas pomposas e nojentas que
ela tinha que se segurar para não vomitar em cima delas. Ela sabia que a
mãe a mandara para lá porque nunca fora dentro dos padrões, mas não se
importava nada com isso. Na verdade, Thereza gostava de ser diferente.
Londres era monótona demais para ela.
O olhar que ela mirava para a garota ruiva estava carregado com
tanto ódio que parecia prestes a soltar fogo. O que a mais irritava é que elas
riam sem parar, como se achassem graça em acabar com a reputação de
uma dama.
Ah! Se Thereza Christina a pegar desprevenida não sobrará nem um
fio de cabelo para contar a história...
Então lady Devon apareceu em seu campo de visão, e seu rosto
também demonstrava horror. Ela olhava para Thereza como se pensasse:
"Srta. Righter, nunca imaginei que a senhorita fosse tão baixa a esse nível".
— Por favor, sigam-me. Os levarei para uma sala em particular para
que possamos resolver esta situação. — Ela se vira para a multidão curiosa.
— Por favor, pessoal! Voltem para o baile! Está tudo sob controle!
Mas a verdade é que não tinha nada sob controle em toda aquela
situação. A reputação da moça estava arruinada! Oh, Cristo! Já estava até
vendo os jornais de amanhã com todas as notícias de que "Thereza
Christina, filha do conde e da condessa de West Sussex, foi encontrada aos
amassos com quem quer que fosse aquele homem, no breu do escritório de
lorde Devon em Devonshire, durante seu baile de debutante".
Que Deus a ajudasse! Agora só tinha duas saídas: nunca mais se
casar, porque depois desse escândalo, achar um pretendente seria quase
impossível. Ou, diabos! Se casar com o homem com quem fora
supostamente encontrada. Mas Deus sabia que ela não queria se casar com
um desconhecido. E se não gostasse do modo como ele come? Ou de como
ele ronca à noite?
Lady Devon começou a caminhar, e rapidamente o Sr. Righter
pegou o braço da filha e começou a guiá-la. Sua mãe, Gregory, a ruiva, a
menina loira e até mesmo o "Homem Muralha" estavam seguindo a
anfitriã... Thereza começou realmente a temer seu futuro.
Enquanto caminhavam de corredor em corredor, a tensão começou a
subir como uma corrente pelo corpo da moça, juntando assim, com o ódio
que já estava sentindo. Ela começou a suar frio quando adentraram em uma
sala toda pintada de um azul-claro, e lady Devon fechou as portas em
seguida.
O pai praticamente a jogou no sofá. Oliver realmente estava muito
decepcionado. Sua mãe, por outro lado, vendo como estava nervosa,
sentou-se ao seu lado e pegou sua mão para tentar acalmá-la.
— Já que todos que presenciaram o acontecido estão aqui, podem
começar a contar o que realmente aconteceu. — falou lady Devon.
— Eu começo! — disse com um sorrisinho a garota ruiva, e deu um
passo à frente. — Tudo começou quando o Sr. Devon começou a seguir
alguém no meio da festa que eu não conseguia identificar de jeito nenhum.
Fiquei um pouco nervosa por ele ter saído assim sem avisar-me, por isso
chamei a Srta. Quinn — ela aponta para a menina pálida ao seu lado —
para me acompanhar. O segui até o escritório e, quando abri a porta, me
deparei com a cena mais horrível e nojenta que já vi em toda a minha vida.
— ela termina com uma careta de nojo.
— O quê?! — se a mãe de Thereza não a estivesse segurando, tinha
certeza de que teria se levantado e estapeado aquela garota nojenta. — A
senhorita está caluniando contra minha pessoa! Eu nem a conheço! Por que
está fazendo isso?
A moça apenas cruzou os braços e deu um sorriso de lado, mas não
respondeu. Ao invés disso, foi Oliver quem interveio:
— O que eu quero entender é o que o Sr. Devon estava fazendo
dentro do escritório. — ele olha para o rapaz com olhos cerrados e
inquisidores, como se estivesse prestes a cortar ao meio qualquer um que o
desafiasse. — Por acaso estava acobertando toda essa baixaria, Sr. Devon?
Thereza o conhecia bem demais para saber quando Gregory estava
muito nervoso. Ele começava a suar, gaguejar e não parava de afrouxar sua
gravata, como estava fazendo naquele momento.
— Eu... Eu... — ele começou.
Gregory viu tudo o que realmente aconteceu. Se alguém poderia
salvá-la, era ele.
— Desembucha logo, Gregory! — exclamou irritada a ruiva.
— Pare já com essas gracinhas, Evelina! — rugiu pela primeira vez
o "Homem Muralha" para a garota. Sua voz saiu tão grave que Thereza
sentiu o sofá tremer sob seu traseiro, e arrepios subiram por suas costas.
Pelo jeito ele a conhecia. Bom, pelo menos o nome dela ele sabia.
Então, quando o homem grandalhão tirou, enfim, sua cartola, Thereza
soube imediatamente que aquela desgraçada era sua irmã, pois os cabelos
dele eram do mesmo tom alaranjado que os dela. E encarando-o melhor, viu
em como seus narizes eram parecidos: pontudos. Sem falar nos olhos da
mesma cor do céu numa tarde ensolarada.
O homem deu um passo à frente.
— Deixem-me explicar o que realmente aconteceu.
— É melhor que explique mesmo, senhor. — começou o pai de
Thereza. — Porque o senhor acaba de arruinar a minha filha e...
Oliver foi interrompido quando o homem deu mais um passo à
frente e ergueu o queixo. Nossa, ele era tão grande que parecia prestes a
tocar o teto.
— É melhor abaixar o tom da voz, conde Sussex. Caso não saiba,
está falando com lorde Hervey, segundo marquês de Bristol! — Oliver
pareceu murchar.
Uau! Thereza suspirou diante de tamanha potestade e autoridade.
— Voltando ao assunto, — continuou lorde Hervey, depois de ter
deixado todos tensos. — eu vim até esse maldito baile para acompanhar
minha irmã. Odeio bailes, e por isso estava sozinho no escritório de lorde
Devon, porque queria privacidade. Foi quando essa moça apareceu — ele
apontou para Thereza, que não conseguia desviar o olhar do rapaz —
parecendo desesperada e, se não me engano, chorando.
Todos desviam o olhar para ela.
— Por que estava chorando, querida? — perguntou sua mãe,
massageando suas mãos com os polegares com a intenção de acalmá-la.
Thereza rapidamente fitou Gregory, que baixou a cabeça.
— Não importa. — falou. — A verdade é que eu não percebi que
lorde Hervey estava na sala e, sem querer, tropecei nos próprios pés. O
homem fora simplesmente um cavalheiro porque, se não fosse por ele, eu
teria me espatifado no chão.
— Nesse instante minha irmã chegou. — Thereza estava certa! Eles
eram mesmo irmãos! — E resolveu que era melhor presumir tudo que saber
o que realmente estava acontecendo ali. — ele encara a irmã com olhos
faiscando de raiva, ela se encolheu. — Na verdade, Evelina tem a mania de
querer bancar a casamenteira. Já tentou juntar-me com outras damas tantas
vezes que perdi a conta.
— Eu faço isso porque você tem um marquesado nas mãos, Antony!
— Evelina começou a gritar. Seu rosto começou a ficar extremamente
vermelho, e lágrimas começaram a escorrer. — Se não se casar logo,
perderemos tudo! TUDO! Você tem que arrumar um herdeiro o mais rápido
possível!
Então era isso? Evelina queria arrumar uma pretendente para seu
irmão Antony esse tempo todo? E tudo isso por causa de título...
— QUANTAS VEZES TENHO QUE REPETIR QUE DINHEIRO
NÃO É TUDO NA VIDA, EVELINA?! — Antony rugiu tão alto que a sala
pareceu tremer.
A menina abraçou a Srta. Quinn ao seu lado e começou a chorar
ainda mais em seu ombro. Toda a sala ficou em silêncio por um instante
antes de Oliver falar:
— Então tudo não passou de um engano, certo? Mas isso foi antes
de a Srta. Hervey chegar no salão de baile e gritar para todo mundo.
Infelizmente a notícia aparecerá em todos os jornais da cidade amanhã, e
não há jeito de impedirmos isso. Eu só vejo uma saída.
Amélia arquejou.
— Querido, não...
Mas lady Devon a interrompeu:
— Srta. Righter terá que se casar com o marquês de Bristol.
— Perdão? — O coração de Thereza começou a bater
descompassado.
Pelo canto do olho ela viu, mesmo em meio às lágrimas, o sorriso
vil que a Srta. Hervey ergueu em seus lábios quando a notícia foi
anunciada.
II
SE ARREPENDIMENTO MATASSE...

"Todos já sabiam bem como era o temperamento de Thereza


Christina Righter, filha do conde e da condessa de West Sussex. Era só
questão de tempo para a bomba realmente explodir de vez. Mas o marquês
de Bristol? Deus! A moça não brinca mesmo em serviço.
Acreditam que ela foi encontrada aos amassos, no escuro do
escritório de lorde Devon em Devonshire durante sua primeira temporada
social, com lorde Antony Hervey? E todas as afirmações foram
confirmadas pela própria irmã do marquês, Srta. Hervey.
Obrigada, querida! Com certeza há um lugar no céu para a
senhorita.
Tudo indica que a moça será a próxima marquesa de Bristol. Mas e
vocês, leitores, o que acham de toda essa história?

Lady HD da Coluna de Fofocas, Jornal de Londres.”

Thereza joga o jornal contra as chamas da lareira. Três dias haviam


se passado, mas a notícia ainda era alarmante entre as pessoas de Londres.
— Calma, amiga. Você precisa se acalmar.
— Me acalmar? Por favor, Marjo, não me peça para ficar calma
num momento como esse!
Depois que saíram da sala de visitas de lady Devon, fora realmente
decretado que Thereza seria a próxima marquesa de Bristol, e o casamento
aconteceria apenas em algumas semanas. Várias de suas amigas estavam
achando um máximo, realmente era um título digno. Mas ela não queria. De
jeito nenhum! Porém, não havia outra saída. Se não se casar com lorde
Hervey, viverá sozinha para sempre.
— Será que não consegue ficar nem um pouquinho feliz?
Encabulada, Thereza encara a amiga que estava sentada no
banquinho do piano.
— Feliz? Marjo, tem noção de que vou desposar-me com um
homem que sequer conheço? E pior, não é por amor.
A amiga se vira para o piano e toca algumas notas tristes.
— Pelo menos vai se casar.
Pena foi o que sentiu. Marjorie não havia conseguido pretendente
novamente, o que fazia dela uma solteirona. O que tinha de errado com os
homens? Pensou. Ela era linda. Ninguém a pedira em casamento apenas
porque não era uma nobre? Ah, pelo amor de Deus! Thereza suspira antes
de dizer:
— Acho que preferiria ser taxada como uma solteirona e ainda ter a
chance de encontrar o amor da minha vida do que ter que desposar-me por
conveniência.
Marjorie se vira para encará-la novamente.
— Não me venha com esse papo furado, Tessa. O amor pode vir
com o tempo, sabia? Pode não gostar do marquês no início por causa de
tudo o que aconteceu, mas passará a viver vinte e quatro horas por dia com
ele. Não acha que um sentimento, pequeno sequer, nascerá entre vocês?
Será mesmo? Pensou, enquanto encarava as caixas com seus
pertences que já estavam prontas no canto da sala, apenas esperando a
carruagem de lorde Hervey que, a propósito, chegaria a qualquer momento
para buscá-la e levá-la até Suffolk, onde está localizada a principal
residência do marquês e lugar que será seu novo lar. Suspirou.
A verdade é que estava com medo. O marquês demonstrou ser rude
e grosseiro, e sua irmã... O próprio diabo encarnado. Se pelo menos seu
irmão estivesse ali...
Foi então que teve uma ideia.
— Preciso fazer uma coisa! — Ela se levantou e correu até a
escrivaninha da sala de estar, onde começou a escrever uma carta para
Thomaz.

"Querido irmão,

Não sei se a notícia já chegou em West Sussex. Provavelmente sim, mas


quero contar mesmo assim, porque tudo o que está naquelas colunas são
mentira. A verdade é que tudo não passou de um engano. Você sabe, mais
do que ninguém, que eu nunca agarraria ninguém nas escuras... Bem, pelo
menos não um desconhecido. A pessoa que alertou todo mundo era, na
verdade, a própria irmã do marquês e estava simplesmente bancando a
casamenteira. O problema é que não tem como reverter essa situação já
que a Inglaterra inteira parece estar sabendo. A única maneira que
encontrei de salvar, pelo menos um pouco a minha reputação, foi mesmo
aceitando me casar com lorde Hervey. Estou agora prestes a partir para
Suffolk...
Enfim, era só o verdadeiro fato que queria lhe contar. Por favor,
irmão, não acredite em nada que esses jornais estão falando. Eu prometo
que sempre mandarei cartas para colocá-lo a par de tudo.
Quando for responder-me, por favor, mande a carta endereçada à
Ickworth House, que provavelmente já estarei lá quando esta chegar até
você.
Um abraço bem apertado e espero vê-lo em breve em meu
casamento.

Sua irmã, Thereza Christina."

Depois de colocar a carta em um envelope e entregá-lo ao mordomo


para que ele mandasse para o entregador de cartas, Thereza volta e se senta
no sofá novamente.
— Estou com tanto medo. — choraminga, e enterra o rosto nas
mãos.
— O quê? —diz Marjorie com ar cético. — Thereza Christina com
medo? Logo a moça mais destemida e corajosa de toda a Londres?
— Eu odeio tanto essa situação. Já sinto que minha vida não é mais
a mesma. Era para estarmos no Hyde Park agora, olhando os cavalheiros
montados a cavalo, enquanto flertam com a gente e tomamos chá. — ela
solta um suspiro de frustração. — Mas não. Estou aqui parada feito uma
parede esperando a maldita carruagem do marquês me buscar.
Marjorie sai do banquinho do piano e senta ao lado de Thereza.
— Como eu disse, o amor pode vir com o tempo. Tente conhecê-lo
melhor, Tessa.
— Impossível. — ela olha para a amiga. — Sabe quantas vezes ele
me olhou enquanto discutíamos sobre o assunto na Propriedade Devon?
— Não.
— Nem eu. — uma pausa. — Está vendo? Como posso me
apaixonar por um homem que estou me casando apenas para ter uma parte
da minha reputação de volta e que nem sequer mostrou interesse por mim?
Sem falar que o mesmo parece ser rude em demasia. — outra pausa. —
Tenho medo de que ele seja grosso comigo e eu não consiga me segurar. E
aí então...
— Então o quê?
— Eu o estapeie. — ela murcha os ombros.
Thereza tinha consciência de que sua paciência não era das
melhores. Já estava pronta para arrancar os cabelos da Srta. Hervey quando
a mesma a incomodasse novamente. Mas estapear um marquês? Decerto
seria outro escândalo, e só colocaria sua reputação ainda mais abaixo. O
problema é que realmente não consegue se segurar quando a raiva explode
dentro de si, então só tem duas opções quando isso acontece: se derramar
em lágrimas ou bater na primeira coisa — ou pessoa — que estiver em sua
frente, como quase aconteceu no salão de baile se seu pai não tivesse
aparecido e a impedido de acabar com a irmã do marquês ali mesmo, na
frente de todos.
— De jeito nenhum, Tessa. Você precisa se controlar, está bem? —
O tom de Marjorie era mesmo de preocupação, pois conhecia bem a amiga
e sabia que ela era capaz.
Ela respira fundo e pega as mãos de Thereza, encarando-a nos olhos,
diz:
— Olha. Dê quantas bofetadas quiser na Srta. Hervey. Desconte
toda a sua raiva naquela metida nojenta porque a mesma merece, e lhe dou
razão se isso acontecer. Mas jamais, em hipótese alguma, encoste no
marquês para machucá-lo, entendeu?
Thereza se afasta de Marjorie como se seu toque queimasse.
— Está do lado dele, é isso?
— Sim e não. — ela responde. — Pense, Tessa. Acho que o
marquês não é rude e grosso como está pensando. Primeiro de tudo, pare de
julgar as pessoas pela aparência. E segundo, não acha que ele foi generoso
demais aceitando casar-se com você quando poderia simplesmente negar,
sabendo que pode arrumar qualquer outra dama que quiser? Além disso,
deixar sua reputação arruinada ou não, que diferença faria para ele?
Thereza ficou sem palavras, e sua boca ficou seca. Só depois de um
longo tempo em silêncio, onde ficou pensando sobre o que a amiga acabara
de falar, é que conseguiu dizer:
— Por que ele fez isso?
Marjorie lhe aponta o dedo indicador.
— Exatamente. Por quê? Há várias possibilidades.
— Há?
Ela faz que sim, e continua falando enquanto lista as possibilidades
nos dedos:
— Ele pode ter aceitado casar com você para simplesmente salvar
sua reputação, ou porque teve pena, ou porque sabe como a irmã é uma
bruxa e está fazendo isso para se desculpar pela mesma ter acabado com sua
reputação ou, a que eu acho mais improvável, mas não podemos descartar:
ele não tem pretendentes.
— Impossível! — exclama.
É claro que era impossível lorde Hervey não ter pretendentes. Era
um marquês, só para começar. Além disso, Thereza não era cega, por isso
não podia negar que ele era lindo também. Com aqueles músculos e altura,
parecia um deus grego e...
— Como eu disse, não podemos descartar qualquer possibilidade.
— Marjorie tirou-a dos devaneios.
Mesmo assim, Thereza suspirou, cansada e frustrada daquela
conversa.
— Não quero me casar com alguém que tem pena de mim.
— Prefere não se casar, então?
Aquelas palavras fizeram seus nervos ferverem, por isso se
levantou.
— E perder minha reputação? — Thereza ergue o queixo. — Nunca.
Eu vou me casar, e enfrentarei esse problema com meu melhor vestido,
pode ter certeza disso, sociedade.
— É disso que estou falando. — Marjorie sorri e a abraça.
Mas Thereza sabia que aquelas palavras foram ditas da boca pra fora
apenas para não contradizer a si mesma, até porque tinha aceitado o acordo
de casamento. E toda a situação deixava seu corpo tenso, fazendo uma
mistura de raiva e arrependimento o percorrer. Contudo, sabia que, mesmo
se quisesse — e queria, para falar a verdade —, não poderia mais cancelar o
acordo. Afinal, a carruagem do marquês já estava a caminho para buscá-la.
— Afinal, quantos anos ele tem? — perguntou de repente.
— Pelo amor de Deus, Tessa. Isso todo mundo sabe. É o que mais se
comentam na coluna “Cavalheiros à solta”.
Thereza não disse nada. Devia ser a única dama de toda Londres que
não ligava para essas colunas.
— Ele é apenas quatro anos mais velho que você. — falou Marjorie
mesmo assim.
Thereza tinha vinte e um, então o marquês tinha apenas vinte e
cinco. Parecia difícil de acreditar. Ele era tão sério e parecia tão cheio de
responsabilidades que aparentava ter quase trinta.
Nesse momento, seus pais adentram a sala.
— Oh, querida. — Lady Sussex corre até a filha e a esmaga em um
abraço, depois segura firme as suas mãos. — Como está se sentindo?
Aquele abraço pareceu desmontar com todas as estruturas de
Thereza, pois se viu piscando várias vezes para afastar as lágrimas que
encheram os cantos de seus olhos. O que não deu certo, pois uma lágrima
acabou escorrendo pela sua bochecha, e sua mãe se apressou em enxugá-la
com a mão enluvada.
— Mamãe, acho que estou arrependida.
— Querida, você deveria ter se arrependido há três dias, sabe disso,
não sabe?
Pela força do ódio ela faz que sim. Mas é claro que sabia. Por isso
estava chorando, porque não tinha como reverter a situação. Até seu pai
falar...
— E quem disse isso? — sua voz rasgou o ar. Ele estava
visivelmente nervoso. Parecia ainda mais nervoso que a própria Thereza. —
Filha, se não quiser se casar, tenho um jeito de acabar com o contrato.
Os olhos de Thereza ganharam um brilho diferente, e sorriu, vendo a
esperança dançar em sua frente.
— Tem? — perguntou.
Lorde Sussex faz que sim. Arruma as mangas da casaca e ergue o
queixo.
— Tenho um revólver. Posso chamar o marquês para um duelo de
vida ou morte. Um cavalheiro que tem amor à sua honra nunca fala não a
um duelo.
A esperança que Thereza viu no pai segundos antes voou para
longe, e a mesma voltou a ficar frustrada. O que estava esperando, afinal?
Era seu pai...
— Está maluco, papai? — se enfureceu com ele. — Quer colocar o
nome de nossa família ainda mais para o fundo do poço? — Ela se vira para
a mãe e Marjorie, que estavam paradas lado a lado. — Já pensaram se papai
faz mesmo isso? Decerto seria o nosso fim.
E Thereza sabia que o mesmo não estava mentindo ou brincando
quando disse sobre o duelo. Conhecia o pai bem demais para saber que ele
faria de tudo — até matar um marquês, se for preciso — para proteger a
filha.
Barulho de cascos de cavalos trotando preenche a sala. Rapidamente
Marjorie corre para a janela e olha para a calçada da George Street de
Mayfair, então grita:
— Amiga, eles chegaram!
O coração de Thereza começou a palpitar, o medo a consumindo
novamente. Assim que se colocou ao lado da amiga na janela, ficou
boquiaberta. Sua boca só não caiu no chão porque segurou o maxilar ao
encarar a carruagem que a aguardava do lado de fora. Era o veículo mais
magnífico que já tinha visto; preta com entalhes em dourado, extremamente
grande, além de dois alazões musculosos e negros que a conduzia. Ela
pensou se até um Rei teria uma daquela.
— Filha, tem certeza de que não quer o duelo? — seu pai se
aproximou.
Ela se vira para ele e segura forte suas mãos. Sabia que a ideia dele
era apenas protegê-la.
— Tenho, papai. Estou decidida. Eu vou.
Mas aquela pontada de receio ainda estava ali, incomodando-a
demais. Não sabia o que enfrentaria em Suffolk, afinal. Tudo em que
conseguia pensar é que viveria com aquela tal de Evelina, que até o
momento não fez nada além de estragar sua imagem e irritá-la. Portanto,
quando estiver na propriedade do marquês, não terá ninguém para segurar
Thereza se ela resolver avançar em seu pescoço novamente.
Então, depois de uma despedida demorada com seus pais e
Marjorie, Thereza deu ordem para que os criados levassem as caixas com
seus pertences para a carruagem e, logo depois, foi sua vez de entrar no
veículo, que era ainda mais magnífico por dentro: acolchoado e muito
espaçoso, além de ser decorado em tons de roxo. Em instantes a carruagem
entrou em movimento, levando-a levemente até Suffolk. Pela janela
traseira, ficou observando a sua propriedade até ela sumir de vista. Feito
disso, ajeitou-se no assento acolchoado e suspirou. Que Deus me ajude...
III
NÃO TINHA UMA COR FAVORITA
ATÉ ENTÃO

A viagem de Londres até a Ickworth House durou de sete a oito


horas, aproximadamente. E quando finalmente colocou os pés na
propriedade, Thereza sentiu seu traseiro dolorido e as pernas dormentes.
Graças ao bom Deus estava em Suffolk! Por mais que não quisesse estar ali,
torceu a viagem inteira para que chegasse logo; a carruagem balançava em
tal grau que o condutor teve que parar tantas vezes para a moça vomitar que
perdeu as contas. Agora ela sentia-se mais magra e desnutrida. Seu visual
devia estar um caos.
Ela olha ao redor, e quando repara na construção diante de si, acaba
soltando um arquejo impressionado. Uau! A propriedade era extremamente
grande. Quanto tempo demoraria para que Thereza decorasse todos os
corredores e cômodos?
As portas duplas do casarão então se abrem. O Homem Muralha sai
de lá, seguido pela bruxa de sua irmã, Srta. Hervey, e uma dama de mais
idade, com pele levemente enrugada e cabelos já brancos. Thereza ajeita o
chapéu sobre a cabeça e respira fundo, tentando acalmar a raiva que invadia
seu corpo enquanto ia em direção à entrada e encarava Evelina.
— Ah, é um prazer recebê-la, querida! — cumprimenta a senhora,
dando um abraço bem apertado em Thereza. — Eu sou Jena Hervey, mãe de
Antony e Evelina.
A menina faz uma mesura.
— É um prazer conhecê-la, lady Hervey.
O real dono da propriedade não estava ali porque todos sabiam que
lorde Hervey, pai de Antony e Evelina e primeiro marquês de Bristol,
morreu em um navio que estava a caminho de Portugal por ordens do Rei.
Infelizmente, uma feroz tempestade fez com que o navio se afundasse. Isso
faz cerca de um ano e, na época, se tornou o assunto mais falado da
Inglaterra. Todo jornal que prometia novas notícias sobre o ocorrido vendia
milhões.
Thereza se vira para Evelina, que tinha os braços cruzados e aquele
sorrisinho de lado que fervia seus nervos.
— Srta. Hervey. — cumprimenta. Mas nem se Lúcifer aparecesse ali
ela diria que era um prazer revê-la; porque realmente não era.
Evelina não cumprimentou de volta. Por isso Thereza se virou
finalmente para Antony. Ela fez uma mesura.
— Lorde Hervey.
O marquês tinha uma feição tão autoritária e fechada que a moça
temeu ficar sem resposta de seu próprio noivo. Contudo, ele acabou tirando
uma das mãos de trás das costas e afastou a mecha ruiva que tinha caído em
seu rosto. Depois ele pegou a mão enluvada de Thereza e a levou até os
lábios, onde depositou um demorado e molhado beijo.
Ela sentiu arrepios até onde não devia.
— É um prazer vê-la novamente, Srta. Righter. Por favor, sinta-se
em casa.
A voz rouca e grave do rapaz reverberou em seus ouvidos, fazendo
seus lábios se erguerem ligeiramente.
Ele me faz ter sensações estranhas com toda a sua masculinidade.
— Igualmente, milorde.
Depois de todas as apresentações, Thereza foi guiada até seus
aposentos onde ficaria temporariamente até se casar. Depois passaria a
dormir na mesma cama que Antony, palavras da própria lady Hervey — e
não pôde evitar quando calafrios percorreram seu corpo por inteiro ao
pensar nisso. Sinceramente, o marquês era tão grande que talvez não a
caberia na cama ao seu lado.
Thereza até que ficou feliz com o quarto. Ele tinha um tom amarelo-
pastel com pesadas cortinas de veludo vermelhas, e as grandes e altas
janelas davam para o lindo jardim de trás. O quarto também tinha lareira —
que provavelmente não seria usada por causa do excesso de calor que o
verão estava provocando —, uma estante de livros e uma porta adjacente
que levava até o lavabo.
Antes de sair, lady Hervey disse que uma camareira chamada Anne
cuidaria de seu banho, roupa e cabelo. E pediu para a moça que assim que
estivesse vestida e pronta, não se esquecer de descer para o jantar.
A camareira entrou logo depois, seguida por dois criados que
carregavam baldes pesados cheios de água, onde os depositou dentro da
banheira, fazendo com que a fumaça de vapor espiralasse no ar. Em
instantes, Thereza estava relaxada dentro da água morna, a cabeça
pendendo na borda. Ela estava mesmo precisando daquilo. Depois da
viagem cansativa até Suffolk, tudo o que queria era se deitar e dormir, e
esquecer todas as frustrações, arrependimentos e raivas que os últimos dias
tinham lhe proporcionado.
Depois do término do banho, a camareira a esperava no quarto.
Ajudou-a a vestir um simples vestido de cor cinza, depois, Thereza se
sentou no banquinho da penteadeira para que Anne pudesse ajeitar seus
cabelos marrons. Porém, assim que a moça começou a passar a escova em
seus cachos, a porta do quarto se abriu e, pelo espelho, Thereza viu que era
Evelina.
Cristo! O que ela quer agora? Pensou, revirando os olhos.
— Saia e só volte quando eu mandar. — falou severamente com a
camareira.
— Sim, milady. — Sendo assim, ela saiu.
Thereza respirou fundo, exasperada, então perguntou:
— O que está fazendo aqui?
— Uau! Quanta educação. — falou com escárnio Evelina. — Só
vim ver como minha querida cunhada está.
O sangue de Thereza começou a ferver diante de tamanha falsidade.
— Por favor, Srta. Hervey, sabemos muito bem que não é por isso
que está aqui. Ande logo e desembuche!
Evelina sentou-se na beirada da cama e fitou-a com olhos cerrados.
— É só que... No dia do baile, meu futuro marido...
— Futuro marido?
— Sim, o Sr. Devon. — respondeu lady Hervey em tom seco.
Aquilo doeu no fundo do peito de Thereza. Por um momento havia
se esquecido de que o verdadeiro amor de sua vida estava prestes a se casar.
— Aliás — continuou Evelina —, o desejo de minha mãe é que
casemos junto com você e meu irmão.
Era só o que me faltava. Ela revirou os olhos internamente.
— Voltando ao assunto. — continuou Evelina. — No dia do baile vi
meu noivo correndo atrás de você, Srta. Righter. — sua voz tomou um tom
mais agudo quando perguntou: — Por acaso vocês já se conheciam?
— Há bastante tempo, para sua informação. — a voz de Thereza
saiu mais ríspida que o esperado. — Nos conhecemos desde os sete anos de
idade. Ele é o meu melhor amigo, aliás.
Evelina riu.
— Está falando sério, Srta. Righter? Não foi o que pareceu quando
cheguei no escritório de lorde Devon. Você parecia nervosa com a presença
dele. E, como disse meu irmão, estava chorando também. — uma pausa. —
Ah, não vai me dizer que é apaixonada pelo Sr. Devon e se assustou quando
o viu comigo?
Thereza não conseguiu dizer nada. Seu coração começou a bater
descompassado e sua respiração começou a pesar. Como ela descobriu tão
rápido? Sou tão previsível assim?
Evelina ri de novo.
— Acertei, não acertei? — ela faz um biquinho como se estivesse
conversando com um bebê. — Coitadinha da Srta. Righter. — outra risada
diabólica. — Fique sabendo que ele não sente o mesmo por você.
— Como tem tanta certeza? — as palavras saíram antes mesmo que
pudesse contê-las.
— Ora, ele não a mencionou hora nenhuma desde que nos
conhecemos.
— E quanto tempo faz?
A Srta. Hervey coloca o dedo indicador no queixo, pensativa.
— Deixe-me ver... Há mais ou menos um ano.
Um ano? É exatamente o tempo em que Thereza esteve em
Windsor. Ou seja, foi logo depois que partira. Ela não conseguiu dizer nada.
Estava destruída por dentro. Sentiu o coração despedaçar dentro de seu
peito, e a dor fez com que lágrimas enchessem o canto dos olhos.
— Isso em seus olhos são lágrimas? — a outra perguntou, sorrindo.
Thereza não aguentou. Prometeu a si mesma que quando estivesse
sozinha com essa demônia, não pensaria duas vezes em arranhar a sua face.
Ela se levantou para atacá-la quando a porta foi aberta no mesmo instante,
interrompendo-a.
— Senhoritas — era lady Hervey. — estamos esperando que desçam
para o jantar.
Thereza virou o rosto rapidamente para o outro lado antes que a
matriarca percebesse que estava chorando.
— Já estamos indo, mamãe. — a Srta. Hervey respondeu com um
sorriso de orelha a orelha.
Depois que Jane fechou a porta e o som dos passos ficaram longe,
Evelina se virou para Thereza e vociferou:
— O que quero que entenda, Srta. Righter, é que se a senhorita
chegar perto do meu noivo, vou acabar com você de uma forma que irá se
arrepender de ter nascido, pois ele chega amanhã. A minha missão de fazer
o meu irmão se casar já está cumprida, mas, pelo visto, tenho outra para
cumprir.
Sendo assim, ela sai em passos largos do quarto.

***

Enquanto caminhava em direção à sala de jatar, Thereza ficou


imaginando em como Gregory teve coragem de trocá-la por aquela víbora.
Como ele a suportava? Realmente não conseguia entender. Era estranho
até, pois, sempre que falava sobre amor com ele, o mesmo dava um jeito de
desviar do assunto, mas agora estava prestes a se casar? Estranho...
Ao virar o corredor, dá de cara com uma criada. Ela solta um
gritinho, e os panos perfeitamente dobrados que carregava caem
desajeitados no chão.
— Ah, perdão, milady. Não era a minha intenção. Eu... — a criada
se apressa em juntar os panos.
De consciência pesada por ter atrapalhado todo o trabalho bem-feito
da trabalhadora, Thereza não pensa duas vezes em se agachar e ajudá-la.
— Não se desculpe. Foi um acidente.
Uma risada estrondosa reverbera no corredor.
— Era só o que me faltava. — Thereza revira os olhos quando
reconhece a dona da voz. — Fazendo o trabalho sujo dos criados.
— Não liga pra ela. — ela diz baixinho para a moça que trabalhava
com agilidade para deixar os panos como antes.
Evelina passa por elas, ainda rindo alto, e adentra as portas duplas
no fim do corredor. O que foi bom, pois Thereza estava mesmo perdida
naquele casarão.
Quando os panos voltam a ficar como antes — uma montanha de
tecidos que tapava a visão da coitadinha —, elas se levantam.
— Como posso retribuir, milady? — a criada pergunta, visivelmente
assustada.
— Perdão? — Thereza a encara, encabulada.
— O que a senhora fez... Não é certo. Era meu dever pegar os
panos, e não da senhorita. Como posso retribuir a ajuda?
Ela sorri.
— Retribua fazendo um bom trabalho, está bem?
A mulher faz uma mesura com dificuldade por causa da montanha
de tecidos que segurava.
— Pode deixar. Com sua licença, milady. — E sai apressada.
Thereza suspira, pensando em como as pessoas que trabalhavam
naquela propriedade deveriam sofrer com uma patroa como Evelina.
Logo depois, ela adentra a sala de jantar, onde a vergonha a domina,
pois era a única que ainda faltava. Lady Hervey estava à cabeceira, a Srta.
Hervey à sua direta, lorde Hervey à sua esquerda, e mais um prato tinha
sido posto à mesa, bem ao lado do marquês. Ah, ótimo! Pensa, frustrada.
— Boa noite, Srta. Righter. — a matriarca a cumprimenta. — Como
tem passado até então?
— Demasiadamente bem, milady. Obrigada. — mentiu, enquanto
encarava Evelina à sua frente, que segurava o riso.
Assim que se acomoda na cadeira ao lado do marquês, sente uma
tensão pairar sobre ambos. Mas mais do que isso, ficar perto dele a
deixava... com calor. Ela já tinha percebido isso na Propriedade Devon.
Porém, Antony parecia nem ter notado sua chegada. Com os olhos fixos em
seu prato, era impossível decifrar suas feições.
Rapidamente os criados se amontoam ao redor da mesa trazendo
mais e mais bandejas para a refeição. Frango assado com babatas, peixes,
bisque de camarão, entre outras opções. O estômago de Thereza roncou, e
não demorou para que começasse a encher seu prato. Optou por uma coxa
de frango e salada. Então ela comeu. Comeu e comeu. E comeu mais um
pouco. Estava faminta. Até porque, durante a viagem Thereza optou por
parar a carruagem apenas para uma única refeição, pois queria chegar
depressa.
Por fim, ao levar a última ervilha à boca, ela para o movimento, o
garfo entre o prato e a boca aberta, ao perceber que lady Hervey a encarava
com um sorriso no rosto que, estranhamente, parecia acolhedor.
Sentiu-se constrangida de repente. Será que tem algo de errado com
meu rosto? Ou ela não gostou do modo como me porto na mesa? Ou... Ah,
Deus... Será que minha boca está suja de comida? Ela pousa o garfo sobre
o prato com um tilintar e rapidamente limpa os cantos da boca com o
guardanapo, depois bebe água, respira fundo e recosta na cadeira alta,
satisfeita. Ao erguer o olhar novamente percebe que os olhos da matriarca
ainda estão sobre si, e sente-se corar de novo.
— Perdão, lady Hervey, mas há algo de errado com meu rosto? —
resolve perguntar.
Evelina solta uma risada estrondosa.
— Certamente, Srta. Righter. Por acaso não tinha espelho de onde
veio?
— Na verdade, Evelina — lady Hervey sorri mostrando os dentes,
os olhos fitando Thereza profundamente —, eu estava observando em como
a Srta. Righter é bela. Imagine só os meus netos. Decerto serão as
criaturinhas mais lindas que a Inglaterra irá conhecer.
Antony, que estava bebendo água naquele momento, tossiu
ferozmente. Evelina, por outro lado, arranca o sorriso do rosto e encara a
mãe, incrédula e encabulada.
— Mamãe! A senhora nunca disse nada sobre meus filhos com o Sr.
Devon.
Foi doloroso ouvir aquilo, pois não conseguia imaginar filhos entre
Gregory e Evelina: era o mesmo que misturar água e óleo. Realmente não
combinavam. Mas não pôde deixar de sentir a satisfação que a percorreu
quando percebeu que a mesma estava, na verdade, com ciúmes.
— Certamente serão lindos também, querida. — continua lady
Hervey, e suspira, sonhadora. — Mas já tentou imaginar uma mistura entre
Antony e a Srta. Righter? Cabelos ruivos com castanho-escuros, olhos azuis
com cinzentos... — ela coloca a mão contra o peito e suspira novamente.
— Perdão, mamãe. Mas não acha que está precipitando as coisas?
— Antony fala pela primeira vez. — Ainda nem nos casamos.
Os pelos dos braços de Thereza se eriçaram com a voz grossa e
grave. Ela bebericou um pouco de água, tentando despistar os pensamentos
impróprios.
— Bobagem, querido. Não estou precipitando nada, apenas feliz por
ter arrumado uma moça tão bonita para se casar.
Thereza fica envergonhada com o elogio.
— Obrigada, lady Hervey. Eu...
De repente a matriarca começa a tossir, tanto que até se curva para a
frente. Uma tosse rouca e seca que sai do fundo de sua garganta.
Antony se levanta.
— Mamãe, a senhora está bem?
— Aqui, tome isto. — Evelina a entrega um copo com água, e ela
bebe.
Após o ataque de tosse, lady Hervey se recosta na cadeira e fecha os
olhos, respirando fundo.
— Milady, está tudo bem? — Thereza resolveu perguntar,
preocupada em demasia.
— Sim, querida. Não foi nada, não se preocupe. — ela se vira para
os filhos — Aliás, acho que estou precipitando sim as coisas. — seu tom de
voz estava falho agora — É melhor que arrumem filhos logo, pois quero
conhecer meus netos antes que...
— Antes que o que, mamãe? — Evelina estava com olhos
arregalados.
— Antes que eu morra, querida.
Thereza congela, incapaz de mexer qualquer músculo do corpo com
a tensão e o silêncio que pairou na sala. Ela fixou seus olhos na última
ervilha em seu prato, esperando que algo acontecesse. Deus! Se ela estava
assim, não conseguia imaginar o efeito que aquelas palavras fizeram em
Antony e Evelina que eram filhos.
— Por Deus, mamãe. Não diga uma coisa dessas. — Antony disse
então.
Por incrível que pareça, lady Hervey começa a rir.
— Ah, por favor, crianças. Parem de levar tudo a sério. Estava
apenas brincando com meu desejo de ser avó. — ela solta o ar, exasperada.
Se levanta e joga o guardanapo sobre o prato. — Vou para os meus
aposentos. Boa noite. — E sai.
Thereza percebe quando Evelina e Antony se entreolham, até a
moça dizer:
— Eu vou atrás dela.
Assim que ela sai, Antony se joga na cadeira ao lado de Thereza,
soltando o ar cheio de frustração e exaustão. Ele apoia os cotovelos no
mogno e fecha os olhos, massageando as têmporas.
Estava sozinho com ele... O que deveria fazer?
— Hum... Sua Graça, está tudo bem? — pergunta a primeira coisa
que lhe veio à mente.
Thereza percebe que ele cessa os movimentos e enrijece o corpo.
— Ah, perdão, Srta. Righter. Estou tão cansado que acabei me
esquecendo...
Ele não precisou terminar a frase. Acabei me esquecendo de você...
É o que ia dizer. Ela aquiesceu, sem saber exatamente o porquê. Não se
importava se ele se lembrava dela. Importava?
— Eu já estava mesmo de saída. Tenha uma boa noite, milorde. —
Ela se levanta e vai em direção à porta, enquanto frustração e uma estranha
tristeza incomodava seu ser.
Maldição. Por que estava se sentindo assim?
— Espere! — Antony grita.
Não soube se foi o tom de voz ou simplesmente o fato de ter sido o
marquês que a pediu para esperar, o que ela realmente fez, o coração
ribombando no peito enquanto encarava a madeira da porta e tentava se
concentrar no metal frio da maçaneta sob a palma de sua mão. O que ele
quer?
Ainda sem se virar, incapaz de encará-lo, ela ouve quando a cadeira
de Antony faz barulho ao se arrastar sobre o assoalho, seguido pelos passos
de suas botas. Ele estava indo em sua direção... Então silêncio. Um silêncio
arrebatador e desconcertante que estava fazendo sua respiração pesar.
Thereza estava prestes a se virar para saber em qual parte do cômodo o
marquês estava quando ele respira, e o hálito quente dança entre seu
pescoço e colarinho. Arrepios percorrem seu corpo por inteiro.
Santo Deus! Ele estava muito perto. Tão perto que conseguia sentir
seu hálito sobre a pele.
— Srta. Rigther... — ele chama tão baixinho que foi quase
inaudível, e bafora o ar em sua pele novamente.
Thereza fecha os olhos com força, o peito subindo e descendo
enquanto o coração batia feroz. Por que ele me faz ter essas sensações tão
estranhas? Pensou. O que mais a enfurecia é que nem o conhecia direito.
Será que aquelas sensações eram consequência da raiva que ainda sentia por
estar ali apenas pelo acordo de casamento?
— Vire-se para mim. — Não foi um pedido.
Naquele instante, quando ouviu aquele tom mais autoritário, quase
abriu a porta e saiu correndo pelo corredor até seu quarto; era só girar a
maçaneta e pronto, estaria livre. Mas não. Ao pensar melhor, chegou à
conclusão de que estava ali à mercê do marquês para fazer o que ele
quisesse. Afinal, o mesmo estava salvando sua reputação. Por isso Thereza
reuniu todas as estruturas que ainda restavam em seu corpo e,
vagarosamente, se virou, encarando de início o imenso peitoral de Antony.
Ela ergue o queixo.
Má ideia! Má ideia!
Um par de olhos azuis a encaravam profundamente. Suas pernas
bambearam. Era como se ele conseguisse controlá-la como uma marionete
apenas com aquele olhar... Deus do céu!
— Quero pedir perdão pelo que disse minutos atrás. Pareceu chateá-
la e, juro por Deus, não foi a minha intenção. — ele disse, baforando o
hálito quente em seu rosto, fazendo seus cílios piscarem algumas vezes.
E de repente sentiu que queria aquele hálito em outras partes de seu
corpo.
O marquês continuou:
— Será que posso me desculpar levando a senhorita até seus
aposentos?
Perdão? Pensou aturdida, pois não conseguia dizer nada, e sentiu-se
corar terrivelmente. Que tipo de mulher ele pensa que eu sou? Antony
pareceu perceber o constrangimento, porque tentou revertê-lo.
— Não é o que está pensando, senhorita. Por favor, não pense uma
coisa dessa sobre mim. Eu não seria capaz de tal atrocidade. Estava apenas
dizendo que quero levá-la até a porta de seu quarto — ele enfatiza o
substantivo —, depois partirei para o meu.
Mas a verdade é que Thereza não queria. Ficar parada ali encarando
aqueles olhos azuis enquanto sentia o hálito reconfortante pairar sobre seu
rosto era muito melhor. Contudo, sabia que não podia. Afinal, uma hora
teria que sair dali.
— É claro, milorde. — a resposta sai em um sussurro.
Silêncio...
— Então... Hum... Se me permite... — ele estica o braço em direção
à porta.
E só assim Thereza percebe que estava parada feito uma boba,
bloqueando a saída. Ela se afasta e Antony abre a porta, indicando que
saísse primeiro.
No corredor, eles andam em silêncio, Thereza com o olhar firme nos
próprios passos para não encarar o marquês. Sempre que o fazia, sensações
estranhas a percorria. Sobem a escadaria e atravessam outro corredor, até
pararem de frente à porta de seu quarto.
Antony pigarreia.
— Hum... Nos vemos amanhã?
Thereza faz que sim. Como não? Pensou. Moravam na mesma casa
agora. Seria impossível não se verem.
O marquês, então, estica o braço e pega uma de suas mãos que
estava cruzada nas costas e deposita ali um beijo quente e molhado.
— Boa noite, senhorita. — Então parte em meio à escuridão.
Sem perder tempo, Thereza entra no quarto e fecha a porta com
força, ficando de costas para a madeira e recostando na mesma. Ela fecha os
olhos e solta todo o ar que estava segurando na presença daquele Homem
Muralha. Estava desnorteada e, ainda mais que isso, estava cansada. A
viagem tinha deixado seu corpo mole e seu traseiro dolorido. Por isso se
apressou em trocar o vestido por roupas de dormir e se jogou na cama de
dossel, tentando com dificuldade tirar a imagem dos belos olhos do
marquês de sua mente.
E decidiu que azul era sua cor favorita.
IV
O RUDE TÍMIDO MARQUÊS

Seu primeiro dia em Suffolk fora péssimo desde o momento em que


chegou. Mesmo depois de ter discutido com a Srta. Hervey em seu quarto,
ela desceu para o jantar e, mesmo assim, a moça fazia piadinhas de um
modo que sempre a atingia. Fora um desastre.
Lady Hervey, por outro lado, tratou-a maravilhosamente bem.
Parecia felicíssima com a mulher com quem seu filho iria se casar. Já lorde
Hervey... Ela suspirou. Era estranho pensar nele porque nem o conhecia. Ele
parecia sempre tão fechado e calado. Mas quando abria a boca para dizer
qualquer mínima palavra que fosse, estas vinham acompanhadas de um tom
rouco e tão suave com tamanha ternura que Thereza se perdia
completamente, e até se esquecia de que estava ali por consequência de um
escândalo.
Quando acordou pela manhã, pensou se já teria dormido tão bem
antes. Já não mais sentia dor nas costas e seu traseiro tinha desinchado.
Agora Thereza se encontrava na sala de jantar tomando um café da
manhã farto ao lado de seu futuro marido. A Srta. Hervey estava sentada na
cadeira à sua frente, lady Hervey estava à cabeceira.
— Como passou a noite, Srta. Righter? Dormiu bem? — perguntou
a matriarca.
Thereza pousa a xícara no pires antes de responder:
— Demasiadamente bem, milady. Obrigada. Está se sentindo
melhor?
— Estou sim. Mas não fique preocupada demais. Afinal, não foi
nada. Apenas me engasguei com um pedaço de carne. — ela diz e volta a
comer.
Thereza ficou encarando-a, sabendo que estava mentindo. Viu o
momento exato em que a senhora começou a tossir, e ela não tinha levado
nenhum pedaço de carne ou qualquer outra coisa à boca. Mas preferiu ficar
calada.
Um mordomo aparece segurando uma bandeja de prata e, sobre ela,
uma carta repousava.
— Acabou de chegar esta carta para Srta. Righter.
Ela se espantou.
— Para mim?
Ele ergue a bandeja e Thereza pega a carta rapidamente. Seus lábios
se erguem quando lê de quem é. Abre o envelope e começa a ler sem tirar o
sorrisinho do rosto:

"Querida irmã,

Sinto muito pelo acontecido. Desposar-se por obrigação deve ser o pior dos
castigos. Portanto, quero dizer que sim, estarei em seu casamento. E não se
preocupe com os jornais, não acreditei neles um segundo sequer, sei bem
como as pessoas retorcem os acontecimentos para vender mais.
Com isso, só lhe peço um favor, irmã. Se esse tal de
lorde Hervey lhe tratar de forma rude ou lhe fazer algum mal, contate-me
no mesmo instante. Não suporto a ideia de um homem encostando-lhe a
mão para machucá-la. Sou capaz de cortá-lo em minúsculos pedacinhos e
comer no café da manhã se isso acontecer.
Ah! Quase me esqueci! Aguente essa irmã do marquês até seu
casamento. O que é dela está guardado. Não se preocupe, não farei nada. A
própria dama buscará sua ruína...
Um grande abraço e fique bem!

