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Copyright © 2021 Alice Dubois Todos os direitos reservados Os personagens e eventos

retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
mortas, é mera coincidência e não foi pretendida pelo autor.

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Design da capa por: Alice Dubois


Imagem de capa: Adobestock
Escrevo este prefácio para alertar ao leitor sobre alguns pontos importantes desta história. O
primeiro deles, e talvez mais importante, é de que este livro é a continuação de “Tentações do
Coração”, apesar de que possa ser lido independentemente sem problemas. Não é necessário ler
o livro anterior para entender “O conde recluso”, mas boa parte das personagens desta história
vem do livro anterior, então fica a seu gosto lê-lo ou não, mas fortemente recomendo a leitura de
“Tentações do Coração” para que seja uma experiência mais interessante.
O segundo ponto que venho esclarecer é sobre a época em que o livro se passa. A história do
livro transcorre no período conhecido como “regência”, que ocorreu no início dos anos 1800, não
se tratando de um romance vitoriano. Tomei a liberdade criativa com certos locais e distâncias,
uns existem realmente, outros não, então perdoe-me em relação a tais fatos. Espero que goste
deste romance, é um prazer tê-lo por aqui!

Alice Dubois
Arabella Clifford respirou exasperadamente e levou as mãos para o alto em um gesto
cansado. Seu cabelo preso de forma elaborada junto a cabeça, se sacudindo levemente pelo
nervosismo da jovem, fazendo com que alguns fios caíssem levemente sobre o seu rosto sem que
ela notasse.
— Eu já disse a você que não preciso da permissão de meu irmão para nada. — Falou ela
enfadada — Agora me deixe cuidar de mina vida e vá cuidar da sua.
— Isso é impossível, senhorita. Sou paga para segui-la até o inferno. — Respondeu Holly
Bromley, a dama de companhia, pouco se importando com os caprichos da moça — O Marquês
e a Marquesa não aprovarão o seu anúncio sem que estejam presentes no baile.
Arabella revirou os olhos e bateu as duas mãos no vestido para tentar se livrar dos vincos
formados no tecido.
— O Marquês e a Marquesa estão ocupados demais com o nascimento do segundo filho,
minha querida Holly. Além do mais, não sou propriedade exclusiva de Jack, posso muito bem ir
a um baile da sociedade sem que seja necessário implorar por isso.
A dama de companhia arqueou os ombros e olhou para o céu como se implorasse a Deus
para que colocasse um pouco de juízo na cabeça da jovem dama, Holly já tinha se habituado ao
gênio forte da garota e não se importava mais com os seus caprichos de moleca, mas Arabella era
uma dama pouco convencional e muito cabeça dura que insistia sempre em ter a palavra final em
qualquer discussão. Nem mesmo a marquesa, cunhada e melhor amiga da moça, era capaz de
frear os impulsos ocasionais que a acometiam.
De certo, Arabella Clifford era um espírito livre e odiava ter de se encaixar nos padrões da
sociedade inglesa tal qual como tinha sido criada para fazer. Claramente, o casamento por amor
entre o irmão e a cunhada tenha mudado algo em seu coração, lhe dando esperança de encontrar
um amor para sie viver a sua versão de felizes para sempre enchendo a casa de bebês como a
Marquesa tem feito. Mas esse já se tratava de seu segundo ano desde que debutou e ainda não
viu nem de perto um cavalheiro que a fizesse se sentir especial de alguma forma, eram sempre os
mesmos rostos, muitos deles a viam apenas como uma parideira ambulante.
Isso não era nem um pouco justo. Arabella gostaria de ser vista mais do que a viam, não
precisava se casar urgentemente e tinha o consentimento de seu irmão para esperar o tempo que
fosse, mas o tempo estava passando depressa e a dama estava começando a se cansar de ver
todas as suas conhecidas se casarem e terem suas próprias famílias. Sentia-se perdida, não que
estivesse desesperada, mas era como se tivesse falhado em sua busca pelo amor durante todos
esses anos. A frustração começava a surgir em seu peito bem depressa, deixando-a confusa e
perdida.
— Querida, não é possível forçar o amor. Ele virá em seu tempo certo. — Holly proferiu
acariciando o ombro da garota — Quanto mais se busca desesperadamente por algo, menos você
tem chances de encontrar. O amor simplesmente acontece.
— São belas palavras, certamente. Mas o que sabes sobre o amor, Holly? És tão solteira
quanto eu, e que eu saiba não há nenhum pretendente em vista.
— Estava tentando ser cordial, senhorita. Não precisava me estrangular com belas palavras.
— Ela bufou.
— Só estou dizendo que não preciso de conselhos amorosos, estou disposta a seguir o meu
coração.
— Seu coração dispensou ótimos pretendentes, inclusive um príncipe e um duque. Talvez
seja hora de deixar todos esses sonhos infantis de lado, senhorita.
Arabella olhou para a mulher muito ofendida. Como ela podia cogitar deixar de lado a
chance de se apaixonar para apenas alcançar um bom casamento? Pouco lhe importava os títulos
nobiliárquicos, nenhum de seus antigos pretendentes fora capaz de fazê-la sentir qualquer
sensação em especial, era como acordar em um dia nublado e ter a sensação de um imenso nada
no peito. Não podia se submeter a esse tipo de situação, por mais curiosa que estivesse para saber
como os bebês são feitos.
Apesar de tudo, Arabella entendia a preocupação de Holly. Infelizmente, ainda viviam em
um mundo em que as mulheres tinham de se submeter aos caprichos masculinos e dançar
conforme os seus passos, para ser uma senhora distinta e respeitada, tinha de ter o título de
mulher casada junto ao sobrenome de um marido. Não havia a mais remota chance de ser
respeitada por si só como uma mulher solteira, todos a viam como uma indefesa dama de olhos
claros e cabelos loiros que precisava ser protegida de todo o mundo e seus perigos.
As mulheres de sua época não eram criadas para enfrentar perigos, mas sim para bordar e
tocar algum instrumento para entreter o marido. Não que isso fosse um problema, mas gostaria
de ter alguém ao seu lado que não exigisse que ela fosse uma dama perfeita e comportada por
todo o tempo e a deixasse ser livre como tanto aprecia. Arabella necessitava de sua própria
liberdade, mesmo que parecesse assustador de vez em quando.
— Deixe me fazer um combinado, Holly — Começou a dizer — Se esta noite eu não me
sentir diferente sobre nenhum cavalheiro, prometo escolher o mais adequado para uma união
nessa temporada.
— Não pode estar falando sério. — A dama de companhia arqueou uma sobrancelha.
— Nunca estive tão séria em toda a minha vida.
— Certo. Mas não há como se apaixonar em uma só noite, senhorita. Seu plano não é
exatamente o melhor, talvez devesse reconsiderar.
— Não me importo. Há sempre uma chance, não é mesmo? Preciso acreditar.
Arabella já nem sabia mais no que devia acreditar, era como mentir para si mesma a cada
palavra. Acreditar no amor era sua única esperança, nunca vira o amor dentro de seu lar pois seus
pais estavam em um casamento de conveniência. Ambos não eram exatamente um grande
exemplo de apaixonados, a relação fria entre seus pais era capaz de congelar toda a residência de
Winston em um simples encontro, apesar de ainda ser muito jovem para entender a convivência
dos dois, Arabella ainda se lembra dos silêncios desconfortáveis que tomavam conta da maioria
das refeições na sala de jantar.
Apesar de tudo, o sonho de se apaixonar como em um romance dos livros ainda permeava a
sua mente todos os dias, todas as manhãs quando acordava Arabella não podia deixar de
imaginar como seria ter alguém ao seu lado que fizesse seu coração estremecer no peito. Esse era
o tipo de amor que ela podia presenciar na relação do irmão com a sua cunhada, Olivia e Jack se
amavam incondicionalmente de maneira com que Arabella podia ver em seus olhares gentis e
sorrisos escondidos. Ainda podia se permitir sonhar em encontrar um amor verdadeiro, se há
algo que Olivia a havia ensinado, era que valia a pena esperar.
Mas Olivia não era a irmã de um marquês, havia uma pressão maior sobre os ombros de
Arabella, os comentários já começavam a assolar a sociedade e era difícil fingir que tudo aquilo
não a afetava de alguma forma. Arabella sempre pensou que se casaria antes do irmão mais
velho, e agora tinha se tornado a tia solteirona, céus!
— Vamos, Holly — Arabella respirou fundo — Aperte mais o espartilho, tenho certeza de
que essas fitas aguentam um pouco mais de pressão. Essa noite tem de ser especial.
— É claro, senhorita. Como quiser.
E assim a dama de companhia ajudou a garota a se aprontar para o baile. Desde que Arabella
tinha sido enviada a Londres para a temporada, Holly tinha se demonstrado cautelosa, a
preocupação para com os boatos que circundavam a jovem irmã do marquês incomodava a dama
de companhia, Holly possuía muito apresso pela menina e odiaria vê-la sofrer outra vez, tinha
medo de que a frustração corrompesse o espírito doce e livre de Arabella.
Quando a jovem terminou de se arrumar, parecia deslumbrante como uma princesa
estrangeira. Seu cabelo loiro tão claro como a lua estava preso no alto em um coque sofisticado,
algumas pequenas mechas caíam sobre os ombros de forma adorável. Os brincos de pérola
enfeitavam as orelhas e uma linda gargantilha prateada que fora de sua mãe lhe dava um toque
refinado em sua pele branca como mármore. Seu vestido de cetim azul realçava a sua delicadeza
inerente, suas bochechas rosadas pelo ruge davam uma cor especial ao seu rosto gracioso.
A carruagem chegou depressa a residência prontamente para levá-las ao baile de Lady
Enderberg, Arabella tomou o seu assento um pouco nervosa, sabia que a promessa feita a Holly
era absurda. Na verdade, era apenas um pretexto para que pudesse desistir de todos os seus
sonhos infantis, afinal de contas, já era uma mulher feita e não podia mais se dar ao luxo de se
apegar a essas convicções tão libertárias de um futuro distante.
Quando chegaram ao solar de Enderberg, Arabella estava pensativa. Não pronunciou
nenhuma palavra no caminho até o salão, não até que fosse necessário colocar um sorriso no
rosto para cumprimentar as outras senhoras com seus olhares bisbilhoteiros. A canção que uma
jovem tocava ao piano alegrava o recinto, talvez a música a tenha deixado subitamente animada,
Arabella amava os bailes e especialmente os flertes na pista de dança. A jovem correu os olhos
ao redor para observar atentamente os mesmos rostos da aristocracia que já conhecia, as
jovenzinhas que debutavam pela primeira vez estavam nervosas esperando ansiosas nos cantos
pelos pretendentes adequados as tirarem para uma dança.
— Veja só quem se aproxima, senhorita. — Holly falou baixinho em um tom amargo.
Arabella virou o seu rosto a tempo de ver a mulher ruiva chegar com um sorriso colado no
rosto.
— Arabella, querida! — Falou Beatrix Beaumont, que agora era Beatrix Walker, com seu
habitual tom forçado de amizade.
— Beatrix — A garota fingiu surpresa e sorriu de volta — Eu não imaginava que a veria
novamente, pensei que estivesse morando em Paris.
— E estou. Meu marido veio a Londres a negócios e achei que seria uma boa oportunidade
para visitar meus velhos amigos.
Arabella sorriu para a ruiva, pelo que se lembrava, as duas nunca tinham sido de fato amigas.
Beatrix fora noiva de seu irmão durante algum tempo, mas Jack conheceu Olivia e Beatrix nunca
o perdoara por ter escolhido uma moça qualquer do campo para se casar. A ruiva até mesmo
tentou fazer com que os dois se separassem apesar de negar isso veementemente.
— E como vão seus filhos? Ouvi dizer que inverno passado dera a luz a uma garotinha.
Minhas felicitações.
— Estão perfeitamente bem e saudáveis, vir ao baile é somente uma desculpa para me livrar
do choro infantil em meus ouvidos por um momento. — Ela riu — Entenderá bem o que digo
quando tiver os seus próprios filhos. Espero que não demore, a idade chega para todas nós, se é
que me entende.
Arabella suspirou exasperada e encarou a ruiva com ultraje.
— É claro — forçou um sorriso — Já posso ver pequenas rugas se formando no canto de
seus olhos, talvez precise mesmo descansar um pouco.
O sorriso de Beatrix se desvaneceu rapidamente e ela torceu os lábios em uma carranca.
— Bem, preciso me retirar agora, meu marido está a minha espera. Foi um prazer revê-la,
Arabella. Espero que tenha mais sorte nesta temporada e encontre um bom marido, você sabe, as
pessoas estão começando a falar.
— Obrigado pela sua preocupação. — Respondeu docemente — Mas não estou desesperada
para encontrar um marido, tudo tem o seu tempo.
A ruiva assentiu e abriu um sorriso falso.
— Espero que tenha mais sorte dessa vez, querida. — Falou Beatrix se retirando.
Holly olhou para Arabella preocupada e franziu o cenho.
— Odeio essa mulher. Porque ela sempre tem de ser tão insolente?
— Está tudo bem, Holly. — Arabela suspirou sentindo vontade de chorar — Ela só está
sendo amarga como habitualmente é.
— Gostaria que a marquesa estivesse aqui para dar um bom safanão nessa senhora!
— Holly!
— Só estou dizendo — a dama de companhia começou — que a senhorita não precisa
escutar o veneno destilado por essas bisbilhoteiras.
Arabella sacudiu a cabeça e encarou o chão por um momento, sempre quis mais do que tudo
possuir uma família só sua, mas nunca pensou que no final das contas isso fosse assim tão difícil.
Estava tão distraída em seus próprios pensamentos que sequer vira Lady Enderberg chegar, a
anfitriã da festa era uma senhora velha e corpulenta conhecida por ser a maior casamenteira de
toda a cidade. Georgina Enderberg era uma viúva rica sem muitos afazeres além de ler a coluna
social dos jornais e conseguir bons casamentos arranjados para nobres.
— Arabella Clifford — Falou a senhora — Levante este rosto, menina. Os pretendentes não
olharão para as moças curvadas como uma árvore retorcida.
A jovem sorriu para Georgina Enderberg e fez uma breve reverência.
— O baile está divino, Lady Enderberg. Ainda não agradeci pelo convite, devo dizer que
estou honrada por se lembrar de mim.
— E como eu poderia não me lembrar de uma Clifford solteira, minha querida? — A velha
sorriu — Um rosto tão deslumbrante quanto o seu merece um pouco mais de atenção. Venha,
quero que conheça alguém especial essa noite.
A mulher tomou o braço de Arabella e a puxou para longe, deixando Holly para trás sem
saber o que dizer. As duas atravessaram o salão até a biblioteca, repleta de jovens rapazes e
senhores distintos, a jovem sentiu-se subitamente envergonhada porque todos os olhares se
direcionaram até ela. Muitas vezes, Arabella não tinha plena consciência de sua beleza delicada e
jovial, ser a irmã do marquês de Winston também não melhorava as coisas, não era todos os
rapazes que se sentiam fortemente encorajados de se aproximarem da jovem. Todos sabiam que
Jack Clifford nunca a deixaria se casar com qualquer um.
Se aproximaram de um grupo de rapazes que conversavam fervorosamente, Georgina os
interrompeu com a sua presença impassível e pigarreou.
— Lorde Blythe, lhe apresento a jovem Lady Clifford. — Falou a velha tocando o braço de
um homem. — Arabella, esse é Harvey Blythe, um bom amigo da família.
Arabella perdeu o fôlego naquele instante, os olhos castanhos e adoráveis do rapaz se
encontraram com os dela. Ele era alto, seu cabelo era de uma cor escura tanto quanto seus olhos,
sua presença era forte e a garota se esqueceu do que fazer quando lorde Harvey estendeu a sua
mão até ela.
— É um prazer, senhorita. — A voz rouca soou perfeitamente agradável aos ouvidos da
moça, Arabella ofereceu a sua mão e prendeu a respiração quando ele depositou um beijo suave
no topo do dorso de sua mão.
A garota ruborizou e sentiu o seu rosto queimar.
— Blythe está na cidade para resolver algumas questões de negócios — Introduziu Lady
Enderberg — Por enquanto tem ficado na residência do conde de Dwennon, achei que seria
apropriado apresentá-los hoje. A senhorita Clifford só está em Londres para a temporada, isso
não é perfeito?
Harvey sorriu gentilmente para a velha senhora que se retirou rapidamente e então
concentrou seu olhar na bela moça a sua frente.
— É a mais bela senhorita de todo o baile.
— Me sinto lisonjeada, mas elogios não me atraem nem um pouco. O senhor é muito cortês,
lorde Blythe, estou surpresa por nunca ter ouvido falar do seu nome.
— Acabei de voltar do Oriente. Sou capitão da marinha e estive em uma expedição para a
coroa, retornei à Inglaterra esta semana. — Proferiu ele com um sorriso no canto dos lábios —
Não sou do tipo de cavalheiro muito presente nos eventos sociais, por assim devo dizer.
Arabella sacudiu levemente a cabeça surpresa, não estava esperando por encontrar um
verdadeiro marinheiro a sua vista. A presença de Harvey era agradável, a forma com que ele
gesticulava devagar enquanto pronunciava as palavras era fascinante.
— Temo que não posso dizer o mesmo, milorde. Adoro as festividades, por isso me
entristece estar longe de Londres. Não sei como pode suportar a vida de viajante.
— Nunca tive outra escolha. — Falou Harvey Blythe — Gostaria de me estabelecer na
cidade e construir raízes, a única aventura que desejo de agora em diante é ter uma família.
A garota piscou iluminada. Era tudo que mais queria, mas não quis se mostrar desesperada
em frente aquele cavalheiro, decidiu então sorrir e mudar de assunto.
— Lady Enderberg disse que está hospedado na residência do conde de Dwennon —
pigarreou — Confesso que estou surpresa, nunca ouvi uma só alma dizer que o conde possui
amigos.
Harvey deu uma gargalhada bastante surpreso.
— Sei que meu amigo pode ser um tanto bruto em seus modos, talvez de fato Robert
Winslow não tenha muitos amigos próximos, mas com certeza tem amigos, senhorita.
— Desculpe-me, não queria ter soado tão rude.
— Está tudo bem. — Ele sorriu em divertimento — Winslow não é mesmo muito amigável,
mas somos bons amigos desde tenra infância. Nos conhecemos no colégio interno ao norte, é o
tipo de amizade que durará a vida inteira.
Envergonhada, Arabella curvou se e encolheu os ombros.
— Me sinto patética agora, milorde. Sinto muito por ter soltado um comentário tão
indelicado sobre seu amigo.
Harvey tomou a mão de Arabella, fazendo-a estremecer com o seu toque, mesmo que sobre a
sua luva macia. Um gesto pequeno que fora capaz de balançar a garota de uma forma
inexplicável. Ela engoliu seco e fixou seu olhar nos olhos castanhos do gentil lorde.
— Só a perdoarei de fato se aceitar meu convite para um chá amanhã pela tarde, Lady
Clifford. Receio que é a única saída.
A garota sorriu desajeitadamente.
— Acho que dessa forma terei de aceitar, milorde.
Um dos rapazes do grupo chamou a atenção de Harvey Blythe, pedindo-o que viesse
cumprimentar algum convidado. Harvey beijou novamente o dorso da mão da dama e virou-se
depressa.
— Mal posso esperar para continuarmos nossa conversa, senhorita.
A jovem estava animada, a alegria que transbordava de seu sorriso podia ser sentida por
Holly, que infelizmente tinha de agir como a voz da consciência para a garota e fazer com que
ela mantivesse os pés no chão. Holly não desejava que a sua protegida se decepcionasse mais
uma vez, não poderia suportar ver a frustração nos olhos doces da moça mais uma vez. Holly
conhecia bem os homens, muito mais do que Arabella jamais ousou conhecer, a dama de
companhia tinha de cumprir o seu papel em alertar a garota sobre os cafajestes e suas mãos
inquietas, a moça era um poço de inocência e Holly não queria ser a pessoa que tiraria isso dela.
A única missão que Olivia, a marquesa, a encarregou era de manter a jovem cunhada segura
e nunca a deixar sozinha na presença de um cavalheiro, excepcionalmente dos quais não
possuíam boa fama. Acontece que Blythe não possuía fama alguma, poucos era os que já tiveram
ouvido falar de seu nome, pelo que soube, o lorde ingressara na marinha muito cedo e fizera sua
vida navegando em águas estrangeiras. Lorde Blythe era uma incógnita para todos naquele
momento, e talvez uma deliciosa surpresa para as mães casamenteiras dispostas a conseguirem
um bom partido para as jovenzinhas.
O homem era bem-apessoado, bonito e gentil. Tudo isso além de ser amigo do conde de
Dwennon, que apesar de recluso e misterioso para muitos, tinha fama de justo e bom homem.
Também não se sabia muito sobre o conde, Winslow era um homem discreto e quase nunca era
visto socialmente desde a morte da sua última esposa há sete anos. Todos respeitavam o seu jeito
retido e não se intrometiam em seus negócios, e assim as coisas vinham funcionando muito bem
para ele nos últimos anos.
— Senhorita, — Holly começou a dizer tocando levemente o braço da garota — Sei que está
animada em conhecer lorde Blythe, mas peço que por favor seja cautelosa até termos certeza de
que ele é o homem certo.
— Ele é o homem certo, Holly. Tenho absoluta convicção de que encontrei o cavalheiro
perfeito dessa vez.
A dama de companhia revirou os olhos discretamente e rangeu os dentes. A carruagem
sacudiu ao passar pelas pedras e a mulher se segurou preocupada.
— E como pode ter tanta certeza se mal o conhece?
— Porque lorde Blythe mencionou seu desejo de constituir uma família em nossa primeira
conversa, isso não é adorável? Sei que ele é o homem certo para mim pela forma com que me
olhou quando me vira pela primeira vez, senti algo diferente em mim. Eu sinto que dessa vez
estou trilhando o caminho certo.
— Arabella — Holly direcionou um olhar sério para a menina sem saber como dizer o que
pensava sem a magoar — Talvez seja cedo demais para dizer este tipo de sandices.
— Você mesma me dissera que eu deveria conseguir logo um marido adequado, Holly. Estou
fazendo a coisa certa, estou fazendo o que todos esperam de mim.
A garota se encostou na carruagem e brincou com os polegares sobre o colo, um pouco
desajeitada. Não estava a entender a súbita preocupação da dama de companhia sobre os seus
pretendentes, Holly nunca se metera em seus flertes e sempre a consolara quando nenhum deles
se mostrou forte o bastante para ir adiante. Tudo que ela desejava era que Arabella conseguisse
um bom casamento e fosse feliz.
A carruagem parou em frente à entrada da propriedade, um muro de pedra extenso cercava o
palacete, no limite da cidade as casas não eram nada apertadas como nos bairros ao centro. Um
lacaio esperava no portão de hastes de ferro com as mãos cruzadas para frente, cumprimentou
ambas as moças com gentileza e as guiou pela entrada do jardim. Árvores altas cobriam o
caminho, o jardim parecia depreciado como se não houvesse sequer uma só mão que ousasse
tocá-lo. Por toda a parede de pedra da entrada da enorme residência do conde, crescia uma
trepadeira que tomava conta de cada centímetro com suas folhas verdes pequeninas e galhos
ardilosos.
A casa possuía um ar sombrio, algo que Arabella não esperava de uma residência de alguém
tão importante. Para ela, tudo ao redor possuía um ar decrépito e bucólico ao qual ela não
conseguia se familiarizar. Passara toda a noite curiosa sobre como seria sua visita ao possível
pretendente, mas naquele momento teve uma sensação estranha.
— Lady Clifford? — Ouviu Harvey dizer o seu nome do topo das escadas da porta de
entrada.
— Milorde.
Holly segurou o braço de Arabella suavemente e sorriu. Logo o rosto da moça se iluminou ao
ver o bonito lorde Blythe com seu sorriso alinhando.
— Estou imensamente feliz que tenha vindo, confesso que estive receoso se meu convite
soara muito apressado. — Falou ele estendendo a mão em direção a garota para lhe ajudar a subir
os degraus cautelosamente.
— E porque soaria? É somente um convite para um chá, o que é perfeitamente normal,
milorde.
— Talvez eu tenha ficado de fora dos costumes sociais nos últimos anos, não sei mais se
estou atento a este tipo de situação.
O mordomo recolheu os chapéus das damas e se retirou pelo corredor. Ao entrarem, Arabella
teve a impressão de que de dentro da casa, o lado de fora mais se parecia com o cair da noite.
Tudo era escuro e pouco confortável, mas assim como ela, Blythe era apenas um convidado e a
moça estava ciente de que a decoração de seu anfitrião nada tinha a ver com o jovem.
O lorde as direcionou até a sala de estar, um cômodo espaçoso com sofás antigos e bem
conservados, uma enorme lareira jazia em uma das extremidades, nas paredes os quadros de
família enfeitavam o recinto. Um serviçal trouxe chá e biscoitos recém assados depressa, a
mulher proferiu um breve cumprimento e se retirou da sala em passos silenciosos.
— O conde não virá nos receber? Receio que nunca o conheci pessoalmente. — Falou
Arabella observando as flores frescas no vaso de plantas em cima da mesa de centro, sendo o
único resquício de um cuidado mais próximo com a decoração.
— Ele está em seu escritório, não quis nos incomodar com sua presença por mais que eu
tenha dito que não é nenhum incômodo. Robert tem seu jeito peculiar de ser, espero que
compreenda.
Ela assentiu pensativa.
— O que o trouxe a Londres, lorde Blythe? Blythe... acho que não conheço sua família na
cidade.
— Não viemos da nobreza, senhorita. O próprio rei George me concedeu a honraria ao voltar
de uma expedição de interesse real. Meu falecido pai era um dono de terras ao norte do país, não
somos daqui.
Arabella piscou surpresa, não era absolutamente fácil conseguir um título nobiliárquico que
não fosse herdado hereditariamente. Para ser sincera, a garota nem fazia ideia quem tinha sido o
primeiro Clifford a se tornar marquês em sua família, nunca quis carregar toda a
responsabilidade que o seu nome lhe trazia. Imagine só ser nomeado pelo próprio rei, era uma
responsabilidade a qual a deixava assustada.
— E não tem nenhuma família por aqui? — Questionou.
— Na verdade não. Minha mãe e minhas irmãs ainda moram no mesmo lugar. — Harvey
olhou de relance para o corredor vazio e voltou o seu olhar para as moças — E a senhorita, Lady
Clifford? O que uma garota de Winston veio fazer em Londres?
— A temporada aqui é sempre muito divertida, gosto dos bailes e das festividades. Não sou
bem uma dama do campo, afinal de contas. Sempre venho acompanhada de meu irmão e minha
cunhada, mas dessa vez a marquesa está prestes a conceber mais um herdeiro e não seria
aconselhado uma viagem tão longa.
— É uma surpresa que o marquês tenha deixado com que a irmã viesse sozinha.
— Jack não manda em mim, creio que ele possui os próprios problemas da vida para cuidar.
E certamente não estou sozinha, Holly é minha companheira inseparável, até mesmo quando não
a quero.
Holly acotovelou a moça levemente nas costelas como aviso. Arabella olhou para a dama de
companhia um pouco irritada e respirou fundo.
— Quer um pouco de chá, senhorita? — Perguntou a mulher.
— Obrigada, Holly.
A dama de companhia se inclinou para alcançar o bule, preenchendo a xícara de Arabella
gentilmente com a bebida, bem quando Arabella chutou de leve o calcanhar de Holly, fazendo-a
saltar subitamente e derrubar o chá em sua saia.
— Oh meu Deus! Me desculpe — Disse Arabella em um tom forçado — Que vergonha, não
posso acreditar que provoquei tudo isso.
A mulher olhou para ela como se desejasse apunhalá-la com uma faca nas costelas, e então
respirou fundo de forma calma e paciente.
— Está tudo bem, senhorita. — E então disse se direcionando ao lorde — Preciso ir à
cozinha limpar-me.
— Basta seguir o corredor até o fim, então vire a esquerda e chegará até lá. Espero que não
tenha se queimado...
— Ela está bem — Interrompeu Arabella com um sorriso largo — Só obteve uma mancha
terrível em seu vestido, acho melhor lavar com água corrente antes que não saia mais.
Holly sacudiu a cabeça e se levantou insatisfeita, entendendo o recado da moça. Arabella
gostaria de ficar alguns momentos as sós com o lorde. Holly não achou que fosse um problema,
especialmente em uma casa cheia de serviçais, se demorasse alguns minutos na cozinha não
haveria problema algum. Com isso em mente, caminhou devagar seguindo caminho apontado
pelo homem, deixando a garota sentada em seu lugar com as bochechas coradas de um tom de
rosa muito vívido.
— Quase me esqueci, trouxe-lhe um presente, senhorita. — Disse lorde Blythe
repentinamente — É algo especial que pensei que gostaria.
Os olhos de Arabella brilharam de empolgação. Já estava mais do que acostumada a receber
presentes dos cavalheiros, mas era sempre excitante ganhar algo novo comprado especialmente
para ela.
— Não era necessário, milorde. — A garota levou uma mão até a boca — É muito gentil de
sua parte.
— Aguarde só um momento, sim? Deixei em meu outro paletó nos meus aposentos. Prometo
não demorar.
Ela assentiu frustrada e observou o rapaz deixar a sala apressado e subir as escadas. No final
de tudo, terminou sozinha sentada no sofá com um olhar de boba colado no rosto, olhou ao redor
e respirou fundo aborrecida. Levantou-se e começou a caminhar pelo cômodo, observando os
quadros na parede cautelosamente, isso até escutar um barulho surpreso do outro lado do
corredor.
Caminhou devagarinho até lá com cuidado, escondendo-se a todo tempo atrás da parede, se
esgueirou para averiguar de onde vinha o barulho. Era um arranhar estranho contra o chão de
madeira que fez com que todos os pelos de seu corpo se eriçassem. Olhou pelo canto da parede,
tudo para ver um grande gato branco arranhando a porta de entrada. Suspirou aliviada e chamou
o animal, abaixando-se para pega-lo no colo. O gato sequer a estranhou, subiu em seu colo com
facilidade e descansou nos braços de Arabella preguiçosamente, era um animal pesado e gordo,
talvez estivesse caçando mais ratos do que deveria, pensou a garota.
— Olá, cavalheiro. — Ela disse ao gato — O que está procurando por aqui?
— Não o deixe sair — Disse uma voz grossa detrás da moça — Não quero que suma
novamente.
Arabella se ergueu sobre seus calcanhares rapidamente e se virou a tempo de encarar o
cavalheiro alto se aproximar do outro lado do corredor. O homem vestia um sobretudo grosso
apesar de ser um dia relativamente ameno destacando seus ombros largos alinhando, seu cabelo
era grande na altura das orelhas, de um castanho claro brilhante e macio. Os olhos azuis de um
tom acinzentado eram penetrantes como dois orbes brilhantes de diamante, seus lábios eram
finos e um pouco recobertos pela barba grande, deixando-o muito mais velho do que realmente
era. A princípio, a moça perdeu as palavras ao se deparar com o atraente estranho.
— Perdão, eu não pretendia...
— Não me importo com o que pretendia fazer, senhorita. Apenas não o deixe sair.
Ela engoliu seco desconcertada e colocou o animal no chão cautelosa, e então bateu as mãos
nas saias do vestido forçando um sorriso.
— Sou Arabella Clifford. — Ela estendeu a mão tentando quebrar o desconforto da situação.
— Winslow, Robert Winslow. — Respondeu ele sem alcançar a mão da garota. — E sei de
quem se trata a senhorita, conheci vosso irmão há algum tempo.
Arabella recolheu sua mão envergonhada e sacudiu a cabeça. Estava em frente ao conde de
Dwennon, o famoso conde recluso ao qual poucos tinham o prazer de conhecer. Ou talvez o
desprazer, porque parecia na verdade que os modos do conde não eram lá os melhores.
— Oh, isso me parece interessante. Eram amigos?
— Ele flertara com a minha então esposa na época. — O conde virou-se de repente e
observou o gato deixar a sala em direção ao corredor dos quartos — Não posso dizer que aprecio
o sujeito.
Naquele momento, Arabella não soube bem o que deveria dizer. Afinal de contas, sabia bem
que o irmão se tratava de um grande cafajeste em seu passado, felizmente deixou toda essa vida
para trás ao se casar com Olivia.
— Tenho a alegria de dizer que Jack já não é mais o mesmo, não posso ser punida pelos
pecados de meu irmão.
