Você está na página 1de 256

O Amante de Jade

Série Joias da Nobreza 05

Catherine Brook
Sinopse
Primeiro se negou à proposta escandalosa dele…
Mas pouco depois aceitou converter-se em sua amante
por dinheiro.

Jade Kinsgley sabe que não é, nem será jamais a esposa


que alguém possa desejar. Não é nenhuma beleza. Prefere os
livros a socializar e, ah, sim!, tem uma raposa de mascote. Por
isso, quando uma situação a induz a procurar dinheiro, em vez
de começar a busca de um marido, como deveria ser
considerando entre os de sua classe, começa a procurar um
amante. E que melhor amante que aquele homem que já o
tinha proposto em uma ocasião?

James não podia acreditar que tivesse que abandonar


Londres para evitar passar pelo altar, e só porque sua cunhada
não podia ver alguém solteiro sem querer casá-lo. Tampouco
podia acreditar que tivesse feito uma proposta indecente à filha
de um barão sem dar-se conta de quem era. Mas nada do
anterior era tão tremendo como foi a incredulidade de receber a
aceitação a essa proposta por parte da mesma mulher que o
tinha rejeitado em seu momento.
Ser um cavalheiro nunca foi uma tarefa tão difícil até que
Jade decidiu que James seria seu amante. Mas ele não tinha
nenhuma intenção de ceder a isso, embora o desejo dentro dele
se retorcesse cada vez que a olhava e não a pudesse tirar da
cabeça.
Capítulo 1
Inglaterra, 1820

Lorde James Armit caminhou com tranquilidade pelas


ruas do povoado. Seus ardilosos olhos azuis procuravam algo
que o pudesse entreter e o tirasse da letargia de aborrecimento
ao qual se submeteu voluntariamente fazia já uns meses.
Estando como estava Londres, em plena temporada social,
era quase imperdoável que um libertino como ele estivesse ali,
no campo, procurando algo para matar o tempo. Entretanto,
tinha sido uma medida extrema tomada se não quisesse
terminar aquele ano passando no altar; pois sua cunhada,
Rowena Armit, era uma casamenteira em toda regra. Devia ser
a maior casamenteira de Londres, e tinha a firme convicção de
que todo mundo era mais feliz casado; por isso, como ele
acabava de cumprir os vinte e nove anos, já era apto para
procurar uma esposa que não queria.
A solteirice era o bem mais prezado de todos os homens e
ele não estava disposto a deixá-la ir tão jovem. Era filho mais
novo e não tinha responsabilidades a seu cargo, por isso a
obrigação de engendrar herdeiros não seria necessária, a
menos que seu irmão, o duque de Richmond, seguisse como
até agora, sem descendência.
Ele não queria ser duque, isso era muito atarefado e
requeria um alto nível de responsabilidade. Não se podia dizer
que era irresponsável, mas tampouco tinha sido preparado
para semelhante cargo, por isso rogava ao Ser Divino para um
dia destes, a notícia de que se esperava um herdeiro ao ducado
chegasse aos seus ouvidos, não só por ele, mas sim por seu
irmão e por sua cunhada. James estava e estaria feliz sendo o
que era até agora, um investidor com dinheiro suficiente para
manter-se e levar uma vida esplendorosa. Seus negócios, que
por certo tinha deixado abandonados para fugir ao campo, não
lhe exigiam tanta responsabilidade como um ducado e podia
seguir com sua vida animada sem nenhum problema.
Qualquer um diria que fugir ao campo era uma medida
um tanto drástica; depois de tudo, era um homem adulto que
podia tomar suas próprias decisões, mas quem afirmasse isso
não tinha uma cunhada como ele tinha. Rowena Armit era a
personificação da persistência e não iria descansar até vê-lo
casado, como tinha feito com todas as suas pupilas, as Loughy.
No fundo, sentia certo pesar por deixar Esmeralda Loughy, a
quem queria como uma irmã, sozinha nas garras de sua
cunhada, mas tudo fora pela sobrevivência de sua solteirice.
Não obstante, dita sobrevivência lhe estava causando um
aborrecimento crônico, ameaçando-o fraquejar em sua feroz
determinação. Quando tinha fugido, tinha-o feito com toda a
intenção de passar ali toda a temporada, mas agora, em pleno
mês de abril, não estava tão seguro de obtê-lo. A tranquilidade
da propriedade ancestral não era nada comparado com o
bulício de Londres e, estando como estava, cheio de
entretenimento e festas nesta época do ano, sentia-se
desconjurado.
Não é que não apreciasse o campo, de fato, foi para lá não
só para escapar, mas sim para ter uma tranquilidade que lhe
ajudasse a pensar em outras estratégias para escapar de sua
cunhada e que não significassem sua ida de Londres a cada
temporada, pois estava claro que, se fizesse isso sempre, seu
próximo destino terminaria sendo Bedlam. Ele era um homem
ativo, alegre, social; estar encerrado ali sem ninguém
interessante com quem falar nem nada a fazer só podia
significar a perda de sua saúde mental e tampouco era o caso.
A caça, a prática de tiro, montar a cavalo deixaram de ser de
seu interesse fazia dias e agora necessitava de algo mais, algo
que esperava encontrar naquele povoado.
Era mundialmente conhecido não haver melhor remédio
para o aborrecimento que uma boa brincadeira com uma
pessoa agradável de vista, pois não só o entreteria como o
deixaria com um bom humor que necessitaria se quisesse
seguir ali até encontrar uma solução ao seu problema. O sexo
era desde os tempos antigos o melhor remédio para quase
todos os males e ele estava disposto a procurar alguém que
pudesse proporcionar-lhe. Naquele pequeno povoado deveria
haver alguma jovem viúva necessitada de atenção, ou
possivelmente alguma criada ou acompanhante disposta a
prestar seus serviços por um momento efêmero de prazer.
James não era arrogante nem dado a elogiar a si mesmo,
mas sabia o efeito que causava nas mulheres e o que estas
estariam dispostas a fazer para meter-se em sua cama. Sabia,
sem temor a equivocar-se, que fosse quem fosse a escolhida,
não precisaria suplicar, e isso era possivelmente o melhor de
tudo, pois economizaria tempo e teria seus momentos de prazer
o mais rápido possível.
Passou seus olhos pelo povoado fixando-se em toda e cada
uma das mulheres que encontrava. Não saberia diferenciar
uma casada de uma solteira ou viúva, mas esse não era um
inconveniente que não pudesse resolver com uma simples
conversação antes do flerte.
Seguiu observando, mas não pôde fazer mais do que
suspirar ante a terrível decepção que começava a embargá-lo.
Não se podia dizer que as mulheres do povoado fossem feias,
mas nenhuma parecia chamar sua atenção. Havia algumas
criadas bonitas que deviam trabalhar em casas vizinhas, mas
nenhuma despertava algum desejo. Não havia ninguém… seus
olhos se detiveram de repente em uma formosa cabeleira negra
recolhida em um singelo coque com poucas forquilhas.
A portadora de tão brilhante cabelo era uma mulher de
figura esbelta e bem proporcionada, vestida com roupa um
pouco velha e desgastada, típica de uma criada. Estava de
costas falando com o ferreiro na porta da ferraria e James não
pôde distinguir bem seu rosto. Curioso, aproximou-se um
pouco até poder vê-la melhor. Ficou surpreso, mas não sabia
bem por que.
A mulher em si não tinha nada fora do comum. Era
bonita, mas acabava de ver outras mais formosas. Seus traços
não mostravam nada extraordinário, e não podia definir a cor
de seus olhos, entretanto, seguia olhando-os como se estivesse
enfeitiçado. Não sabia se desprendia alguma classe de aura que
captava seu interesse, ou talvez fosse o corpo voluptuoso que
escondia atrás daquelas roupagens austeras, mas não podia
apartar o olhar, como se uma força desconhecida o obrigasse a
permanecer ali. Ela se moveu um pouco e pôde ver como
franzia o cenho, para logo pôr uma cara de indiscutível súplica
ao ferreiro que, depois de uns segundos, assentiu. Ela sorriu e
James pareceu não poder se mover do lugar.
Podiam dizer que exagerava, mas estava seguro que aquele
era o sorriso mais formoso já tinha visto em sua vida.
Acostumado como estava a sorrisos falsos e ensaiados, aquele
sorriso de natural alegria, ou triunfo naquele caso, deixou-o
completamente desarmado. Decidido, começou a aproximar-se;
sua busca tinha terminado.
Jade conteve com muita dificuldade o impulso de abraçar
o amável ferreiro e agradecer por sua boa disposição.
Agora que sua situação estava em estado crítico, eram
poucas as pessoas que se atreviam a lhe prestar um favor sem
solicitar nada em troca, e ela não os culpava. O pão de cada dia
das pessoas do povoado era o trabalho, e ninguém podia se dar
ao luxo de brindá-lo sem nenhuma retribuição, embora fosse a
filha de um barão quem o pedisse; entretanto, Jade nesse
momento não se encontrava em posição de pagar a ninguém,
nem sequer ao ferreiro por umas simples ferraduras que os
cavalos necessitavam.
Durante os últimos meses sua situação parecia ir de mal a
pior, e seu pai, castigado com a má sorte, não dava um passo
adiante. Na verdade, fazia mais ou menos cinco anos que sua
situação começou a decair, até o ponto de só poder ter uma
temporada decente em Londres, mas agora estava nesse
momento em que a coisa era insuperável. Por mais que
buscasse, não havia forma de que os credores de seu pai em
Londres não viessem a lhe exigir seu pagamento e, como não o
teriam, levá-lo-iam à Marshalsea, e sua mãe e ela ficariam
desamparadas.