Seu irmão, Thomaz Christopher!"

Thereza sorriu de novo. Ler aquela carta de Thomaz foi como ouvi-
lo bem ali ao seu lado. Estava com muita saudade...
— De quem é a carta? — Thereza levantou os olhos e encarou
Evelina.
Por que quer saber? Quase rugiu.
— De meu irmão. — respondeu de forma seca.
— E falava sobre o quê?
Que mulher insuportável!
— Ah, nada demais! Só está parabenizando-me pelo casamento.
"A própria dama buscará sua ruina", dissera Thomaz em sua carta.
***
Depois do desjejum, Thereza subiu para o seu quarto, único lugar
que realmente sabia chegar. Ela pegou um dos livros na estante e começou a
lê-lo, mas não conseguia se concentrar. Tudo o que tinha acontecido nos
últimos dias estava deixando-a desnorteada. Ela não parava de pensar em
suas amigas que insistiram em dizer que era uma sortuda por ter encontrado
um pretendente logo em sua primeira temporada. A vontade de Thereza era
pegar todas essas moças e socá-las dentro da Ickworth House para
conviverem com a Srta. Hervey.
Se aquilo era sorte, Deus! Não podia nem imaginar o contrário...
Era seu segundo dia em Suffolk, mas a saudade de casa já estava
começando a sufocá-la. Se estivesse em Londres numa hora dessa, com
certeza estaria tomando chá com suas amigas no Hyde Park e olhando os
rapazes passando montados a cavalo. Estaria dando gargalhadas e jogando
conversa fora. Ela suspirou...
Alguém bate na porta.
— Entre!
Ah! Se for Evelina...
Lorde Hervey aparece no batente da porta, fazendo a moça soltar
um leve suspiro de surpresa.
— Estou atrapalhando?
Thereza rapidamente fecha o livro e se levanta, ajeitando seu vestido
de cor ébano com as mãos.
— Ah, não. De jeito nenhum, milorde.
Ele entra no quarto, e quando fecha a porta atrás de si, o ar parece
sumir do cômodo. Thereza começou a sentir-se sufocada. O homem grande
a poucos centímetros de distância parecia estar tomando todo o oxigênio do
ambiente com sua respiração pesada.
Antony dá um passo à frente, mas pareceu hesitar com o
movimento. Enquanto isso, Thereza tinha as mãos cruzadas em frente ao
corpo, tentando segurar toda a tensão que começava a se instaurar em seu
corpo. O marquês, então, levanta os ombros e caminha até estar perto
demais da moça, tão perto que sentiu seu calor. Ela ergue a cabeça para fitá-
lo.
Olhos lindos! Eram azuis tão clarinhos! Não eram cinzentos e sem-
graça como os seus.
Ele pigarreia.
— Hum... Eu estou indo caminhar um pouco pelos jardins da
propriedade. Desejo que a senhorita me acompanhe. Se não for incomodo, é
claro.
O quê? Thereza tinha ouvido direito? Santo Deus! A inquietude
começou a tomar conta de seus nervos, como sempre acontecia quando
estava nervosa.
— Sim... Quer dizer, não. Não! — Infernos. Já começou a
embaralhar as palavras. — Não será incomodo algum, milorde.
O silêncio então enche o ambiente. Eles ficam encarando um ao
outro ali por longos minutos. E só o reparando de tão perto assim foi que
Thereza viu o quanto ele era bonito. Pele bronzeada, olhos claros e vítreos,
boca fina e bem desenhada, maxilar quadrado e rígido, ombros largos...
Não soube se era impressão, mas parecia que a cada segundo o
marquês chegava mais perto de seu rosto. Logo, seus rostos estavam tão
pertos agora que ela sentiu, por um instante, a respiração quente do rapaz
exalar em sua boca, como na noite anterior. Mas Antony balança a cabeça e
se afasta, como se tivesse acabado de acordar de um transe.
— Certo! — ele diz. Aquela voz rouca que fazia todo o corpo de
Thereza estremecer. — Estarei esperando-a nas portas do fundo.
E antes de sair, ele pega a mão de Thereza e a beija.
Assim que a porta se fecha, ela coloca a mão sobre o coração e solta
todo o ar que estava segurando. Jesus! O que foi que acabou de
acontecer? A única coisa que Thereza sabia era que, se o marquês tivesse
ficado ali dentro por mais dez segundos, teria morrido sem ar.
Depois que Anne ajudou Thereza a arrumar seus cabelos marrons
em um grande coque elaborado para que coubesse no chapéu, colocou luvas
brancas até os cotovelos, pegou seu leque e desceu.
Enquanto caminhava pelos corredores, sentiu aquela pontada de
nervosismo incomodá-la. Estava prestes a ir caminhar pelos jardins com o
marquês, e sempre que estava perto dele, sentimentos estranhos tomavam
conta de si. E agora que estava pensando melhor, percebeu que tudo isso era
porque estava se deixando ser submetida à beleza dele. Antony é lindo, isso
é fato. E Thereza tinha certeza de que ele deixava qualquer outra mulher
que conversava do mesmo jeito que ele a deixava: bamba e arrepiada de tão
sedutor.
Ele é sedutor. Isso! Era por isso que ficava tão... tão... Como poderia
explicar? Parecia até inapropriado, mas era como fogo correndo pelas veias.
Um calor que mexia com seus instintos primitivos.
Assim que chega à porta dos fundos da propriedade, vê lorde
Hervey imediatamente. Ele estava parado de costas para ela, com as mãos
cruzadas nas costas enquanto encarava a paisagem à sua frente.
— Milorde — o chama.
Ele se vira, encarando-a nos olhos de imediato. Seus olhos
demoraram nos dela, mas depois eles passearam por todo o corpo da moça,
de cima a baixo, e Thereza teve que tapar o rosto com o leque de seda para
que a vermelhidão passasse despercebido. Cruzes. Quando é que ficou tão
quente de repente?
— Belo vestido, senhorita. — ele comenta com a voz rouca e causal.
Pega sua mão enluvada em seguida e deposita ali um leve beijo. Ela teve
que se abanar ainda mais com o leque, seu rosto estava em chamas.
— Obrigada, Sua Graça. — ela pigarreia. — Não me disseram que
Suffolk fazia tanto calor.
Antony ergue só um pouquinho o canto esquerdo da boca.
— É melhor se acostumar.
Ele ergue o braço e Thereza o entrelaça com o seu, ainda se
abanando.
Aquele comentário só enfatizou ainda mais o fato de que ela iria se
casar com ele e teria que se acostumar com o clima de sua propriedade
porque passaria a morar ali. Antony, contudo, parecia tão certo disso, como
se o fato não o incomodasse como a incomoda, como se ele não tivesse sido
impedido de se casar com alguém que realmente deseja. Afinal, será que ele
já tinha se apaixonado alguma vez? Ela pensou que não. Antony nunca
tinha experimentado o sentimento que é se apaixonar, caso contrário, não
teria aceitado o acordo.
A maior parte da caminhada fora em silêncio. O único som ouvido
era da fonte que jorrava água e dos muitos pássaros que piavam para
passarem de uma árvore à outra. Thereza estava demasiadamente
apaixonada pela paisagem. A grama baixa e bem cuidada era de um verde
que lembrava os olhos de seu pai, lorde Sussex. Tinha flores de todos os
tipos e cores: lírios, lises e até jasmins. As copas das grandes árvores faziam
sombras por todos os lados, o que era realmente bom sob aquele sol de
rachar. Porém, Thereza ainda estava sentindo sensações estranhas. Estava
com o braço enlaçado no do marquês, talvez fosse essa a causa de parecer
ter borboletas no estômago. Toda hora ela se via querendo levantar o queixo
e encará-lo, mas uma força maior a impedia porque, por alguma razão sabia
que ele a estava fitando. Era como se o olhar dele pesasse sobre ela.
— Por que Sua Graça é tão calado? — resolve quebrar o silêncio,
mas ficou pensando se foi a coisa certa a perguntar.
Thereza realmente achou que ficaria sem sua resposta, mas depois
de alguns minutos Antony finalmente responde:
— Pode não parecer, senhorita. Mas sou muito tímido.
Se ele soubesse a beleza que tem, o poder que tem, e o quão sedutor
é... Ela pensou que qualquer homem no lugar de lorde Hervey aproveitaria
de todas essas qualidades, para ser o maior colecionador de mulheres
possíveis, para compartilhar suas conquistas com os amigos. Mas Antony
era diferente... Por quê?
— Estou impressionada, milorde.
Ele ergue as sobrancelhas.
— É mesmo? Por quê?
— Bem, para falar a verdade, achei que seu silêncio se dava pelo
fato de... — ela para de falar e pensa melhor. — Na verdade, acho que
minhas primeiras impressões não importam.
— Ah, mas agora é tarde demais. Deixou-me curioso, senhorita. Na
verdade, eu sempre quis saber o que as pessoas pensam quando me olham
pela primeira vez.
Que tem uma beleza estonteante, quase falou. Mas isso não era
novidade para ninguém.
— Bom, de início achei o senhor um pouco rude.
— É mesmo? — Thereza o sentiu enrijecer.
Ela temeu ter dito a coisa errada. Mas continuou, tentando se
explicar melhor:
— Sim, milorde. O senhor tem a feição um pouco autoritária
demais, e sempre que abria a boca era para rugir um xingamento ou
repreender alguém.
Silêncio. É, ela tinha estragado tudo. Que ótimo... Mas ele disse:
— Ah, Cristo! Que vergonha. Peço perdão, senhorita. Em momento
algum quis parecer ou ser rude, eu...
Ela tentou acalmá-lo:
— Não se preocupe, lorde Hervey. Como eu disse, foram primeiras
impressões. Agora, conhecendo-o melhor, sei que não é assim.
Na verdade, lorde Hervey estava se mostrando tão cavalheiro que a
estava assustando. Nunca viu tamanha educação em um rapaz antes. A
verdade é que beleza e educação eram duas coisas que não combinavam nos
homens. Ou eram bonitos ou eram educados. Se era os dois, só Deus para
ajudar as damas a lidarem com tamanha presunção. Todavia, Antony era os
dois, só que... Diferente.
— Fico incrivelmente aliviado, Srta. Righter. — ele sorri sem
mostrar os dentes, outra coisa que Thereza havia percebido: ele quase não
sorria.
— E o senhor. Qual foi a primeira impressão que teve sobre mim?
Ele parece pensar bastante antes de dizer:
— Bom, percebi que seu tamanho faz jus à sua paciência, é pequena
demais. Por Deus, eu achei que a senhorita esbofetearia minha irmã no
salão de baile em Devon aquele dia. Espero nunca ser uma de suas vítimas.
— Ora, Sua Graça, é só não me irritar.
— Vou me lembrar disso, pode ter certeza. — Então eles riem, alto.
E o som da risada do marquês foi a melhor coisa que ouviu em dias. Foi
como música para seus ouvidos. Queria vê-lo rir mais.
Thereza estava apreciando em demasia a companhia do marquês, e a
conversa estava sendo tão boa. Estava se sentindo tão sozinha ali naquela
propriedade gigantesca, mas estar ali com ele estava sendo simplesmente
maravilhoso. Parecia que se conheciam há tempos, o que a deixou ainda
mais à vontade. Antony sabia bem como prolongar uma boa conversa.
O passeio continuou silencioso, ambos apreciando a beleza da
natureza. Até Antony cessar os passos e ficar de frente para Thereza, onde
ela pôde finalmente ver seu rosto.
— Srta. Righter, a nossa caminhada pelos jardins da propriedade
tem um objetivo. — ele diz com a voz mais séria dessa vez.
Ela queria perguntar qual era esse objetivo, mas encará-lo era muito
melhor. Alguma coisa nele era tão hipnotizante que a deixava sem palavras.
— Trouxe-a aqui porque quero lhe pedir um favor. — ele continuou.
— Peça o que quiser, milorde. — ela lutou para que as palavras
saíssem firmes, mas foi em vão.
Antony encheu o peito de ar e o soltou vagarosamente antes de
dizer:
— Eu conheço muito bem como minha irmã, Evelina, é. E pode ter
certeza, Srta. Righter, de que eu nunca a perdoarei por ter tirado a senhorita
de sua casa e a sua chance de encontrar um rapaz que realmente a faça feliz
e a ame. Foi esse o maior motivo de ter aceitado me casar com a senhorita
quando eu poderia simplesmente ter negado. — Thereza começou a ficar
tensa. — O que eu quero lhe pedir é: se a minha irmã começar a provocá-la
demais, por favor, contate-me que tomarei as devidas providências.
A boca de Thereza ficou seca.
— Está me ouvindo, senhorita?
Ela balançou a cabeça, se livrando dos devaneios.
— Ah, sim! Sim, Sua Graça. Pode deixar.
— Eu prometo que tentarei fazê-la feliz. Sei que a senhorita merece.
É boa, bela e gentil. Mas amá-la... — ele olha para além de Thereza com
olhos vítreos. — Isso só o tempo poderá me dizer.
Cristo! Que homem... QUE HOMEM!
Antony demonstrara até agora ser calado e fechado — aquele tipo
de pessoa que só abre a boca quando tem certeza do que falar. Aquele tipo
de rapaz que deixa as mulheres loucas só por respirar...
Uma sensação primitiva começou a subir como onda pelo corpo de
Thereza. Foi como fogo percorrendo suas veias. Ela queria beijá-lo. Ela
queria muito beijá-lo! Queria provar aqueles lábios finos e desenhados que
falava tão pouco, mas quando falava, fazia o seu espírito libertino ficar
louco. Queria sentir o gosto de sua língua.
Queria tocá-lo...
Ela ergue a mão para fazer tudo o que seu corpo gritava para que
fizesse. Mas uma gargalhada a fez dar um pulinho de susto.
Lorde Hervey ergue as sobrancelhas.
— O que é isso?
Ele começa a andar em meio às árvores, e Thereza não pensa duas
vezes antes de segui-lo. Ela sabia de quem era aquela risada, já estava mais
do que familiarizada, porque aquele barulho a fazia ferver de raiva.
A poucos metros à frente, sentados sobre um forro de piquenique
embaixo de uma grande árvore, estava o Sr. Devon e sua noiva, Srta.
Hervey.
Eles gargalhavam e brincavam um com o outro, incrivelmente
felizes. Thereza viu quando Gregory cochichou alguma coisa no ouvido de
Evelina que a fez soltar um gritinho. Ela pegou um gomo de uva e o
acertou. Ele, então, subiu em cima da moça e começou a fazer cócegas por
todo o corpo dela.
Aquilo foi demais para Thereza. Seus olhos se encheram de
lágrimas instintivamente e, para que não chorasse na presença do marquês,
deu meia-volta e correu de volta para a propriedade.
V
CASAMENTO É COVENIÊNCIA,
AMOR É SORTE
Thereza passou horas chorando. Toda vez que a cena de Gregory
cochichando no ouvido de Evelina voltava em sua mente, lágrimas se
acumulavam no canto de seus olhos. O que mais doía em seu peito é que ela
sonhara a vida inteira com aquela mesma cena. Só que em seus sonhos, ao
invés da Srta. Hervey, era ela própria. Agora estava deitada em seu quarto
encarando a parede enquanto tentava entender como Gregory teve coragem
de esperar que partisse para ficar noivo. Desde os sete anos de idade ambos
juraram nunca guardar segredo um do outro. E foi assim até o ano
passado...
Arrrr... O que Thereza está querendo dizer é que se Gregory tivesse
contado a ela antes que estava apaixonado por outra mulher, seria um
baque, é claro. Passou a vida inteira achando que ele era apaixonado por sua
pessoa, e que só estava esperando para chegar na idade certa para pedir sua
mão. No entanto, se a tivesse avisado antes, o baque seria menor, porque aí
ela partiria para Windsor, onde ficaria por um ano sem vê-lo, então se
obrigaria a esquecê-lo. Mas não! O maldito preferiu esperar que partisse
para ficar noivo para quando chegar, destroçar seu coração.
Sem falar que estava tão confusa. O que foi aquilo nos jardins?
Estava prestes a tocar em lorde Hervey. Por Deus! Ela realmente pensou em
beijá-lo. Thereza não estava se reconhecendo. Aquelas atitudes não faziam
parte dos seus princípios... Por que Antony a deixava assim?
Maldito sejam os homens!
Alguém bate na porta.
Que diabo! Ninguém me deixa em paz!
Ela fecha os olhos com força, frustrada e com raiva. Achou que se
não respondesse, a pessoa do outro lado da porta presumiria que estava
dormindo e a deixaria em paz. Porém, uma voz rouca e grave se
pronunciou:
— Srta. Righter. Sou eu, Antony. Está acordada?
Thereza se sobressaltou tanto que acabou caindo da cama. Ela se
levantou rapidamente e ajeitou as mechas que acabaram se desprendendo
dos grampos. Sentou-se na cama recobrando a compostura, então gritou:
— Entre, milorde.
Antony coloca a cabeça primeiro para dentro do quarto, e quando
percebe que Thereza está comportada na cama, entra e fecha a porta. Ele se
aproxima, mas fica de pé, encarando-a antes de se pronunciar:
— Vi que saiu às pressas do jardim mais cedo. Pensei em vir
naquela hora, mas achei melhor deixá-la um pouco em paz. Mas, por favor,
diga-me. Foi alguma coisa que eu disse?
Thereza estava chocada. Por trás de toda aquela rigidez estava
guardado um homem doce, gentil e educado. E, acima de tudo, um
cavalheiro. Antony Hervey é um cavalheiro de primeira classe.
— Não, milorde. Eu só... Passei mal. Só isso. — respondeu às
pressas.
— Tem certeza? — ele sentou-se na beirada da cama, perto demais.
E o corpo de Thereza começou a reagir à proximidade. — Quando cheguei
na porta de seu quarto mais cedo, pareceu que estava chorando.
Merda!
— Sim... É que eu... Eu... — suas ideias estavam acabando. — Eu
estava com muita dor de cabeça. Não se preocupe, milorde, sempre passa.
A feição sempre rígida do marquês pareceu murchar.
— Já não sente mais nada? Quer que eu peça à cozinheira para
preparar um chá ou...
— Não! Não precisa. Eu estou bem. Muito obrigada. — uma pausa.
— Desculpe-me a petulância, mas... Por que está sendo tão gentil? Eu
estraguei a sua vida.
O marquês respira fundo e solta uma risada nasalada.
— Lembra-se do que eu falei mais cedo? Prometi que a faria feliz.
Aliás, senhorita, não foi você quem estragou a minha vida. Minha irmã
estragou a sua.
De todas as formas possíveis. Pensou Thereza. Primeiro porque iria
se casar com o homem por quem era apaixonada; segundo porque acabou
com sua reputação; terceiro que mesmo depois de tudo isso, a implicava
sempre que podia.
O silêncio reinou. E enquanto Thereza o fitava, percebeu que os
olhos azuis do marquês se arregalaram ligeiramente. Ela seguiu o olhar
dele, que parava em seu ombro, onde a alça do vestido tinha caído até o
meio do braço, mostrando boa parte de seu espartilho.
Ela sentiu as maçãs do rosto ficarem ruborizadas imediatamente.
Thereza ficou tão envergonhada que engasgou com a própria saliva e
começou a tossir. Se curvou para frente enquanto a tosse tomava conta de
sua garganta.
Por fim, quando a tosse cessou, olhou para a beirada da cama, mas
Antony já não estava mais lá. Ele estava agora tão perto que tocava seus
ombros. Ele a estava segurando!
— Senhorita, está bem? O que houve?
— Nada, lorde Hervey. Desculpe-me pelo transtorno. Já estou bem.
— falou com dificuldade, mas se arrependeu no mesmo instante, porque ele
se afastou.
Antony se levantou.
— Certo. Então... Já vou indo. Se precisar de alguma coisa, mande
me chamar.
Quando Antony saiu, Thereza não conseguiu se mexer. Ficou
paralisada enquanto tentava superar a vergonha que acabara de passar.
Que desastre. Era tudo o que conseguia pensar. Ela precisava se
acalmar; precisava de água.
Levantou-se e partiu para fora do quarto, mas — infernos —,
quando pisou no corredor, lembrou-se de que não sabia onde era a cozinha.
Provavelmente ficaria uma vida inteira se ficasse de cômodo em cômodo.
Mesmo assim, começou a caminhar, torcendo para que algum criado
aparecesse para lhe informar onde era a cozinha. No entanto, ao passar em
frente à um par de portas, ouviu risadas. Ela sabia quem eram os donos das
vozes. Mas não tinha outra escolha. Só perguntaria onde fica a cozinha e
depois partiria. Por isso abriu a porta.
Gregory estava atrás de Evelina, suas mãos sobre as dela no piano, e
parecia estar ensinando-a a tocar algo novo. Mas assim que a porta foi
aberta, ambos se viraram. Thereza se arrependeu no mesmo instante. Não
queria ter atrapalhado o casalzinho perfeito.
— Srta. Righter? — Gregory ficou ereto.
Thereza fez uma pequena mesura.
— Como vai, Sr. Devon? — ela estava tremendo internamente.
— O que está fazendo aqui? — Evelina foi logo vociferando. Sua
cara estava fechada e a boca rígida do que parecia ser fúria.
— Eu só... Hum... Eu só queria beber um pouco de água. Mas não
consigo encontrar a cozinha de jeito nenhum.
Ela viu os lábios de Gregory se erguerem em um risinho. Ele falou:
— Sorte sua que encontrou a sala de música antes. Tem uma jarra
com água bem ali. — ele apontou para um canto da sala onde, sobre uma
mesinha redonda, uma jarra e duas taças repousavam. — A cozinha fica no
andar térreo. A senhorita ia demorar um pouquinho para encontrá-la.
Thereza reparou no olhar furioso que Evelina lançou para o Sr.
Devon, mas o mesmo não pareceu notar.
Ela adentrou a sala por completo, uma parte porque queria mesmo
beber água, a outra parte foi só para irritar a Srta. Hervey porque a mesma
não gostou quando Gregory praticamente a convidou para entrar no
cômodo.
Quando alcançou a mesinha, rapidamente pegou a jarra pela alça e
encheu a taça. Ela bebeu, e o líquido gelado e refrescante descendo por sua
garganta irritada, por consequência da pequena crise de tosse, foi a melhor
coisa que sentiu.
Thereza pousou a taça novamente e, quando começou a caminhar
em direção à saída, reparou no Sr. Devon e na Srta. Hervey, que ainda riam
e brincavam um com o outro. Ela, porém, achou que era melhor ficar ali e
observá-los um instante, por isso voltou para perto da mesinha e encheu
outra taça com água, e começou a bebericar. Isso era só uma tática para que
os dois não percebessem que estava ali para espiar. Caso perguntassem, era
só responder que estava com muita sede.
Gregory ainda estava atrás de Evelina, e parecia estar ensinando-a a
como ler partituras. Quando a moça começou a tocar as primeiras notas,
Thereza conheceu a música imediatamente.
— Ah, Deus! Eu amo essa música!
As palavras saíram antes que pudesse contê-las. Percebeu que tinha
feito a coisa errada quando o casal parou o que estavam fazendo para
encará-la. Ela tentou disfarçar bebericando da água e olhando para a janela.
— Gosta de Mozart? — Gregory perguntou depois de um tempo em
silêncio.
Thereza sorriu.
— Como não gostar? Aquele homem é um deus da música!
Gregory riu, e Thereza teve que tomar água para forçar seu coração
a voltar para o lugar quando o mesmo ameaçou sair pela boca. Tinha tanto
tempo que ela não ouvia aquele som...
— Nisso eu tenho que concordar. Eu, particularmente, adoro tocar
Mozart. — ele continuou. — E estou ajudando Evelina porque ela quer
tocar em nosso casamento.
Ela quase engasgou com a palavra "casamento". E até aquele
momento se esquecera de que Evelina ainda estava na sala. Uma olhadela
para a moça foi o suficiente para ver seu rosto vermelho de fúria e o olhar
fulminante que estava direcionado à Thereza. Ela não está gostando nada
da minha conversa com Gregory! Thereza sorriu internamente. Ótimo! Por
isso continuou:
— Isso é sério? — ela comentou, ainda mais contagiante. Estava
aproveitando aquela oportunidade para atingir Evelina, sabia disso. Mas a
moça já fez coisa pior com Thereza. — Com certeza trará mais alegria à
cerimônia.
— Certamente que sim. Primeiro porque é Mozart. Segundo que
Evelina está ficando cada vez melhor.
— Sim. Não vejo a hora de vê-la tocar.
Thereza teve certeza de que a moça percebeu o tom irônico com que
falou, porque ela se levantou do banquinho do piano a passos largos em sua
direção. Os punhos da Srta. Hervey estavam tão cerrados na lateral do
corpo que Thereza viu as veias da moça pulsando.
Ela sorriu sobre a borda da taça. Era isso o que queria: que Evelina
se enfurecesse para partir para a agressividade. Thereza não tinha medo de
brigar. Poderia sair dali machucada e sangrando, mas só de ter o prazer de
puxar os cabelos daquela insuportável e arranhar a sua face já era
demasiadamente bom.
Porém, infelizmente a porta se abriu, e lady Hervey apareceu,
fazendo Evelina congelar à poucos centímetros de Thereza.
— Evelina, querida. — falou a matriarca. — Você tem visita.
Como Evelina estava bem perto de seu rosto, Thereza viu quando
ela revirou os olhos. Depois respirou fundo e abriu um sorriso encantador
antes de se virar para a mãe e dizer:
— Já estou indo, mamãe. Obrigada.
Meretriz miserável! Como ela conseguia fazer isso?
— Ah, olá, Srta. Righter. — comentou lady Hervey assim que viu
Thereza.
Ela fez uma mesura.
Antes de sair, Evelina transformou sua cara em uma feição de fúria
novamente e encarou Thereza com olhos faiscantes antes de dizer:
— Sairei agora. Mas voltarei em instantes. Se eu souber que tentou
algo, a matarei.
Thereza não entendeu de imediato o que ela quis dizer, mas quando
a moça saiu da sala de música e fechou a porta, descobriu.
Estava sozinha com o Sr. Devon.
Ficou nervosa instintivamente. Olhou para as mãos que ainda
seguravam a taça, porque não conseguia mais olhar em seus olhos.
— Thereza? — ele ainda a chamava pelo primeiro nome.
Ela levantou o olhar e se arrependeu. Assim que fitou os olhos
castanho-claros de Gregory, lembrou-se de quando sonhava estar deitada
em sua cama encarando-os pela eternidade.
— Graças a Deus estamos sozinhos. — ele continuou. — Espero por
este momento desde que voltou de Windsor.
A raiva começou a ferver os nervos de Thereza.
— Se o senhor estava esperando um momento a sós comigo para
arrumar alguma desculpa de como arrumou uma noiva depois que parti,
pode ir parando por aí. — as palavras saíram depressa e severas.
— Perdão? — as sobrancelhas do Sr. Devon estavam arqueadas, e
seu rosto transpassava curiosidade. — Do que está falando, Thereza?
Ela não aguentou. Repousou a taça na mesa antes que a mesma
pudesse sair voando até o rosto bonito de Gregory.
— Ah, por favor, Sr. Devon! Não se faça de desentendido. Eu achei
que o senhor estava à minha espera desde que parti. — Thereza começou a
lutar contra as lágrimas.
— Mas eu a estava esperando.
— Não, não estava. Porque assim que cheguei em sua casa, a
primeira coisa que vi foi seu anel de noivado.
Gregory respirou fundo. Ele parecia não estar entendendo nada.
— Thereza, eu não estou entendendo onde quer chegar.
— Eu achei que o senhor estava esperando-me para me pedir em
casamento, poxa! — uma lágrima escorreu por sua bochecha. — Gregory,
eu sempre fui apaixonada por você, e achei que você sentia o mesmo por
mim.
O rapaz estava paralisado, a boca aberta em um "o" e os olhos
arregalados, como se não estivesse acreditando no que acabara de ouvir.
— Thereza... — não passou de um sussurro. — A senhorita... Você
era apaixonada por mim?
— Ainda sou, Gregory. — ela limpou as lágrimas. — Infernos!
Ainda sou apaixonada por você! E ainda estou no processo de tentar
esquecê-lo.
Silêncio.
— Eu... Eu... — ele soltou um suspiro exasperado. — Eu não sei o
que dizer. Sinceramente, não sei o que dizer. Sabe que isso é uma surpresa
para mim, não sabe?
— Agora eu sei, sim! Pelo visto você nunca me amou.
— Mas é claro que amei, Thereza. E ainda amo! — seu tom elevou
uma nota. — Mas não como imagina. Sinceramente, nunca passou pela
minha cabeça essa possibilidade. Eu a amo como se fosse minha irmã, e
achei que era assim com você também. Mas... Santo Deus! Eu nunca nem
imaginei...
Thereza o encara por um instante atrás das lágrimas que inundavam
seus olhos. Ele estava de cabeça baixa, como se sentisse um tolo por não ter
percebido que tinha uma mulher apaixonada por ele.
— Quer mesmo a verdade? — ele perguntou, parecendo destruído
— O meu casamento com a Srta. Hervey não passa de um acordo entre
nossos pais. Minha família está falindo, Thereza. E o dote da moça irá nos
salvar.
— Oh, não.
Foi estranho ouvir aquilo. Ambos estavam prestes a se casar por
conveniência apenas para trazer de volta algo que perderam. No caso de
Gregory, uma fortuna. No caso de Thereza, sua reputação. Sem falar que
seriam da mesma família também. Parece que o amor era mesmo questão de
sorte, e poucos a tinham.
— Pois é. — ele inspira e expira — Sabe como meu pai é viciado
em jogatinas. Ele perdeu muita coisa. Por causa disso estou sendo obrigado
a me casar. Sobre a Srta. Hervey... — ele suspira — Eu não a amo, mas, por
incrível que pareça, ela me faz rir. A acho demasiadamente engraçada.
— O QUÊ?! — Thereza gritou — Aquela mulher é uma bruxa!
Gregory riu.
— Eu sei que é. Mas, infelizmente, não tenho escolha.
Thereza não aguentou, e fez a mesma coisa que faziam sempre,
antes de ter ido para Windsor: o esmagou em um abraço.
— Sei como é passar por isso, e eu sinto muito. — cochichou no
ouvido do rapaz.
Quando ele laçou seus braços nas costas de Thereza, ela soube que
aquele abraço ultrapassava os limites de um casal. Era mais que isso. Era o
mesmo abraço que seu irmão, Thomaz, a dava.
— Não. — cochichou Gregory de volta — Eu que sinto muito.
Desculpe-me por não ter percebido nada disso antes.
Quando se desvencilharam, Thereza passou a mão pelo rosto de
Gregory Devon, limpando suas lágrimas. E pensou o quanto tinha se
enganado todo aquele tempo. Era tão desesperada para debutar na sociedade
e, principalmente, por um casamento bem-sucedido que achou que por
conhecer Gregory a vida inteira, se casaria com ele, e cultivou aquele
pensamento por muito tempo.
— Senti tanto a sua falta, meu amigo.
— Eu também, minha amiga. — ele respondeu. Uma pausa, então:
— Tem outra coisa que preciso lhe contar.
Thereza percebeu que as emoções dele mudaram drasticamente. Seu
rosto estava ficando extremamente vermelho e suas mãos tremiam feito
vara-verde. Por que estava tão nervoso a esse ponto? Nunca o vira assim.
— Gregory... Está tudo bem?
Ela foi até a mesinha e encheu o copo com água e o entregou. Seja
lá o que ele tinha para lhe contar, era grave a ponto de deixá-lo desinquieto
demais.
Ele sentou-se no sofá e bebeu a água em um gole só, depois
respirou fundo, uma respiração pesada e trêmula.
— Thereza, primeiro quero que me prometa que não irá me julgar.
Eu já me sinto miserável demais e... — ele não conseguiu terminar.
— De jeito nenhum irei julgá-lo, prometo. E pare de sentir-se
assim. Não há motivos para isso. — Ou há? Deus do céu... O que Gregory
tinha feito?
— Eu... Eu... — ele começou, mas a porta da sala de música se
abriu e risadinhas preencheram o cômodo.
Thereza olhou para a saída, onde encontrou a Srta. Hervey ao lado
da Srta. Quinn. Diabos! Ela tinha que estragar tudo? Gregory estava prestes
a lhe contar algo importantíssimo.
— É melhor eu ir. Procure-me mais tarde. — disse baixinho só
para que ele ouvisse, então passou pelas duas damas em direção ao seu
quarto.
Sabia que se ficasse na sala de música Evelina arrumaria um
escândalo e Thereza não estava a fim de encrenca naquele momento. Na
verdade, estava tão preocupada com Gregory agora que nada mais
importava.
VI
PEQUENAS ARANHAS CAUSAM
GRANDES PROBLEMAS