— Certamente. Afinal de contas, me parece muito adequado uma dama sozinha em minha
sala.
A garota sentiu o rubor subir em seu rosto e queimar suas bochechas.
— Estou à espera de lorde Blythe, milorde.
— Entende que isso não melhora em nada a vossa situação? — Disse o conde de maneira
rude, encarando-a firmemente.
— Não é exatamente assim que...
— Lady Clifford? — Disse a voz de Lorde Blythe surgindo nas escadas com um sorriso no
rosto e um olhar confuso — Vejo que conhecera Robert.
O conde olhou para o amigo de maneira estranha e respirou pesadamente.
— Não aprecio que tenha encontros com moças em minha casa, Harvey. Não me parece nada
adequado ter uma visita de uma jovem dama sozinha, ainda mais se tratando da irmã de um
marquês.
— Não é o que estás a imaginar. — O lorde se aproximou da garota e estendeu as mãos onde
carregava consigo uma pequena caixinha de madeira forrada — Gostaria de iniciar o cortejo a
Lady Clifford. Aceite este singelo presente para oficializar minhas intenções.
Arabella olhou para Blythe assustada, levou uma mão ao rosto surpresa pela rapidez com que
a situação se desenvolvera, nem em seus mais remotos sonhos pensara em encontrar um
cavalheiro tão disposto a desposá-la tão rapidamente. Seria amor à primeira vista? A garota não
tinha como saber, mas sentiu-se extremamente lisonjeada pelo gesto gentil, seu coração sacudiu
no peito e Arabella prendeu a respiração. Foi nesse exato momento que a confusa Holly Bromley
entrou na sala com a saia de seu vestido levemente umedecida, olhando para a situação sem
entender o que se passava entre aqueles senhores distintos.
A garota aceitou o presente com um sorriso no rosto e abriu a pequena caixinha, por dentro,
era forrada por veludo vermelho de forma elegante, e no centro havia um cordão dourado.
Arabella piscou extasiada e pegou o cordão com as pontas dos dedos, completamente
maravilhada, suspirou e sorriu para lorde Blythe. A joia se tratava de um cordão de ouro maciço
com um pequeno pingente brilhante, havia uma pedra preciosa de cor esverdeada no centro que
refletia a luz de todos os cantos.
— Não sei como agradecê-lo, milorde. É maravilhoso.
— Apenas diga que aceita a minha corte — Respondeu Blythe — Seria a resposta adequada
que tanto anseio.
O conde varreu o rosto do amigo com um olhar desconfiado e então moveu os seus olhos em
direção a dama, a jovem inocente exalava um ar pudico e jovial, parecia completamente
hipnotizada pela ideia de ser cortejada por Harvey Blythe. A irmã do marquês obviamente não se
tratava de uma qualquer, a sua vinda para a propriedade do conde era inocente, mas certamente
inadequada sem a presença de seu irmão para selar qualquer compromisso. A moça parecia não
fazer ideia disso ou fazer pouco caso das formalidades, aquele fato intrigou Robert muito mais
do que ele gostaria, estava curioso para ver o desfecho de tal história.
— Já que o irmão de Lady Clifford não está presente para aceitar a proposta, Blythe, receio
que terei de supervisionar tal compromisso na falta de um tutor masculino que possa garantir a
integridade da moça. — Disse o conde.
— Isso não será necessário — Arabella se adiantou — Posso responder por mim mesma,
milorde.
— Isso não está sobre questionamento, Lady Clifford. Enviarei uma carta para o marquês
explicando a sua atual situação e repreendendo-o por deixar sua irmã mais nova sozinha em uma
selva de pedra.
O conde virou-se repentinamente e fez o seu caminho para fora do recinto pelo corredor.
Antes disso, olho uma última vez para Arabella apenas para conferir o rosto furioso da moça,
apesar de seu sentimento não ser um dos melhores pelo conde, os traços delicados e desenhados
do rosto da menina eram completamente adoráveis. Sentiu-se na obrigação de não deixar com
que mocinhas indefesas estivessem desprotegidas em meio a situações como aquela. Em tempos
remotos, O conde de Dwennon era um respeitado juiz, seu senso de respeito e apreço pela justiça
ainda corriam em suas veias mesmo anos depois de largar a sua respeitada posição.
— O que acabara de acontecer aqui? — Perguntou Holly com um sussurro, se aproximando
da dama bem depressa.
— Receio que nem mesmo sei.
Querida irmã,
Receio que recebi uma correspondência inesperada esta semana, tão inesperada que quase fui
ao chão, por sorte estava sentado em minha mais confortável cadeira. Um velho conhecido de
Londres se corresponderá comigo e me confidenciara alguns fatos um tanto surpreendentes,
preciso saber, como pretendias firmar um cortejo formal sem o meu consentimento? Sem ao
menos me comunicar de suas intenções? Imagine só minha reação ao saber disso por meio de um
respeitado senhor ao qual tive sérias desavenças em meu passado torpe, confesso ser uma
situação amarga que gostaria de ter evitado.
Por sorte, o conde de Dwennon é um respeitado senhor, suas intenções pareciam legítimas e
suas preocupações também. Em nome de seu amigo, pedira o consentimento para supervisionar o
cortejo de lorde Harvey Blythe a você. Nunca sequer ouvira falar o nome de tal lorde, não tenho
mais informações sobre seu pretendente, mas pedi que um lacaio investigasse. Graças ao conde
de Dwennon, tenho a certeza que o tal lorde possui as melhores intenções, concedo a minha
permissão para o cortejo, mas apenas com a presença do conde. Creio que seja o castigo
adequado a você, considerando o fato de que o conde não possui sequer um pingo de bom humor
em seu corpo, e que sua presença é extremamente desagradável e grosseira.
Quando voltar a Winston, teremos uma conversa interessante. Infelizmente não poderei ir a
Londres por mim mesmo, Olivia está em seu estágio final da gravidez e seria inadequado deixa-
la sozinha nesse momento. A propósito, Olivia pediu para que eu a lembre de “carregar sempre
uma lamina na barra de seu vestido”, seja lá o que isso queira dizer. Aguardo notícias suas,
minha irmã.
Jack Clifford, Marquês de Winston.

Arabella afunda em seu assento e deixa os ombros caírem. Não podia acreditar que o
grosseiro conde tinha realmente enviado uma carta ao seu irmão, que sujeito petulante!
Certamente, o conde não tinha nada a ver com as decisões que tomava a garota, e muito menos
era propriedade coletiva dos homens de bem. Porque uma mulher era impedida de tomar suas
próprias decisões e escolher o homem com quem passaria o resto da vida? Ao menos deveria ter
esse direto se esperavam dela que fosse uma boa esposa e trouxesse ao mundo alguns herdeiros.
Odiava o conde e seu súbito intrometimento em um assunto que nem lhe dizia respeito.
— Lhe disse que o príncipe Nórdico era um melhor pretendente, não estaria sendo
questionada nesse momento se estivesse casada e longe do país. — Disse Holly entregando a
garota uma echarpe cor de rosa para combinar com seu vestido novo.
— Isso foi há dois anos, Holly. E afinal de contas, odeio os países ao norte e o frio
congelante. — Respondeu Arabella beliscando as bochechas para dar alguma cor ao seu rosto
pálido — Não desejavas com que eu encontrasse o cavalheiro ideal? Pois então, encontrei lorde
Blythe. Não voltarei atrás em minha palavra.
A dama de companhia se inclinou e olhou a menina dos olhos bastante séria.
— Diga me que está fazendo tudo isso porque gosta do rapaz, e não porque desejas contrariar
o conde, querida.
Arabella sacudiu a cabeça e se levantou apressada para fugir dos olhares questionadores da
amiga, andou pelo quarto de um lado pelo outro e ajeitou os seios no seu espartilho apertado.
Não fazia ideia alguma de o porquê estava a fazer qualquer uma daquelas coisas, talvez fosse
porque estivesse entediada e cansada demais dos rapazes comuns da cidade, ou talvez estivesse
fazendo aquilo porque gostava de se sentir importante de alguma forma. Questionar a decisão
dos homens que gostavam de ditar regras em sua vida era seu passatempo favorito, desde o pai
falecera, sentiu-se livre das amarras que a prendiam completamente à masculinidade.
Afinal de contas, ela tinha ideia de que não era uma moça qualquer, desde sempre fora bem
instruída, além de aprender instrumentos e ter uma queda por livros, Arabella tinha a classe e o
prestígio que o título do irmão a trazia. Não era qualquer rapaz que estava disposto a pagar um
alto dote pela filha de um marquês, e irmã do atual marquês de Winston. As vezes era preenchida
pela sensação de que podia ter alguma escolha, mesmo que fosse uma falsa sensação mascarada
pelo controle da sociedade. Era divertido poder brincar com tudo isso, uma moça como ela não
tinha muitos passatempos interessantes o bastante.
— Estou fazendo o que é melhor para mim, e se no meio de tudo isso conseguir irritar aquele
conde grosseirão, ficarei imensamente satisfeita.
— Me parece justo. Que homem estranho!
— Dizem que está daquele jeito desde que perdera a esposa — Disse a garota — Perdi meus
pais cedo, mas de certo a vida não me tornara tão amarga e desairosa quanto aquele homem rude.
A garota sentou à beirada da cama e lembrou-se do homem por um segundo, os olhos azuis
acidentados que pareciam conseguir ler a sua mente. Aquilo a desconcertava completamente, o
conde era pelo menos quinze anos mais velho que a dama, sua presença imponente a deixava
desconfortável de uma forma estranha e incômoda. Ao contrário de lorde Blythe, que se tratava
de um homem gentil e bem-apessoado, o lorde com certeza sabia tratar uma dama da maneira
certa, Arabella até mesmo estava usando o presente do lorde naquele momento.
— Homens são complexos, senhorita. Não tente entende-los jamais.
— Parece entender bastante sobre os homens, Holly. Porque ainda não se casou e construiu
uma família? De certo há muitos cavalheiros dispostos para tal.
Holly respirou fundo, como poderia explicar certos fatos da vida a uma jovenzinha tão
inocente? A dama de companhia, que em um passado remoto se apaixonara por um homem
casado, entregou-se completamente a paixão e fora deixada de lado com um brinquedo usado.
Era jovem demais para saber que aquilo destruiria sua vida, se casasse sem dizer que já não era
mais uma dama, poderiam anular o casamento e seria escorraçada na sarjeta. O medo a fizera
deixar de lado seus sonhos, já não esperava mais encontrar um cavalheiro que a aceitasse com
toda a sua bagagem vergonhosa.
Antes que pudesse responder, alguém bateu à porta, em seguida, a governanta entrou.
— Senhorita, os cavalheiros estão à sua espera no andar de baixo.
— Obrigada, Charlotte. Diga a eles que desceremos em breve.
A governanta se retirou com um aceno, deixando as duas moças sozinhas no quarto outra
vez. Arabella se levantou depressa e olhou para Holly com um olhar desconfiado.
— Ainda, não terminamos essa conversa, Holly Bromley. — Falou ajeitando a manga do
vestido.
A dama de companhia suspirou aliviada e sorriu de maneira forçada, tomando o braço da
garota e seguindo para o corredor. Desceram as escadas sem pressa e encontraram os cavalheiros
na sala de estar, quando as viu, os rapazes se levantaram. Os olhos de lorde Blythe brilharam ao
ver a jovem Arabella, ele retirou o seu chapéu e a cumprimentou educadamente, evitando tocar a
moça. O conde nem sequer se deu ao trabalho de fingir um sorriso, apenas as encarou com
desgosto e acenou com a cabeça. O homem era de fato um sujeito muito desagradável, mas uma
presença impossível de se ignorar, era alto e tinha ombros largos, seu olhar era duro e o homem
erguia seu queixo sem abaixar seu nariz nem por um segundo.
— Lady Clifford — Pronunciou Blythe — Estou imensamente feliz em vê-la, está muito
bonita, se me permite dizer.
Arabella balançou a cabeça com um sorriso doce no rosto, o tipo de sorriso que a moça não
tinha ideia do efeito que causava nos homens.
— Fico lisonjeada, o senhor é muito galante, lorde Blythe. — Respondeu — Vejo que trouxe
o seu amigo.
O conde olhou para a moça de uma forma arrogante e forçou um sorriso seco, aquilo a
deixou furiosa.
— Desgosto tanto desta situação quanto a senhorita, lady Clifford. — Robert Winslow
exprimiu — Gostaria de não estar presente, mas sou necessário.
— O sentimento é mútuo. — Ela falou francamente — Sentem-se por favor, espero que
tenham sido bem recebidos. É um prazer receber lorde Blythe na casa de minha família.
— Vejo que está a usar o colar que lhe presenteei.
Arabella levou a mão ao colar e ruborizou.
— É um presente muito adorável, nunca recebi algo tão lindo. — Mentiu ela.
Ela podia ser inexperiente nos assuntos do coração, mas sabia bem como inflar o ego de um
homem. Não era muito difícil conquistar a atenção de um rapaz, Arabella aprendeu isso
facilmente em seus anos nos bailes, os homens eram de certo muito previsíveis quando se tratava
da conquista.
— Deixemos a conversa fiada para outro momento — Disse o conde — Viemos até aqui
resolver os assuntos do casamento.
— Casamento? — Arabella quase cuspiu as palavras surpresa.
— É claro. Não pensou que fosse apenas uma visita de cortesia, pensou? O marquês aprovou
o relacionamento deixando claro que um casamento devesse ocorrer, Harvey deixou claro as suas
intenções para com a senhorita. Seu irmão me autorizou a supervisionar os proclames.
Arabella se levantou espantada, não era nada disso o que estava esperando. Como se casar se
mal conhecia o seu pretendente? E não era o cortejo destinado a conhecer um ao outro ou
somente uma mera formalidade? Talvez tivera caído em sua própria armadilha.
— Não importo que seja designado pelo próprio rei George, milorde. O senhor não tem o
direito de entrar em minha casa e quere impor regras sobre o que devo ou não fazer. — Disse
furiosa.
— Creio que posso sim, lady Clifford. — O conde se levantou em seguida retirou um acarta
de seu paletó — Tenho aqui um documento assinado pelo marquês de Winston que me permite
supervisionar a senhorita.
Ela sacudiu a cabeça sem acreditar, o irmão estava a punindo por sua insolência. Como Jack
ousava a deixar sobre os cuidados de um bruto? Isso não era o conceito de justiça que ela
esperava dele.
— E deixará que seu amigo fale assim comigo, lorde Blythe?
O homem encolheu os ombros e deu um sorriso amarelo.
— O documento é valido, Lady Clifford. Estou disposto a me casar com a senhorita, não se
preocupe com nada disso. Estou assumindo meu compromisso com a senhorita com todo o
prazer, por mais que os métodos do meu amigo não sejam os melhores, ele está tentando
preservar a sua honra.
Honra? Bobagem!
— Pois então o conde não é mais bem-vindo em minha casa. — Arabella exprimiu
enraivecida — Não sou um objeto pertencente a ninguém, sou uma mulher crescida e sei cuidar
de mim mesma.
O conde sorriu em divertimento.
— Pois então que me expulse a pontapés.
A garota proferiu uma gargalhada, por sorte, sempre seguia os conselhos da marquesa Olivia,
sua cunhada. Desde que Olivia a ensinara como se defender por si só, Arabella vinha esperando a
oportunidade perfeita para botar em prática todos os conhecimentos aprendidos. A dama retirou a
faca de caça da bainha do vestido e empunhou-a em direção do Conde, o que com toda certeza
deixou o homem mais do que surpreso.
— Mas o que... — Ele proferiu em um sobressalto — Tem ideia de que agredir alguém da
nobreza é passível de prisão?
— E vai mandar a prisão a irmã de um importante marquês? E o que dirá? Que fora atacado
por uma senhorita miúda de cabelos loiros? — Ela aproximou a lamina do rosto do homem.
Todos na sala olharam-na assustados.
Robert Winslow deu uma gargalhada, em seguida, segurou depressa o punho da moça,
torcendo o braço de Arabella para trás, trazendo o corpo da garota contra o seu em uma distância
mínima. A faca caiu sobre o tapete do chão da sala, a respiração ofegante de Arabella contra o
peito firme do conde o fez estremecer levemente.
— Harvey não é o único que serviu ao exército, lady Clifford. — Falou Robert bem perto ao
ouvido da moça — Cerifique-se de não apontar uma faca para um ex militar da próxima vez que
o fizer.
Arabella sentiu-se estranha com o toque repentino, de repente, era como se seu coração
tivesse parado no peito. Ela demorou alguns segundos até sair do transe, usar uma faca não tinha
sido a única coisa que Olivia a ensinara. Ela ergueu o calcanhar e chutou com força as partes
íntimas do homem, que se curvou imediatamente de dor, soltando-a quase que de instantâneo.
— Oh céus — proferiu lorde Blythe indo ajudar o amigo — Isso foi inesperado.
— Você enlouqueceu? — Perguntou Holly a Arabella com um olhar de espanto grudado em
seu rosto vermelho como um pimentão — Você agrediu um conde!
Ela sorriu e olhou para o homem se levantando com uma carranca. Odiava que a tratassem
como uma criança indefesa, o chute fora mais do que merecido, o conde era um mandão
paspalho! Ora, não aceitaria essa situação em momento algum, não nascera para ser comandada
por um qualquer que se acha ser o dono da razão, não importa se for até a forca por isso.
Uma parte do cabelo loiro de desfez do coque e caiu sobre o ombro da garota, deixando-a
com um aspecto desgrenhando e curioso, o que para o Conde não era de fato uma visão ruim. Na
verdade, a delicadeza de Arabella Clifford estava apenas em suas feições desenhadas pelos céus,
a moça era como uma tempestade furiosa arrastando tudo e todos consigo. Ele se ergueu
imediatamente ainda sentindo o latejar da dor em suas partes baixas, não esperava que uma dama
o chutasse naquele ponto em momento algum.
— O esperarei do lado de fora, Harvey. Não demore. — Disse o conde já se retirando da sala
com um olhar fixo em Arabella.
Harvey Blythe estava de fato sem palavras, o que poderia dizer? Apenas gostava ainda mais
da jovem a sua frente com um olhar adorável, como poderia ser uma dama da alta sociedade ser
tão arisca? Pelo visto, a cidade tinha mudado muito desde que voltara o continente europeu de
suas viagens. Nunca se deparara com moças tão decididas e seguras de si como lady Clifford, e
aquilo despertava um certo fascínio em seu peito.
— Mil perdões pelos modos de Robert, senhorita. Estou muito envergonhando por essa
situação, não há palavras o suficiente para que eu possa me desculpar. — Blythe assegurou.
— Como podes suportar as grosserias dele? — Perguntou a moça ajeitando o cabelo
desgrenhando — O conde é detestável, não posso aceitar estar no mesmo espaço que esse
homem.
— Não se preocupe — Disse Harvey tomando a mão da moça e beijando o dorso de sua mão
com gentileza — Robert não é sempre tão descortês. Venha comigo ao Baile dos Donovans,
teremos alguns instantes as sós ao tirá-la para dançar. Robert não tentará defender a sua honra tão
bruscamente se estivermos em público.
Arabella sorriu envergonhada.
— Eu adoraria, milorde.
O homem pareceu subitamente feliz, era como se tivesse sido acertado por uma carruagem e
uma expressão fixa tinha sido impressa em seu rosto.
— Preciso desesperadamente vê-la outra vez, Arabella.

— Veja, seu mais novo pretendente chegou ao baile, senhorita. — Holly murmurou baixinho
chamando a atenção da garota ao seu lado, que se divertia ao ver as outras senhoritas rodopiarem
pelo salão ao som da valsa.
Arabella girou seu pescoço discretamente a tempo de observar Lorde Blythe entrar no salão
com um sorriso alinhado no rosto, infelizmente, estava acompanhando de seu cão de guarda, o
Conde Winslow. Tentaria não se importar com a presença do desagradável homem, e focaria em
conhecer melhor o seu pretendente.
Arabella alinhou seus ombros e respirou fundo sentindo a excitação tomar conta de seu
corpo, Lorde Blythe parecia não se importar com seu gênio livre de ser e apreciava a companhia
a da garota, tal fato apenas afirmava para ela que havia escolhido o cavalheiro certo. Era
assustador pensar sobre isso, talvez nunca tivesse chegado tão perto da possibilidade real de
encontrar um marido, adiara essa perspectiva até o último momento. Se este era o momento ideal
para formar uma família, estava ansiosa para construir uma vida ao lado do lorde.
A ideia de que o cavalheiro era um homem viajado era incrível, imaginou poder viajar
mundo ao fora ao lado dele e conhecer outras civilizações e povos, não ficaria mais presa a
Winston nunca mais, seria finalmente livre. Livre como um pássaro em uma gaiola poderia ser.
Preferia não pensar nisso, afinal de contas, a vida de todas as outras senhoras era dessa mesma
forma, não é como se as mulheres tivessem alguma escolha verdadeira em suas mãos. Arabella
preferia ficar com a falsa ideia de controle e ignorar todo o resto, sempre que se colocava a
pensar em sua pseudoliberdade sentia-se melancólica.
— Holly, como é que sabemos se estamos ou não apaixonadas por um cavalheiro? —
Perguntou a garota.
A dama de companhia enfiou um petisco na boca e ergueu as sobrancelhas surpresa, não
sabia bem como explicar o sentimento a quem nunca o sentira antes. Era como saber o
significado de uma palavra em sua mente, mas não ser capaz de exprimi-lo a outra pessoa, não
tinha como explicar ao certo. Se apaixonar é uma experiência única para cada um, há quem diga
que o sabor é o mesmo de absinto, outros relatam experiências tão doces e edificantes. Para
Holly, se apaixonar era como uma maldição perigosa a qual deixava as mulheres completamente
cegas.
— Creio que a senhorita saberá quando estiver apaixonada. — Respondeu a dama de
companhia sorrindo levemente.
— E se eu achar que estiver e em um belo dia simplesmente acordar e descobrir que não
estava? — Continuou a questionar.
— Então quer dizer que nunca esteve a princípio.
Arabella olhou para as mãos reflexiva. Estava apaixonada por lorde Blythe, não estava? O
homem despertava nela um sentimento diferente, algo que a fazia se sentir bem em sua presença,
tinha certeza de que Blythe seria um bom marido e a respeitaria da melhor forma possível.
Mesmo assim, possuía um certo receio ao pensar no seu futuro, passar o resto da vida ao lado de
alguém que não ama poderia ser um erro fatal e perigoso, detestaria escolher a infelicidade que
sua mãe vivera até os seus últimos dias de vida. Este era o seu maior medo, algo que a assolava
sempre que um pretendente se aproximava.
— Lady Clifford. — Lorde Blythe se aproximou da moça com um sorriso largo no rosto, o
tipo de sorriso que a deixava sem jeito.
— Por favor, me chame apenas de Arabella.
O lorde ergueu a sua mão gentilmente e piscou eufórico.
— Posso ter o prazer de uma dança com a senhorita?
A moça olhou brevemente para a dama de companhia, Holly assentiu animada e Arabella
estendeu a sua mão para o rapaz. Harvey entrelaçou seus dedos nos de Arabella e a puxou para o
centro do salão, a pequena orquestra tocava uma valsa lenta e cativante e o lorde teve a
oportunidade de mostrar o seu talento com a dança, o que deixou a garota absolutamente
surpresa.
Com uma mão, Harvey tocou a cintura da garota e a girou devagarinho, Arabella sorriu se
divertindo e o deixou guiar os seus passos de dança. Além de belo, o homem sabia dançar como
ninguém, fato que apenas atraiu Arabella ainda mais para sua teia.
— Onde aprendera dançar dessa forma, milorde?
— Me chame de Harvey apenas, Arabella. — O lorde disse de forma adorável — Apenas
digamos que estive em muitas partes tempo o suficiente para aprender sobre muitas coisas.
Arabella balançou a cabeça devagar então observou os olhos castanhos do homem
meticulosamente, havia tanto que gostaria de descobrir sobre ele.
— Assim tenho a impressão de que conheces todo o mundo, não sei bem se serias possível
que um homem tão importante se interessasse por uma garota como eu.
— Eu poderia levá-la para conhecer o mundo comigo. — Retrucou ele — Poderíamos ir
aonde quiser, me alegraria imensamente tê-la ao meu lado nessa jornada.
O coração da garota bateu depressa no peito com a ideia.
— Nada me faria mais feliz.
— Lhe daria a lua se fosse necessário, Arabella. Tenho de dizer que soube que era a garota
certa desde a primeira vez que a vi. — Lorde Blythe segurou-a firme mais perto — Por favor, me
diga que não estou enlouquecendo.
— Se está a enlouquecer, talvez eu esteja sofrendo da mesma enfermidade. — Ela sorriu com
um brilho nos olhos como uma faísca viva de excitação — Pois compartilho do mesmo
sentimento.
O rosto do lorde se aproximou dela lentamente, tão próximo como se fosse beijá-la. Nervosa,
Arabella se afastou com um sobressalto e pigarreou inquieta, sabia bem que não seria aceitável
esse tipo de gesto em público, por mais que estivesse prometida ao homem não seria exatamente
bem visto, coisa que talvez o lorde desconhecesse.
— Se não se importa, preciso respirar um pouco. Estou me sentindo zonza, milorde. —
Mentiu.
— Quer que eu a acompanhe?
— Não. Não demorarei mais do que alguns minutos, estou bem. Com licença...
E assim, Arabella atravessou o salão sentindo o nervosismo tomar conta de seu corpo, não
sabia bem porque se sentia daquela forma e muito menos porque havia fugido do lorde. A todo
tempo o homem havia sido cortês e muito respeitoso sobre seu espaço, até mesmo não a seguira,
mas de repente sentiu como se precisasse de um segundo a mais para pensar sobre toda a sua
vida e suas escolhas. Atravessou um imenso corredor repleto de quadros grandes com os rostos
dos membros da família Donovan mais prestigiados e entrou na primeira porta aberta em que
encontrou.
A ampla biblioteca à sua frente não estava vazia, infelizmente, Arabella teve o desprazer de
se encontrar com o conde Winslow de pé em frente a uma das prateleiras. O Homem direcionou
um olhar amargo ao ver a moça entrar no recinto e torceu o nariz em desprezo.
— Me desculpe, não sabia que estava aqui. — Disse a garota com o seu melhor sorriso
forçado.
— É claro que não, nunca pensa sobre nada, não é mesmo, Lady Clifford? — Respondeu o
conde virando-se na direção da dama.
Ela caminhou devagar até ele e balançou a cabeça perdida, odiava ser tratada com grosseria e
simplesmente não entendia o que o homem havia contra ela. Arabella era conhecida por todos
por ser incrivelmente simpática e amável, não havia uma só pessoa que a detestasse em toda a
sociedade, não pelo menos até agora. O desprezo do conde Winslow a deixava completamente
intrigada, queria mais do que tudo estabelecer uma boa relação com o homem apesar de que ele
parecia se recusar a dar o braço a torcer.
— Porque me tratas dessa maneira? Casarei me com seu melhor amigo, ao menos tenha um
pouco de decoro ao falar com a minha pessoa, milorde. — Arabella falou corajosamente bem em
frente ao conde, não demonstraria medo ao se referir ao homem, por mais que ele insistisse em
tratá-la como criança.
— Por que és absolutamente ingênua e estúpida, menina. Não posso suportar a sua presença,
por mais que Harvey esteja disposto a fazê-la sua esposa. Não posso dizer que concordo com as
decisões de meu amigo.
A moça respirou exasperadamente e revirou os olhos nas órbitas cansada, esforçando-se
fortemente para manter a pose.
— Certamente Harvey pode fazer as suas escolhas sabiamente sem precisar, consultá-lo. Nós
nos casaremos e seremos felizes de qualquer forma.
— Não me importo com a sua felicidade, apenas me importo com que meu amigo se case
com a pessoa certa por amor e não apenas por ser um rostinho bonito.
— Estás a dizer que Harvey irá se casar comigo porque sou um rostinho bonito? — Arabella
berrou ofendida — Devo entender com isso que me achas fútil e burra, milorde.
— Apenas estou dizendo que a senhorita parece possuir vento no lugar de miolos. Pense o
que quiser a partir disso, senhorita.
Arabella bateu os pés contra o chão com força, nunca quis tanto esfaquear alguém quanto
naquele momento. Uma pena que havia deixado sua faca em casa por insistência de Holly.
— O senhor sequer me conheces!
— Pretendo não conhecer — Ele respondeu entredentes — O que pensas que saber da vida,
senhorita?
A garota deu de costas indignada.
— Tudo que preciso saber é que estou apaixonada por Harvey e de que ele sente o mesmo
por mim.
— Volte já aqui, Lady Clifford. Não terminamos a nossa conversa. — O conde pronunciou
com sua voz retumbante que parecia chacoalhar todos os ossos do corpo da garota.
Ele estendeu sua mão e segurou o braço da moça bem a altura do cotovelo, um pouco acima
de onde terminava a sua luva. Arabella sentiu um arrepio percorrer o seu corpo pelo repentino
toque em sua parte de pele desnuda, os dedos do homem estavam frios como os vidros
congelados da sua janela em um dia de neve. Era o tipo de situação estranha que ela não
reconhecia, como se fosse algo completamente novo a sua mente e sua massa cinzenta não
soubesse como processar aquele sentimento da maneira correta.
— Como ousa me tocar dessa forma? — Ela disse enraivecida, sua boca estava seca como se
tivesse engolido um punhado generoso de areia.
A música do baile continuava a soar do outro lado do corredor, a porta fechada da biblioteca
abafava o som dos instrumentos consideravelmente. A luz franca ocasionada pelas velas dos
castiçais que ainda estavam acesas deixavam-na um pouco tonta, era como se sua cabeça
estivesse girando sem parar. O conde olhou para a própria mão segurando o braço da garota e
desvencilhou seus dedos lentamente da pele da moça, mantendo suas mãos só para si mesmo de
maneira correta. Não deveria sair tocando jovens damas inocentes por aí, não era o tipo de coisa
que um homem correto faria, especialmente um conte viúvo respeitado.
— Não tive intenção.
— Não temos nada para conversar, milorde. Não o quero em minha vida, pare de se
intrometer em meu relacionamento com lorde Blythe. Não preciso que me supervisione como um
falcão em busca de uma presa.
— É isso que pensa de mim? Nunca a trataria como uma presa, não faço essa estirpe. Afinal
de contas, não me interesso por garotas tão jovenzinhas e tolas como a senhorita, não seja
petulante.
Ela respirou exasperadamente e colocou as mãos sobre os quadris.
— Se me ofender novamente, prometo que vou acertá-lo nas partes baixas com ainda mais
força dessa vez. Está me forçando a ser má educada, milorde. Não me agrada nem um pouco ser
grosseira, naturalmente sou adorável e todos gostam da minha presença.
— Pois não aprecio a sua companhia e penso que és extremamente irritante. — O conde se
aproximou de Arabella com sua presença antipática, colocando-se frente a frente a dama —
Estou a cumprir meu papel para com a sociedade e meu amigo, gosto tanto desta situação quanto
a senhorita.
Arabella o encarou com uma carranca, os olhos cinzentos do homem estavam fixos nos seus.
Ela não desviou o olhar nem por um segundo sequer, não se daria por vencida por um cavalheiro
que não sabia ser cortês com uma mulher.
— Tão pouco aprecio a sua companhia. — Os olhos da moça se encheram de lágrimas, nunca
tinha ouvido tamanha grosseria vindo de alguém como naquele momento desagradável — E
agradeceria se pudesse me deixar a sós uma única vez, milorde. Se não quer que me case com
seu amigo, estou disposta a abrir mão do compromisso com lorde Harvey...
Robert olhou para a garota sentindo-se culpado. Nunca havia feito uma moça chorar em sua
presença, sentiu-se como o mais terrível dos patifes, aquela jovem menina estava a se debulhar
em lágrimas bem na sua frente por conta de suas palavras rudes. Talvez houvesse muito tempo
desde que o conde tivesse de ter de lidar com uma moça, aquilo o perturbou de uma forma
estranha e o fez repensar seus atos.
O conde retirou um lenço do paletó e ofereceu a garota, o que diriam dele se o vessem
fazendo uma jovem chorar? Céus, que tipo de monstro havia se tornado? Em seu jeito bruto de
ser não poderia imaginar que feriria os sentimentos de uma jovem tão arredia e livre como
Arabella. Ela recusou o lenço e se virou em direção as prateleiras, negando-se a olhar para o
homem à sua frente. Gentilmente, o conde tocou o ombro da garota e respirou fundo cansado.
— Eu não quis...Me desculpe.