Seu pai não era um mau homem, nem tampouco um mau
pai, mas o pobre não tinha o dom para os negócios e sempre
quis viver melhor do que o imóvel do baronato o permitia. Os
aristocratas acostumados a ter aversão ao trabalho,
conformavam-se com o que as propriedades ligadas aos títulos
dessem; não obstante, seu pai queria mais e aí foi onde
iniciaram suas desgraças.
Quando sua falecida irmã, Susan, foi apresentada há
cinco anos em sociedade, seu pai, ansioso para que sua filha
predileta não tivesse nada que invejar às demais damas, tinha
decidido recorrer aos investimentos para conseguir mais
capital, entretanto, o resultado tinha sido contrário ao
imaginado. O investimento resultou em perda e seu pai então
decidiu seguir provando a sorte para recuperar o capital
perdido, embora Susan, de coração tão nobre, insistia-lhe não
ser necessário. Sua irmã nunca tinha sido vaidosa nem
precisava de vestidos extravagantes e caros para ser feliz, além
de ser tão formosa, ela também era boa e bondosa, inspirava
tal aura de alegria que em sua primeira temporada conseguiu
comprometer-se com o agora barão de Clifton. Por alguma
dessas más jogadas do destino, a tísica a levou pouco antes de
seu matrimônio e trouxe consigo mais desgraças que as
acumuladas.
Tendo tido que guardar luto por todo um ano, teve sua
apresentação em sociedade aos dezenove anos e Jade de
verdade se esforçou para conseguir um bom marido; nunca
tinha acreditado em ideais amorosos e sabia que sua família
dependia exclusivamente dela. Não obstante, seu rosto nunca
poderia ter rivalizado com o de sua irmã, e os pretendentes
jamais chegaram, sobretudo se se considerasse seu mísero dote
de mil libras. Foi um total e terminante fracasso e depois as
coisas ficaram muito mal para pagar outra temporada. De fato,
se tinha sobrevivido todos aqueles anos, era em parte pela
generosidade do antigo prometido de sua irmã, que por algum
motivo se viu na obrigação de ajudá-los durante todo aquele
tempo, e o seguiria fazendo se não fosse porque ela,
acreditando que já abusavam muito da generosidade do barão,
armou um ardil para este acreditar que tudo estava bem, e
para seu pai pensar, à sua vez, que não os podia seguir
ajudando. Sabia ter sido um ato egoísta de sua parte se se
considerasse sua situação, mas a verdade é que não se
arrependia; Anthony Price, Barão de Clifton, não tinha por que
pagar os pratos quebrados de seu pai.
Suspirando, virou-se e começou o caminho de volta à
casa. Qualquer um que a visse podia dar por feito que a família
tinha caído o mais baixo que podia. Sua roupa tinha passado
de moda fazia séculos e agora estava desgastada; fazendo-a
parecer mais uma criada que uma dama. Na casa não havia
mais criados que os necessários e tinham vendido tudo de valor
que tinham. Estavam na ruína total e não havia nada que os
pudesse tirar dali… bem, Anthony os podia tirar dali, mas
antes morta que perder seu orgulho e pedir novamente ajuda
ao homem. Sabia que a ajudaria de forma desinteressada pois,
apesar de todas as barbáries ditas sobre dele, era boa pessoa.
Entretanto, já tinha feito o bastante e Jade não podia lhe pedir
mais. O melhor seria pensar em uma maneira para manter a
sua mãe, quando seu pai terminasse no cárcere.
Tão concentrada estava em seus problemas, quase tropeça
com o homem loiro que se interpôs no caminho. Freando seus
pés, Jade elevou a cabeça para murmurar uma desculpa e
quase ficou estática de surpresa.
O homem a sua frente devia ser o espécime mais bonito já
visto. Tinha o típico cabelo loiro de um inglês e os olhos da
mesma cor azul que todos, mas havia algo que o fazia diferente.
Podia ser a beleza de seus traços, a solidez de seu corpo ou
talvez aquele sorriso encantador que lhe dirigiu; não sabia, mas
Jade se via incapaz de mover-se.
Ele ampliou seu sorriso como se soubesse do efeito
provocado e ela se viu obrigada a reagir.
― Desculpe. Estava distraída ― disse-lhe e tentou passar
ao lado, mas ele lhe bloqueou o caminho.
― Não se preocupe, de fato vinha procurando-a.
― A mim?
Jade olhou ao homem com suspeita e se deu conta de que
em realidade não o tinha visto nunca. O homem tinha toda a
pinta de um aristocrata, mas isso era impossível pois as
pessoas importantes que viviam perto estavam em Londres
desfrutando da temporada.
― Sim, a você. ― Ele voltou a sorrir e Jade deu
instintivamente um passo para trás. ― Pode me dizer seu
nome?
― Eu… ― ela nunca tinha sido boa relacionando-se, muito
menos falando com gente estranha. ― Sou a senhorita
Kingsley.
Era sua impressão ou parecia agradado quando
mencionou ser uma senhorita? Deveria sair correndo? Talvez
devesse ter levado Harry consigo. «Não seja exagerada, Jade»,
repreendeu-se. Estavam parados no meio do povoado, ele não
podia lhe fazer nada, certo?
― Um prazer conhecê-la, senhorita Kingsley. Eu sou…
James, James Armit.
Armit? Armit…? Onde tinha escutado aquele sobrenome?
― Um prazer, senhor Armit. ― Jade tentou lhe rodear, mas
ele voltou a bloqueá-la.
Sim, devia ter levado Harry consigo, sua fiel mascote teria
conseguido espantar o desconhecido, assim como
possivelmente teria espantado meio povoado.
― Tem pressa? – Perguntou. ― Para onde vai?
Possivelmente possa acompanhá-la.
― Não. ― Jade respondeu imediatamente e deu um passo
para trás. Por que tinha a impressão que estava em problemas?
James franziu o cenho e olhou à jovem que parecia querer
sair correndo. Essa não era a resposta acostumado a receber
quando se aproximava de uma mulher. Com regularidade
estavam acostumadas a lhe corresponder o sorriso e lhe
paquerar sem pudor… será que os anos o haviam tornado
muito arrogante?
― Por que não? ― Perguntou aproximando-se um pouco e
Jade considerou a possibilidade de estar tratando com um
louco. Seria?
― Porque não o conheço ― respondeu como se fosse óbvio.
― Agora… me deixará em paz?
Ele voltou a franzir o cenho como se sua reação o
desconcertasse. Talvez sim, ele fosse louco. Oh, Deus! E agora?
O que fazia?
― Bem, precisamente por isso ― respondeu recuperando
seu bom humor. ― Podemos nos conhecer melhor. Por isso me
aproximei de você.
Jade ficou estática e olhou a ambos os lados como se
procurasse alguém; ao James parecia que ela acreditava não se
referir a ela.
― Para me conhecer? ― Seu tom de incredulidade o
desconcertou.
― Sim… você me chamou a atenção, e me perguntei se
não quereria… passear um momento, talvez.
Jade se encontrou pensando no tempo que demoraria
para irem em sua ajuda se gritasse. O homem era um
cavalheiro, falava como um cavalheiro e se vestia como um
cavalheiro, mas não parecia estar em seus cinco sentidos.
Nenhum homem se aproximava dela para conhecê-la melhor,
pois todos ali a conheciam, e os forasteiros não estavam
acostumados a lhe prestar atenção, já que não era o tipo de
mulher que chamava o interesse para algo sério e, depois da
má experiência há anos, deixava-o bastante claro, além de
muitos motivos para desconfiar da pessoa que tinha em frente.
― Possivelmente possa acompanhá-la para onde vai.
Retorna ao seu trabalho ou vai à sua casa?
Jade, que tinha começado a dar uns passos para trás,
deteve-se em seco ao ouvir a palavra «trabalho».
― Trabalho?
Ele pareceu confuso com sua reação, de fato, parecia que
falavam duas línguas distintas, ou ao menos não falavam do
mesmo.
― Sim… onde trabalha? Ou só ajuda em sua casa?
Sim, definitivamente não estavam falando do mesmo tema.
― Temo senhor, que esteja me confundido. Eu não
trabalho em nenhum lugar…
― Esplêndido. Assim será tudo mais fácil.
― Mais fácil?
Deus, devia parecer uma retardada, mas é que de verdade
não conseguia seguir a conversação.
― Pois sim, será mais singelo nos ver se não trabalhar em
nenhum lugar.
― Ver-nos? Por que teria que querer voltar a vê-lo? ― Era
um homem bonito e tudo, mas não o conhecia.
Ao ver sua reação desconcertada James percebeu que
tinha estado dando rodeios e não tinha falado claramente com
ela. Devia supor que nem todos podiam ler as entrelinhas.
― Desculpo-me, acredito que não fui de tudo claro.
― Não, não foi.
― Veja, vim passar uma temporada aqui e temo que esteja
um pouco aborrecido. Perguntava-me se você quereria… me
ajudar com isso. ― Isso devia bastar para lhe entender, não?
Por sua cara se deu conta de que não. Suspirou. ― Estou-lhe
propondo uma aventura. Sei que não nos conhecemos, mas lhe
asseguro que não se arrependerá ― disse e sorriu
sedutoramente.
Ela podia ter se perdido na beleza daquele sorriso se seu
cérebro, não tão ingênuo como anos atrás, não tivesse
compreendido a que se referia. Uma aventura? Acaso esse
homem acabava de lhe fazer uma proposta indecorosa? Mas
quem se acreditava? Ela era uma dama! Tão rápido correriam
os rumores sobre sua situação que os cavalheiros já a
acreditava uma mulher perdida? Que se acreditavam com o
direito de lhe fazer propostas indecorosas? Pois não! Podia ser
que em seus vinte e três anos não tivesse esperança alguma de
matrimônio, mas jamais se rebaixaria a semelhante situação.