Thereza acordou diferente naquele dia. Sentia-se mais leve, mais


aliviada. Aquela conversa que teve com o Sr. Devon no dia anterior era o
que precisava para realmente entender que tudo não passara de um engano.
Apenas havia confundido as coisas, os sentimentos, e agora entendia isso.
Também acordou com a preocupação roendo-lhe a alma. O que ele
ia lhe contar? Parecia ser sério, tão sério que o fazia sentir-se miserável.
Sem falar que estava com uma certa pena do rapaz pelo que ele revelara.
Gregory estava prestes a se casar por conveniência, assim como
Thereza. E a ironia é que fariam parte da mesma família. Entretanto, os
problemas pelo casamento arranjado eram completamente diferentes. O Sr.
Devon estava ali por causa do dote da Srta. Hervey e Thereza estava ali
para ter sua reputação de volta. Mas pelo menos ele disse que Evelina o
fazia rir, o que ela achava um pouco improvável.
Falando no diabo...
Evelina escancara as portas da sala de estar com ferocidade,
adentrando o cômodo com uma gritaria histérica e parecendo desesperada
— o que fez Thereza se levantar em um pulo da poltrona.
— Srta. Hervey? O que está havendo?
Seus olhos se arregalaram de súbito ao ver o estado da moça
histérica: Evelina estava completamente despida, a não ser por um único
lençol branco demais ao redor do corpo. Seus cabelos ruivos e lisos caíam
feito cascatas emaranhadas pelas costas. Ela estava chorando, percebeu
Thereza.
— A minha... A minha... — começou a falar a moça, mas seus
soluços eram tão ferozes que não a deixaram terminar a frase.
Santo Deus! A mulher parecia destruída. O que tinha acontecido
para deixá-la assim tão nervosa e desesperada?
— O que está acontecendo aqui? Que gritaria toda é essa? — O Sr.
Devon entrou na sala. E quando reparou no estado de sua noiva, começou a
ruborizar. — O que aconteceu com as suas roupas, Evelina? — Ele tapa os
olhos com as mãos e vira-se de costas.
Lady Hervey e lorde Hervey também adentraram a sala.
— Oh, querida! O que aconteceu? — Jena corre até a filha e a
abraça com a intenção de tentar cobrir seus ombros nus — Venha, sente-se
aqui.
— Ah, por favor, Evelina. Não vai me dizer que suas roupas não
andam cabendo mais no seu corpinho redondo. — brincou o marquês, e
sorriu de lado.
E Thereza percebeu aquilo no mesmo instante. Espera aí... Ele tinha
senso de humor? Quando ele a olhou de soslaio, riu com a intenção de
mostrá-lo que achara graça em sua piada.
— Por favor, Antony. Não é hora para piadas desnecessárias. — sua
mãe censurou-o, mas o risinho irônico ainda brincava nos lábios de Antony.
Ela voltou seu olhar para a filha — Conte-me, querida. Por que está tão
histérica?
Evelina fungou o nariz e engoliu o choro, depois respirou fundo. E
demorou até que estivesse calma o suficiente para falar:
— Eu estava prestes a ir me banhar. Mas quando coloquei o
primeiro pé dentro da banheira, uma aranha gigante subiu por minha perna
e começou a andar em mim. — ela estremeceu e começou a chorar de novo
— Foi horrível, mamãe. E aquela desgraçada ainda está lá dentro da sala de
banho, sabe-se lá onde.
O coração de Thereza amoleceu. Sabia o que Evelina estava
sentindo porque já passara por coisa parecida. Entretanto, ao invés de uma
aranha, fora uma cobra — e por pouca não foi picada. De uma coisa ela
sabia: uma pessoa nunca deve ser julgada por seus medos, cada um tem o
seu demônio interior.
Por isso, como que instantaneamente, levantou-se e bradou com a
voz confiante:
— Deixe que eu resolva isso.
Todos na sala a encararam, inclusive Evelina.
— O que pretende fazer contra aquele monstro? É maior que uma pá
de jardim.
Cruzes! Pensou Thereza com uma careta. O bicho deve ser nojento
para esse tamanho. Porém, não tinha medo de aranhas. Ela olhou para a
cara vermelha de Evelina com um sorrisinho como se dissesse "Deixe
comigo", e partiu até o quarto da moça.
— Thereza, espere! — quando se virou, viu que o Sr. Devon e lorde
Hervey a seguiam. — Iremos com a senhorita.
Ela sorriu.
Assim que adentrou o quarto de Evelina, foi logo para a sala de
banho. A banheira estava cheia até a metade, a fumaça de vapor espiralando
no ar. Olhou para os lados, para a parede e teto para ver se a aranha poderia
ter escalado, mas nem sinal do aracnídeo. Olhou para o chão, mas a única
coisa que viu foi o urinol que, graças ao bom Deus, estava vazio.
Só havia um local por onde a aranha poderia ter entrado: debaixo da
banheira. Era um lugar ideal para insetos e outros bichinhos: úmido, escuro
e quente.
Ela olhou para os rapazes que a seguiram.
— Preciso de uma vassoura.
Antony apressou-se em dizer:
— Voltarei em instantes. — E partiu para fora do quarto.
Dito isso, Thereza encostou-se no batente da porta da sala de banho,
enquanto o Sr. Devon optou por se sentar no banquinho da penteadeira
enquanto esperavam. Ela suspirou.
— Obrigada. — disse baixinho.
O futuro conde a encarou.
— Pelo quê?
— Depois da conversa que tivemos ontem eu senti-me tão aliviada.
Obrigada por esclarecer as coisas e ainda continuar confiando em mim. A
propósito, sinto muito pelo que está acontecendo com sua família. Estou
aqui para o que precisar.
Ele sorriu.
— E eu também sinto muito pela sua situação. Sei muito bem qual é
a sensação de ser obrigado a se casar.
O silêncio reinou. Mas não aquele silêncio constrangedor. Era mais
porque todos estavam esperando até que Antony voltasse com a vassoura.
Mas, Deus, ele estava demorando demais!
— Gregory. — Thereza chamou-o com a intenção de quebrar o
silêncio. Havia tempo que não o chamava pelo primeiro nome assim, e
dizê-lo em voz alta novamente até pareceu estranho. — Você disse que não
ama a Srta. Hervey. Por acaso já se apaixonou alguma vez?
Ela viu que a pergunta o pegou desprevenido, porque o mesmo ficou
ereto.
— Bom, eu... — ele parou de falar quando seus olhos cerrados
fitaram alguma coisa no canto do quarto.
— O que foi?
Ele se levantou e correu até lá e pegou a sombrinha de Evelina que
estava pendurada em um aparador.
— O que pretende fazer com isso, Gregory? — Thereza franziu a
testa.
Ele passou por ela e adentrou a sala de banho.
— Lorde Hervey está demorando demais.
Assim que se aproximou da banheira, o rapaz se agachou e começou
a mexer com a sombrinha debaixo do móvel.
— Tome cuidado, por favor. — alertou-o baixinho.
Ficou um pouco preocupada. Pelo que relatara Evelina, a aranha que
poderia estar ali em baixo era realmente grande, e poderia ser venenosa até.
Depois de algum tempo remexendo embaixo da banheira, uma
sombra apareceu. A silhueta da aranha ficou nítida no piso de pedra polida,
mostrando as oito perninhas que corriam para lá e para cá. Ao ver o
tamanho da sombra, o Sr. Devon se levanta em um pulo.
— Santo Cristo! — exclamou.
Ele correu até ficar ao lado de Thereza e colocou a sombrinha na
frente do seu corpo, a ponta direcionada à silhueta que se aproximava cada
vez mais. Porém, quando o bichinho, enfim, saiu de baixo da banheira, não
passava de uma minúscula aranha caseira: aquelas que ficam nos cantos das
paredes e não fazem mal algum. Ela era tão pequenina que talvez seria do
mesmo tamanho da unha do dedão do pé de Thereza, pensou ela.
Jesus! Era por causa desse bichinho que Evelina arrumara aquele
escândalo todo? E até saíra seminua... Ou ela teria uma certa fobia por
qualquer tipo de aranha ou, pensou Thereza, só estava fazendo um enorme
drama mesmo. Mas conhecendo-a bem, Thereza optou pela segunda opção.
Ela não aguentou. Começou a gargalhar alto. E Gregory ao seu lado
também.
— É tão pequenina que chega a ser bonitinha. — falou o Sr. Devon
em meio às gargalhadas.
— Exatamente. — a barriga de Thereza começou a doer por causa
das fortes risadas — O senhor vai ter coragem de matá-la por causa de sua
noiva?
Gregory parou e respirou fundo, tentando se acalmar.
— Não. Eu tenho uma ideia melhor.
Ele se aproximou do bichinho que andava por todos os lados no
chão da sala de banho. Colocou a ponta da sombrinha bem pertinho dela, e
a aranha logo começou a escalar. Gregory, então, foi até a janela do quarto e
depositou-a ali, onde saiu andando com aquelas oito perninhas pelo lado de
fora do casarão.
— Problema resolvido.
Thereza suspirou.
— Que confusão, não?
— Bem, de todo modo, é melhor vasculhar um pouco mais para nos
certificar de que não há outras aranhas por aí. — Gregory passou por
Thereza novamente e começou a olhar cada pequeno canto da sala de
banho.
Thereza resolveu que era melhor ajudá-lo.
Por fim, quando viram que a sala já não tinha mais nada, eles se
levantaram e suspiraram.
— É, parece que está tudo limpo — comentou o Sr. Devon, partindo
para fora da sala.
A moça o seguiu. Mas, por ser desastrada ao extremo e uma pessoa
de muita má sorte, Thereza acabou esbarrando seu sapato na perna da
banheira. Um grito estridente escapou do fundo de sua garganta. E quanto
viu, estava encharcada dentro da banheira de Evelina.
— Srta. Righter! — Gregory correu para ajudá-la.
Ele pegou sua mão. Mas ao tentar puxá-la para fora, o peso de
Thereza foi maior. O que fez com que ela o puxasse para dentro da banheira
também, ao seu lado.
Que inferno! Ralhou ela internamente.
Gregory olhou para seu próprio corpo, encarando suas roupas
completamente molhadas e coladas ao corpo. Depois fitou a moça ao seu
lado, que tinha o cabelo desprendido e colado nas bochechas. Então
começou a rir. Thereza fez o mesmo ao perceber a situação em que se
encontravam. Há tempos que eles não se divertiam tanto assim juntos, e foi
esplêndido.
Então lorde Hervey entrou na sala de banho.
— Eu trouxe a... — ele para abruptamente ao perceber a cena diante
de si — MAS O QUE É QUE ESTÁ ACONTECENTO AQUI?
Thereza e Gregory pararam de rir imediatamente quando a voz
estrondosa de Antony fez as paredes tremerem. Ela viu que ele estava
furioso, e a cada segundo que se passava sua face ficava cada vez mais
vermelha, quase do mesmo tom de seu cabelo.
Gregory se levantou, o que fez a água da banheira se mexer.
— Lorde Hervey, eu posso explicar... — ele tinha as mãos abertas
em frente ao corpo, em sinal de rendição. Como se tivesse medo de que
aquela vassoura na mão de Antony saísse voando até seu rosto.
O que foi realmente o que aconteceu... Quer dizer, quase...
Lorde Hervey realmente ergueu a vassoura para acertá-la em
Gregory, mas Thereza apressou-se a entrar na sua frente.
— Lorde Hervey, o que pensa que está fazendo? — Thereza nunca o
perdoaria se ele machucasse seu melhor amigo.
— O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO, CHRISTINA?
A senhorita está prestes a se casar comigo, mas acabo de vê-la dentro de
uma banheira com outro? — ele rugiu de novo.
Christina? Mas o que...
— Não estou aqui dentro completamente encharcada porque quero,
senhor! — ralhou de volta. — Foi um acidente. E aliás, meu nome não é
Christina!
Antony soltou um suspiro exasperado.
— Você será minha esposa em breve, então eu a chamo como
quiser, Christina!
Aaaah seu... Thereza estava fervendo por dentro. Queria tanto
estapeá-lo. Ele estava com ciúmes. Só podia ser isso.
Eles ficaram um tempo encarando um ao outro. Ambos com os
rostos vermelhos de raiva e a boca rígida, enquanto deixavam o corpo ereto
e o queixo erguido. Parecia que estavam esperando quem seria o primeiro a
piscar.
Até que Antony interveio:
— Arrume as suas malas, partiremos amanhã. — E saiu da sala.
O quê? Como assim "partiremos amanhã"? Por acaso ele a estava
mandando embora? Por acaso ele tinha desistido do acordo de casamento?
Deus! Se ele desistisse, aí sim sua reputação nunca mais seria a mesma.
Por isso ela passou as pernas pela borda da banheira e saiu a passos
largos atrás do marquês. O vestido pesado por causa do encharque não
ajudava em nada, e nem se importou com as poças de água que fazia pelo
quarto enquanto caminhava.
— Lorde Hervey, espere! — ele parou, e Thereza ficou encarando
suas costas musculosas antes dele se virar para encará-la. — Para onde me
levará? — o nó já tomava conta de sua garganta.
— Partirei para Somerset amanhã para algumas reuniões do
parlamento, onde ficarei por uma semana. E quero que me acompanhe.
Uma semana sozinha com Antony?
Thereza ergueu o queixo.
— E se eu não quiser ir?
Ele deu as costas novamente para ela, e disse por sobre o ombro:
— A senhorita não tem escolha.
VII
SOMERSET
Hoje é sábado, e Thereza estava terminando de se arrumar para a
viagem à Somerset. Um misto de raiva e ansiedade a percorriam. Primeiro
porque estava indo obrigada — pela primeira vez desde que chegara à
Ickworth House, Antony fora grosso. Segundo que a ansiedade se dava por
conta de que estava prestes a ir para um dos lugares que mais desejava
conhecer. Sempre sonhou em passar sua noite de núpcias lá... O que,
parando para pensar era, de certo modo, estranho. Até porque estava indo
com seu futuro marido.
Assim que terminou de colocar as luvas, ela saiu para o corredor.
Criados foram ao seu quarto várias vezes alertando-a de que já estava
atrasada e a carruagem já estava pronta apenas à sua espera. Sabia que
estava fazendo aquilo de propósito, apenas para enfurecer Antony. Então,
ao passar em frente ao quarto de lady Hervey, uma voz grossa lhe chamou a
atenção, fazendo-a parar no meio do corredor.
— Ah, doutor... — o dono da voz suspira.
Era Antony. Tinha certeza disso. Mas não era para ele já estar na
carruagem? Thereza se aproximou um pouco mais da porta e percebeu que
não estava completamente fechada, uma pequena fresta era o suficiente para
ver um homem mais velho ao lado da cama e, sobre ela, uma lady Hervey
completamente abatida e pálida. Sabia que era feio e indecoroso espiar, só
que tinha algo de errado, ela podia sentir isso.
Pelo pequeno espaço ela viu o senhor se sentar na beirada da cama e
aproximar o rosto contra o peito da mulher, fazendo a percussão. Depois de
alguns instantes ele se levanta e encara algo à sua frente que Thereza não
conseguiu ver o que era por causa da minúscula abertura.
— Bom, pelo que pude perceber... — ele diz. Não estava encarando
algo, e sim alguém. — A senhora em questão está com um chiado no peito.
Sinto lhe informar, meu caro, mas o caso é de bronquiectasia.
As mãos de Thereza foram diretas para a boca em um arquejo
silencioso. Oh, não! No mesmo instante lembrou-se do ataque de tosse que
a mulher teve naquele dia na sala de jantar.
— Santo Deus, eu... — ouviu Antony falar em algum canto do
quarto, mas não conseguiu discernir o restante porque acabou se perdendo
em pensamentos.
Antony devia estar devastado. Evelina, então... Oh, Deus. Será que
ela já estava sabendo? Provavelmente não, porque já era para estar fazendo
escândalo. No entanto, com aquela notícia, certamente o marquês cancelaria
a viagem à Somerset, certo?
Nesse instante a porta se abriu, revelando um Antony ofegante,
descabelado e suado. Ele apenas a encarou, já percebendo que estava ali
ouvindo tudo. Sua boca era uma linha fina, e o que Thereza fez naquele
momento foi tremer. Antony parecia um bruto daquele jeito, todo
esfarrapado, como se estivesse prestes a atacá-la. O que ele fez, portanto,
foi dar as costas para ela e seguir pelo corredor até a escadaria. Ela o
seguiu, atônita. Ele passou pelo hall de entrada e saiu para fora do casarão,
onde a carruagem os esperava estacionada. Ele abre a porta e espera,
olhando qualquer coisa à frente, menos para ela.
Encabulada, Thereza encara o interior do veículo, depois o encara.
— Lorde Hervey, o senhor não deveria ficar? — perguntou, a voz
falhando.
Ele não se mexeu. Parecia uma estátua, ou melhor dizendo, uma
muralha que acabara de ser entalhada ali.
— Lorde Hervey, o senhor está me ouvindo?
Ele continuou na mesma posição, como se estivesse de guarda.
Enfurecida, Thereza se aproxima e ergue o queixo.
— Antony! — gritou, chamando-o pelo primeiro nome.
Os olhos dele se abaixaram para os dela, e pareciam faiscar. Agora
que tinha a atenção dele, disse:
— Está mesmo pensando em deixar sua mãe aqui nesse estado?
Depois de um longo tempo ele respondeu:
— Que estado? — a voz sem emoção alguma.
— Sua Graça? — ela franziu a testa — Aquele médico acabou de
dizer que lady Hervey está...
— Silêncio. — por mais que tenha saído baixo demais, fora um tom
cortante e afiado — Entre na carruagem, Srta. Righter. Já estamos atrasados
demais.
— Mas...
Antony fechou os olhos e rugiu entre dentes cerrados:
— Entre logo neste maldito veículo, inferno!
Ela congelou, aquela voz estrondosa percorrendo cada centímetro de
seu corpo, fazendo seus joelhos fraquejarem. Aquele tom realmente a
magoou. Quando sentiu os olhos arderem com lágrimas, não teve outra
escolha senão adentrar a carruagem. Não queria que ele a visse chorando,
afinal.
Ele entrou depois dela e fechou a porta com força, fazendo as
cortinas balançarem. Bateu com o punho duas vezes no teto, o que fez o
veículo entrar em movimento. Por Deus, ele estava mesmo deixando a mãe
doente... Thereza não conseguia entender aquela atitude dele.
Antony focou os olhos em algum ponto fora da janela e por lá ficou.
Thereza, por outro lado, preferiu ficar encarando-o, tentando decifrar aquele
homem encoberto em músculos e altura, mas que naquele estado parecia tão
pequeno quanto ela. Sentiu uma vontade imensa de tocá-lo. Sentiu vontade
de sentar ali ao seu lado e segurar sua mão tentando reconfortá-lo dizendo
que tudo ficaria bem. Mas naquele estado, Thereza pensou que se fizesse o
que estava pensando, era possível que o marquês a jogasse pela janela. Ela
se limitou em apenas suspirar. Vê-lo daquele jeito estava partindo demais o
seu coração...
Entre logo neste maldito veículo, inferno! Ela fechou os olhos com
força quando aquelas palavras voltaram à sua mente, amedrontando-a.
Agora sim Antony estava se mostrando a pessoa que ela sempre achou que
fosse: rude. Talvez aquelas vezes que ele fora tão cortês, educado e
cavalheiro não passaram de farsa. E não se surpreenderia se fosse verdade,
todos os homens eram assim. Se mostravam gentis, mas depois libertavam o
verdadeiro demônio libertino e sem escrúpulos que os consumia.
Ela balançou a cabeça. O que estava pensando? Antony tinha razões
para estar tão nervoso. A mãe estava doente, afinal. Thereza pensou que
estaria do mesmo jeito — ou pior — se aquela notícia tivesse vindo de sua
mãe. Às vezes ele só precisava de tempo para digerir melhor a notícia. Por
isso resolveu que daria o tempo que lhe fosse necessário. Suspirou mais
uma vez. Só queria dizer a ele que estaria ali caso ele precisasse conversar,
desabafar ou até mesmo se precisasse de carinho. Ela daria a ele, caso
quisesse. Daria a ele tudo o que uma esposa dá ao seu marido. Só que o
medo de dizer aquilo em voz alta e ser rejeitada era maior. Por isso preferiu
ficar em silêncio.
Apesar de toda a tensão que percorria a extensão minúscula do
interior da carruagem, a viagem seguiu tranquila, balançando levemente
sobre as ruelas de terra. Só depois de quase uma hora e meia é que um deles
resolveu quebrar o silêncio.
— Quero me desculpar pela minha atitude nada lisonjeira, Srta.
Righter. — falou Antony com a voz baixa e carregada de exaustão. Ele
ainda encarava a janela.
O coração da moça começou a ribombar no peito. Como não
conseguia encará-lo diretamente, ficou olhando para as mãos cruzadas no
colo.
— Não sei se devo — deu de ombros.
— Perdão? — Ela não viu, mas pôde sentir que agora ele a fitava.
— O senhor tratou-me como um cachorro.
— E estou pedindo perdão por isso. Afinal, senhorita, se eu a tivesse
tratado como um cachorro, teria sido com o maior dos carinhos. São meus
bichinhos favoritos.
Com os lábios entreabertos de choque, ela ergueu o olhar para ver o
rosto dele, que ainda estava sério. Ela pensou que aquele comentário teria
sido para amenizar a situação, uma tentativa de fazê-la sorrir, só que
olhando-o agora percebeu que fora apenas um comentário, e só.
Ela deu de ombros novamente.
— Bem, então... Tratou-me com um rato.
— Bobagem — rebateu ele, e voltou a olhar para a janela. — Está
exagerando, senhorita.
Não soube se foi alucinação, mas viu quando um pequeno músculo
se ergueu no canto esquerdo da boca dele.
— Só estou dizendo a verdade, lorde Hervey. Apenas queria uma
informação, e o senhor optou por me tratar com a mais pura falta de
educação.
— Se eu responder essa informação, terei seu perdão?
Thereza não soube porque sentiu o coração se aquecer. Ele queria o
perdão dela não importava o quê.
Incapaz de encará-lo, ela olha para as mãos no colo e faz a pergunta
que tanto a intrigava:
— Por que está deixando sua mãe doente?
Silêncio. Ela não ergueu o olhar com medo do que encontraria no
rosto dele. Raiva? Repulsa por estar sendo intrometida em demasia?
Exaustão?
Ouviu-o puxar o ar pelo nariz e soltá-lo pela boca, então:
— Ordens, Srta. Righter. Simplesmente ordens, e tenho que cumpri-
las porque vêm do Rei. Ele não se importa se sua mãe está morrendo ou se
você está sofrendo, apenas temos que obedecer. — uma pausa. — Ou achou
que deixar minha mãe era uma escolha minha?
Thereza deu de ombros mais uma vez.
— Bem, achei... até agora.
— Contudo, o médico disse que com o descanso necessário e a
medicação correta, ela tem grandes chances de melhorar. Evelina pode
parecer encrenqueira e insuportável às vezes, mas sei que deixei mamãe em
ótimas mãos. Aliás, um dos motivos de eu ter partido tão rápido foi para
não ter que ficar perto quando o médico contasse a ela a situação de mamãe.
Thereza conseguia imaginar muito bem. À essa altura ela já estava
sabendo, com certeza. E tinha medo de encontrar a Ickworth House aos
avessos por causa de sua histeria após voltar de Somerset.
— Sua mãe ficará bem, lorde Hervey. Tenho certeza. — E sorriu,
tentando reconfortá-lo.
Ele nada disse, apenas encarou a paisagem em movimento lá fora.
— A senhorita não disse se me perdoa.
Ela sorriu, acolhedora. A questão era: como não perdoar?
— É claro que o perdoo, lorde Hervey.
O silêncio voltou, só que dessa vez tranquilo e ameno. Agora que a
situação tinha sido esclarecida e ambos estavam de bem, Thereza queria
conversar mais. Adorava ficar na presença do marquês, e adorava ainda
mais ouvir sua voz.
— E Somerset? O senhor passa muito tempo lá? — puxou o
assunto, por mais hesitante que estivesse.
Antony dá de ombros.
— Duas vezes por ano, três no máximo. A senhorita já foi ao
condado alguma vez?
Ela faz que não.
— Pois adianto-lhe que se gosta de natureza, irá adorar a casa de
campo.
Thereza não conseguiu segurar o sorriso grande que escapou de seus
lábios. Amava a natureza. É claro que amava! E pensar que ficaria sete dias
longe de tudo que lhe causava problemas era a melhor coisa.
— Também quero adiantar que não ficarei muito presente em casa.
Sairei todos os dias pela manhã e só voltarei ao pôr do sol, pois as reuniões
do parlamento acontecem na cidade de Tauton. Enquanto isso, a senhorita
ficará na companhia de uma dama que eu já me certifiquei de contratar.
Aquilo a desanimou um pouco. Não sabia porquê, mas quando
Antony citou a casa de campo, Thereza logo pensou que ficaria a sós com
ele por sete dias, então poderia conhecê-lo melhor e até se tornarem amigos
de verdade.

***

A viagem de Suffolk até Somerset foi demorada, com direito a duas


paradas em tabernas para comerem. Logo, Thereza sabia que já tinham
chegado por causa das colinas que começaram a aparecer pela janela; uma
característica marcante do condado. Contudo, a moça não queria mentir
para si mesma, estava animada para conhecer Somerset. Era um dos lugares
no topo de sua lista para conhecer, juntamente com Kent e Dorset.
Ela estava encantada demais com o lugar. Não parava de sorrir
enquanto olhava pela janela as pessoas tão bem-vestidas e alegres andando
pelas ruas de paralelepípedos. As mulheres com seus vestidos bufantes,
leques, sombrinhas e chapéus, enquanto os homens usavam seus casacos
grã-finos, botas altas, cartola e bengalas adornadas.
Depois de um tempo, as casas e lojas foram substituídas por árvores
e vales verdejantes. E quando a carruagem enfim parou, Thereza soube que
tinham chegado na Casa de Campo Hervey em Somerset. E não demorou
muito para que o cocheiro abrisse a porta e a ajudasse a descer. Ela fez tudo
muito rápido, porque o ar dentro da carruagem já estava ficando
extremamente sufocante ao lado de Antony. Não sabia se era pela questão
de ele deixá-la nervosa ou por ele ser grande demais e precisar de uma
quantidade maior de oxigênio. Sem falar que sempre que encaravam um ao
outro, não durava muito porque nenhum deles conseguia manter contado
visual.
Jesus! Que situação!
Ao pisar no gramado, logo sentiu a brisa pairar em seu rosto e
balançar os seus cabelos. Thereza fechou os olhos e suspirou
profundamente. Ah! O ar puro do campo! Ela ficou um tempo assim, só
sentindo o vento chicotear seu rosto e o som de pássaros por todos os lados.
Mas infelizmente uma voz grossa resolveu interromper seu
relaxamento.
— Vamos entrar, Christina. Já está tarde e o jantar já deve estar
servido.
Realmente já começava a escurecer.
Christina? O que ele estava pensando? Por que insistia em chamá-
la assim? Sem falar que Thereza não queria ter sido interrompida de seu
momento de apreciar as belezas que o campo lhe proporcionava. Por isso
revirou os olhos e respondeu:
— Já estou indo, Homem Muralha.
O marquês parou de caminhar em um rompante, e a moça se
arrependeu por tê-lo chamado daquilo, mas não conseguiu evitar, as
palavras saíram antes mesmo que percebesse.
Antony estava a poucos centímetros de distância, e se virou para
encarar Thereza, que colocou as mãos cruzadas em frente ao corpo em um
gesto ingênuo.
— Chamou-me do quê? — o tom do rapaz foi tão afiado que a fez
estremecer ligeiramente.
Mas Thereza não seria intimidada. De jeito nenhum que isso ia
acontecer!
Mesmo com um pouquinho de medo do tamanho do homem e de
toda a sua potestade, ela se aproximou até estar cara a cara com ele, e teve
que erguer o queixo para olhá-lo diretamente nos olhos. Então disse com a
voz mais que desafiadora:
— Se insiste em chamar-me de Christina, milorde. Então creio que
posso chamá-lo do que quiser também, Homem Muralha. — a última frase
foi dita com um pouco mais de veneno — Aí ficaremos quites.
Ele semicerrou os olhos e não os desviou um segundo sequer dos
seus, o que a deixou com a sensação de estar indefesa. Ademais, Thereza
viu quando o canto esquerdo do lábio de Antony se ergueu em um ligeiro
sorriso antes de se virar e partir para dentro da propriedade.
Quando ele sumiu do seu campo de visão, a moça colocou a mão
sobre o coração e soltou o ar que estava segurando. Cristo! Por que ele
sempre me deixa sem ar? E o que aquele sorrisinho de canto de boca
significa? Ela temeu a resposta, por isso balançou a cabeça para se livrar
dos pensamentos.
Ela levantou o olhar e reparou na propriedade diante de si. Era
linda! Parecia ser um estilo mais antigo das casas inglesas, mas mesmo
assim não deixava perder sua beleza. Thereza achou-a grande demais para
uma propriedade rural que ficava vazia quase o ano todo. Mas sem perder
mais tempo, adentrou o local.
As velas e castiçais já estavam acesos, dando um ar mais
aconchegante ao interior da casa. E Antony já a esperava no hall de entrada,
parado feito uma muralha com as mãos cruzadas nas costas. Ao seu lado,
uma donzela com vestes preto e branco esperava. Ela era baixinha e tinha
cabelos pretos amarrados debaixo de uma touca.
— Srta. Righter. — começou a dizer o marquês — Esta é a Srta.
Cibele, camareira e agora sua dama de companhia. Ela está aqui para o que
precisar. — ele faz uma pausa — Srta. Cibele, esta é a Srta. Righter, futura
marquesa de Bristol. Ela passará uns dias aqui comigo, e espero que se
deem bem.
A donzela fez uma reverência um pouco exagerada demais.
— É um prazer conhecê-la, lady Hervey.
— Lady Hervey? — Thereza franziu a testa — Ainda não estamos
casados. Por favor, Srta. Cibele, chame-me de Thereza ou Srta. Righter.
— Como quiser, milady.
— Ou pode chamá-la de Christina, se preferir. — comentou Antony,
a feição indecifrável.
Thereza o encarou, irritadiça.
— De jeito nenhum. Nada de Christina!
Por que em nome de Deus minha mãe resolveu que era bom colocar
nomes compostos em seus filhos?
— Como quiser, milady. — falou novamente a donzela.
Depois de um tempo em silêncio, lorde Hervey disse:
— Srta. Cibele, mostre à Christina seus aposentos e arrume a
banheira para que ela possa se banhar. Depois ajude-a a se vestir para o
jantar.
A moça baixinha fez mais uma mesura.
— É pra já, milorde. — Ela se virou e Thereza rapidamente a
seguiu.
Quando passou por lorde Hervey, deu um risinho irônico e
comentou:
— Até mais tarde, Homem Muralha. — E deu tchauzinho com os
dedos.
Enquanto caminhava, ficou olhando a decoração luxuosa da casa.
Estava adorando cada pequena decoração: as tapeçarias, os quadros, lustres
e os vasos caros e importados. Ela gostou de seu quarto, que era grande e
espaçoso com leves tons em dourados. A Srta. Cibele mostrou-a que a
banheira já estava pronta atrás do biombo, e não demorou muito para que
Thereza relaxasse dentro da água morna.
De repente um pensamento lhe ocorreu. “O amor pode vir com o
tempo, sabia?”, dissera Marjorie alguns dias antes. Foi estranho pensar
naquilo porque realmente sentia coisas estranhas quando estava perto do
marquês. Mas não podia ser o sentimento em questão, certo? Por conhecê-
lo a pouquíssimo tempo, Thereza achou que essas sensações não passavam
de safadeza. Isso mesmo, safadeza! Antony era lindo, grande e uma
muralha de músculos. Que mulher, em sã consciência, não ficaria atraída
por ele? Seu problema era ainda pior porque passava mais tempo com ele
do que com qualquer outra.
Ah Deus... O que estou pensando? Ela saiu da banheira.
Depois de vestida, Thereza seguiu a camareira até a sala de jantar.
Assim que adentrou o cômodo, percebeu que a sala estava vazia. Dois
pratos tinham sido postos, e um deles estava à cabeceira. Será que Antony
ainda não tinha descido? De todo modo, teria que esperar. É falta de
educação comer primeiro que os outros. Ela se sentou, e viu, debaixo do
prato, um pequeno papel. Pegou-o hesitante, e o abriu.

“Christina,

Sinto muito não lhe acompanhar na última refeição do dia.


Acontece que o cansaço me venceu, e preferi ficar no quarto. Amanhã é
domingo e as reuniões no parlamento só começam na segunda-feira. Como
sei que sempre quis conhecer Somerset, poderei lhe acompanhar até a
cidade, se assim desejar, é claro. Considere isso como um pedido de
desculpas por deixá-la jantar sozinha. Boa noite e bom apetite.
A”.

Seus olhos se reviraram levemente ao ler “Christina” no topo do


bilhete. Mas acontece que ela estava impressionada demais. O marquês
sempre se desculpava. Se não com palavras, ele arrumava outro jeito. E ela
gostava disso. Gostava de pessoas que reconheciam seus erros. Não que
deixá-la sozinha em uma sala era um erro, apenas uma escolha. E entendia
isso, claro. Tinha sido um dia difícil para Antony e ele merecia mesmo um
bom descanso.
Ainda segurando o pequeno papel entre os dedos, Thereza se pegou
sorrindo quando se deu conta de que finalmente conheceria Somerset.
Depois do jantar, ela subiu até seu quarto, vestiu seu penhor e
deitou-se na cama. Estava cansada e queria muito dormir, mas a ansiedade
que percorria suas veias a impedia, e por isso ficou horas deitada de costas
enquanto encarava o teto. A única coisa em que conseguia pensar é que
amanhã seria um ótimo dia. Contudo, a ideia de passar uma semana
praticamente sozinha com lorde Hervey ainda a deixava tensa.
Foi quando ouviu um barulho vindo do corredor. Pareceu vidro se
estilhaçando. Seu coração deu um salto.
Ela rapidamente pegou a vela sobre o criado-mudo ao lado da cama
e se levantou. Andou nas pontinhas dos pés até a porta e a abriu levemente,
somente uma fresta para espiar o lado de fora. Havia um homem agachado
ali no chão, percebeu. Ele parecia estar juntando cacos do que parecia ser
um vaso de porcelana. O homem não parava de resmungar palavras chulas.
Quando terminou de juntar os cacos em um canto, ele se levantou,
ainda de costas para Thereza.
— Ah, merda! — ele resmungou para si mesmo — Espero não ter
acordado lady Hervey com minha bagunça.
Thereza franziu a testa. Lady Hervey? Por acaso Evelina estava ali?
O homem pega a vela depositada na mesinha do corredor e se vira.
Logo, Thereza pôde ver que se tratava de Antony. Seu cabelo alaranjado
estava emaranhado e ele usava uma blusa branca amarrotada com os
primeiros botões da parte de cima abertos, mostrando um pouco de seu
peitoral e os poucos pelos que tinha ali. As mangas estavam arregaçadas até
os cotovelos também.
Um calor súbito começou a subir pelo corpo de Thereza, e ela não
soube explicar se era a chama da pequena vela que estava segurando ou
porque nunca vira um homem tão exposto antes. Os músculos do marquês
pareciam ainda mais rígidos com a pouca roupa que usava.
Antony soltou um suspiro exasperado e passou a mão pelo cabelo,
bagunçando-o ainda mais. Ele começou a ir em direção ao quarto de
Thereza logo em seguida, o que fez seu coração palpitar. Rapidamente ela
fechou a porta e correu até a sua cama, soprou a chama da vela e deitou-se,
puxando os lençóis até o pescoço. E fechou os olhos, com a intenção de
fingir estar dormindo.
A porta do quarto foi aberta instantes depois, e uma luz adentrou o
quarto. Thereza deixou os olhos abertos o mínimo que conseguiu, só para
espiar o que lorde Hervey queria fazer em seu quarto. Quando o espaço ao
lado da cama se afundou, ela soube imediatamente que ele tinha se sentado
ali. Os pelos da moça se eriçaram, e seu peito começou a pesar com a
respiração, como sempre acontecia quando o marquês estava perto demais.
A moça estava tão nervosa que começou a suar debaixo dos lençóis. Ela
ouvia a respiração constante do rapaz ao seu lado, e mesmo sem vê-lo
completamente, sentia o peso do olhar sobre si.
Ele a estava observando.
Ela ouviu um muxoxo. Pareceu com uma risada nervosa. Ele está
rindo de mim? Será que é do modo como durmo? Seu sangue ferveu, mas
continuou imóvel.
— Como uma dama pode ser tão bela? É inacreditável.
Deus...! Ele estava falando dela! Só podia ser! Não tinha mais
ninguém no quarto além dos dois! A respiração de Thereza pesou tanto que
ela teve que se remexer para afastar um pouco os lençóis de seu corpo. Caso
contrário, morreria asfixiada.
O colchão se elevou. Antony tinha se levantado.
— Não acredito que um casamento forçado me proporcionaria isso.
Não acredito!
Barulho de passos, depois a porta se abriu e se fechou.
Antony tinha ido embora.
Quando teve certeza de que estava sozinha novamente, Thereza
afastou os lençóis com tanta força que eles caíram no chão, então pôde
respirar. Seu pescoço estava encharcado de suor. Tudo isso por causa de um
fogo que percorreu suas veias no instante em que lorde Hervey se sentou ao
seu lado na cama.
Ela ainda não estava acreditando no que ouvira. Ele a achava tão
bela que era inacreditável! E o que o casamento lhe proporcionara? Aquilo
a intrigou.
Thereza sorriu. Um sorriso travesso e cheio de desejo.
Quando conseguiu enfim dormir, os raios de sol já apareciam pela
janela. Pelo jeito, Somerset lhe proporcionaria coisas incríveis.
VIII
UM PASSEIO COM DESEJOS
Batidas na porta fizeram com que Thereza acordasse.
Ela abriu os olhos, mas a luminosidade do cômodo era tão grande
que se obrigou a fechá-los novamente. Inferno! Deveria ter fechado as
cortinas antes de ter ido se deitar.
— Milady?
Ela esfregou os olhos com força e os abriu levemente, resmungando.
A Srta. Cibele estava na porta somente com a cabeça para dentro.
— Sim? — respondeu com a voz embargada pelo sono antes de
bocejar.
A camareira entrou no quarto e fechou a porta com cuidado atrás de
si. Ela manteve certa distância da cama; a cabeça sempre baixa e as mãos
cruzadas nas costas.
— Lorde Hervey pediu para que eu viesse checar se está tudo bem
com a senhorita. Ele ficou preocupado pela questão de o almoço já estar
servido e nada de a senhorita descer.
Thereza se levantou em um pulo.
— Almoço?
— Sim, milady. — falou a donzela casualmente — Posso preparar a
banheira, se quiser.
Ela pensou por um instante. E foi quando lembranças da noite
passada a invadiram como uma corrente. Antony entrando em seu quarto e
sentando-se ao seu lado na cama, ele observando-a dormir; ele chamando-a
de bela...
— Milady, está tudo bem? Parece um pouco ruborizada.
Thereza balança a cabeça para se livrar dos pensamentos, um pouco
constrangida.
— Ah, não é nada. E sim, Srta. Cibele. Quero que mande preparar
meu banho.
— Como quiser, milady. — A camareira faz uma mesura e se vira
para sair do quarto. Mas antes que o fizesse, virou-se para Thereza
novamente e disse: — A propósito, Srta. Righter, lorde Hervey pediu para
descer preparada para ir até a cidade. — Ela saiu em seguida.
Um sorriso de orelha a orelha se abriu em seus lábios. Conheceria
Somerset, finalmente!
Para conter a euforia que tomava conta de seus nervos, ela resolveu
ir até a sacada do quarto observar o lindo jardim dos fundos do casarão
enquanto criados subiam e desciam com baldes d'água fumegantes e
despejava-os na banheira.
Depois que terminou de se banhar, a Srta. Cibele fez um penteado
excepcionalmente belo em seus cabelos castanho-escuros, deixando-os
presos na nuca e algumas tranças adornando-o. Colocou um de seus
vestidos mais belos que trouxera de Suffolk, de um azul furtivo brilhante
bem justo na cintura e a saia caía perfeitamente bem sobre suas pernas até
os calcanhares em algumas camadas de chiffon. Colocou luvas de renda da
mesma cor que o vestido e rodopiou em frente ao espelho, sorrindo sem
parar.
— Está bela, milady. — comentou a camareira.
Depois que desceu para seu desjejum, lorde Hervey já a esperava na
sala de jantar sentado à cabeceira. Ela reparou no espanto que transpassou
rapidamente o rosto do marquês assim que adentrou o cômodo, e não soube
identificar se aquilo foi bom ou ruim.
— Pelo visto a senhorita gostou mais da cama que o esperado. —
Ele soltou uma risada amarga.
Ela não soube onde enfiar a cara.
— Perdoe-me, Sua Graça. — disse enquanto se assentava e se servia
de frango assado e rabada. — Demorei pegar no sono e...
— Não tem que se desculpar. Se a senhorita esqueceu, agora é a sua
casa também.
Thereza parou de movimentar o talher que cortava com vigor uma
parte do frango.
Sabia muito bem que ele tinha razão. A casa ainda não era dela...
Ainda! Mas logo se casariam e ali passaria a ser dela também. Mas é que
era difícil de aceitar. Estava recente demais, e foi tudo tão rápido e de
repente... No entanto, parece que Antony já aceitara.
O almoço então correu em silêncio, até que uma lembrança lhe
recorreu. Thereza passou os olhos por toda a mesa, e quando não viu um
terceiro prato, virou-se para Antony.
— Onde está a Srta. Hervey? — perguntou, lembrando-se de
Antony mencioná-la ontem à noite.
— Quem? — ele a encarou, visivelmente confuso.
— Sua irmã. Srta. Evelina Hervey.
Ele riu.
— Acho que Somerset está mexendo com sua cabeça, Srta. Righter.
Não se lembra de que veio apenas nós dois na carruagem?
Thereza franziu a testa.
— Então de qual lady Hervey o senhor estava falando ontem à noite
quando passou pelo meu quarto?
Certamente não seria a mãe já que a mesma estava beirando a morte.
Antony se engasgou, então começou a tossir ferozmente. Só então
ela percebeu que acabou falando algo errado. Sua burra! ralhou para si
mesma internamente. Quando ele fora ao seu quarto na noite passada, achou
que estava dormindo, e agora estragou tudo.
Ela se levanta para tentar ajudá-lo.
— Ah, Sua Graça. Aqui, beba isto. — Ela estende um copo com
água.
Antony bebe, depois bate com o punho fechado várias vezes contra
o peito, então para. Por um breve instante, Thereza achou que ele tivesse
morrido, pois tinha os olhos fechados e não mexia um músculo sequer. Ela
começou a ficar desesperada, e estava prestes a gritar quando ele soltou a
respiração pesada, recostando-se na cadeira. O alívio a percorreu.
— O senhor está bem? — perguntou.
Ele assentiu.
— Sim, não se preocupe.
Sendo assim, ela sentou novamente em seu lugar. Então:
— O senhor não respondeu a minha pergunta, milorde. A Srta.
Hervey, ela...
— Não sei do que está falando, Srta. Righter. — Ele bebericou um
pouco mais da água, os olhos arregalados sobre a borda do copo.
— Bem, então de quem o senhor... — Thereza parou no meio da
frase quando se deu conta de tudo. Por isso tentou reverter o assunto: —
Quero dizer, acho que não passou de um sonho. — seus lábios se erguem
em um sorriso cínico. — Como o senhor disse, Somerset deve estar
mexendo com a minha cabeça.
— Certamente, senhorita. — Ele voltou a comer, os ombros
extremamente rígidos de vergonha.
E pela primeira vez desde que o conhecera, Thereza o viu
envergonhado. Ela contraiu os lábios em uma linha fina para conter a
gargalhada que estava lutando para sair. E se falasse que viu tudo o que ele
fez em seu quarto ontem à noite? Inclusive que ouviu quando ele a chamou
de bela? Cristo! Ele morreria de vergonha, sem dúvida.
Um barulho saiu do fundo de sua garganta.
— Do que está rindo, senhorita?
Ela deu de ombros.
— Nada, milorde. Nada mesmo. — E lutou contra a risada ainda
mais.
Mas uma vozinha no fundo do seu consciente a lembrava de que se
não tinha nenhuma outra dama de sobrenome Hervey ali, ele só podia estar
falando dela. Chamou-a pelo nome de casamento. Lady Hervey... O título
rodeou sua mente.

***

Thereza estava agora assentada na sala de estar lendo a coluna de


fofoca do Jornal de Londres enquanto esperava por lorde Hervey. Ele havia
subido assim que terminou de almoçar para se banhar e se vestir.
Ela leu na coluna:

"E adivinhem, londrinos!

A Srta. Righter vai mesmo ser a próxima marquesa de Bristol! Que


sorte, não?
Eu não vou mentir: se um escândalo acontecesse comigo, com
certeza queria que fosse a mesma coisa que aconteceu com a Srta. Righter.
A moça deve ter nascido com o traseiro virado para a lua para ter tanta
sorte. A maioria das damas saem destruídas e mal vistas pela sociedade
depois de um escândalo, mas com a filha do conde e da condessa
de West Sussex fora diferente. O que mais ela poderia querer na vida?

Lady HD da Coluna de Fofocas, Jornal de Londres."

Thereza amassou o papel em uma bola e jogou-o contra a parede.