Arabella se virou devagarinho, um tanto surpresa pelo súbito pedido de desculpas, seus olhos
marejados olhando nos olhos cinzentos e penetrantes do conde. Ela piscou afastando as lágrimas
para longe e soluçou. O conde se aproximou um pouco mais, estreitando o espaço entre eles,
enxugou as lágrimas que desciam pelas bochechas de Arabella suavemente e engoliu seco. A
repentina aproximação do homem deixou a garota desconcertada de um jeito diferente, seu
coração apressou as batidas contra o peito e sua respiração fugiu completamente dos pulmões.
Sentiu-se estranha, não sabia ao certo como definir o que a presença do homem causava a ela.
Ele cheirava apenas a sabonete de rosas e almíscar, um cheiro que a garota nunca pensou que
pudesse ser tão inebriante e fascinante.
— Milorde. — Ela balbuciou.
Ao tocar a pele suave e macia da moça, os dedos do conde tremeram de leve, sentiu um certo
frio na barriga ao se aproximar tanto da moça, que parecia banhada pela luz da lua tamanha a
delicadeza de suas feições. Não pensou muito, instintivamente, inclinou-se sobre a garota
depressa e pousou seus lábios contra os dela.
Naquele momento, Arabella pode jurar que o seu coração parou no peito. A princípio, a
surpresa tomou conta dela, mas em seguida, sentiu uma sensação estranha como um arrepio em
sua espinha.
— Mas o que está acontecendo aqui? — Lady Enderberg abriu bruscamente a porta da
biblioteca, ao seu lado, Lady Donovan e uma dezena de convidados encaravam o recinto com
olhares de espanto.
O conde se afastou de Arabella depressa e se recompôs, olhando para a pequena multidão
que os encarava do outro lado da porta. Arabella retraiu-se envergonhada e confusa, engoliu seco
mais uma vez e tinha certeza que está prestes a desmaiar.
— Não é bem o que parece... — Começou a dizer Robert Winslow.
— Sei bem o que parece, milorde. — Disse lady Enderberg entrando no cômodo com um
olhar acirrado e feroz — Como ousa se aproveitar de uma jovem dama dessa forma? Ainda por
cima uma dama comprometida. Oh céus! Nunca poderia esperar tamanho desrespeito vindo do
senhor.
Aborrecido, o conde cruzou a sala em direção a velha senhora e estreitou seus olhos. Como
ousava falar com um conde daquela forma insolente?
— Fora apenas um lapso, não estou a me aproveitar de lady Clifford.
Lady Donavan caminha até a garota e a recebe em seus braços com um olhar perdido,
Arabella pela primeira vez não sabe o que dizer. Nem sequer sabe como fora capaz de se meter
em tamanha confusão, apenas por ser beijada pelo homem que mais odeia. Nada daquela
situação fazia algum sentido em sua mente, estava confusa e perdida, olhando para a confusão de
um jeito assustado, desejando mais que tudo que a cunhada, sua melhor amiga, estivesse presente
para tirá-la dessa situação.
— Está tudo bem, querida — Disse lady Donovan — O que ele fez a você, meu doce?
Decidida a se vingar do conde, Arabella encontrou a oportunidade ideal para fazê-lo pagar
por todas as palavras rudes que a dissera. Estava mais do que disposta a enfrentar algum
julgamento para fazer com que Winslow ficasse em más lençóis, seria divertido vê-lo se livrar de
toda essa situação.
— Ele enfiou a mão em meu vestido. — Mentiu.
— O que? — Lady Enderberg quase desvaneceu no meio da biblioteca naquele instante —
Por Deus!
Fora possível ouvir o crescente burburinho que vinha das pessoas do corredor, que aos
poucos, mais e mais convidados se juntavam a multidão.
— Isso não é verdade. — Robert proferiu para a multidão ofendido, não podia acreditar que a
jovem estava a dizer aquelas sandices — Fora apenas um inocente beijo.
— O que está havendo aqui? — Perguntou Lorde Blythe surgindo em meio a multidão com
um olhar confuso em direção ao amigo e a moça no canto da sala.
Robert se aproximou de Blythe rapidamente e respirou fundo em súbito desespero.
— Precisa acreditar em mim, Harvey. Não acontecera nada demais...
A velha senhora Enderberg se aproximou dos homens, olhando para o conde com certo
desgosto, deu lhe um tapa no rosto com sua luva. Surpreso, o conde franziu o cenho e levou a
mão até a bochecha, não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade. Se não
tivesse saído de sua propriedade como sempre fizera nos últimos anos, nada disso estaria
acontecendo. Entendia perfeitamente que Arabella estava a dizer mentiras para puni-lo por ser
descortês, mas a jovem e ingênua moça não tinha ideia do que acontecia nesses casos
escandalosos na sociedade. Isso não significava nada bom.
— Vosso amigo fora flagrado a beijar a moça que cotejas, lorde Blythe — Falou a velha —
A senhorita afirma que o conde fora indecoroso ao ponto de lhe enfiar a mão por debaixo das
saias.
Os olhos de Harvey se arregalaram em supressa e desgosto, talvez um misto de decepção ao
ver o seu amigo posto em uma situação tão desconcertante. O lorde teve de segurar o impulso
que tomou conta de seu corpo de acertar o conde com um soco no rosto, aborrecido, Harvey
sacudiu a cabeça sem acreditar e se afastou de Robert, se retirando da sala depressa sem dizer
nenhuma palavra.
— Você sabe o que isso significa, Conde Winslow. — Exprimiu Lady Donovan — Agora
deve se casar com a garota o quanto antes.
— Me desculpe? Casar?! — Arabella disse em um sobressalto — Eu não vou me casar com
esse homem!
O conde olhou para a moça enraivecido, agora a mentira dela era irrecuperável, e se não se
casasse com a garota a honra de ambos estaria ferida para sempre, nenhum outro homem da
cidade ousaria se casar com Arabella. O marquês poderia pedir até mesmo uma punição severa
ao conde pelo ato libidinoso que pensavam que ele havia cometido, estava preso em uma
situação ao qual não poderia imaginar que estaria ao entrar naquela biblioteca.
— Darei minha palavra, me casarei com Lady Clifford.
E foi quando Arabella desmaiou nos braços de lady Donavan.
Ao abrir os olhos, Arabella se deparou com a sua cama confortável e seus lençóis de algodão.
Respirou fundo aliviada por ter acordado daquele pesadelo, vinha tendo um sonho estranho em
que tinha se envolvido em um escândalo. Sacudiu a cabeça e afastou para longe todas as
lembranças perturbadoras de sua mente, ergueu os braços e espreguiçou, quando ia tocar o chão
com seus pés, a porta se abriu abruptamente assustando-a.
— Bom dia, senhorita. — Holly entrou no quarto sem cerimônia e puxou as cortinas até os
cantos, fazendo com que o sol forte entrasse pelas janelas e inundasse o quarto — Teve uma boa
noite de sonho? Espero que sim porque temos pouquíssimo tempo para organizar todo um
casamento.
Casamento? Arabella caiu para trás na cama, de repente havia perdido a força em suas
pernas, era como se seus joelhos tivessem se tornado dois frágeis gravetos erguendo-a de pé. Não
havia sido um sonho, afinal de contas, o escândalo tinha sido real e agora Arabella estava
destinada a se casar com a pessoa que mais odiava em toda a face da terra. Sua vida tinha se
tornado um completo pesadelo da noite para o dia, Harvey nunca mais aceitaria voltar a ver a
moça novamente, seu compromisso para com o lorde tinha se tornado fumaça.
— Holly, preciso que me ajude — Falou desesperada — Não posso me casar com aquele
homem!
A dama de companhia se virou e olhou para a garota com um olhar piedoso, e então respirou
fundo como se pensasse no que deveria dizer.
— Talvez devesse ter pensado nisso antes de se atracar com o conde sozinha em uma
biblioteca. Por deus, Arabella, o que estava pensando?!
— Não está entendendo — Arabella se levantou com um solavanco e segurou com firmeza o
braço da outra mulher — Foi apenas um beijo. Um inocente beijo, não houve mais nada.
— Pelo que sei, admitira em público que o conde tomara certas liberdades para com a
senhorita...
— Ai meu Deus, eu estava mentindo! — Ela confessou nervosa — Apenas queria dar uma
lição ao homem por ser tão grosseiro e rude, eu não sabia que isso aconteceria.
Holly olhou para a garota como se tentasse acreditar em sua história, só uma moça tão tola
quanto Arabella faria uma estupidez dessas sem saber que um escândalo como esse poderia
acabar com a reputação de ambos, não somente do conde. A dama de companhia levou uma mão
ao rosto e balançou a cabeça sem acreditar na burrice da menina, essa tinha sido a pior ideia da
moça desde de que a conhecera, e olhe que Arabella sempre tinha um punhado de ideias
absurdas na cartola.
— Senhorita, por sua sorte o conde assumira o compromisso ou sua honra estaria para
sempre manchada por esse incidente, sendo verdade ou não. O homem pode ser um grosseirão,
mas é justo o bastante para zelar pela reputação de seu nome mesmo sabendo que dissera uma
grande mentira.
Arabella sentiu as lágrimas correrem pela sua bochecha, sentindo-se absolutamente ridícula
por ter causado toda a situação em que se metera. Logo quando tinha encontrado o pretendente
perfeito para se casar, entrara em uma grande confusão ocasionada por um, mal-entendido
absurdo e uma mentira deslavada feita por ela. Lorde Blythe nunca mais olharia em seus olhos
novamente, estava devastada. Toda a sua ideia de se casar por amor tinha se despedaçado em um
milhão de pedaços e sido jogada fervorosamente ao rio Tâmisa.
— Preciso falar com Harvey Blythe. — A chorosa Arabella disse subitamente — Preciso
explicar a ele toda a situação, sei que ele me entenderá e ainda sim aceitará minha mão.
— E o que espere que lorde Blythe faça? Que duele com o conde por você? — Holly deu
uma gargalhada — Isso não acontecerá, a senhorita fora o pivô para a separação de uma amizade
de uma vida inteira.
Envergonhada, a garota se encolheu. Doía em seu peito lembrar do olhar de desprezo e
desanimo que lorde Blythe dera ao melhor amigo segundos antes de sair da biblioteca sem dizer
mais nada, desejava apenas que homem tivesse lhe direcionado a palavra e lutado por ela naquele
instante, mas também não poderia julgá-lo, foram as mentiras de Arabella que a puseram em uma
situação sem volta. Arabella chorou ainda mais intensamente, isso não podia estar acontecendo
com ela.
— Oh, querida — Holly a consolou passando a mão em suas costas de forma gentil — Tem
de haver um jeito de desfazer esse compromisso, estou certa de que o Conde queira casar com a
senhorita tanto quanto a senhorita almeja asar come ele. Se acredita mesmo que o que lorde
Blythe sente pela senhorita é real, talvez ele assuma o compromisso do amigo e não se importe
com o escândalo que seria.
— Acredita mesmo nisso? — Questionou Arabella com os olhos marejados brilhando com
uma faísca de esperança genuína.
De verdade, a dama de companhia não acreditava. Para Holly, os homens não se
apaixonavam tão rapidamente como o lorde alegava estar apaixonado, havia uma possibilidade
de ser verdade, mas havia uma imensa possibilidade de que Arabella fosse apenas uma linda
dama para se casar por pura conveniência como todos os cavalheiros se casavam, gerar herdeiros
e satisfazer as suas necessidades era a obrigação principal de uma dama em um casamento. De
toda forma, Holly odiava ter de ser a pessoa quem iria dizer as verdades cruéis da vida para a
garota, tinha medo de influenciá-la com todas as suas experiências negativas, preferia que
Arabella cultivasse as suas próprias experiências.
— É claro. — Disse Holly com um sorriso forçado — Afinal de contas, não custa nada
tentar, não é mesmo?
O rosto de Arabella se iluminou, uma fagulha de esperança em seu coração fora o bastante
para deixá-la de pé decidida a consertar a sua vida. De modo nenhum iria se casar com aquele
homem desprezível apenas para manter a sua suposta honra intacta, já se importara com a honra
por tempo demais e agora não poderia deixar isso afetar as decisões que deveriam ser tomadas
pelo seu coração.
— Harvey irá me ouvir, eu sei que isso é verdade. E se não houver um jeito de acabar com o
compromisso, fugiremos juntos para outro país. — Falou impulsivamente sem considerar as
consequências — Me ajude a me vestir, Holly. Peça a Charllote que mande um lacaio procurar o
lorde pela cidade, preciso falar com Blythe antes que seja tarde.
A carruagem parou abruptamente ao lado do meio fio quando os últimos raios de sol
brilhavam sobre a parede dos prédios. Arabella desceu do veículo apressada, segurando
cuidadosamente suas saias, saltou para calçada um bocado incerta. A rua estava vazia, alguns
poucos carroceiros atravessavam de um lado para o outro, na calçada, somente alguns senhores
de cartola cruzavam a rua em direção a casa de chá St. John. Arabella perdeu o fôlego quando
viu a sua frente um lacaio a colocar pesados baús em uma carruagem, enquanto lorde Blythe
carregava a última de suas malas.
Apressou-se para acompanhá-lo, não quis gritar o seu nome para não chamar indevida
atenção, sentiu-se envergonhada por toda a situação em que o tinha colocado frente a cidade.
Não queria ser vista em público após todo o acontecido de noite passada, já não bastava toda a
humilhação pública que havia sofrido, agora seria obrigada a se casar com um bruto ao qual
detestava, não poderia deixar que sua recente paixão fosse embora e permitisse essa atrocidade.
— Lorde Blythe — Arabella falou com um olhar triste em seu rosto — Precisamos
conversar.
O homem deixou sua malar cair ao chão, olhou-a com um olhar perdido e confuso, e então
sacudiu a cabeça como se não pudesse se permitir ceder à garota. Arabella se aproximou devagar
esfregando suas mãos enluvadas, tendo plena consciência de que Holly estava a observar a cena
da janela da carruagem.
— Não sei se é correto, Arabella. — Respondeu o lorde em um tom pesaroso — Não devo
me aproximar da prometida de outro homem, creio que já tem problemas o suficiente no
momento.
— Tudo isso não passa de um grande mal-entendido, milorde. Peço apenas um breve
momento para que possa me ouvir sem julgamentos prévios...
— Diga-me, Lady Clifford, beijaste ou não o conde Winslow noite passada naquela
biblioteca?
Arabella ficou subitamente sem palavras, de fato, havia beijado o conde, mas não era sua
intenção desde o princípio. Fora ele quem iniciara o beijo repentino, ele quem a tocou de uma
força gentil e sentiu os lábios da garota contra os seus, de nada a garota tinha culpa, retribuíra o
beijo apenas porque não sabia o que fazer. Aquele era seu primeiro beijo em toda a sua vida, não
esperava que seu primeiro beijo se tratasse de um beijo roubado, a curiosidade pela sensação
eletrizante de um primeiro beijo a fez retribuir o gesto sem pensar duas vezes, mesmo que
estivesse beijando o conde Winslow. Arabella lembrou-se da sensação estranha que tomara conta
de seu corpo na hora do beijo e sentiu como se tivesse uma porção de vespas furiosas em sua
garganta.
— Winslow me beijou sem meu consentimento. Apenas isso.
— Então acho que tenho a minha resposta, senhorita. — Disse o homem começando a andar
em direção da carruagem.
— Por favor, Harvey... — Implorou a garota — Pensei que estivesse apaixonado por mim.
O lorde a olhou de uma maneira dolorosa, um olhar tão pesado que fez com que Arabella
sentisse a dor de seu peito.
— E é por isso que não posso mais ficar aqui, não suportarei vê-la se casar com meu melhor
amigo. Não suporto a ideia de que Winslow tenha feito isso a mim.
— Não precisa ser assim, fique na cidade. Não posso me casar com Winslow, milorde.
— Para isso, seria necessário desafiá-lo, senhorita. Não suportarei encarar a face daquele
homem uma outra vez, muito menos faria nada para corromper a sua tão estimada honra. — Ele
fez uma pausa, esticou um braço e tocou levemente o rosto da moça com a ponta dos dedos —
Jamais a esquecerei, Arabella.
A garota teve de fazer algum esforço para segurar as lágrimas, nada podia fazer para que o
lorde de orgulho ferido não partisse, ele não a escutaria por mais eloquentemente que ela
insistisse. Nunca sentiu-se tão impotente em sua vida como naquele momento, observando o
homem ao qual tinha decidido se casar desistir dela e partir em uma carruagem. Seu coração
apertou no peito, Arabella se sentiu solitária e perdida, não tinha outra escolha. Sua única chance
de se livrar de toda essa loucura tinha partido para longe e a deixado para trás sem solução.
Arabella deixou os braços caírem ao redor do corpo cansada, olhou de relance para a a
carruagem e atravessou a rua sem rumo. Ao invés de voltar para Holly, apressou o passo, quando
deu por si, estava correndo. Chegou ao Hyde Park levemente desgrenhada, pouco se importando
com os olhares indiscretos na sua direção, sempre a julgando o tempo todo. Assim era a
sociedade, não era possível viver longes dos olhos atentos e da língua afiada das pessoas, sentiu
saudade de Winston pela primeira vez, em seu lar não havia todo o interesse pela vida pessoal da
irmã do marquês.
Aproximou-se de um canteiro de flores e observou sem muito interesse as carruagens que
cruzavam o caminho, não conseguia acreditar que tinha estragado seu futuro por uma simples
bobagem, pertenceria a um homem em um relacionamento sem amor pelo resto de seus dias
infelizes. Talvez se tornasse apática como a mãe, talvez nunca descobrisse de verdade o amor
que a prometeram. Sentiu-se terrivelmente deprimida, estava em frente a tudo o que mais temia,
pertencer a um homem como um reles objeto da decoração da casa, sem voz, sem escolhas.
Começou a chorar outra vez, sentindo-se estúpida o bastante, talvez o conde estivesse certo
ao dizer que Arabella não passava de uma jovenzinha ingênua. No final, sua ingenuidade a tinha
arrastado para um caminho sem volta.
— Céus! — Disse uma voz resfolegante se aproximando da garota, era Holly Bromley, a
dama de companhia que a havia alcançado — O que estava pensando, senhorita? Nunca mais me
assuste dessa forma.
Arabella olhou para a amiga e sorriu com o canto dos lábios de maneira vazia.
— Está acabado, Holly. Não tenho mais escolhas, Harvey fora embora para nunca mais
voltar — Ela soluçou contendo o choro — Não estava disposto a lutar por mim.
— Oh, minha querida... — A dama de companhia tocou o ombro da garota e direcionou a ela
um olhar condescendente — Talvez tenha sido muito para lorde Blythe. Pense pelo lado positivo,
talvez ele não seja o home certo afinal de contas.
— De que isso importa? Me casarei com o mais errado de todos, sinto como se todos os
meus sonhos românticos tivessem sido destruídos repentinamente.
A dama de companhia sorriu e sacudiu a cabeça reflexiva.
— O amor romântico ao qual sonhara existe apenas nos livros, senhorita. Essa é a hora
acordar e abrir os olhos para as suas responsabilidades para com o nome de sua família, não se
casar com o conde seria mais do que um escândalo.
De certo, Arabella não tinha pensado sobre isso. A polêmica poderia afetar o bom nome dos
Clifford, até mesmo chegar a seus sobrinhos e deixar toda sua família marcada por ser
considerada uma libertina. Oras! Tinha apenas dado o seu primeiro beijo e para a sociedade já
era uma descarada! Isso não era justo, os rapazes viviam a cortejar diversas senhoritas sem serem
advertidos por isso.
O pior de tudo, é que talvez nunca mais encontrasse um cavalheiro disposto a desposá-la
outra vez. Não precisava de um homem para viver, mas sempre sonhara desde a infância em ter
muitos filhos, sempre imaginou uma casa repleta de crianças barulhentas e não poderia abrir mão
desse desejo. Seria como parti-la em pedaços e jogar ao vento, de todos os seus sonhos, ter uma
família era o mais importante de todos. Não conseguia imaginar outra vida, nunca se sentiria
completa novamente caso terminasse sozinha em um cômodo de Winston como a tia velha e
solteirona.
— Tem de haver algum jeito de fugir de toda a situação, não posso me casar agora. Não serei
feliz com o conde como seria ao lado de Harvey Blythe.
— Então porque beijara o conde, senhorita?
Arabella não soube o que dizer. Isso vinha acontecendo constantemente, estava começando a
perder as palavras de súbito sem explicação, o que era novidade. Porque beijara o Conde? Oras,
porque não beijaria o conde? Esse pensamento a assustou de verdade. Beijara o conde apenas por
que podia, essa era a resposta. A curiosidade falara mais alto em sua mente e não pode pensar
racionalmente naquele instante, tudo aconteceu tão depressa que sequer pode pensar direito.
— Eu não sei. Isso não é importante, Holly.
— Espero então que o conde tenha um bom beijo — Falou a dama de companhia dando um
tapinha nas costas da garota — Porque será o único beijo que provará pelo resto da vida.
A porta da casa abriu-se violentamente. Arabella, que estava sentada na sala com um livro
em mãos, viu o irmão entrar na residência de uma forma bruta, atrás dele, um lacaio carregava
um baú pesado em direção as escadas. Naquele momento, a garota soube que as coisas tinham
atingido um terrível patamar na escala de periculosidade, Jack não deixaria Winston nesse
momento à toa em nenhuma circunstância.
Ela se levantou depressa e deixou o livreto sobre o sofá, ajeitou a saia e sorriu para o irmão
de maneira adorável como sempre o fazia. Quem sabe seu encanto jovial de irmã menos poderia
salvá-la de uma tragédia dessa vez. Sabia que era pouco provável, mas não custaria
absolutamente nada tentar. A governanta recolheu o paletó de Jack e se retirou do cômodo
depressa, prevendo o pandemônio, Holly aproveitou a oportunidade para fazer o mesmo e sair
silenciosamente em direção a cozinha antes que sobrasse sermões para ela.
— Arabella Clifford — O marquês pronunciou o nome da irmã como se praguejasse — Eu
não posso acreditar no problema em que se metera.
— É um prazer vê-lo, irmão. — Ela aproximou-se do homem alto e loiro de forma infantil e
o abraçou mesmo que contra sua vontade — Como está Olivia?
Jack olhou para a irmã aborrecido, sabia bem como a moça tentava envolvê-lo em sua
conversa com suas palavras adoráveis e jeito meigo de ser, mas não funcionaria dessa vez. Fora
obrigado a deixar a esposa grávida e seu filho primogênito em casa somente com a criadagem,
tudo isso perto dos dias da concepção de uma nova criança. A gravidez vinha sendo complicada
e Olivia passara mal durante toda a gestação, sentia-se culpado em permitir a princípio que a
irmã mais nova viesse a Londres apenas na companhia de um serviçal. Sabia que seria uma
péssima ideia, mas recusou-se a creditar e ouvira os pedidos insistentes da esposa para que
intercedesse pela jovenzinha.
Tanto intercedera que a permitiu viajar sem a sua companhia, e agora Arabella tinha se
envolvido em um escândalo ao qual Jack não poderia resolver sozinho. Nunca pensou que
necessitaria intervir em uma situação como essa pelo bom nome da família, em seu passado
libertino tinha sido ele quem insistira em queimar o nome dos Clifford ao tentar as moças da
cidade. Talvez o gênio encrenqueiro e teimoso estivesse no sangue da família, afinal de contas.
— Não me venha com palavras doces, Arabella. Recebi um telegrama sórdido ao qual me
relatava uma reviravolta nada interessante, me dizendo que fora encontrada aos beijos com o
conde Winslow, estando comprometida com o melhor amigo do homem. — Jack respirou fundo
cansado — Nunca imaginei que minha irmã seria capaz de tal ato vergonhoso.
— Sei que parece certamente horrível ao dizer tudo dessa forma, mas não foi bem como tudo
aconteceu, meu irmão. Um mal-entendido culminou nessa desgraça, e agora me vejo presa a um
casamento forçado com o homem mais odioso de toda a cidade.
O Marquês sorriu em divertimento, pelo que se lembrava do conde, Arabella estava certa de
uma maneira infeliz. O sujeito era conhecido por ser rude para com todos ao seu redor, era difícil
manter uma conversa prazerosa com o homem. Quando sua falecida esposa ainda era viva, o
humor do conde tendia a ser mais maleável e suportável, mas depois que Vivienne Winslow se
foi a escuridão tomara conta da vida daquele senhor, tornando-o ainda mais duro e severo do que
já foi.
— Não me importo se tenha sido um mal-entendido ou não, se aquele homem tocara em você
de qualquer modo é mais do que sua obrigação a tomar como sua esposa. Isso é indiscutível.
A garota sacudiu a cabeça fervorosamente e franziu o cenho em desespero.
— Então está disposto a me deixar casar com o sujeito sem amor?
— Arabella — Jack segurou a mão da moça com cuidado e a olhou nos olhos azuis inocentes
— Está livre para decidir se desejas se casar ou não, não a obrigarei contrair matrimônio com
ninguém. Mas peço que pense bem sobre a sua situação, minha irmã. Está em seu terceiro ano
em busca de um marido, agora tem marcado à sua imagem um escândalo escabroso para sempre,
tens sorte de que o sujeito assumira a responsabilidade em casar-se. Caso decida por não se
casar, talvez deva considerar o convento como uma opção.
— Convento? — Ela arregalou os olhos em espanto — Isso está fora de cogitação. Tem de
haver uma outra solução, pensei que tivesse vindo a Londres para resolver a questão.
O marquês respirou fundo pesadamente e pressionou os lábios, de certo não queria que a
irmã se tornasse apenas uma esposa obediente na mão de um cavalheiro qualquer, gostaria com
que ela experimentasse como o amor poderia mudar uma pessoa, assim como o seu amor por
Olivia e pelos filhos havia o mudado. Talvez a vida reclusa de Arabella em Winston tivesse a
feito viver em um mundo irreal na sua mente, muito distante do que as regras do mundo lá fora
regiam os pilares da sociedade.
— Vim a Londres para requerer um casamento antecipado, Arabella. O conde pediu para que
eu permitisse um casamento rápido para que não haja boatos depois do acontecido, esta não é
uma visita de cortesia.
— Como pôde? Não está me oferecendo escolha alguma dessa forma!
— Se me disser que não se casará, voltaremos a Winston hoje mesmo. Não poderei deixá-la
em Londres nem sequer mais um dia, minha irmã. — Anunciou Jack com um olhar sério — Se
optar por honrar o seu nome e se casar, será de responsabilidade puramente de seu marido. Será
respeitada como uma condessa, ninguém ousará proferir fofocas sobre o seu nome.
Arabella engoliu seco sendo surpreendida pelo anuncio. Honrar o nome de sua família e
salvar a reputação que ela havia jogado na lama, ou partir para Winston onde se tornará uma
solteirona a qual ninguém ousará desposar? Era como se tivesse uma faca no pescoço, fazendo
com que a decidisse seu futuro quase que imediatamente. De toda forma, ambas as decisões
pareciam imensamente frustrantes, mas ao se casar, poderia ao menos ocupar sua mente com
filhos.
Sentiu um terrível medo tomar conta de seu corpo, seja qual fosse a sua escolha, a decisão
definiria a sua vida. Agora não podia mais ser a Arabella a qual todos tratavam como se ainda
fosse uma criança, tinha de crescer e decidir por si mesma, mas porque era tão difícil? Sempre
quis poder tomar as decisões sobre a sua vida ativamente e era isso que Jack estava permitindo a
garota, tinha de ter a coragem para resolver os seus problemas sozinha e assumir a sua
responsabilidade ao menos uma vez na vida, mesmo que essa decisão fosse fazê-la se arrepender
amargamente no futuro.
— Eu me casarei com o conde. — Disse Arabella baixinho como se tivesse medo de
exprimir a sua decisão em voz alta.
Jack olhou para a irmã completamente surpreso, não poderia imaginar que a garota fosse
aceitar o casamento forçado de qualquer forma. Não esperava nenhuma maturidade vindo de sua
pequena irmãzinha, mal podia aceitar a ideia de que a jovem um dia fosse se casar.
— Se essa é sua decisão, a respeitarei até o fim, minha irmã.
Jack a puxou para perto e a envolveu em seus braços, beijou o topo da cabeça da moça e a
ouviu suspirar. Não é como se fosse fácil para ele entregar a sua irmã a um homem como o
conde Winslow, mas se reconfortava com a ideia de que sabia que o homem a respeitaria
verdadeiramente. Winslow podia ser grosso e de poucos amigos, mas seu senso de justiça pelo
que é certo era incontestável, talvez fizesse a vida de Arabella um verdadeiro inferno, mas a
garota teria uma vida digna. Não era ao certo o que merecia, mas era o melhor que poderia ter em
vista de sua atual conjectura.
— Jack, não me deixe ficar sozinha com aquele homem — Arabella implorou — Eu não
suportaria viver dessa forma...
— Conversarei com Winslow, direi que precisa que a senhorita Bromley vá junto a você.
Não se preocupe.
Ela afundou o rosto no peito do irmão, na verdade, havia muito com o que se preocupar.

Naquela tarde, fizera uma visita à modista em privado. Sempre sonhou com um grande
casamento decorado, um belo e pomposo vestido de noiva em um dia perfeito, mas naquele
momento não se sentia nenhum pouco animada com a ideia de que se casaria em breve. Era a
sensação de caminhar em direção a forca, e seu carrasco a esperaria no altar de braços abertos,
tudo em virtude de um erro bobo ao qual cometeram no calor do momento. Odiava se sentir
daquela maneira, nunca quis tanto poder ter Olivia ao seu lado para confidenciar seus
sentimentos e pedir conselhos sobre o seu futuro como esposa.
— A mais nova condessa! — Disse a modista ajustando o vestido no busto de Arabella —
Deve estar animada, não é qualquer uma que fora capaz de fisgar o conde recluso.
Arabella sequer sorriu diante da animação da mulher. Não tinha nada de excitante no fato de
que perdera Harvey para sempre e seria obrigada a se casar por responsabilidade, seu único
desejo era fugir com lorde Blythe para o mais distante que pudesse, era uma pena que o homem
sequer cogitaria essa possibilidade em razão de ser fiel ao bom caráter.
— Acho que está demasiado frouxo nos ombros. — Alertou Holly com um olhar atento.
Arabella olhou-se no espelho, de fato, era um lindo vestido branco. O bordado sobressaía-se
pelas mangas e pelo busto até a saias, assemelhava-se a uma pintura renascentista. A garota
respirou fundo e lembrou-se das palavras duras do irmão, mostrando a ela que não haviam
muitas escolhas a sua frente sobre o seu futuro, ela já não tinha mais esperança ou animo para
todas aquelas formalidades. Seu sonho de se casar de branco em uma igreja havia se tornado um
mero protocolo. Tudo que mais ansiava era por se encolher em um canto qualquer e se
despedaçar em lágrimas pelo seu triste destino.
Por sorte, seu pai já não estava mais entre os vivos para presenciar o acontecido, para o velho
marquês, o convento teria sido a única opção para a jovem Arabella. Sua mãe talvez a felicitasse
por contrair um bom casamento, diria a ela que se contentasse com uma boa casa e um título para
exibir. Era o que toda mulher ao seu redor pensava, exceto a própria Arabella, todos esses
preceitos da sociedade nunca a deslumbraram nem por um segundo. Sabia bem que um título de
respeito não era exatamente um sinal de caráter, um homem podia ser respeitável para a
sociedade e destratar a sua família entre quatro paredes.
— O conde perdeu a primeira esposa tão cedo... — Refletiu a modista retirando um alfinete
da sua saia — É uma surpresa que finalmente tenha escolhido uma esposa. Vivienne faleceu
antes mesmo de gerar herdeiros.
— Pobre mulher. — Falou Holly erguendo a cauda do vestido com cuidado — Talvez tenha
morrido de desgosto por se casar com um grosseirão.
As duas mulheres deram gargalhadas altas que ressoaram pela loja, Arabella não achou nada
engraçado o comentário da dama de companhia, caso tenham esquecido, ela era a próxima
esposa.
— De certo, mas pelo que soube, ele a amava perdidamente e jurou jamais se apaixonar. —
A modista murmurou — Será que a senhorita será capaz de penetrar o coração de pedra do
conde?
— Não tenho interesse nos sentimentos do homem. — Pronunciou Arabella em desgosto.
— Podes não se interessar pelo coração, mas estarás interessada na lua de mel. — A mulher
deu um sorrisinho maldoso.