― Como se atreve? – Ela disse sem poder conter o tom de
incredulidade e ofensa. ― Meu pai o desafiaria a um duelo por
muito menos. Retire-se do meio ou começo a gritar.
James, desconcertado, não se moveu e ela tomou como
uma amostra de teimosia.
― Saia do meio se não quiser que meu pai se inteire da
ofensa que me fez.
― Eu… lamento se a ofendi, mas não acreditei…
― Não acreditou que eu fosse rejeitá-lo? ― Ela culminou
mais zangada do que ofendida agora. ― Saiba que eu sou uma
dama, apesar de tudo, senhor. A filha do barão de Seaford
jamais se rebaixará a semelhante posição e pode dizer a quem
quer que lhe tenha feito chegar o rumor.
James poderia ter compreendido a que se referia com
«rumor» se seu cérebro não tivesse deixado de funcionar no
momento em que ela disse ser filha de um barão. Filha de um
barão! Em que confusão se colocou?
― Deus, senhorita Kingsley… eu não sabia… ― mas ela
não seguiu escutando, caminhou e o deixou no meio do
povoado, atordoado e com muitos olhares curiosos sobre ele.
«A filha de um barão», repetiu-se James enquanto
retornava à sua casa. Fez propostas indecorosas à filha de um
barão. Só esperava não receber logo os padrinhos do pai da
garota. Como pôde ter cometido semelhante engano? A mulher
podia se vestir e parecer de classe inferior, mas seu porte e sua
forma de falar deveriam lhe haver advertido que era uma dama.
«Pode ser que não tenha querido adverti-lo», reprovou sua
consciência lhe recordando a vontade que teve… ou, melhor
dizendo, ainda queria levá-la à cama, embora desconhecesse o
porquê. Como deduziu, não era excepcionalmente formosa,
mas tinha algo que lhe chamava a atenção, algo que melhor
seria não investigar se não quisesse terminar morto. Podia ser
um libertino, mas acima de tudo era um cavalheiro e jamais
desonraria uma dama nem se atreveria a lhe dizer aquele tipo
de coisas. Se soubesse…
Negando com a cabeça disse a si que já não tinha jeito. O
fato feito estava. Só podia rezar para que ela não dissesse nada
e não o metesse em um problema.
Quando chegou à casa rememorou a cena mais acalmado
e admitia causar um pouco de graça. Devia ter ficado como um
completo imbecil, mas o que lhe divertia era recordar a cara
ofendida dela. Havia algo de adorável na forma em que franzia
o cenho e nas faíscas de raiva brotando daqueles olhos que,
agora sabia, eram de um escuro verde. Não era linda, mas era
bonita e James se encontrou sem poder tirá-la da cabeça.
Sabia que não podia voltar a vê-la, mas não podia evitar
recordá-la. Encontrou-se desejando acariciar aquele cabelo
negro que parecia tão suave, e beijar com doçura aqueles lábios
vermelhos que se sobressaíam em sua pele branca… raios!
Devia esquecê-la e o faria. Amanhã procuraria outra que
pudesse encarregar-se do que queria e o desafortunado
encontro ficaria no esquecimento. A senhorita Kingsley ficaria
no esquecimento.
Capítulo 2
Jade nunca havia sentido tão indignada em sua vida. Em
seus vinte e três anos houve muitas ocasiões nas quais se
sentiu ofendida por algo, e algumas tinham seu peso, mas
nunca como agora, quando foi confundida com uma vulgar
fulana. Sim, confundida, pois agora entendia que o homem, em
realidade, desconhecia ser ela uma dama; e, embora admitisse
que em parte era sua culpa por seu vestuário e aparência, não
podia dispensá-lo por completo de responsabilidade.
Era verdade, tinha posto o pior vestido de seu armário,
que não só tinha passado de moda fazia anos, mas também
estava desgastado e remendado até não poder mais.
Entretanto, tampouco ia usar seu melhor vestido para ir ao
povoado. Além disso, em nenhum momento tinha feito ou dito
algo que pudesse dar a entender ao homem que estaria
encantada de ter uma «aventura» com ele, e que ele supusesse
aquilo a incomodava.
«Presunçoso», pensou enquanto entrava em sua casa, mas
tampouco podia culpá-lo completamente por aquilo. O homem
era bonito e, com segurança, eram muitas as que estariam
felizes de lhes prestar seus favores. Não se podia culpá-lo por
dar por suposto que ela também o faria, mas tampouco podia
perdoá-lo, por uma questão de orgulho.
Dentro de sua casa, observou com desagrado o interior.
À medida que sua situação ia voltando-se mais crítica,
tiveram que recorrer a vender tudo de valor que encontrassem,
por isso os quadros e os móveis tinham desaparecido. Tinha
deixado de usar velas de cera de abelha que desprendiam um
agradável aroma para utilizar outras mais econômicas e de
menor qualidade. Grande parte do pessoal tinha sido despedido
e só ficavam o mordomo, a cozinheira, a governanta, uma
criada e dois lacaios. Os arrendatários começaram a ir-se pelo
descuido em que tinham sua propriedade e assim os ganhos
seguiram minguando. Agora só se sustentavam com o pouco
dos que ainda trabalhavam no campo, mas não era suficiente
para manter uma casa daquela. Fora os consertos que tinha
que fazer na fachada e dentro, além de outros consertos mais.
Em resumo, o lugar mal era habitável. Jade sabia que deveria
fazer algo logo, mas não tinha a mínima ideia do que.
Caminhou pelo vestíbulo e subiu um curto lance de
escadas que davam ao segundo andar. Atravessou alguns
corredores e se dispunha a subir para sua habitação quando
uns soluços provenientes do salão de chá de sua mãe a
alertaram de que algo mau ocorria.
Suspirando, Jade rezou uma oração para ser algo que
tivesse solução e se encaminhou para o pequeno salão com um
terraço.
― Afaste-se de mim, criatura espantosa. ― Ouviu sua mãe
resmungando entre soluços quando entrou.
Harry, sentado aos pés de sua mãe, não se deixou
amedrontar pelo insulto, mas logo, ao percebeu sua presença
correu coxeando um pouco até que chegou ao seu lado.
A raposa vermelha, que não devia medir mais de um
metro, elevou a cabeça em sua direção e Jade tomou-a em suas
mãos. Aquele animal era sua mascote fazia mais ou menos seis
anos e se apresentou como seu apoio incondicional em muitas
ocasiões. Jade o tinha encontrado ferido em suas terras e o
tinha tomado ao seu cuidado até que se recuperou, entretanto,
Harry tinha ficado com uma ligeira claudicação devido ao
ferimento que algum desalmado caçador lhe propiciou e não
poderia defender-se como antes na intempérie, por isso ela não
se viu com a suficiente força para abandoná-lo à sua sorte.
Assim, contra sua mãe e seu pai, ficou com o animal que,
depois de tomar confiança, afeiçoou-se a ela e se tornaram
inseparáveis. Deus sabia que depois agradeceu sua decisão.
― Mãe, o que aconteceu?
Como resposta sua mãe soltou outro soluço, e Jade temeu
o pior.
Com Harry nos braços sentou-se ao lado de sua mãe na
poltrona e esperou pacientemente que esta falasse.
Apesar de passar os quarenta anos, sua mãe ainda
conservava a beleza de antigamente, que a caracterizou em
seus melhores tempos, e que depois sua irmã Susan herdara.
Seus cabelos estavam quase completamente tintos de branco,
mas ainda se podiam distinguir algumas mechas loiras que
tinham propiciado mais de um olhar. Os olhos verdes como os
de Jade, agora cobertos de lágrimas, ainda tinham aquele
brilho especial que chamava a atenção, e seu rosto, apesar de
estar sulcado por algumas rugas, produtos da idade, ainda
conservava as feições delicadas e despreocupadas de uma
dama a que não lhe havia tocado sofrer nada na vida, ao menos
não até agora.
― Vão levá-lo Jade, vão levá-lo. ― Sua mãe soluçou
tentando com desespero deter o fluxo de lágrimas com um
lenço que estava mais que empapado.
Jade não necessitou que lhe explicasse mais, sabia muito
bem a quem se referia. Levariam seu pai.
― Hoje... hoje vieram os credores de Londres. Disseram
que, se não lhes pagassem em uma semana o mandariam ao
cárcere. ― Outro soluço. ― Oh, Jade. Dez mil libras! Seu pai
deve dez mil libras no total! Como se supõe que conseguiremos
essa quantia em uma semana? É impossível!
Sim, exatamente, era impossível. Parecia que só um
milagre impediria de levarem seu pai ao cárcere, mas Jade não
se preocupava tanto com isso, quanto com a possibilidade do
que aconteceria a elas.
Que não se entenda mal, ela amava e se preocupava com
seu pai, mas também sabia que era um homem forte, e podia
suportar uma estadia em Marshalsea, sempre e quando
conseguissem lhe pagar uma praça de nobres; entretanto o
problema radicava em como conseguiria o dinheiro para a
praça e para manter sua mãe e ela no processo.
O barão de Seaford só tinha podido engendrar
descendência feminina e não havia ninguém que pudesse
encarregar-se das terras e do título, por isso era questão de
tempo para que a situação fosse de conhecimento Real e, como
ia até agora sua má sorte, não duvidava que o rei ordenasse a
sucessão do título ao familiar mais próximo ou a alguém mais
apto para levá-lo. Então sua mãe e ela ficariam desamparadas
e tremia só de imaginar o futuro que lhes esperaria; sua mãe
sabia e por isso não parava de chorar.
― Tranquilize-se, mãe, por favor. Encontraremos uma
solução.
Como resposta só obteve outro soluço.
― Pensei que talvez pudéssemos nos mudar para Londres.