Argh..! Será que eles nunca irão esquecer isso? Por que todos
acham que se casar com Antony é uma benção? Só por que ele tem um
grande título e é muito rico? Se eles conhecessem a Srta. Hervey pensariam
o contrário. Diabos. Se casar por obrigação é a pior das sortes!
A cabeça da moça era um turbilhão de pensamentos enraivecidos,
mas logo foram interrompidos quando Antony entrou na sala. Ela perdeu o
ar, completamente. Sinceramente, ele estava ainda mais belo que no baile
de lady Devon, quando o viu pela primeira vez.
Antony usava uma casaca azul-marinho aberto, uma blusa branca e
colete; calças marrons e botas pretas até os joelhos; luvas de couro; ele
segurava uma cartola na mão direita e, na outra, uma bengala com adornos
dourados no punhal.
Ele sorriu de lado.
— Resolvi que era melhor colocar um traje à sua altura, senhorita.
Aquilo foi um elogio?
Só quando passou a língua pelos lábios percebeu que estavam secos
por causa da boca aberta. Santo Deus! Devia estar parecendo uma babona.
O marquês colocou a cartola e ergueu o braço.
— Vamos? O cabriolé já está pronto.
Thereza ficou parada por um instante. Ficar encarando-o era bom
demais. Entretanto, antes que ele achasse que era uma boba, levantou-se e
colocou seu chapéu, entrelaçando seu braço no dele em seguida.
Uau! Os músculos do braço dele eram tão rígidos que parecia estar
segurando o tronco grosso e forte de uma árvore. E o cheiro dele então...
Parecia com o cheiro de folhas secas da primavera com um toque de óleo de
Jasmim. Tudo o que desejou naquele instante foi ficar parada encarando-o
enquanto o cheiro delicioso entrava por suas narinas.
Do lado de fora, depois que subiram no cabriolé — Antony
assentado ao seu lado — percebeu o frio que invadiu sua barriga. Nunca
tinha andado em um antes, e estava realmente animada. Mas a ideia de sair
por Somerset num transporte que a deixava tão exposta era um pouco
assustador. As pessoas já estavam falando tanto de sua vida com lorde
Hervey — não queria nem ver o jornal de amanhã contando como o casal
Bristol estava tranquilo em um cabriolé enquanto passeavam por Somerset.
— Aconteceu algo, senhorita? Parece nervosa. — Antony
perguntou, observando-a com aqueles olhos azuis intensos.
Ela respirou fundo em uma tentativa falha de se acalmar.
— Eu estou bem. É que... — ela o encarou. Um pensamento
estranho a incomodou — O senhor não está com vergonha de sair comigo
assim tão exposto pela cidade?
Ele a fitou com a testa franzida. Logo, o cabriolé começou a pegar
velocidade.
— Bem, é que... — ela deu de ombros — as pessoas comentam
sobre nós e...
Antony gargalhou. Alto. E foi a primeira vez que Thereza viu seus
dentes. Eram simplesmente perfeitos! Tão retos e brancos como algodão! E
o barulho que saiu quando gargalhou foi a melhor coisa que ouviu há
tempos.
Ela ficou reparando na boca do rapaz enquanto ele ainda ria. E
quando parou e se recompôs, Thereza teve certeza: queria beijá-lo. Queria
sentir o gosto daqueles lábios tão misteriosos e sensuais, e queria mais
ainda que ele gargalhasse contra a sua boca enquanto estivessem em um
beijo quente e feroz.
Instintivamente um calor começou a se apossar do corpo da moça,
fazendo-a suar sob aquele corpete. Ela rapidamente abriu o leque e
começou a se abanar.
— Deixe que falem, senhorita. — falou enfim, o marquês. — Não
me importo nem um pouco. Aliás, é muito pelo contrário, se quer mesmo
saber.
— O que Sua Graça quer dizer? — Thereza olhava para frente,
ainda se abanando vigorosamente. Mas parecia não adiantar de nada! Pelo
contrário, o leque parecia estar aumentando as labaredas que percorriam
suas veias.
Antony ficou um tempo em silêncio, e mesmo sem olhá-lo o ouviu
soltar um suspiro nervoso e trêmulo.
— Pode ser que a senhorita não esteja gostando do que aconteceu
entre nós. — ele começou a dizer, finalmente — Sei que é ruim para uma
dama casar-se por obrigação. Sei também o que muitas damas dariam para
estar em seu lugar. Mas eu sei que mesmo tendo que se casar comigo por
conveniência, a senhorita não deseja meu dote ou meu título. Eu não sei
como sei, só sei que sei. — ele ri baixinho e com amargura. Depois diz: —
Está vendo? É por isso que eu não tenho vergonha de você. Sabe há quanto
tempo eu não sorria? Ou, sabe há quanto tempo eu não gargalhava como
gargalhei minutos atrás?
Thereza fecha o leque em um movimento rápido, o coração a mil.
Ela o fitou, e a dor que viu no rosto do marquês fez com que suas estruturas
se desmanchassem e seu coração amolecesse. E como se não tivesse
controle sobre si mesma, tocou o rosto ruborizado dele com a mão
enluvada, e mesmo sob a renda, sentiu o calor que emanava dali.
— Mas por quê? — ela perguntou, e sua voz saiu falhando e rouca.
Ele inclinou a cabeça para que deitasse ainda mais contra a mão de
Thereza, e a encarou.
— Por que o quê?
— Por que não sorri? O que o impede?
Antony fechou os olhos e respirou fundo por alguns segundos.
Depois pegou a mão de Thereza que estava em seu rosto e fechou-a entre as
suas.
— Eu sempre sonhei em encontrar a mulher certa para amar. Porém,
em todos os bailes em que eu comparecia, todas as damas que me eram
apresentadas não passavam de interesseiras. Até que chegou em um ponto
que desisti. Então meu pai morreu, logo depois. — a dor em sua voz fazia o
peito de Thereza doer — E as coisas só pioraram a partir daí. Depois que
herdei o título de marquês, mulheres não paravam de aparecer. Elas
olhavam e ainda olham para mim como se eu fosse um cavalo premiado,
por isso odeio bailes. Entre tantas pretendentes eu não queria nenhuma. —
ele vira a cabeça para a moça assentada ao seu lado e a olha dentro dos
olhos com aquele olhar vítreo que só ele conseguia fazer. Então fala,
baixinho: — Até agora.
Oh!
A boca de Thereza estava aberta em um pequeno "o", e ela sentiu
quando oxigênio pareceu evaporar de seus pulmões, fazendo-os arder
rigorosamente.
— Sabe. — Antony continuou. — Eu sei que é cedo para isso, mas
realmente acredito que o que aconteceu com a gente é coisa do destino.
Thereza estava prestes a desmaiar, tinha certeza disso. Era anormal a
velocidade com que seu coração estava batendo. Parecia que ele sairia pela
boca a qualquer momento. Ela rapidamente engoliu toda a bile que
ameaçou sair. Estava petrificada, sem saber o que fazer ou falar diante
daquela declaração.
Antony olhou para a frente.
— Por favor, senhorita, diga alguma coisa. Está me fazendo parecer
um idiota.
Mas o que ela diria? Estava nervosa demais para que qualquer coisa
saísse. E se dissesse algo errado? A única coisa em que conseguia pensar
era em sua mão entrelaçada ainda contra as dele.
— Eu... — ela começou a dizer, nervosa demais. Cada músculo do
seu corpo parecia ter perdido as forças. — Eu...
Então o cabriolé parou.
— Chegamos! — anunciou o cocheiro, apressando-se em abrir a
pequena porta do veículo.
Eles desceram, e começaram a caminhar levemente pelas ruas de
paralelepípedos de Somerset. No entanto, a tensão entre os dois ainda era
perceptível. Depois do que Antony dissera no cabriolé, Thereza ficou tão
desnorteada que não sabia o que diria para deixá-lo tranquilo. Agradeceu
aos céus por terem chegado e, com isso, poupado de que falasse.
“...mas realmente acho que o que aconteceu com a gente é coisa do
destino”, as palavras martelavam em sua mente, fazendo seu coração
palpitar. Será que ele a desejava? Porque ela o desejava. Thereza o desejava
mais que tudo na vida, e queria dizer isso a ele, queria dizer que o desejou
desde que o viu no baile de lady Devon, aquele homem tão alto e de rosto
rígido como quem sempre está de mau-humor. E ela se deu conta disso
agora. Não se conformou antes porque tinha medo. Medo de que ele fosse
rude, medo de se casar com uma pessoa que não conhecia.
“O amor pode vir com o tempo, sabia?”, “Eu prometo que tentarei
fazê-la feliz. Sei que a senhorita merece. É boa, bela e gentil. Mas amá-la...
Isso só o tempo poderá me dizer”. O que Thereza não fazia ideia é que seria
em tão pouco tempo.
E estava mesmo acontecendo. Aquele sentimento que corria por
suas veias como fogo, aquele sentimento que fazia seu estômago girar
sempre que ele se aproximava.
Estava apaixonada.
E queria dizer isso a ele de todas as maneiras possíveis, mas as
pessoas que por ali passavam fizeram seus pensamentos sumirem quando
percebeu que a encaravam. Foi quando ouviu uma voz grossa e baixinha
bem perto do seu ouvido:
— Uau. A senhorita é uma celebridade em Somerset.
Thereza encarou Antony. Ele tinha mesmo acabado de fazer uma
piada com a sua reputação? Ela riu.
— Não só em Somerset, lorde Hervey. Mas em toda Inglaterra, ao
que parece. — ela olhou ao seu redor, e quando reparou que as pessoas
olhavam apenas para si, perguntou: — Não era para o senhor também ser
uma atração? Por que sinto que estão olhando apenas para mim?
Eles viraram em uma esquina à direita. Então Antony disse:
— Eu sou uma atração... Apenas para as mulheres.
Thereza ri.
— Imagino que sim. Mas não era essa a atração que eu estava me
referindo.
Ele dá de ombros.
— Bem, há uma grande diferença em ser “o marquês que estava em
uma sala escura” com “a moça que foi encontrada nos braços do marquês
em uma sala escura”, não acha?
Com a testa franzida, ela faz que sim.
— Acho que o senhor tem razão.
Só que aquele raciocínio a incomodou de certo modo. Por ser
mulher, as pessoas achavam que ela estava fazendo outras coisas no escuro
quando foi pega nos braços de Antony. O marquês, por ser homem, estava
apenas seduzindo mais uma de suas amantes. Era isso o que todos
pensavam. Que Thereza Christina Righter era uma promíscua.
— É claro que tenho, Srta. Righter. — disse Antony, livrando-a dos
pensamentos. — Eu sempre tenho razão. — E dá um sorriso de
autodepreciação.
Ela se vira para ele.
— Nossa. Quando é que o senhor se tornou tão presunçoso?
Nunca o vira falar de si mesmo com tanto orgulho assim antes,
afinal.
Ele apenas dá de ombros, o nariz levemente empinado.
— Tenho meus dias.
E mais uma vez ele a faz rir.
O passeio continuou. Antony estava sendo super atencioso,
mostrando-lhe cada parte que desejava ver e conhecer do condado. A parte
que mais gostou foi quando ele a levou até a Igreja de St. George’s — era a
construção mais magnífica que já vira. Estava apaixonada pelo lugar. E
pensou se realmente queria voltar para Suffolk ou Londres algum dia.
Pensou se sua vida não seria muito melhor se Antony a levasse para morar
ali na cidade de Tauton, apenas os dois, longe de Evelina e de qualquer
olhar julgador das pessoas de Londres.
Após o longo e cansativo passeio, resolveram que era melhor
sentarem em um banco no French Weir Park, próximo ao lago, para
descansarem os pés. Thereza respirou fundo de olhos fechados,
agradecendo mentalmente por aquele momento tão relaxante e um dos
melhores que teve em dias. Sem falar que a companhia de Antony era a
melhor de todas. Pensou que nunca se sentira tão bem perto de um rapaz
antes. Por mais que tenha sido apresentada a poucos, nenhum fora tão
cavalheiro para ser lembrado ou mencionado como Antony Hervey era.
Pensou também, naquele momento, se suas amigas não tinham razão
quando disseram que tinha sorte de estar se casando com ele. Agora ela
entendia isso, apesar de os interesses serem completamente diferentes.
Realmente estava se casando com o maior e mais educado cavalheiro da
Grã-Bretanha.
E ele seria seu. Apenas seu e de mais ninguém.
Aquele pensamento a fez sorrir feito uma bobona.
— Por que está sorrindo tanto, Srta. Righter? — Antony perguntou
com a voz suave e distante.
Sem tirar os olhos da água do lago, ela responde:
— Estou apenas grata, milorde.
— É mesmo? Pelo que, exatamente?
Ela o encara, e percebe que ele também olhava para o lago com
olhos vítreos.
— Pelo senhor estar proporcionando este momento tão relaxante
para mim.
Ele se virou para ela, e sorriu. Só que foi um sorriso diferente, e
Thereza percebeu isso por causa das rugas que apareceram nos cantos dos
olhos dele. Era um sorriso de tristeza.
— Pelo menos alguém está se divertindo — falou ele, e voltou a
encarar o lago.
Thereza aquiesceu enquanto vários pensamentos negativos tomavam
conta de sua mente. Será que ele não estava gostando de sua companhia?
Ou será que tinha dito algo que o deixara assim?
— Quer dizer que não está se divertindo, milorde? — perguntou
hesitante.
Ele não piscava, e encarava os patos nadarem como se as aves
estivessem fazendo algo terrível, o que a deixou realmente apreensiva. O
que se passava no coração dele? Era perceptível que estava sofrendo.
Antony respira fundo, e diz com uma voz melancólica:
— Não do jeito que eu queria, Srta. Righter. Meu corpo está aqui,
mas minha mente está em Suffolk, pensando em como minha mãe deve
estar.
A dor na voz dele pareceu penetrá-la, e logo engoliu o nó na
garganta. Nunca o ouvira falar com aquele tom antes. E não podia culpá-lo,
obviamente. Deixara a mãe doente por ordens de cima, e estaria preocupada
também se estivesse no lugar dele.
A raiva a possuiu. Afinal, Antony não estaria ali se não fosse pelo
Rei, certo? Indignada, ela cruza os braços, recosta com força no encosto do
banco e bufa. Isso mesmo, bufa.
— Eu acho que eu deveria ir agora mesmo para Westminster.
— Por quê?
— Apenas para ter uma conversinha com o Rei Jorge.
Antony a encara com o os olhos um pouco arregalados.
— Perdão?
Thereza não se aguentou e se levantou.
— Isso mesmo que Sua Graça ouviu. Pretendo ir agora mesmo até
Westminster e ter uma conversinha com o Rei Jorge. — ela bufa mais uma
vez. — Quem ele pensa que é?
— O Rei? — Antony responde, como se aquela constatação fosse
suficiente.
O que era, na verdade.
— Rei ou não, ele não pode obrigar-lhe a sair de casa quando sua
mãe está doente. — Ela cruza os braços novamente, extremamente nervosa
com aquela situação.
Quando Thereza olha para Antony, percebe que seu rosto está
ficando cada vez mais vermelho e retorcido em uma careta até...
Espera. Ele estava gargalhando? Mas o que é que estava tão
engraçado?
— A senhorita é mesmo muito cômica. — ele diz, limpando as
lágrimas causadas pela risada.
Atônita, ela ergue as sobrancelhas.
— Qual é a graça?
Ele se recompõe antes de falar:
— A quem devo agradecer por estar prestes a me casar com você?
Os braços de Thereza caem na lateral do corpo e sua boca se abre
em um pequeno “o”.
— O que quer dizer? — suas pernas estavam bambas.
— Bem, só a senhorita mesmo para me fazer rir num momento
desse, não?
Ela passou a língua pelos lábios quando sentiu que eles haviam
ficado secos.
— Mas eu estava mesmo falando a verdade.
Antony se levanta e ajeita o colarinho da casaca.
— E eu não duvido, senhorita. — ele estende o braço para ela, que
aceita. — E, principalmente, não duvido que seria capaz de ir até o Palácio
para pedir ao Rei que me liberasse. O que, certamente, não funcionaria.
Eles começaram a caminhar.
— E por que não? — perguntou-lhe.
— Simplesmente não funcionaria, Srta. Righter. Acredite em mim.
— Nem se eu o estapeasse até que ele o liberasse?
Antony a olha com os olhos cerrados, algo brilhando nas írises.
Então começa a rir novamente.
— Não, Srta. Righter. Nem se você o estapeasse.
Ela não entendeu porque Antony estava rindo. Afinal, estava
falando a verdade. Iria até Westminster e pediria para conversar com o Rei
Jorge urgentemente. Se ele negasse seu pedido de liberar Antony daquela
semana longe da mãe, partiria para cima dele e o estapearia até que gritasse
algo como “Está bem, está bem. Eu o libero. Agora, guardas! Tirem essa
louca daqui!”. Mas se Antony estava dizendo que não daria certo mesmo
assim, acreditava nele.
Por mais que não tenha sido sua intenção, amou tê-lo feito rir.
Antony para e olha para o céu.
— Está escurecendo, é melhor voltarmos.
Mais tarde no cabriolé, a viagem correu tranquila e silenciosamente.
Thereza ficou surpresa quando ele pegou sua mão e entrelaçou os dedos nos
dela. O formigamento percorreu todo o seu braço e fez seu coração bater
descompassado. Apesar disso, sorriu.
— Aliás, milorde. — quebrou o silêncio quando um pensamento lhe
ocorreu. — Agradeça sua irmã. Não estaríamos prestes a nos casar se não
fosse por ela.
Antony sorriu de volta.
— Tem razão. Irei agradecê-la pela eternidade.
Dito isso, Thereza apertou ainda mais sua mão, e aquele sorriso
bobo se negava a deixar seus lábios. E foi só naquele instante que, por um
momento, pensou que Evelina poderia não ser um demônio, mas sim um
anjo que colocou Antony em sua vida. Um anjo um pouco rebelde, mas um
anjo mesmo assim.
Quando chegaram na casa de campo, Antony pediu aos criados que
servissem o jantar nos aposentos de cada um, pois estavam cansados demais
para que pudessem descer. E foi só quando terminou de se banhar e esticar
as pernas na cama que Thereza se lembrou o quanto tinha sido tola. Tivera
todas as chances que o destino pudesse lhe dar, mas desperdiçou todas. Sua
tola! ralhou internamente consigo mesma.
Mas resolveu que, assim que acordasse no dia seguinte, se levantaria
e falaria com o marquês. Falaria tudo o que tivera a chance de dizer e
mesmo assim não o fez.
Falaria que o desejava.
IX
AMOR OU DESEJO?
Thereza acordou determinada naquela manhã.
Ela se levantou em um pulo da cama e foi em direção ao local onde
tinha certeza de que lorde Hervey estaria. Afinal de contas, sempre o
encontrava lá. Sua pele formigava e seu coração palpitava, mas estava tão
determinada em contar a Antony que o desejava que estava ignorando todas
as sensações que lutavam para impedi-la.
Ela colocou a mão na maçaneta da porta da sala de jantar e fechou
os olhos, respirando fundo algumas vezes, então a abriu e adentrou o
cômodo como um furacão.
— Lorde Hervey, eu... — Thereza parou no meio da sala quando
percebeu que o local estava vazio. A mesa já tinha sido posta, repleta de
bandejas e bules, e um prato com migalhas contava que o marquês já havia
passado por ali e tomado seu café da manhã.
A moça soltou um suspiro triste. Mas segurou todo o
desapontamento que ameaçou tomar conta de seu corpo, porque sua
determinação ainda estava lá, correndo por suas veias como se fosse algo
vivo. Por isso deu meia-volta e partiu escada acima. Não desistiria até
encontrá-lo. Tinha que falar o que estava sentindo. Aquilo a estava
corroendo desde o dia anterior quando ele praticamente se declarou para
ela. Thereza quase não conseguiu dormir; as palavras de Antony
reverberaram em seus ouvidos como se ele estivesse presente ali. Se não
conseguisse falar com ele hoje, surtaria!
Ela ergueu o punho e bateu levemente na porta do quarto dele, e
esperou. Quando ninguém atendeu, ela bateu de novo.
— Lorde Hervey?
Nada.
Thereza soltou um suspiro de frustração. Então abriu a porta
levemente e espiou o lado de dentro. A cama estava perfeitamente
arrumada, com lençóis alinhados e travesseiros no lugar adequado. Ele não
estava ali. Ela fechou a porta novamente e recostou-se nela.
Maldição! Onde será que ele se meteu?
Mas ela ainda não tinha desistido.
Começou a vasculhar cada cômodo do casarão, e conheceu outros
quartos e salas que ainda não tinha visto. A casa realmente parecia não ter
fim. Todavia, Antony não estava em lugar nenhum, o que já estava
começando a deixá-la exaurida. Thereza estava correndo no corredor em
direção ao único lugar em que ainda não tinha ido: a sala de música. Porém,
ao virar uma esquina, bateu com força bruta em uma criada.
— Ai! — gritaram em uníssono.
— Ah, Srta. Righter! Por favor, perdoe-me. Não era a minha
intenção! Eu não... Eu... — a Srta. Cibele estava desesperada.
— Por favor, não se desculpe. — falou Thereza. — Eu estou bem, e
foi um acidente.
A verdade é que não estava completamente bem. Passava a mão no
topo de sua cabeça com a intenção de massageá-la por causa de uma dor
aguda ali. Cresceria um calo, isso era sem dúvida.
— Mesmo assim, milady. Eu deveria prestar mais atenção. Eu...
— Srta. Cibele! Pare um segundo, por favor! — não queria ter que
ralhar com a pobre coitada, mas ela não parava de tagarelar. — Escute-me.
Por acaso viu onde lorde Hervey está?
— Ele saiu bem cedo, milady. — falou a donzela com a voz baixa e
acuada. — Foi para Tauton assim que terminou seu café da manhã. Ele
partiu para a reunião na Câmara dos Lordes.
Ah!
Thereza havia se esquecido disso. Lorde Hervey só estava ali para
as reuniões do parlamento que aconteceriam desde segunda-feira (no caso,
hoje) até o próximo sábado.
Que inferno! Como se esquecera? Agora ele só chegaria ao pôr do sol, pelo
que lhe contara.
Portanto, o que faria enquanto isso?

***

Thereza passou o dia todo na biblioteca, e conseguiu terminar três


livros. Quando seus olhos começaram a latejar, ela resolveu que era melhor
parar. Colocou o livro que estava lendo sobre a mesa de centro e soltou um
suspiro de frustração e tédio. Argh! O tempo parecia não passar! E o tédio a
estava corroendo.
Por isso se levantou e partiu para a sala de música. Quando chegou
lá, ficou em dúvida do que tocar. Pensou em ir até o piano, mas quando viu
o violino encostado no canto da parede, pareceu que o objeto a chamou.
Uma música lhe veio à mente, e ela sorriu. Não tocava nada desde que
voltara da escola de moças em Windsor. A única coisa de que gostava
realmente daquela escola eram as aulas de música.
Ela pegou o violino e soprou a poeira que tomava conta daquela
madeira de aparência tão cara. Colocou o objeto sobre o ombro, encostou o
arco nas finas cordas e fechou os olhos no mesmo instante em que começou
a tocar "A Little Night Music" de Mozart — um clássico de bailes e saraus
nobres, e a primeira música que aprendera na escola. Era extremamente
difícil, tinha que admitir, mas ouvir o som saindo do instrumento foi a
melhor coisa que fez esta tarde.
Thereza começou a dançar, dando passinhos para lá e para cá
enquanto ainda tocava. Ainda com os olhos fechados, sentia-se em um
baile, onde não tinha escândalos ou Evelina para estragar tudo. E quando
viu, estava rodopiando e gargalhando pela sala. Os movimentos do arco
contra as cordas do violino foram se intensificando, assim como seus pés,
que não paravam de se remexer. Quando a música acabou, ela suspirou,
cansada, e deu um gritinho de susto quando ouviu barulho de palmas.
Ela se virou para a porta para encontrar um Antony sorrindo tanto
que seus dentes apareciam. Ele estava escorado no batente da porta, ainda
batendo palmas.
— Bravo, querida! Bravo!
Thereza sentiu suas bochechas ferverem com a vergonha que a
inundou. Ela afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha em um gesto
ingênuo, e foi só assim que percebeu que seus cabelos estavam soltos e
caíam em cascatas castanho-escuros pelas suas costas. Eles tinham se
desprendido dos grampos enquanto estava rodopiando pela sala.
— Ah, milorde, eu... Hum... Há quanto tempo está aí?
Ele sorriu.
— Tempo suficiente para saber que minha futura esposa sabe cantar
e dançar demasiadamente bem.
Ela pegou uma mecha de seu cabelo e começou a enrolá-la no dedo
enquanto encarava o chão. Estava tão constrangida que não conseguia
encará-lo, mas sentia o peso do olhar dele sobre si. Ele a estava
observando...
— Bem — o marquês se pronunciou —, estou indo me banhar. O
jantar ficará pronto em instantes.
Thereza levantou a cabeça para vê-lo se virar e sair para o corredor.
Mas um alerta começou a apitar em sua cabeça. Por isso levantou a saia do
vestido e correu atrás dele.
— Lorde Hervey, espere!
Ele parou no meio do corredor como uma muralha, e se virou para
encará-la. Thereza deu alguns passos para se aproximar ainda mais, e foi
quando sentiu que seu coração começou a traí-la. De repente, toda a sua
coragem se esvaiu. Pensar que o desejava era fácil, mas agora que estava
ali, cara a cara com ele, era impossível dizer.
— Ia dizer alguma coisa, senhorita?
Ela não conseguia responder. Seu peito estava pesando demais.
Quando o silêncio começou a ficar constrangedor demais, Antony
falou:
— Certo, então. Como eu disse, estou indo me banhar.
Ele começou a se virar quando Thereza gritou novamente:
— Espere! — ele a encarou mais uma vez, e parecia impaciente
agora. — Eu... Hum... Eu... — respirou fundo, e como folhas ao vento, as
palavras finalmente saíram. — Eu o desejo, milorde.
— Perdão? — o marquês inclinou levemente a cabeça.
Thereza pigarreou.
— Eu pensei bastante no que Sua Graça me disse ontem enquanto
estávamos indo à cidade. E eu cheguei à conclusão de que eu o desejo.
Imensamente. — a última palavra saiu em um sussurro.
Ela estava olhando para baixo, para suas mãos cruzadas enquanto
mexia os dedos em um gesto de ansiedade. Dizer aquilo foi como tirar um
peso enorme de seus ombros.
Quando Antony soltou uma risada curta e baixa, Thereza o encarou.
Seu rosto era uma máscara indecifrável. Ele pegou as duas mãos da moça e
começou a massageá-las com os polegares, o que fez uma corrente de
excitação subir por todo seu sistema nervoso.
— Senhorita, tudo o que eu disse ontem, cada palavra, foi
verdadeira. — ele começou a falar com a voz baixa e rouca. — E digo com
a maior sinceridade do mundo que estou pronto para começar um
relacionamento com você, mas agora... — ele balança levemente a cabeça.
— Acho que agora não é o momento certo.
Thereza sentiu como se fosse desmaiar. Sua visão já estava
embaçada por causa do acúmulo de lágrimas.
— Por que não? — perguntou.
— Porque como a senhorita mesma disse: você me deseja. E um
relacionamento que começa com desejo tende a ser um fracasso. Quero que
a senhorita comece a gostar de mim como eu estou começando a gostar de
você. Lembra-se de quando eu disse que só o tempo poderia falar se eu a
amaria ou não? Pois bem, Thereza. — foi a primeira vez que ele pronunciou
seu nome, e o som que saiu foi como música para seus ouvidos. — Estou
realmente começando a gostar de sua pessoa. Gosto em demasia ficar perto
de você, porque você me faz sorrir, como fez quando cheguei na sala de
música. Mas por favor — ele ainda massageava suas mãos —, só volte a
falar que me deseja quando esse desejo fizer parte do amor que sente por
mim. Caso contrário, da próxima vez eu não me responsabilizarei pelos
meus atos.
Uma lágrima escorreu pela bochecha de Thereza, mas mesmo assim
tomou forças para perguntar:
— Como assim?
— O que eu quero dizer é que a senhorita me deixa louco! — ele
sorriu, então se virou e saiu.
Quando Antony virou a esquina, Thereza não conseguiu mais
segurar a tremedeira que corria por suas pernas, e caiu de joelhos no chão
carpetado. Então pôs-se a chorar, porque cada palavra dita por lorde Hervey
foi como uma facada em seu coração. Mas cada corte era uma verdade. Ela
o desejava, simplesmente, não o amava. Mas ele a amava.
Por isso ela se levantou e foi para o quarto. Resolveu que não queria
mais vê-lo. Desceria para o jantar só quando tivesse certeza de que ele já
tinha terminado e subido para o seu quarto. Se isso que sentia sempre que
estava perto de Antony era um simples desejo, então passaria logo. Caso
fosse amor, doeria obrigar-se a não o ver.
Porque, como ele mesmo disse, somente o tempo poderá lhe dizer.
Mas no caso de Thereza, a solidão também.
X
MÁ NOTÍCIA
Quatro dias haviam se passado sem que Thereza o visse, e ela já não
aguentava mais. Precisava ver lorde Hervey imediatamente.
Não, na verdade, ela necessitava.
Os dois primeiros dias foram normais, como se nunca tivesse ouvido
falar em Antony, o famoso marquês de Bristol. No terceiro dia, uma dor
aguda começou a percorrer o peito da moça sempre que a imagem do rapaz
pairava em sua mente. Thereza ficara completamente inerte em
pensamentos naquele dia, como se sua cabeça a estivesse obrigando a
pensar em Antony. E hoje ela acordou chorando. Sonhara a noite toda que
estava dormindo em seus braços. E quando acordou e viu que o lado da
cama estava vazio, sentiu-se sozinha.
O plano para ver o que sentia por ele era simples: ficaria dias sem
vê-lo. Se fosse simplesmente um mísero desejo que sentia por causa da
beleza e toda masculinidade que Antony exalava, passaria. Caso fosse amor,
doeria não o ver, como estava doendo agora. Ela estava sentindo mais
saudade dele em quatro dias do que sentiu de sua família quando passara
um ano longe. Por isso Thereza nunca teve tanta certeza em toda a sua vida.
Ela amava o marquês de Bristol.
E estava determinada a contá-lo. Estava realmente determinada a
começar um relacionamento de verdade com ele. Deus! Nunca havia
pensado que isso aconteceria. Odiara tanto ter que se casar com ele por
causa de um escândalo. Mas agora... Ela suspirou.
Agora pensava se o que Antony disse era realmente verdade. "Eu sei
que é cedo para isso, mas realmente acredito que o que aconteceu com a
gente é coisa do destino"; ele dissera. E quando a voz dele ecoou em sua
mente, sorriu sem mesmo que percebesse, mesmo ainda que lágrimas
escorressem por suas bochechas.
Thereza se levantou e se vestiu com a ajuda da Srta. Cibele. Depois
desceu para o café da manhã onde, mais uma vez, encontrara a sala vazia,
assim como o prato de lorde Hervey. Estava difícil comer ali tão sozinha.
Sentiu saudade do primeiro dia em que chegou ali e Antony brincou
dizendo a ela que gostara mais da cama que o esperado. No dia ela achou
que aquilo era uma crítica, mas hoje sabia que ele só estava tentando
descontrair.
Depois que terminou o desjejum, chamou a Srta. Cibele, que
também era sua dama de companhia, para dar uma volta pelos arredores da
casa de campo. Estava sufocante ficar dentro do casarão.
A caminhada estava sendo completamente silenciosa. Thereza só
conseguia pensar em Antony, e a donzela ao seu lado só podia falar quando
lhe fosse permitido. Mas Thereza queria conversar. Por isso virou-se para a
moça ao seu lado e perguntou:
— Srta. Cibele, o que acha de lorde Hervey?
Ela viu a dama corar levemente.
Elas caminhavam vagarosamente sobre a grama baixa e verde do
campo. Thereza segurava uma sombrinha sobre o ombro para tapar-se do
sol escaldante do verão inglês.
— Bem... — começou a dizer a dama, dando de ombros. — Lorde
Hervey é... Hum... Ele é um bom rapaz.
Thereza parou de caminhar sob uma grande sombra de uma árvore
ali, e ficou de frente para a donzela.
— Não é disso que estou falando. — ela respirou fundo. — O que
acha dele... — Thereza fez gestos condescendentes com as mãos no ar.
— Perdoe-me, milady. Não sei o que está querendo dizer.
Ela solta um suspiro frustrado.
— O que quero dizer é... Ele fala sobre mim? — as palavras saíram
rápidas e desesperadas.
— Bem... — a moça pareceu pensar por um instante. — Se quer
mesmo saber. Sim, milady. Ele fala.
Os olhos de Thereza brilharam intensamente, e um sorriso surgiu em
seus lábios.
— E o que ele fala?
— Principalmente nesses últimos dias, milady. Lorde Hervey não
parava de mencioná-la. Sinceramente, já estou ficando demasiadamente
cansada de ir arrumar o quarto dele.
Thereza se espantou levemente.
— Por quê?
— É sempre a mesma coisa. — a Srta. Cibele parecia nervosa. —
"Como Christina está?", "Sabe se ela já comeu?", "Por favor, Cibele,
encontre Christina e diz-me onde ela está". Arrrr! — ela rugiu. — Eu não
aguento mais. — ela se vira para Thereza, a feição enfurecida e as
bochechas vermelhas. — A propósito, milady. Por que ele insiste em
chamá-la de Christina?
Thereza abriu a boca para responder quando a dama voltou a falar:
— Sem falar que eu o vi uma ou duas vezes no meio da noite
olhando pela fresta da porta de seu quarto, senhorita.
Ela perdeu a fala, completamente. Fitou o horizonte além da moça à
sua frente, atordoada. Antony a observava todas as noites? E todas aquelas
perguntas à Cibele... Era preocupação? Thereza chegou à conclusão de que
ele também sentia a sua falta.
— Sem falar que...
A donzela começou a falar novamente, mas Thereza a interrompeu.
— Arrume-se, Srta. Cibele. Vamos até a cidade.
— Vamos? — a outra perguntou completamente franzida.
— Sim, vamos.
Thereza segurou as saias de seu vestido e correu até os estábulos do
casarão, onde pediu para que o cavalariço preparasse a carruagem. Afinal,
ainda era cedo, e tinha que fazer alguma coisa para que o tempo passasse
sem que percebesse. E não tinha nada melhor que um passeio.
Poucos minutos depois, ela estava assentada no banco da carruagem.
Sua dama de companhia estava no banco da frente.
Thereza não parava de sorrir e, principalmente, não parava de
pensar nas palavras de sua dama. Antony realmente sentira a sua falta! Hoje
será um grande dia! pensou, felicíssima.
O melhor de tudo é que quando parava para pensar em tudo,
chegava à conclusão de que estava realizando um de seus maiores sonhos:
desposar-se por amor. E ela amava Antony, tanto que não cabia dentro do
peito. Estava tão animada para contar ao marquês que realmente era
apaixonada por ele, que finalmente estava pronta para um relacionamento
sério de marido e mulher. O que ele faria quando ela lhe contasse? Sorriria
sem parar, então a pegaria no colo e a giraria no ar, para logo em seguida
beijar-lhe os lábios?
AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH!! era como Thereza estava por
dentro.
— A senhorita parece bastante feliz, milady. Posso perguntar o
porquê?
Sem tirar o sorriso imenso do rosto, Thereza responde:
— Isso tudo é culpa de apenas uma palavra, Srta. Cibele: paixão. —
ela respira fundo. — Estou apaixonada! — e pisca várias vezes.
— Ora, parabéns, milady. E por quem seria? Posso saber também?
Thereza para de sorrir e a encara com as sobrancelhas franzidas.
— Não é óbvio?
A moça faz que não com a cabeça.
Thereza solta o ar pela boca, exasperada. Como assim não era
óbvio?
— Estou apaixonada por lorde Hervey, senhorita. O homem com
quem irei me casar em algumas semanas. — o sorriso volta a tomar conta
de seus lábios ao se lembrar disso.
Cibele sorri, tímida.
— Ah, é claro! Peço perdão, milady. Mas é que levei em
consideração que seu casamento com o marquês é fruto de um escândalo e,
por causa disso, era apaixonada por outro. O que é completamente normal,
se quer a minha opinião. Casamento arranjado é assim, você não ama
realmente a pessoa com quem irá se casa. — uma pausa. — Mas que sorte a
sua, não?
— Não sei se sorte é a palavra certa, Srta. Cibele. Acho que destino
é mais adequado. — Thereza sorri, lembrando-se das palavras de Antony.
— E tem toda razão. De começo, fiquei frustrada demais por ter que me
casar com uma pessoa que eu sequer conhecia. Mas o tempo foi passando, e
a cada dia Antony se mostrava mais atencioso e cavalheiro.
— Estou felicíssima por você, milady. — diz Cibele, e sorri,
acolhedora.
Reparando-a mais de perto agora, Thereza percebeu o quanto a Srta.
Cibele era bela. Cachos negros caíam por debaixo da touca que estava
usando, tinha bochechas rosadas, e seu rosto tinha um formato de coração
que, ela sabia, os homens adoravam. Será que...
— Srta. Cibele. Você já se apaixonou antes? — perguntou-a então.
— Perdão?
— Eu perguntei se a senhorita já se apaixonou antes.
Cibele suspira, e olha para a janela.
— Desculpa, milady. Eu estava concentrada demais pensando no
amor da minha vida.
Thereza ri.
— Então está apaixonada.
— Sim. Imensamente apaixonada. — ela pisca algumas vezes.
— Diga-me. — Thereza estava muito animada. — O que acha da
sensação? Porque para mim é arrebatadora. A melhor sensação que se pode
sentir.
Cibele ficou triste de repente, percebeu Thereza. Seus olhos caíram
para suas mãos cruzadas no colo e sua boca era uma linha fina. A moça
ficou em silêncio por um instante, até respirar profundamente antes de
dizer:
— Para mim, a sensação é de pura tristeza com um misto de
arrependimento.
Thereza sentiu a tristeza na voz da outra, por isso aquiesceu.
— Aconteceu algo para se sentir assim? — perguntou-lhe.
— Gosto de um rapaz, mas ele não está mais aqui.
— Oh, sinto muito por sua perda. — falou suavemente.
— Cruzes, Srta. Righter. Ele não morreu, apenas foi embora.
Ah... A vergonha a possuiu.
— Mesmo assim eu sinto muito, Srta. Cibele. — uma pausa. — Mas
por que ele fez isso?
A dama dá de ombro.
— Acho que ele não teve muita escolha. Era um desertor.
Thereza leva as mãos enluvas à boca, chocada.
— Santo Deus!
— Ele desertou após dois anos no exército. Então voltou. Achei que
seria para sempre dessa vez. O problema é que ele me pediu uma coisa que
era impossível, simplesmente.
— E o que era? — Thereza estava mesmo muito curiosa.
— Ele disse que não podia ficar na Inglaterra por muito tempo
porque havia desertado, e pediu que eu partisse com ele.
— O que a senhorita obviamente não fez.
— É claro que não! Eu tenho uma família. Mãe, pai e quatro irmãos.
Como deixá-los? — ela ficou um tempo em silêncio. — Mas confesso
que... — ela olha para a paisagem em movimento lá fora. — Confesso que
pensei na possibilidade de ir. Pensei em como seria incrível viver
livremente com o amor da minha vida... para sempre.
Ah, Deus... Thereza se aproximou e limpou algumas lágrimas que
escorriam pelas bochechas da menina com a mão enluvada. Depois pegou
as mãos dela e as apertou fortemente.
A carruagem parou. Logo, o cocheiro abre a porta e ajuda as damas
a descerem. Elas começam uma caminhada suave. Então Thereza diz:
— Eu teria feito a mesma coisa, Srta. Cibele.
A moça a encara.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que também teria escolhido minha família. Afinal,
sabe-se lá onde esse rapaz está agora, não é mesmo? Se está bem ou... vivo.
— Milady! — a moça exclamou, aterrorizada.
— Mas é a verdade, Srta. Cibele. Sem falar que ele é um criminoso
fugitivo. Duvido muito que ele consiga se safar dessa por muito tempo. —
ela olha para a moça e diz com a voz um pouco mais suave: — Nunca se
arrependa de não ter ido. A senhorita está aqui, bem e bela, se quer a minha
opinião. Afinal, de homem o mundo está cheio. Tenho certeza de que
encontrará um que a mereça de verdade. E com uma beleza tão estonteante,
certamente não vai demorar para que isso aconteça. Garanto-lhe isto.
A moça a olha com um brilho tão grande nos olhos que Thereza
achou que ela fosse chorar. Ela sorriu.
— Obrigada mesmo, milady. A senhorita é mesmo um anjo.
— Que isso. Não precisa agradecer. Aliás, pare com essa coisa de
milady, não aguento mais. Thereza ou Tessa, o que preferir.
— Certo então... Tessa. — ela tentou.
— Bem melhor!
— Nunca Christina?
Thereza a fitou.
— A não ser que queira ser estapeada, senhorita.
Então elas riram. A risada de ambas é tão alta que chama a atenção
das pessoas que passavam por ali e cochichavam por trás dos leques.
Naquele momento, Thereza não se importou nem um pouco com os olhares.
Afinal, estava com saudade de ter uma amiga com quem pudesse conversar
e compartilhar seus sentimentos. A única e verdadeira ficara em Londres.
Depois de alguns minutos caminhando, Thereza para em frente à
uma vitrine que chamou bastante a sua atenção, onde mostrava estilos
muito bonitos de chapéus femininos e fitas de cabelo de todas as cores e
rendas que se podia imaginar.
— A propósito, mila... Tessa. Por que o marquês insiste em chamá-
la de Christina?
Sem tirar os olhos da vitrine, Thereza responde:
— Sinceramente, eu não faço ideia. Venha, vamos entrar! — ela
puxa a moça pelo braço para dentro da loja.
Uma fita rosa-claro chamou tanto a sua atenção que teria que
comprá-la. Imaginou em como ela ficaria linda em um coque nos seus
cachos castanho-escuros. Assim que entrou no estabelecimento, correu até o
balcão, onde uma moça que não parecia ter mais que trinta anos, esperava.
— Pois não? Em que posso ajudá-las?
Thereza aponta para a fita da vitrine.
— Quero aquela fita.
— É claro. Um instante. — A moça vai até lá pegá-la.
Enquanto esperava, Cibele voltou a falar:
— Acho que sei porque Vossa Graça gosta tanto de chamá-la de
Christina.
Ela se vira para a dama.
— Sabe?
— U-hum. Apenas para gozar com a sua cara, Tessa. Ele já se deu
conta de que a enfurece, e usará isso sempre que quiser ficar por cima de
uma discussão.
Thereza parou para pensar. E não é que ela tinha razão?
A moça do balcão voltou, agora com a fita em mãos. Ela a entrega à
Thereza, que o olha maravilhada enquanto passa a mão pela renda.
— Da mais fina seda, senhorita. — diz a moça.
Thereza finge colocar a fita no cabelo, apenas experimentando e
vendo como ela contrastava com a cor de seus cabelos.
— O que acha, Srta. Cibele?
A dama junta as mãos uma na outra e sorri.
— Está magnífica, Tessa.
— Acha que lorde Hervey vai gostar?
— Lorde Hervey? — pergunta a moça do balcão de repente.
— Lorde Hervey? — um trio de amigas que olhavam vestidos fala
em uníssono, e se viram para encarar Thereza.
Então algo estranho acontece. As moças se aproximam como um
cardume, encurralando Thereza e quase impedindo-a de respirar. Santo
Deus! O que estava acontecendo?
— Então a senhorita é a famosa Srta. Righter? — pergunta uma das
moças, sorrindo sem parar.
— Qual a sensação de estar se casando com um dos mais
idolatrados cavalheiros da Inglaterra? — outra moça pergunta.
— E, principalmente, qual a sensação de saber que será marquesa?
— O marquês é mesmo rude como aparenta ser?
— Na verdade, queríamos saber se ele é rude na cama.
— Isso! — todas dizem em uníssono, e começam a gargalhar.
Aquilo foi demais. Thereza estava extremamente assustada. Eram
tantas vozes estridentes e histéricas que achou que desmaiaria ali mesmo.
Por fim, quando perguntaram sobre como Antony era na cama, a raiva a
venceu.
— QUEREM PARAR AGORA MESMO?! — berrou, batendo o pé
no chão e fazendo todas se calarem e a olharem como se fosse uma louca.
O que não estava muito longe de acontecer caso elas continuassem
com aquelas perguntas sem escrúpulos que, aliás, era totalmente errado
vindo de mulheres. Por mais que soubesse que era normal aquele assunto
entre amigas.
— Pelo amor de Deus! Isso não é coisa que se pergunte! — falou
ofegante. — As senhoritas nem me conhecem!
— Como não? — disse a do meio. — A senhorita é extremamente
famosa nas colunas de fofocas.
— Exatamente. — disse a da esquerda. — Toda a Inglaterra a
conhece, Srta. Righter.
Aquilo era demais para suportar. Bufando, Thereza jogou a fita
sobre o balcão, levantou as saias do vestido e saiu marchando para fora da
loja.
— Srta. Righter. Espere por nós! — uma gritou.
— Queremos saber um pouco mais sobre lorde Hervey.
E todas as outras damas que por ali passeavam pareceram ouvir.
— Lorde Hervey?
— Lorde Hevey?
— O marquês?
— O rude marquês?
— Lorde Hervey das colunas de fofocas?
Quando olhou para trás, viu não só três damas, mas um amontoado.
Jesus! Ela não contou, mas parecia ter dezenas... milhares de mulheres
correndo atrás de si. Várias e várias mulheres segurando as saias pesadas
enquanto lutavam para ficar na frente e conversar com Thereza. Nuvem de
poeira subiu como mormaço por causa dos tamancos contra os
paralelepípedos.
Por Deus! Se uma delas a alcançasse, estaria perdida. Ela correu o
mais rápido que pôde, enquanto as mulheres não paravam de gritar por seu
nome e o nome de Antony.
— Apresse-se, Srta. Cibele! — alertou-a.
Quando alcançaram a carruagem, graças ao bom Deus o cocheiro já
segurava a porta aberta. Ele parecia ter percebido a perseguição. Assim que
adentraram, ele fechou a porta e, no mesmo instante, a multidão se jogou
contra a carruagem, fazendo-a balançar tanto que Thereza achou que
fossem capotar. Seu coração realmente ameaçou sair pela boca enquanto
segurava com vigor as laterais do veículo.
Um bando de loucas, certamente!
As mulheres ainda gritavam, só que o som era abafado por causa das
janelas fechadas e não dava muito para discernir as palavras. Com muita
dificuldade Thereza conseguiu bater duas vezes no teto, e a carruagem
ganhou velocidade. Ela olhou pela janela traseira, e a multidão de vestidos
multicoloridos ainda a seguiam. Maldição! Elas não desistem nunca?
Só depois de um tempo, quando os paralelepípedos deram lugar às
ruelas de terra, é que elas pararam de correr. Aquele amontoado de
mulheres gritando e jogando os braços para cima.
Thereza respirou fundo, tentando se acalmar, e se acomodou no
banco. Estava agitada por causa da corrida e sentiu que começava a suar por
baixo do espartilho.
— Cristo, o que foi que acabou de acontecer? — perguntou para
ninguém em particular.
Quando ergueu o olhar, observou uma Srta. Cibele com olhos
extremamente arregalados e as bochechas vermelhas de tanto correr.
— A senhorita é mesmo uma celebridade, não?
Apesar de tudo, elas riram da situação. Thereza pensou que nunca se
sentira tão aterrorizada em toda a sua vida. Pensou também se algum dia
voltaria a visitar Somerset.