Holly olhou para a modista como se a repreendesse e sacudiu a cabeça. A mulher tapou a
boca imediatamente e pigarreou. A garota girou seu corpo fazendo com que o vestido se
arrastasse pelo chão da loja e encarou a duas com um olhar subitamente curioso. Vira então a
oportunidade perfeita para descobrir todas as coisas sobre a vida de casada que Olivia se recusara
a contar para a cunhada.
— O que quer dizer com isso? — Perguntou a garota — O que acontecerá na lua de mel?
— Coisas que uma moça solteira ainda não deve saber, senhorita. — A modista se colocou a
trabalhar no vestido novamente sem jeito.
— Então como vocês duas supostamente sabem de qualquer coisa?
— Porque somos mulheres mais velhas — Respondeu a dama de companhia rapidamente
ajeitando a coluna — E não tão nobres quanto a senhorita.
Arabella olhou para Holly com um pouco mais de atenção como se refletisse no que a amiga
acabara de dizer, sua curiosidade recém despertada não poderia ser abafada tão rapidamente com
respostas tão genéricas quanto aquelas. Arabella poderia ser inocente e casta, mas de certo não
era nenhum pouco boba em relação as pessoas.
— Exijo saber o que de tão especial na lua de mel, não é possível que irão negar-me a
oportunidade de me antecipar para o que quer que deva acontecer.
A dama de companhia deu a volta e segurou a mão da moça sem saber bem o que dizer,
engoliu seco e ofereceu um olhar sincero a garota da melhor forma que pôde.
— Bem, a senhorita deve saber que um homem e uma mulher dormem juntos em seu leito de
amor — Começou — Acontece, que dormir não é só o que acontece em cima de uma cama.
A garota olhou para Holly completamente confusa e franziu o cenho. A simples ideia de
dormir ao lado daquele grosseirão cabeludo a fazia tremer de medo, não tinha pensado sobre isso
até aquele momento, o que a deixou bastante preocupada de forma abrupta.
— Não sei se compreendo... — Respondeu refletindo sobre o assunto.
— Quando um homem e uma mulher estão em sua intimidade, os dois podem ir um pouco
mais além do que apenas algumas carícias e beijos, e passar para algumas carícias um pouco
mais...íntimas. — A modista tentou explicar pacientemente para a moça, não era sempre que
tinha a oportunidade de dizer tais coisas e alertar uma jovenzinha perto de seu casamento,
geralmente as moças estavam sempre cercadas de suas mães como abutres.
— Que tipo de carícia? — Insistiu a jovem curiosa.
— Veja bem, querida, quando um homem está nu e uma mulher também...
— Acho que já é o bastante. — Interrompeu Holly sem graça fuzilando um olhar irritada
para a modista — Você descobrirá quando chegar a hora certa, senhorita.
Arabella olhou para a amiga aborrecida e fez uma carranca. Estava prestes a descobrir o que
tanto escondiam dela e Holly se metera onde não fora chamada, isso era um ultraje! Não
conseguia pensar em como teria de descobrir no momento certo, como saberá qual é o momento
certo se não faz ideia do que deve acontecer? Isso a apavorara de uma forma intensa, não
conseguiria imaginar o conde tocando-a de qualquer modo. Só de se lembrar do que acontecera
no baile e do beijo... sentia-se completamente estranha. Na verdade, era quase como um sonho
distante ao qual ela mal podia se recordar.
Recordar daquele beijo a deixava inquieta, como se faltasse algo no fim das contas. Não
queria ter de ficar sozinha com aquele homem, por mais que a curiosidade sobre a lua de mel a
consumisse de dentro para fora.
— Não sei bem se quero descobrir qualquer coisa com aquele homem. — Exprimiu cansada
— me recuso a deixar que coloque as mãos sobre mim.
A modista sorriu e então ergueu as sobrancelhas.
— Se aquele pedaço de mal caminho desejasse pôr as mãos em mim, eu não reclamaria nem
por um segundo.
Confusa, Arabella encarou a mulher sem saber bem o que dizer. Havia muitas coisas que
precisava descobrir, nunca desejara tanto que sua mãe estivesse por perto quanto agora, talvez a
marquesa fosse mais sincera sobre os fatos da vida do que qualquer uma das pessoas ao seu
redor, que a deixariam entrar em um casamento de olhos vendados para a vida de esposa.
Arabella tinha certeza de apenas uma coisa, não queria se casar de maneira nenhuma com o
conde.
— Confesso que é uma surpresa recebê-lo em minha residência, marquês. — Proferiu o
conde servindo-se um copo de conhaque e sentando-se em sua poltrona favorita no canto da sala.
Observou o alto homem loiro sentado à sua frente por um longo momento, da última vez que
o vira, parecia mais jovem e desanuviado. Pela primeira vez enxergou Jack Clifford como um
senhor de respeito, jamais imaginara que o homem se tornaria marquês tão cedo e assumiria as
responsabilidades de seu pai, quanto mais que contraísse um casamento bem-sucedido e tivesse
filhos. Clifford costumava ser do tipo de cavalheiro de pouco respeito que frequentava as
noitadas e tavernas da região em busca de prazeres carnais e de uma boa briga, mas então lá
estava o homem, um marquês feito e respeitado em prontidão para negociar a situação
matrimonial de sua irmã mais nova.
Jack inclinou-se e tomou em sua mão um copo da bebida pungente para acalmar os nervos.
Não sabia bem o que esperar de sua visita ao conde Winslow, tampouco estava certo sobre a
decisão final de sua irmã baseada em manter a sua honra intacta. Não gostava nenhum pouco
dessa situação, era inquietante e embaraçosa, mas devia deixar que o homem deixasse claro a sua
parte no acordo final.
— Aposto que não tão surpreso quanto fiquei ao receber seu primeiro telegrama. — Falou o
marquês com um ligeiro sorriso nos lábios — O segundo quase me fez esticar as canelas,
Winslow. Diabos, ainda estou surpreso com toda essa história.
O conde sorriu amargamente.
— Temo nada correu como o planejado, tentei defender a honra de sua irmã para com meu
amigo e acabei por prejudicando-a ainda mais. Assumo meu compromisso como homem em
casar-me depressa com a senhorita sua irmã para poupá-la do vexame, mas sendo sincero,
aprecio tal situação tão pouco quando a senhorita Clifford deve apreciar neste momento,
marquês.
— Deixemos as cordialidades de lado, meu caro. Nos conhecemos muito antes dos títulos,
não é mesmo? Arabella contou a mim sobre sua infame mentira que a colocara em tal apuro.
Peço desculpas pela tolice de minha irmã, mas de toda forma, foram pegos a se beijar por uma
corte de testemunhas. — Jack afundou os ombros na poltrona e respirou fundo — Creio que o tal
lorde Blythe não deve ter ficado nada feliz.
— Perdoe me dizer, mas fui tomado por um súbito lapso de consciência ao beijar a garota.
Infelizmente traí a confiança de meu amigo e Harvey partira, admito meu erro e estou mais do
que disposto a repará-lo. — O conde encarou as próprias mãos com um olhar perdido, uma
mecha de seu cabelo longo caindo sobre seu olho tampado-lhe a visão parcialmente.
Havia sido mesmo um lapso de consciência? Robert não saberia explicar. Na verdade, não
fazia a mínima ideia de porquê beijada Arabella Clifford naquela noite, o impulso repentino que
o fizera cumprir tal ato fora provocado por um transe instantâneo ao encarar os olhos doces da
moça, não havia uma explicação lúcida o bastante para ter feito aquilo. Se arrependia agora
amargamente de ter provocado todo aquele mal-entendido, a confusão que tomou conta de si ao
notar que a moça lhe retribuiu o beijo era ainda maior. Se odiavam feito cão e gato, e agora
estavam unidos em um compromisso inquebrável.
Logo Robert, quem prometera jamais se unir a nenhuma outra mulher desde a trágica morte
de Vivienne. Nunca sentira sequer vontade de estar com mais ninguém desde a sua falecida
esposa, o desejo provocado por Arabella havia quebrado todas as suas barreiras e despertado
uma sensação conflitante em seu peito. A irritante garota o fazia querer jogá-la de uma
carruagem em movimento, mas ao mesmo tempo o cativava com o seu tom meigo e olhos
sensuais. Robert sacudiu a cabeça afastando tais pensamentos de sua mente e voltou a olhar para
o marquês.
— Não sinto simpatia por sua irmã e tampouco estou apaixonado, cumpro apenas o dever
que assumo em virtude de minha posição na sociedade e de meu caráter. — Continuou o conde.
— Certamente não é o que esperava para minha querida irmã, meu caro. Mas em razão das
circunstâncias, tudo que posso exigir que tenha por Arabella é respeito. Sinto muito que tenha o
envolvido nesse perigoso dilema.
— Dou minha palavra ao marquês, o respeito pela moça foi o que me trouxe a tal situação.
Jack passou uma mão pelos cabelos e deixou os ombros recaírem cansados, desejava um bom
casamento para a irmã e não deixava de ser uma boa oportunidade firmar um compromisso com
um conde. Mas sobretudo, gostaria que a irmã fosse feliz da mesma fora que Jack sentia-se sobre
sua esposa e filhos, odiava entregar a irmã a um homem pelo qual Arabella não sentisse apreço,
muito menos a um senhor que não possuísse apreço algum pela garota. Certamente a moça
merecia uma dose de felicidade em sua vida e não só um casamento de faixada.
— Está mesmo disposto a se casar com minha irmã? — Perguntou Jack preocupado.
— Já tomei conta de todos os proclames, prometo cumprir a minha palavra e respeitar a
garota como o respeito apesar de tudo. Caso tenha se esquecido, toda essa confusão afeta
também o meu bom nome, em minha posição não posso permitir que isso aconteça.
O marquês assentiu reflexivo e tomou um gole do conhaque. Era como se um floco de neve
tivesse se transformado em uma gigantesca avalanche sobre a vida de todos, nunca desejada a
irmã um casamento forçado, mas não via outra escolha em meio a atual conjuntura.
— Preciso que me prometa algo mais, Winslow. Me prometa ser cuidadoso com Arabella, a
ingenuidade de minha irmã tende a colocá-la em situações desconcertantes, trate-a como se fosse
sangue de seu sangue. Tenha paciência, sei que será difícil mas peço que cuide de minha irmã de
verdade como ela merece.
— Não posso prometer não a machucar, mas posso garantir que não passarei de limite algum
que a garota não queira. — Respondeu o conde com um olhar perdido.
— Dei a Arabella a opção de voltar comigo a Winston — expressou o marquês se levantando
e deixando o copo vazio sobre a mesa de centro — Ela escolheu casar-se com o senhor.
O conde observou Jack cautelosamente, ele parecia dizer a verdade a todo momento. Mesmo
assim, Robert não podia imaginar a moça escolhendo se casar pela responsabilidade ao invés de
voltar para casa e fugir de todo esse escândalo. Pelo visto, a senhorita Clifford estava disposta a
lutar pelo seu bom nome e reputação até o fim, ao contrário do que o conde imaginara a
princípio, a decisão madura da moça demonstrou a prudência que Robert jamais esperava de uma
garota tão nova.
Nunca se imaginou casando com uma jovenzinha ingênua e casta, sentia pelo jeito doce da
moça que jamais havia sito tocada por um homem de qualquer forma, e de surpresa Robert
proporcionara a ela o primeiro beijo de maneira inesperada. Sentia-se culpado ao retirar dela a
oportunidade de viver sua súbita paixão juvenil com Harvey Blythe, homem que seria capaz de
proporcionar a moça todo amor e cuidado especial que merecia. Robert era o contrário do amigo,
não saberia demonstrar carinho, não saberia cuidar de ninguém, talvez por isso nunca tivera
filhos com Vivienne.
— Só mais uma coisa — Proferiu Jack — Preciso saber se o tal lorde Blythe não será um
problema futuro. Um cavalheiro com o ego ferido tende a ser volátil as vezes.
Robert Winslow balançou a cabeça negativamente, o amigo era um espirito viajante que
apreciava a genuína bondade entre as pessoas. Nunca o veria fazer mal a ninguém, e por mais
que soubesse o quanto tinha magoado o amigo com seu gesto inconsequente, ainda o considerava
fortemente em sua vida. Os tempos que viverão no colégio militar consolidara uma sólida
amizade durante toda a vida de ambos, não aceitaria perder tal amizade por um deslize tão bobo.
— Creio que Blythe não voltará. Caso eu esteja enganado, resolverei a situação da melhor
forma possível.
Jack assentiu.
— Espero que esteja certo, Winslow.
E então o marquês se despediu e seguiu seu caminho sem mais nenhuma palavra. Estava tão
empolgado com o casamento quanto os próprios noivos, era o tipo de situação que Robert jamais
imaginou viver em toda a sua existência, sempre zombou dos escândalos da sociedade e agora
havia se envolvido diretamente em um.
Subiu as escadas em silêncio e cerrou-se em seus aposentos. O conde parou no centro de seu
quarto e respirou fundo olhando em direção ao quadro pregado em cima da lareira, o rosto sútil
da mulher da pintura o encarava de volta com seu meio sorriso e olhos muito brilhantes. O
quadro de Vivienne sobre a lareira vinha sendo o seu conforto durante todos aqueles anos, a
jovem que perdera sua vida antes dos trinta permanecia viva em um momento eterno a sorrir na
pintura. Sentia falta dos conselhos sinceros e das carícias da mulher falecida, as vezes
conversava sozinho em frente a imagem esperando-a responder suas dúvidas e amaciar-lhe o
ego.
Vivienne tinha sido seu único e verdadeiro amor, se recusava a acreditar que algum dia
voltaria a sentir aquele sentimento em seu coração. Ninguém jamais ocuparia o lugar que a
mulher possuía em sua vida, ninguém jamais corromperia sua pura imagem frente a ele por
qualquer razão. Vivienne era o sol que iluminava seus dias, e quando se foi, a mulher levou
consigo toda a luz e o deixou imerso na mais profunda escuridão, a mesma que vinha o
engolindo lentamente por todos esses anos.
O conde caminhou até a lareira e retirou o quadro do lugar, sentiu a moldura desenhada com
a ponta dos dedos e uma certa dor em seu peito o fez recuar, não podia se livrar do quadro, mas
também não poderia suportar a ideia de dividir a visão da esposa com a sua futura esposa
enxerida. Haviam dores que nem sequer o tempo poderia processar, a perda de um amor era uma
delas, uma ferida que jamais se curaria em sua carne.
— Dianna! — Berrou o homem da porta.
Momentos depois, uma criada surgiu no quarto limpando suas mãos úmidas em seu avental.
A mulher reverenciou brevemente o homem e o observou com um olhar impassível, aguardando
as suas ordens com atenção.
— Preciso que leve este quadro para o sótão neste momento. Em seguida, retire tudo que
remeter a sua antiga senhora e deposite no mesmo lugar.
— Mas meu senhor... Pensei que não pudéssemos tocar nas coisas da condessa.
Robert virou-se em direção a janela e fechou os olhos por um segundo.
— A regra ainda é válida. Teremos em breve uma nova anfitriã nessa casa, ela também está
imprescindivelmente proibida de tocar em qualquer coisa de Vivienne. — Respondeu em um
tom duro e sacudiu a cabeça afastando os pensamentos sobre a falecida esposa.
— É claro, meu senhor. — Disse a criada segurando o quadro cuidadosamente e se retirando
do quarto em seguida com a agilidade de um felino.
Sozinho em seu quarto, o conde sentiu um acesso de raiva tomar conta de seu peito. Havia
falhado em sua promessa para Vivienne, logo outra mulher estaria em sua casa e levaria o seu
sobrenome, não conseguia aceitar a ideia de chamar aquela jovem estúpida de esposa, ela nunca
ocuparia o espaço que era da condessa por merecimento. O coração frio de Robert jamais estaria
aberto outra vez para o amor.
Os olhos tristes de Arabella naquela tarde ensolarada revelavam apenas uma parcela do que a
garota sentia quando entrou naquela capela. O vento arrastava as folhas caídas das árvores ao
redor com um chiado baixo, Holly segurava a cauda longa do vestido branco dos primeiros
degraus da escada de pedra. As pernas trêmulas da jovem noiva forçaram-se a dar os primeiros
passos pelo tapete da capela vazia. No altar, somente o marquês, o noivo e o padre a esperavam
atentamente, nenhuma daquelas pessoas de pé no púlpito realmente gostaria de estar lá,
presenciando um acontecimento que desagrava aos envolvidos em toda aquela situação.
— Precisa entrar agora, senhorita. — Holly murmurou baixinho para a dama de branco.
Arabella concordou com um aceno nervoso e engoliu seco, olhou para o conde a sua espera
no altar e por um segundo fechou os olhos com força. Por toda a sua vida sonhara com o dia de
seu casamento, toda garota é condicionada a esperar pelo seu dia especial em que deveria se
sentir como uma verdadeira princesa em direção ao seu cavalheiro do cavalo branco, seus sonhos
de encontrar o verdadeiro amor e jurar estar ao lado dele pelo resto de seus dias no altar tinha se
desfeito entre seus dedos como fumaça. Se esperava um dia ser feliz, sabia que talvez isso nunca
fosse possível porque sua própria inconsequência havia acabado com as suas poucas chances.
Naquele momento sabia que deixaria de ser apenas uma jovem moça e se tornaria uma
senhora, uma condessa. Desgostava dessa situação ao ponto de mal conseguir olhar nos olhos do
homem que a aguardava em frente, deixou sua mente voar para longe e se entregou a
pensamentos triviais, sabia que não faria absolutamente nenhuma diferença se estivesse presente
de corpo e alma a aquele momento, o casamento aconteceria de qualquer maneira porque era o
que deveria acontecer no fim das contas.
Quando se aproximara do altar, o conde estendeu sua mão, a garota entrelaçou seus dedos
enluvados no toque gelado do homem e olhou para os próprios pés. Robert Winslow, que estava
tão desconfortável com aquela situação quanto a moça, olhou-a de relance e piscou inexpressivo,
não havia nada de alegre naquele dia em especial. Ao ver Arabella ao seu lado, só conseguia se
lembrar do dia em que se casara com Vivienne, que ao contrário de agora, havia sido um feliz dia
de festa em que uma igreja cheia celebrava a união de dois apaixonados. A igreja também estava
cheia no dia de seu funeral, recordou. Uma dor excruciante tomou conta do seu peito de repente,
não deveria estar pensando em Vivienne ao se casar com outra, não parecia justo com a pobre
imaculada dama ao seu lado.
Arabella até mesmo notara quando seu noivo se retraiu enquanto o padre citava a palavra do
senhor, não poderia imaginar o que o conde pensara, mas tinha certeza de todo o seu coração de
que o homem se arrependia daquele momento tanto quanto ela. Sua expressão impassível era
digna de um mestre em esconder seus verdadeiros sentimentos, mas pela primeira vez Arabella
aproveitou a circunstância para dar uma boa olhada no conde, o homem havia feito a barba e
parecia repentinamente mais jovem, seu cabelo longo estava penteado para trás de forma
elegante e suas vestes tinham sido cuidadosamente escolhidas para a situação. A garota se
lembrou de repente do momento que compartilharam na biblioteca e estremeceu, aquele beijo
nunca deveria ter acontecido, muito menos ter sido correspondido.
Nervosa, Arabella moveu o seu olhar para o irmão. O marquês forçou um sorriso amarelo
para a moça e acenou lentamente com a cabeça, tinha medo de que a irmã pudesse a qualquer
momento se levantar e correr porta a fora, não a julgaria, de certo, aquela união desconcertante
era um grande erro e a faria infeliz pelo resto de seus dias. Pensar sobre isso o deixava inquieto,
nunca foi o que esperava para a irmã mais nova. Gostaria que a jovem tivesse uma união por
amor assim como ele, detestava a ideia de que Arabella fosse tão infeliz quanto a própria mãe.
Abruptamente, o padre ergueu o rosto e olhou em direção a porta. Todos se viraram a tempo
de ver o homem que entrava na igreja com um olhar perdido fixo na noiva, Harvey Blythe
adentrou a capela em silêncio e parou por um breve instante. Arabella prendeu um grunhido
surpreso e cerrou os punhos, queria correr até Harvey e pedir que a levasse para longe dali,
queria que o lorde pudesse segurar a sua mão e jurar mais uma vez que estava perdidamente
apaixonado. Foi só então que a moça se recordou do dia em que implorara ao homem para não a
deixar se casar com o conde, Harvey não lutara por ela nem sequer por um segundo.
Decepcionada, Arabella deixou os braços caírem ao redor do corpo e virou-se para frente. O
lorde apenas tomou um lugar ao fundo da capela e abaixou a cabeça silenciosamente.
O padre continuou suas palavras, certamente, Robert não estava nada interessado naquilo. A
presença do amigo em seu casamento apenas selava a situação difícil que havia se estabelecido
entre eles, tudo em razão dos impulsos estúpidos que o guiaram para um caminho sem volta.
Infelizmente, sua honra estava em jogo naquelas circunstâncias, tinha plena certeza de que fazia
o certo para preservar o seu bom nome e o nome da moça. Afinal de contas, casamentos sem
amor aconteciam o tempo todo e era absolutamente comum, porque se oporia a uma boa união?
Por sorte, o irmão da moça pensava o mesmo.
Quando a cerimônia terminou e o padre pronunciou suas últimas palavras, os recém-casados
receberam a benção de Deus. O marquês se aproximou dos noivos com seu sorriso pouco sincero
grudado em seu rosto e tomou a mão da irmã com gentileza.
— Minhas felicitações, condessa. — Pronunciou as palavras como se fossem venenosas.
Arabella o abraçou firmemente, apertando o irmão mais do que deveria naquele momento. A
ideia de que agora era uma senhora casada não a agradava nenhum pouco, o controle sobre sua
vida apenas tinha passado de um homem para outro, essa era a mais pura verdade sobre aquela
união.
— Sentirei sua falta. — Arabella disse com a voz embargada — Os visitarei assim que
possível.
O marquês ergueu o rosto da jovem com um dedo e acariciou a sua bochecha de um jeito
afável.
— Seja forte, minha irmã. Não é o fim do mundo, a Arabella que conheço está sempre
disposta a ver o melhor cenário das coisas.
Ela sorriu fracamente e olhou para o marido, o conde parecia desconfortável, olhou-a
rapidamente com aqueles olhos cinzentos e então sacudiu a cabeça como se desejasse mais que
tudo que todo aquele circo chegasse ao fim. Passos atraíram a atenção de todos. Lorde Blythe se
aproximou entre os bancos o suficiente para olhar mais uma vez para a moça com seu olhar
triste, uma tristeza que instantaneamente fez com que o coração de Arabella pesasse no peito
tamanha a culpa.
— Meus cumprimentos aos noivos. — Falou lorde Blythe com um sorriso nos cantos dos
lábios — Tive de presenciar até onde iriam com toda essa história. Nunca pensei que seria traído
pelo meu próprio amigo.
O conde sobressaiu-se a frente nada contente.
— Sabes perfeitamente bem não é essa a situação, Harvey. Estou apenas zelando pela honra
da moça e mantendo meu nome, não poderia deixar que nada disso destruísse o sobrenome de
minha família. O considero como meu próprio irmão.
— Ainda sim traiu a mim sem pensar duas vezes. — O lorde rangeu os dentes — Não o
considero mais nada Winslow, espero apenas que seus dias sejam amargos quanto a si mesmo.
Jack respirou fundo e se colocou ao lado da irmã com um olhar sério.
— Vá embora, Blythe. Não é bem-vindo aqui, se acreditava ter algum privilégio sobre
Arabella, deveria ter requisitado a mão de minha irmã antes do casamento. Se sua intenção é
rechaçar a ocasião, que vá buscar sua justiça na corte e não em uma igreja. — Falou o marquês
duramente.
— Não se preocupem, não vim incomodar a ninguém — Lorde Blythe disse já se retirando
em direção a saída — Lhe arrancarei algo que ama quando menos esperar, Winslow. Sentirá na
pele a traição de um amigo.
E assim o homem partiu, deixando para trás deixando para trás a inquietude de seu silêncio.
Robert não sabia o que significava as palavras impiedosas do amigo, mas preferia não acreditar
que um homem ao qual considerava sangue de seu próprio sangue fosse fazer qualquer coisa
para machucá-lo de verdade. Não fazia a estipe de Blythe, o homem era um sonhador livre,
nunca o vira tão consumido pelo ódio antes.
Após as despedidas, Holly abraçou Arabella com carinho e se despediu temporariamente, se
mudaria para a casa do conde assim que o período de núpcias terminasse, por mais que todos
soubessem que essa era apenas uma mera formalidade.
Arabella e o conde foram para a casa na mesma carruagem, a mudez do homem não a
surpreendeu. Vez ou outra se pagava olhando para o homem com curiosidade, já Robert,
mantinha seus olhos fixos na paisagem da cidade lá fora. Parecia completamente perdido em
seus pensamentos, não dissera sequer uma palavra na presença da garota por todo o caminho.
Quando chegaram a residência, o homem sequer ajudou a moça a descer da carruagem, seguiu
em frente sem ela como se a presença da garota fosse a mesma de um fantasma. Arabella
apressou o passo para acompanhá-lo pela entrada, quase que correndo para se manter ao lado do
então marido.
Quando entraram na casa, toda a criadagem estava em fila no corredor aguardando pelo seu
senhor e anova condessa. A garota sentiu-se de repente muito exposta, era estranho saber que
agora moraria naquela residência escura e sem vida. Não era como se pudesse chamar o locar de
seu lar, sabia bem que não era bem-vinda, mas tinha de ocupar o seu espaço ou acabaria se
tornando apenas um móvel em meio a mobília.
— Essa é sua nova senhora. — Robert proferiu as palavras ligeiramente para os criados —
Arabella agora será vossa referência nos assuntos de casa, estou certo que ela está mais do que
preparada para isso.
A garota olhou para Winslow ofendida, sabia que o homem estava tentando fazê-la parecer
uma idiota para todos. A achava tola e fútil, mas como toda garota da sociedade, havia sido
criada para gerir uma casa e oferecer entretenimento.
— Gostaria de saber onde serão os meus aposentos. — Foi tudo que disse.
— Está ansiosa para conhecer o vosso ninho de amor, esposa? — Zombou o conde
atravessando o corredor e subindo as escadas — Será um prazer apresentar a você.
Arabella o encarou pelas costas completamente aborrecida e o seguiu escada acima, passou
por uma outra grande sala de estar em direção ao corredor, a porta do último quarto estava aberta
como que a sua espera. O conde entro no quarto e girou sobre seus calcanhares, não estava muito
disposto a dividir a sua cama com a jovem.
A moça olhou ao redor, não havia muita decoração, o quarto era grande e igualmente escuro
e sem vida como o resto da casa, a imensa cama de dossel no centro do quarto estava
perfeitamente arrumada. Arabella segurou a cauda do vestido e andou até os seus baús que
haviam sido deixados no canto do quarto intocados, e então sentou-se na cama como se avaliasse
o território.
— Nós dormiremos no mesmo quarto? — Perguntou inquieta.
— De certo. Não quero que a criadagem comente por aí sobre a nossa vida conjugal. —
Robert falou se aproximando — Mas cumprirei a minha promessa de respeitá-la, Arabella. Não a
tocarei em momento algum.
Arabella se levantou e cerrou os punhos.
— Da mesma forma que não me tocara na biblioteca?
— Aquilo não se repetirá novamente, fora apenas um lapso de minha consciência em um
momento de pura fraqueza. Momento ao qual estou certo de que a senhorita correspondeu.
— Eu nunca havia sido beijada, milorde. O que esperava que eu fizesse? — A garota colocou
as mãos sobre os quadris enfurecida deixando a saia do vestido branco cair — Me beijaste de
surpresa e nem mesmo pude reagir a caráter.
Robert deu uma gargalhada.
— E como terias regido se soubesse que a beijaria? — Questionou em divertimento.
— Eu... — Balbuciou Arabella — Eu teria rejeitado educadamente, milorde.
O conde estreitou a distância entre a moça para provocá-la, o divertia ver o olhar de
desespero pudico que surgia no rosto delicado da garota.
— Sou seu marido agora. Não há necessidade de nenhuma formalidade, não me importo se
disser o meu nome de batismo — Murmurou baixinho fechando o cerco com sua presença
imponente — Estou prestes a beijá-la agora, o que fará?
Arabella engoliu seco sentindo o nervosismo tomar conta de seu corpo, a curta distância
entre o conde e ela a fazia se sentir oprimida, não tinha para onde correr cercada pelo alto
homem de ombros largos a sua frente. Seus joelhos praticamente se tornaram manteiga naquele
instante, não era como se tivesse sido beijada muitas vezes para saber como deveria agir. Apesar
de ter plena certeza de que deveria correr, seus pés congelaram no lugar sobre seus sapatos.
Robert tocou delicadamente o pescoço desnudo da moça para deixá-la mexida, o alvoroço
interno virginal da moça pode ser percebido pelo homem. Nunca pensou que poderia ser tão
divertido brincar com uma jovem inocente, mal precisava tocá-la para que a garota se derretesse
bem à sua frente. Era engraçado ver o nervosismo e o desespero crescente nos olhos azuis muito
claros de Arabella, por mais que não fosse realmente cruzar o limite do bom senso, podia muito
bem entreter-se com a agitação que podia provocar na jovem.
Se quisesse beijá-la, teria o feito. Era o seu marido, de qualquer forma, não seria errado.
Talvez moralmente questionável, mas não errado. Olhou para a garota indefesa, a mesma garota
a qual tinha causado toda essa situação alarmante, estava irritado repentinamente. Afastou-se da
moça tirando o seu paletó e parou encostado no batente da porta.
— Pode enxergar como tenho o controle sobre você? — Disse esmorecido — Não sabe nada
sobre a vida ainda, querida esposa.
Desconcertada, a garota fez o possível para se recompor depressa. Odiava o tom debochado
ao qual se referia a ela.
— Talvez saiba o suficiente para ter certeza de que se aproveitou de mim. — Afirmou.
— Nunca em minha vida me aproveitei de uma dama... — Retrucou ultrajado — Como ousa
me acusar de tal delito?
— Tão certo se aproveitou, como traiu a confiança de seu amigo. Agora estou presa ao
senhor pelo resto de minha vida!
Robert a encarou desgostoso, as palavras duras da moça reverberaram em seu inconsciente.
— Espero que aprecie a sua estadia, senhorita. Farei o favor de deixá-la sozinha.
E foi tudo que o conde proferiu duramente antes de bater a porta e sair furioso. Arabella
sentiu-se engasgada por um sentimento horrível, sabia que não deveria ter dito nada porque era
tão culpada quanto ele. Não era bem uma moça indefesa, se quisesse impedir aquele beijo, teria
o impedido. Na verdade, nem Arabella fazia ideia do porque havia correspondido ao conde
naquela noite.
Se aproximou da janela a tempo de ver o esposo sair da residência e tomar a carruagem em
direção a cidade. Nunca pensou que passaria sua primeira noite de casada completamente
sozinha em seu quarto, apenas observando as horas passarem.
O desalento tomou conta de Arabella naquela manhã, talvez fosse em razão daquela casa
deprimentemente, escura e cinzenta como um dia chuvoso. Se ao menos Holly estivesse por ali,
talvez não se sentisse completamente solitária. Andou por toda a manhã pelos cômodos da casa
buscando consolo no silêncio absoluto, a criadagem a cumprimentava com um aceno, todos
receosos sem entender muito bem a situação. Na verdade, nem mesmo Arabella entendia, estava
condicionada a aquela situação tanto quanto os empregados, que a viam como uma completa
estranha.
Da janela da sala, observara o jardim por minutos a fio, parecia malcuidado e largado. Era
uma pena, pois haviam belas roseiras selvagens a crescer entre os arbustos. Não conseguia
entender porque o conde não promovia nenhum esforço para deixar o ambiente minimamente
mais agradável, era displicente para com o próprio lar. Se bem que um homem que abandona a
esposa sozinha em sua noite de núpcias não era bem o que Arabella considerava como um sujeito
cuidadoso. Se o conde não zelaria por sua residência, Arabella estava disposta a tornar o lugar
um lar mais aprazível.
Se não tivesse o que fazer, de certo enlouqueceria em menos de um mês. Quando vira uma
criada cruzar o corredor, se levantou depressa e abordou a mulher sem muita cerimônia.
— Olá? — Disse com um sorriso afável — Qual o seu nome?
A mulher olhou em direção a condessa espantada, demorou dois ou três segundos para
garantir que a moça estava realmente a falar com ela. E após o súbito choque se apressou em
fazer um breve aceno.
— Dianna, minha senhora. Sou encarregada da arrumação.