Estou segura de que não me será difícil encontrar um trabalho
como professora…
― Trabalho?! ― Sua mãe parecia a ponto de desmaiar só
pela ideia de imaginar a situação. ― Minha filha trabalhando
como uma professora?! Isso nunca! Jamais cairemos tão baixo.
Jade suspirou. Essa era, em realidade, a única opção
factível que lhe ocorria, embora tampouco fosse a mais singela.
Ninguém contratava alguém sem referências, e ela não tinha
nenhuma.
― Mãe, por favor…
― Antes morta que ver minha filha trabalhando, ― Lady
Seaford resmungou se levantando ― o que deve fazer é se
casar, isso é o que tem que fazer.
«Como se fosse muito simples», Jade pensou tentando
encher-se de paciência. Tinha vinte e três anos, ou seja, tinha
ultrapassado com acréscimo a idade casadoura. Além disso,
não podia casar-se se não conseguia nenhum cavalheiro
medianamente aceitável e isso só podia fazê-lo em Londres,
pois ali os poucos que havia, sabiam como era; sabiam ser ela
uma mulher anódina, obcecada pelos livros, com poucos dons
de socialização e, além disso, tinha uma raposa como mascote.
Ninguém quereria como esposa uma mulher semelhante, e
duvidava que algum cavalheiro em Londres a quisesse, mas ao
menos lá podia enganar algum, ali já não. Além disso, ela não
queria se casar. Fazia pouco tempo havia descoberto que os
homens eram, em sua maioria, desprezíveis e hoje só lhe tinha
sido confirmada essa opinião. Sua solteirice era o melhor que
podia ter, poderia viver livre sem ninguém com o direito de
repreendê-la ou lhe proibir algo. Podia se perder por horas na
biblioteca de seu pai e esquecer do mundo com um livro e,
sobretudo, podia conservar Harry de mascote.
Sua mãe, em troca, não parecia compartilhar sua opinião.
― O que eu fiz? O que eu fiz para merecer isto? ―
Queixou-se e se levantou da poltrona para depois sair
soluçando do lugar.
― Ao que parece temos um problema, amigo ― disse ao
animal e a raposa elevou sua cabeça para lhe prestar toda sua
atenção. ― O que vai ser de nós se não me ocorrer nada?
Como se quisesse lhe dar consolo, o animal acariciou seu
estômago com sua cabeça e Jade acariciou sua pelagem. Quem
necessitava de um cão quando se podia ter uma amigável
raposa?
Harry se voltou para recostar tranquilo em seu regaço e
Jade ficou a pensar. Não tinha muito tempo, tinha que pensar
em algo e tinha que pensar em algo rápido. Às vezes era tão
frustrante ser mulher. Suas opções estavam limitadas e eram
poucos os trabalhos decentes que se podiam conseguir; isso
sem falar de quão degradante era uma dama da classe alta
trabalhar; era imperdoável e o mais baixo que alguém podia
cair. Sabia que, se chegasse a conseguir trabalho de professora
podia esquecer-se que ela e sua mãe fossem saudadas por
alguma senhora respeitável, pois, literalmente, deixariam de
existir para a alta sociedade.
Preocupada, Jade deixou Harry no chão e decidiu ir ver
como estava seu pai.
O escritório de seu progenitor se encontrava na planta
baixa e a porta estava aberta quando entrou, entretanto, o
interior estava escuro. As cortinas não tinham sido corridas e
não havia nenhuma só vela acesa. Não obstante, Jade não
precisou ver nada para saber que seu pai estava sentado atrás
de sua escrivaninha com uma garrafa de vinho do Porto na
mão.
― Falhei-lhes ― o homem disse com voz pastosa como se
tivesse sido advertido de sua presença. Ainda não estava
completamente bêbado, mas ia por esse caminho. ― Não pude
lhes dar o que mereciam, falhei-lhes e agora tudo terminará
mal.
Jade suspirou e tentou armar-se de paciência. Desde
quando as coisas se voltaram graves, faziam mais ou menos
seis meses, seu pai tinha encontrado certo refúgio para suas
dores no álcool. Se permanecesse uma semana sem beber
podia-se dizer que era uma façanha. O álcool era o meio pelo
qual o barão podia esquecer-se que estavam em uma situação
crítica, a ponto de perder tudo e deixar a sua família na ruína.
Jade supunha que a notícia de que seus dias em liberdade
estavam contados, tinham conseguido que começasse a beber
mais cedo.
― Pai… ― Jade entrou no escritório e tentou achar os
olhos cinzas de seu pai na escuridão.
― Perdoe-me filha, perdoe-me. Eu sempre quis o melhor
para vocês. Eu queria que Susan se casasse bem, e você
também; queria que não tivessem nada a invejar de ninguém.
― Ouviu-se um som como o da garrafa ao golpear com a
escrivaninha. ― Mas falhei.
Jade sentiu pena de seu pai. Era verdade que suas
intenções nunca tinham sido más, mas elas tampouco lhe
tinham exigido mais do que podia lhes dar. Aquele sentimento
tão destrutivo de ambição foi o que o levou a querer mais e
perder, para logo tentar de forma infrutífera recuperar o
perdido e provocar, sem sabê-lo, sua própria ruína.
― Tudo sairá bem, pai ― ela assegurou tentando dar às
suas palavras toda a esperança de que de verdade, tudo saísse
bem.
― Não ― ele assegurou. ― Não sairá bem, em uma semana
me mandarão à Marshalsea e não há nada a fazer. Pode passar
meses, inclusive anos até que possa conseguir o dinheiro para
me tirar. Nada sairá bem. Apodrecerei no cárcere e vocês
ficarão desamparadas.
― Claro que não, pai. Ainda fica esta casa. Além disso,
conseguirei a forma de poder lhe pagar o alojamento de nobres.
Tudo sairá bem.
Seu pai não lhe respondeu e Jade soube que não queria
seguir discutindo o tema. Deixando-o só para se afogar em
suas dores, ela foi à sua habitação para poder pensar.
Harry, que tinha encontrado o caminho até seu quarto,
estava esperando-a deitado na cama. Jade se deitou ao seu
lado e olhou o teto da cama.
― E agora o que faremos, amigo? ― Perguntou à raposa,
que se aproximou e se aconchegou ao seu lado.
Como disse antes, ser mulher supunha uma série de
complicações na hora de encontrar um trabalho decente. Não
lhe importava ser repudiada por uma sociedade que quase não
conhecia, não lhe importava que as damas de classe alta a
olhassem por cima do ombro; só lhe importava manter sua mãe
e a ela, e conseguir o dinheiro para tirar seu pai e ao mesmo
tempo poder pagar dez xelins cada semana para manter sua
estadia no alojamento de nobres. Não obstante, não podia fazer
nada disso se não conseguisse dinheiro.
A opção mais factível para alguém em sua situação era
encontrar um trabalho de professora. Era uma mulher culta,
com conhecimentos amplos de distintos temas para ensinar
qualquer jovem; entretanto, isso não valia nada se não
conseguisse umas boas referências. Podia ir a uma agência
especializada em fornecer professoras e damas de companhia,
mas sem referências era pouco provável que alguém a
contratasse. Também podia trabalhar como dama de
companhia de alguma senhora; era mais provável conseguir
algo por aí, mas era muito difícil que seu salário bastasse para
pagar tudo o que tinha em cima. Em resumo, estava em um
problema e só ficavam duas opções: ou casar-se com alguém
aceitável que pudesse manter sua mãe e a ela e ao mesmo
tempo pagasse a dívida de seu pai, ou…
Jade tremia só de pensar na outra possibilidade. Se a
possibilidade de que ela trabalhasse fazia sua mãe perder a
cor, a outra opção que tinha em mente possivelmente a mataria
com uma apoplexia. O outro plano pensado era o mais baixo e
deprimente que podia cair alguém de sua posição e jamais
poderia voltar a olhar alguém respeitável se o assunto se
fizesse público; pois converter-se na amante de alguém era um
atentado contra todos os princípios morais com os quais se
regia a alta sociedade.
Ela não queria chegar tão longe, claro que não, mas como
se pintava a situação era a única opção viável. Ela não ia
casar-se, e não só porque fracassou em sua única temporada,
mas sim porque não queria ficar presa nas redes do
matrimônio com alguém que acreditaria ser seu dono. Com um
amante teria mais liberdade. Podia deixá-lo quando quisesse e
poderia obter uma boa quantia de dinheiro em pouco tempo se
soubesse como… comportar-se. Era degradante e não muito
diferente à prostituição, mas também era sua única saída
possível.
Sabia que não era tão bonita para inspirar propostas de
matrimônios, mas tampouco era tão ingênua para não saber
que seu corpo e suas formas incitavam os homens. O de hoje
só tinha sido a segunda comprovação desse fato. Estava segura
de que poderia encontrar alguém, mas não tinha claro como o
faria, pois desconhecia completamente a forma de atuar nesse
tipo de situações.
Não tinha a menor ideia de como se começava uma
relação ilícita nem de como conseguiria o cavalheiro adequado,
menos ainda ali naquele pequeno povoado onde todo mundo a
conhecia. Além disso, tinha o assunto do dinheiro; tinha que
ser alguém com suficiente dinheiro para resolver seus
problemas, mas que ao mesmo tempo não pudesse permitir-se
algo melhor; quer dizer, o ano que esteve em Londres lhe
bastou para inteirar-se de que havia mulheres chamadas de
«cortesãs» e que ofereciam favores em troca de uma quantia
substancial de dinheiro. Eram mulheres experientes e muito
formosas com as quais Jade jamais poderia competir, e não só
porque não possuía uma beleza espantosa como a de sua irmã,
mas porque tampouco era descarada ou coquete por natureza,
o que a punha, em linha geral, em um problema.
Suspirou. A quem enganava? Estava se enredando para
nada. Ela jamais poderia chamar a atenção de alguém rico, e
tampouco saberia como fazê-lo. Não era formosa, nem coquete.