***
Depois da perseguição pelas ruas de Tauton, Thereza passou a
metade do dia pensando naquilo, e não sabia se ficava assustada ou se ria da
situação. Será que seria assim em todos os lugares que fosse? Sabia que as
mulheres não correram atrás de si por sua causa, e sim porque queriam
saber sobre Antony.
Falando nele... Thereza levantou o olhar do livro que estava sobre
seu colo, e quando viu que o relógio em cima da lareira marcava 18h30min,
seu coração deu um salto. Fechou o livro com força e partiu para o corredor.
Enquanto caminhava, um sorriso teimava a sair de seus lábios, e sua mente
gritava: Antony! Antony! Antony!
Ela falaria, enfim, que o amava. O amava tanto que não conseguia
suportar a ideia de ficar longe dele.
Continuou correndo até a sala principal. Desceu a escadaria, e
quando chegou lá, o viu, o Homem Muralha. Ele estava de costas para ela,
conversando com alguém do outro lado da porta que Thereza não conseguiu
ver de quem se tratava. Então ela esperou enquanto apertava as pregas do
vestido de tanta ansiedade. Esperou que lorde Hervey terminasse a conversa
e, quando fechasse a porta e se virasse, correria e o esmagaria em um
abraço. Ah...! Como queria fazer aquilo.
Antony então fechou a porta. E com um sorriso ainda no rosto, ela
começou a se aproximar. Mas no momento em que o marquês ergueu o
rosto, Thereza quase desmoronou ao ver lágrimas em seus olhos. Ela parou
onde estava, já com o coração acelerado e com medo. Antony se aproximou
e, inesperadamente, abraçou-a. Ele chorou em seu ombro, e ela sentiu
quando lágrimas quentes molharam a pele nua entre o colarinho e pescoço.
Ela estava petrificada, com os olhos levemente arregalados e a boca
seca entreaberta. Antony chorava com tanta dor e desespero que Thereza
não teve outra escolha senão abraçá-lo de volta. Uma de suas mãos
massageava as costas do rapaz, enquanto a outra revezava entre a nuca e os
cabelos macios e sedosos.
Quando ele se desvencilhou e Thereza viu o quanto a feição dele
estava doída e vermelha por causa do choro, não conseguiu se segurar.
Lágrimas encheram seus olhos também.
— O que... — ela estava com tanto medo de perguntar. — O que
houve?
Antony fungou ferozmente o nariz e limpou as lágrimas com as
costas das mãos.
— Minha mãe. Ela... Ela...
Ele voltou a chorar desesperadamente. Seus soluços eram tão
rigorosos que pareciam causar dor. Rapidamente a sala estava repleta de
criados preocupados.
Thereza o abraçou novamente, já sabendo o que tinha acontecido.
— Ela morreu, Christina. Morreu! Minha querida mãe morreu! —
ele berrava em seu ouvido.
Thereza não podia imaginar a dor que ele estava sentindo. Perdera o
pai há pouco mais de um ano, e agora a mãe...
Ela pega o rosto dele entre as mãos e limpa suas lágrimas com
ternura e cuidado.
— Por favor, fique calmo e conte-me o que aconteceu para que eu
possa ajudá-lo. — Na verdade, Thereza não fazia a menor ideia de como
agir em uma situação dessa.
Antony respirou fundo e tentou explicar:
— Minha mãe estava com bronquiectasia e acabou pegando um
resfriado. Evelina mandou um mensageiro para que me avisasse. — ele
solta um suspiro trêmulo. — Meu Deus! Não posso acreditar.
Vê-lo daquele jeito estava acabando com o emocional de Thereza.
— Arrume as suas malas, Christina. Voltaremos hoje mesmo para
Suffolk.
Ele se afastou de seu toque, e suas mãos caíram moles na lateral do
corpo. Antony passou por ela tão ereto e rígido como nunca, e subiu os
degraus da escadaria de dois em dois.
Pouco tempo depois, os baús com seus pertences já tinham sido
arrumados e levados para a carruagem, então partiram.
Dentro do veículo em movimento, o silêncio era sufocante. Antony
estava assentado ao seu lado com a cabeça baixa enquanto olhava para as
mãos. Thereza o fitava, e como se não tivesse controle sobre o próprio
corpo, levou a mão ao rosto do rapaz e o acariciou.
— Tudo vai ficar bem. — sussurrou para ele quando o mesmo a
encarou com olhos tristes e caídos. Ela pegou a sua mão e entrelaçou os
dedos nos dele. — Estou aqui.
E foram de mãos dadas até finalmente chegarem à Ickworth House.
XI
DESEJO MISERÁVEL
Antony chorou a viagem inteira, e Thereza estava se sentindo uma
tola impotente que não podia fazer nada para acalmá-lo além de apertar
forte sua mão. Queria dizer palavras que o confortasse, mas o medo de
acabar dizendo algo errado era maior. Ela estava devastada.
Assim que chegaram em Ickworth House à noite, fora terrível.
Familiares estavam espalhados por toda a sala, assim como amigos. Evelina
estava assentada em um sofá num canto com as mãos sobre o rosto, e dava
para ver o desespero de seu choro, o Sr. Devon estava ao seu lado com os
braços envolvendo-a na intenção de consolá-la. Neste momento Thereza
sentiu uma pontada de pena da menina.
— Evelina. — lorde Hervey a chamou com a voz rouca.
Quando ela ergueu a cabeça e viu quem era, levantou-se em um pulo
e correu para os braços dele.
— Antony!
Thereza se afastou cuidadosamente para dar privacidade à família, e
sentou-se no mesmo lugar onde Evelina estava, ao lado de Gregory.
Ela suspirou.
— Que situação...
O sepultamento e enterro foram logo no dia seguinte. E se Thereza
achou o dia anterior terrivelmente triste, o choro de desespero dos
familiares quando o caixão foi colocado no túmulo fora bem pior.
O caminho de volta para a propriedade fora silencioso e tenso.
Evelina e Antony ainda choravam, mas era um choro silencioso, onde só se
viam lágrimas; os soluços tinham cessado. Toda vez que Thereza olhava
para o rapaz ao seu lado, pensava no quão grande e másculo e rígido ele era,
e nunca imaginou vê-lo chorar. Essa imagem nunca passou pela sua cabeça.
Antony era tão sério que era quase impossível imaginá-lo chorando.
Mas ali estava ele, com as bochechas coradas e molhadas. Tão frágil
e vulnerável que dava pena. Tudo o que Thereza queria era fazer ou falar
alguma coisa que o consolasse ou acalmasse, mas era terrível para essas
coisas. A única coisa que podia fazer era cobrir as mãos de Antony com as
suas e dizer que estava ali sempre que ele precisasse. E ela se odiara por
não poder fazer mais nada.
Naquela mesma noite, depois do jantar — que só fora Thereza, ela
ficara sozinha na sala —, Thereza subiu para o seu quarto com uma
sensação incomodando-a. Ela sabia o que aquela sensação estava querendo
que fizesse, mas estava temerosa. O pior é que não conseguia dormir de
jeito nenhum. Ficava rolando na cama sem parar, e nem sabia mais que
horas eram.
Quando aquela voz em sua cabeça resolveu realmente incomodá-la,
ela chutou os cobertores para longe do corpo e se levantou. Colocou uma
camisola de seda, pegou a vela sobre o criado-mudo e partiu para o
corredor. Estava um breu, completamente. Não se via nada ao redor, e a
pequena chama da vela não ajudava muito. Por isso Thereza ergueu o braço
mais à frente e começou a caminhar devagar para que não esbarrasse em
nada. O total silêncio era aterrorizante.
Assim que chegou onde queria, não soube o que fazer. Estava
parada em frente à porta do quarto de Antony, e um nervosismo já
começava a tomar conta de seu sistema nervoso, deixando seu coração
descompassado. Não sabia se era uma boa ideia bater. E se ele estiver
dormindo? Também não era uma boa ideia ir entrando sem permissão.
Pensando assim, Thereza colocou a mão na maçaneta, o metal frio contra a
palma da mão. Fechou os olhos e inspirou profundamente antes de abrir
uma pequena fresta e espiar o interior.
A cena que viu fez suas estruturas bambearem e seu peito inchar de
tristeza e dor.
O quarto estava escuro, a não ser por uma única vela acesa sobre um
candelabro na mesa de canto. Lorde Hervey estava assentado no meio
daquela cama gigantesca com dossel, os braços ao redor das pernas e o
rosto no meio dos joelhos. As costas dele subiam e desciam por causa dos
ferozes soluços causados pelo choro.
Antony levantou o olhar assim que ouviu a porta se fechando atrás
de Thereza. Quando ele a fitou com aquele olhar triste, ela achou que tinha
sido um erro entrar ali. Achou que não suportaria vê-lo naquela situação tão
melancólica. Mas ele estava sofrendo, e não o deixaria sozinho numa
situação dessa. Ele precisava de ajuda, por isso começou a se aproximar da
cama em pequenos passos, ainda segurando a vela.
— Christina? — a voz dele não passou de um sussurro rouco e
sofrido.
Ela apoiou a vela na mesinha e sentou-se na beirada da cama em
seguida. Antony encarava cada movimento seu, o que a deixou nervosa.
— Mais perto, por favor. — ele sussurrou de novo.
O coração da moça deu um salto, mas mesmo assim ela fez o que
lhe foi pedido. Arredou-se mais para perto do marquês. Quando estavam
próximos demais, Thereza tocou-lhe o rosto suavemente. Foi quando ela
sentiu.
— Santo Deus! — exclamou em um cochicho. — Está fervendo de
febre.
Só assim reparou o quão quente estava o quarto. Gotas de suor já
molhavam seu pescoço também. Por isso ela se levantou e olhou ao redor
para ver o que podia fazer. Ela correu para as janelas, afastou as pesadas
cortinas e abriu cada uma delas. Com isso, o vento frio que entrou foi
avassaladoramente refrescante. Em seguida, Thereza foi até a mesa no
canto do quarto, onde uma bacia estava com água até o limite. Pegou ali um
pano qualquer e o enfiou na água. Torceu-o levemente, deixando-o úmido, e
voltou para o lado de Antony. Ela ergueu o pano para limpar o suor que
escorria por todo seu rosto, mas ele se afastou.
— Por favor. Sua Graça precisa me deixar fazer isso.
Ele pareceu relutante, mas deixou.
Thereza começou passando o pano com leveza e suavidade em sua
face, depois em seu pescoço e colarinho. E enquanto fazia isso, não
conseguia desvia o olhar dos lábios do marquês. Imaginou se era errado
querer beijá-lo naquela situação. Mas é que tudo nele a deixava elétrica. A
beleza dele era estonteante.
— Por quê? — ele perguntou de repente com a voz afetada, fazendo
Thereza voltar a si.
— Por que o quê?
— Por que está fazendo isso?
— Fazendo isso? Eu não... — ela estava aturdida demais para
compreender o que Antony queria dizer.
— Por que está cuidando de mim?
Ela pensou por um instante, pois nem ela mesma sabia o
motivo. Era por pena? Era por que se importava com ele? Era por que não
fazia ideia de como era perder a mãe? Ou era por que o amava e não
queria deixá-lo só? Chegou à conclusão de que era tudo isso.
— Bem... — ela deu de ombros e deixou o pano de lado quando
terminou. — Pode ser que não acredite, mas... Eu me importo com você,
Antony.
Quando o fitou, viu que os olhos dele tinham um pequeno brilho
agora.
— Lembra-se do que disse para mim quando eu falei que o
desejava? — Thereza continuou. Estava difícil dizer. As palavras pareciam
pesadas ao serem pronunciadas. — Pois bem, juntei isso com o que me
disse sobre o tempo.
— Só o tempo poderá nos dizer se é amor ou não. — ele completou,
e sua voz saiu tão profunda e cheia de emoção que ela quis chorar.
— Depois, resolvi que não o veria por alguns dias. Se fosse um
mero desejo, passaria. Mas a verdade é que já no terceiro dia eu não
aguentava mais. Precisava vê-lo. Era mais uma necessidade que qualquer
outra coisa. Estava pronta para dizer-lhe isso, mas então a notícia de sua
mãe chegou e...
Ela não conseguiu terminar. Quando sentiu um nó na garganta,
baixou a cabeça no instante que uma lágrima escorreu por sua bochecha.
Entretanto, sua cabeça foi erguida novamente. Quando levantou os olhos,
viu que os dedos de Antony estavam sob o seu queixo, obrigando-a a olhá-
lo. E não soube decifrar o que viu naqueles olhos azuis, mas era como se
chamas corressem pelas suas órbitas.
— Está querendo dizer que...
— Sim, Antony. Estou querendo dizer que o amo. Intensamente. —
a última palavra saiu suspirada.
Ela ficou encarando-o com os olhos encharcados e a respiração
incomum, esperando que ele dissesse alguma coisa. Estava envergonhada, e
o silêncio não ajudava em nada. Contudo, quando Antony abriu a boca, não
foi para falar. Ele pegou o rosto de Thereza entre as mãos e juntou-o com o
seu, tão próximo que ela sentiu a respiração mais quente que o normal por
causa da febre atingir seu rosto.
Ela sabia o que ele estava prestes a fazer. E queria aquilo mais que
tudo. Desejava aquilo como nunca desejou qualquer outra coisa antes.
Observou-o fechar os olhos e se aproximar um pouco mais, os lábios
levemente entreabertos. Só que não podia. Não quando ele estava naquela
situação. Parecia errado demais.
E doeu fazer aquilo. Doeu demais. Doeu ter que se afastar de seu
toque fervente.
Ela estava na beirada da cama, o peito subindo e descendo em uma
respiração irregular, enquanto olhava para as mãos no colo.
— Eu não posso... — diz num sussurro. Engoliu o nó da garganta.
— Não pode? Mas... — a dor na voz dele a fez estremecer.
Ela dá de ombros levemente.
— Parece errado, Antony. Sinto que estou aproveitando de suas
emoções e fraqueza para fazer isso.
E era verdade. Não queria beijá-lo e saber que ele poderia estar
apenas aproveitando de sua benevolência naquele momento tão triste de sua
vida. Por mais que quisesse imensamente. Afinal, quando finalmente disse
que o amava, ele não foi recíproco.
Ela o ouve soltar a respiração pela boca.
— Tem toda razão. Ah, Deus, como a senhorita tem razão. — uma
pausa. — Alguém precisa ter escrúpulos aqui, não?
Thereza o encarou. E se não conhecesse tanto aqueles lábios, se não
tivesse passado horas e horas encarando-os sem parar — e desejando beijá-
los —, nunca teria percebido aquele minúsculo movimento que ergueu o
seu canto esquerdo. Apesar disso, ele ainda estava destruído e com febre.
O coração dela amoleceu. Subiu na cama e andou até ele de joelhos.
Por mais que seu corpo estivesse gritando para algo mais, apenas o abraçou,
e o fervor daquele corpo contra o seu foi, de alguma forma, reconfortante.
— Ah, Antony. Está doendo tanto vê-lo sofrer.
Ela sentiu os braços dele enlaçarem sua cintura, e ficou agradecida
por ele ter retribuído o abraço.
— Lembra do que mamãe disse alguns dias atrás na sala de jantar?
— ele falou, a voz rouca e baixa.
Thereza se desvencilhou e pegou suas mãos.
— Ela disse que queria ter netos antes de morrer. — continuou ele,
agora com um pouco mais de tristeza. — Parece que ela sabia que seu
tempo estava acabando, Christina. E me dói pensar que vou lembrar dela
toda vez que olhar para os meus filhos algum dia.
Quando viu os olhos dele brilharem com lágrimas, abraçou-o
novamente e enterrou seu rosto no pescoço dele, apreciando a quentura de
sua pele. Pensou que não suportaria ver lágrimas escorrendo pelas
bochechas dele novamente.
— Eu sinto muito. — cochichou contra a pele quente dele.
Eles ficaram assim por um longo tempo, abraçados enquanto um
sentia o calor do outro, enquanto os desejos consumiam cada parte de seus
nervos, levando-os a pensar que fariam loucura para que o momento
acontecesse. Só que não podiam naquela situação.
— O que seria de mim agora se não fosse você?
— Perdão? — ela perguntou, e se desvencilhou mais uma vez; o que
foi uma tarefa realmente muito difícil.
— Se a senhorita não tivesse aparecido, provavelmente este quarto
estaria destroçado neste instante. Sua presença me acalmou.
Depois daquelas palavras Thereza pensou que não suportaria por
muito mais tempo.
— O senhor quer parar? — resolveu ralhar.
Antony franze a testa.
— Perdão?
Thereza resmunga.
— O que eu quero dizer é que está difícil de me controlar com o
senhor assim, enchendo-me de palavras doces.
Ele solta uma risada abafada.
— Eu já disse que a amo?
Ela arregalou os olhos quando sua garganta se fechou de repente,
impedindo-a de respirar. Engoliu em seco antes de responder:
— Bem... não.
— Pois bem. Eu amo você, Thereza Christina.
Aquilo foi demais para ela. Sentiu tantas emoções percorrerem seu
corpo que a sua vontade era sair pulando pelo quarto enquanto gritava para
o mundo inteiro ouvir. Antony disse! Ele realmente disse o que sempre quis
ouvir daqueles lábios! Ele disse que me ama!
As emoções foram avassaladoras demais, e quando estava prestes a
se desmanchar em lágrimas, limitou-se apenas em dizer:
— É melhor você dormir. Está visivelmente cansado.
Por mais que as palavras tenham saído um pouco secas demais —
para impedir a si mesma que avançasse naquele homem lindo —, por dentro
tudo parecia explodir de felicidade. O que, ela pensou, talvez fosse errado
estar se sentindo assim por causa das circunstâncias, mas realmente não
podia resistir. Simplesmente não conseguia controlar as próprias emoções.
Ela se levantou, ajeitou os lençóis e os travesseiros.
— Deite-se aqui.
Ele apenas a encarou por um instante, mas fez o que ela pediu.
Antony deitou-se com cuidado, e Thereza o cobriu até a cintura. Em
seguida, ela passa a mão pelo rosto dele e beija-lhe levemente a testa.
— Boa noite. — cochicha, e se vira para ir embora.
Mas uma mão agarra firme seu punho.
— Espere!
Com o coração acelerado, ela se vira para ele novamente. Os olhos
dele ficaram intensos à pouca luz quando disse:
— Passe a noite aqui.
— No seu quarto? — ela arregalou os olhos.
Ele faz que sim. Deus! Será que era mesmo uma boa ideia? Apesar
de tudo, ela suspira.
— Está bem. — responde.
Vai até o canto do quarto e pega uma cadeira. Volta para o lado da
cama, pega um travesseiro e o coloca sobre a cadeira.
— O que está fazendo? — Antony pergunta.
— Bem, estou ajeitando o lugar onde irei dormir. — falou, dando
tapinhas sobre o travesseiro macio.
— Mas eu estava dizendo para dormir aqui do meu lado... na cama.
Thereza cessa os movimentos. Não soube se foi o tom de voz rouco
— e aparentemente sedutor também — ou a constatação que a fez ficar em
choque.
Ela o encara, séria.
— Está maluco? Por acaso a febre está mexendo com seus miolos?
A verdade é que já estava quase impossível se segurar a uma certa
distância dele. Se estivesse perto demais seria perigoso para ambos.
— Por favor, Christina. Eu estou doente. — falou Antony com a voz
um pouco sofrida.
Ela o analisou com as mãos na cintura. Ele estava sendo dramático?
Se estava ou não, o amava demais para deixá-lo assim.
— Está bem. — ela bufa e bate com um pé no chão, derrotada.
Afasta o lençol e se deita, ainda pensando se era uma boa ideia o
que estava fazendo. Depois os puxa para cima da cintura, segurando com
força as bordas do tecido enquanto encarava o teto. Já podia sentir o calor
que emanava de Antony, e sentia que ele a encarava. Seu coração ameaçou
sair pela boca.
Então ela sente o colchão mexer sob suas costas, e quando sente a
respiração quente de Antony em sua bochecha, se afasta em um rompante.
— Afaste-se imediatamente, lorde Hervey! — ralhou, morrendo de
desejo de puxá-lo ainda mais para perto de si. — Já está difícil o suficiente
me segurar.
— Pelo amor de Deus! — ele resmunga, afastando-se.
Feito isso, Thereza puxa o lençol um pouco para si e se vira para o
outro lado, impossibilitada de segurar o risinho que acabou escapando de
seus lábios. Antony também estava desejando-a. Sabia disso.
Ela fecha os olhos. Mas o colchão se mexe novamente. Maldição!
Quando se vira para dizer a Antony se afastar novamente, ele já estava ali,
tão perto que sentiu a respiração dele em seu pescoço. Como se não
bastasse, ele passou um dos braços pela cintura de Thereza e por ali ficou.
Se fosse apenas isso, tudo bem, mas o miserável ainda levou os lábios de
encontro à sua pele, abaixo do pé do ouvido, beijando-a levemente ali, e
sussurrou:
— Tenha uma boa noite.
Ela estava em chamas. Santo Deus! Se não saísse dali tudo
começaria a pegar fogo. Ela não o respondeu, por fim. Estava tão
desconcertada que achou melhor continuar em silêncio, assim ele
presumiria que já havia pegado no sono. Céus! Todas aquelas sensações e
ainda estavam de roupa!
— Sei que está fingindo, senhorita. — uma pausa. — Tem certeza
de que não quer fazer nada?
Ela arregalou os olhos, incrédula.
— Antony! — repreendeu-o. — Respeite o meu espaço, está bem?
Jurou a si mesma que só faria tudo o que seu corpo estava gritando
que fizesse quando o homem ao seu lado estivesse bem o suficiente para
tais coisas.
Quando ele não disse nada, Thereza fechou os olhos novamente.
Mas a voz dele veio de novo.
— Mas é claro, querida. — a voz grave e sedutora, então beijou-a de
novo no pescoço. — Respeito o seu espaço. E o seu tempo também.
Contudo, senhorita, já que está me interrompendo tanto, da próxima vez
vou deixar que meu instinto primitivo e selvagem tome conta do momento.
A senhorita será capaz de aguentar?
O QUÊ?! O homem não havia praticamente acabado de enterrar a
mãe? Como ele podia estar pensando numa coisa dessa agora? Por Deus...
Ele estava completamente possuído pelo desejo.
Ela achou melhor não o responder. Temeu ser traída pelas próprias
emoções. E quando ficou parada ali no escuro, ficou pensando nas palavras
de Antony. Será mesmo que o aguentaria quando tudo desmoronasse em
desejo entre ambos? Ele era tão grande que...
Ah, maldição! O que estava pensando?
Quando sentiu que a respiração de Antony estava suave e constante,
soube que ele havia pegado no sono. Graças a Deus, agradeceu
mentalmente. Não conseguiria ficar um segundo a mais ali dentro com
aquele homenzarrão.
Ela tirou o braço dele com cuidado de sua cintura para não o
acordar, levantou-se e o encarou por um instante, pensando em como ele
parecia um anjo ruivo dormindo. Logo após, partiu para o seu quarto.
Achou melhor assim.
XII
CASAMENTO, ANSIEDADE, PERDÃO
E TUDO O MAIS

“Eu já disse que a amo? Pois bem. Eu a amo, Thereza Christina”, as


palavras de Antony reverberavam em seu cérebro, fazendo pequenos
arrepios percorrerem sua espinha enquanto caminhava em direção à sala de
jantar para o desjejum. Quando abriu as portas, porém, reparou que a sala
estava vazia. Comeria sozinha, mais uma vez.
Desta vez, contudo, não ficou triste ou sentiu-se solitária. Antony e
Evelina certamente não desceriam pelos acontecimentos dos dias anteriores,
provavelmente ainda estavam se recuperando da perda. Antony
principalmente, pois estava doente ainda por cima. Se ele estivesse ali no
desjejum, a própria Thereza se certificaria de arrastá-lo novamente para
seus aposentos até que o mesmo estivesse bem o suficiente para voltar à
rotina.
Ela se serviu de chá, depois pegou o jornal ao lado de seu prato e
passou as páginas até as colunas de fofocas para saber o que estava sendo
comentando entre as pessoas da sociedade.

“Dia fatídico, não?


É com muita tristeza que venho comentar sobre a morte da antiga
marquesa de Bristol, lady Hervey. O título, porém, logo passará a ser de
outra dama, uma senhorita que ganhou a vida de mão beijada após o
escândalo em seu baile de debutante.
A pergunta é: o marquesado estará em boas mãos?

Lady HD da Coluna de Fofocas, Jornal de Londres”.

Por Deus, as pessoas não tinham respeito não? Comentavam como


se a vida dos familiares não importasse. Thereza imaginou que qualquer um
que fosse próximo demais à lady Hervey se sentiria muito mal ao ler uma
notícia dessa. E essa tal de Lady HD sempre arrumava um jeito de citar
Thereza. Mesmo que não diretamente.
Querendo esquecer essa tal de Lady HD e suas fofocas imundas e
problemáticas, Thereza pulou algumas páginas quando se lembrou de uma
coluna que Marjorie havia citado uma vez.

“Já que o mais cortejado e desejado cavalheiro de Londres está


prestes a se casar com uma senhorita que, na opinião de todas as mulheres
da Inglaterra, não deveria estar onde está, precisamos ir atrás de outro
rapaz para a SFS (Sociedade Feminina Solteira).
Decerto este cavalheiro é o mais libertino que já passou por esta
coluna, e é bastante conhecido pelo seu poder de sedução. Lindo, atraente
e sedutor? É tudo o que as solteiras estão à procura, estou certa?
Sem mais enrolação, pois sei que as senhoritas devem estar roendo
as unhas para saber de quem estou falando.
Pois bem, o cavalheiro em questão é o visconde Righter e futuro
conde de West Sussex, Thomaz Christopher Righter. Isso mesmo, o irmão da
senhorita que roubou, e não estou exagerando, roubou o marquês de quem
realmente o merecia. Mas ele não faz mais parte desta coluna. Então
voltamos a quem importa.
A verdade é que a mulher que conseguir capturar o coração do
visconde, decerto tem um poder de sedução maior que o dele próprio.

Srta. L. da Coluna Cavalheiros à Solta, Jornal de Londres”.

Uau. Como as jornalistas amavam Thereza, não? Ela era citada até
em colunas que falavam apenas sobre rapazes. Cristo!
Apesar disso, começou a rir ao ler o nome de seu irmão em uma
coluna que era para mulheres solteiras. E que coisa é essa de poder de
sedução? Sabia que Thomaz é o maior libertino que já conheceu, mas não
podia negar que essa coisa de poder de sedução parecia uma piada.
Após terminar seu desjejum, Thereza resolveu que estava na hora de
ir ver como Antony estava passando. Se sua febre melhorou ou piorou.
Assim que chega lá, percebe uma criada parada em frente à porta do quarto
dele segurando uma bandeja farta com seu café da manhã. Provavelmente
tinha sido ele mesmo quem pedira.
A moça levanta o punho para bater na madeira quando Thereza se
aproxima.
— Deixe que eu faça isso.
A criada, que até então não tinha percebido sua presença, dá um
pulinho de susto.
— Perdão. O que disse, milady?
Ela olha para a bandeja nas mãos da outra.
— Pode deixar que eu entrego isso aí.
Thereza tenta puxar o objeto, mas a criada o segura com mais
firmeza.
— Não creio que seja correto deixá-la fazer isso, milady.
Ela sorri para a criada tentando ser amigável quando, na verdade, já
estava perdendo a paciência.
— Confie em mim, sei o que estou fazendo.
A mulher a encara com dúvida nos olhos. Mas acaba afrouxando o
aperto nas bordas, e Thereza a puxa para si.
— Obrigada. Está dispensada.
— Com sua licença, milady. — Ela faz uma reverência, olha para
Thereza como se ela fosse louca, então sai.
Thereza a observa até ela desaparecer na outra extremidade do
corredor. Ela revira os olhos e respira fundo, então volta sua atenção para a
porta novamente. Agora que estava sozinha, percebe que há mais de uma
voz lá dentro. Ela aproxima o rosto da porta. Antony não estava sozinho.
Ao erguer o punho para bater, se dá conta de que a tarefa é bem
mais complicada do que havia imaginado, e quase deixa tudo ir para o chão.
Maldição! Como é que os criados conseguiam equilibrar aquilo em apenas
uma das mãos para, com a outra, bater na porta? Para isso, Thereza teve que
erguer um pouco a perna para apoiar a bandeja em sua coxa. Depois de
muito custo conseguiu enfim bater duas vezes na madeira.
— Entre! — disse uma voz estrondosa do outro lado.
Com isso, ela pensou que mesmo se Antony não tivesse melhorado
completamente, pelo menos já estava melhor. Sua voz parecia mais forte
que no dia anterior.
Thereza empurra a porta com o ombro e espia o lado de dentro.
Antony estava assentado na cama com um amontoado de travesseiros sobre
as costas, enquanto o lençol cobria apenas suas pernas. Ele usava a mesma
blusa de ontem, branca e de tecido fino com os primeiros botões abertos,
deixando uma parte de seu peitoral exposto. O que fez uma onda fervente
subir pelo seu rosto.
Ela entra no quarto com a bandeja em mãos.
— Com licença, milorde, eu...
Para de falar quando percebe que Evelina estava ali, assentada na
cadeira ao lado da cama, e a olhava com os olhos tão faiscantes como se
Thereza tivesse estragado um momento muito íntimo entre irmãos. Talvez
tivesse mesmo.
— O que houve com os criados desta casa? — Antony quebra o
silêncio, e em seus lábios um pequeno sorriso brincava.
Thereza vai para o outro lado da cama e pousa a bandeja sobre as
pernas dele.
— Não houve nada com eles, Sua Graça. Apenas me dispus a trazer
seu café da manhã a fim de vê-lo.
Ele sorri para ela. Mas quando encara a comida, os olhos
arregalados de tanta fome acabam sendo substituídos por uma careta.
Dentro de um prato para sopa havia um líquido amarelo-esverdeado que,
vez ou outra, soltava borbulhas. Antony tira a tampa do bule, e um cheiro
nada agradável sai de lá. Thereza faz careta e tapa o nariz.
— Santo Deus, o que são essas coisas? — ele pergunta com o rosto
franzido.
— Eu pedi para a cozinheira preparar algo que fosse bom para a
febre, Antony. — diz Evelina pela primeira vez desde que Thereza entrou
no quarto. — Isso provavelmente são ervas medicinais.
Antony pega um pouco da sopa com a colher e o leva próximo ao
nariz, cheirando. Ele faz outra careta. Ao levar a colher à boca, o líquido
incha e explode, espirrando o conteúdo em seu rosto. Thereza solta um
gritinho e coloca as mãos na boca, chocada.
— O diabo que eu vou comer isso! — Praguejou o marquês
enquanto limpava os olhos sujos daquela sopa horrenda, e afasta a bandeja
para longe.
E não podia culpá-lo. Thereza pensou que faria o mesmo se
estivesse no lugar dele. O gosto daquilo devia ser péssimo.
Evelina se levanta.
— Você tem que comer Antony. É para o seu bem.
Ele olha para a comida novamente, pensando melhor.
— Não sei não. — fala, balançando a cabeça. — Isso está com cara
de que me fará mais mal do que bem.
Evelina bufa. Depois pega uma colherada bem cheia da sopa e a
leva em direção à boca de Antony, que era uma linha fina para não tomar
aquela coisa. Thereza acabou soltando uma risadinha diante da cena. Ele
parecia uma criança.
— Abra a boca. — pede a irmã.
Ele apenas balança a cabeça em negativa, ainda de boca fechada.
— Uh-uh.
Evelina bufa mais uma vez e se endireita, pensando em como faria o
irmão tomar aquilo. Até seus olhos encontrarem os de Thereza e, pela
primeira vez, ela vê ali uma pontada de súplica.
— Srta. Righter. Diz que ele precisa tomar a sopa.
Thereza ficou um pouco chocada com o pedido. Chegou à conclusão
de que Evelina amava mesmo o irmão. Virou-se para o marquês.
— Lorde Hervey. Precisa tomar a sopa se quiser melhorar o quanto
antes. — uma pausa. — Ora, vamos. Não precisa tomar tudo. Apenas um
pouco.
Ele olha para o líquido amarelo-esverdeado, relutante. Mas com um
resmungo, fecha os olhos e abre a boca. Evelina não perde tempo. No
mesmo instante enfia a colher goela abaixo.
Thereza o observa fechar a boca, saboreando aquela coisa horrenda
com o nariz enrugado. O que ele faz, porém, é abrir os olhos e soltar uma
exclamação de bom grado.
— Até que não é tão ruim.
— Eu avisei! — solta Evelina, fazendo Thereza rir.
Antony pega a colher e começa a tomar a sopa por conta própria.
Thereza o observa com um sorriso de satisfação no rosto. Enquanto
o admirava comer, ficou pensando na noite passada quando quase se
beijaram. Quase. Faltara tão pouco... Aquela corrente de excitação ainda
percorria os nervos de Thereza, fazendo-a desejá-lo tanto que chegava a
doer. Queria tanto passar os braços ao redor de seu pescoço e segurar aquele
corpo imenso contra o seu até que o mundo inteiro desmoronasse ao redor
dos dois. Queria provar o gosto daqueles lábios, puxar seus cabelos, passar
as mãos sobre os pelos de seu peitoral.
Ah, Deus! Ela não estava se aguentando.
Será que ele ainda a desejava? pensou. Ou tudo o que ele disse e
fez — ou quase fez — na noite passada não passou de um mero momento
de fraqueza onde Antony apenas queria alguém que o consolasse?
— Ótimo. — disse Evelina quando viu o prato de Antony vazio. —
Agora, beba o chá.
O marquês coloca o líquido verde dentro da xícara com uma careta
de desgosto. Cruzes! O cheiro daquilo era horrível.
— Tenho que sair por alguns instantes. Srta. Righter, certifique-se
de que meu irmão tomará pelo menos uma xícara deste chá. Voltarei para
conferir.
Thereza faz que sim. Logo, Evelina sai do quarto, deixando os dois
sozinhos. Ela se senta na cadeira ao lado da cama e observa Antony
bebericar o chá.
Ele solta um resmungo e pousa a xícara na bandeja novamente.
— Isso definitivamente eu não vou beber. Por Deus, a cozinheira
parece ter pego um monte de grama do jardim e socado aí dentro.
Thereza ri.
— Não se preocupe, milorde. Não o forçarei a beber esse... — ela
olha para o líquido verde e grosso — essa coisa.
Antony solta a respiração pesada pela boca.
— Evelina vai ficar furiosa.
— Podemos jogar tudo pela janela, se preferir.
Ele a encara e começa a rir. Na medida que a risada vai cessando, o
rosto de Antony vai ficando mais sério, até um silêncio se instaurar entre
eles, e ele dizer:
— Na noite passada. Lembro de a senhorita ficar para dormir
comigo, mas quando acordei pela manhã, encontrei o lado da cama vazio.
Por que se foi?
Thereza se surpreendeu com a mudança repentina de assunto.
Uma dor atingiu-lhe o peito ao perceber a afetação na voz do
marquês. Mas apenas fez o que era correto e sabia disso. Se tivesse dormido
com ele, ambos teriam sido dominados pelo desejo e coisas precipitadas
poderiam ter acontecido.
— Fiz o que foi correto. — respondeu suavemente, olhando para as
mãos no colo.
Silêncio. E quando o marquês voltou a falar, o tom veio tão sedutor
e primitivo que Thereza deu graças a Deus por estar sentada quando sentiu
as pernas bambearem.
— Sabe que apenas evitou o inevitável, não sabe?
Ela levanta a cabeça para encará-lo, a boca entreaberta e os lábios
secos com o choque daquelas palavras. Thereza se pegou sem saber o que
falar. Queria tanto respondê-lo com algo sagaz e falar que estava esperando
aquilo como nunca esperou por qualquer outra coisa em toda a sua vida. No
entanto, sua garganta parecia fechada.
Quando viu que ela não responderia, Antony pegou as bordas da
bandeja e posou-a na mesinha ao lado, depois dá dois tapinhas no lado
vazio do colchão.
— Sente-se aqui.
Ela achou que fosse desmaiar quando sentiu o coração palpitar e as
bochechas ficarem coradas.
— Milorde, eu não acho que...
— Por favor, Thereza.
Ah. Como dizer não àquele tom que fazia seus pelos se eriçarem e
aqueles olhos que a olhavam com tamanha ternura?
Derrotada, ela faz o que Antony lhe pediu, assentando sobre o
colchão, hesitante e com um misto de medo e excitação.
— Olhe para mim. — ele pede então.
Santo Deus! Ela estava à beira do precipício. Mas, mesmo com o
maxilar tremendo, ela o encarou, e viu em seus lábios o desenho de um
sorriso malicioso.
— Maldição. Eu não deveria ter tomado essas coisas que Evelina
me obrigou. — Por mais que tenha praguejado, o sorriso não saiu de seus
lábios.
— E por que não, milorde?
— Porque — a voz dele passou para um sussurro —, provavelmente
minha boca está com gosto desse chá e sopa horrenda. E esta é a única coisa
que está impedindo-me de não a beijar agora mesmo.
Thereza piscou várias vezes, atordoada. Sentiu que o ar ao redor
começou a ficar extremamente sufocante, e engoliu em seco quando se deu
conta de que ele a desejava mesmo. E tudo o que ele disse na noite anterior
tinha sido verdade.
— Sabe que não me importo, não sabe? — Ela não soube de onde
tirou coragem para dizer tais palavras; apenas soltou o que seu corpo estava
gritando para fazer.
Sabia também que a sopa e o chá provavelmente teriam um gosto
muito melhor vindo dos lábios dele.
— Prefiro que prove meus lábios como eles realmente são.
É tudo o que eu mais quero! era o que sua mente gritava.
— Como o senhor preferir, milorde.
— Então... Hoje à noite? — ele pergunta com uma sobrancelha
erguida de puro atrevimento.
Ela o encara. As emoções pareciam em festa dentro de seu corpo.
— Se assim desejar...
— É claro que desejo. — ele a interrompe. — Ah, como desejo isso.
Fico duro só de imaginar.
Ok! Aquilo era demais para Thereza suportar. Será que ele não
percebia como mexia com ela? Aquelas palavras fizeram suas bochechas
ferveram tanto que não aguentou e teve que se levantar. Foi até a janela e a
abriu com uma força descontrolada para pegar um pouco de ar fresco. Ela
se virou para ele, segurando-se no parapeito da janela para impedir a si
mesma que caísse caso Antony lhe jogasse mais palavras atrevidas.
— Mas... Onde?
— Onde o quê? — Antony pergunta, agora confuso.
— Onde vamos saciar nossos... — ela engole em seco — desejos?
E a sobrancelha de Antony se ergue novamente, junto com o canto
esquerdo de seu lábio.
— Aqui no meu quarto. Na minha cama.
E como presumira instantes antes, seus joelhos fraquejaram. Graças
ao bom Deus que estava se apoiando no parapeito.
— Mas não é perigoso? Qualquer um pode entrar e...
— Trancamos a porta. — disse Antony com firmeza.
— E se alguém resolver procurá-lo...
— Então esperamos todos dormirem.
— E se...
Antony bufa, exasperado.
— Sinceramente, Christina. Até parece que a senhorita não quer.
Ela morde na língua, obrigando-se a calar a maldita boca. Maldição!
Estava tão nervosa com os sentimentos à flor da pele que a ansiedade estava
deixando-a desorientada.
— Perdão, milorde. Só estou um pouco nervosa.
Ele sorri, um sorriso simples e acolhedor, como se quisesse dizer
que estava tudo bem, que entendia. Antony abriu a boca para dizer mais
alguma coisa, mas passos no corredor os alertaram de que Evelina estava
voltando.
— Ah, não. O chá! — exclamou Antony.
Thereza agiu rapidamente, pegando o bule e indo em direção à
janela aberta, onde despejou todo o seu conteúdo, que aterrissou na
vegetação abaixo com um baque surdo por causa do líquido tão grosso.
Assim que pousou o bule na bandeja novamente, a porta foi escancarada, e
Evelina entrou seguida por Gregory.
A primeira coisa que Evelina fez, portanto, foi olhar dentro do bule,
e quando o viu vazio, sorriu para Antony. Thereza percebeu que a boca do
marquês era uma linha rígida na tentativa de segurar uma gargalhada. Ela
fez o mesmo.
— Antony — começou a falar Evelina —, eu estava conversando
com Gregory e resolvemos que queremos adiantar nosso casamento. Em
uma semana. Duas, no máximo.
Thereza não soube porquê, mas ficou chocada. Ela instintivamente
olhou para o amigo, que... sorria? Ela franziu a testa. Conhecia-o há tanto
tempo, e sabia que aquele sorriso era de satisfação. Por acaso ele queria
aquele adiantamento? Não fazia sentido. Ele mesmo disse que não a amava.
Ele precisava do dote de Evelina, é claro. Talvez fosse isso. De todo modo,
teria que perguntá-lo mais tarde.
— Bem, e por que isso?
Gregory pegou a mão de Evelina.
— Achamos que é melhor para nós dois. — ele respondeu.
Por Deus, o que estava acontecendo?
Ela se virou para ver o que se passava no rosto de Antony, mas sua
expressão era neutra. Até que ele sorri e diz:
— Se for assim — vira-se para encarar Thereza —, eu e a Srta.
Righter também teremos que adiantar o nosso. Afinal, nos casaremos no
mesmo dia. Para daqui uma semana.
Por um instante Thereza se esquecera de como era respirar. Sabia
que estava ali para se casar com Antony Hervey, mas agora que estava tão
perto, sentiu-se estranha ao pensar que seria marquesa. Mas então, ao
lembrar-se de que desposaria com quem realmente amava, um sorriso
ergueu os cantos de sua boca e a felicidade tomou conta de seu peito.
— Então temos que começar a arrumar as coisas! — Evelina parecia
muito animada, na verdade, e dava pulinhos de excitação. — Não precisa
ser uma festa grandiosa, até porque não daria tempo, mas quero que seja
magnífico! — ela riu e puxou Gregory para fora do quarto.
Depois que eles saíram, o quarto ficou em silêncio, até Antony
quebrá-lo.
— Está de acordo, não é?
— Com o quê?
— Por acaso não estava prestando atenção, Srta. Righter? Estava me
referindo ao adiantamento de nosso casamento.
Thereza sentiu-se corar. Por um momento achou que ele se referia a
hoje à noite.
— Perdão, milorde. E sim, é claro que estou de acordo. — E sorriu.
Ele sorri de volta.
— Então está marcado. Dia dois de julho será lembrado como o
melhor dia da minha vida.
— Dois de julho? — Thereza sentiu espantar-se por um instante. —
Que dia é hoje?
— Hoje é 25 de junho, querida.
Ela levou as mãos na boca em choque. Ah, não. Como poderia ter se
esquecido?
— O aniversário da minha mãe é daqui a dois dias! Santo Deus,
como pude me esquecer? Sou uma péssima filha.
Antony ri.
— Não se preocupe com isso. Se desejar, podemos ir para Londres
amanhã e passar o aniversário de sua mãe junto dela. O que acha?
Ela não conseguiu esconder o sorriso que abriu em seus lábios.
— Eu acho que você não existe, milorde.
Ele semicerra os olhos, provocando-a.
— A senhorita só terá essa certeza hoje à noite quando todos
estiverem dormindo.
A corrente de excitação começou a percorrê-la.
— No seu quarto? — pergunta a ele.
Antony apenas faz que sim devagar.
Ela sorri maliciosamente e sai do quarto, soltando a respiração. Não
via a hora de a noite chegar.

***

Thereza estava em seu quarto agora, morrendo de ansiedade.