— Isso é ótimo, Dianna. Estou curiosa, por acaso temos um jardineiro?
— Certamente, senhora. Ele já não vem há um longo tempo, mas posso pedir que o cocheiro
o traga até aqui, caso deseje.
Arabella abriu um sorriso animada, havia tanto em sua mente naquele instante, mal podia
esperar para deixar a decrépita residência muito mais vistosa. Começaria então a sua missão pelo
jardim abandonado, sentia que a frente da residência necessitava de algum cuidado urgente, mais
parecia abrigar um mostro das montanhas do que um respeitável conde.
— Perfeito. Peça que o jardineiro cuide de todo o jardim da frente o quanto antes. Preciso
saber o que há de errado com essas cortinas, estou certa de que deve haver algo menos fúnebre
em algum lugar. — Arabella olhou para trás refletindo sobre o recinto escuro.
A criada piscou como se tentasse acompanhar o raciocínio.
— A senhora deseja cortinas novas? — Perguntou confusa.
— Bem, se for possível. Também seria perfeito se pudesse abrir as janelas da casa e deixar o
sol entrar pelo menos durante a manhã. Espere, estou sendo muito abusiva?
— Absolutamente não — A mulher pigarreou — É só que o conde prefere as coisas de seu
próprio jeito, não sei se ele ficará satisfeito com as mudanças.
— Não se preocupe com isso, deixe que eu resolvo os assuntos com aquele paspalho. Afinal
de contas, não foi ele quem deu instruções de que posso resolver os assuntos de casa?
A moça assentiu como se o argumento fosse justo. Por mais que temesse o conde,
desobedecer sua condessa seria impróprio ao extremo. De certo modo, todos já estavam cansados
da atmosfera de luto que a casa possuía, já haviam passado anos desde que a antiga condessa
falecera, em algum momento a casa tinha de voltar ao seu tempo de glória e brilho. Winslow não
poderia viver para sempre cercado pela escuridão de seu eterno luto, talvez uma ovem cheia de
vida como a condessa pudesse amansar o coração selvagem e ferido do homem. Com certeza
seria divertido vê-la tentar.
— É claro, minha senhora, me certificarei de que suas ordens sejam cumpridas.
E então se afastou rapidamente até sumir no fim do corredor. Arabella, que estava decidida a
deixar que a escuridão fosse substituída por um pouco e luz matinal, correu para abrir por si
mesmo as janelas da sala e dos cômodos adjacentes. Logo um pouco do ar puro adentrou na
residência e os primeiros raios de sol atingiram o interior, Arabella sorriu pela primeira vez
desde que pisou ali. Sempre sonhou com o dia em que seria a senhora da casa, não pensou que
fosse ter tantos afazeres como possuía agora, havia tanto que gostaria de fazer que mal soube por
onde deveria começar.
Disposta a fazer com que a entrada parecesse menos assustadora, saiu em direção ao jardim
imaginando o que poderia mudar. Certamente manteria as roseiras, as flores cresciam selvagens
entre os espinhos, os galhos se retorciam para todos os lados necessitando de poda. As flores
indisciplinadas desenvolviam-se para o céu, diversos botõezinhos cor de rosa saltavam dos
galhos formando pequenos e adoráveis buquês.
Arrancou algumas folhas secas da roseira com a ponta dos dedos, sem querer, esbarrou em
um espinho pontudo e feriu sua mão.
— Ai! — Exclamou a garota levando a mão até a boca.
Algumas poucas gotas de sangue cobriram uma flor, deixando-a com um aspecto grudento
cor de carmim. Arabella praguejou baixinho e se abaixou apoiando se em seus calcanhares. Algo
brilhante chamou sua atenção entre o mato que crescia no canteiro, ela escavou com uma pedra e
alcançou o pequeno objeto com cuidado. Era um anel de ouro, do tipo de anel cravejado com
brilhantes que ninguém deixaria abandonado por aí. Estava tão imersa em sua descoberta, que
sequer vira quando aquele homem de sapatos lustrados se aproximou como um fantasma.
— O conde odeia que toquem nas roseiras da condessa, minha senhora.
Arabella se levantou depressa com o anel em sua mão e observou o mordomo de pé a sua
frente. Certamente o homem não possuía cara de quem gostasse de fazer amigos, mas a garota
pouco se importava com este fato. Apenas desamassou as saias com uma das mãos e suspirou.
— Agora a condessa sou eu. — Disse com um sorriso amável — Além disso, de que adianta
cultivar as rosas sem nenhum cuidado?
— Sempre pensei o mesmo. Lady Vivienne odiaria ver o que houve a seu jardim, mas
aparentemente, meu senhor prefere manter as recordações bem longe. — O mordomo cruzou
suas mãos atrás das costas olhando ao redor com desgosto.
— Pois sinto que já passou da hora de tudo mudar. — Arabella olhou para o anel de ouro em
sua mão — Encontrei este anel enterrado no chão, por acaso não saberia a quem pertence?
— Oh sim, o próprio conde o enterrou aí quando a esposa falecera. Não o deixe ver
segurando esse objeto, o conde tende a ficar emocional.
— Agradeço pelo conselho, mas não faz nenhum sentido. Porque ele enterraria aqui um
objeto tão precioso para ele?
— Há coisas sobre esta casa que a senhora só descobrirá com o tempo, madame. — O
mordomo em seguida se retirou depressa como se não ousasse tocar no assunto.
Arabella tinha muitas perguntas, mas por algum motivo, ninguém parecia disposto a
respondê-las com sinceridade. Tomada pela curiosidade, levou o anel consigo para dentro da
casa, lavou-o meticulosamente em água corrente e o encarou por alguns longos minutos. Tentou
imaginar o anel na mão de uma mulher, mas não conseguia criar o rosto de sua verdadeira dona
na mente, então cerrou-se em seus aposentos mais uma vez sozinha, e colou-se a observar a
pequena peça dourada.
Enfiou o anel no seu dedo anelar, ainda estava sujo e levemente escurecido pelos seus anos
enterrado sobre a terra, mas ainda sim parecia adorável. A maçaneta da porta girou bruscamente
e o conde entrou no quarto, parecia maltrapilho e cheirava a álcool de forma que mesmo do outro
lado do cômodo Arabella podia sentir o cheiro pungente de bebida barata. Rapidamente retirou o
anel do dedo, deixando-o rolar pelo chão até debaixo da cama. Sentiu um frenesi a atingir, com
certeza o alerta que o mordomo a dera sobre o objeto e o conde era real, Robert odiava ser
contrariado acima de tudo.
Por sorte, Winslow pareceu não notar nada de errado.
— Onde é que esteve por toda a noite? — Perguntou Arabella se levantando da poltrona de
imediato.
O conde a observou atentamente por um momento como se tentasse recordar o que a garota
fazia em seu quarto, até que uma onda de lucidez o atingira em cheio, fazendo-o recordar de que
agora se tratava outra vez um homem casado. Já havia muito tempo desde que deixada de dar
qualquer satisfação a alguém, não esperava por ter uma esposa a sua espera sempre que deixasse
a sua casa, muito menos uma moça tão enxerida e cheia de ideias.
— Não preciso lhe dar satisfações, concordei com esse casamento esperando que respeitasse
o meu espaço, só assim poderei respeitar o seu.
— Estou ciente de que este casamento seja apenas uma fachada perfeita para a sociedade,
milorde — Ela cuspiu as palavras como se fossem abelhas zangadas — De qualquer maneira,
continuo a ser a sua esposa e não aprecio ser destratada.
— É uma pena, — Robert retirou os sapatos e jogou o paletó sobre a cama — gosto tanto da
ideia de que seja minha esposa quanto a senhorita. Pensei que tivéssemos um acordo não verbal
sobre a nossa situação.
— Acordo? Sou sua condessa. Como quer que eu me sinta ao me abandonar em nossa noite
de núpcias?
Robert piscou confuso não muito certo do que a moça estava tentando dizer. Ele sabia mais
do que bem o que m casal deveria fazer em sua primeira noite, mas saberia a garota? Pelo olhar
furioso de Arabella, o conde imaginou que a resposta fosse não. Não pode evitar dar uma risada
naquele instante, tinha se esquecido por um momento em como a moça podia ser complexa,
talvez tivesse perdido o seu tato ao lidar com jovens virgens leigas sobre os fatos matrimoniais.
Era o tipo de coisa que as mães deveriam contar as filhas, essa com certeza não fazia parte das
suas obrigações.
Winslow deu a volta na cama sorrindo, seu sorriso parecia deixar a moça cada vez mais
furiosa com a sua presença. Arabella ergueu o seu olhar para ver de perto os olhos cinzentos do
conde, estava perto demais outra vez, esse seu gesto tinha o estranho hábito de deixá-la mais do
que desconfortável.
— Se esse é o seu desejo, darei a sua noite de núpcias. — Ele certificou.
Arabella sacudiu a cabeça bastante confusa, mas não baixou a guarda nem por um segundo.
O conde a empurrou na cama com os dois braços, fazendo com que a moça caísse sobre o
colchão espantada. Ele se inclinou sobre ela bruscamente, prensando-a conta a cama sem
escapatória, e então agarrou ambas as mãos de Arabella sobre a cabeça da moça. Sentindo-se
exposta, Arabella se debateu sentindo seu coração pulsar contra o peito como se quisesse fugir.
O súbito ataque do duque a pegou despreparada, nem mesmo pode se defender a caráter.
Jamais imaginou que o homem faria algo parecido, não entendia bem aquela situação, mas talvez
tivesse algo a ver com o que a modista e Holly tentaram lhe explicar. Arabella sabia bem que era
poupada de alguns dos fatos da vida, tinha a certeza de que lhe escondiam as coisas impróprias,
mas ninguém nunca havia parado para lhe explicar do que tais coisas se tratavam. E o que
acontecia naquele exato momento, não era bem o que se aprenderia nas aulas de etiquetas
ministradas pela tutora que zelou por sua educação na infância.
— O que é que você está fazendo? Me solte agora mesmo...
— Foi a senhora que solicitou pelo meu dever de marido, condessa. — Zombou Robert com
seus lábios próximos demais do rosto da garota, podia sentir o cheiro do sabonete e da colônia
francesa que a moça usava, seu cheiro doce era como um convite inebriante para a sua doçura
casta.
Os olhos da garota pousaram nos lábios do conde, ela piscou perturbada.
— Está me machucando. — Mentiu.
Internamente, meio que gostara da sensação de ter o corpo do homem contra o seu.
O conde a observou meticulosamente, por alguma razão estranha, era difícil se segurar
quando estava na presença de Arabella. Por mais irritante que a garota fosse, ela parecia
despertar uma sensação completamente nova a ele, algo capaz de desafiar a sua confiança no
autocontrole. Respirou fundo recobrando a consciência e se levantou depressa, não gostava da
forma que ela o fazia sentir tão impotente.
— Estou começando a pensar que noite de núpcias é um código das senhoras mais velhas
para algo que eu não deveria saber. — Falou Arabella se afastando do homem e ajeitando o
vestido.
— Quer mesmo saber o que vem depois?
Ela sacudiu a cabeça negativamente, o medo brotou em seu peito e lhe provocou um frio na
barriga nunca antes sentido.
— Não me toque novamente, milorde. — Respondeu nervosa e se retirando do quarto com a
rapidez de uma raposa.
Não estava nem um pouco pronta para descobrir o que vinha depois, pensou ela ao cruzar o
corredor.
Conforme os dias transcorriam, Arabella passou a ver cada vez menos o marido. Desde o que
acontecera naquela manhã, tinha feito o possível para evita-lo o melhor possível. Seus encontros
consistiam apenas em encontros silenciosos durante as refeições. Quando a noite caía, o conde
arrumara um jeito pouco confortável de dormir no sofá ao canto do quarto, deixando a garota
exclusivamente com a cama, o que era um imenso alívio para ela. Abominava a ideia de dormir
ao lado daquele homem bruto, só imaginá-lo tocando sua pele outra vez, estremecia.
Enviou um lacaio até a casa dos Clifford pedindo que Holly a encontrasse no parque mais
tarde, precisava ver um rosto conhecido. Sentia-se presa a um mundo estranho ao qual não podia
deixar, pois se tratava de sua nova realidade, agora era o mundo dela também, mas precisava
manter o contato com sua dama de companhia e lhe compartilhar sobre os seus medos para não
enlouquecer.
Saiu sem que o conde percebesse, na verdade, pouco sabia sobre como o marido passava seus
dias. As vezes o via de relance em seu escritório, sempre parecendo tomado por algum
pensamento importante com sua expressão reflexiva grudada no rosto. Havia momentos em que
sentia o impulso de ir até ele, mas o que diria? Não fazia ideia. Sentia se impelida a apenas trocar
algumas palavras e melhorar a relação, tudo aquilo parecia impossível na realidade. Arabella
tinha orgulho de se sair muito bem nas rodas de conversa, mas por alguma razão, a presença do
conde a deixava sem palavras a dizer.
Aos poucos, as mudanças sutis provocadas pela garota começaram a surtir efeito no humor
obscuro da residência, janelas abertas e cortinas mais novas foram o primeiro estágio, e naquele
ponto o jardim já estava quase pronto. Ao sair para pegar a carruagem, observou o jardineiro
cuidar das roseiras com atenção, tudo parecia subitamente mais vívido. Os arbustos podados em
um corte horizontal por toda a entrada deixavam o passeio mais ameno e convidativo, a grama
agora baixa e sem o mato a se infiltrar entre as folhas, parecia digna de um palácio real. Até
mesmo as árvores pareciam mais alegres, a trepadeira que crescia pela lateral da casa em um
verde escuro também estava devidamente cortada, algumas borboletas azuis pousavam nas
pequenas folhas que se sobressaíam na parede de tijolos.
Arabella olhou para o andar de cima e viu um rosto na janela a observá-la, ao notar o olhar da
garota, o conde se afastou rapidamente da janela como se fosse pego de surpresa. Ela não
conseguiu deixar de sorrir, se as mudanças na casa o incomodavam, Robert não deixou
transparecer em momento algum o seu desgosto. Para falar a verdade, Robert não dissera nada
sobre absolutamente nada. Arabella não demorou a aprender que o homem possuía seu jeito
peculiar de ser, se a reclusão em seu próprio mundo interno era o que desejava, pouco importava
para a garota. Se acostumou a respeitar a distância do pai enquanto crescia, não via problema
algum em respeitar a distância do marido.
Assim, Arabella partiu em seu passeio ao ar livre, chegou ao Hyde Park antes que pudesse
perceber pela Rotten Row. Havia combinado o encontro com Bromley as margens do rio
Serpentine em um horário pouco comum para não encontrar os melhores espaços cheios, mesmo
assim, todo o caminho até a Kessington Gardens estava repleto de cavalheiros e damas a
aproveitar o belo dia de sol. As estradas de cascalho crepitavam ao som das carruagens que
atravessavam o parque de uma ponta a outra.
A garota não estava dessa vez interessada em apreciar os belos jardins como as demais
damas bem vestidas que atravessavam o seu caminho, Arabella caminhou até o onde o canal do
rio se estreita e encostou-se no tronco de um castanheiro e observou algumas crianças a se
divertir do outro lado da margem. Respirou fundo sentindo seus pulmões distenderem ao
máximo, o ar fresco arejou suas ideias de forma intensa, estava começando a se acostumar com a
ideia de ser uma mulher casada mesmo que contra a sua vontade. Lembrou-se do momento
embaraçoso em que o conde se colocara sobre ela na cama e erubesceu-se, a ideia de sentir um
homem tão perto a deixava assustada.
Não sabia o que aquele toque poderia significar, mas tinha medo do que despertara nela,
tinha consciência de que era a mesma sensação que a impelira retribuir o beijo na biblioteca dos
Donovans.
— Arabella... — Ouviu uma voz masculina dizer o seu nome e estremeceu.
Quando se virou, pode ver a figura de Harvey Blythe se aproximar. Arabella sabia o quanto
seria inadequado ser vista conversando com um homem solteiro na sua recente posição, mas o
olhar convidativo do lorde e seu breve sorriso alegre ao vê-la fora capaz de amolecer seu
coração.
— Harvey. — Falou envergonhada — Não sei se é certo nos encontrarmos nessa atual
situação.
— Apenas preciso me desculpar por tudo, mal tenho dormido a noite pensando sobre as
coisas que tem acontecido.
— Entendo-o melhor que ninguém. — Arabella relaxou os ombros e respirou fundo cansada
— Não é como se eu tivesse pedido para estar nessa posição difícil, tenho a impressão que mal
conheço mais a mim mesma.
O lorde assentiu e se aproximou um pouco mais, uma mecha de cabelo castanho caindo-lhe
sobre o rosto lívido. Ele observou atentamente que a moça ainda usava seu terno presente, a
gargantilha repousava sobre o colo de Arabella como uma lembrança de tudo que havia dado
errado. Ao notar o olhar do homem, Arabella levou uma mão s gargantilha subitamente
envergonhada. Não deveria estar usando o presente dado pelo seu antigo pretendente, mas tinha
se esquecido completamente da origem do pequeno colar até aquele momento inoportuno.
— Seu marido não se importa de usar um presente dado por outro? — Perguntou lorde
Blythe.
— Sendo sincera, acho que o conde sequer sabe de qualquer coisa sobre mim, tampouco
sobre o colar. — Ela sacudiu a cabeça lentamente — Se preferir, posso devolvê-lo...
— Não, é seu agora. Não pretendo guardar nenhuma lembrança do que Winslow fizera a
mim, condessa — O tom ríspido do lorde assustou a garota — Há feridas que não podem ser
curadas, a traição de um melhor amigo é a mais cruel delas.
— Sinto muito por tê-lo decepcionado dessa maneira, Harvey. Gostaria que tudo tivesse sido
diferente, gostaria que tivesse escolhido a mim ao invés do ódio. Não há mais como voltar atrás,
sua obsessão pelo conde não melhorará em nada a sua amizade. Já aceitei meu destino, talvez seu
destino seja perdoar.
— Perdoar como Robert fizera a Vivienne? Olhe só aonde o perdão o levara, não seja
ingênua.
Arabella franziu o cenho confusa, não fazia a mínima ideia do que o homem estava a dizer. O
que tinha a ver a falecida condessa com tudo isso? Não conseguiu entender o motivo de Blythe
estar sendo tão grosseiro em suas palavras.
— E talvez eu seja ingênua, mas me recuso a viver perseguida pela raiva.
Harvey agarrou o braço de Arabella bruscamente e a encarou de maneira opressiva, a moça
nem por um segundo deixou transparecer o seu medo.
— Estou a interromper alguma coisa? — Holly surgiu em seu vestido de um amarelo claro
vivo e uma cesta de compras no braço, a dama de companhia moveu o seu olhar do lorde até o
braço da amiga e se aproximou incisiva. — Creio que o senhor não deveria falar com a condessa
desacompanhada, não soa muito cortês.
O lorde se afastou de forma rápida e endireitou os ombros, pareceu levemente espantado com
a insolência da dama de companhia da garota.
— Já estou a seguir meu caminho, senhoritas. — Acenou ele com um sorriso forçado e se
retirou pela trilha entre as árvores.
A dama de companhia estreitou a presença para verificar de perto a integridade da moça, com
um olhar preocupado, Holly suspirou aliviada.
— O que aquele homem queria? — Perguntou à moça.
— Proferir seu ódio sobre mim. Confesso que nunca imaginei que pudesse ser esse tipo de
cavalheiro.
— Por sorte não se casara com o homem — Holly segurou o braço de Arabella e sorriu para
quebrar a tensão que as envolvia — Por falar em casamento, conte me tudo que preciso saber
sobre a sua tão sonhada lua de mel.
Arabella não pode deixar de dar uma risada, certamente não havia nada de interessante para
se dizer naquela altura, porque nada havia acontecido em todos esses dias.
— O meu respeitado marido deixou-me sozinha em nossa primeira noite de casados. Como
se não fosse o bastante, retornou para casa cheirando a bebida e dizendo sandices no dia
seguinte. Desde então, tem sido muito bem-sucedido em ignorar a minha existência. — A garota
respirou fundo e levou uma mão até o rosto cansado como se não pudesse acreditar no que estava
dizendo.
Holly arregalou os olhos surpresa e parou abruptamente.
— Sabes que se o casamento não for consumado, o marquês seu irmão poderá pedir a
anulação da união? — Questionou a dama de companhia.
— Bem, talvez ele tenha tentado. Não estou pronta para isso, não sei se quero descobrir o que
virá depois dos beijos. Manter a distância ainda é o mais eficaz, enquanto ele não disser nada a
ninguém, também não direi.
— Oh, Arabella. É normal que um casal queira se unir intimamente após o casamento, não
poderá evitar isso para sempre. Talvez devesse se permitir ceder ao conde, isso se ainda deseja
ter suas belas crianças de cabeça loira.
A jovem olhou para a dama de companhia curiosa, esse era o tipo de conversa que todos
vinham evitando ter com ela por toda a sua vida. Até mesmo sua cunhada Olivia, se recusara a
contar sobre suas intimidades para a moça, mas não porque era jovem demais para saber, e sim
porque seria estranho contar para a irmã do marido tais atos. Agora que Arabella era uma distinta
senhora, teria de descobrir por conta própria todas as coisas as quais precisava saber.
— Eu não posso.
— Olhe para mim, querida. Diga que ainda o odeia mais que tudo, pelo que posso ver, já
aprendera a falar do conde sem praguejar ou dizer algo rude. — Holly sorriu — Não poderá ser
possível que o conde seja assim um sujeito tão desprezível.
— Veja, eu não o odeio. Apenas não estou certa sobre me entregar a um homem que não
amo.
Holly Bromley sacudiu a cabeça pensando sobre a questão, a primeira vez que se entregara,
não fora bem por amor. Na verdade, a curiosidade e o calor do momento é o suficiente para guiar
uma mulher pela sua jornada de prazer, se houver o amor envolvido é apenas um adicional
saboroso capaz de tornar o momento melhor ainda. Entendia o medo da garota, a figura do conde
era imponente e, por vezes, assustadora.
— E o conde não lhe atrai nem mesmo um pouquinho? Metade da cidade daria um braço
para estar no seu lugar, o conde não é bem o que se chamaria de feio.
Constrangida, Arabella curvou-se sem saber o que dizer. Um grupo de moças jovenzinhas
passou por elas seguidas pela mãe, uma matriarca corpulenta de rosto fechado que cumprimentou
brevemente a condessa ao se aproximar.
— Meu problema não é esse, Holly. — Murmurou ela — O homem parece ainda ser
obcecado pela falecida mulher, me amedronta saber que talvez pense nela ao olhar para mim.
Sinto que enlouquecerei naquela casa aos poucos, tudo parece remeter a antiga condessa, não
importa o que eu faça.
— Escute — A dama de companhia olhou sobre os ombros para verificar se não havia
ninguém mais por perto — Há boatos que circulam entre a criadagem da cidade, negarei até a
morte se disser que eu lhe contei o que estou prestes a contar.
Arabella franziu o cenho curiosa.
— Guardarei o segredo, tem a minha promessa.
— Dizem por aí que a falecida condessa morreu ao dar à luz a uma criança natimorta. O pior
de tudo isso, é que o filho não pertencera ao conde. Parece que perder a mulher por causa do
filho de outro tenha deixado o homem maluco.
— Isso é um absurdo! De certo Winslow não é maluco, talvez seja um grosseirão, mas está
longe de ser maluco.
O homem demonstrava uma lucidez superior a todo momento, não havia sequer a mais
remota possibilidade de que tenha enlouquecido de verdade por mais dolorosa que tenha sido a
perda da esposa. Talvez não fosse realmente loucura, talvez o que o afligisse pelos anos fosse
falta do amor em seu peito. Arabella, que já havia perdido a mãe e então o pai, sabia bem o que a
dor do luto poderia provocar. Não fazia ideia de como seria perder um amo já que jamais amara
um homem de tal forma, mas acreditava que o sentimento estarrecedor fosse capaz de
desequilibrar a vida de alguém.
Arabella não era inclinada a acreditar em boatos da criadagem, mas apreciava sobretudo uma
boa fofoca. As palavras de Holly haviam despertado na moça uma urgência por descobrir um
pouco mais sobre toda a história, Arabella não sabia lidar com informações incompletas. Por
mais que sua curiosidade a deixasse em maus lençóis como de costume, sabia que nunca
acessaria o verdadeiro Robert Winslow se não soubesse de tudo. Pelo que conhecia do marido,
seria absolutamente inútil perguntar qualquer coisa a ele, e afinal de contas, não desejava que ele
soubesse que Arabella estava bisbilhotando a vida de sua antiga mulher.
— Céus, talvez seja um exagero. Mas se isso tudo se tratar de uma verdade, terá ainda mais
dificuldade para acessar o coração ferido do homem. — Holly zombou.
— Não estou tentando fazê-lo se apaixonar por mim! — Disse Arabella indignada com a
suposição.
— Encare a verdade, está sempre tentando fazer que todos se apaixonem por você, Arabella.
Agora que finalmente encontrou alguém que não dá a mínima para a sua simpatia, está furiosa. O
conde é diferente, é por isso que está sempre irritada.
A moça refletiu por um instante, talvez Holly não estivesse mentindo. Ela admitia que
possuía a necessidade de ser constantemente amada por todos e admirada o tempo inteiro, mas
não eram todos assim? Talvez estivesse buscando incessantemente pela validação do conde
Winslow para sentir-se bem consigo mesma. Sabia que era um absurdo colocar as coisas dessa
forma, subitamente sentiu que precisava parar com o que quer que fosse que estava fazendo.
— Seja como for, ele jamais olhará para mim de outra forma que não seja o desprezo. —
Arabella refletiu — O conde jamais se apaixonaria por mim.
Holly sorriu.
— Quem sabe?
Querida Arabella,
Não posso compreender os desígnios de seu coração, mas prefiro acreditar que tenha feito a
escolha certa. Me entristece saber que não pude estar presente em seu casamento assim como
esteve ao meu, sinto que falhei como amiga e irmã postiça. Espero que entenda que mal posso
andar em razão dos tornozelos inchados, a gravidez não tem sido gentil para com a minha pessoa
nesta etapa final. Como se já não fosse o suficiente, o pequeno Mark tem estado agitado nos
últimos dias e perguntado incessantemente pela tia, não sei ainda como dizer que não voltará a
Winston. Essa casa nunca esteve tão sem brilho sem a vossa presença alegre, minha querida
amiga.
Ainda não acredito que Jack permitira esse casamento infame, estou furiosa! Queria ter
estado ao seu lado durante tal período turbulento, queria tê-la protegido muito antes de tal
circunstâncias. Ouvi dizer que seu esposo é um homem respeitado e de grande fortuna, Jack
ressaltara tais vantagens a mim, no entanto só consigo me questionar se o homem a trata da
maneira como tanto merece. Sei que a instituição do casamento é conveniente a ambos em razão
dos acontecimentos, mas lhe faz feliz?
Não sei se ainda descobrira o amor, espero que seja possível amar e respeitar o senhor ao
qual decidira se casar, espero que um dia acorde ao lado do homem e descubra um afeto único
que lhe faz o coração apertar no peito e coloque um sorriso em seu rosto. Quando sentir tal
sensação, talvez seja um bom indício de que fizera a escolha correta. Caso um dia acorde e se
sentir como se o coração pesasse no peito de uma forma dolorosa ao olhar o rosto de seu esposo,
não a julgarei se decidir voltar a Winston. É bem-vinda até o último de meus dias, a aguardarei
de braços aberto e jamais permitirei que digam sequer uma só palavra sobre minha querida
cunhada.
Espero que um dia o amor bata a sua porta, somente assim, poderei dormir tranquilamente.
Olivia Clifford, marquesa de Winston.

Robert esfregou o rosto e encarou o espelho da penteadeira sentindo-se perdido. A escuridão


da noite tomava conta da cidade lá fora, em seu peito a escuridão estava sempre presente a
espreitar de um canto, não havia escapatória. Haviam momentos em que a melancolia resistia
firme em seus dias e noites, era quase impossível se mover em razão daquele sentimento de
desalento paralisante que o encontrava. Às vezes, gostaria de sacudir para longe toda a tristeza
que consumia o seu corpo, mas não era simples como podia parecer as demais pessoas em sua
vida.
Sentia-se encurralado por aquela dor que jamais iria embora, sempre que tentava seguir em
frente se deparava com o mesmo sentimento a sua espera. Agora, em seus aposentos, olhava para
a parede onde o quadro da condessa costumava ficar. Anos se passaram até que tivesse forças o
bastante para se livrar da pintura, e agora, sentia a todo momento como se algo estivesse faltando
em sua vida. Era um homem duro e possuía dificuldade em expressar os seus sentimentos,
ninguém entenderia a sua dor, ninguém jamais tentara entender antes. Talvez esse fosse o seu
fardo eterno por todos os erros que cometera na vida.
O homem olhou para as janelas e encarou as cortinas de um verde claro alegre que cobria as
janelas, aos poucos Arabella se infiltrava em sua vida e modificava a sua rotina, apreciava as
tentativas da moça de transformar a sua rotina em menos maçante. Admirava a força que a jovem
possuía e que nunca teve, poderia ter se livrado de tudo que remetia a Vivienne há muito tempo,
lhe faltara coragem no fim das contas. Arabella era com um sopro de ar matinal fresco sobre o
seu rosto, a jovialidade e alegria da moça contagiava a todos, em sua doçura de menina e jeito
encantador, a loira era capaz de tomar conta de qualquer ambiente sem ao menos perceber a sua
influência.
Havia objeções sobre o jardim, mas achou melhor deixar suas repreensões guardadas para si
mesmo, odiaria frear a boa vontade da garota, por mais que a forma em que mexia no seu
passado o machucasse profundamente. Ao contrário do que Arabella imaginava, Robert não
desprezava tanto assim sua presença, na verdade, só não daria o braço a torcer aos sentimentos
que poderia ter. Sua personalidade intransigente era um enorme empecilho em suas relações
sociais, sua madrasta costumava dizer que Robert não podia ser contrariado ou colocaria o
mundo abaixo para provar as suas verdades. Hoje, Robert sabia que as palavras da mulher não
eram mentiras amargas.
Robert estava tão imerso em seus pensamentos reflexivos que mal notou quando a espora
adentrara no recinto. Com um vestido cor de rosa de mangas curtas e os cabelos loiros sobre os
ombros, Arabella se aproximou portando um olhar acanhado, sentia-se muito pequena em frente
ao conde, a presença intensa do homem a deixava sem jeito na maior parte do tempo. Não sabia
como agir quando Robert estava por perto, de alguma forma o conde mexia com a sua cabeça de
maneira misteriosa a deixando desconjuntada.
— Lorde Blythe me abordara no Hyde Park mais cedo. — Revelou depressa com a sua voz
soando quase como um sussurro.
Robert a observou atentamente por um longo segundo e soltou um suspiro. Não imaginara
que o amigo fosse ser tão imprudente em um gesto tão questionável, mas não fico furioso,
entendia mais do que ninguém a frustração que o homem estava sentindo naquele momento ao
ser traído por alguém que considerava tanto.
A amargura da traição é um sentimento que corrói aos poucos a alma de um homem e leva
para sempre a sua sanidade, e quando se dá conta, já não há mais nada para corroer em seu peito
porque o coração se torna poeira. É como um vento frio de inverno que congela o seu corpo e o
impede de tomar as rédeas da sua vida, já não há mais como se mover e logo perde o controle da
própria existência. Robert desejava que ninguém a sua volta sentisse algo como aquilo,
entristecia-o saber que Harvey estava tão contrariado ao ponto de se afundar naquele sentimento
tórrido.
— E o que estava a fazer no parque sozinha? — Ele questionou a garota sem entender como
aquilo havia começado.
— Fui ao encontro de minha dama de companhia. Holly é uma grande amiga e sinto a falta
dela — Arabella se aproximou batendo seus longos cílios — Blythe me abordou as margens do
Serpentine, devo dizer que não está muito contente. Proferiu palavras ácidas a mim e segurou
meu braço com violência, por sorte Holly chegara a tempo para inibir o comportamento
desrespeitoso do Lorde.
O conde meneou a cabeça e coçou o pescoço, esse não era o comportamento típico do amigo.
— Harvey nunca faria algo para machucar ninguém. — Afirmou — Estou certo de que tenha
sido um mal-entendido, não se preocupe.
— Seja como for, não me sinto confortável com essa situação — A moça retirou a
gargantilha do pescoço e estendeu a mão até o conde — Quero que fique com isso, foi um
presente do lorde quando nos conhecemos. Não quero mais ter relação alguma a aquele homem.