Era simplesmente uma mulher anódina, solteirona e com uma
raposa como mascote. Ninguém a quereria nem como esposa
nem como amante. Sua única via de escape era escrever uma
carta à lorde Clifton para lhe pedir sua ajuda, mas… oh, não
podia! Seu orgulho preferia buscar um amante e ganhar por si
mesma o dinheiro a abusar da generosidade daquele bom
homem… um momento! Podia lhe pedir ser seu amante.
Segundo os rumores lorde Clifton não tinha boa reputação e…
não, o que dizia? Ela jamais poderia fazer isso, e não só porque
ele se negaria veementemente, mas sim porque tinha sido o
noivo e o único amor de Susan. Ela jamais poderia estar com o
antigo noivo de sua irmã, embora esta estivesse morta. Tinha
que pensar em outra coisa.
Mas não lhe ocorria nada mais; Jade lamentou-se horas
depois vendo como o sol terminava de ocultar-se. Não lhe
ocorria absolutamente nada mais e o tempo estava correndo.
Tinha que ser o do amante, essa era sua única opção. Jade
Kingsley, segunda filha do barão de Seaford, procuraria um
protetor; só devia pensar em como fazer-se apetecível para
alguém rico e pensar à sua vez no homem adequado. Para sua
desgraça não estava gostando nada da única pessoa que lhe
acabava de vir à mente.
Capítulo 3
«Tem que fazê-lo, Jade, tem que fazê-lo».
Já tinha tomado uma decisão e não podia voltar atrás.
Investigaria o nome do desconhecido que a tinha abordado
ontem.
Jade não podia assegurar ser essa a melhor ideia que lhe
pôde ter ocorrido, mas situações desesperadas requeriam
medidas desesperadas, e ela estava desesperada.
Depois de analisar o assunto por horas soube ser essa a
única opção medianamente aceitável e teria que tentá-la. O
desconhecido do dia anterior era o único que parecia disposto a
convertê-la em sua amante, além de parecer ter bastante
dinheiro e era bonito. Era mais do que poderia pedir. O
problema radicava em duas coisas: a primeira, que o rejeitou
de forma horrorosa e lhe advertiu que era filha de um barão,
por isso, se o homem era um verdadeiro cavalheiro, jamais a
tocaria. O segundo problema era ela mesma, que não se via
capaz de sacrificar seu orgulho e dignidade rebaixando-se até
aquele ponto.
Não havia uma decisão fácil a tomar. Tinha passado horas
de insônia pensando se haveria uma melhor solução, mas
nenhuma das opções decentes lhe proporcionaria os ganhos
suficientes para sua sobrevivência e a de seu pai, isso ficou
claro; nem sequer sendo professora ganharia o suficiente para
manter a sua mãe, pagar dez xelins semanais da área de
nobres no cárcere e, além disso, economizar para tirar seu pai
da prisão. Levaria anos; possivelmente mais de uma década.
Não, aquela era a única solução.
Tremia só de imaginar o que diria ou faria logo que tivesse
notícias do desconhecido e decidisse se era apto para seu
plano. Seus princípios morais se enlaçavam em uma batalha
contra sua necessidade e tal era a indecisão que inclusive tinha
iniciado uma carta a lorde Clifton para lhe pedir ajuda; por
sorte, reagiu a tempo e a rasgou. Sua irmã tinha morrido sem
haver matrimônio e, por isso, ele não era parte da família. Ela
sim era parte da família e deveria encarregar-se dela como tal,
a todo custo.
Levantando o queixo e endireitando os ombros, Jade
caminhou pelas ruas do povoado com Harry ao seu lado,
esperando encontrar alguém que lhe desse informação. Levar
Harry consigo tinha sido uma medida de segurança tomada de
última hora. Não que pensasse que algo de mau pudesse lhe
acontecer, mas a verdade é que se sentia mais segura com a
raposa ao seu lado, sentia mais confiança e também ninguém
se atreveria a questioná-la nem a lhe negar nada, vendo o
animal que fazia com que todos dessem um passo atrás.
Sinceramente, nunca entendeu por que as pessoas do povoado
tinham medo de Harry. Ele era inofensivo e só atacava quando
se sentia em perigo, como todos, ou quando ela estava em
perigo, recordou com uma careta.
Concentrando-se em seu objetivo decidiu que o melhor
seria começar pelo ferreiro. Estava perto de seu posto quando o
homem a abordou e poderia usar a desculpa de lhe agradecer
para justificar sua presença.
Estava ficando louca, sabia, se considerava a ideia de que
planejava ser amante de um desconhecido, mas era uma
medida desesperada de acordo à situação.
Ia pela metade do caminho quando viu uma pessoa
indesejada aproximar-se. Imediatamente, vendo que era
impossível desviá-lo, seu fiel animal ficou frente a ela e
mostrou os dentes ao recém-chegado. Algumas pessoas
ofegaram ante o gesto do animal, mas o homem não; só deu
um passo para trás e lhe dedicou um desagradável sorriso.
― Bom dia, senhorita Kingsley.
Instintivamente Jade deu um passo para trás para
afastar-se da desagradável presença. Andy Brickner era o filho
do administrador da propriedade dos duques de Richmond que
ficava por esses lados e também era a pessoa mais horrenda
que Jade teve a desgraça de conhecer. Essa pessoa tinha
acabado com as ilusões da jovem e lhe tinha ensinado por que
nem sempre se deve acreditar em palavras bonitas.
Não entendia como depois do acontecido fazia uns dois
anos ainda tinha o descaramento de aproximar-se; mas
àquelas alturas deveria saber que Andy não tinha moral e só
vivia para incomodá-la, pois seu orgulho, ou o que ficava dele,
não aceitava ser rejeitado em seus vis intentos e que Harry lhe
tinha deixado uma feia marca no ombro direito.
― Saia do meio. Tenho coisas a fazer – Jade disse
erguendo-se em seu um metro e sessenta e cinco de estatura.
― Acaso minha presença a importuna, milady? ― Zombou.
Jade soprou. Por ser a filha de um barão, o título de
«milady» não lhe correspondia, mas ele sempre o tinha usado
como um meio para ganhar sua camaradagem e fazê-la rir;
agora só era um meio de zombaria, sobretudo se se
considerasse sua precária situação.
Jade tentou rodeá-lo, mas ele voltou a lhe bloquear o
passo.
― Vejo que as coisas estão piorando ― disse com
satisfação.
Jade respirou fundo e Harry deu um passo adiante. Para
dizer que os animais não entendiam a linguagem humana, seu
fiel amigo parecia saber que a estavam insultando e se
preparava para lançar-se ao ataque ao mínimo sinal de perigo.
― Agora já se veste como uma serva; não vejo a hora em
que termine vendendo seus favores a um preço miserável,
então eu serei o primeiro a... ― A bofetada que Jade lhe deu o
impediu de seguir falando.
Ele a olhou com ódio e ia replicar, mas Harry pareceu
tomar sua bofetada como sinal de ataque e se lançou para seu
inimigo, que teve que sair correndo para não ser atacado pela
raposa, que se não tivesse uma pata ruim, possivelmente já lhe
tivesse rasgado uma perna.
Jade ficou no meio do povoado olhando ao chão,
ignorando todos os murmúrios que se erigiam ao redor pela
cena que acabavam de presenciar.
As lágrimas ameaçavam derramar-se por suas bochechas
e ela fez um esforço monumental para as conter. Sentia a raiva
e impotência bulir em seu interior, e o pior era que ele tinha
razão. Não era isso no que tinha terminado ou ia terminar? Não
era rebaixar-se a isso o que tinha pensado fazer ao procurar
informação de um desconhecido? Embora quisesse se enganar,
não havia muita diferença entre ser amante de um rico homem
ou ser uma prostituta. Ambas vendiam seu corpo por dinheiro,
só que a primeira se podia dizer que tinha mais classe. Em
outras palavras, seria uma prostituta de bom berço.
Respirou fundo várias vezes e conteve os soluços. Não ia
chorar, não choraria, porque o que ia fazer era quão único
podia fazer para salvar-se e salvar a todos. Podia ser uma
decisão extrema, podia ser que significasse sua ruína total,
mas era quão único podia fazer e, em realidade, além de sua
reputação e prestígio, não tinha nada a perder e muito que
ganhar. Não, não choraria e sairia adiante, o tempo não se
deteria por seus lamentos e a situação não mudaria se se
desfizesse em pranto.
Quadrando os ombros viu como Harry retornava com a
cara de impotência de alguém que estava com raiva por não ter
conseguido seu objetivo. Jade sorriu ao vê-lo, embora seu
sorriso fosse triste.
― Você está bem, necessita de ajuda?
Ela se esticou ao reconhecer a voz e o olhou. Ali estava ele,
precisamente o homem que estava procurando posto em
bandeja de prata. Com um semblante que delatava
preocupação com ela, seus olhos azuis a examinavam de cima
a baixo como se procurasse algo que lhe causasse mal-estar ou
algum dano infligido.
Jade tentou sorrir, mas não conseguiu esboçar mais do
que uma careta. Supõe-se que tudo deveria estar lhe saindo
bem se ele tinha aparecido em seu caminho, mas por algum
motivo sentia-se pior. Talvez, no fundo, muito no fundo,
desejou que não aparecesse e assim obrigasse seu cérebro a
encontrar outra solução factível.
― Muito bem ― assegurou-lhe ao ver que seu intento de
demonstrar tranquilidade tinha falhado. ― Obrigada.
Ele parecia querer dizer algo mais, mas nesse momento
Harry chegou até eles e o homem deu um passo para trás,
preso de assombro. Se tinha visto a cena, sem dúvida não se
deu conta da participação do animal.