Preferiu deixar Antony sozinho para que ele pudesse descansar mais um
pouco. Uma febre não se curava de uma hora para outra, principalmente a
dor de perder uma mãe; ele ainda devia estar sofrendo com isso. Por isso
achou que a privacidade era a melhor opção, pois daria a ele o devido
espaço e tempo para colocar os pensamentos em ordem. Além do mais,
queria que ele estivesse completamente disposto para mais tarde, depois que
todos estivessem dormindo. Seria uma ótima noite, pensou. A melhor de
todas! E esse pensamento só fez com que a excitação que já sentia se
alastrasse ainda mais por seu corpo.
Uma batida na porta a fez dar um leve pulinho de susto. Deu as
costas para a janela e ficou de frente para a porta.
— Entre!
Evelina colocou a cabeça para dentro.
Ah, não! Revirou os olhos. Estava tão feliz e animada, não deixaria
Evelina estragar o seu dia.
— Srta. Righter, será que posso conversar com você um instante?
Não soube se foi alucinação ou coisa do tipo, mas a irmã de Antony
parecia diferente, principalmente sua voz, que soou um pouco mais suave
que o habitual agudo histérico quando falou. E sua feição também
perpassava suavidade.
Mas, como tinha dito para si mesma segundos atrás, não deixaria
que ela estragasse aquele dia que tinha tudo para ser maravilhoso. Por isso
disse:
— Por favor, Evelina. Acho que não é um bom momento para...
— Juro que será rápido. — ela a interrompeu.
Evelina já tinha adentrado o quarto e fechado a porta. E foi a postura
dela — contida, de cabeça baixa e mãos cruzadas na frente do corpo — que
fez Thereza franzir a testa. Decerto aquela não perecia a Evelina que
conhecia. Estava acostumada a vê-la sempre com a cabeça erguida e o nariz
empinado, prestes a atacar aquele que se atrevesse a contradizer suas
palavras. Contudo, foram as palavras seguintes de Evelina que fizeram
Thereza realmente abrir a boca em choque absoluto.
— Me... desculpe.
— Perdão?! — foi a primeira reação que veio à mente de Thereza.
Ela observou Evelina com mais afinco, com os olhos semicerrados
para tentar encontrar na outra algo que mostrasse algum sinal de qual era o
plano dela dessa vez. É claro que era um disfarce. Evelina era uma mestra
nisso. Só que não funcionaria dessa vez e nem nunca mais. Thereza já a
conhecia bem o bastante para não cair nos seus joguinhos novamente. E
aquele com certeza era um deles.
— Me desculpe. — repetiu Evelina, ainda de cabeça baixa. Thereza
reparou que ela mexia nas pregas do vestido constantemente, como se
estivesse... nervosa? Não podia ser. — Me desculpe por tudo. Por acabar
com sua reputação, por fazê-la se casar por conveniência, por todas as vezes
que a tratei como se não fosse nada, por... — ela inspira e solta o ar trêmulo
pela boca. — Tudo.
Thereza não conseguia parar de encará-la, estava chocada demais, a
boca aberta em um grande “O”. Sentiu os lábios secos, por isso os
umedeceu.
Ela balançou a cabeça rapidamente. Por Deus, quase acreditara!
Quase foi pega pela falsa da Evelina novamente! Mas não hoje, e nem
nunca mais. Por isso riu com escárnio, o que fez a outra levantar a cabeça
para fitá-la.
— Sinto lhe informar, Srta. Hervey, mas isso não funciona mais
comigo.
— O quê?
Thereza cruzou os braços.
— Isso mesmo que ouviu. Aliás, o que quer com todo esse teatro?
Evelina franziu a testa.
— Teatro? Mas eu...
— Não me venha com desculpinhas agora! — disse Thereza num
tom mais alto, pois já estava farta daquela garota e suas mentiras imundas.
Nem se surpreenderia se Evelina fosse a megera da Lady HD. — Fale logo
o que você quer e caia fora!
— Eu já disse o que quero, Srta. Righter. — Evelina dá um passo à
frente, hesitante. — Quero o seu perdão por tudo o que fiz a você, a sua
família e, principalmente, ao meu irmão.
Thereza deixou os braços caírem na lateral do corpo com a menção
de Antony. Mas que diabo! Ela estava mesmo dizendo a verdade, não?
Sabia disso porque viu como Evelina amava o irmão. Ela podia ser uma
bruxa mentirosa, traiçoeira e louca, mas o amor pela família sempre foi
muito visível, principalmente quando se tratava de Antony.
— Por que isso agora? — perguntou Thereza um pouco mais
controlada, porém confusa em demasia.
Evelina não respondeu de imediato. Sua respiração parecia
entrecortada e as mãos continuavam a remexerem nas pregas do vestido.
Ela parecia uma pessoa completamente diferente, como se uma capa sobre
ela tivesse sido tirada, revelando o que realmente há por baixo.
Após respirar fundo várias vezes na tentativa de se acalmar, Evelina
finalmente começa a falar:
— Sabe, depois que minha mãe morreu, pensei muito, muito
mesmo. Fiquei horas trancada no meu quarto pensando em como minha
vida seria dali para a frente sem uma das pessoas que eu mais amava. É
estranho, porque sabemos que eles vão primeiro que a gente, pelos menos
se for conforme a natureza humana, mas nunca esperamos que aconteça,
nunca estamos preparados. E quando mamãe se foi, fiquei arrasada. Foi
como se uma parte minha tivesse sido enterrada junto a ela.
Ela parou por um instante para respirar e tentar se recompor.
Enquanto isso, Thereza ainda a observava. Não sabia onde Evelina queria
chegar com aquela conversa, mas de alguma forma, sabia que o que quer
que fosse, era de pura sinceridade. Pela primeira vez desde que a conheceu,
Thereza tinha certeza de que Evelina estava sendo cem por cento
verdadeira.
Os olhos da menina brilharam com lágrimas não derramadas quando
ela voltou a falar.
— Sempre acreditei que tudo o que acontece em nossas vidas, nada
é por acaso. E a morte de minha mãe não é exceção. Acredito que seu
falecimento tinha um propósito que já foi cumprido porquê... — ela funga
ferozmente o nariz — Depois que ela se foi, fiz uma retrospectiva de todas
as minhas atitudes, e foi onde eu vi que ao invés de proteger Antony, eu
estava querendo apenas o meu bem. Não parei para pensar nas pessoas que
seriam atingidas no caminho. — uma pausa. — Por isso estou me
desculpando, Srta. Righter. Porque você foi uma das pessoas atingidas. Eu
percebia que Antony era muito fechado por culpa das mulheres o quererem
apenas por sua beleza e fortuna, e nunca pelo que ele sempre quis... amor.
Thereza se lembrou de quando lorde Hervey lhe contou do porquê
odiava bailes. “... em todos os bailes em que eu comparecia, todas as damas
que me eram apresentadas não passavam de interesseiras. Até que chegou
em um ponto que desisti. Elas olhavam e ainda olham para mim como se eu
fosse um cavalo premiado”, as palavras dele reverberaram em seu cérebro.
— No começo eu também não acreditava em tal palavra. — Evelina
continuou. — Para mim, casamentos não passavam de conveniência entre
as famílias. Até que você apareceu. — ela dá um sorriso fraco, no mesmo
instante uma lágrima escorre pela bochecha dela. — No início foi um
acidente, eu admito. Apenas aproveitei o momento em que a vi nos braços
de Antony para armar o escândalo. Naquela época apenas queria fazê-lo se
casar não importava o que, apenas para salvar seu marquesado e dar
continuidade ao título da família com seu herdeiro. Só que o tempo foi
passando, e eu percebia que algo mais estava crescendo entre vocês dois.
Não sei porque, mas aquilo me incomodava de certa forma. É palpável o
que sentem um pelo outro. — ela sorri abertamente.
Thereza só percebeu que estava chorando quando sentiu um fino
líquido quente escorrer por sua bochecha até o queixo. Ela se apressou em
enxugá-la.
— Foi quando realmente parei para pensar e percebi que eu também
gostava de Gregory. — Evelina tinha um sorriso de puro orgulho no rosto,
mas que foi logo substituído por uma máscara de tristeza. — Eu não sei se
ele já lhe contou, mas nosso casamento também é um acordo. A família
dele está falindo e...
— Sim, ele me contou. — a voz de Thereza falhou um pouco. Não
soube exatamente porque disse aquilo, apenas soltou.
— Pois bem. — continuou a garota. — Antes de as famílias
assinarem os contratos, minha mãe me perguntou se eu queria mesmo
aquele acordo, e é claro que eu aceitei porque, como todas as moças da
sociedade, eu queria um homem rico e bonito. Gregory é herdeiro de um
condado, mas está falindo, só que o meu dote ajudará sua família a se
reestruturar novamente. E assim como aconteceu com você e Antony,
Gregory e eu fomos nos conhecendo melhor, e tenho tanto orgulho em dizer
que eu o amo. — ela sorri novamente, dessa vez um sorriso diferente,
percebeu Thereza, cheio de ternura e compaixão. — De verdade, eu o amo
mesmo. Por isso o adiantamento do casamento. Porque assim, o dote sairá o
quanto antes e, além disso, queremos mais que tudo viver nossas vidas
juntos! — ela terminou com um suspiro.
Thereza estava petrificada, simplesmente. Depois de todo o relato de
Evelina, ela não sabia dizer quais emoções invadiam seu coração. Até que
algo lhe ocorreu.
— Sabe, Srta. Hervey, no começo eu a odiei tanto que não cabia em
mim. — ela finalmente começou a falar. — Odiei como mentiu no baile em
Devonshire, odiei ter sido forçada a me casar com um homem que eu
sequer conhecia, odiei como a senhorita me tratava, odiei porque a
senhorita estava noiva de um homem por quem eu achava que era
apaixonada... Enfim. — Thereza suspira. — Eu a odiei.
Evelina balançava a cabeça vigorosamente.
— Claro, claro! Eu entendo completamente o seu ódio por mim,
Srta. Righter. E lhe dou razões para isso. Fui mesmo uma megera e admito
isso. Mas... — ela olha para Thereza com profundidade. — Quero que saiba
que me arrependo de completamente tudo, e entendo se não quiser me
perdoar. Mas também quero que saiba que sempre estarei aqui caso mude
de ideia, porque estou mesmo disposta a consertar tudo o que fiz de ruim.
Thereza sorri, o coração martelando no peito.
— Como eu disse, Srta. Hervey, eu a odiei. No passado. — uma
pausa. — É claro que tudo o que fez foi errado, mas eu amo mesmo lorde
Hervey. E se não fosse por você, será que eu estaria prestes a me casar com
o homem que eu realmente amo? A resposta é não. Com certeza eu ainda
estaria pensando estar apaixonada por Gregory e sofrendo por isso, então...
— ela sorri mais uma vez. — Por mais que eu a tenha odiado, hoje sou
grata pela senhorita ter aparecido no escritório de lorde Devon naquele dia,
porque hoje posso dizer que sou muito feliz com seu irmão.
Por fim, Thereza abre os braços, e Evelina corre até eles. Então elas
se abraçam, e choram no ombro uma da outra, enquanto o perdão rodeava
as duas damas como uma áurea invisível, pois ambas as partes precisavam
daquele ato como nunca imaginaram. E foi uma das melhores coisas que
Thereza fez em toda a sua vida, pensou ela, pois sentiu uma leveza tão
grande que não tinha palavras para descrever.
— Amigas? — ela perguntou à Evelina enquanto secava as
lágrimas.
— Irmãs. — respondeu a outra com um sorriso grande no rosto.
Elas se abraçam novamente e logo se desvencilham.
— A propósito, Srta. Hervey...
— Evelina.
Thereza tenta de novo.
— A propósito, Evelina. Seu irmão e eu estamos indo para Londres
amanhã, pois é aniversário de minha mãe e resolvemos passar um ou dois
dias por lá. Será que não quer ir? Eu e Gregory fomos criados juntos, e acho
que ela ficaria muito feliz se ele também fosse.
Evelina sorri, e foi esse gesto que fez Thereza perceber que a
menina estava mesmo mudando. Antony sempre disse que a irmã não era
uma má pessoa, apenas ambiciosa, encrenqueira às vezes e de
personalidade difícil, mas ninguém é perfeito, não é mesmo?
— É claro que quero ir! — respondeu a moça com animação. —
Acho até melhor. Posso contratar todas as coisas para o nosso casamento
em Londres.
Elas riram.
XIII
UM BELO DIA PARA CHRISTINA
E O HOMEM MURALHA

Que dia louco tinha sido aquele, não? Em momento algum Thereza
pensou que Evelina poderia algum dia pedir perdão por seus atos — a moça
era tão orgulhosa que foi mesmo um choque. Mas a vida sempre nos
surpreende, pensou. Com a recente morte da mãe, Evelina parecia ter
aprendido a lição, e se ela estava mesmo tentando mudar, daria uma chance
a ela. Afinal, todos precisam de segundas chances na vida.
Apesar de tudo, aquele dia ainda estava longe de acabar, por sinal.
Antony não havia descido para o jantar, e Thereza ficou pensando se era
porque ele ainda estava mal. Ela perguntou à Evelina, pois a mesma passou
o resto do dia enfiada no quarto do marquês cuidando dele.
— Ele está bem, não se preocupe. Não desceu apenas porque disse
estar guardando energia para mais tarde. Para quê? Ele não me disse. — foi
o que ela respondeu.
Thereza sorriu sobre a borda do copo e sentiu as bochechas
ferverem com a vermelhidão. Ela, mais do que ninguém, sabia exatamente
porque Antony estava guardando suas energias. A excitação começou a
percorrer as suas veias no mesmo instante, fazendo a respiração pesar. E
aquela corrente de ansiedade a seguiu mesmo depois de subir para seus
aposentos e deitar-se na cama. Até tentou tirar um cochilo para as horas
passarem mais depressa, o que não funcionou, é claro. Sentia como se algo
vivo percorresse cada parte de seu corpo, deixando-a incrivelmente faminta,
só que não era de comida. O frio que sentia na barriga e descia até sua
virilha era algo primitivo, pedindo outro tipo de refeição que ela não sabia
exatamente o quê.
Conforme o tempo foi passando, ela reparou que a casa foi ficando
mais silenciosa e tranquila a cada instante, até que nada mais era ouvido.
Nem passos, nem conversas ou cochichos. Thereza aprumou os ouvidos,
mas estava tudo absolutamente silencioso. Não sabia que horas eram, só
que estava tarde. Ela sorriu.
Está na hora!
Afastou os cobertores com agressividade e se levantou. Pegou a vela
em cima da mesa de cabeceira e foi até a porta. Mas ao colocar a mão na
maçaneta, percebeu que ela já estava girando. Santo Deus! arquejou.
Alguém estava entrando em seu quarto, mas quem? Ninguém entraria sem
bater, principalmente assim tão tarde da noite. A não ser que...
Oh, não!
Será que malfeitores teriam invadido a casa? Suas mãos começaram
a tremer de medo. Mas agiu rápido. Apagou a chama da pequena vela com
um assopro e correu para trás da porta quando a mesma se abriu e alguém
entrou. Quem quer que fosse, fechou-a novamente com agressividade, o que
fez Thereza temer ainda mais por sua vida. Por isso fechou os olhos com
força e prendeu a respiração, torcendo para que a escuridão do quarto fosse
suficiente para escondê-la.
— Christina? — disse uma voz rouca e grossa com tamanha
urgência.
Ela abriu os olhos e deixou o candelabro cair sobre o tapete com um
baque surdo, pois só existia uma pessoa que a chamava assim.
— Antony? — o nome não passou de um sussurro.
Ele se virou, e demorou um pouco até que ele finalmente a
encontrasse em meio às sombras. Com passos largos e decididos o marquês
foi até ela. Parecia agitado, nervoso e faminto. Ele parecia um caçador atrás
de sua presa.
Ao alcançá-la, segurou seu rosto entre as mãos com uma urgência
que a fez arfar.
— Por Deus, por que demorou tanto? — o hálito quente brincou no
rosto dela.
Sua boca estava seca e sua mente desorientada enquanto encarava
aqueles olhos azul-claros que brilhavam em meio à pouca luz que entrava
pelas frestas das cortinas pesadas de veludo.
— Eu... — tentou dizer.
Mas Antony já estava lá, sua boca faminta e úmida sobre a dela. Foi
quente, feroz e arrebatador. Demorou até que Thereza compreendesse o que
estava mesmo acontecendo, e quando se deu conta, fechou os olhos e se
entregou completamente.
E não foi nada do que ela tinha imaginado que seria seu primeiro
beijo.
Foi melhor!
Era puro fogo percorrendo as veias enquanto as línguas
entrelaçavam dentro da boca um do outro com paixão e agressividade,
como se aquilo fosse uma necessidade. Ela ouviu Antony gemer, e aquele
som a fez tremer.
Ele deixou sua boca por um instante para tomar fôlego, e foi como
se algo muito importante tivesse sido arrancado dela à força.
— Você está bem? — ela perguntou de repente, extremamente
ofegante. — Digo, a sua febre... Está...
— O que você acha? — Antony respondeu com a voz áspera.
E voltou a beijá-la novamente, só que desta vez no pescoço, o que a
fez gemer ainda mais alto e arquear a cabeça pra cima, dando mais espaço
para ele brincar com sua pele com a língua como estava fazendo. Era
delicioso, simplesmente! Não tinha outra forma de descrever. Ele percorria
cada parte de seu corpo com as mãos, sentindo-a, como se quisesse se
certificar de que ela era real. E Thereza fazia o mesmo, percorrendo cada
parte do corpo do marquês, sentindo seus músculos sob a roupa. Que
homem magnífico! sua mente gritava.
Ele voltou a beijar sua boca, e o modo como fazia aquilo — com
urgência —, fazia Thereza se sentir como se fosse a única mulher no mundo
a ir ao Paraíso antes mesmo de morrer. Porque aquilo era o Paraíso, não
era? Pois era essa a sensação que tinha sempre que a língua de Antony
encontrava a sua, de que estava no céu.
Antony levantou sua perna e a prendeu no quadril dele, puxando-a
ainda mais para perto. O calor do corpo dele a invadiu, deixando-a
demasiadamente atordoada, e nem percebeu quando o agarrou pela lapela
da blusa e o puxou para o beijo mais fugaz, quente e erótico que conseguiu.
Ela gemeu alto entre os lábios dele, o que fez Antony largar sua perna e
segurar seu rosto entre as mãos.
— Diga meu nome... — ele sussurrou. — Diga...
— Ah... Antony! — Ela fez o que ele mandou, erguendo o pescoço
novamente, dando-lhe ainda mais espaço entre o pescoço e o colarinho,
onde ele movimentava com os lábios.
As mãos dele encontraram seus seios, apertando-os.
— Diga novamente.
— Dizer o quê? — Thereza não conseguia distinguir o que era real e
o que não era, tudo parecia o vislumbre de um sonho incrível.
As mãos do marquês percorrendo todo o seu corpo era como chamas
queimando a pele.
— O meu nome, Christina. Diga o meu nome.
Com os olhos fechados, ela gemeu novamente quando ele apertou
seus seios mais uma vez, sem parar de beijar entre sua clavícula e pescoço.
— Antony... Meu... Querido... Antony.
Ele arquejou.
— Diabos, Christina. Tem ideia do que está fazendo comigo?
Ela não tinha. Mas será que ele tinha ideia do que estava fazendo
com ela?
— Veja. — Antony pegou uma de suas mãos e repousou-a no meio
de suas pernas, onde encontrou um membro excepcionalmente grande e
grosso. Ele gemeu. — Está vendo? Isso é o que está fazendo comigo.
Thereza estava maravilhada demais com o homem diante de si, por
isso não conseguia dizer nada. Ela continuou massageando o membro dele,
enquanto o via gemer e arquejar, e aquilo lhe dava prazer também, como se,
de algum modo, tivesse poder sobre ele. Então ela afastou a mão e a
colocou dentro da calça, sentindo a pele rígida do imenso membro do
marquês. Era rígida, porém macia. Antony gemeu ainda mais alto.
— Ah, Deus! O que essa mulher está fazendo comigo?
Thereza não parou. Continuou com os movimentos de vai-e-vem,
adorando sentir aquele membro na palma de sua mão. E estava adorando
ainda mais ver o que estava fazendo com ele. Nunca o vira tão inerte e em
êxtase de puro desejo. E aquela cena era simplesmente maravilhosa aos
seus olhos.
Mas então ele pegou seu pulso, forçando-a a parar, e disse com a
voz embargada de puro desejo:
— Pare. Não aguentarei por muito mais tempo se continuar assim.
Ele pegou-a no colo, levando-a para a cama e depositando-a
cuidadosamente ali. Em segundos, ele estava sobre seu corpo, tão grande e
cheio de músculos que a deixava sem ar. Antony a beijou de novo e, como
que instintivamente, passou os braços ao redor dele; o mesmo aconteceu
com suas pernas, que estavam agora ao redor dos quadris do marquês. Ela o
ouviu grunhir.
— A senhorita me deixa louco! — ele falou ofegante sobre seus
lábios.
O beijo começou a ficar mais quente, desesperado, voraz e feroz.
Antony beijava agora seu pescoço, deixando arrepios por toda a região. As
mãos dele percorriam cada centímetro de seu corpo, e quando ele alcançou
seus seios e os apertou novamente, arquejou de prazer. Seus olhos se
fecharam e suas costas se arquearam. Antony era incrível! Estava fazendo
Thereza sentir coisas no meio de suas pernas que nunca imaginou que
existiam. Ela o agarrou, puxando o corpo dele ainda mais sobre o seu, e
sentiu o membro grande e ereto em sua intimidade, bem no meio de suas
coxas. Ela não conseguiu se conter, e gemeu alto quando Antony começou a
se remexer ali.
Céus! Todas aquelas sensações e ainda estavam de roupa!
Antony encaixou seu corpo entre as pernas dela e começou a tirar o
resto das roupas de Thereza, desfazendo o nó de seu penhoar. Todavia, ela
sentiu uma vergonha imensa a dominar. Talvez fosse pelo fato de nunca ter
ficado completamente nua na frente de outra pessoa antes. E se ele não
gostasse do que visse? Seu coração começou a bater acelerado — mais
ainda do que já estava —, e agradeceu internamente por ainda estar escuro e
ele não poder ver suas curvas completamente.
Quando a despiu por completo, Antony se levantou e foi até as
janelas, abrindo as cortinas e deixando a fraca luz do luar entrar e iluminar
o corpo de Thereza. Ele voltou e parou aos pés da cama, encarando-a de
cima a baixo. As bochechas dela queimaram de vergonha, por isso abraçou
o próprio corpo. Mas a voz o marquês veio grave e autoritária quando disse:
— Não se esconda de mim, Christina. Esta é a cena mais linda que
já vi em toda a minha vida.
Então, vagarosamente Thereza abriu os braços, ficando
completamente nua aos olhos do homem que tanto amava, enquanto a luz
que vinha das janelas iluminava sua silhueta, dando um contraste com sua
cor de pele.
— A cena que estou vendo é pura arte! — Antony comentou, sem
tirar os olhos dela. — Ah, Christina, se a senhorita pudesse ver o que eu
estou vendo agora.
Foi naquele momento que Thereza sentiu seu poder como mulher.
Naquele momento sentiu-se gloriosa e bela. Sentiu como se seu corpo fosse
uma bela escultura e somente Antony podia apreciá-la.
Ele se aproximou, já sem as calças, o enorme membro apontando
para Thereza, que já estava completamente úmida de desejo. Então ele
deitou entre suas pernas, e se derreteram em júbilo e deleite naquela
madrugada.

***

Quando terminaram, estavam ofegantes e suados. Agora Thereza


estava deitada sobre o imenso peitoral de Antony — um sorriso bobo
negava a deixar seus lábios.
Foi tão maravilhoso! No começo, quando Antony começou a
penetrá-la, sentiu um pouco de incômodo, como se algo dentro da sua
intimidade estivesse sendo rasgado. Mas o tempo todo Antony a perguntava
se estava bem, se podia continuar. E ela sempre dizia que sim, pois queria
senti-lo por completo. Até que sentiu quando algo rompeu e o marquês
estava todo dentro dela. Foi a sensação mais fantástica que já sentiu em
toda a vida. Depois disso, foi apenas prazer e deleite. A sensação dentro da
sua barriga era como se estivesse andando numa carruagem em alta
velocidade, até que ela atingisse o ápice de sua jornada.
— Sabe, o dia hoje foi tão maravilhoso. — Thereza sentiu
necessidade de falar sobre isso.
— É mesmo? — a voz do marquês soou um pouco lenta, como se
estivesse quase pegando no sono. Ele passava levemente a mão pelos
cabelos dela, acariciando.
— U-hum. — ela suspirou. — Começou assim que fui ao seu quarto
mais cedo, e vê-lo melhor foi tudo o que precisava. Logo em seguida, sua
irmã me chamou para conversar.
— Evelina? — Antony pareceu um pouco assustado.
— A própria. — uma pausa. — Ela me pediu perdão.
— Perdão?
— Sim!
— Na verdade, eu estava pedindo perdão por achar não ter ouvido
tão claramente. — Thereza ergueu o rosto para encará-lo, e à pouca luz da
única vela acessa sobre a mesa de cabeceira, notou que ele estava mesmo
surpreso; os olhos levemente arregalados de incredulidade. — Então
Evelina pediu mesmo perdão? Pelo que, exatamente?
Thereza apenas o encarou, como se dissesse “Não é óbvio?”.
— Quero dizer, eu sei que ela lhe deve desculpas. — ele disse com a
fala muito afetada. — Mas é que ela é tão orgulhosa que é difícil de
acreditar. O que quero saber mesmo é por que ela decidiu fazer isso agora?
— Ela disse que o falecimento de sua mãe a fez pensar. —
respondeu Thereza com mais cautela agora. — Depois ela disse que viu
como a gente se ama, disse que o que sentimos um pelo outro é palpável.
Que na época do escândalo foi apenas um acidente, que sua intenção era
apenas fazê-lo se casar já que você não fazia tanta questão assim. Mas
acabou dando certo.
Ela vê o sorriso vacilante que se abre nos lábios do marquês quando
ele fala:
— É incrível como mamãe consegue dar um jeito em Evelina
mesmo estando morta.
Thereza sabia que aquele era um comentário feliz, um elogio à
falecida mãe, mas não pôde deixar de sentir a tristeza que fez a voz dele
falhar. Afinal, era a mãe dele, e ela estava morta.
Por isso ela se sentou na cama, aninhou-se mais para perto de
Antony e passou suas mãos pelo rosto dele, sentindo ali os pelos ásperos da
barba por fazer.
— Você está bem? — perguntou um pouco vacilante, enquanto
acariciava a face dele, como se o estivesse desenhando.
Ele nada disse. Ficou calado por um instante longo demais,
encarando o escuro enquanto Thereza ainda o acariciava. Por fim, quando
achou que ficaria sem uma resposta, Antony disse, a voz baixa e grave:
— Foi tão repentino que não aceitei, tanto que até adoeci. Mas
parece que... — o imenso peito incha, logo ele solta o ar pesado pela boca.
— Pode até parecer besteira, mas aparenta que a morte de minha mãe tinha
esse propósito, sabe. De fazer de Evelina uma pessoa melhor. Não que ela
seja uma pessoa má. Só que é tão ambiciosa e orgulhosa que isso poderia
afetá-la de alguma forma terrível no futuro.
Thereza parou os movimentos quando se sentiu emocionada de
repente.
— Foram as mesmas palavras de Evelina.
— É mesmo?
Ela apenas assentiu.
Antony passou os braços ao redor dela e a deitou novamente sobre
seu peitoral.
— Foi mesmo um belo dia. Agora durma, Christina.
Aquilo a despertou. Ergueu o rosto novamente para encará-lo, dessa
vez com um pouco mais de impaciência.
— Por que insiste em me chamar assim? — finalmente havia achado
uma brecha para perguntá-lo.
Ele franze as sobrancelhas.
— Assim como?
— De Christina. — o tom saiu condescendente.
— Achei que fosse o seu nome.
— O meu nome é Thereza!
— Apenas Thereza? — agora suas sobrancelhas estavam arqueadas.
— Thereza Christina, mas...
— Mas nada. Está resolvido. Christina também é o seu nome. — um
sorriso de puro divertimento brincava em seus lábios. — Afinal de contas,
acho que combina mais com você. Para mim, a entonação quando se fala
Christina é mais forte do que quando se fala Thereza. Por isso prefiro
Christina, e é melhor se acostumar.
Na verdade, parecia já ter se acostumado, pensou enquanto encarava
aquele sorrisinho travesso de Antony. Ninguém mais a chamava pelo seu
nome composto além dele, o que a deixava com sentimento de
exclusividade. Só ele podia chamá-la assim, porque era toda e
completamente dele. E sorriu com esse pensamento.
Ele já estava passando o braço ao redor dela para fazê-la se deitar
novamente quando disse:
— Então não se importa se eu o chamar de Homem Muralha, não é
mesmo?
Antony a soltou em um rompante.
— Como é?
Touché! O sorriso travesso que antes formava os lábios de Antony
agora tomavam conta dos de Thereza.
— Bem, eu pensei que se você insiste em me chamar de uma coisa
que eu não autorizei, então eu também poderia chamar Sua Graça do que
quisesse. — ela deu de ombros.
Ele não disse nada. Apenas encarou-a por um instante longo demais.
Até que ele solta a respiração e diz:
— Está bem. Mas só se parar de me chamar de Sua Graça ou
milorde ou qualquer outra coisa que se refira ao título. Por Deus, mulher,
vamos nos casar!
Ela sorriu, vitoriosa.
— Por mim tudo bem.
— Mas o que Homem Muralha quer dizer? — É claro que Antony
não a deixaria em paz até que ela o respondesse isso.
— Bem, é que o senhor é tão grande e todo revestido em músculos
e...
— Certo, pode parar por aí. — ele a interrompeu, visivelmente
arrependido por ter perguntado.
Então eles caíram na gargalhada. E demorou até que finalmente se
recompusessem.
Ela se aninhou naquele homenzarrão em seguida, felicíssima, então
dormiram.
Juntos.
XIV
DUELOS SÃO PROIBIDOS

Thereza odiava viajar de costas, do lado contrário da direção da


carruagem. Fazia com que sentisse enjoo, como estava acontecendo naquele
momento, e não estavam mais que dez minutos dentro do veículo. Céus!
Decerto deveria ter se sentando no assento à sua frente, onde Evelina e
Gregory tomavam conta agora.
— Está se sentindo bem, querida? — Antony havia se inclinado um
pouco para cochichar em seu ouvido, e aquilo fez sua nuca pinicar. — Seu
rosto parece estar ganhando uma tonalidade esverdeada.
Ela o encarou, espantada. Por Deus, estava ficando verde?
— Eu estou bem, querido. — o tranquilizou. — Deve ser apenas
impressão sua por causa do meu vestido.
Antony abaixou o olhar para suas vestes, o vestido e luvas de um
verde-musgo. Ele deu de ombros.
— Tem razão. Deve ser apenas isso.
— Do que estão falando? — disse Evelina de repente, a voz
estridente demais. — Seja lá o que for, é melhor incluir Gregory e eu nisso.
Já estou incrivelmente entediada e ainda falta muito até Londres. — ela
estreita os olhos e se inclina para mais perto de Thereza, encarando-a como
se fosse de outro mundo. — Srta. Righter, você está bem? Parece um pouco
verde.
— Decerto, Srta. Righter. A senhorita parece mesmo estar mudando
de cor. — Gregory também havia se inclinado para frente.
Thereza pensou em várias imprecações que qualquer outra dama
ficaria horrorizada apenas por ter pensado. Mas, diabo, aquilo já estava
ficando demasiadamente irritante!
— Eu estou bem! Cristo! Apenas um pouco enjoada! — soltou um
pouco nervosa demais, e abriu o leque com agressividade. Um pouco de ar
não era nada mau.
No mesmo instante Evelina levantou as pernas para o banco, em seu
rosto uma careta de nojo perpassava.
— Contanto que não suje meus belos sapatos.
Thereza revirou os olhos e resmungou.
— Por Deus, eu não vou vomitar dentro da carruagem!
— Christina?! — Antony exclamou, surpreso.
Ela o encarou.
— O que foi? Não era isso que Evelina quis dizer?
— Sim, mas precisava dizer tal palavra de modo tão indecoroso?
— Que palavra? Vomitar?
Todos ao mesmo tempo soltaram arquejos de nojo e resignação, o
que a fez sorrir. Fez questão de repetir a palavra apenas para irritá-los, sabia
disso. Chumbo trocado não dói, não é mesmo?
Ao erguer o olhar, explode em uma gargalhada ao perceber o rosto
de Evelina, que estava mais verde que o gramado do Hyde Park.
— Srta. Hervey, você está bem? Parece um pouco verde demais. —
ela repetiu as mesmas palavras da moça instantes antes, acrescentando o
advérbio no final apenas para irritá-la mais.
Antony gargalhou ao seu lado.
Evelina, por outro lado, os ignorou. Colocou a cabeça para fora da
janela, obrigando-se a pegar ar fresco. Gregory se aproximou mais dela,
apertando sua mão e dando tapinhas de leve em suas costas.
Ver aquilo foi como fazer o enjoo de Thereza voltar em uma onda
descontrolada, fazendo seu estômago girar enquanto fazia barulhos
estranhos. E, como Evelina, também colocou a cabeça para fora do veículo.
As duas se encararam enquanto seguravam com força as beiradas da janela,
uma mais verde que a outra. Até que elas explodiram em risadas histéricas.
Ah, como estava feliz! Tudo parecia diferente. Thereza sentia como
se aquelas pessoas fossem sua família, o que não estava longe de acontecer.
Afinal, o casamento estava próximo. A verdade é que estava se sentindo tão
bem ao lado daquelas pessoas. No desjejum também foi incrível, todos
conversaram coisas banais uns com os outros enquanto altas risadas de
alegria circundava o recinto.
Thereza estava sentindo-se a pessoa mais feliz do mundo.

***

— Querida, chegamos.
Thereza abriu os olhos devagar e bocejou. Em algum momento da
viagem havia dormido, a cabeça sobre o ombro de Antony. Ela se ajeitou no
assento e olhou pela janela, onde viu a carruagem virando uma esquina em
direção à George Street em Mayfair; logo, a carruagem estacionou em
frente à casa número 12.
Eles desceram, e Thereza percebeu que as pessoas que por ali
passavam olhavam para eles com certa curiosidade, o que a irritou. Ela se
lembrou do episódio inusitado que ocorrera em Somerset, quando as
mulheres começaram a persegui-la por causa do marquês.
Sua vontade era de se virar para um grupinho de amigas do outro
lado da rua que olhava para Antony como se ele fosse uma refeição, e dizê-
las para procurarem os próprios maridos. No entanto, o sol naquele tom
amarelo-alaranjado fazia os cabelos ruivos do marquês brilharem com
tamanha intensidade que o fez ficar ainda mais belo, chamando a atenção
para os olhos de Thereza. Ela focou em seu futuro marido, e sorriu,
esquecendo-se de que estavam sendo observados.
Evelina, por outro lado, parecia gostar dos olhos julgadores sobre
sua pessoa. Ela empinou o nariz e caminhou até a porta da frente da casa de
Thereza como se fosse dona do local, balançando os quadris de um lado
para o outro em seu vestido perfeito cor-de-mel.
Logo em seguida eles subiram as escadas da entrada e Thereza bateu
na porta, que foi aberta quase imediatamente por um mordomo baixinho.
— Oh, Srta. Righter!
— Olá, Sr. Will. Os meus pais estão?
Ela sabia que a resposta seria sim, pois Amélia e Oliver não
costumavam sair no fim da tarde.
— Estão sim. E ficarão felicíssimos em vê-la, senhorita. — Ele fica
nas pontas dos pés e olha por cima de seus ombros, onde outras três pessoas
esperavam pacientemente. — Quero dizer, em vê-los. — Ele abre a porta e
se afasta para o lado. — Por favor, entrem.
No hall principal, Thereza respira fundo, sentindo o cheiro tão
familiar de seu lar. Ela achava que sua casa tinha um aroma diferente das
outras em que já entrara. Será que é porque era a sua casa? Será que as
pessoas achavam que seus próprios lares também tinham um cheiro único?
Sorrindo, ela pensou que sim.
— Por favor, acomodem-se. Irei pedir que chamem lady e lorde
Righter e avisar a cozinheira que prepare um lanche saboroso. — Ele faz
uma reverência a Antony e Gregory. — Com suas licenças. — E sai.
— Muito simpático o senhorzinho. — Antony comenta enquanto se
sentava ao lado de Thereza no sofá.
— Sim. Na verdade, acho que toda a criadagem desta casa o são. —
ela respirou fundo. — É tão bom estar de volta.
Enquanto esteve em Suffolk, sentiu saudades de casa, é claro. Mas
agora que estava ali, um misto de sentimentos a invadiu, uma mistura de
melancolia e nostalgia que a fez sentir um leve friozinho na barriga.
— Então quer dizer que não gostou da Ickworth House? —
perguntou o marquês um pouco condescendente.
— Da sua propriedade, sim. Mas...
— Ela quer dizer que não gostou de estar com a gente, Antony. —
disse Evelina, evasiva.
— Na maior parte do tempo, não mesmo. — ela suspirou. — De
certo modo, fui obrigada a ir para lá por causa de um acordo de casamento
com um homem que eu sequer conhecia, longe da minha família. — ao
olhar para Antony, viu que algumas rugas de tensão apareceram no canto
dos olhos dele, e tentou consertar a situação. — Mas isso foi antes de
conhecê-lo. E antes de Evelina me pedir perdão também. — ela sorriu para
os dois e apertou a mão de Antony, que sorriu.
— Entendo perfeitamente, querida. E fico tão feliz em que ver que
tudo se acertou. — ele retribuiu o aperto em sua mão.
Nesse instante vários criados invadiram o cômodo, organizando
várias e várias bandejas de biscoitos amanteigados e de chocolate, bules de
chá e leite sobre a mesa de centro.
— Como quer seu chá, querida? — perguntou Gregory a Evelina.
— Prefiro um pouco de café preto, querido. Com leite e sem açúcar,
por favor.
Gregory começou a prepará-lo.
Thereza ficou encarando aquela cena com os lábios entreabertos,
pois ainda não tinha se acostumado. Lembrou-se de quando pensou em
Gregory e Evelina como água e óleo, pois os achava tão diferente um do
outro que não combinavam. Mas agora que estava vendo a afeição
recíproca deles, viu o quanto estava enganada.
Ela começou a preparar o próprio chá quando uma voz irrompeu
no hall.
— Thereza, querida!
Levantou-se em um rompante, a saudade dominando-a.
— Mamãe! — alguém vinha atrás dela. — Papai!
Eles se abraçam.
Quando se desvencilham, lady Righter olha para as pessoas
amontoadas em seus sofás e pergunta:
— Bem, a que devo esta visita tão... inesperada?
— Amanhã não é o seu aniversário? Achei que seria bom passar
com a senhora.
— Ora, querida. Não precisava se incomodar. — ela apertou suas
mãos.
— E eles vieram por que... — seu pai falou.
Atrás de si, Thereza ouve Antony engasgar com o chá.
Sabia que seu pai não estimava nem um pouco qualquer membro
da família Hervey pelo que eles haviam causado à sua reputação, e ver dois
deles na sala principal de sua propriedade era uma afronta. Só que isso foi
antes, por isso apressou-se em dizer.
— Quis trazê-los para que vocês pudessem conhecê-los melhor,
tirando Gregory, é claro. — eles riem.
Quando percebe que seu pai ainda segurava uma carranca no rosto,
aproxima-se dele e diz apenas para ele ouvir:
— Está tudo bem, papai. Eu juro. — então vira-se para a mãe
novamente. — E Thomaz, ele não vem?
— Sinto muito, querida. Ele anda muito ocupado em West Sussex.
Thereza apenas suspira. Sentia uma imensa saudade dele.
— Quem é Thomaz? — Evelina pergunta de repente.
— Evelina! — Antony a repreende por ter sido intrometida.
— É meu irmão.
— Você tem um irmão? Desde quando? — ela parecia perplexa.
— Bem, desde sempre. Thomaz é um ano mais velho que eu, e está
em West Sussex como visconde de meu pai.
— Ah. — ela responde apenas, e volta a bebericar seu café com
leite.
Um silêncio se instaura no cômodo depois disso, como se uma
névoa de tensão tivesse entrado pelas janelas e agora pairava sobre todos
eles. Enquanto isso, Thereza observava seu pai fuzilar Antony com o olhar,
e ficou pensando se tinha sido uma boa ideia levá-los. Deveria ter mandado
uma carta avisando que estava a caminho, que tudo estava bem entre eles e,
principalmente, que estava feliz com o casamento.
— Bem, então vou pedir que coloquem mais quatro pratos à mesa.
— Lady Righter teve o bom senso de quebrar o silêncio. — O jantar está
quase servido, e vocês devem estar cansados, não?
— Extremamente cansada, lady Righter. — Evelina exala o ar
demoradamente. — Passei mal quase a viagem inteira.
Thereza segura o riso.
— Pois bem. Após o jantar é melhor que todos se acomodem nos
aposentos que meu mordomo lhes mostrará. Quero que estejam
descansados para amanhã. Pois será um grande dia! — Amélia sorri
abertamente.
Thereza dá pulinhos e bate palmas, animada.
— Sim, querida, certamente que sim. — diz Oliver com a voz
afiada, ainda com o olhar em Antony. — Amanhã será um grande dia.
O sorriso de Thereza some imediatamente.
— Papai, o que está querendo dizer?
— Que amanhã será um ótimo dia para um duelo. — ele se vira e
começa a se afastar.
Todos soltam um arquejo silencioso e tenso.
— Querido, espere! — Amélia começou a correr atrás dele, mas
virou-se para seus hóspedes um último instante. — Não se preocupem com
Oliver. Ele está apenas... — ela pensa por um momento, então dá de
ombros. — Bem, não sei muito bem. — E corre atrás do marido.
Thereza massageia as têmporas, pensando que tinha mesmo sido
uma péssima ideia ter levado Antony e Evelina sem avisá-los.
Que uma carnificina não seja o prato principal do jantar; ela
rezou internamente.

***

O clima da sala de jantar não estava nada bom.


Amélia tentava a todo momento puxar assunto e amenizar a
situação desastrosa que estava prestes a se desenrolar caso a oportunidade
de falar fosse passada para lorde Righter, que era a maior preocupação de
Thereza neste momento.
Ele segurava o garfo em uma mão e a faca na outra, as juntas
apertando as hastes de metal tão forte que ficavam brancas; as pontas
afiadas dos talheres apontavam para cima, apenas esperando o momento
certo para atacar qualquer um dos Herveys ali.
— Então, o que preparou para comemorarmos seu aniversário
amanhã, mamãe? — Thereza apressou-se em dizer alguma coisa.
Amélia limpa os lábios com o guardanapo antes de responder:
— Estava pensando em um piquenique no Hyde Park, como uma
família que estamos prestes a nos tornar.
— Eu adoraria! — Evelina abriu um grande sorriso. — Já faz um
bom tempo desde que não dou uma volta por lá.
— Não acho que seja uma boa ideia. — interveio Oliver, o que fez
o sangue de Thereza gelar.
— E por que não, querido? — Amélia também parecia apreensiva.
— É um lugar movimentado demais. — ele respondeu. — Péssimo
para um duelo.
— Sabe que duelos são fora da lei, não sabe, lorde Righter? —
disse Gregory enquanto enchia sua taça com mais vinho. — E,
principalmente, perigosos.
— Não ligo se duelos são proibidos ou não! — esbravejou o mais
velho, e seus olhos só tinham uma única direção.
Antony.
Que por outro lado, fazia de tudo para não o encarar de volta.
Thereza sabia que ele não fazia aquilo porque estava com medo, e sim para
impedir que algo de ruim acontecesse.
— Alguém poderia denunciá-lo. — Antony disse então, a voz
extremamente calma.
— Quem? Você? Creio que não será possível, já que meu oponente
é o senhor, lorde Hervey.
— O quê? Por quê? — Evelina arregalou os olhos.
Oliver olhou para ela.
— Na verdade, queria que o duelo fosse contra a senhorita, mas já
que não posso porque é uma mulher, então...
Nesse instante a cadeira de Antony se arrastou pelo assoalho e ele
se levantou.
— Meça suas palavras, lorde Righter. Eu exijo mais respeito com a
minha irmã. — a voz dura.
Encarando-o de onde estava sentada, Thereza se lembrou de
quando o ouviu falar pela primeira vez na sala de visitas em Devonshire,
em como o achou grande e autoritário. Ereto e com a feição fechada como
estava agora, Antony parecia o mesmo daquele dia.
Oliver também se levantou.
— Então aceita duelar comigo? Ou está com medo?
Thereza viu quando Antony abriu a boca para responder que sim.
Na verdade, não soube exatamente o que ele iria responder, mas achou que
“sim” seria mais apropriado, levando em conta que todos os homens tinham
aquela coisa de honra e orgulho ferido. Por isso se levantou em um
rompante, e esbravejou:
— Parem! Os dois! E não haverá diabo de duelo algum!
— Thereza! — ralhou Amélia, horrorizada.
— Quieta, mamãe. Não é hora para repreensões bobas. — ela
respirava com dificuldade, e seus olhos iam de Oliver a Antony. — Pelo
amor de Deus, quantos anos os dois tem? Estão parecendo duas crianças
bobonas brigando por um pedaço de chocolate. — uma pausa para
recuperar o fôlego. — Não era assim que eu imaginei que seria a
comemoração de aniversário da mamãe. Por acaso vocês não têm
consideração por ela? Aliás, não têm consideração por mim?
— Querida, eu...
— Eu estou falando agora, papai! — ela ergue a mão no ar,
interrompendo-o. — Não haverá duelo nenhum mesmo que seja para me
proteger, porque eu não preciso ser protegida. Estou feliz com o casamento,
estou feliz com quem vou me casar e mais feliz ainda pela família que farei
parte. Então, pela última vez, não haverá duelo algum. E tenho dito!
E tomou seu assento novamente, ofegante.
O silêncio reinou. Que desastre! pensou. Foi para isso que ficara
tão ansiosa de voltar para casa? Quando a vergonha pelo escândalo que
acabara de fazer a assolou, pensou que, pela primeira vez na vida, nunca
quisera tanto estar em outro lugar, bem longe de sua casa. Aliás, nunca
quisera tanto estar na Ickworth House em Suffolk como queria naquele
momento.
— Hum... Querida... — seu pai havia se sentado novamente, e seu
tom de voz pareceu cauteloso. — Se está feliz com esse casamento, então...
Era só ter me contado.
Ela o encarou.
— Foi o que eu tentei fazer desde que cheguei.
Ele desviou o olhar, envergonhado.
— Eu tenho que pedir desculpas. — disse Evelina de repente, e
todos os olhares voaram para ela. — Nada disso teria acontecido se não
fosse por mim, então...
— Está tudo bem, Evelina. Eu já disse. — Thereza tentou
tranquilizá-la. — Não estaria me casando com quem desejo se não fosse por
você, afinal.
A outra deu um fraco sorriso.
— Bem, então se é assim. — Oliver encarou Antony com ar
severo, como um pai preocupado. — Se Thereza está feliz com o
casamento, então eu também estou. Só lhe peço, rapaz, que não a machuque
ou a maltrate. Caso contrário, não pensarei duas vezes em fazer este duelo
acontecer.
Antony não mediu esforços em sorrir e apertar sua mão contra a de
Thereza sobre a mesa.
— Pode deixar, senhor. — ele olhava no fundo dos olhos dela. —
Se Thereza não for a mulher mais feliz da Inglaterra, então eu falharei em
minha missão de homem com honra.
Ela se segurou para não pular nos braços dele e beijar-lhe até que
sentisse os lábios inchados. Por isso apenas retribuiu o sorriso.
— Com isso, digo com orgulho que amanhã será um grande dia!
— disse Oliver com os braços abertos.
E quando todos fitaram-no com olhos arregalados, ele tentou
consertar a situação.
— Digo, para um passeio no Hyde Park, é claro.
Todos caíram na gargalhada.
XV
A PIOR DAS CALÚNIAS

A noite anterior tinha sido nada menos que perfeita. Quer dizer,
depois de todo aquele alvoroço por causa de um duelo, fora maravilhoso,
pensou Thereza enquanto encarava seu reflexo no espelho da penteadeira.
Enquanto jantavam e riam, percebeu que seria daquela mesma forma
sempre que, depois de casada, fosse visitar seus pais, pois a sua família
tinha aumentado, contando com Evelina, Gregory e Antony. Nunca pensou
que fosse ser tão feliz assim algum dia e, acima de tudo, tão amada.
Apesar disso, Thereza não podia deixar de notar aquele sentimento
estranho com que acordara. Era um frio na barriga, como se alguma coisa
quisesse lhe dizer que algo tinha acontecido. Mas o quê? Era o aniversário
de sua mãe, e iriam ao Hyde Park como uma família. Nada poderia dar
errado, certo?
Enquanto a criada, Mary, a ajudava com o penteado e a se vestir,
percebeu as estranhas atitudes da donzela. Ela sempre conversava muito
com Thereza, mas hoje dava respostas simples e diretas: "Não", "Sim", "É
claro", "Não sei". Ela nem tentava alongar o assunto, como se estivesse
tentando evitar conversar com Thereza.
Assim que saiu do quarto, percebeu três criadas paradas na esquina
do corredor. Elas estavam agrupadas e pareciam horrorizadas com a
conversa que estavam tendo. Com certeza estavam fofocando; pensou
Thereza com certo desprezo. E, assim que elas a viram, uma delas cutucou
as outras duas para que parassem o assunto.
Thereza se aproximou com a feição autoritária, como uma marquesa
que ela seria.
— Deseja alguma coisa, milady? — perguntou uma delas, sem olhar
diretamente para a moça.
As criadas ficavam se entreolhando, e nunca olhavam diretamente
para Thereza. E naquele instante ela teve certeza de que estavam mesmo
falando de si.
— Por acaso as moças estão sem serviço? — perguntou
grosseiramente, o que fora completamente proposital. Queria dar um susto
nelas e mostrar que não gostava e não queria criados despreocupados
conversando sobre a vida alheia.
— Não, milady. — respondeu outra donzela. — Muito pelo
contrário. Temos muito trabalho.
— Então o que estão fazendo paradas aqui no corredor como se não
tivessem nada para fazer? Voltem já para os seus serviços!
As moças pareceram assustadas, e fazer aquilo doeu no peito de
Thereza. Nunca tinha falado assim com eles antes, pois nunca precisou.
Lembrou-se do que disse a Antony ontem quando chegaram, de que todos
os criados de sua casa eram simpáticos, e não era mentira. A vida inteira a
trataram bem. Por que estavam agindo dessa forma?
— É claro, milady. — Elas passaram por Thereza, e cada uma delas
fez uma mesura antes de partirem escada abaixo em direção à cozinha.
Thereza recostou-se na parede e fechou os olhos, soltando o ar que
estava prendendo.
Céus! O que estava acontecendo?
Ela se recompôs e estava prestes a ir à sala de jantar para o desjejum
quando alguém a gritou:
— Srta. Righter!
Ela se virou e viu Evelina vindo em sua direção.
— Srta. Righter, será que posso conversar com você um instante?
Thereza percebeu que havia algo de estranho com ela também. Sua
voz sempre estridente e agitada dera lugar a um tom seco. Por um instante
pareceu a Evelina que conhecera no baile em Devonshire.
— Claro. Sobre o que quer conversar?
— É melhor conversarmos no meu quarto. — Sem saber se Thereza
a seguiria ou não, Evelina se virou e partiu.
Thereza titubeou por um instante, mas resolveu que era melhor
segui-la. Quem sabe ela não lhe informaria do que estava acontecendo e lhe
contasse porque todos estavam agindo de forma tão estranha, inclusive ela.
Quando entrou nos aposentos em que Evelina estava hospedada,
fechou a porta e se virou para encará-la quando sentiu algo muito, muito
forte e quente lhe atingir o rosto, fazendo-a cair no tapete com um baque
surdo.
— COMO VOCÊ OUSA?! — ouviu Evelina gritar com ódio.
Pelo menos foi o que pensou ter ouvido. Seu ouvido zunia muito e a
bochecha queimava como fogo do inferno com o tapa que lhe foi inferido.
Ela se levantou meio zonza com a mão sobre o local que ardia,
ainda tentando entender o porquê daquilo.
— Como ousa trair o meu irmão? — voltou a vociferar Evelina.
— O quê? Eu não...
Mas ela não deu tempo para Thereza se explicar, porque partiu para
cima dela com as unhas esticadas e os dentes cerrados. Evelina pegou em
seus cabelos e começou a puxá-los com todo o ódio que a consumia.
Thereza só não entendia o porquê daquele ódio todo. O que tinha feito,
afinal?
Seja o que for, sabia que sua consciência estava mais do que limpa,
porque realmente não tinha feito nada de errado. Não que se lembrasse,
pelo menos. Por isso, enquanto Evelina ainda puxava seus cabelos fazendo
as presilhas se soltarem, resolveu que não deixaria que a outra lhe
espancasse pelo que não tinha feito.
Foi nesse instante que toda a raiva que Thereza sentiu dela desde
Devonshire até agora, a consumiu. Aquela vontade que sentira de bater nela
voltou como uma onda de fúria.
E o perdão que tinha sido decretado por ambas dois dias antes?
Que vá para o inferno junto com essa miserável! pensou Thereza
enquanto agarrava os cabelos dela também com um grito de raiva que
cortou sua garganta.
Elas caíram sobre o tapete e rolaram nele. Evelina conseguiu parar
por cima, dando tapas no rosto de Thereza. Em seguida, pegou seu pescoço
e o apertou com as duas mãos tão forte que sentiu o ar escapulir de seus
pulmões. Thereza, contudo, não ficou parada. Evelina não venceria assim
tão fácil.
Agitou as mãos na direção do rosto dela. Uma de suas unhas acertou
em cheio a bochecha da outra, fazendo um pequeno corte lateral, onde uma
pequena linha vermelha de sangue começou a escorrer. Evelina gritou e se
distraiu por um momento. Momento este que Thereza aproveitou para
empurrá-la e subir em cima dela, inferindo-lhe tapas na cara, um de cada
lado do rosto, enquanto rosnava feito um bicho.
— Que gritaria toda é essa aqui? Por Deus, o que é isso? — Alguém
entrou no quarto.
E não demorou muito até que puxassem Thereza de cima de
Evelina. Mesmo assim ela não desistiu. Estava com tanta raiva que se
esperneou naqueles braços fortes ao redor de sua cintura, tentando a todo
custo libertar-se para dar mais uma lição naquela insuportável.
— Christina. Acalme-se! — Antony a chacoalhava. — Acalme-se!
Ela parou. A respiração subindo e descendo no peito, sufocando-a
de tanto ódio, enquanto fuzilava Evelina que se levantava, os cabelos
espichados e o vestido amarrotado. Não devia estar muito diferente.
— O que houve? — Gregory entrou.
— Por que estavam brigando? — perguntou a mãe de Thereza que
havia entrado com Antony.
— Exatamente, porque estavam brigando? — Antony ainda
segurava Thereza com força, pois sabia do que ela era capaz caso a soltasse.
— Não haviam se perdoado?
— Isso foi antes dessa meretriz traí-lo, Antony! — Esbravejou
Evelina.
— O quê? — Thereza sentiu os braços do marquês se afrouxarem ao
seu redor.
— Eu exijo mais respeito com a minha filha! — trovejou lady
Righter.
— Sua louca, do que você está falando? — Thereza gritou.
Ao invés de responder, Evelina correu até a cômoda e pegou um
maço de papel.
— Eu desci para o café mais cedo e encontrei isto sobre a mesa! —
Ela ergueu o papel diante dos olhos de Thereza, tão perto como se quisesse
se certificar de que ela não perdesse nada do que quer que estivesse escrito
ali.
Demorou até que sua visão se ajustasse àquelas miúdas letrinhas do
que percebeu ser um jornal. Portanto, quando realmente conseguiu focar, a
primeira coisa que viu foi a coluna de fofoca como manchete principal, e
seu nome estava em destaque.
Sua pulsação acelerou enquanto lia a notícia.