— Entendo. — Robert observou o pequeno colar atentamente e o pegou com cuidado, nem
tinha se dado conta do quanto parecia estranho ter a esposa usando presentes de um outro homem
— Ele a feriu de alguma maneira?
— Somente com palavras. Parece cheio de ódio, não gosto do rumo que as coisas estão
tomando.
— Não há com o que se preocupar — Repetiu mais enfaticamente — Harvey jamais
machucaria ninguém, não é de seu feitio.
O conde se levantou e caminhou pelo quarto. Blythe era um homem virtuoso e honesto,
jamais poderia imaginar o amigo fazendo qualquer coisa para ferir a jovem, sequer era violento.
Em todos os seus anos de amizade, jamais o vira como uma ameaça. Eram quase como irmãos de
sangue, Robert conhecia o caráter do homem melhor do que ninguém pelo tempo que cresceram
juntos no colégio militar. O conde depositou a pequena gargantilha em uma gaveta da
penteadeira e respirou fundo.
— Não está bravo pelo colar? — Perguntou a garota.
— E porque estaria?
— Estou tentando agir como vossa esposa, milorde. Estou disposta a propor uma trégua para
que possamos conviver bem, não gosto de como as coisas têm sido ultimamente. — Disse a
garota pensando sobre o que Holly havia dito mais cedo, estava cansada de bater de frente com o
homem apenas porque ele não lhe amaciara o ego feminino como todo mundo costumava fazer.
Talvez seu desentendimento com o marido fosse exatamente desde o princípio o conde
jamais caíra aos seus pés como o resto das pessoas ao seu redor, ele a penas a tratou como se não
houvesse nada de especial sobre a moça, isso foi estopim para que se opusesse a presença
imbatível do homem. Assim como ele, odiava ser contrariada e essa característica ambos
compartilhavam bem apesar de não se tratar de uma qualidade.
— Estou interessado do acordo. Mas o que exatamente pretende com tudo isso? —
Questionou erguendo as sobrancelhas curioso.
— Quero que me trate como a sua esposa — Falou ruborizando.
— Não sei se estou entendendo.
— Sempre sonhei em ser mãe, milorde. Se não se opuser, pretendo ter muitos filhos, é o
mínimo que pode fazer por mim.
Robert piscou confuso e então soltou uma gargalhada que deixou a moça desconcertada.
— Não sabes mesmo como são feitos os bebês? — O conde perguntou andando na direção da
moça de pé próximo a porta — Eu não sei se a senhorita entende o que implica esse processo.
Ele sabia que a ideia era absurda, não estava esperando pela oportunidade de treinar uma
virgem nas artes íntimas. Não que a garota não fosse atraente, na verdade, Arabella despertava-
lhe o desejo sempre que estava por perto. O conde apenas havia desaprendido a tratar uma dama
na cama como tal, não saberia se poderia ser carinhoso da mentira que a moça necessitava.
— Estou disposta a fazer essa concessão. Cansei-me se ser poupada de tais fatos, preciso que
me conte tudo que preciso saber. — A garota engoliu seco encarou o homem à sua frente.
— Não é assim que as coisas funcionam. — Murmurou o conde dando a volta na garota e se
colando bem atrás dela — Posso mostrar tudo o que desejas saber.
Arabella congelou sobre seus calcanhares, o conde correu as mãos devagar pelos braços da
garota e ela pode sentir a eletricidade do toque macio. Sentiu um arrepio percorrer o seu corpo e
engoliu seco desconcertada, não sabia o que significava aquela sensação, somente que a presença
do homem tão perto dela fazia com que seu coração saltasse no peito, sua pele de repente ansiava
por mais um toque.
O conde sorriu, divertia-lhe deixar Arabella envergonhada, mesmo que não houvessem
razões para que ela se envergonhasse de gostar das sensações provocadas. Era doce a maneira
com que se desconcertava com um simples toque inocente, sabia que teria de ir devagar para
introduzi-la no que quer que fosse que estavam prestes a compartilhar. Cumpria a sua promessa
de respeitá-la, por mais difícil que fosse fazê-lo ao estar tão perto da moça, sentindo seu perfume
inebriante de desejo e inocência. Por mais que quisesse deitá-la em sua cama e fazer amor com
ela, não era o momento adequado.
Tinha medo de que Arabella se arrependesse de tudo na manhã seguinte e o culpasse. Robert
já tinha uma carga pesada de culpa para carregar pelo resto da vida, não suportaria conviver com
o desprezo da garota. Assim, beijou o ombro da moça delicadamente e aproximou-se da cabeça
da moça gentilmente.
— Quando estiver pronta, Arabella. — Sussurrou em seu ouvido, e então se afastou em
direção a saída.
Aborrecida, Arabella caminhou até a porta e arquejou. Não suportava mais todo aquele
suspense, todos sempre insistiam que ela devia ser protegida de tudo como se vivesse em uma
bolha de sabão. Não era justo que continuassem a tratá-la como criança mesmo despois de ser
uma mulher casada.
— Estou pronta agora. — Alegou convicta.
O conde olhou sobre o ombro e não conseguiu deixar de sorrir. Queria poder dizer a ela
como a desejava, mas a garota não entenderia, não era como se pudesse compreender os desejos
de um cavalheiro.
— Arabella... — Expirou cansado — Não preciso que me provoque neste instante. Quer
mesmo que eu retire seu vestido e a possua aqui mesmo nesta cama?
A garota sacudiu a cabeça sem saber o que dizer. As ideias das palavras do conde ecoaram
pela sua mente e fez crescer o rubor em seu rosto.
— Eu não... Eu não sei.
— Então não está pronta o bastante. — Respondeu Robert dando de costas imediatamente —
Não se preocupe, dormirei hoje no quarto de hóspedes. Odiaria deixá-la desconfortável.
E assim, o homem deixou o recinto apressado com seus passos largos. Logo Arabella estava
sozinha em seus aposentos encarando a porta por um momento, não sabia bem o que pensar de
toda aquela situação. Como saberia se estava pronta ou não? Era complicado dizer, não é como
se houvesse um manual pronto para esses assuntos, estava ansiosa para descobrir as sensações
conflitantes que o toque delicado e prudente do conde a fazia sentir, mas não sabia bem o que
faria após isso.
Naquele instante, algo havia mudado em Arabella, por mais que não soubesse bem ao certo o
que era, uma repentina faísca crescera em seu peito. O gesto do conde em respeitar o momento a
fez recuar, não esperava que o homem fosse capaz de demonstrar tamanha consideração pelos
seus sentimentos. Até agora, Arabella sequer tinha levado em consideração o fato de que o
próprio conde possuía sentimentos.
Perdida e confusa, deitou-se em sua cama e afundou o rosto no travesseiro. Naquela noite,
dormiu calmamente e teve sonhos estranhos, o rosto cansado e os olhos cinzentos de Robert não
foram capazes de deixar sua mente em paz.
Concentrada, Arabella escrevia uma carta em resposta para a cunhada sentada em uma das
poltronas confortáveis da sala do andar superior. Jazia reflexiva debruçada sobre um bloco de
papel, havia tanto que gostaria de dizer a Olivia, coisas que palavras escritas não poderiam
descrever naquele momento. De repente, sentiu algo roçar em sua canela. Abaixou-se e viu o
gato passar por ela apressado, ela meneou a cabeça, deixou de lado o bloco de papel e andou em
direção ao animal no fim do corredor.
— Espere! — Gritou segurando as saias para apressar o passo.
O gato parou em frente a uma porta fechada e arranhou a madeira com suas garras afiadas.
Curiosa, Arabella girou a maçaneta e verificou que estava destrancada, a porta se abriu com um
rangido, dando em uma longa escada até a escuridão do sótão. O cheiro de mofo e poeira era
forte o bastante para atingi-la mesmo dos primeiros degraus, não estava disposta a subir em
direção ao cômodo, mas o gato passou pelas suas pernas e zarpou como uma flecha pela
penumbra. Talvez estivesse à procura de apetitosos ratos que se escondiam entre as tralhas
guardadas ali, preocupada com que o animal esbarrasse em alguma ratoeira e se machucasse,
Arabella subiu depressa em busca do gato sem fazer muita ideia do que poderia encontrar.
Apesar de não manterem a porta trancafiada, sabia bem que isso não significava um convite
para xeretar entre as coisas do conde. Seria vergonhoso ser encontrada em um momento tão
impróprio, mesmo que esta não fosse a sua intenção inicial, seria complicado explicar a verdade,
então tratou se não demorar a procura do pequeno animal peludo naquele recinto desagradável.
Ao chegar ao topo das escadas, se deparou com o lugar abarrotado de caixas de madeira fechadas
e tapetes empoeirados, a única iluminação que entrava pela janela era a luz coloriza refletida
pelos vidros da abertura redonda na parede. Uma camada grossa de poeira cobria todos os
objetos ao seu redor e pairava no ar como podia ver pela luz que atingia as paredes.
Arabella atravessou o lugar ouvindo seus passos rangerem na madeira frouxa, o som era tão
desagradável quanto o cheiro embolorado das paredes, quis deixar o recinto o quanto antes e
trancar toda aquela velharia em seu devido lugar. Uma moldura decorada chamou sua atenção,
um quadro jazia escorado em um grande caixote, coberto parcialmente por um lençol velho, o
tipo de quadro que não se manteria em um lugar tão fétido e úmido. Ela se aproximou devagar e
descobriu a imagem, o lençol deslizou para o chão e revelou a pintura de uma mulher, de alguma
forma, a imagem deixou-a desconfortável. Talvez fosse o olhar astuto no rosto da mulher que
fazia Arabella se sentir observada, não precisou de explicações para se dar conta de que se
tratava da antiga condessa.
Era bonita, do tipo de beleza sensual que nem todas mulheres possuíam, de uma forma
peculiar seus traços desenhados e harmoniosos formavam um rosto elegante de olhar penetrante.
Desconcertada, a garota cobriu novamente o quadro e se afastou, era estranho olhar para um
quadro de alguém que falecera, mas que ela sequer havia conhecido. Não sentia nenhuma
simpatia pela figura oponente da antiga condessa, exceto pelo fato de dividirem o marido, não
havia nada em comum entre ambas.
Ao lado da pintura, havia um baú de couro fechado, o tempo já havia desgastado as suas
extremidades. Arabella se abaixou, tomada pela súbita curiosidade, abriu o baú rapidamente.
Dentro dele havia alguns vestidos velhos corroídos pela traça e uma porção de cartas espalhadas
quase se desfazendo pelas más condições que haviam sido armazenadas. Aqueles objetos
pareciam intocados por mãos humanas durante o passar dos anos, era como se ninguém ousara
profanar a presença da antiga condessa. Sentiu-se atraída por uma carta em especial, havia uma
sútil marca de batom no envelope. Com cuidado, Arabella desamassou o papel frágil meio
carcomido e correu os olhos pela escrita desenhada da condessa em uma carta que jamais fora
enviada a ninguém.

“Querido Harvey,
Sinto falta de suas carícias e de seus beijos, a vida não é a mesma sem a sua presença. Não
me importo com o que Robert tem a pensar, o tolo acredita que a criança é seu filho. Como
poderia dizer a ele a verdade? Como poderia explicar que estou apaixonada por você? Este filho
é minha única alegria, uma doce lembrança que guardarei de nossos momentos de amor. Não
amo meu marido e estou disposta a fugir em sua companhia, por favor não permita com que eu
enlouqueça lentamente neste leito de mentiras. Não desejo magoar Robert, mas certamente não
posso viver mais assim.

De sua querida Vivienne.”


Arabella caiu sentada sobre o chão empoeirado, não podia acreditar no que acabara de ler.
Lorde Blythe possuía um caso com a condessa pelas costas do melhor amigo. Agora podia
entender a fúria do homem em razão do casamento, era como se o conde sempre ficasse com a
garota no final das contas. Decerto, Arabella não possuía a falha de caráter que a permitisse trair
seu marido, mas Vivienne caíra nas palavras doces do lorde sem se dar conta de que trilhava um
caminho sem volta.
O gato apareceu uma outra vez e roçou a cabeça no cotovelo da garota, exigindo por um
segundo de atenção. Ela olhou na direção do animal ainda incrédula, havia mais coisas sobre a
aquela história do que Arabella poderia imaginar. Assim, pegou o animal no colo e acariciou seu
pelo macio, guardou a carta onde jamais deveria ter sido retirada, e saiu do sótão com um olhar
perdido no rosto. Trancou a porta atrás de si e deixou o gato no chão preocupada.
— Se subir lá novamente, não voltarei a busca-lo. — Proferiu as palavras para o animal
como se ele pudesse entender o que dizia.
— Arabella? — A voz rouca do conde chamou sua atenção abruptamente. — O que faz aqui?
A moça arquejou e bateu as mãos sobre a saia do vestido, tentando trazer sua mente de volta
a realidade. Forçou um sorriso e andou na direção de Winslow, como podia ele amar Vivienne
mesmo após o que acontecera? Exceto talvez caso não soubesse, todos os objetos do baú
pareciam intocados, havia uma possibilidade remota de o marido não saber do caso entre o
amigo e a falecida esposa.
— O gato estava inquieto, não estou muito certa do que ele está tentando me dizer... —
Desconversou.
— Talvez só deseja um pouco de atenção — Assegurou o conde com um fraco sorriso no
rosto — Ele tem o estranho hábito de arrastar as pessoas pela casa.
Arabella encarou o rosto lívido de Robert com atenção, procurando a mínima resposta para
as suas dúvidas, não pode encontrar qualquer resquício de que o conde poderia saber sobre
Harvey.
— Robert. — Pronunciou o nome de batismo do conde pela primeira vez em seus lábios —
Eu sinto muito por Vivienne.
O homem a olhou fixamente por um segundo muito surpreso. Essa era a última coisa que
poderia esperar que a garota dissesse naquela circunstância.
— Porque está me dizendo isso? — Sentiu se impelido a questionar.
— Nunca tive a oportunidade de dizer. — Arabella suspirou cansada — Se estiver
insatisfeito com minhas mudanças na casa, basta me dizer. Talvez eu não tenha entendido a
princípio o que tudo isso significava para você.
— E parece ter tirado as conclusões errôneas, mais uma vez. Não me importo com as
mudanças, não tive coragem de mexer em absolutamente nada que pertencera a Vivienne desde a
sua partida, deixar as coisas como estão é apenas o meu modo de não despertar lembranças
amargas. Na verdade, estou grato pelo que tem feito, minha falta de coragem me torna um
homem medíocre.
Arabella se aproximou do marido confusa, os olhos cinzentos pareciam perdidos em alguma
realidade distante. De alguma maneira, vê-lo tão frágil a sua frente pela primeira vez despertou
uma descarga daquele novo sentimento estranho que a fazia sentir um frio na barriga de
imediato.
— Você ainda a ama?
— Um dia eu amei, hoje o que sinto está distante disso. Então não, não a amo — disse ele —
Há coisas que não entenderia sobre minha vida.
— Certamente não entendo como ainda pode estar consumido pelo luto por alguém que já
não amava.
— A dor de uma desilusão não é algo que possa compreender sem ter vivido.
Os olhos frios do conde demonstravam a sua infelicidade de uma forma profunda.
Mortificada, Arabella avançou em frente e o abraçou de maneira repentina, seus braços finos o
envolvendo em seu toque condescendente.
O conde recuou por um segundo muito surpreso, se Arabella tivesse lhe enfiado uma faca nas
costelas ele não estaria deveras surpreso. Mas lá estava a moça, abraçando-o inocentemente de
modo afável, parecia genuinamente preocupada. Sem entender o que estava acontecendo,
abraçou-a de volta desconcertado, não esperava por aquele contato físico inesperado, sentiu algo
em seu peito mudar como se seu coração errasse uma batida e interrompesse o fluxo de sangue
para o seu corpo. Suas mãos estavam frias como gelo, acariciou as costas da garota desajeitado e
engoliu seco.
Arabella se afastou o bastante para fitar os olhos cinzentos do homem, seu coração batendo
depressa sem nenhuma razão aparente. Um impulso fulminante cegou a sua consciência naquele
instante, quando deu por si, estava sobre a ponta dos pés se inclinando contra o conde. Seus
lábios tocaram os dele de imediato, compartilhando um calor fortuito que tomara conta da garota.
Sem escapatória, Robert retribuiu o beijo repentino, uma mão segurou a lateral do rosto de
Arabella de um jeito incerto. A boca da jovem se abriu mais permitindo passagem, o beijo logo
se aprofundou lentamente, a outra mão do conde desceu pela cintura fina da garota e a puxou
mais para perto.
Com um sobressalto, Arabella se afastou do marido muito aturdida pelo que acabara de fazer.
— Me desculpe... — Balbuciou as palavras sentindo suas pernas trêmulas fazerem algum
esforço para se manterem de pé — Eu não queria...
O conde meneou a cabeça perturbado e passou ambas as mãos nos cabelos como se
acordasse de um delírio. O que acabara de acontecer? O beijo doce havia despertado sua lucidez
de uma forma curiosa como nem sequer se lembrava de ter.
— Está tudo bem. — Pigarreou ele confuso e disse decidido a mudar de assunto rapidamente
— Confesso que quase me esqueci o motivo de vir a sua procura. Compareceremos no domingo
a celebração no jardim do barão e a baronesa de Cavendish.
— Oh, entendo. — Falou Arabella atrapalhada e então forçou um sorriso. Sua mente ainda
estava no beijo, pouco se importava com a festa dos Cavendish.
— Gostaria de declinar o convite, mas as convenções sociais exigem que nos apresentemos
como marido e mulher. Se se sentir desconfortável, não me importaria de recusar...
— Estarei lá. Se vossa preocupação é com fato de que talvez eu saiba me portar ao seu lado,
então conhece muito pouco sobre mim. — Explanou a garota alinhando sua coluna e dando a
volta no homem de pé à sua frente. — Sou a condessa agora, não é mesmo?
E então sorriu de um jeito depravado, se retirando para longe do conde com a rapidez e
agilidade de um felino, mesmo que ainda sentisse como se fosse explodir a qualquer instante.
Correu para o quarto nervosa, nunca se sentira daquela forma em toda a sua vida. Porque o
beijara, afinal de contas? Não saberia explicar o impulso que consumiu seu corpo naquele breve
instante, um impulso poderoso o suficiente para fazê-la criar uma situação constrangedora entre
ambos. Se quem que o conde retribuíra o beijo prontamente e pareceu não reclamar ao correr as
mãos pelas curvas da moça, mas não era esse tipo de trégua ao qual Arabella esperava ao propor
o cessar fogo.
Tantas ideias corriam na sua mente naquele instante, as recentes descobertas ferviam em seu
cérebro de maneira perigosa, não sabia como lidar com nada daquilo sozinha. E agora, o beijo
que acontecera para sacudir o coração em seu peito de um jeito violento, sabia que naquele
instante as coisas tinham mudado de verdade entre eles. O que Arabella não sabia, era de que
algo crescia em seu coração devagar, e não era a sua súbita admiração pelo homem ao qual havia
se casado.
As plantas floresciam nos canteiros bem cuidados do jardim dos Cavendish. O forte sol
daquela tarde primaveril incidia sobre as árvores, pintando-as de um verde claro muito vivo por
toda parte. Haviam damas e cavalheiros por toda parte, senhoras bem vestidas da elite londrina e
seus maridos importantes cruzavam de um alado para o outro exibindo os suntuosos chapéus. A
típica festividade londrina no jardim do barão reunira a nata de toda a sociedade, inclusive as
jovenzinhas em busca de um marido.
Arabella não pode deixar de suspirar pensativa, estaria ela no lugar daquelas moças neste
exato momento se as coisas tivessem sido remotamente diferentes. Para a infelicidade de todos,
voltar no tempo ainda se tratava de uma tarefa impossível, para a jovem Arabella só lhe restara a
saudade de seus dias de debutante. Naquela tarde, segurava o braço esquerdo do conde quando
atravessaram a propriedade campestre, estava animada em presenciara a celebração, por mais
que Lady Cavendish tinha a terrível fama de convidar apenas os membros mais relevantes da
temporada.
Olhou para o conde com seu olhar curioso, o rosto do homem se contorcia em uma expressão
dolorosa. Robert não era exatamente um sujeito sociável, só estava presente em eventos em que
sua presença fosse necessitada, o que não era bem o caso da festividade a qual haviam atendido
naquele dia. O homem desgostava de ser visto, sentia-se exposto em meio a tantas pessoas,
odiava ser parte da conversa porque não apreciava as amenidades as quais eram sempre o
assunto das rodas de cavalheiros. Quando não estavam a se gabar, falavam sobre trivialidade do
parlamento ou sobre suas esposas.
Em seu casamento anterior, permitia que Vivienne atendesse a tais eventos sem a sua
companhia, a mulher parecia não se importar. Antes soubesse o motivo real, talvez tudo tivesse
sido diferente.
— Parece tenso — Disse Arabella a ele — Vão pensar que está com vontade de fazer suas
necessidades, milorde.
Robert engasgou. Olhou para a garota ultrajado e expirou.
— Não estou acostumado a atender celebrações como essa. — Foi tudo que disse.
— Entendo. Segure minha mão, se o fizer menos nervoso, não o deixarei sozinho. Também
não tenho muita estima pelos Cavendish, não são o que eu chamaria de amigáveis.
— Não há com o que se preocupar — Ele observou a garota por um segundo, o cabelo loiro
sendo iluminado pela luz do sol a brilhar — Está tudo bem.
Arabella deu de ombros, ele não parecia estar bem realmente, mas achou que fosse o
incomodar menos se fingisse não perceber o desconforto dali em diante. De alguma maneira, ela
não conseguiu deixar de pensar no motivo. Ficou pensando sobre Harvey e Vivienne
incessantemente nos últimos dias, aquele pensamento era quase como um espinho em sua cabeça
onde não podia alcançar. Um importuno pensamento que insistia em persegui-la onde quer que
fosse.
Carregava aquela sensação estranha no peito a todo momento, não conseguia deixar de olhar
para o conde e sentir uma pontada em seu coração. Talvez fosse em decorrência do beijo, ela não
saberia dizer ao certo que a deixava tão aturdida. De algum modo, ficar ao lado do marido a
deixava melhor, sentia-se segura com a presença próxima do conde, mesmo que o homem
manteasse aquela sua postura incorruptível o tempo todo. Era engraçado vê-lo travado como um
boneco de madeira, o conde parecia a qualquer momento prestes a jogar uma cadeira nas costas
de alguém.
— Oh não. — Falou ela ao ver quem se aproximava.
— O que há de errado? — Robert perguntou interessado.
— Arabella, querida!
A voz estridente da ruiva pode ser ouvida. Mais uma vez, Arabella era surpreendida pela
presença de Beatrix, a agora casada ex noiva de seu irmão. Já estava farta de esbarrar com a
mulher por toda parte, Beatrix sempre tinha algo ácido para dizer e acabar com o clima de festa,
era desagradável por divertimento. Arabella fingiu um sorriso alegre no rosto e cumprimentou a
moça gentilmente.
— É um prazer em vê-la novamente — mentiu — Não imaginei que fosse passar o resto da
temporada em Londres.
— São as surpresas do destino, não é mesmo? Descobri a pouco que se casara — Beatrix
direcionou seu olhar na direção do conde — É um prazer conhecê-lo, milorde.
O conde não sorriu. Aparentemente, em suas poucas habilidades sociais não incluíam fingir
decoro.
— Confesso que nenhum de nós esperava por isso, mas estamos felizes com a união —
Arabella se apressou em dizer e acotovelou o conde nas costelas — Certo, querido?
— Completamente. — Disse ele sem animação alguma.
— Isso é ótimo, de todas as moças da cidade, jamais imaginaria que se tornaria condessa.
Mas pelo visto foi esperta em agarrar um bom partido. — Beatrix emitiu uma risada fina e
perversa, deixando Arabella desconcertada.
Não era como se tivesse feito tudo aquilo para agarrar um bom marido, não se importava
com títulos e dinheiro. Assim como ninguém, Beatrix deveria saber que Arabella não tivera outra
escolha, sua honra estava em jogo.
— Decerto, deveria tomar cuidado com o que fala a condessa. Pelo que sei, vosso marido
aceitou-se casar por pena mesmo ao saber que já cortejara todos os cavalheiros da cidade. —
Robert proferiu segurando a mão de Arabella — A condessa não precisou visitar o quarto de
ninguém para isso.
Beatrix o olhou ultrajada e seu rosto ficou vermelho como um tomate. Ela arquejou e deu de
costas furiosa, fazendo o seu caminho para longe sem dizer absolutamente nada.
Arabella olhou para a cena perplexa, não imaginara que o conde poderia ser assim tão
incisivo em suas palavras, de um certo modo, apenas devolvera a grosseria proferida pela outra
mulher em seu nível.
— Obrigada, mas não preciso ser defendida. — Falou ao marido embaraçada.
— Não deveria deixar que falem assim com você, és uma condessa agora, Arabella. Precisam
demonstrar algum respeito pela sua posição. — Ele advertiu-a.
— Vou pegar uma bebida — Arabella sacudiu a cabeça — Já volto.
Sem saber o que dizer, a garota se afastou depressa do marido, deixando-o sozinho em um
canto enquanto foi em busca de espairecer os pensamentos. Beatrix merecia o que lhe foi dito,
mas não era adequado expô-la daquela maneira, uma mulher não deveria ser julgada pelos seus
parceiros. Nem sabia porque internamente a defendia, odiava a ruiva desde que quase separara o
irmão e a cunhada. E ainda sim, sentia-se estúpida por ter se ser defendida pelo conde em um
momento tão inoportuno, lembrá-la de sua posição como condessa a lembrava de sua posição
como esposa, o que definitivamente não estava muito certa de querer cumprir no momento.
Indo para longe da multidão, Arabella respirou fundo e embrenhou-se pelo bosque, queria
gritar aos quatro ventos o quanto se sentia confusa naquele momento. De longe, podia ver o
aglomerado de senhoras passar pela trilha dando gargalhadas, escondeu-se atrás dos arbustos e
ficou quieta por um tempo. Só conseguia pensar nos olhos cinzentos de Robert, aquele seu olhar
penetrante que estava começando a fazer com que ela questionasse a própria sanidade. Não
deveria estar sentindo aquelas coisas sobre ele, na verdade, não deveria estar sentindo nada.
Se pudesse ao menos entender o que se passava em seu coração... talvez estivesse menos
confusa sobre sua própria vida, talvez pudesse fazer algo para mudar o que vinha vivendo. Ouviu
o farfalhar de folhas próximos e ergueu o seu rosto, fora rápido o bastante para ver aquele
cavalheiro se aproximar com um olhar curioso. Lorde Blythe parou há apenas alguns passos dela,
olhou-a por um segundo e sorriu como se fossem bons amigos, o que ambos sabiam que não era
verdade. Qualquer que fosse a relação que tiveram, havia ficado para trás desde o que acontecera
no parque, e agora após ter descoberto as cartas de Vivienne, cultivava um certo desprezo pelo
homem.
— Vejo que está se divertindo muito com a festa — Ele falou.
— Apenas precisava de um pouco de ar, milorde.
— Da mesma forma que precisara na noite da biblioteca? — Provocou o lorde — Deveria
estar na presença de seu marido, condessa.
Arabella olhou para o homem e observou seu rosto atentamente tentando descobrir quais
eram as suas intenções, sabia que qualquer conversa as sós com uma mulher casada era mais do
que impróprio, no entanto se tratava da segunda vez que insistia em abordá-la. Não conseguia
entender como um dia quisera tanto se casar com o homem, toda a sua gentileza e respeito não
passavam de um teatro bem ensaiado. Talvez nem mesmo o conde soubesse quem era de verdade
o amigo, por puro acaso do destino, Arabella agora sabia bem.
— E o senhor não deveria abordar a mulher de seu amigo sozinha.
— Não há problema se ele não for mais meu amigo. Não há mais nenhuma amizade entre
nós.
— Não estou falando de mim, estou falando de Vivienne — A garota assegurou sentindo se
impelida por um surto de coragem — A mulher que engravidou debaixo do teto de seu antigo
amigo.
O rosto do lorde foi tomado pelo choque e a palidez, sentiu se surpreendido ao ser
confrontado com a história de seu passado. Em nenhum momento poderia imaginar que a jovem
soubesse sobre a antiga condessa, tampouco de que fosse jogar as palavras sobre ele como brasas
em chamas.
— Não faz ideia do que está a dizer. — Ele balbuciou cerrando seus punhos — É tola de
mais para entender toda a situação.
— Talvez eu seja, de fato. — Firmou-se sobre seus calcanhares — Mas ao menos não posso
ser hipócrita como és o senhor, lorde Blythe. Está furioso pelo que Robert fizera a você, mas
como pode sentir-se bem com o que fizera a ele?
— Não posso ser culpado por ter me apaixonado por uma mulher comprometida, nem lhe
devo explicações sobre meu passado com Vivienne. Ela está morta agora, nada daquilo faz mais
algum sentido. Nada tem a ver com Robert roubar-me a sua mão.
Arabella deu uma risada sem acreditar naquilo, não havia sequer um pingo de remorso no
rosto do homem pela dor que havia proporcionado a ele por todo esse tempo.
— Harvey, o conde não me roubou de você. Ele estava apendo nos defendendo de tudo ao se
casar comigo, você poderia ter lutado por mim, mas não o fez.
O lorde se aproximou repentinamente e enroscou seus dedos esguios nos braços da moça
com força, prendendo-a sob o seu toque sem escapatória. Arabella congelou, sabia que estava em
apuros naquele momento.
— Ainda pode ser minha, Arabella. — Murmurou baixinho perto ao ouvido da garota — Sei
que anseia por mim como anseio por você...
— Solte-a imediatamente. — A voz do conde soou do outro lado da trilha, Winslow estava
de pé com os punhos cerrados, olhando para os dois com um olhar fulminante.
— Acho que não tem problemas com dividir a esposa, não é mesmo, Robert? — Blythe
soltou a garota e virou-se para encarar o amigo de perto.
Uma fúria desmedida se apossou do corpo de Robert, o homem sentiu seu sangue correr em
sua veia como fomo uma chama ardente, o ódio que teve ao ver o amigo tocando a esposa só não
fora maior do que a provocação. Sabia bem que não era somente de Arabella que estava a falar, e
detestou mais do que tudo saber disso.
— Como ousa falar comigo desta maneira? Não tens o direito de colocar a minha falecida
esposa nisso. — Proferiu as palavras enraivecido.
— Perdoaste Vivienne por ter lhe traído, porque não perdoará sua doce Arabella?
Arabella correu na direção do conde e se colocou na frente dele, não queria presenciar uma
tragédia ali mesmo, mas de nada adiantou. Robert avançou em direção a Blythe com fúria,
parando há centímetros do lorde.
— A perdoei porque esperava um filho meu, e sabe disso.
— E sabe bem que merece toda a dor que recebera em seguida.
O conde ergueu uma mão para acertar o lorde e então vacilou olhando nos olhos do amigo,
estava apenas a ser rude por estar sofrendo de seu ego ferido.
— Conte a ele a verdade — Arabella se intrometeu mesmo sabendo que se arrependeria —
Conte que o filho de Vivienne era seu, Blythe. Não seja tão covarde pela primeira vez e assuma o
seu filho.
Robert moveu o seu olhar para a garota, incrédulo, sacudiu a cabeça como se recusasse a
acreditar.
— Isso não pode ser...Isso é verdade? — Perguntou a Harvey olhando-o fixamente.
Desconcertado, o homem assentiu. Não parecia ser algo ao qual se orgulhasse. Quando o
conde acertou o primeiro soco, Harvey estava tão perplexo que não revidou, caiu ao chão
desajeitado e seu rosto bateu na grama. Abruptamente, se levantou cambaleante e revidou o soco,
deixando o conde tonto, mostrando que não estava em forma já havia um bom tempo. O próximo
soco acertou o lábio inferior do conde, fazendo-o sangrar, mas ele não deixou barato, partiu para
cima do lorde com ferocidade para feri-lo. A dor que queimava no peito de Robert era o que o
movia em frente, fazendo o reagir sem pestanejar, agora sentia por si a dor se ser traído por um
amigo.
Desesperada, Arabella se meteu entre os dois com mais garra, fora necessária uma força
absurda para tirar o conde de cima de lorde Blythe. Temeu não conseguir fazê-lo, sabia que a
fúria que havia despertado seria capaz de destrui-lo até a morte. Não deveria ter dito a verdade,
mas achou que o conde merecia saber na conjectura atual dos fatos, Harvey não tinha o direito de
agir como se fosse o único ferido em toda essa história. Não era justo que zombasse de Robert
pelas costas mesmo após o que tinha feito.