Seu fiel amigo, desconfiado por natureza, pareceu ver no
senhor Armit sua desforra por não ter podido apanhar seu
objetivo e novamente ficou em posição de ataque. Teria atacado
se Jade não o tivesse repreendido.
― Harry, não. Quieto.
A raposa fez um movimento com sua boca como se lhe
desgostasse não poder ter sua desforra e atacar o humano.
― É… é seu este animal? ― o senhor Armit perguntou
incrédulo.
Jade assentiu.
― Que mascote mais… interessante ― disse, mas se podia
dizer ao seu favor que não tinha saído correndo, e não parecia
totalmente horrorizado, mas sim curioso.
― Sou uma pessoa original ― Jade assegurou tentando
iniciar uma conversação.
Tinha que conhecê-lo mais se quisesse levar a cabo seu
plano, mas tampouco estava segura de sequer poder fazer isso
bem.
― Já vejo… ― ele resmungou ainda sem poder tirar a vista
do animal. Passou ao menos um segundo até que se virou para
ela com um encantador sorriso no rosto. ― Alegro-me que
esteja bem. Acreditei que o homem a incomodava.
Pois sim, tinha lhe dado uma bofetada. Todo mundo devia
estar acreditando isso.
― Um assunto sem importância ― assegurou tentando lhe
devolver o sorriso, e desta vez conseguiu melhores resultados.
«Bom, Jade», felicitou-se. Ao menos já podia lhe sorrir, isso
era algo.
― Embora… ― prosseguiu ela, ocorrendo-lhe uma ideia e
rogando ao céu para soar convincente. Não era boa mentindo ―
temo que o homem esteja acostumado a ser, às vezes, um
pouco… insistente. Inclusive me dá um pouco de medo
retornar sozinha para casa.
Harry elevou a cabeça e o olhar que lhe dirigiu bem podia
dizer: «E eu, o que sou?»
O senhor Armit se removeu incômodo em seu lugar e Jade
se repreendeu pela absurda ideia. Ontem faltou pouco para
esbofeteá-lo e hoje literalmente lhe insinuava que a
acompanhasse à casa. Não estranharia se ele começasse a
duvidar de suas faculdades mentais. Oh, se não tivesse sido
tão impulsiva ontem…, mas não tinha falado ela, e sim seu
orgulho. Era verdade que a ideia tinha rondado sua mente
vários dias antes, mas quando o encontrou ainda acreditava
haver uma possibilidade menos drástica. Hoje já tinha perdido
a esperança.
― Embora não acredito que me incomode mais por hoje, ―
apressou-se a acrescentar ― e no caso de, Harry está comigo.
Ele voltou a dirigir um olhar carrancudo à raposa, como se
não conseguisse acreditar-lhe.
― Se desejar, posso falar com ele. Ele é o filho do
administrador do meu irmão. Agora eu estou ficando em sua
casa, então…
Mas Jade não escutou mais. Só ouviu até ele mencionar
que era o filho do administrador de seu irmão. Então, ele era o
irmão do duque de Richmond. Não era o senhor Armit, e sim
lorde James Armit.
Jade sentiu-se enjoar. Ela tinha escutado dele. As fofocas
em um lugar pequeno não se faziam esperar e, embora nunca
ouviu mencionar seu nome, recordava o que se dizia dele. Era o
filho mais novo do antigo duque e provável herdeiro ao ducado
se o duque atual não tivesse herdeiros. Dizia-se que, ao
contrário do que se esperava de um lorde, lorde James se
dedicava aos negócios e investimentos e tinha acumulado sua
própria fortuna, para deleite e recriminação da sociedade.
Deleite, porque representava um bom partido, e recriminação,
porque era bem sabido que a sociedade sentia certo desprezo
por aqueles que ganhavam a vida com negócios e
investimentos; era como se não fossem de tudo dignos de estar
em seus círculos. Mas claro, o dinheiro e as influências sempre
eram o mais importante, pelo que Jade duvidava que alguém
desse as costas àquele homem que, com sua atitude, devia
estar rodeado de casadouras.
Não sabia se sentia esperança ou desilusão. Por uma parte
ele se adaptava perfeitamente a tudo o que procurava e,
inclusive ultrapassava suas expectativas; era ideal e se fixou
nela; mas, por outra parte, tinha o dinheiro e a atitude
suficiente para trocá-la por alguém mais bonita e experiente.
Isso sem contar que seria muito difícil convencê-lo depois de
lhe haver confessado sua posição, pois, embora não o
conhecesse, ela podia afirmar ser ele um cavalheiro, e jamais
se aproveitaria dela.
Tudo se complicava; o que deveria fazer é ir viver, ela e
sua mãe, com seu pai ao cárcere. Isso é o que deveria fazer…,
mas tampouco tinha dinheiro para pagar sua estadia. Estava
encurralada e com o tempo contra ela.
― Não será necessário ― ela assegurou não querendo
piorar o assunto. ― Acredito… acredito que desta vez lhe ficou
tudo claro. Um… ― seria correto dizer um gosto ou um prazer
voltar a vê-lo?, não soaria muito falso? ― Que bom voltar a vê-
lo ― concluiu dizendo ser só um gesto de cortesia e passou ao
seu lado. Tinha que pensar em muitas coisas e tomar uma
decisão de acordo à nova informação obtida.
― Espere, ― ele disse e a surpreendeu ― acompanhar-lhe-
ei.
Jade ficou estática um momento, porque não sabia se era
bom ou não. Ela tinha que pensar.
Mas não lhe deu tempo a tomar uma decisão, pois ficou ao
seu lado e caminhou com ela. Em Londres caminhar sozinha
sem acompanhante teria sido impensável, mas ali era o campo
e as regras eram um pouco mais suaves, não menos estritas,
mas um pouco mais suaves. Além disso, ela já era uma
solteirona reconhecida. Não havia nada de mau dar um passeio
com ele; com sorte, ajudar-lhe-ia a limpar todas as suas
dúvidas.
James não tinha a mínima ideia do que estava fazendo.
Decidiu acompanhar a sua casa, a mulher que tinha ofendido
ontem e que o tinha mantido acordado toda a noite, mas as
palavras saíram antes que pudesse pensar atentamente no
assunto.
Nesse dia tinha retornado ao povoado com o firme
propósito de encontrar o que não tinha encontrado ontem, em
troca, terminou topando-se outra vez com a mesma mulher, a
proibida. Em outras circunstâncias não teria se aproximado e
pelo bem de ambos a teria ignorado, mas quando a viu discutir
com o homem e lhe dar uma bofetada não pode resistir a
aproximar-se dela e ver se estava bem, pois seu rosto depois do
encontro deixava muito a desejar. Convenceu-se de que só era
um ato de cavalheirismo perguntar por seu estado; entretanto,
não tinha como justificar o fato de ter decidido acompanhá-la à
sua casa. Talvez mais adiante poderia convencer-se de que o
fazia só para que o homem não voltasse a incomodá-la.
Não podia assegurar o motivo exato pelo qual se produziu
a briga, mas se leu bem a cara de indignação dela podia-se
supor ser de uma índole parecido ao dele ontem. A bofetada
também ajudava a dar essa impressão. Mas a ofensa do
homem devia ser pior que a dele, pois não só levou uma
bofetada, claro sinal de absoluto aborrecimento, mas sim o
olhar de raiva e indignação dela dava muito a entender.
Apesar de ter cometido o mesmo engano ontem, James
não podia desculpar o comportamento do moço e lhe
incomodava o que fez, embora não soubesse com exatidão o
que foi. Ela se vestia como uma criada, sim, e não tinha a
mínima ideia do porquê; mas à diferença dele, Andy devia ter
suficiente tempo nesse povoado para saber quem era ela e não
havia lugar a más interpretações. Se James tivesse sabido que
era a filha de um barão jamais a teria tratado da maneira como
o fez. Era um cavalheiro e isso era mais do que se podia dizer
de Andy Brickner.
James jamais tinha tratado com o moço, mas tanto seu
irmão como ele podiam dar fé de que seu pai era um homem
bom e honesto. Levava administrando a propriedade principal
durante toda uma vida e nunca tinha havido erro algum nas
contas, nem tinham minguado os lucros. Não entendia como
seu filho podia carecer de tais princípios para insultar dessa
maneira a uma dama… ao menos que lhe tivesse dado motivos,
pensou de repente, mas descartou a ideia. Não conhecia bem a
senhorita Kingsley, mas um só encontro lhe bastava para
afirmar que era uma mulher com princípios morais. Algo o
assegurava.
― Posso saber o tipo de problemas que teve com o senhor
Brickner? Seu pai é um bom homem, mas não posso afirmar o
mesmo de seu filho, por isso, se for substituí-lo logo no cargo,
eu gostaria de ter a certeza de que é uma pessoa íntegra, e não
alguém capaz de ofender uma dama de tal forma, que essa se
visse obrigada a mostrar sua indignação com gestos tão fortes
como uma bofetada ― James comentou tentando tirar
conversação e ao mesmo tempo satisfazer sua curiosidade.
Jade se ruborizou. Não devia tê-lo esbofeteado diante de
todo mundo, mas a indignação mesclada com a raiva do
passado tinha sido tão forte que não pôde evitar.
― Foi… um problema sem importância, como lhe disse.
Talvez tenha me excedido um pouco com a bofetada.
Ela não queria defendê-lo, mas se lhe explicasse o motivo
de sua briga, não só traria à tona seu encontro no dia anterior,
o qual rogava que ele esquecesse o antes possível, mas também
conseguiria encontrar-se entre um provável interrogatório
incômodo sobre o tema e sua relação com Andy, coisa que
tampouco desejava.
― É bom sabê-lo - ele comentou, mas algo em seu tom
disse que não lhe acreditava, e seu olhar curioso, escrutinando
seu rosto, o confirmou. Jade seguiu caminhando e olhou à
frente.