"E adivinhem, londrinos! Hoje temos uma notícia da futura


marquesa de Bristol!
Marquesa? Será mesmo?
Alguns dias atrás, lorde Hervey a levara para sua casa de campo
em Somerset, onde passaram quase uma semana juntos. Porém, enquanto o
pobre coitado saía todas as manhãs para reuniões do parlamento e voltava
só ao pôr do sol, a Srta. Righter aproveitava a tarde para sair SOZINHA
para se encontrar às escondidas com um rapaz! Infelizmente não
conseguimos identificar o homem, o que de toda forma, seria irrelevante.
Pois sabemos que a traíra aqui é a Srta. Righter. A moça não passa de uma
meretriz!
Que feio! Se casar com um marquês já não era bom o bastante para
a senhorita? Ainda mais depois de um escândalo tão... escandaloso?
Imaginem só a cara do pobre coitado lorde Hervey quando
descobrir... Só sei que quero estar na fila para ser a próxima marquesa de
Bristol.

Ass. Lady HD da Coluna de Fofocas, Jornal de Londres".

Thereza não conseguiu alcançar a voz para protestar, pois seus olhos
se reviraram para cima e ela caiu em um desmaio.

***

Barulho de vozes ecoaram em seus ouvidos, fazendo ecos horríveis


rondarem seu cérebro, o que fez uma onda de dor percorrer toda a sua
cabeça. Vagarosamente Thereza abriu os olhos, enxergando de início
somente borrões. Ela piscou algumas vezes tentado distinguir as duas
silhuetas que via diante da cama em que estava deitada. Fechou os olhos
com força, e ouviu a porta sendo aberta e fechada logo depois, ela entendeu
que alguém tinha saído. E quando abriu os olhos novamente, a dor
lancinante veio com tudo, e acabou soltando um gemido de dor.
— Thereza? — alguém a chamou pelo primeiro nome.
Ela se assustou levemente ao perceber que aquele tom de voz era o
mesmo de seu pai. Agora que suas vistas tinham voltado ao normal, olhou
ao redor desesperadamente procurando por Antony. Queria contar para ele
que tudo o que estava naquele jornal era mentira, e que faria de tudo para
provar. Só que ele não estava em lugar nenhum.
— Ah, querida! Até que enfim você acordou!
Quando seu pai a abraçou, foi como se ele a estivesse sufocando.
Por mais que o amasse intensamente, não era ele quem deveria estar ali.
Não era o abraço dele que precisava naquele momento.
Ela foi invadida por emoções, e o nó que sentia em sua garganta se
desfez, fazendo seus olhos arderem com lágrimas acumuladas. Algo lhe
dizia que estava tudo errado. Um soluço alto escapuliu, então ela chorou,
porque um pensamento lhe ocorreu. Antony não estava ali, então...
Tudo em seu corpo começou a doer de repente. Seu coração, seus
nervos, sua cabeça... Cada pequena partícula de seu corpo parecia prestes a
explodir. Ela estava se sentido enraivecida e com vontade de bater em si
própria. Queria causar dor em si mesma.
— Querida, por que está chorando? Está sentindo dor? — perguntou
seu pai, limpando suas lágrimas. Mas ela se afastou com ferocidade.
A vontade de Thereza era de se levantar dali e gritar até que sentisse
sua garganta ardendo.
— Onde... Onde Antony está? — perguntou com dificuldade. E, de
alguma forma, já sabia a resposta, o que a deixou ainda mais desnorteada.
Lorde Righter, que tinha se sentado na beirada da cama, estava
olhando para baixo, onde suas mãos se encontravam entrelaçadas sobre o
colo. Ele não queria dizer alguma coisa...
— Onde está Antony? — Thereza reformulou a pergunta, temendo a
resposta.
Quando seu pai a encarou, viu tristeza em seus olhos.
— Querida, o acordo de casamento foi rompido.
O quê?!
Thereza se levantou em um pulo, o que foi uma maldita de uma má
ideia, já que aquilo fez uma corrente de dor percorrer seu corpo por inteiro
por causa da surra que levara... ontem? Há quanto tempo aquilo tinha
acontecido?
— Não pode ser... — as palavras não passaram de um sussurro. —
Não pode ser... Não pode ser...
— É a verdade, querida. Lorde Hervey quebrou o contrato depois
que aquela notícia sobre você saiu no jornal.
— NÃO! — ela gritou tão alto que doeu em seus próprios ouvidos.
— Antony não faria isso! NÃO! EU ME RECUSO EM ACREDITAR! Ele
está aqui, não está? Em Londres?
As palavras praticamente imploravam para que o pai dissesse "Sim".
Entretanto, ele não respondeu. E Thereza entendeu aquilo como um não.
Antony não estava ali. Ele a tinha deixado.
Um calor começou a estremecer os dedos de seus pés, e foi subindo
como uma onda por todo o seu corpo. E quando tocou o último fio de seu
cabelo, soube que aquilo era uma mistura de raiva e frustração. Por isso ela
começou a gritar e se espernear em um ataque de pânico. Ela dava pulinhos
e sacudia as mãos no ar, enquanto seus gritos rasgavam a atmosfera ao seu
redor.
Estava em pânico porque tudo o que queria era estar perto de
Antony. Ela o amava, afinal. E imaginar uma vida longe dele era
desesperador. Ele não poderia deixá-la assim sem saber a verdade.
— Thereza, acalme-se! — Quando viu, seu pai estava com os braços
ao seu redor na tentativa de acalmá-la. Mas aquilo só fez com que tudo
piorasse.
Não era daquele abraço de que precisava.
A porta do quarto foi escancarada, e sua mãe entrou seguida de sua
melhor amiga, Srta. Spinhoff.
— O que está acontecendo aqui? — ouviu Amélia rugir
desesperada. E quando viu o estado da filha, exclamou — Oh, céus!
— ANTONY DEVERIA ESTAR AQUI! — gritou Thereza, ainda
se esperneando. Estava totalmente sob o ataque de pânico.
— Thereza, você tem que se acalmar. Tudo vai ficar bem! — tentou
a Srta. Spinhoff, mas a moça pareceu não ouvir.
— Ouviu, querida? — tentou sua mãe, balançando-a freneticamente
pelos ombros, como se estivesse tentando acordá-la de um pesadelo. —
Tudo vai ficar bem. Por favor, acalme-se.
Mas as vozes das pessoas ao seu redor só faziam com que sua
cabeça doesse mais e mais.
— Thereza, acalme-se, infernos! — trovejou lady Righter agora,
sem paciência. Então inferiu um tapa em seu rosto.
Ardeu. Muito. Mas ao mesmo tempo, pareceu que aquilo a
despertou de algum transe, como se estivesse sob sonambulismo aquele
tempo todo. Sua cabeça ainda se inclinava de lado por causa do tapa. Seu
peito subia e descia em uma respiração pesada e asfixiante. Contudo, tinha
se acalmado. E já não mais chorava. O barulho de vozes tinha cessado,
estavam todos em silêncio.
Ela levantou o olhar. E quando reparou nas três faces que a
encaravam — completamente assustados e ofegantes, como se a tentativa
de acalmá-la foi necessário usar força bruta —, caiu de joelhos,
completamente atordoada e sem forças.
Desculpem-me; queria dizer. Mas gritara tanto que sua voz era
impossível de ser ouvida. Desculpem-me; tentou outra vez, mas não passou
de um pigarreio rouco.
Alguém se ajoelhou do seu lado e a abraçou.
— Tudo ficará bem. Eu prometo. Eu prometo que tudo ficará bem.
— era a Srta. Spinhoff.
Alguns instantes depois, seu pai pegou-a no colo e a depositou na
cama com cuidado. Thereza ainda estava atordoada e terrivelmente
exaurida, por isso não conseguia dizer nada e seus olhos só fixavam um
ponto em toda a extensão do quarto. Mas isso durou pouco, e nem percebeu
quando o cansaço a venceu e acabou pegando no sono.

***

Thereza sonhara com a mesma cena em que presenciara na Ickworth


House, quando viu Gregory e Evelina embaixo de uma árvore brincando e
rindo um com o outro. Mas ao invés deles, era ela e lorde Hervey. Por isso,
quando acordou, sentiu seu peito doer.
— Tessa? — ouviu alguém chamá-la.
Só uma pessoa a chamava assim. Ela virou a cabeça para o lado e
viu que a Srta. Spinhoff estava assentada em uma poltrona ao lado da cama.
Seus cabelos pretos como a noite estavam se soltando do coque,
completamente emaranhados. Thereza percebeu que ela também não
calçava os sapatos, usava agora somente as meias de lã. Luz do sol entrava
pelas janelas.
— Marjorie? — tentou dizer, mas a voz não passou de um sussurro
rouco. Por isso ela tossiu e tentou de novo. — Marjorie. — entretanto, o
resultado foi o mesmo.
— Ah, minha amiga! Que bom que acordou! — a menina correu e
abraçou-a.
Thereza achou que sentiria o impacto daquele abraço, mas então
percebeu que não mais sentia dores de cabeça nem no corpo. A única coisa
que a incomodava mesmo era sua garganta que arranhava sempre que
tentava dizer alguma coisa, como se tivesse comido areia.
— Água... Eu preciso de água. — falou com dificuldade.
Marjorie rapidamente a soltou.
— Ah, claro!
Ela correu até a mesinha de canto, onde uma jarra com água estava
depositada. Encheu um copo e entregou-o a Thereza, que bebeu tudo num
gole só. Assim que terminou entregou o copo novamente para a amiga,
então perguntou:
— Quanto tempo eu dormi?
Thereza vasculhou a mente, pois a última coisa de que se lembra é
de ter lido aquela notícia falsa no jornal e apagado logo depois.
— Por quase vinte e quatro horas. — respondeu a Srta. Spinhoff de
forma cautelosa. — O meu pai que veio vê-la. Ele disse que a sua
imunidade estava baixa, o que contribuiu para que dormisse tanto.
Thereza arregalou levemente os olhos. Oh, céus! Já tinha se
passado quase um dia inteiro!
Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha.
— Tessa, por que está assim? — Marjorie sentou a seu lado na
cama. — Eu jurei que você ficaria feliz com o rompimento do casamento.
Você mesma me disse que não queria se casar por conveniência.
— Isso foi antes de eu realmente conhecer lorde Hervey. —
respondeu de forma seca.
Marjorie soltou um arquejo, surpresa.
— Jesus Cristo! Você se apaixonou por ele, não foi?
Thereza não precisou dizer nada, porque as lágrimas que escorreram
por suas bochechas disseram tudo. Por isso Marjorie aconchegou-se mais
perto de si e a abraçou.
— Sinto muito por isso. Não consigo imaginar a dor que você deve
estar passando, Tessa. Agora eu sei que aquela notícia da coluna de fofoca é
mentira. Você nunca trairia um homem por quem é apaixonada, não é
mesmo?
— Eu não faria isso nem com o último homem da Terra, Marjo! Mas
parece que Antony resolveu acreditar naquela tal de Lady HD.
Uma luz se ascendeu de repente na mente da moça.
Quem é essa tal de Lady HD? Por que ela usa siglas ao invés de seu
verdadeiro nome? Talvez porque quisesse esconder sua verdadeira
identidade para que ninguém a procurasse por causa das notícias que
publica. Mas por que ela resolveu implicar logo com Thereza inventando
mentiras e acabando com a sua reputação?
Ela se virou para Marjorie.
— Quero que me ajude a descobrir quem é essa tal de Lady HD.
— O quê? Mas como vamos fazer isso?
Thereza suspirou, frustrada.
— Eu não faço a mínima ideia. Mas daremos um jeito.
E quando eu a encontrar, vou fazer com que sua reputação afunde
tanto que as pessoas da Inglaterra nunca se lembrarão de que um dia ela
existiu; pensou com um sorriso nos lábios.
Um silêncio se instaurou no local enquanto Thereza pensava em
algum plano de como conseguiria encontrar essa tal jornalista. Sabia que a
mesma morava em Londres, porque ela trabalhava no Jornal local dali, o
que facilitava ainda mais as coisas.

***

Mais tarde naquele dia o Dr. Spinhoff, pai de Marjorie, passou em


sua casa. Ele examinou Thereza, disse que já estava melhor, mas que
precisava comer. Passou algumas ervas medicinais, que logo fora feito um
chá. Ela o tomou sem reclamar. Depois disso ele partiu, levando Marjorie
consigo. Thereza sentia-se bem fisicamente. Já emocionalmente era outra
história. Seu peito doía sempre que pensava em como Antony fora cruel em
partir sem ao menos se despedir ou dar chance para que se explicasse.
Lágrimas escorreram por suas bochechas, mas ela as limpou assim
que alguém bateu na porta do quarto. Não queria atender e nem conversar
com ninguém, entretanto, sabia que mesmo se pedisse para a pessoa do
outro lado ir embora, não adiantaria, afinal, estavam preocupados. Por isso
respirou fundo para tentar acalmar o coração acelerado e disse:
— Entre. — sua voz ainda estava um pouco rouca.
Uma criada colocou a cabeça para dentro do quarto.
— Milady. Tenho ordens para ajudá-la com o banho e a se vestir.
Thereza concordou com a cabeça. A criada abriu mais a porta e dois
homens entraram, ambos segurando um par de baldes com água fumegante
escorrendo pelas laterais. Eles correram até a sala de banho e despejaram
todo o conteúdo dentro da banheira. Depois que eles saíram, a criada e
Thereza ficaram a sós.
— Está pronta, milady? — perguntou quando percebeu que Thereza
continuava deitada.
Ela parecia voada, tentando entender porque aquilo aconteceu. Por
que Antony resolveu acreditar nas palavras de um jornal? Por que não
dera chance de ela se explicar? Aquilo no jornal era a pior das calúnias! E
Thereza não ficaria quieta diante de tanta mentira.
Assim que sentiu seus olhos se encherem de lágrimas novamente,
voltou os olhos para a criada parada diante da cama e fez que sim com a
cabeça. A moça apressou-se em ajudá-la a se levantar e logo estava despida
dentro da água quente da banheira. A água batia pouco abaixo de seu
pescoço, e fechando os olhos e prendendo a respiração, ela submergiu.
Ali embaixo d'água, Thereza pensou na possibilidade de acabar com
aquela dor que estava devastando seu coração. Porém, ao sentir seus
pulmões arderem desesperadamente por oxigênio, preferiu emergir,
sugando fortemente o ar.
Depois que a água começou a se esfriar, Thereza saiu. No quarto, a
criada ajudou-a a se vestir e pentear seus cabelos. No espelho da
penteadeira, ela reparava no seu próprio reflexo. Seus olhos ganharam um
brilho diferente, mas não um brilho de alegria ou felicidade. Eram só
lágrimas acumuladas nos cantos dos olhos. Ela os fechava para afastá-las,
mas assim que abria novamente, as lágrimas continuavam lá.
Assim que a moça terminou de arrumá-la, ela falou:
— Milady, seus pais pediram para a senhorita descer assim que
terminasse de se vestir.
Arrr... Thereza não queria encarar os pais. Na verdade, não queria
conversar com ninguém. Mas sabia que se não descesse, eles iriam até o seu
quarto do mesmo jeito, levando uma bandeja com o jantar. Por isso ela
resolveu que era melhor descer.
Assim que adentrou à sala de jantar, viu seus pais, Oliver e Amélia,
ambos sentados à cabeceira e comendo em silêncio. Eles pararam por um
instante quando Thereza entrou, trocaram um olhar e logo voltaram à
refeição. Thereza sentou-se e começou a se servir de ensopado quando sua
mãe resolveu quebrar o silêncio:
— Querida, como está se sentindo?
Ela tinha se preparado para perguntas como aquela. Sabia que
enfrentaria várias daquelas mesmas, por isso soltou um suspiro e respondeu:
— Bem. — mentiu.
Ela ouviu o pai soltar um suspiro pesado.
— Sabemos que está mentindo, querida. Olhe só para você. — seu
tom era acusatório. — Seus olhos estão tristes e sua pele está pálida.
Infernos! Estava tão visível assim o quanto estava acabada?
— Você começou a gostar de verdade do marquês, não foi? —
Amélia perguntou num tom preocupado.
Antes de responder, seu pai interveio:
— Não precisa mentir para nós. Sabemos que é verdade.
— Sim, querida. Sabemos que é verdade. Por isso...
A raiva a venceu.
— Parem de falar, vocês dois! — Thereza bateu com as palmas das
mãos abertas na superfície da mesa, fazendo as bandejas e talheres
tilintarem com o movimento.
Ela olhava fixamente para o seu prato, enquanto tentava acalmar a
respiração ofegante.
— Eu não quero mais ouvir este assunto dentro desta casa, estão me
ouvindo? — Ela encarou os pais, que tentavam manter o rosto inexpressivo,
todavia, os olhos arregalados impediam que isso acontecesse. — Será que
não percebem isso, poxa? Antony foi um... um miserável ao não me dar a
chance de explicar o que realmente aconteceu! Acabou, ponto! Não quero
mais falar sobre isso!
Desabafar daquele jeito foi como tirar um peso de cima de seus
ombros. Mas dizer aquilo de Antony... Deus, como doeu!
Naquela altura do campeonato, a raiva estava tomando conta do
corpo de Thereza, e acabou perdendo a fome. Não estava mais com nem um
pingo de vontade de comer. Sabia que precisava se alimentar, mas forçar o
alimento goela abaixo seria pior.
O silêncio reinou por longos minutos.
— A propósito, querida. — Lorde Righter voltou a falar. — Você
não fez mesmo aquilo que os jornais relataram, fez?
Thereza abriu a boca em choque, e encarou o pai com
incredulidade. Como ele teve coragem de perguntar uma coisa dessa? A
sua vontade era de não responder, mas seria uma falta de respeito.
— Eu sinceramente não acredito que está me perguntando isso,
papai. — sua voz saiu calma, mas exalava a fúria contida. — O senhor
acredita mesmo que eu teria coragem de fazer uma coisa dessa?
Ele deu de ombros.
— Bem... Levando em conta que o casamento foi obrigatório...
Thereza balançou a cabeça. Estava incrédula demais, furiosa
demais.
Ela se levantou.
— Quer saber de uma coisa? Já deu! Perdi a fome. Vou para o meu
quarto.
— Mas querida, você precisa comer! — interveio sua mãe,
preocupada.
Ela começou a andar em direção à porta, mas Amélia falou de novo:
— Thomaz está vindo para Londres.
Ela parou com a mão na maçaneta. Aquela notícia a atingiu de uma
forma esplêndida. Amava o irmão, e tê-lo ali naquele momento era o que
mais precisava.
— Mas por que ele virá? — perguntou. — Pelo que sei, Thomaz
tem trabalho de sobra em West Sussex.
— Eu mandei algumas cartas para ele relatando o acontecido.
Thomaz ficou muito preocupado, e nos mandou outra carta dizendo que
está a caminho.
Thereza revirou os olhos.
— Não acredito que a senhora fez isso, mamãe. Thomaz não deveria
largar suas responsabilidades por minha causa. Já somos adultos!
Conseguimos resolver nossos problemas sozinhos.
— Mas... — Amélia começou a responder.
Mas antes que ela pudesse terminar, Thereza saiu da sala, lutando
contra as lágrimas e a raiva que só crescia dentro de seu peito. Contudo,
sabia que, com Thomaz ali, a história seria diferente. Ele faria a alegria
voltar àquela casa.
XVI
O PODER DA SEDUÇÃO
No dia seguinte, Thereza ainda estava em seu quarto, deitada e
olhando para o nada, mas pensando em Antony. Ela suspirou... Ah, como
queria vê-lo! Por mais que estivesse com raiva e magoada em demasia,
ainda o amava intensamente.
A Srta. Spinhoff tinha ido embora no dia anterior, e disse que
voltaria hoje para visitá-la novamente. No jantar de ontem, Thereza abriu o
jogo para os seus pais, e contou tudo o que acontecera em Suffolk. E,
principalmente, que estava apaixonada pelo marquês.
Alguém bateu na porta.
— Vá embora. Não quero ver e nem falar com ninguém! — gritou.
Estava indisposta até mesmo para se levantar da cama.
— Nem mesmo o seu irmão? — respondeu a voz do outro lado da
porta.
Thereza se sobressaltou. Um sorriso se abriu instintivamente em
seus lábios e ela correu para abrir a porta. Quando o fez, esmagou Thomaz
em um abraço.
— Irmão! Estava com tanta saudade!
Ele a abraçou de volta.
— Eu também senti saudade, irmã. Aliás, tenho novidades.
Eles se desvencilharam, histéricos e felizes.
— E o que é? — Os olhos de Thereza brilhavam de entusiasmo em
ver Thomaz.
Ele sorriu.
— Sei exatamente quem é Lady HD e onde encontrá-la. E vamos
acabar com ela juntos.
Thereza abriu a boca, chocada.
— O quê?!
Thomaz deu aquele sorriso de lado que derretia qualquer mulher.
— Entre e lhe contarei tudo, nos mínimos detalhes.
Os dois adentraram o quarto, e quando estavam relaxados um em
cada lado da cama, Thomaz começou a relatar:
— Eu recebi uma carta de nossa mãe...
Algumas horas antes...

Thomaz estava tão enraivecido que seu rosto adotou um tom


vermelho que o deixou parecido com um tomate.
Estava dentro da carruagem, voltando para Londres. Fez as malas
assim que a carta de sua mãe chegou até a sua propriedade em West Sussex.
Na carta dizia que sua irmã estava arrasada com o rompimento do
casamento, porque ela começou mesmo a se apaixonar pelo marquês de
Bristol, mas o mesmo resolveu quebrar o acordo porque preferiu acreditar
nas palavras daquela jornalista imunda que era essa tal de Lady HD.
Agora Thomaz estava indo em direção à sede do jornal local de
Londres, e falaria com essa tal de Lady HD para que parasse de publicar
mentiras sobre sua família, caso contrário, tomaria decisões inconsequentes
diante dela. A verdade é que ele não fazia a menor ideia de que decisões
tomar, mas falaria com seu tom mais grave e autoritário possível, e tentaria
convencê-la a desmentir tudo somente com isso.
Conhecia Thereza bem demais para saber que sua irmã nunca trairia
alguém dessa forma como descreveu Lady HD. Aliás, Thereza estava
apaixonada por lorde Hervey! Por que diabos ela trairia alguém por quem
está apaixonada? Não fazia o menor sentido. A única coisa que Thomaz
tinha em mente é que Lady HD se corroía de inveja por não ter tido a
oportunidade de se casar com um homem à altura de um marquês, já que a
mesma sempre menciona querer entrar para a fila de pretendentes do lorde.
A carruagem virou em direção à Cheapside e parou alguns instantes
depois. Nem esperou para que o cocheiro abrisse a porta. Ele mesmo o fez,
e desceu do veículo em um pulo, a cara fechada e a boca em uma linha fina.
Sua postura estava ereta e rígida. Thomaz Christopher era uma máscara de
puro ódio.
Uma coisa é certa: Thomaz é o homem mais libertino e aproveitador
que Londres poderia ter, mas Deus! Não mexam com sua irmã! A moça era
como uma parte de seu corpo que, se a ferissem de um modo, ele também
saía machucado.
Ele entrou no hall principal pisando fundo e, bem ali, uma moça
estava assentada atrás de uma escrivaninha, e olhava atentamente para uma
pilha de papéis, como se estivesse checando qual era melhor...
— Com licença. — falou a voz grossa e grave.
Quando a moça levantou o olhar, parou o que estava fazendo no
mesmo instante enquanto encarava o rosto perfeito de Thomaz. Ele sorriu
internamente. Sempre causava esse efeito nas mulheres. A boca dela estava
aberta em um pequeno "o" e, mesmo sem ouvir, percebeu que um suspiro
silencioso escapou dentre os lábios dela.
— Pois não, senhor? — ela afastou uma mecha de seu cabelo louro
para trás da orelha e abaixou levemente a manga de seu vestido, para que
uma boa parte de seu ombro ficasse à mostra. E como o libertino que era
Thomaz, nem disfarçou quando encarou aquela pele desnuda.
— Preciso de uma informação. — falou sem tirar o olhar da pele da
moça.
A mulher se inclinou para a frente e sorriu de lado.
— O que quiser, senhor.
Não soube se era impressão sua, mas a voz da mulher assumiu um
tom sensual, como se quisesse fazer coisas sem escrúpulos com ele.
— Estou à procura de Lady HD. — falou sem perder mais tempo.
A mulher pareceu chocada. Ela se empertigou no assento e levantou
a alça do vestido novamente.
— Bem... E quem é o senhor? — ela olhava fixamente para os
papéis diante de si, voltando ao trabalho, como se não quisesse mais encará-
lo.
— Ah, que falta de petulância a minha! Peço que me perdoe por não
ter me apresentado antes, senhorita. — Thomaz usava agora seu tom mais
sensual. Sempre conseguia tudo o que queria com as mulheres à base da
sedução mesmo... — Sou Thomaz Righter, futuro conde de West Sussex e
irmão de Thereza Righter, vítima de calúnias deste jornal.
A mulher ficou paralisada por um instante, como se estivesse
pensando em algo para controlar a situação. E foi naquele momento que
Thomaz soube: aquela senhorita sabia quem era Lady HD.
— Está com algum problema, senhorita? — perguntou quando a
moça não respondeu.
Ela voltou a remexer nos papéis e começou a digitar freneticamente
na máquina de datilografia em sua frente enquanto falava. Mas Thomaz não
conseguia entender nada, porque os barulhos que os dedos da moça faziam
sobre as teclas eram mais altas que o tom de sua voz.
Ah, mulher miserável! ele xingou internamente. Aproximou-se mais
da mesa e pegou as mãos da moça nas suas, fazendo com que ela parasse de
digitar. Ela o encarou, e aquele mesmo suspiro de minutos atrás saiu
novamente dentre os lábios dela, como se não estivesse acreditando que
aquele homem a tocava.
— Pode repetir o que disse, senhorita? Não consegui ouvir.
A moça o encarou por longos minutos, e quando Thomaz sorriu de
lado, ela pigarreou e disse:
— Desculpe-me, milorde. Adoraria ajudá-lo, mas não tenho
permissão para lhe dar tal informação. Na verdade, nem eu mesma conheço
essa tal de Lady HD. A moça publica notícias fora de Londres, e seus textos
redigidos são trazidos para cá.
Thomaz ergueu as sobrancelhas.
— Então quer dizer que Lady HD não mora em Londres?
— Não, senhor.
— Então, onde ela mora?
A mulher soltou um suspiro.
— Perdoe-me, mas já falei mais do que deveria.
Céus! Aquilo era uma informação muito valiosa. Mas se ela não
estava em Londres, onde poderia estar? Inglaterra era gigantesca. Não sabia
nem por onde começar a procurá-la. Por isso não podia parar agora que
tinha conseguido aquela informação. Faria com que aquela senhorita lhe
contasse tudo, e usaria todo o seu poder de sedução para conseguir.
Thomaz rodeou a mesa e ficou próximo à cadeira em que a mulher
estava assentada. Ela o encarou com a testa franzida completamente
confusa.
— Mas o que... — ela começou, mas foi interrompida quando
Thomaz a puxou para perto.
Ele estava agora segurando-a pela cintura, tão perto que a moça
colocou suas mãos sobre o peitoral dele para tentar manter um espaço entre
eles... O que não estava dando muito certo. A mulher batia um pouco
abaixo de seu queixo, e ela tinha que erguer a cabeça para encará-lo nos
olhos. Thomaz sentia o peso da respiração da moça contra seu corpo, e o
coração dela estava acelerado.
— Conte-me onde está Lady HD que lhe darei o que está desejando
desde que cheguei aqui. — Thomaz falou com a sua voz mais sensual; a
mesma voz que fazia com outras mulheres quando queria algo.
— E o que estou desejando? — ela perguntou com um suspiro.
O rapaz conseguia sentir o desejo escapando como suor do corpo
daquela moça. Contudo, ele também a desejava. Os cabelos claros como a
luz do dia e a pele tão alva eram exóticas aos olhos de Thomaz, de modo a
deixá-lo demasiadamente excitado. Ele sentiu o volume de sua calça
aumentar por conta de sua ereção, e quando aquela coisa dura e ereta
cutucou a virilha da mulher, ela deu um pulinho e arquejou, espantada, mas
ao mesmo tempo morrendo de desejo.
Thomaz sorriu de lado e, bem devagar, aproximou seus lábios do
ouvido da moça, e cochichou ali tudo o que ele sabia que ela queria fazer
com ele, e o que ele queria fazer com ela também. A cada palavra
sussurrada no ouvido dela, Thomaz via um cabelo de sua nuca se eriçar. E,
quando terminou de falar tudo, deixando-a ainda mais excitada que ele
próprio, a moça abriu um sorriso tão sedutor que ele achou que, mesmo se
não rolasse nada entre eles, sairia dali com a roupa íntima molhada.
— Siga-me, senhor. — ela o pegou pela mão e começou a puxá-lo.
Eles passaram por alguns corredores, e quando foram virar em uma
das esquinas, a mulher ouviu a voz de um homem. Ela rapidamente colocou
as costas contra a parede e pediu para que Thomaz fizesse o mesmo. O
homem passou por eles a passos largos, sem nem mesmo perceber que
tinham duas pessoas coladas contra a parede. Depois que ele passou, a
mulher puxou-o novamente. Ela, enfim, abriu uma porta, e bem na entrada
havia uma escadaria velha de madeira. Eles desceram, e Thomaz logo
percebeu que estavam em um porão.
A mulher o levou até próximo de uma mesa no centro daquele
cômodo escuro. Ela se sentou sobre a mesa e abriu as pernas, e puxou
Thomaz pela gravata para o meio delas.
— Faça-me gritar de júbilo e deleite, então lhe contarei tudo o que
quiser sobre Lady HD. — disse a moça, mordendo os lábios.
Thomaz, como o libertino que era, não pensou duas vezes. Ele
sorriu antes de afrouxar a gravata e desabotoar o colete. Ajeitou-se mais no
meio das pernas da mulher e as prendeu em seus quadris, e começou a
beijá-la em todos os lugares de seu corpo. Quando Thomaz pegou seus
peitos e beijou os mamilos rosados, a mulher arquejou de prazer e arqueou
as costas sobre a mesa, e ele teve que tapar a boca dela com as mãos para
que ninguém do andar superior ouvisse nada.
Então, depois de muito esfrega-esfrega e beijos aqui e ali, Thomaz
abaixou sua calça e a penetrou profundamente, mas com carinho.
— Jesus! — ela gemeu.
Porém, as estocadas de Thomaz não eram nada carinhosas. Eram
fortes e selvagens.
— O senhor é como um animal selvagem. — disse a mulher em
meio aos gemidos, segurando-o fortemente pelos ombros.
Logo, Thomaz se derramou dentro da moça com um gemido alto de
satisfação. Eles ficaram deitados sobre a mesa por um longo tempo,
esperando que as respirações voltassem ao normal. Ele deu um último beijo
nela antes de se levantar e vestir as calças novamente.
— Muito bem, estou pronto para ouvi-la, senhorita!
A moça se levantou e laçou o pescoço dele com os braços, e contou
em seu ouvido tudo sobre Lady HD. Desde sua verdadeira identidade até
onde encontrá-la. E tudo o que Thomaz sentiu naquele momento foi uma
fúria intensa.
Acabaria com Lady HD do jeito que ela merece.
Por fim, eles voltaram cautelosos para o hall principal do jornal e,
antes de Thomaz sair pela porta, ele se virou uma última vez para a moça
— que, a propósito, foi uma das poucas mulheres que o fizera sentir o que
sentiu —, e perguntou:
— Aliás, senhorita, qual o seu nome?
Ela sorriu, então respondeu:
— Chame-me de Srta. Quinn.

***

Enquanto isso na Ickworth House...