— Já chega, Robert — Ela disse puxando o marido para longe — Precisamos sair daqui,
vamos.
Blythe se levantou colérico, cuspiu sangue no chão e encarou fixamente o conde.
— Não vai ficar assim, Winslow. Isso não acaba aqui.
Com um lenço de seda bordado com suas iniciais, Arabella limpou o ferimento no lábio
inferior do conde. Sentado em uma das poltronas de um dos quartos de hóspedes da mansão dos
Cavendish, o conde insistia em manter a carranca, seu cenho contraído demonstrava o
descontentamento febril. Parecia pouco disposto a manter a calma mesmo minutos após a
abrupta briga que havia travado para com seu melhor amigo, ou talvez não mais melhor amigo,
lorde Blythe.
Não podia aceitar o que Blythe escondera dele por todos esses anos, anos de sofrimento em
que se culpou por tudo que acontecera, anos de desalento que quase o levaram a loucura. De
repente, era como se pudesse ver de modo claro, todas as suas verdades não passavam de
mentiras omissas. Seu grande amigo era o homem com quem Vivienne tivera um caso, mas se
recusara a contar até mesmo em seu leito de morte, perdoara a esposa imaginando que um filho
traria a luz que seu casamento havia perdido com a traição, mas esquecera de dizer a si mesmo
que o amor não durara para sempre em vista da infidelidade. Vivienne nunca o amara, então
jamais ousaria amar novamente ninguém como a amou um dia.
— Precisa ficar quieto ou voltará a sangrar — disse Arabella segurando o lenço contra o
ferimento — Não posso acreditar que se metera em uma briga tão baixa.
— Desde quando sabes sobre Vivienne? — Perguntou entredentes.
A garota respirou fundo como se considerasse a resposta, sabia que havia feito algo de errado
ao contar a verdade, mas ao mesmo tempo sentia profundamente que o homem deveria saber.
— Esbarrei sem querer com tudo isso noutro dia, não sabia o que fazer com essa informação.
Agora sou eu quem despreza lorde Blythe, sua hipocrisia cruel me dá asco.
— Deveria ter contado a mim desde o início.
— Não tive a oportunidade. — Sacudiu a cabeça perdida — Quando tentei lhe contar sobre a
forma com que Blythe agiu comigo no parque, insistira que ele jamais faria mal a ninguém. Não
pensei que fosse acreditar.
O conde ergueu seu olhar em direção a moça, apreciou a sinceridade da esposa,
provavelmente toda a criadagem sabia do caso entre Vivienne e Blythe mas jamais tivera a
coragem de dizer. Robert tinha a noção de que poderia provocar apreensão nas pessoas, muitas
vezes provocava receio a si mesmo, sua figura impassível poderia parecer amedrontadora em
alguns momentos. Ele segurou a mão de Arabella e acariciou os seus dedos levemente.
— Talvez eu tenha estado cego por um longo tempo, mas agora sinto que posso ver
claramente. Não posso aceitar o que Harvey fez, não posso aceitar a forma com que a tratou.
— Escute — A garota começou a dizer — Precisa deixa tudo isso no passado, remexer nessa
história não lhe trará consolo. Deixe Vivienne repousar em seu descanso eterno para sempre, não
há porque culpá-la ou trazer tudo isso à tona mais uma vez. Já sofreu de mais, não pode deixar
que a dor comande a sua vida novamente.
— Diz isso porque não fora traída, não faz ideia do que vivi.
— Eu sou a sua esposa agora, Robert. Prometeu a meu irmão e a Deus respeitar-me
sobretudo, quando a prefere do que a mim, me fere mais do que imagina.
Robert se levantou de imediato, podia entender o que a garota dizia, mas sua mente não
processava bem suas palavras. Sabia que estava certa, já tinha deixado a tragédia arrastá-lo para a
escuridão por tempo demais, dessa vez deveria ser mais forte do que o desalento que o tomara.
Arabella merecia o seu respeito como esposa, não era justo que confrontasse o seu passado com
a falecida mulher em frente a garota. Se cedesse a sua raiva, Harvey conseguiria machucá-lo da
forma que tanto desejava, e não podia deixar que isso acontecesse jamais.
— Arabella. Não posso ser o marido que sonhara em seus desejos de menina, nada tenho de
príncipe encantado, mas o respeito que possuo por você é verdadeiro. — Disse a ela — Sei que
não tenho sido um bom homem para você, mas garanto que portarei como o consorte que
mereces.
— Não estou a falar sobre mim, falo de vossos sentimentos. Tem se deixado corroer pela
escuridão mesmo a luz do dia, se não pode deixar isso de lado por você, faça-o pelo respeito que
tens por minha pessoa. Como se sentiria se vivesse em um lar onde tudo remetesse a antiga
dona? — Falou cansada.
— Consegues modificar a minha vida mais do que imaginas. Pequenos atos como o de hoje
têm contribuído para abrir meus olhos — Afirmou o conde puxando a moça para mais perto pelo
seu braço — Posso não ser bom com palavras, mas tenho de mostrar a minha gratidão.
Arabella meneou a cabeça desnorteada e engoliu seco. A presença estreita entre ambos era o
suficiente para desarmar as suas defesas quase que de imediato, não podia resistir ao toque
delicado e gentil do homem.
— Não mereço sua gratidão — asseverou — Apenas me preocupo com a pessoas mais do
que deveria.
— Olhe para mim, Arabella. Diga me que que é apenas preocupação o que cultivas — Robert
olhou-a de forma penetrante com seus olhos cinzentos — Por que não é bem o que seus olhos me
dizem.
— E o que mais poderia ser? — Respondeu sentindo sua respiração acelerar.
O conde tocou suavemente o queixo da moça, fazendo-a oscilar. A garota encarou os lábios
convidativos do homem e sentiu-se impelida novamente pelo estranho impulso de beijá-lo, era
como se Robert a atraísse em sua armadilha sempre para os seus braços, onde ela parecia
pertencer magicamente. O homem se inclinou levemente, roçou seus lábios contra os dela,
Arabella pode sentir a respiração quente dele contra a sua pele, sua proximidade era provocante e
sedutora, sempre a arrastando para um caminho sem volta.
Quando finalmente a beijou, não foi como um beijo calmo, foi um beijo carregado de desejo
e paixão que consumiu ambos em um segundo. A garota se entregou ao beijo, retribuindo a sua
ferocidade com luxúria, deixando que o homem passeasse suas mãos firmes pelo seu corpo. O
beijo incendiou seu corpo como brasa, queimando a sua sanidade por completo naquele instante
íntimo entre os dois em que tudo mais fora deixado de lado. Era como se fossem as únicas
pessoas vivas na face da terra. As mãos do conde tocaram os ombros da garota e deslizaram as
alças de seu vestido, com cuidado, desprendeu o laço que o fechava e deslizou a peça pelos
ombros da moça.
Arabella se afastou devagar e olhou para o homem amedrontada, Holly havia dito que
somente ela saberia se fosse a hora certa, por alguma razão, Arabella simplesmente sabia. Deixou
com que o homem retirasse o seu vestido, e em seguida, retirou ela mesmo a veste íntima que
usava embaixo da peça, sentindo se estranha com a própria nudez em frente ao homem. Olhando
a com volúpia, Robert sorriu gentilmente, e então conduziu-a para a cama no centro do quarto
desconhecido, deitando-a sobre o confortável lençol com cuidado. Os olhos incertos da garota
demonstravam o seu medo, não sabia o que estava por vir, mas sentia-se encorajada o bastante
para descobrir.
O conde retirou suas vestes depressa, ao descer suas calças, a garota olhou-o espantada e
virou o rosto ruborizada. Ele não conseguiu deixar de sorrir ao vê-la envergonhada, juntou-se a
Arabella na cama e observou o rosto doce da moça meticulosamente.
— Não se preocupe, serei gentil.
Ela o olhou nos olhos, sua respiração parecia desenfreada, fazendo seu peito subir e descer
depressa. Robert a beijou novamente, um beijo acurado e lento, correndo seus dedos pelo corpo
da moça, tocando os seus seios com desejo e apreciando a pele macia como seda que ela possuía.
Arabella jogou seus braços ao redor do pescoço do conde e sentiu novamente um frio na barriga,
o membro ereto roçava contra o seu sexo fulminando um calor ao qual ela nem sabia que poderia
sentir. A sensação a agradou, crescendo rapidamente conforme o beijo se aprofundava, ansiava
mais pelo toque quente do conde sobre sua pele desnuda.
Puxou-o para mais perto ansiando por mais, o conde se afastou devagar e sorriu, posicionou-
se contra os quadris da garota e ajeitou seu membro na entrada. Arabella já não estava mais com
medo, o desejo a fazia pedir por mais, precisava sentir mais daquela sensação. Quando Robert
pressionou os quadris contra ela, não pode conter um grito fraco, a dor lancinante tomou conta de
suas entranhas e queimou sua carne como se fosse marcada por ferro.
O homem não parou, movimentou-se sobre ela devagar a princípio, sendo cuidadoso para
não a machucar ainda mais. Seus movimentos se tornaram gradualmente mais rápidos,
substituindo a dor por uma sensação nova e prazerosa. Jogou sua cabeça para trás gemendo
baixinho, Robert manteve a rapidez de seus movimentos e se inclinou mais sobre ela,
pressionando seu corpo contra o dele ainda mais. Cravou os dedos nas costas do conde
instintivamente, o prazer tomando conta de seu ser por completo, até chegar em seu ápice. Arfou
e sentiu algo como um choque atingi-la, abraçou o conde ainda mais e gemeu.
Logo, Robert atingiu o ápice de seu prazer, afastou-se para o lado da moça com sua
respiração ofegante. Arabella descansou seu rosto contra o peito do homem e sorriu fracamente
sentindo-se exaurida.
— Então é assim que são feitos os bebês. — Disse com sua voz alguns tons mais baixa.
— Podemos fazer bebês sempre que estiver disposta. — O conde sorriu em divertimento.
— Agora compreendo porque Olivia sempre desviou desse assunto, céus, seria
constrangedor.
— Olivia?
— Minha cunhada. — Explicou a garota. — Ela dizia que eu aprenderia quando fosse a hora.
— Há muito o que aprender ainda — Robert beijou o topo da cabeça da moça com
delicadeza — Se for uma boa aluna, posso lhe mostrar muito mais.
Arabella sorriu e suspirou.
— Precisamos nos vestir antes que alguém nos encontre, milorde. Seria escabroso, não posso
suportar ser o assunto do resto da temporada.
Robert se ergueu o suficiente para olhar nos olhos da moça, estava subitamente curioso.
— Já somos casados, Arabella.
— Somos. — Ela respondeu com seu olhar perdido — Mas o que isso significa? Tem de ser
mais do que uma simples trégua.
O conde correu os dedos pelos seios da garota e brincou com os mamilos desnudos. Entendia
ao que a moça se referia, mas ainda não tinha uma resposta sincera para aquela pergunta.
— Estamos juntos, tem de ser o bastante por agora.
Naquela manhã em especial, Arabella acordou ao ouvir vozes e passos pelo corredor. Não era
comum que houvesse movimentações no andar superior, muito menos tão cedo. Olhou pela
janela e constatou que o sol mal havia surgido, os raios de luz adentravam pelo vido da janela e
difundia sobre a cama em um arco-íris, o frio matinal a fez buscar por um robe pelo quarto. Sem
demora, saiu pela porta guiada pela sua curiosidade repentina, alguma coisa estava acontecendo
na casa e gostaria de saber o quanto antes.
Ao sair dos aposentos, viu alguns dos criados carregando cautelosamente uma porção de
caixas, não tinha percebido a princípio que se tratavam das caixas do sótão, só entendeu a
situação ao ver o mordomo levar a pintura de Vivienne escada abaixo. Avançou em frente na
direção da pequena movimentação a tempo de ver Robert descer as escadas do sótão batendo
suas mãos empoeiradas na roupa. Parecia atarefado, Arabella não quis interromper por muito
tempo, então decidira ser breve em suas palavras ao marido. Quando a viu, o conde sorriu
genuinamente pela primeira vez, a garota sentiu seu coração sacudir no peito com a surpresa,
notara então que o sorriso do homem era imensamente agradável.
— Vejo que se levantou cedo — Falou Arabella puxando o robe contra a camisola — Parece
animado.
— Apenas me dei conta de que já é hora de me livrar de todas essas coisas. — Respondeu ele
se aproximando da moça devagar.
— E o que fará com tudo isso?
— Pedi que a criadagem desse um jeito, não me importa o que farão ou para onde irá todo os
pertences dela. Preciso me libertar do meu passado, não quero mais viver a margem da
escuridão.
Arabella sorriu com o canto dos lábios, era agradável saber que o conde iniciara o processo
de emancipação de seus sentimentos sombrios, mais do que ninguém ele merecia uma chance de
seguir em frente liberto. Aos poucos, se livrava das amarras que o prendiam a seu passado, ao
olhar nos olhos cinzentos do homem naquele instante, Arabella teve certeza de que vira uma
faísca de felicidade. Talvez fosse a felicidade por se livrar da culpa, mesmo que não conseguisse
compreender bem de que se tratasse tal culpa, era claro como a luz do dia que o conde não tivera
um papel importante na história de Vivienne, no final de tudo, mesmo que a morte não tivesse
calado sua voz, teria escolhido outro homem.
— Espere — a garota disse se recordando de algo importante — Há algo faltando.
E então deu de costas, voltando pelo corredor em direção ao quarto. Abaixou-se ao lado da
cama e tateou embaixo do móvel, agarrou o anel dourado de brilhantes e suspirou, apressou o
passo para encontrar o marido de pé a sua espera com um olhar curioso no rosto. Arabella
estendeu a mão e entregou o pequeno objeto ao seu dono, sentiu-se envergonhada de tê-lo
esquecido jogado por todo esse tempo.
— O encontrei no jardim noutro dia — falou desconcertada — Eu não deveria tê-lo pegado,
eu sei, mas não pude resistir.
— Está tudo bem. — Olhou o pequeno anel que não via há tempos e respirou fundo — Não
preciso mais disso.
Uma criada passou por eles em direção a porta aberta do sótão carregando um esfregão e um
balde, o conde abordou a moça a sua surpresa, ela parou abruptamente e olhou para o seu senhor.
— Quero que fique com isso, Dianna. — Robert entregou o anel a mulher.
Ela piscou sem entender absolutamente nada e sacudiu a cabeça.
— Não posso aceitar, meu senhor. É precioso demais...
— Não importa, faça o que quiser com ele. É uma ordem.
Dianna acenou sem jeito e pegou o anel, enfiou o objeto em um dos bolsos de seu avental e
sorriu agradecida. Prestou uma breve reverência ao conde e a condessa e seguiu seu caminho
escada acima.
— Está generoso nesta manhã, milorde. O bom humor lhe faz bem a face. — Brincou
Arabella — Não conheço tal lado de vossa personalidade intratável.
— Uma dama atrapalhada abriu-me os olhos.
— Certamente deve ser uma dama deslumbrante, é a primeira vez que o vejo sorrir
verdadeiramente.
O conde não pode conter um sorriso, agarrou a moça em seus braços e a pegou em seu colo.
Arabella sacudiu os pés surpresa e insistiu para que ela a devolvesse ao chão, seus pedidos não
foram atingidos instantaneamente. Levantando-a do chão como se fosse uma folha de papel em
seus braços, Robert desceu as escadas devagar, apavorada pela altura a garota gritou. Ele não se
importou, levou a garota pela sala até a saída, colocando-a no chão de pé na entrada da casa com
a sua respiração acelerada.
— O que é que está fazendo? — Arabella perguntou estarrecida.
— Ordenei ao jardineiro que cultivasse os canteiros do jardim. Como não fazia ideia de quais
flores são suas prefiras, pedi que plantasse várias.
A garota olhou ao redor admirada, haviam gérberas, jasmins, margaridas, tulipas e lírios,
todas florescendo majestosamente por toda parte em diversas cores. As novas integrantes do
jardim enfeitavam a paisagem com um toque delicado de cores vivas em contraste com o verde
das árvores e dos arbustos. Talvez fosse o elemento que faltava para deixar o espaço com um
aspecto de longe mais agradável, não havia mais o ar fúnebre de toda a atmosfera da casa, as
cores davam lugar a esperança. A esperança por dias melhores que Arabella sentiu ao pisar no
jardim com um sorriso encantado no rosto, jamais imaginara que um dia veria o jardim tão
grandioso.
— Está lindo. — Falou ainda impressionada com a paisagem — Pobre jardineiro, deve ter
tido muito trabalho.
— Esse é meu modo de me desculpar pelo modo que tenho a tratado desde que chegou a essa
casa. Estava certa desde o princípio, não passo de um grosseirão, mas sou mais do que capaz de
retificar os meus erros.
— Também não tenho sido absolutamente graciosa em sua presença, milorde. Sou assim
desvairada, às vezes perco o controle e me meto onde não sou chamada.
— E por essa razão estamos aqui. — O conde atestou — Se não fosse vossa imprudência,
teria se casado com o homem que me traiu debaixo de meu próprio teto, talvez viesse a fazer
novamente.
Ela refletiu por um instante. Desejou tanto se casar com Harvey Blythe, agora sabia de seu
caráter duvidoso e atitudes questionáveis, não poderia imaginar ter descoberto tudo isso após se
casar com o homem. Imaginou o que seria dela caso viesse a descobrir depois de unidos em
matrimônio o seu habito de agarrá-la contra sua vontade, arrepiou-se somente com a ideia
perturbadora que atravessou sua mente. Apesar do jeito impolido do conde, Robert era justo e
leal a sua palavra até o fim, seu respeito para com a sua pessoa permaneceu como uma promessa
viva até o momento, sabia que o homem jamais pensaria em fazer algo que a machucasse.
Seu casamento forçado a levou até aquela situação, e pela primeira vez não a incomodou ser
a condessa de Dwennon, o nome honrado de Winslow refletia o homem que o carregava. Um
homem que certamente estava cansado de sofrer, não merecia a dor que carregava consigo por
todo aquele tempo, faria o que estivesse sobre o seu alcance para não permitir que sofresse mais
uma vez injustamente.
— Então isso quer dizer que não me odeia, afinal de contas?
— Não a odeio, nem nunca a odiei. Apenas não sei lidar bem com sua juventude e
feminilidade, não estou habituado a ter jovens moças no meu encalço.
— Então estás a dizer que o persegui? Como ousa, milorde? — Arabella proferiu uma risada
e correu pelo jardim.
Seus pés descalços afundando na grama orvalhada da noite, o cheiro do verde inebriando os
seus sentidos ao mesmo tempo que os primeiros raios da manhã atingiam sua pele de alabastro.
Havia uma alegria infantil em seu rosto, alegria que não sentia há tempos. Então ouviu uma
carruagem se aproximar da entrada, olhou atenta pelas grades do portão e voltou seu olhar para o
conde. Ele sorriu como se preparasse uma surpresa e cruzou os braços contra o corpo.
Da carruagem, desceu Holly Bromley com seu rosto pálido e uma mala. Não conseguiu
conter animação ao ver a amiga, mal esperou para que o lacaio abrisse o portão, saltou descalço
pelas pedras da entrada e abraçou a dama de companhia de uma só vez. Holly abraçou-a de volta,
mas não entendia o motivo de tamanha alegria no rosto da garota.
— Por Deus! Deixe me chegar à sua casa direito, senhora. — Falou a mulher — É estranho
lhe chamar de senhora agora.
— Senti sua falta. — Balbuciou Arabella — Não sei mais viver sem a sua companhia.
— Não vou me casar com você, Arabella. Não precisa me bajular tanto assim. — A dama de
companhia entregou a mala ao lacaio, que seguiu carregado o pequeno baú de vestido em direção
a casa.
As duas atravessaram a entrada a passos lentos, Holly insistia em contar sobre as mais novas
fofocas da elite londrina que havia descoberto, a curiosidade aguçada de Arabella a fez escutar
tudo perplexa e atenta. Esse era o tipo de conversa trivial a qual sentiu a falta, o tipo de
informação inútil que adorava saber sem motivo em específico. Quando cegaram a casa, o conde
ainda observava Arabella com interesse. A dama de companhia o reverenciou rapidamente e
sorriu. Arabella se movimentou até ele depressa e jogou os braços ao seu redor, prendendo o
conde em um abraço firme, e então se colocou na ponta dos pés para beijá-lo nos lábios.
— Ainda não se redimira comigo, milorde. — Ela sussurrou com um sorriso envergonhado.
— Terei o prazer de me redimir no momento certo. — O conde murmurou baixinho ao pé do
ouvido da moça — Esperarei ansioso por isso.
Holly olhou para a moça perplexa e conteve a sua reação. Quando o conde se retirou para
dentro da residência e as deixou sozinhas pela primeira vez, a mulher tomou o braço de Arabella
e sacudiu a cabeça completamente incrédula.
— Vejo que há muitas coisas que precisa me contar. Estou mortificada!
— Prometo lhe dizer tudo, mas antes disso, deixe me ajudá-la a se instalar.
Holly adentrou na residência levemente surpresa, apesar de ainda ser a mesma casa que havia
visitado com a moça recentemente, algo havia mudado sem que fosse tão aparente. De repente, o
sol entrava pelas janelas e clareava o recinto, a atmosfera do ambiente já não era tão carregada e
melancólica, a mulher não soube identificar ao certo o que havia mudado naquele lugar, mas
sabia que mudanças haviam ocorrido de alguma forma.
A mudança também tinha atingido Arabella, parecia subitamente mais animada com o fato de
estar vivendo sob o mesmo teto que o conde. Em seu olhar um brilho novo podia ser visto, era
como um sentimento legítimo de felicidade que levou Holly a estranhar, também havia algo
sobre o sorriso da garota, o tipo de sorriso que escondia segredos sutis. Naquele instante, soube
que Arabella tinha mudado, mesmo que a própria garota ainda não percebesse o tamanho de tal
mudança, muito menos o quanto o sentimento que possuía interferia ao seu redor de forma
positiva. Era curioso enxergar de fora a mudança aguçada que tomara os habitantes daquela casa.
Arabella insistiu em instalar a dama de companhia em um dos quartos de hóspedes, o que
deixara Holly certamente embaraçada. Não era costume que os criados dormissem no mesmo
andar de seus senhores, mas acima de tudo, Arabella considerava-se a protetora de sua amiga. A
garota não possuía outras amigas verdadeiras além de Holly e Olivia, gostava de tê-las por perto
e sentia-se grata por ter alguém para conversar, antes de Olivia, sua estadia em Winston era na
maior parte do tempo solitária.
No quarto de hóspedes, Arabella abriu as cortinas e então jogou-se na cama. Suspirou de
modo sonhador e olhou para a dama de companhia animada.
— E quais são as notícias de casa? — Perguntou mesmo sabendo que Winston não era mais
o seu lar agora.
— A marquesa deu à luz a criança, é uma menina saudável e cheia de vida — Holly sorriu.
— Não posso acreditar que perdi tal acontecimento, estou estarrecida. Pretendo ver minha
sobrinha o quanto antes.
— Terá tempo o bastante para isso, condessa. — A dama de companhia se sentou ao lado da
moça na cama — Agora me diga o que está havendo entre o conde e você.
Arabella afundou o rosto nos lençóis e proferiu um grito abafado, havia tanta coisa
acontecendo que mal podia saber por onde começar, então tratou de começar do início. Contou a
amiga sobre as descobertas que fizera em querer, contou sobre Harvey e Vivienne e como vinha
ajudando o conde a passar por isso, contou até mesmo sobre sua primeira vez em um dos quartos
da mansão dos Cavendish. Ruborizou ao contar que havia se entregado ao marido assim de
repente, o mais difícil de dizer em voz alta era o fato de que talvez estivesse cultivando
sentimento pelo homem de uma forma inesperada.
Holly a ouviu pacientemente em assombro, jamais poderia imaginar os desdobramentos
daquela história, muito menos que lorde Blythe pudesse ser um patife afinal de contas.
— E não está com medo, senhora? Um homem de orgulho ferido e de pouco caráter como ele
pode ser perigoso. — A dama de companhia advertiu.
— Não acho que voltarei a vê-lo depois da briga travada no jardim dos Cavendish, talvez ele
esteja receoso pelo que Robert agora sabe, se for esperto, terá medo de retaliações.
— Jamais subestime um homem, Arabella.
— Não o subestimo. Pensar que quase me casei com ele me enoja, sem saber, fiz a escolha
certa. — Refletiu.
A princípio não entendia bem o conde e seus motivos, mas somente o tempo a fez
compreender que o sofrimento do homem era genuíno, sentia-se alegre por ajudá-lo aos poucos a
se livrar de todo o seu passado doloroso. Um homem que se culpava por não perdoar de verdade
a esposa e perder o seu filho, mas que agora soube que o filho sequer era dele, mão poderia
julgá-lo por se manter recluso da sociedade.
— Estás apaixonada pelo conde? — Perguntou Holly sem rodeios.
Arabella não soube bem como responde a aquela pergunta. Como poderia saber se estava
apaixonada? Nunca se apaixonara antes por ninguém. Sabia que algo havia mudado em seu
peito, um sentimento que fazia o seu coração bater mais rápido e se fôlego fugir.
— Eu não sei — Falou incerta — Será que estou apaixonada por ele?
Holly sorriu e sacudiu a cabeça.
— Não sou eu quem saberá responder a essa pergunta, querida. Somente o seu coração
poderá lhe dizer a verdade.
A noite caiu depressa e junto dela uma fina chuva primaveril assolou a cidade, o som das
gotas de chuva batendo contra a janela ressoavam na mente de Arabella como as palavras ditas
pela dama de companhia mais cedo. A garota pegou-se pensando sobre seus sentimentos pelo
marido de forma incessante, não conseguia parar de imaginar como seriam as coisas dali em
diante, afinal de contas, o que seria capaz de sustentar um casamento? Arabella possuía dúvidas
sinceras sobre o tópico, questionava a si mesma se talvez a luxúria fosse capaz de manter um
casamento, e em sua mente a resposta era obviamente uma negativa.
Gostaria de imaginar um cenário diferente, mas suas dúvidas inquietantes sobre seus
sentimentos a assolaram por todo o dia, até mesmo naquela noite onde o vento frio corria pela
casa, entrando na residência pelas frestas das portas e assobiando nos beirais. Parou em frente ao
escritório do conde e encarou a porta de madeira maciça por longos minutos, queria dizer tantas
coisas ao marido, mas ao mesmo tempo não havia nada a dizer. Como poderia cobrar dele sobre
seus sentimentos se mal sabia lidar com os próprios?
A garota respirou fundo decidida, não bateu à porta como planejara, apenas girou a maçaneta
e adentrou no escritório em silêncio. Robert ergueu seu olhar por um segundo a fim de observar a
jovem, surpreendido pela interrupção, afastou os papéis para longe e sorriu para Arabella com o
canto dos lábios. A garota parecia perdida, tinha em seu rosto um olhar vazio que observava
meticulosamente as paredes do escritório como se desejasse abrir uma porta nos tijolos e fugir.
— Parece aflita. Está se sentindo bem? — Perguntou ele genuinamente preocupado.
Ela se aproximou devagarinho como se contasse os passos e apoiou os braços sobre a mesa
de carvalho.
— Apenas vim lhe fazer companhia, milorde. — Arabella sorriu com o canto dos lábios de
uma forma suave — Posso me retirar se assim desejar.
— Não há problema, Arabella. Estou apenas a tratar de negócios, nada que não possa parar
por um momento.
— Agora sinto-me mal por interrompê-lo sem razão.
— Minha razão é bastante válida — disse a ela — Ainda sim, parece tão estranha. Diga-me o
que lhe aflige, prometo tentar entender.
Ela respirou fundo como se recobrasse a consciência. Odiava ter aqueles pensamentos
incessantes a tomar conta de sua mente, a simples ideia de descobrir um dia que o que sentia
nunca ter sido verdade a apavorava profundamente. Temia jamais saber de verdade o gosto da
paixão, jamais se apaixonara antes, temia sobretudo se enganar sobre estar apaixonada na
realidade.
— Robert… — Suspirou ela em desalento — O que somos agora?
— Ora, somos marido e mulher, Arabella. Tal pergunta não faz sentido algum.
— Não falo sobre isso, falo sobre nós dois em nosso particular. Sei que somos casados, mas
nossa união era apenas uma promessa feita em frente ao altar, não sei o que somos quando os
outros não estão a nos observar.
Robert se levantou confuso, atravessou a mesa e segurou gentilmente os ombros da garota
como se desejasse abraçá-la, mas não soubesse realmente se devesse avançar. O próprio conde
havia se questionando com tais dúvidas nos últimos tempos, os sentimentos que havia começado
a nutrir pela moça o deixavam disperso e sem saber bem o que fazer. Como deveria reagir a
paixão? Tinha medo de que para ela significasse apenas a luxúria.
A presença de Arabella o deixava ativo, sempre atento aos seus modos e a forma com que a
garota reagia ao mundo ao seu redor, para Arabella tudo era colorido e repleto de nuances. Não
sabia lidar com aquilo de maneira efetiva, estava se esforçando para revelar para a garota seu
melhor lado, parte a qual ela merecia conhecer mais do que ninguém.
— Está falando sobre o que sentes… — Refletiu — Não sei se posso ajudá-la em tal tarefa.
— E porque não? De todas as pessoas, pensei que fosse a única a ter uma resposta convicta.
— Sentimentos nunca são simples.
Arabella concordou com um aceno e encarou as próprias mãos, girava os polegares nervosa,
talvez não obteria as respostas que desejasse daquela forma.
— Então me ajude a desvendar o que sinto — falou — Me ajude a encontrar um rumo para
meu coração que mal pode sossegar no peito quando estou na sua presença. Sinto que estou
enlouquecendo…
— Não está — O conde sorriu levemente e olhou para Arabella com afeição — Mas não
poderia colocar palavras em sua boca, não sou insensível como todos acreditam.
— Não o acho insensível. — Arabella o olhou por um momento muito longo — Se o fosse,
não teria se importando com Vivienne por todos esses anos.
— Posso lhe assegurar que não é bem o que parece. — Virou-se arredio e fechou os dedos
contra as mãos com força.
— E se um dia acordar e descobrir que me desprezas?
Ele a olhou espantado.
— Jamais aconteceria, não sei o que a faz pensar que a descartaria como um móvel sem
utilidade. Prometi respeitá-la, e para sempre irei.
Arabella se levantou bruscamente e o abraçou, sentiu o calor do corpo do conde contra o seu
e o inebriante cheiro almiscarado de suas vestes. Se havia um lugar no mundo que se encaixasse
perfeitamente, esse lugar era os braços do conde, era como alcançar um porto seguro em meio a
tempestade. Podia ouvir o coração do homem batendo contra o seu rosto compassado, lhe
ocorrera o pensamento de que viveria o resto de sua vida podendo ouvir aquele som
reconfortante todos os dias.
Robert a abraçou de volta não muito certo da razão de tal conversa enigmática, tinha em
mente o pensamento de que jamais entenderia as mulheres, Arabella era como uma flor
complexa que exigia cuidados e atenção especial. Desconcertado, a afastou o suficiente para
poder encará-la de perto e analisar o rosto abatido da garota, as belas feições pareciam
subitamente mais atenuadas de um jeito estranho.
— Eu nunca me arrependeria da decisão de me casar com você, se minha palavra não é o
bastante, não sei o que mais poderia ser. — Robert afirmou.
A garota observou os olhos cinzentos que pareciam muito mais sinceros ao olhá-la, sentia-se
uma completa estúpida por ter aquela conversa sem sentido. Não seria o conde que lhe diria
como deveria se sentir, ela própria tinha de se esforçar para descobrir seus sentimentos sem
ajuda. O que o seu coração cultivava longe dos outros era de sua inteira responsabilidade para o
resto de sua vida, não poderia derrotá-lo com todas as suas expectativas e forçá-lo a admitir
coisas que nem ela mesma sabia ser capaz de sentir.
— Promete não me deixar completamente sozinha nesta casa? — Disse receosa — Odiaria
me tornar uma parte silenciosa da mobília como minha mãe se tornara com o passar dos anos,
quando deixou de existir, sequer sentiram a sua falta como merecia porque sua presença já havia
deixado de ser notada há tempos.
— Escute-me, Arabella — Robert considerou — Não será como sua mãe porque os filhos
não precisam seguir o mesmo destino de seus pais. És uma jovem forte e cheia de vida, sua
alegria contagiara a todos os cantos desta residência de um jeito sutil até ser capaz de ganhar a
todos. O medo não lhe fará nada de bom, acredite.