― Diga-me, lorde James, ― fez ênfase no «lorde» como uma
recriminação a ele por não lhe haver dito antes sua posição ― o
que o traz por aqui; tenho entendido que a temporada está em
pleno apogeu em Londres.
― Sim, está ― seu tom de voz delatava certo lamento,
parecia sofrer por não poder estar em Londres. ― Pode se dizer
que vim aqui para fugir e pensar em como escapar nos anos
seguintes.
Jade franziu o cenho. De todas as possíveis respostas
jamais imaginou aquela, escapar? Do que?
― Minha cunhada é a maior casamenteira de Londres, ―
ele informou sabendo qual era a pergunta escondida atrás do
cenho franzido ― e chegou à conclusão que é meu turno de
conseguir uma esposa.
Ela demorou um momento em compreender, quando o fez,
soltou uma pequena risada.
― Já entendi, foge dela e de seus intentos casamenteiros,
mas não está um pouco velho para que decidam casá-lo? Os
homens têm mais liberdade nesse aspecto, ninguém pode casá-
lo contra sua vontade.
Ele negou com a cabeça como se ela não entendesse.
― Você não ouviu falar da duquesa de Richmond? Não
esteve em Londres para as temporadas passadas?
Jade tentou disfarçar o rubor de vergonha que inundava
seu rosto. Só tinham podido lhe custear uma temporada e não
recordava ter ouvido sobre a duquesa. Estava muito ocupada
tentando caçar um bom partido.
― Eu… prefiro a tranquilidade do campo ao apogeu de
Londres. É um exílio voluntário, pode-se dizer de alguma
forma.
Em certo ponto não era uma completa mentira, o campo
era melhor que Londres, embora o exílio não fosse voluntário e
sim obrigatório.
Ele a olhou com seus olhos azuis, daquela forma que
parecia querer descobrir o significado oculto atrás daquelas
palavras. Acaso podia detectar quando alguém não estava
sendo completamente sincero? Ela não era a melhor mentirosa,
mas ele ao menos podia dissimular melhor que lhe acreditava.
Procurou não o encarar.
― Já vejo… bem, nesse caso não pode me julgar. Qualquer
um que conhecesse Rowena saberia ser impossível escapar
dela; dá-me um pouco de pena ter deixado Esmeralda sozinha
com ela, mas foi por meu próprio bem-estar.
Jade se sentiu tentada a perguntar quem era Esmeralda,
mas desistiu para não pecar por ser impertinente. Ainda era
muito cedo para tomar-se esse tipo de confianças. Talvez fosse
uma irmã ou uma prima.
― Desculpe-me por minha ignorância, não cometerei o
engano de voltar a julgar suas intenções; depois de tudo, um
libertino não se afasta de Londres por vontade própria ― ela
disse tentando dar um pouco de humor à situação, mas ao
mesmo tempo queria levar o tema ao terreno que desejava.
Funcionou.
― Um libertino? O que lhe faz pensar que sou um
libertino? ― Ele perguntou com aquele sorriso encantador que
a tinha deixado hipnotizada no dia anterior e refletia uma
inocência que não possuía. Se se declarasse inocente ante
algum delito e obsequiasse aquele sorriso e aquele olhar ao
juiz, Jade não duvidaria de que seria absolvido.
― É errônea minha conclusão? ― Replicou à sua vez e ele
ampliou o sorriso.
― Não, de fato, acertou em tudo. Compreenderei se desejar
sair correndo neste momento para resguardar sua reputação…
― ele se calou como se de repente compreendesse que havia
trazido um tema delicado à baila.
Jade suspirou e decidiu tentar fazer as coisas mais
singelas.
― O que lhe pareceria se começássemos de novo, lorde
James? Façamos como se este fosse nosso primeiro encontro ―
propôs e o rosto dele mostrou alívio.
― Parece-me uma ideia maravilhosa, senhorita Kingsley.
― Então feito está. ― Jade se deteve quando chegaram ao
portão de sua casa e ficou frente a ele para lhe bloquear
parcialmente a vista. Observada de longe a casa não mostrava
um aspecto tão degradado, mas se ficasse a olhar com
meticulosidade os detalhes, podia chegar a uma conclusão que
ela não desejava. ― É um prazer havê-lo conhecido, lorde
James. Obrigada por me acompanhar. Desejo-lhe um bom dia.
― O mesmo digo eu.
Ela ia se virar para abrir a porta, mas o homem a
surpreendeu pegando sua mão e lhe plantando um breve beijo
nela. Ao estar ambas as mãos desprovidas de luvas pela
informalidade do passeio, o contato foi bastante intenso e um
estranho comichão lhe atravessou a pele. Foi tão estranho que
Jade só atinou a fazer uma pequena reverência e ir o mais
rápido possível para a casa, como se necessitasse de refúgio.
Uma vez dentro tocou com suavidade o lugar onde os
lábios dele pareciam ter deixado uma marca permanente e
suspirou como uma adolescente. O que tinha sido aquilo? O
que lhe tinha acontecido? Essa não era uma reação própria
dela e o melhor seria se esquecer do assunto, agora tinha que
pensar na melhor forma de conseguir com que lorde James
fosse seu amante, sem que o assunto resultasse muito louco e
inverossímil. Devido à sua rejeição no dia anterior tinha a
situação um pouco complexa, mas não impossível. Só deveria
elaborar um plano, e deveria fazê-lo já.
Capítulo 4
Quando James retornou à mansão, o primeiro que fez foi
ir à casa do administrador, onde certamente encontraria Andy.
Sabia que o pai do jovem trabalhava a essa hora visitando um
dos arrendatários, por isso faria singela a tarefa de falar com o
moço a sós.
James não ficou nada convencido da explicação dada pela
senhorita Kingsley e tampouco acreditava que uma bofetada
fora dada por um assunto sem importância, embora ela tivesse
afirmado ter exagerado na reação. Não conhecia por completo a
mulher, mas não era difícil decifrar quando mentia, e ela,
definitivamente, mentia.
Qualquer um poderia dizer que esse não era seu assunto,
mas ele estava convencido de que sim, era-o, pois se Andy
chegasse em algum momento a ocupar o lugar de seu pai, era
seu dever assegurar-se de ser uma pessoa com princípios
morais aceitáveis.
Bateu à porta da casa e esperou rogando que o moço já
tivesse retornado de sua excursão ao povoado. James não
queria que seu administrador se inteirasse do assunto, então
preferia tratar o tema só com o filho e aproveitar sua ausência.
A sorte parecia estar de seu lado, porque nesse momento a
porta foi aberta pelo próprio Andy, que o olhou com
dissimulada surpresa.
― Lorde James, que prazer o ter por cá.
James correspondeu à saudação com uma inclinação de
cabeça e fez um gesto ao interior lhe perguntando de forma
silenciosa se podia entrar. Andy se colocou a um lado e o olhou
com estranheza.
― Se procura meu pai, temo que não esteja. Faz sua visita
aos arrendatários a esta hora.
James se sentou de forma despreocupada em uma das
poltronas da sala de estar e assentiu com a cabeça.
― Sei, vim ver você.
O jovem Brickner se mostrou surpreso.
― Diga-me no que posso ajudá-lo.
James tomou seu tempo para responder, meditando em
suas palavras. Se algo lhe tinham ensinado ao ser filho de um
duque, era que esperar certo tempo antes de falar de um
assunto importante, costumava provocar a total atenção do
receptor e ao mesmo tempo inspirava superioridade e respeito.
― Resulta, senhor Brickner, o assunto que me trouxe aqui
é de índole delicada. Hoje estava no povoado quando presenciei
uma cena bastante forte. Você falava com, se mal não recordar,
era a senhorita Kingsley, e essa o esbofeteou como se você lhe
tivesse professado a pior das ofensas. Os motivos da senhorita
Kingsley ter reagido de maneira tão… drástica que estive me
perguntando durante o caminho, quão graves foram os motivos
de sua briga. Você poderia me esclarecer isso. Entenderá
minha preocupação, já que falamos de uma dama e eu não
gostaria de me inteirar de que foi incomodada.
A cara do senhor Brickner, já por si branca, baixou dois
tons ao escutar as palavras de James e, o corpo do homem
começou a mover-se com nervosismo.
― Eu… foi todo um mal-entendido ― manifestou-se como
segundo ele, era um tom convincente, mas James pôde denotar
um pingo de nervosismo típico de quando se diz uma mentira.
― Confundi a senhorita Kingsley com alguém e soltei, sem ser
minha intenção, comentários pouco respeitosos. Como era de
esperar, ela reagiu ofendida.
James avaliou o homem com aquele olhar que intimidava
os mais valentes. Novamente o senhor Brickner se moveu como
quem sabe que tem culpa e essa foi suficiente confirmação de
sua mentira.
― Bem ― James disse levantando-se, sabendo que não
obteria nada mais, mas ao mesmo tempo satisfeito de ter
conseguido a confirmação de haver algo um tanto grave no
assunto; sabia que cedo ou tarde averiguaria a verdade. ―
Alegra-me que tudo tenha sido um mal-entendido, porque me
desgostaria bastante saber que ofendeu de propósito uma
dama, e estou seguro que meu irmão tampouco gostaria. Como
cavalheiros, é nosso dever atuar de acordo com as nossas
possibilidades; em tal caso e sem dúvida, não quereríamos
trabalhando conosco alguém capaz de perpetrar semelhante
ofensa ― culminou ocultando um sorriso quando, se era
possível, a cara do homem empalideceu mais. ― Que não se
repita, senhor Brickner. Até mais tarde ― dito isso saiu do
lugar com uma arrogância digna de um rei. Ele não era
superficial nem se esforçava em degradar ninguém, mas havia
ocasiões em que se devia deixar claro quem mandava.