Antony estava prestes a morrer, tinha certeza disso. Não era normal
a dor que estava sentindo em seu peito. Era como se alguém estivesse
atravessando a carne com as próprias mãos e apertando sem dó seu coração.
Ele colocou a mão aberta contra o peito e trincou os dentes com
força no mesmo instante que fechou os olhos e se encolheu na cama quando
a dor veio novamente. Diabos! Era sempre assim! Sempre que pensava em
Thereza... Sempre que a imagem dela pairava em sua mente, a dor
lancinante o percorria.
Nunca pensou em dizer uma coisa dessa, mas, perder sua mãe foi
difícil, muito difícil. Mas perder Thereza...
A dor veio novamente, e ele se encolheu.
Não era para estar sentindo tudo isso. Mas o problema é que fora um
tolo. Completamente um tolo. Agora sabia porque seu pai desprezava o
orgulho. Sempre que Antony mostrava algum sinal de orgulho próprio, seu
pai segurava firmemente em seus ombros e o chacoalhava dizendo: "Nunca
mais repita essa atitude na minha frente. Nunca mais aja com orgulho,
porque pessoas orgulhosas costumam perder tudo de bom na vida. Está me
entendendo, filho?".
Naquela época Antony não entendia, mas agora... Agora se pudesse
voltar atrás e pedir para que Thereza se explicasse... Ele nem dera chance. E
se tudo for mentira? As pessoas costumam aumentar mais que o necessário
nos jornais para vender mais.
A vontade dele era de se levantar dali e arrumar as malas para partir
para Londres, mas o orgulho ainda estava ali, percorrendo seu sistema
nervoso como um parasita. A verdade é que estava com medo de encarar
Thereza novamente. Olha só! Além de orgulhoso era um covarde, ainda por
cima! Antony não sabia com que cara chegaria lá para lhe pedir perdão.
Imagine só a fera que ela deve estar.
Ah, Deus... O que foi que eu fiz?
Passos e vozes ecoaram do corredor, e instantes depois a porta do
seu quarto estava sendo escancarada.
— Por favor, doutor, ali está ele, rápido! — dizia Evelina,
completamente histérica e nervosa. — Ele não para de dizer que está
morrendo. Doutor, faça algo!
Um senhor usando boina entrou no quarto. Ele rapidamente se
aproximou da cama e colocou sua maleta sobre a mesa de cabeceira,
abrindo-a em seguida, onde seus remédios e acessórios medicinais
repousavam. Evelina não parava de roer as unhas enquanto andava de um
lado para o outro sem tirar os olhos do irmão. Gregory a conteve.
Quando Antony gemeu de dor e se encolheu na cama, o senhor
médico se apressou ainda mais os movimentos, checando cada parte do
corpo do marquês.
— Está queimando de febre, milorde. — contou-lhe.
Ele pegou um pano dentro de sua maleta e o molhou na bacia,
depois se aproximou de Antony e colocou o pano úmido sobre sua testa, e
aquilo foi refrescante.
— O que é... isso... que... estou sentindo... doutor? — perguntou
Antony entre dentes cerrados.
O senhor soltou uma risada breve, como se estivesse zombando
dele.
— Pode nos dar um minuto a sós? — ele pediu educadamente a
Evelina e Gregory.
Antony percebeu que ela não gostou daquilo, e hesitou antes de sair
e fechar a porta atrás de si.
— Se eu não estivesse tão doente — comentou Antony com a mão
apertando o peito —, diria que o senhor está debochando de mim.
— Não. De jeito nenhum.
— Ah, não? Por que está rindo, então?
— Bem... — o doutor se senta na beirada da cama e encara o
marquês. — Peço perdão pela pergunta indelicada, milorde, mas... O senhor
perdeu alguém muito próximo ultimamente?
Antony o encarou.
— Sim, a minha mãe. — Não que ele não soubesse. A Inglaterra
inteira sabia.
O médico o olhou com os olhos cerrados.
— Mais alguém? Alguém que não tenha... O senhor sabe, falecido.
Antony o olhou desconfiado. Onde ele queria chegar com aquelas
perguntas?
— Onde o senhor quer chegar com isso? — perguntou a ele.
— É que já vi sintomas parecidos com esse antes, e todos tinham a
mesma coisa. Aquela doença que começa com P, que corre pelas veias
como fogo, deixando a pessoa tão inerte e em êxtase que ela acha que vai
morrer.
— O quê? – Antony arqueou as sobrancelhas. — Doutor, eu não
estou entendendo.
— Paixão. — o senhorzinho disse a palavra pausadamente. — Isso
mesmo, senhor marquês. O senhor perdeu alguém por quem está
apaixonado, não foi?
Antony arregalou os olhos, assustado. Estava tão óbvio assim?
— Quer o meu conselho, milorde? — continuou o doutor. — Vá
atrás dela. Seja ela quem for. É aquela moça que está sendo vítima das
calúnias de Lady HD, não é? Por favor, diga-me que não a mandou embora
porque acreditou nas palavras daquela mulher que só está em busca de
escândalo para aumentar seu orçamento. — ele fez uma pausa. — Ouça-me,
Lady HD só publica o que as pessoas querem ouvir. Tenho certeza de que
aquela coitada da Srta. Righter não fez um terço do que está escrito nas
páginas imundas daquele jornal. Por isso, se eu fosse você, levantaria dessa
cama, arrumaria as malas e partiria em busca da amada.
Cada palavra dita pelo doutor foi como um tapa na cara de Antony,
e cada tapa, uma verdade. E quando percebeu, não sentia mais nada. A dor
tinha passado. Isso porque decidira ir atrás de Thereza. No entanto, quando
foi se levantar, o médico o impediu.
— Hoje não, milorde. Ainda está indisposto. Sua febre não abaixou.
Vou lhe passar algumas ervas, e prometo que estará melhor até amanhã.
Então poderá partir.
E era o que Antony iria fazer. Ele amava Thereza demais para
imaginar uma vida sem ela. Por isso, ele venceria o orgulho e a pediria
perdão.
Depois que o doutor deixou o quarto, Antony ouviu uma gritaria
vinda do corredor. Era a voz inconfundível de Evelina, é claro. E ela parecia
uma fera com Gregory.
Eles adentraram o quarto como um furacão.
— Conte a ele. Conte agora, Gregory! — Evelina estava vermelha
como um tomate de tão furiosa.
O que Gregory tinha feito de tão grave assim?
O rapaz deu um passo à frente, muito nervoso e com a cabeça baixa.
— Lorde Hervey, eu... eu...
— Desembuche logo, Gregory! — ralhou sua irmã.
Então ele soltou tudo de uma vez, as palavras saindo desesperadas
de seus lábios como folhas ao vento. Por fim, quando ele terminou, Antony
decidiu que não poderia esperar até amanhã para ir atrás de Thereza.
Mas primeiro, precisava descontar sua raiva em alguém...
XVII
TODA A VERDADE
Thereza ainda estava encabulada com todo o relato de seu
irmão. Agora tudo fazia sentido!
A única coisa que ela ainda não entendia é porque a Lady HD tinha
tanto interesse em sua vida, já que Londres é cheia de damas que realmente
fazem coisas sujas.
E depois que Thomaz lhe contara tudo, ambos organizaram um
plano: eles partiriam no meio da noite até Suffolk para dizer a Antony que
tudo o que Lady HD publicou não passava de calúnias.
No começo, Thomaz a perguntou se valia mesmo a pena correr atrás
do marquês já que ele partira sem nem sequer ouvir a versão Thereza. Ela
titubeou, pensando que ele tinha razão. Mas resolveu que queria ir sim,
mais para ver a cara dele quando ela lhe dissesse a verdadeira identidade da
jornalista.
Com isso, eles partiram sem avisar os pais, por isso Thereza
escrevera um bilhete antes de sair dizendo a verdade para eles. Sabia que
quando Amélia e Oliver o lessem, ficariam perturbados de começo, mas
logo entenderiam. Afinal, Thomaz estava indo com ela como acompanhante
e testemunha.
Eles estavam dentro da carruagem agora, e as ruas do lado de fora
da janela estavam tão escuras que deixavam Thereza com medo, por isso
ela fechou as cortinas e respirou fundo, tentando acalmar a tremedeira de
raiva que atravessava o seu corpo.
Agora que sabia quem era Lady HD, ela nunca se sentira tão furiosa
em toda a sua vida. Nem mesmo Evelina foi capaz de deixá-la assim. Mas
essa HD teria o que merece. O plano que ela bolou com seu irmão para
destrui-la já estava guardado em sua mente, e não via a hora de colocá-lo
em ação.
Aos poucos o sono foi sugando-a, até que o cansaço dos últimos
dias a venceu e ela adormeceu com a cabeça sobre o ombro de Thomaz.
Horas depois, ela acordou assustada quando a carruagem passou
sobre um buraco que a jogou de lado, fazendo-a bater contra a janela.
— Ai! — gemeu.
De repente lembrou-se do porque estava dentro do veículo, o que
fez seu estômago dar voltas, e não soube se era de fome ou alguma
consequência do nervosismo que estava sentindo. Um nó em sua garganta a
estava deixando com vontade de chorar. Mas por quê? Era medo de que
Antony não acreditasse em nada e a mandaria de volta sem mais nem
menos, quando estava a caminho só para lhe encontrar?
Afinal, há quanto tempo estavam na estrada? Ela olhou para
Thomaz a fim de perguntar-lhe as horas, mas o mesmo tinha o pescoço
inclinado para cima e roncava muito, muito alto. Ela suspirou, frustrada e
ansiosa, e abriu um pouco a janela, o suficiente para ver que o sol já nascia
no horizonte, tão longe. Quando saíram de Londres, já estava bem tarde,
faltando poucas horas para amanhecer. O que dizia que faltava ainda
bastante tempo até a Ickworth House.
Ela estava prestes a fechar a cortina novamente para se recostar no
assento quando uma carruagem preta com entalhes em dourado passou a
toda velocidade.
Espera... Preta com entalhes em dourado?
Não podia ser...
Era a mesma carruagem que a buscara em sua casa naquele dia...
Thereza se empertigou, a agitação tomando conta de seu corpo. Ela
agitou os braços em desespero e nem se importou quando acertou a mão no
rosto de Thomaz, pois queria apenas que aquela carruagem parasse o mais
depressa possível. Ela bateu várias vezes no teto.
— Pare! Pare já este veículo! — gritava.
— Thereza, o que está havendo? Por que quer parar?
Ela não respondeu o irmão, muito menos esperou o veículo parar
por completo. Ainda em movimento, ela abriu a porta e saltou, desesperada.
Alguns metros à frente, a outra carruagem também tinha parado.
Quando a porta se abriu, Thereza sentiu-se ofegante de ansiedade.
Gregory saiu, e parecia diferente.
Antony desceu em seguida. E a primeira reação que veio à mente de
Thereza foi correr para seus braços enquanto gritava que tudo era mentira.
Mas então Evelina desceu, e a raiva a consumiu como nunca antes.
Com os dentes trincados e os olhos cerrados de puro ódio, Thereza
não pensou duas vezes em levantar as saias de seu vestido e partir em
direção à irmã do marquês.
Mas uma mão em seu braço a interrompeu.
— Thereza, espere. — Thomaz a virou para si. — O que pensa que
está fazendo?
— Solte-me, Thomaz — ela puxou o braço com força. — Estou
indo fazer o que eu deveria ter feito há muito tempo.
— Mas e o nosso plano?
— Que se dane! — falou em tom cortante, então virou-se
novamente e continuou caminhando.
Quase parou para apreciar Antony, que estava lindo parado no meio
daquela ruela de terra enquanto o vento que vinha da mata ao redor
bagunçava seus cabelos ruivos. Mas seus olhos se desviaram para Evelina,
que esperava por sua chegada ao lado do marquês com aquela feição
ingênua, como se fosse a pessoa mais santa da Grã-Bretanha. Uma olhadela
rápida para Gregory a fez se perguntar por que, dentre todos, era ele quem
parecia mais apreensivo.
Antony sorriu quando Thereza finalmente o alcançou, mas ela se
desviou, e com toda a raiva que ainda fervia seus nervos, inferiu um tapa no
rosto de Evelina, que soltou um arquejo de surpresa.
— Suja. É isto que você é, uma suja! — vociferou.
Só que uma coisa muito estranha aconteceu. Thereza já estava
preparada para os ataques de Evelina em seguida, mas ela apenas a encarou
com lágrimas encharcando o canto dos olhos enquanto massageava a
bochecha.
O quê? Por que ela não está me atacando?
— Creio que mereci isso. — ela disse apenas.
Perdão?
Thereza se recompôs. Certamente ela estava apenas se fazendo de
vítima.
— É claro que mereceu! — rugiu contra o rosto dela. — E merece
muito mais, sua... sua...
Ela avançou, prestes a dar uma lição naquela garota que tinha
passado dos limites. Mas Antony se pôs na frente, e Thereza bateu contra
seu peitoral duro como uma muralha.
— Christina, acalme-se! — ele a segurou pelos ombros, e ela quase
se deixou levar sob aquele toque.
— Quem é Christina? — perguntou Thomaz de repente.
Antony o ignorou, e baixou os olhos para Thereza de novo.
— Ouça-me. Sei que está furiosa com Evelina porque ela a estapeou
naquele dia em seu quarto e...
— Então acha que estou furiosa por causa disso? — estava difícil
manter a calma. — Francamente, Antony. Achei que fosse mais esperto que
isso.
— Está me chamando de burro?
— Se a carapuça serviu. — respondeu em tom condescendente, e
cruzou os braços.
Antony exalou fortemente o ar, depois disse:
— Preciso entender o que quer dizer com “Achei que fosse mais
esperto”.
— Bem, talvez porque você estivesse morando com Lady HD esse
tempo todo e não percebeu nada!
— Como é? Eu não moro com Lady HD coisa nenhuma!
— Como não, se Lady HD é Evelina? E HD significa Hervey
Devon, seu nome de casamento!
— O quê? — rugiram Evelina e Gregory ao mesmo tempo,
visivelmente horrorizados; o que foi muito estranho.
Thereza suspirou, exasperada.
— Estava bem na nossa frente esse tempo todo.
— Hum... Thereza... — Gregory deu um passo à frente. — Temo
que esteja errada.
— O quê? Gregory, eu tenho provas! — Não é possível que Gregory
ficaria do lado daquela víbora.
— Que provas? — Evelina perguntou, incrédula.
Thomaz então deu um passo à frente.
— Fui até a sede do Jornal de Londres, onde encontrei uma tal de
Srta. Quinn. A mesma moça que me contou que Lady HD é, na verdade,
Evelina, e que as siglas são nada mais que seu nome de casamento: Hervey
Devon.
— Por que a Srta. Quinn faria uma coisa dessa? — Evelina pareceu
triste de repente, o que fez Thereza sorrir.
— É melhor rever suas amizades, Lady HD.
— Isso... Isso é impossível! — Gregory deu outro passo à frente, e
pareceu mais nervoso que todos ali estavam, até mais que a própria
Thereza.
Só observando-o de perto assim foi que percebeu o que o fazia
parecer tão diferente naquele momento. Uma esfera roxo-esverdeada
tomava conta de toda a pele branca ao redor de seu olho esquerdo, como se
tivesse levado... Um soco? Quem faria uma coisa dessa?
— Para mim, é bastante possível que Evelina seja a megera da
jornalista. E contra provas não há argumentos! — disse Thereza, furiosa.
— É impossível Evelina ser Lady HD, Thereza. Por que minha mãe
é. — falou Gregory com a cabeça baixa, sendo assolado pela vermelhidão
que encheu seu rosto.
— O QUÊ?! — Thereza e Thomaz exclamaram em uníssono,
encabulados e horrorizados.
— Estava mais fácil de descobrir do que vocês imaginavam. —
Gregory continuou. — HD nada mais é que a sigla de seu nome: Hellen
Devon.
Thereza perdeu a fala, o ar... Tudo pareceu desmoronar diante de si.
Gregory disse que estava mais fácil de descobrir do que ela imaginava, mas
a verdade é que não estava. Em momento algum ela desconfiaria de lady
Devon, a mulher que considerou como sendo sua segunda mãe desde
sempre.
A raiva foi substituída por desapontamento e tristeza.
— Sinto muito, Thereza. Eu... Eu...
— Por quê? — não passou de um sussurro rouco por causa de um
nó que tomou conta de sua garganta. Ela engoliu em seco e tentou de novo:
— Por que ela fez isso, Gregory?
Ele respirou fundo, trêmulo, antes de responder:
— Lembra-se de eu lhe contar que estávamos falindo? Pois bem,
enquanto o meu casamento com Evelina não saía, e consequentemente seu
dote também não, minha mãe teve que arrumar outra forma de ganhar
dinheiro para sustentar nossa casa. Ela ganhou muito dinheiro não só
inventando coisas sobre você, mas de várias outras damas por aí. Minha
mãe pegava um fato e o retorcia para que se tornasse um escândalo. — uma
pausa. — A Srta. Quinn trabalhava para minha mãe, por isso mentira sobre
a verdadeira identidade de Lady HD. Eu queria acabar logo com isso, com
as mentiras, por isso pedi Evelina o adiantamento de nosso casamento. —
Quando terminou, lágrimas escorreram por seu rosto.
— E você sabia disso o tempo todo, não sabia?
Ele fez que sim.
— Eu ia lhe contar aquele dia na sala de música, mas não consegui.
— então ele começa a chorar feito uma criança, com soluços cortando a
garganta. — Eu sinto muito, Thereza. Sinto mesmo, eu não queria... — as
palavras se perderam em meio ao choro.
Thereza estava devastada.
— Entendeu agora o porquê do olho roxo? — Antony tinha se
aproximado, e agora a segurava pelos ombros quando percebeu que estava
prestes a desabar por causa das emoções que bagunçavam sua cabeça. —
Não consegui me conter quando ele me contou toda a verdade, sabendo que
poderia ter impedido todo esse transtorno.
— Eu fiquei com medo. — protestou Gregory em meio aos soluços.
— Thereza é como uma irmã para mim. Fiquei com medo de como ela me
julgaria.
— Um covarde, isso que você é! — Thomaz ralhou. — Minha
vontade é de lhe dar outro soco no olho.
— Foi por isso que nos encontramos aqui no meio do caminho. —
Antony continuou baixinho, como se somente os dois estivessem ali. — Eu
estava indo à sua casa para lhe pedir perdão pelo idiota que eu fui em deixá-
la sem ouvir a sua versão. Me odiarei pela eternidade por isso, pode ter
certeza. — ele colocou os dedos sob seu queixo e ergueu seu rosto. — Se
você não me perdoar sou capaz de...
Mas ele não terminou de falar porque Thereza ignorou todos à sua
volta e foi de encontro aos lábios do marquês, beijando-lhe com intensidade
e fulgor, porque o amava tanto que não conseguia imaginar uma vida sem
ele.
— Bem, acredito que isso tenha sido um sim. — ele disse quando
finalmente se desvencilharam.
Ela sorriu e o abraçou. Antony retribuiu o abraço, passando as
mãozorras pelas suas costas e apertando-lhe contra o peito imenso dele. Foi
ali que Thereza sentiu-se segura de verdade, onde sentiu que seria amada
acima de tudo.
De repente ouviu um baque, e quando se afastou de Antony viu
Gregory se erguer do chão. No seu olho direito, outro círculo roxo ganhava
forma onde Thomaz havia lhe inferido outro soco, enquanto Evelina
encarava horrorizada.
Por fim, Antony pegou seu rosto entre as mãos e disse:
— Vamos voltar para Londres para resolvermos toda essa bagunça.
Quero que lady Devon pague pelo que fez e, principalmente, casar-me com
você, Thereza Christina.
E a beijou novamente.

***

Mais tarde, ao chegarem em casa, Thomaz e Thereza foram


recebidos com abraços preocupados de seus pais.
— Pelo amor de Deus, nunca mais pensem em fazer uma coisa
dessa conosco. Mesmo se forem deixar um bilhete, estão me entendendo?
— repreendeu-os Amélia.
Thereza estava tão cansada que nem se dera o esforço de responder.
Enquanto subia a escada com a ajuda de Antony, ouviu seu pai comentar:
— Que coisa horrível. O que houve com seus olhos, Sr. Devon?
Em seguida o ouviu gritar para os criados trazerem bifes para
Gregory colocar sobre os hematomas, e quando se deu conta, já estava
deitada em sua cama. Antony sentou-se na beirada e pegou sua mão; não
disse nada, apenas massageava levemente seus dedos com o polegar.
— Minha reputação está arruinada... De novo. — ela comentou,
sonolenta.
Ouviu Antony soltar um suspiro cansando.
— Não pense nisso agora. Descanse primeiro.
Thereza piscava os olhos devagar, o sono levando-a vagarosamente.
— Como não pensar? Quero tanto me vingar.
— Vingança não leva a nada, querida. Vamos fazer lady Devon
pagar por tudo o que ela fez, mas com a mesma moeda. De toda forma,
descanse primeiro, está bem? Amanhã é um novo dia.
Ele a beijou de leve, apenas um tocar de lábios. Então ela
adormeceu, o sono mais revigorante que já tivera na vida.
XVIII
A ÚLTIMA COLUNA

Como Antony dissera, realmente era um novo dia. E todos estavam


agora reunidos no mesmo lugar onde tudo começou: na sala de visitas de
lady Devon em Devonshire, apenas aguardando a anfitriã entrar e começar
com aquelas falsas boas-vindas.
Thereza estava com tanto medo de se descontrolar e acabar
estragando tudo de alguma forma. Por isso Antony estava ali ao seu lado,
segurando forte sua mão. Evelina estava ao lado de Gregory, não mais
nervosa que ele, é claro. O rapaz parecia prestes a desmaiar a qualquer
momento com toda aquela tremedeira. Thomaz também estava ali, apenas
para se certificar de que Thereza ficasse bem.
As portas duplas da sala então se abrem, e Hellen Devon entra
radiante em seu vestido vermelho, sorrindo como se não fosse uma
miserável. Thereza fechou as mãos em punhos enquanto a mulher vinha em
sua direção com os braços abertos.
— Thereza, querida! Como vai...
— Não encoste em mim. — disse baixinho, porém cortante.
A outra se afastou.
— Como disse?
— Hum... Mamãe... — Gregory a chamou.
E quando ela se virou para ele, colocou as mãos sobre a boca em
choque.
— Oh, querido. O que houve com seus olhos? Quem foi o monstro
que fez isso?
Thereza revirou os olhos, sentindo o enjoo que revirava seu
estômago com a falsa voz de contentamento daquela megera. Por isso se
levantou.
— Chega de tantas falsidades, Hellen.
A mulher se virou para encará-la.
— Perdão?
Thomaz se levantou.
— Sabemos quem você é.
— E o que você fez. — Antony também tinha ficado de pé.
Ela tentou sorrir, mas falhou miseravelmente, pois os cantos de sua
boca tremeram.
— Queridos, queiram me desculpar. Mas poderiam ser mais claros?
Eu não...
— Mamãe, pare de fingir, por favor. Eles sabem. — Gregory
finalmente disse.
O sorriso bonito de Hellen foi substituído por uma linha fina e seu
rosto era uma máscara enrijecida, porque sabia que tinha sido derrotada. Ela
se afastou alguns passos.
— Como teve coragem de fazer isso com sua própria mãe, Gregory?
— disse a mulher com a voz falsamente afetada.
— Como você teve coragem de fazer o que fez, lady Devon! —
Thereza explodiu. — Tem noção do que fez a dezenas de mulheres? Tem
noção do que fez a mim, que sempre a considerei como uma segunda mãe?
— Sentiu as lágrimas lutarem para escapar, mas engoliu todo o nó.
Hellen ficou ereta.
— Fiz o que foi preciso.
— O que foi preciso para quê? Para que não virasse uma vergonha
pública como fez com várias damas? Porque seria um escândalo caso o
motivo de estar falida viesse à tona, não seria? — Thereza cerrou os olhos e
disse com os dentes trincados: — Eu tenho tanta pena de pessoas como
você.
A sala ficou em silêncio, todos encarando qual seria o próximo
passo de Hellen, que fitava Thereza como se ela fosse um bicho de quatro
braços. Então, como que num passe de mágica, suas feições voltaram ao
normal, o sorriso radiante voltou a brincar em seus lábios, como se as
palavras de Thereza não tivessem nenhum efeito sobre ela. O que mostrava
ainda mais o quão miserável ela era.
Hellen deu de ombros e disse apenas:
— Já está feito, e sinto lhes informar, mas não tem como ser
desfeito.
— Mas tem como ser revertido. — Antony bradou.
— Como?
Thereza deu um passo à frente.
— Quero que publique uma última coluna, onde você contará toda a
verdade. Quero que fale que mentiu em completamente todas as suas
notícias e, sobretudo, quero que revele a verdadeira identidade de Lady HD.
Pela primeira vez desde que entrou ali, Hellen Devon se mostrou
com medo de verdade. Ela arregalou os olhos verdes e gritou:
— Está louca? Se eu fizer isso serei excluída para sempre da
sociedade!
Thereza cruzou os braços.
— Você será aquilo que fez a tantas outras mulheres. Nada mais
justo, não acha?
— Mas... Mas... — Hellen estava apavorada.
— Thereza tem razão, mamãe. — Gregory estava ao seu lado. —
Você poderia ter sido uma colunista famosa publicando apenas a verdade.
— Eu tentei! Mas ganhava tão pouco. Não era o suficiente para nos
sustentar.
— Não era suficiente? — Gregory semicerrou os olhos. — O que
custava esperar mais alguns dias até o meu casamento com Evelina ser
firmado?
— Eu precisava de dinheiro, Gregory. E ponto final!
— Então sinto lhe informar, mamãe. Mas a senhora merece mesmo
esse destino. E Deus sabe o quanto me sinto arrependido por não ter
contado nada antes.
Thereza colocou a mão no braço do amigo em um gesto reconfortante,
para lhe dizer que estava tudo bem, que o tinha perdoado. Jurou não julgá-
lo, e não o faria. Gregory tinha errado ao não contar, mas tinha que levar em
conta a questão do medo, do julgamento da sociedade, de amar tanto a mãe
que não queria passar por cima de suas ações; ainda assim ele o fez. Por
mais que talvez um pouco tarde, mas o fez. E era isso que importava.
— O que está esperando? — Thereza estava impaciente. Queria
acabar logo com isso. — Ande logo e pegue uma pena e papel.
Hellen ficou parada com o corpo completamente rígido por um longo
instante, fuzilando cada um daqueles que ali estavam, como se não estivesse
acreditando na possibilidade de acabar com a própria reputação. Por fim,
ela deu alguns passos até estar cara a cara com Gregory, e Thereza só ouviu
o que ela disse porque estava perto demais.
— Nunca mais quero vê-lo na minha frente, entendeu? A partir de
hoje você não é mais o meu filho.
Thereza viu o quanto aquilo deve ter doído bem no fundo do coração
dele, pois o mesmo não disse nada. Seu lábio inferior tremeu e ele quase
chorou. E como não chorar? Já pensou ouvir as mesmas palavras de sua
mãe? Thereza pensou que não suportaria.
Ela estava prestes a abrir a boca para defender o amigo quando
Evelina se aproximou e entrelaçou seu braço no de Gregory, então disse:
— Você deveria rever tais palavras, lady Devon. Afinal, está sob o
teto que pertence à Gregory por lei. Ele é o herdeiro de tudo isso aqui, se
esqueceu? E outra coisa, ele não precisa mais de você. Gregory irá se casar
comigo, e criaremos nossa própria família. Espero que não se esqueça
disso.
Hellen apenas a encarou com a boca rígida. E, derrotada, suspirou e
foi até a escrivaninha peto da lareira. Tirou da gaveta um papel, então
molhou a ponta da pena na tinta.
— Não faço ideia por onde começar.
— Eu sei exatamente por onde deve começar. — Thereza se
aproximou da escrivaninha e começou a ditar tudo o que queria que Hellen
publicasse na coluna.
Finalmente, quando ela finalizou com um ponto final, Thereza sorriu
satisfeita, e foi como se um peso enorme tivesse sido tirado de suas costas.
Estava sentindo-se leve e revigorante.
A última coluna de Lady HD tinha sido finalizada.

***

Na carruagem de volta para casa Gregory não conseguiu conter as


lágrimas. As palavras que Hellen lhe disse mais cedo, dizendo que não o
considerava mais como filho o atingiu de forma que talvez ele nunca
supere.
Evelina, sentada ao seu lado, tentava acalmá-lo a todo custo.
— Não fique assim. Aquela mulher não merece um filho como você.
As pessoas que estão nesta carruagem são sua família de verdade. Nunca se
esqueça disso, está bem?
Thereza sentiu quando Antony apertou sua mão; ele também estava
com pena do rapaz.
Não mais aguentando ver aquela cena que cortava seu coração, ela
suspirou e deitou a cabeça sobre o ombro do marquês com um suspiro
exasperado. Ele beijou o topo de sua cabeça e disse baixinho:
— Você foi muito corajosa, querida. Estou muito orgulhoso. Fez a
coisa certa.

***

Na manhã seguinte, todos estavam reunidos na mesa do desjejum,


olhando ansiosos para as portas duplas da sala. Por Deus, por que estava
demorando tanto?
Até que elas se abrem. Todos soltaram arquejos de surpresa quando
o mordomo finalmente entrou com o jornal diário e o entregou a Thereza.
Quando o pegou, percebeu que seus dedos tremiam. Antony, Evelina,
Gregory e Thomaz se amontoaram ao seu redor feito cardume. Com
dificuldade, ela passou as páginas até a coluna de fofocas, e ali estava.

“Queridos leitores.
Venho através deste último texto lhes dizer que Lady HD não passa
de uma farsa, assim como todas as notícias por ela aqui publicadas.
Extremamente TODAS as notícias eram fatos retorcidos para virarem
escândalos. Com isso, estou dizendo que nenhuma das damas que foram
mencionadas aqui devem ser excluídas da sociedade, até porque tudo o que
fora dito sobre elas, tudo era mentira.
Querem a verdade? Todos que consumiam esta coluna deveriam ser
mais espertos e inteligentes e não acreditar em tudo que veem, ou melhor,
em tudo o que leem. Não é porque é um jornal famoso que tudo o que é
publicado aqui é verdade, porque não é. E eu, Lady HD, mais
precisamente, Hellen Devon, achei que vocês fossem mais espertos com
relação à identidade verdadeira da jornalista, pois a sigla HD nada mais é
que as iniciais de meu nome (mencionado acima).
Como Hellen Devon, estou decretando que Lady HD não existe
mais, e com ela a minha reputação também se vai.
Eu sei, é irônico. Logo eu, que tinha o dever de acabar com a
reputação de tantas damas, agora estou aqui escrevendo esta última coluna
acabando com a minha própria.
E sim, isto é um adeus.

Ass. Hellen Devon não mais da Coluna de Fofocas, Jornal de


Londres”.
Quando terminou de ler, Thereza sorriu, pois finalmente tudo tinha
sido resolvido. Tudo parecia estar em seu devido lugar.
Mas parece que o sentimento não foi o mesmo para todos. Gregory
soltou um soluço atrás de Thereza. Ele ainda estava sofrendo pelo que
estava acontecendo com sua mãe. Ela se levantou e o abraçou.
— Vai ficar tudo bem. — Cochichou.
Evelina abraçou os dois.
Antony abraçou os três.
Thomaz abraçou os quatro.
E todos, simultaneamente, se sentiram reconfortados com o calor
daquelas pessoas que eram uma verdadeira família.
XIX
CANÇÃO DE AMOR

Uma semana depois o casamento enfim chegou! E fora tudo tão


fantástico que Thereza não conseguia medir em palavras. Foi tão incrível a
sensação arrebatadora de alegria que sentiu quando as portas da catedral se
abriram e todos se levantaram para recebê-la. Seu pai esteve ao seu lado o
tempo todo, e agarrou firmemente a sua mão, encorajando-a a continuar,
porque naquele momento, quando viu todos que amava ali, suas pernas
realmente fraquejaram. Mas então ela deu o primeiro passo para dentro da
igreja, depois outro e outro, até estar diante de um Antony tão lindo com
aquelas roupas de casamento que ela não aguentou, e começou a chorar ali
mesmo.
Evelina vinha logo atrás acompanhada de um de seus tios mais
próximos, e não parava de chorar. O que fazia Gregory, no altar, também
derramar lágrimas.
Thereza nunca sentiu tanto misto de emoções como naquela tarde de
seu casamento. No entanto, o que a deixava mais nervosa e animada ao
mesmo tempo é que agora é oficialmente a marquesa de Bristol.
Lady Hervey.
Teria que se acostumar com o título.
Agora estavam todos no salão de baile de sua casa, aproveitando a
festa pós-casamento. Aquela aglomeração de pessoas no meio do cômodo
enquanto um minueto era tocado no palco deixava Thereza feliz em
demasia. Tudo aquilo a fez se lembrar de seu baile de debutante em
Devonshire. Nada disso estaria acontecendo agora se não tivesse
comparecido àquele baile. E sorriu, pensando que fizera a coisa certa,
apesar de tudo o que passou para finalmente estar ali, casada por quem era
apaixonada e marquesa.
Tudo valera a pena, pensou.
— Desejo-lhe toda a felicidade do mundo, está bem? — Marjorie a
abraçava com força.
— E eu lhe quero desejar o dobro, querida amiga! — respondeu
Thereza quando se desvencilharam.
— Bem, uma de nós tinha que se casar, não é mesmo?
Thereza reparou na pontinha de tristeza que acompanhou a voz da
amiga, e ela soube exatamente o que Marjorie queria dizer com aquilo. Por
isso pegou as mãos dela e as apertou.
— Não fique assim. Uma hora a sua pessoa amada vai aparecer. —
ela sorri de um jeito atrevido e aponta para a outra extremidade do salão,
onde Thomaz segurava uma taça de limonada e era cercado por um
amontoado de damas solteiras que riam feito bobas. — Quem sabe essa
pessoa não seja Thomaz, hein?
Marjorie ri com escárnio.
— Para isso eu teria que nascer de novo.
— O que quer dizer? — Thereza arqueou as sobrancelhas.
A moça aponta para si mesma.
— Eu pareço sedutora o suficiente para você, Tessa? Olha só para
lorde Thomaz, ele é lindo de morrer. — ela solta um suspiro. — E, segundo
a Srta. L da Coluna Cavalheiros à Solta, a moça que conseguir conquistá-lo
certamente tem o poder de sedução maior que o dele.
— Quanta bobagem! — Thereza não podia acreditar numa coisa
dessa.
— Não tem nada de bobo nisso, Tessa. É a verdade. Lorde Thomaz
é o cavalheiro mais cobiçado de toda a Inglaterra desde que você se casou
com lorde Hervey. E, vamos ser sinceras, seu irmão nunca terá olhos para
mim.
— Não seja boba, Marjo. Ele...
Ela se interrompeu quando alguém começou a gritar muito alto.
— O que é isso? — perguntou-se, e ficou na ponta dos pés para
tentar ver o que estava acontecendo.
Alguém passava apressado pela multidão, empurrando e pedindo
licença de um modo muito grosseiro.
— Com licença, milady? — a moça as alcançou.
— Ah, olá Srta. Quinn. — Thereza a cumprimentou.
A nova colunista da Coluna de Fofocas fez uma mesura exagerada
demais.
— Quero parabenizá-la pelo casamento lindo que está tendo. E mais
ainda por esta festa maravilhosa! Estou realmente encantada de estar aqui.
Thereza sorriu.
— Grata pelos elogios. Aliás, como entrou aqui? — ela realmente
não se lembrava de ter convidado aquela senhorita para seu baile de
casamento.
A Srta. Quinn fez um gesto condescendente com as mãos no ar e riu
sem graça.
— Ah, isso não tem importância, não é mesmo?
Na verdade, tinha importância sim, Thereza quis dizer. Tinha
traumas de jornalistas, afinal. Mas ela preferiu ficar com a boca fechada, e a
moça continuou:
— A senhorita tem um segundo de seu precioso tempo de marquesa
para responder algumas perguntas para a minha coluna?
Ah não!
Thereza olhou desesperada para Marjorie em busca de ajuda, mas a
mesma já estava bem longe dali. Traidora. Virou-se para a jornalista
novamente.
— Eu sinceramente não sei se é uma boa ideia, Srta. Quinn. Eu...
— Ouça, milady. São perguntas básicas e rápidas! Sabe que não sou
como a última colunista, não sabe?
Thereza sabia. A Srta. Quinn era completamente diferente de Hellen
Devon, que publicava verdades escandalosas com aumento de calúnias
inventadas pela própria, só para vender mais. A Srta. Quinn, por outro lado,
publicava somente a verdade, sendo ela escandalosa ou não. Mas sempre a
verdade. Por isso que, tudo o que dissesse ali, cada pequena palavra que
saísse de sua boca, seria escrito da mesma forma na coluna da jornalista.
— Tudo bem, então. O que quer saber? — ela cedeu.
A jornalista sorriu largamente e se virou para um rapaz que estava
parado ao seu lado até aquele momento. Ele segurava um maço de folhas
brancas em uma das mãos e uma pena e tinta na outra. A Srta. Quinn pegou
um papel e molhou a pena na tinta, colocou a ponta à centímetros do papel
e então encarou Thereza.
— Muito bem, então, milady. A primeira pergunta é: "A senhorita
está realizando um desejo de quase toda dama inglesa, que é se casar com
Antony Hervey. O que elas querem saber é: como ele é na cama"?
— Perdão?! — Thereza piscou, espantada demais.
Jesus! Se aquela era só a primeira pergunta, como deveriam ser as
outras? Aliás, por que todas as damas pareciam querer saber sobre aquilo?
Ela se lembrou do episódio em Somerset, quando um monte de senhoritas
fez a mesma pergunta e ela saiu correndo daquele bando de loucas.
A jornalista sorriu como se tivesse feito uma pergunta do tipo
"Como Antony prefere seu chá?".
— Sei que é uma pergunta um tanto imprópria, milady. Mas
trabalho em uma coluna de fofocas. O que a senhorita estava esperando?
Bem, certamente não era aquilo. E, por mais que quisesse divulgar
para toda a Inglaterra como Antony realmente era na cama – cheio de fogo
e desejo, como algo vivo correndo pelas veias, cheio de amor para dar,
fugaz e carinhoso ao mesmo tempo –, Thereza se limitou a dizer:
— Peço perdão, Srta. Quinn, mas não posso responder à uma
pergunta dessas.
— Ora, milady. Uma palavra basta.
Thereza franziu a testa.
— Como assim?
— Como Antony é na cama? Fugaz? Carinhoso? Rápido demais?
Selvagem? Lin...
Ela ainda não estava acreditando que aquilo estava sendo
perguntado. E com certeza não responderia àquela baixaria. Mas, graças ao
bom Deus, Thereza foi salva por Gregory que havia se aproximado bem na
hora.
— Tessa, tem alguém que quer vê-la.
A jornalista interveio:
— Sinto muito, Sr. Devon, mas ela está ocupada e...
— Bem, sinto desapontá-la, Srta. Quinn, mas quem chama a
marquesa é seu noivo.
A moça murcha os ombros.
— Sendo assim... — Ela sai.
Thereza se vira para Gregory.
— Antony está me chamando? Onde ele está?
Seu amigo sorri.
— Ele a está esperando na sala de música.
— Na sala de música? Mas... — Mas Gregory apenas se virou e
saiu.
Mas que inferno! Por que todo mundo parecia estar deixando-a em
apuros? Primeiro Marjorie, agora Gregory... Arrrr!
Ela seguiu pelo salão em direção ao corredor quando um casal a
cumprimentou, parabenizando-a pelo casamento e festa encantadora.
Thereza parou por um instante, observando-os. Ela os conhecia de algum
lugar... Por Deus, de onde?
Ah, sim! lembrou-se. Aqueles eram Georgina e Vincent, o famoso
casal que passou por escândalos até estarem finalmente juntos, assim como
aconteceu com ela e Antony. No entanto, pelo que sabia, a história daqueles
dois era bem mais complexa e difícil, pois envolvia segredos obscuros de
ambas as famílias. Thereza, contudo, não ficou sabendo do desenrolar da
história porque estava em Suffolk cuidando da própria vida, e só ficou
sabendo quando retornou à Londres um bom tempo depois. O que ela sabia
é que Vincent era o duque de Manchester, isso mesmo, era. Agora o pobre
coitado era conhecido como o ex-duque ou duque postiço ou, o pior de
todos, o falso duque. Mas como ele deixou de ser duque e como Georgina e
Vincent ficaram juntos, isso é assunto para outra história.
Thereza os cumprimentou de volta, agradecendo-os pela presença,
mesmo não sabendo quem os teria convidado. Antony ou Evelina,
certamente. Em seguida, partiu para o corredor e, no hall principal, subiu a
escadaria. Logo, estava de frente às portas entreabertas da sala de música.
— Antony? — chamou, empurrando a porta devagar.
Ela entrou, cautelosa e não sabia porquê. Então ouviu.
Música...
Teclas doces de um piano.
Thereza se virou naquela direção, e o viu. Antony estava sentado
ao piano, a cabeça abaixada e os olhos focados nos dedos ágeis que
marcavam aquela melodia que fez uma sensação estranha percorrer o
coração de Thereza.
Antony estava tocando... Para ela!
Era uma música doce, suave, melódica e romântica.
Ela sentiu a garganta se apertar.
Como se aquilo não bastasse para deixá-la desnorteada e ainda
mais apaixonada por aquele homem, ele começou a cantar.
A cantar!
Para ela... Começou a cantar para Thereza!
A voz dele era grave, baixa com um sentimentalismo tão profundo
que ela não aguentou, e chorou.

“Uma situação nada legal


Se tornou um amor colossal
Aquela senhorita tão atrevida
Agora é o amor da minha vida
Sim, o amor da minha vida!

Nunca pude imaginar


Que um dia pudesse me apaixonar
Me apaixonar de verdade
E aprendi a controlar o sentimento com agilidade
Sim, o amor da minha vida!

Hoje estou casado com ela


Com aquela mulher bela
Se pudesse, faria tudo de novo
Apenas para sentir de novo aquele renovo
Sim, o amor da minha vida!
O nome dela é Thereza Christina
Minha Thereza Christina!
Minha mulher, minha deusa, minha marquesa...”

Antony cantou os versos repetidas vezes, e quando Thereza achou


que não podia amar mais aquele homem, ali estava ele, cantando para ela.
Uma música feita por ele, pelo que parecia. Pois falava da trajetória de
ambos.
Uma música dele para ela... Só para ela.
Thereza se derramou em lágrimas. Chorou tanto que devia ter feito
poças de lágrimas salgadas sob seus pés. Chorou por amar tanto uma pessoa
que não cabia dentro do peito. Chorou por saber que ele era seu, aquele
homem lindo, perfeito... Chorou porque era apaixonada pela pessoa certa,
chorou... Apenas chorou.
Então ele parou de cantar, parou de tocar.
Antony ergueu a cabeça e a encarou.
Por Deus, devia estar um caos com aquela choradeira toda.
Mas ele pareceu não se importar, porque sorriu. E aquele pequeno
movimento desmanchou tanto o coração dela que chegou a doer.
Ele se levantou e... Deus!
Se perfeição não existe, como explicar Antony Hervey?
Como explicar o quão lindo ele estava com aquelas roupas ainda
do casamento? Branco dos pés à cabeça, parecia um anjo. Uma flor dourada
saía do bolso externo do paletó, e os cabelos alaranjados estavam
destacados por causa das vestimentas claras, como se fossem chamas de um
fogo abrasador prestes a consumi-la.
E ela queria ser consumida... Ah, como queria.
Então ele deu um passo à frente, e Thereza sentiu os joelhos
tremerem quando Antony começou a caminhar em sua direção. Ela olhou
para os lados, desesperada à procura de algo a qual pudesse se equilibrar,
mas não havia nada. Estava no meio da sala e não havia nenhum móvel em
que pudesse escorar, pois a sensação que tinha é de que iria cair...
Até que braços fortes a seguraram.
Thereza ergueu o queixo, e se deparou com olhos de um azul tão
lindo e incomum que perdeu o fôlego. Ele a olhava tanto, tão
profundamente que era como se estivesse enxergando através dela para
saber exatamente o que ela queria.
E Antony sabia exatamente o que Thereza queria, caso contrário
não teria se inclinado e colado sua boca na dela.
Thereza já estava tão enfraquecida com as emoções que a
percorriam que seu primeiro instinto foi deixar o corpo completamente à
mercê, e se não fosse aquele braço forte ao redor do quadril com a mão
espalmada na sua cintura, tinha se espatifado no chão. Mas ele a segurou
firme.
Com isso, Thereza se aprumou. Forçou seus joelhos a pararem de
tremer e firmou os pés no chão, então passou os braços ao redor do pescoço
de Antony e retribuiu o beijo, que era ardente, desesperado, mas romântico
ao mesmo tempo.
Língua contra língua, lábios contra lábios, dentes contra dentes... E
foi assim até Antony se afastar apenas o suficiente para encará-la nos olhos
e dizer:
— Eu te amo. — sussurrou.
Lágrimas escorreram novamente. E quando abriu a boca para
respondê-lo, para dizer as mesmas palavras para ele, Antony pegou seu
pulso e a puxou até a sacada. Quando saíram para o ar livre, o vento açoitou
os dois. Antony escorou na balaustrada de pedra e puxou Thereza para os
seus braços, abraçando-a. Abraçou-a tão forte como se tivesse medo de
perdê-la; como para se certificar de que ela estava mesmo ali, e que era sua.
Thereza ouviu um soluço, e quando se desvencilhou, viu que a
bochecha dele brilhava com uma única lágrima que havia escorrido. Ele
estava chorando.
Demorou até que ela falasse ou fizesse alguma coisa, porque
encará-lo era bom demais. Ainda mais daquela forma, sob as estrelas e o
luar. A festa ainda acontecia no andar de baixo, mas o som era abafado, e
Thereza não se importou muito com o que acontecia no salão de baile. Ali
na sacada estava muito melhor.
Enquanto o encarava, pensou que Antony parecia se misturar com
as estrelas sobre e ao redor deles. Com aquelas roupas brancas, a flor
dourada e o cabelo ruivo, ele era a estrela que mais brilhava naquela noite.
Então ela se aproximou, tocou as faces dele delicadamente,
limpando as lágrimas.
— Por que está chorando?
— Eu não sei. — ele riu, mesmo chorando. — Eu não sei,
Christina. A culpa é sua. A senhorita me faz sentir assim.
Ela sorriu. Beijou as bochechas coradas dele, depois seus lábios.
— Obrigado por tudo, Christina. Por aparecer na minha vida no
momento que eu mais precisava. Quando eu já não acreditava mais no
amor.
Então, com o peito cheio de orgulho e paixão, ela devolveu as
palavras para ele:
— Eu te amo.
Ele a beijou de novo e de novo.
EPÍLOGO

“Uma situação nada legal


Se tornou um amor colossal
Aquela senhorita tão atrevida
Agora é o amor da minha vida
Sim, o amor da minha vida!

Nunca pude imaginar


Que um dia pudesse me apaixonar
Me apaixonar de verdade
E aprendi a controlar o sentimento com agilidade
Sim, o amor da minha vida!

Hoje estou casado com ela


Com aquela mulher bela
Se pudesse, faria tudo de novo
Apenas para sentir de novo aquele renovo
Sim, o amor da minha vida!
O nome dela é Thereza Christina
Minha Thereza Christina!
Minha mulher, minha deusa, minha marquesa...”

Durante anos, Thereza ouviu aquela mesma música.


Durante anos, Antony cantou para ela.
Durante anos, quando passava por momentos difíceis, aquela
canção era sua fortaleza.
Durante anos, ela cantou aquela música, mesmo depois de a casa
estar infestada de pestinhas ruivos — sete ao todo.
Durante anos, Thereza repetiu aquelas mesmas palavras que era
uma promessa de Antony para ela.
Durante anos, Antony a amou.
E durante anos, até que a morte os separasse, eles foram
apaixonados.

FIM
AGRADECIMENTOS

Por mais que essa seja uma história relativamente curta, demorei
exatos dois anos para finalmente concluí-la. Comecei a escrevê-la em 2018,
onde sua primeira edição foi publicada no Wattpad. Foi gratificante, pois a
história cresceu muito, e o feedback que recebi foi imensurável! Mesmo os
críticos me ajudaram bastante, me fazendo perceber o que eu poderia
melhorar ou mudar para enriquecer a história. Quando ela ultrapassou os
100k de leituras, foi difícil acreditar, mas estava mesmo acontecendo, as
pessoas estavam gostando do que eu escrevia. Devo ressaltar que essa
versão não é a mesma que foi publicada lá.
Hoje, maio de 2020, estou a um passo de publicá-la em formato de
e-book, realizando um dos meus maiores sonhos. E não vou mentir, pensei
em desistir inúmeras vezes, pensando que a história não era boa o suficiente
e que ninguém iria comprá-la caso eu publicasse, mas acho que todo
escritor passa por essa paranoia.
Pela publicação devo todo agradecimento à Ana Luiza Dias, que se
não tivesse insistido tanto para ler uma de minhas histórias, eu nunca teria
tirado “De Repente, Marquesa” da gaveta. Eu não pensava em fazer a
publicação dela primeiro, mas a Ana me encheu de elogios e insistências.
Hoje ela é minha leitora beta!
Devo agradecer também à Larissa Rezende que lê tudo o que
escrevo. Ela está comigo desde a primeira história que escrevi, a mesma
que tenho uma pequena vergonha alheia sempre que a releio, mas foi parte
do meu processo de evolução de escrita. Obrigado Larissa, por ser uma das
poucas pessoas que sempre me incentivaram, e minha companheira de
leitura também! Ah, não vamos esquecer do k-pop hahaha... Passamos
horas falando.
Um muitíssimo obrigado à Maria Clara Santos, a mesma que está na
capa. Acreditem se quiser, mas a ideia de sair à procura de vestimentas,
fotos e locação para a capa, foi toda dela. Obrigado mesmo por ter topado
essa brincadeira comigo, foi muitíssimo divertido. Aproveitei cada
momento, e é uma coisa de que nunca irei esquecer, pois você me ajudou a
realizar um dos meus maiores sonhos.
Quero agradecer também ao Igor Chagas, um amigo que conheci
por causa do k-pop, mas que, apesar disso, é um designer talentosíssimo, e
foi ele quem editou a capa. Obrigado por essa obra de arte!
Por fim, quero agradecer a todos os meus leitores do Wattpad, eu
não estaria aqui se não fosse por vocês. Obrigado àqueles que
acompanharam desde o primeiro capítulo de “De Repente, Marquesa”!
Obrigado também àqueles que sempre acreditaram em mim e nas
minhas histórias, espero ter tocado vocês de alguma forma...
Enfim, MUITO OBRIGADO!
Table of Contents
I O PIOR BAILE DE DEBUTANTE DE TODOS OS TEMPOS
II SE ARREPENDIMENTO MATASSE...
III NÃO TINHA UMA COR FAVORITA ATÉ ENTÃO
IV O RUDETÍMIDO MARQUÊS
V CASAMENTO É COVENIÊNCIA, AMOR É SORTE
VI PEQUENAS ARANHAS CAUSAM GRANDES PROBLEMAS
VII SOMERSET
VIII UM PASSEIO COM DESEJOS
IX AMOR OU DESEJO?
X MÁ NOTÍCIA
XI DESEJO MISERÁVEL
XII CASAMENTO, ANSIEDADE, PERDÃO E TUDO O MAIS
XIII UM BELO DIA PARA CHRISTINA E O HOMEM MURALHA
XIV DUELOS SÃO PROIBIDOS
XV A PIOR DAS CALÚNIAS
XVI O PODER DA SEDUÇÃO
XVII TODA A VERDADE
XVIII A ÚLTIMA COLUNA
XIX CANÇÃO DE AMOR
EPÍLOGO

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