Ele respirou fundo, vivera com medo por tanto tempo, sabia bem sobre o que estava a dizer.
Não permitiria que seu medo de amar outra vez e sofrer o impedisse de se aproximar da garota,
era mais do que hora de seguir em frente e deixar para trás o passado.
— Tenho medo de me apaixonar, milorde. Sei que sou tola o bastante para isso, mas tenho
medo que nunca vá sentir o que sinto.
O conde deslizou sua mão para o rosto da garota, sentindo sua pele suave e quente com a
ponta de seus dedos. Os olhos ingênuos e verdadeiros de Arabella o fizeram sentir uma pontada
em seu peito. Compartilhava da mesma confusão que a moça, não teria respostas para os medos
que ela cultivava em seu peito porque talvez cultivasse os mesmos. Inclinou-se devagar e fitou os
olhos de Arabella por um longo momento, o silêncio se instaurou no escritório, somente a chuva
caindo contra a janela fechada podia ser ouvida por ambos.
— Haverá um momento certo para tudo, Arabella. Deixe o tempo nos trazer as respostas que
nossos corações se recusam a responder. — Disse ele, e então a beijou.
Os lábios de Arabella se abriram pedindo por um beijo mais profundo, com lascívia, o conde
estreitou sua presença puxando a moça para mais perto, sentindo-a contra seu corpo quente e
acendendo a chama da paixão em seu peito. Beijá-la era como libertar uma versão de si mesmo
jamais vista, um homem louco de desejo entorpecido pelo sabor doce proporcionado pelos lábios
suaves da moça.
Deleitou-se em seu beijo de forma intensa, explorando minuciosamente as curvas definidas
da garota com suas mãos curiosas, deixando-a completamente bamba em seus braços.
Rapidamente, se afastou recuperando o fôlego, sorriu para Arabella de um modo perverso e
jogou ao chão tudo que havia sobre a mesa. Deitou-a com cautela e desabotoou o vestido da
moça com seus dedos hábeis, deixando-a completamente nua em questão de instantes
Arabella não pestanejou nem por um momento, deixou o marido deslizar suas vestes íntimas
para o chão e mordeu o lábio inferior, sentiu-se subitamente consciente de sua nudez e ruborizou.
O conde a observou apreciando cada centímetro de pele, aparentemente a garota não fazia ideia
alguma de sua beleza estonteante, ele deslizou suas mãos pelas pernas torneadas desnudas da
moça e aquele arrepio tomou conta de seu corpo. Necessitava estar dentro dela o quanto antes.
Abaixou suas calças depressa, exibindo seu membro ereto sob a luz das velas ululantes do
recinto. Arabella sentia-se impelida a olhá-lo, mas ao mesmo tempo, era tomada por uma
vergonha sem explicação. Um intenso frio na barriga se formou naquele instante, os dedos do
conde subiram pelas suas coxas e tocaram o seu íntimo, a garota apertou uma perna contra a
outra, mas em seguida fora repreendida pelo marido, que afastou as pernas bruscamente e
meneou a cabeça de forma negativa. Provocou-a por um longo instante, brincando com seu
membro na entrada de Arabella, que arfou ansiando por mais.
Robert se curvou sobre ela ainda com seu sorriso perverso nos lábios, beijou de leve o espaço
entre os seios da moça e beliscou os mamilos com a ponta dos dedos, em seguida, levou a boca
até um seio e sugou com vontade. Arabella arquejou, enquanto sugava um seio e brincava com o
mamilo com sua língua ágil, massageava o outro com sua mão direita. A sensação deixou-a
enlouquecida, oscilou no lugar e o agarrou com seus dedos trêmulos, Robert proferiu uma linha
de beijos suaves por toda a barriga da moça até suas baixas.
Estarrecida, Arabella sentiu-o beijar sua genitália com cuidado, a sensação a levou da terra ao
céu em poucos segundos. A língua habilidosa do conde trabalhou avidamente em seu sexo
deixando-a completamente bamba de prazer, quando notou que a moça quase chegava em seu
ápice, afastou-se maldosamente e a penetrou. A princípio, movimentou-se devagar pelo espaço
apertado, e então avançou em seus movimentos compassados, pressionando seus quadris contra
os dela com força, fazendo a mesa ranger com sua velocidade constante.
Levada pelo prazer, Arabella gemeu e agarrou as laterais da mesa, Robert continuou as
estocadas cada vez mais forte, a intensidade feroz de seus movimentos deixava sua respiração
forte. Ele segurou os pés da moça e ergueu as pernas dela contra o seu peito, podendo penetrá-la
ainda mais fundo. A garota levou uma mão a boca e abafou um grito, sequer imaginara que seria
possível sentir tanto prazer daquela forma. Com agilidade, Robert a virou contra a mesa e
continuou seu trabalho, arfando entre as estocadas vorazes, cravando seus dedos contra a pele de
alabastro da garota.
Quando Arabella sentiu seu corpo ser atingido por uma sensação intensa que a deixou
completamente bamba, descansou o rosto sobre a mesa, logo depois, Robert gemeu baixinho e
contraiu seu corpo. Inclinou-se sobre ela cansado e beijou o pescoço da garota com delicadeza.
Ajeitou sua calça no lugar e pegou o vestido de Arabella no chão, vestiu-a com cuidado e a
pegou no colo como se não pesasse absolutamente nada.
A ergueu do chão e subiu as escadas devagar enquanto Arabella descansava seu rosto sobre o
peitoral firme do marido, levou-a ao quarto e a deitou na cama. Olhou-a nos olhos e sorriu
fracamente. Arabella sacudiu a cabeça e o puxou para perto ansiando pelo seu toque novamente.
— Passe a noite comigo. — Pediu em um sussurro.
Obedecendo a moça, Robert se livrou dos sapatos e deslizou para o lado de Arabella. A
doçura de seu olhar cansado o fez suspirar, acariciou o rosto da garota com gentileza e apreciou o
desenho de seus lábios rosados.
— Estarei sempre aqui de agora em diante. — o conde afirmou enroscando seu dedo em uma
mecha de cabelo da moça — Estarei sempre ao seu lado.
Ela sorriu.
— Continua a me surpreender todos os dias, milorde.
— Ainda não terminei — Ele a beijou de leve — Iremos a Winston em breve.
Arabella se virou surpresa e o encarou sem saber o que dizer.
— Está sendo sincero?
— Nunca estive sendo tão sincero em minha vida. Sei o quanto deseja visitar a marquesa e
seu irmão, creio que já é hora para que eu aprenda a apreciar outros ares. Estou disposta a ter
uma vida junto a você, Arabella.
— Eu não poderia estar mais feliz com essa notícia — Arabella sorriu entusiasmada e então
sentiu novamente o frio na barriga tomar conta dela — Acho que estou apaixonada por você,
Robert Winslow.
E então o beijou outra vez, mas agora, não pretendia soltá-lo tão cedo.
Acordou bem-disposta naquela manhã. A chuva já tinha passado e deixado para trás apenas
as folhas das árvores cobertas de gotas de água fria. Antes mesmo de qualquer coisa, planejou o
seu dia minuciosamente deitada ao lado do conde, sua presença imponente a deixara confiantes
sobre seu futuro. A notícia de que visitariam Winston em breve a fez saltar da cama extasiada,
deixou o marido a dormir placidamente em seu leito e apressou-se para seu dia cheio.
Decidira ainda cedo visitar as lojas da cidade para comprar algo de especial para a sobrinha
recém-chegada ao mundo, mal via a hora de conhecê-la de perto e senti-la em seus braços,
possuía um carinho especial pelas crianças que não sabia explicar. O pequeno Mark, primogênito
de seu irmão, a deixava alegre com seu jeitinho infantil e bochechas rechonchudas. Mal via a
hora de ter os próprios filhos, nascera inclinada a maternidade mais que tudo.
— Vamos logo, Holly. Há muito o que se fazer para hoje! — Alertou animada.
Holly, que ainda mal acordara direito, praguejou baixinho quando Arabella interrompera seu
sono maravilhoso naquela cama confortável. Olhou para a garota na porta e sacudiu os cabelos
cacheados enfurecida, para ser sincera, era cedo demais para poder acompanhar o raciocínio na
garota.
— Por Deus, Arabella! — Resmungou se vestindo depressa — O sol ainda não nasceu
direito. O que pode ser tão importante?
— Precisamos fazer compras. — Respondeu séria — Já pedi que um lacaio trouxesse a
carruagem. Não quero perder tempo.
Certamente, Holly não estava nada feliz. Fazer compras era a atividade favorita da garota,
Arabella sempre insistia de que precisava de mais um vestido, mais um laço ou um mais um
chapéu adorável. Nunca estaria satisfeita até ter todos os laços, chapéus, vestidos e sapatos da
face da terra, essa era a verdade. Sempre haveria um vestido novo para ir a modista, nem que
fosse para saber sobre as últimas fofocas da temporada.
— Precisa mesmo ser assim tão cedo? As lojas ainda existirão se eu puder dormir uma hora
ou duas.
— Você não entende — Insistiu ela — Iremos a Winston em breve, não posso chegar à casa
de meu irmão sem um presente para a minha sobrinha.
— Sabe melhor do que ninguém que Olivia não se importa com isso, Arabella. Ela estará
feliz apenas por sua presença ao seu lado. — Holly ajeitou o cabelo — Além disso, isso não
significa que iremos amanhã. É uma longa viagem, haverá tempo.
Arabella bufou aborrecida e cruzou os braços contra o corpo, aparentemente, a amiga não
compartilhava de sua súbita animação. E como poderia? Na verdade, era o coração de Arabella
que batia forte pelo conde, apenas tentava extravasar aquele sentimento absurdo que tomara
conta de seu corpo, talvez estar apaixonada fosse assim mesmo, ser consumida por um
sentimento flamejante que lhe faz querer viver.
— Então irei mesmo sem sua companhia. — Resmungou descendo escada abaixo.
— Espere um segundo, peça que a carruagem aguarde. Vou apenas pegar meu chapéu. —
Disse Holly.
A jovem condessa desceu depressa, estava tão enérgica guiada pela recém descoberta que
mal podia se conter. Atravessou a entrada em poucos segundos com passos rápidos, o cheiro de
terra molhada inebriando seus sentidos ativos, deixando-a cada vez mais bem-disposta. Mais do
que tudo, estava disposta a esperar que o conde um dia correspondesse dos mesmos sentimentos
que ela.
Abriu o portão rapidamente e viu Holly sair pela porta desajeitada, deu de ombros e subiu na
carruagem. De repente, a porta da condução abriu-se abruptamente e alguém entrou junto a ela,
assustada, Arabella deu um sobressalto para a extremidade olhando para o homem que adentrara
no veículo. Demorou apenas alguns segundos para compreender que conhecia aquele rosto, e
então fora tomada por um choque alarmante que a fez engolir seco.
— Como vai, Arabella? — Lorde Blythe disse com um sorriso cínico nos lábios que a fez
estremecer.
Quando a dama de companhia se aproximava a passos lentos, pode ver o homem subir na
carruagem sem aviso prévio. Parou de repente sem entender o que estava acontecendo, e bem
quando a carruagem começou a se mover para longe e os cavalos trotaram depressa pela rua de
pedras, seus cascos ecoando pelos ouvidos de Holly Bromley.
Apavorada, correu de volta para dentro da casa. Suas pernas mal tinham sustentação, era
como se seus joelhos tivessem virado manteiga assim de repente. Sem cerimônia, quase derrubou
a porta dos aposentos do conde, que se levantou depressa ao ver a dama de companhia em seu
quarto. Levou um ou dois segundos para que ela conseguisse falar, o medo a paralisou
completamente parada no assoalho.
— O que está havendo, Holly? — Ele olhou ao redor — Onde está Arabella?
A mulher engoliu seco.
— Harvey Blythe a levou, meu senhor. Ela está em perigo!
— Harvey! — Gritou Arabella para as paredes do fétido galpão — Não poderá me deixar
presa aqui para sempre, Robert notará minha falta e virá a seu encontro.
O lorde girou sobre seus calcanhares e direcionou um olhar curioso na direção da moça, seus
olhos castanhos possuíam um brilho estranho que a deixou assustada pela primeira vez. Não
havia escapatória, suas mãos estavam presas a correntes de aço enferrujado chumbadas ao chão.
Quanto mais se mexia, mais tinha a péssima sensação de se encurralar ainda mais na sua
armadilha. Sentou-se sobre os caixotes de madeira que se aglomeravam em uma pilha fedorenta
no canto do galpão, olhando ao redor com atenção pela primeira vez, ocorreu-lhe a ideia de que
talvez estivesse no cais da cidade. O cheiro salobre e pungente a deixara enjoada, torcia
internamente para que não demorassem a buscar por ela.
— Fique quieta. — O lorde proferiu as palavras em um tom agressivo nada habitual — Não
posso pensar direito se não calar a boca!
Ela sacudiu a cabeça ofendida. Não aceitaria ordens de seu sequestrador, não havia nada
glamoroso em ser sequestrada, ao mesmo tempo em que sentira um certo alívio ao não ter
prosseguido com a relação com o homem, sentia-se tomada por uma raiva de si mesma por não
ter se dado conta do caráter duvidoso de Blythe desde o início. Se bem que, sequer o melhor
amigo havia notado as pequenas pistas que o homem dera por todo esse tempo, afinal de contas,
jamais conhecemos as pessoas de verdade até termos de lidar juntos com uma situação
estressante.
O gentil homem que tomara sua mão e a conquistou com gestos cativantes fora de príncipe
encantado a sapo em questão de tempo. De certa forma, agora Arabella compartilhava do
desgosto de Robert pelo homem devido a sua tórrida traição, a hipocrisia do cavalheiro a enojava
profundamente. Harvey acreditava sobretudo que havia sido traído, desprezando completamente
a traição que o mesmo proferira ao amigo dentro de seu teto, engravidando sua esposa e a
deixando para trás como se fosse perfeitamente descartável.
— Porque está fazendo isso? Sequer sou o motivo de sua raiva repentina por Robert.
— Robert. — Ele sorriu com o canto dos lábios — Desde quando começaram a se tratar
pelos nomes de batismo, condessa? Tal grau de intimidade não se encaixa muito bem a imagem
de ambos.
Arabella encarou os próprios pés desconcertada. Não tinha uma resposta adequada para tal
pergunta, tudo tinha acontecido naturalmente, sequer notara a transição das formalidades para a
súbita intimidade que agora compartilhavam como marido e mulher.
— A não ser que agora tenham certa proximidade que lhe proporcionara tamanha
informalidade — Blythe a observou atentamente e se aproximou devagar — Diga me, Arabella,
entregou-se a ele como mulher?
— Não vou responder a essa pergunta ridícula. Não lhe diz respeito o que faço ou não com
meu marido.
— Marido. Há pouco tempo mal se suportavam e agora entregara sua virtude a aquele
homem… Poderia ter sido minha, Arabella. Poderíamos ter viajado ao redor do mundo felizes,
mas escolhera trair a mim como Robert o fez. Como posso perdoá-la?
— Está completamente louco — a garota afirmou retorcendo suas mãos sobre as correntes —
Não me entregaria a um patife como você nem em um milhão de anos.
O lorde abriu seu sorriso alinhado e sacudiu a cabeça, curou-se sobre a moça e acariciou o
rosto suave com os dedos congelantes. Arabella retraiu-se no lugar e o fuzilou com seu olhar de
ódio, por sorte o destino a levara até o cavalheiro certo, afastando-a das garras de lorde Blythe a
tempo. Mas agora havia caído em sua armadilha, e jazia temerosa em um canto escuro de um
armazém malcheiroso, obrigada a suportar aos avanços daquele cavalheiro descarado.
— Será minha de qualquer forma, querida — disse o homem — Não há modo melhor de
machucar a Winslow do que lhe retirando o brinquedo favorito. Ele jamais a verá novamente,
posso lhe assegurar.
Arabella estremeceu com a perspectiva assustadora de jamais voltar a ver o conde e sua
família outra vez. Optaria pela morte ao ter de se entregar a aquele homem desvairado. Remexeu
os braços finos e torceu os pulsos sob as correntes, fora o bastante para soltar uma das mãos e em
seguida a outra. Se quisesse fugir, teria de ser ligeira o bastante para chegar à porta e gritar por
ajuda, por sorte, sempre ouvira o conselho da cunhada de carregar sua lâmina especial consigo.
Rapidamente, puxou a faca de suas botas e a ergueu em direção ao pescoço do homem, deu-
lhe um belo chute nas partes baixas e o observou cair. Odiava a ideia de perder a vida que
alcançara pelo simples capricho de uma vingança sem sentido, a dissimulação de um homem de
orgulho ferido não poderia ser a razão de sua ruína, logo agora que estava começando a descobrir
seus sentimentos. Se negava a ceder, dentro de seu peito preferia ir em direção a morte a perder a
chance de reencontrar sua família. A simples ideia de ser tocada por aquele homem a deixava
inquieta, como poderia suportar aquelas mãos estranhas sobre o seu corpo?
— Jamais. — Assegurou ela.
Em seguida, pôs-se a correr como nunca em direção à única saída que pode ver durante os
minutos presa naquele galpão. Segurou a saia contra o corpo e empurrou a pesada porta de
madeira, bem quando alcançara o lado de fora, sentiu o intenso puxão em seus cabelos fazê-la
recuar. Gritou de dor e caiu ao chão, Harvey a arrastou de volta para o interior do armazém sem
pressa, fazendo com que a garota se rebatesse fortemente em aversão ao seu toque.
— Sou um combatente, querida. Deveria ter aprendido a lição, não há chances contra o
treinamento militar. Aprecio seu esforço, mas não posso deixá-la ir.
Com raiva, Arabella cravou a faca no pé do homem sem receio. Infelizmente, o ato não
obteve a reação que a garota esperava, inabalável, Blythe retirou a lâmina como se tratasse de um
graveto e a jogou à distância. Puxou a garota do chão bruscamente e encostou seu rosto contra o
pescoço desnudo dela, sua respiração quente a deixando perturbada, a súbita proximidade era
alarmante.
— Se tentar fugir novamente, não hesitarei em a atirar ao mar. — Blythe sussurrou como se
apreciasse cada palavra unicamente — Não há escapatória, espero que goste da vida sobre uma
embarcação, pois de agora em diante és toda minha. Só minha.
Arabella sentiu um arrepio descer pela espinha, queria chorar e gritar, mas não daria esse
espetáculo ao homem. Precisava ser forte, não daria o braço a torcer a aquele desgraçado.
— Terá de me obrigar, milorde. Nunca me entregarei a alguém tão descarado, não sou tão
frágil quanto posso parecer.
— Esperava que fosse mais colaborativa como foi Vivienne — O lorde gargalhou — Não me
importo se tiver de tê-la para mim à força.
Harvey correu as mãos pelo corpo da garota, fazendo-a retrair-se ainda mais desprezando o
toque. Arabella tentou afastá-lo, mas o homem estreitou a distância entre eles com seus braços
fortes, deixando a moça completamente sem saída. A simples menção a Vivienne a deixou
enjoada, como poderia falar dela sem nenhum respeito por sua memória? A pobre mulher o
amou de verdade, morrera sem nunca saber realmente quem Harvey Blythe era, morrera ao dar à
luz a um filho daquele patife sem coração.
Imaginou por um instante tudo que teria acontecido a falecida condessa, se entregara a
paixão e traíra o marido por um homem ao qual não conhecia verdadeiramente. Por sorte ou pela
tragédia de seu destino, jamais chegou a conhecer. Não desejava alcançar um destino tão trágico
quanto o de Vivienne, mas naquele momento não viu saída para sua situação angustiante. Era
refém de um homem desonesto e ludibriado por suas próprias mentiras.
— O desprezarei até o dia de minha morte — Arabella cuspiu as palavras como se fossem
vespas furiosas — Jamais o perdoarei. Prefiro morrer a me entregar a vossos desejos.
— Cuidado com o que diz, querida. Talvez eu esteja inclinado a realizar sua vontade. —
Declarou a arrastando para fora do galpão sem afrouxar-lhe o aperto. — Nosso barco está pronto
para partir, dê adeus a Londres, não voltará a esta terra nunca mais.
Arrebatou então a garota com força em direção ao norte do píer, segurando-a com firmeza
enquanto a arrastava pelas docas. Próximo a London Bridge, o porto do rio Tâmisa estava
sempre congestionado por veleiros grandioso e navios menores, trazendo mercadorias e
especiarias direto do sul da Ásia, a movimentação constante não chamaria a atenção das
autoridades nem de ninguém, o código das águas era cuidar de seus próprios negócios.
Os veleiros de transporte de carga ancorados no porto mascaravam o barco menor que jazia
ancorado em uma das extremidades das docas, logo Arabella entendera as intenções de Harvey e
se desesperou. Se entrasse naquela embarcação, ninguém jamais poderia encontrá-la novamente,
estaria fadada aos caprichos de lorde Blythe pelo resto de sua vida. Jamais voltaria a ver o
homem pelo qual se descobrira apaixonada, jamais sentiria seus beijos doces ou seu toque
cauteloso, jamais saberia de verdade o que o conde sentia por ela.
— Arabella!
Ouviu alguém gritar do além terra. Ergueu seu rosto cansado sobre o ombro do lorde e pode
ver Robert surgir depressa em seu cavalo, junto a ele carregava a polícia em seu encalço.
Remexeu-se nos braços de lorde Blythe e tentou escapar sem sucesso, o homem sequer se deu ao
trabalho de olhar para trás, se aproximando cada vez mais do píer resfolegante. Ele praguejou e
soltou a corda que prendia o barco na madeira do cais, olhou de relance para os homens que se
aproximavam e puxou a garota contra o seu corpo, prendendo o pescoço de Arabella contra seu
braço.
Sem ar, a garota tossiu. Enforcava a moça lentamente com o aperto, o rosto branco da moça
tornou-se vermelho como uma rosa carmim, aflita por sua situação, sequer conseguia lutar ou
sentir-se animada pela presença de seu marido na cena. Temia que o homem a usasse como
moeda de troca por sua liberdade, liberdade a qual sequer merecia. Se um dia foi um homem
justo, agora estava imerso em seus crimes e merecia ser punido. Parecia tomado pela completa
loucura naquele instante, sabia que seu destino seria o pior caso fosse pego, e faria de tudo para
escapar impune e proferir o máximo de dor ao conde que pudesse. Seu olhar colérico expressava
sua insanidade, havia perdido o rumo de sua própria vida e somente sairia de tal enrascada
machucando a todos.
— Não se aproximem ou a atirarei no rio sem pena. — Proferiu as palavras confiante —
Posso ser preso, mas jamais verá sua dedicada condessa viva outra vez, meu amigo.
— Não sou seu amigo mais, Harvey. — Winslow assegurou olhando para o homem com
ódio — Se ousar machucar Arabella, tenha certeza de que farei de tudo para levá-lo à forca e me
esquecerei de nossa amizade.
Harvey não pode deixar de sorrir. Parecia possesso por sua raiva sem explicação.
— Se a quer viva, irá se afastar como deve e permitir que alcance meu barco. Esta é a única
chance de saber que sua jovem esposa saíra ilesa desta situação. — Blythe explanou apertando
fortemente a moça a ponto de fazê-la perder o ar — Ao contrário, será condicionado a tragédia
mais uma vez, meu caro. Tirarei o que mais estima nesse mundo de uma forma ou outra.
Robert deu um passo à frente cauteloso, olhou para a garota que já parecia sem fôlego,
engoliu seco e estendeu as mãos espalmadas no ar.
— Me recuso a acreditar que machucaria Arabella apenas para me ferir. — Disse o conde.
— Pensando bem, me parece uma boa oportunidade afinal de contas. — Disse Blythe
atirando a garota ao rio e saltando em direção ao barco.
Arabella gritou, atingiu a água de imediato e afundou se rebatendo. Em desespero, Robert
saltou pelo cais e pulou no rio, nadando ao fundo em direção a moça que perdia completamente a
força. Pouco se importara com o que aconteceria a lorde Blythe, ao se deparar com a dura
perspectiva de que não teria Arabella ao seu lado, sentiu seu coração congelar no peito. Não
suportaria perdê-la, não suportaria a sua existência sem ela.
Seus sentimentos eram muito mais do que apenas simples estima.
Agarrou a mão da moça e a puxou contra seu corpo, ergueu-a até a superfície e com a ajuda
da polícia, subiu até o deck com dificuldade. Arabella estava desfalecida, seu rosto sem vida
parecia subitamente muito pálido, a desesperança afligiu o seu peito o deixando em total
desalento. Apertou a garota contra o seu corpo e gritou aflito, não poderia suportar perdê-la
daquela maneira. Bateu contra o rosto da moça em desespero, os olhos azuis muito claros de
Arabella se abriram devagar, seus cílios cobertos por gotículas de água piscaram confusos.
Aliviado, Robert a abraçou alheio ao frio que suas roupas molhadas o proporcionava.
— Robert… — Ela balbuciou vulnerável.
— Pensei que fosse perdê-la, Arabella. Pensei que nunca mais voltaria a vê-la — O conde
sacudiu a cabeça desolado — Não suportaria viver sem você, garota estúpida.
— Tampouco a mim. — Ela sorriu — Temo que me acostumei ao seu jeito grosseiro de
demonstrar que se importa.
Robert ergueu seu olhar apenas para ver a polícia capturar o antigo amigo, com o olhar no
chão, levaram lorde Blythe sob custódia. O lorde seria levado à justiça onde pagaria por seus
crimes, Robert gostaria de esquecer tudo aquilo, gostaria de deixar para trás toda a dor mas
precisava fazer com que Blythe pagasse pelo que fez a esposa. Sentiu-se seguro ao ver o homem
ser levado, desejava que tudo tivesse sido completamente diferente, mas não havia escapatória
para um transgressor. Desejou nunca mais ver o homem novamente em toda a sua vida, já havia
lhe causado problemas o suficiente. Voltou seu olhar cinzento em direção a moça e sorriu em
alento.
— Talvez a paixão tenha consumido minha última gota de sanidade — disse para a garota
acariciando suavemente seu rosto lívido — Estou apaixonado por você, não quero perdê-la.
E então a beijou com ternura, sentindo seu coração bater forte contra o peito. Arabella
balançou a cabeça levemente e o olhou emotiva, não espera ouvir tais palavras daquela forma, na
verdade, nunca esperou que o conde fosse lhe corresponder o mesmo sentimento. Tocou o rosto
do homem com a ponta dos dedos e o observou minuciosamente, lágrimas de alegria escorreram
pelo seu rosto melancólico.
— Não irei a lugar algum. — Sorriu brevemente e então o beijou com mais uma vez não
deixando que se afastasse.
Arabella acaricia a bochecha rosada da criança com a ponta do dedo, a menina remexe em
seus braços e solta um grunhido infantil. As sobrancelhas loiras do bebê mal podem ser vistas, a
menina pisca os olhinhos e observa a tia com curiosidade. Arabella não pode deixar de sorrir, a
sobrinha era de fato a criança mais adorável que já tivera o prazer de segurar. Sequer chorava,
apenas olhava ao redor interessada em qualquer objeto e curvava os lábios como se estivesse
sorrindo.
— Serei sua tia favorita para sempre. — Disse beijando o topo da cabeça da recém-nascida.
Olivia olhou para a cunhada admirada, as noites de sono sem dormir em razão do bebê a
deixaram como uma morta-viva, amava os filhos, mas não poderia dizer que era fácil. A
marquesa se levantou cansada, ajeitou o vestido e acariciou o ombro da cunhada, certamente
Arabella tinha jeito com crianças, jamais vira a filha tão à vontade desde o seu nascimento.
— Gostaria de ter dado um jeito no tal lorde por você — Falou Olivia decidia — Não teria
sobrado sequer um dedo para contar a história.
— Não sei bem se a polícia londrina apreciaria tal ideia.
— Pouco me importa, estremeço sempre que a imagino presa a aquele homem. Talvez
precise aprender um pouco mais a usar a faca que lhe presenteei.
Mark olhou para a mãe curioso e ergueu os bracinhos, Olivia o agarrou em seus braços e
ergueu o filho do chão cuidadosamente, enquanto o pequenino brincava com uma mecha de seu
cabelo, a marquesa rodopiou pelo salão. A criança sorriu deitou o rostinho contra o ombro da
mãe, o primogênito do marquês abraçou Olivia e colocou o polegar na boca.
— Nada de facas, Olivia. Agora tenho meu conde para proteger-me de todos.
A marquesa não pode conter uma gargalhada.
— Vejo que o amor já tomou vosso peito completamente — Suspirou Olivia — Confesso
que torci desde o princípio para que se apaixonassem, mas tive medo de que a visse presa em um
casamento infeliz. Não suportaria a ideia de vê-la desperdiçar sua vida ao lado de um homem ao
qual não amasse. Eu teria falhado completamente em minha missão.
Arabella ergueu as sobrancelhas sem acreditar.
— Assim como falhara em me contar de onde vem os bebês?
— Bem, espero que tenha felizmente descoberto sozinha. — Olivia engasgou — Assim
poderá encher a casa de crianças o quanto antes.
— Estou trabalhando nisso. — Ela sorriu.
E estava mesmo, mal via hora de ser mãe. Segurar a pequena sobrinha em seus braços apenas
despertara o instinto maternal que havia em seu peito, não sabia bem se este era o desejo do
conde, mas ansiava pela oportunidade de terem essa conversa.
— Senhoras. — Falou Holly adentrando no salão principal da mansão com o seu sorriso
genuíno — Vossos maridos as esperam na biblioteca.
Arabella e Olivia se entreolharam por um segundo e voltaram o olhar maldoso em direção a
dama de companhia.
— És a única solteira entre nós agora, Holly — disse Arabella cruzando o recinto em direção
aos corredores — Talvez seja sua oportunidade de conseguir um marido.
A mulher contraiu o cenho e engoliu seco. Essa não era uma ideia adequada ao seu estilo de
vida, um casamento não poderia salvá-la da vergonha de ser uma dama desonrada. Afinal de
contas, quem seria tolo o bastante para desperdiçar o seu tempo com uma reles criada? Não
poderia imaginar tal absurdo.
— Estou perfeitamente bem sem um marido, condessa. — Alegou Holly cruzando seus
braços contra o corpo.
Olivia sorriu e acompanhou a cunhada em direção a biblioteca, as damas atravessaram a
mansão em uma discussão acalorada sobre conseguir um marido para Holly Bromley, o que
deixara a dama de companhia desconcertada, não era como se pudesse simplesmente explicar
seus deslizes juvenis para as nobres senhoras.
Ao chegarem à biblioteca, Robert e Jack partilhavam de um momento a sós em uma
fervorosa conversa enquanto se serviam de uma boa taça de vinho. Diferenças postas de lado,
agora precisavam aprender a conviver juntos em razão do parentesco, decerto, Winslow jamais
esperara se tornar cunhado do marquês. Certamente sua vida virara de cabeça para baixo nos
últimos tempos, graças a presença de Arabella, sua rotina havia mudado severamente. Jamais
imaginara que poderia estar sorrindo outra vez, tomando vinho na presença de sua nova família.
Ergueu seu olhar na direção da esposa que adentrou no cômodo segurando o bebê de Olivia,
não pode deixar de sorrir ainda mais abertamente com a imagem. A jovem de cabelos loiros se
assemelhava a um sonho juvenil, a doçura de seu olhar de garota era o bastante para cativar o
coração do conde com aquele sentimento febril.
— Seria uma mãe deslumbrante, querida. — O conde comentou se levantando abruptamente
para se aproximar da esposa.
— Tão linda quanto minha adorável esposa — Jack falou.
Mark desceu dos braços da mãe e correu em direção ao pai completamente animado,
abraçando as pernas do marquês com sua doçura infantil.
— Oh, parem já com isso — Olivia alertou aos cavalheiros — Não queremos pressioná-la,
sim?
— Me desculpe, não foi minha intenção. — O conde meneou a cabeça envergonhado e
beijou o topo da cabeça da jovem esposa com carinho — Apenas quis ressaltar que teríamos
lindas crianças de cabeça amarela.
Arabella sorriu ultrajada e o encarou fixamente.
— Então é melhor que se prepare, milorde. Seu primeiro filho está a caminho.
Obrigada por chegar até aqui! Agradeço profundamente pelo seu tempo lendo esta história, uma
autora não é ninguém sem leitores, sou muito grata por cada segundo seu.
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obrigada por ser o melhor leitor(a) do mundo!
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