Quando retornou à casa principal sua mente voou
irremediavelmente ao passeio com a senhorita Kingsley e sorriu
de forma inconsciente. Tinha sido um passeio agradável e nada
incômodo, dadas as circunstâncias. Por algum motivo, alegrou-
o que a mulher já não lhe guardasse rancor e começariam de
novo.
Não podia dizer-se partidário de cercar amizade com
jovens solteiras, mas admitia que a senhorita Kingsley podia
ser uma exceção. Possuía a maturidade que muitas jovens de
sua idade não tinham e uma serenidade que lhe agradava.
Dava a impressão de ser uma mulher distinta a todas aquelas
superficiais que conhecia e gostava disso. Quando tinha
beijado sua mão, guiado por um impulso, a estranha sensação
ante o simples gesto o deixou pasmado vários segundos, mas
era algo no qual não aprofundaria, pois talvez só tivesse sido
sua imaginação. Não obstante, havia algo que sabia com
segurança, e é que havia algo estranho e chamativo na mulher,
mas não podia dizer com claridade o que era.
Negou com a cabeça, repreendendo-se por pensar tanto
nela. Tinha ido duas vezes ao povoado com a intenção de
procurar alguém com quem passar um tempo e nas duas vezes
tinha retornado sem nada, e tudo pela mesma pessoa. Por
algum motivo, depois de falar com ela, a vontade de procurar
alguém mais se desvaneceu e isso era algo que começava a lhe
preocupar, mas decidiu não pensar mais. A senhorita Kingsley
estava fora de seu alcance e isso era quão único devia recordar,
mas por que não, possivelmente pudessem formar uma
amizade.

***

Já o tinha.
A Jade tinha ocorrido o plano perfeito e só necessitava de
coragem para levá-lo a cabo, coisa que, sendo como era, uma
pessoa um tanto covarde, não era fácil de encontrar.
Depois de pensar bem, Jade tinha encontrado a forma
perfeita de conseguir que lorde James fosse seu amante sem
que soasse muito desatinado depois de sua rejeição.
Ela era conhecida por todo o povoado por ser uma
solteirona sem remédio, então pediria a lorde James que lhe
ensinasse todos aqueles prazeres dos quais tinha sido vedada
por não ser bonita e assim se converteria em sua amante, sem
nenhum compromisso.
Claro, existia a possibilidade de que lorde James não
quisesse desvirginar uma jovem, mas ela procuraria a maneira
de convencê-lo de que não havia nenhum compromisso e só
queria… «experimentar». Sim! Essa era a palavra,
«experimentar», coisa não era de tudo mentira. Ela sempre
sentiu curiosidade por saber o que era aquilo, o qual as
mulheres do povoado mencionavam em voz baixa e logo riam.
Tinha certa ideia de como era, mas até agora sua condição a
tinha obrigado a permanecer na ignorância. Agora não ficava
outra opção que perder sua respeitabilidade, bem podia
aproveitar e saciar sua curiosidade.
O único problema era que precisava ter coragem para
fazê-lo e que a vergonha não a consumisse no processo.
Apesar de ter os motivos claros e saber que era necessário,
desprender-se dos princípios morais aprendidos desde o berço
não era tarefa fácil. Não obstante, ela estava segura de que
conseguiria… de alguma uma forma, só deveria imaginar seu
pai no cárcere e na zona dos comuns sendo humilhado e
ridicularizado pelas pessoas, que às vezes só iam zombar dos
detentos, para dar-lhe coragem.
Tinha que fazê-lo, e o faria. Faria no recital organizado
pela senhora Crawley a que, por pertencer a uma família com
título, tinha sido convidada. Estava segura de que se a senhora
Crawley soubesse da presença de lorde James no povoado,
também o haveria convidado, principalmente porque o recital
era para que todos conhecessem os talentos musicais de sua
filha e assim essa, à sua vez, encontrasse um bom partido.
Assim, Jade ficou a memorizar os argumentos a serem
ditos para soar convincente e o homem não pensasse que o
queria levar a matrimônio por meio de uma armadilha. Já
estava decidido, e logo chegaria o momento de atuar.

***

A casa da senhora Crawley não era tão opulenta nem


grande como as mansões pertencentes ao barão de Seaford ou
ao duque de Richmond, que eram as principais casas do
território; não obstante, tampouco carecia de elegância e
classe. A senhora Crawley era a esposa de um latifundiário e
sua filha tinha o melhor dote da região, além de possuir um
rosto bonito que a levaria a obter um matrimônio aceitável. A
família não tinha dinheiro suficiente para passar uma
temporada inteira em Londres, mas sim, para chamar a
atenção de qualquer bom partido pelos arredores.
Jade se apresentou no lugar junto com sua mãe, usando
um de seus melhores vestidos que, com ajuda da única criada
na casa, teve que reformá-lo para não se ver tão antiquado. Era
de cor lilás com renda branca nas mangas. Recolheu o cabelo
em um coque singelo e se podia dizer que tinha ficado bastante
aceitável, e ninguém que a visse podia pôr em dúvida sua
posição, embora ela tivesse seus receios do que lorde James
pensaria, pois vivendo todas as temporadas em Londres devia
ter visto damas embelezadas com as mais finas roupagens, e
Jade tinha medo de que, com sua simplicidade, não lhe
parecesse suficiente. Mas já estava decidida e o faria.
Sentando-se em uma das cadeiras dispostas para a
ocasião, Jade saudou alguns conhecidos e fingiu prestar
atenção ao ato que logo começaria. Entretanto, seus olhos,
sempre pendentes da chegada de alguém, esperavam ver quem
procurava. Graças a Deus sua mãe decidiu sentar-se na
primeira fila, porque era fanática por esse tipo de evento, assim
não prestaria muita atenção quando chegasse a hora de
cumprir seus objetivos.
O musical começou com a senhorita Crawley tocando uma
agradável canção no piano e Jade começou a temer que ele não
aparecesse, depois de tudo, o que iria fazer um homem como
ele, claramente inimigo do matrimônio, em um musical que
tinha precisamente esse objetivo? Devia ter pensado bem no
assunto antes de fazer-se esperançosa. Tinham passado ao
menos dez minutos, nos quais estava segura de que o homem
não chegaria quando sentiu ocupar-se o posto ao seu lado e
escutar:
― Toca muito bem, embora acredite ser sua voz muito
aguda para o meu gosto.
Jade virou imediatamente a cabeça para seu olhar
encontrar-se com aquele azul céu que tanto tinha esperado. O
homem estava inclusive mais bonito do que em outras ocasiões
e seu cabelo loiro tinha sido penteado para trás.
― Boa noite, lorde James. Que prazer vê-lo por aqui ―
saudou e ele sorriu.
― O prazer é meu, senhorita Kingsley. Foi uma agradável
surpresa.
Ou não. A verdade é que, no fundo, James sabia que a
encontraria ali e inconscientemente esse tinha sido o motivo
pelo qual aceitara o convite.
Os musicais nunca lhe tinham chamado a atenção, e
menos ainda onde sabia que o único motivo de seu convite era
ser avaliado como possível candidato matrimonial. Não
obstante, mesmo assim, tinha ido e sua vista ficou
imediatamente agradada pela mulher de vestido lilás sentada
em uma das cadeiras.
James podia afirmar ter visto mulheres mais bonitas e
esplendorosas que ela, mas por algum motivo, nenhuma lhe
tinha causado tal impacto como a mulher nesse momento.
Apesar de estar vestida e arrumada de maneira singela, o
contraste com a mulher que se topou em duas ocasiões no
povoado era notório. Agora se via como uma verdadeira dama e
lhe recordava, para seu desgosto, que jamais a poderia ter.
― Acredito que a senhorita Crawley possui uma grande
voz, dependendo do gosto, claro. Em minha opinião também é
um pouco aguda, mas pela cara de fascinação de muitos ― fez
um gesto dissimulado assinalando os presentes ― acredito que
pode agradar alguns.
James assentiu e tentou voltar a vista ao espetáculo, mas
não demorou para retorná-la à Jade.
― Pelo visto não será difícil à senhora Crawley lhe
conseguir marido ― comentou com rabugice e ela riu.
― Surpreende-me que tenha vindo se conhecia o motivo,
mas me alegra que assim o tenha sido.
― Ah, sim?
― Sim. Você é… uma agradável companhia.
Jade se surpreendeu com a facilidade com que lhe saíam
os diálogos e supôs ser porque, até agora, não havia dito
nenhuma mentira.
― Você também, senhorita Kingsley. Veio sozinha?
― Não. Vim com minha mãe, mas está tão absorta que
acredito se esquecerá de mim por um bom tempo. Quando isto
terminar possivelmente vá falar com uma de suas amigas e eu
passarei a segundo plano.
James franziu o cenho.
― Não pode se dizer então que sua mãe seja uma boa
acompanhante. Se todas fossem assim em Londres, a vida de
nós, os cavalheiros, seria mais singela.
Ela soltou uma gargalhada musical, mas não falsa e
ensaiada como a de outras senhoritas, e sim verdadeira e pura.
― Ela confia em mim. Além disso, pode-se dizer que
sempre fui sua filha mais sensata.
― Você tem irmãs, então?
O semblante de Jade se obscureceu por um momento,
mas rapidamente se recompôs.
― Tinha. Morreu.
James se sentiu incômodo.
― Lamento-o.
Dedicou-lhe um sorriso triste.
― Não há porquê. Susan morreu já faz cinco anos; a dor
passou e só fica uma agradável lembrança. Além disso, sou
uma solteirona declarada. Não é necessário que minha mãe se
faça de acompanhante ― comentou para aliviar a tensão.
James ia replicar algo, mas um som agudo lhes recordou
que estavam à metade da apresentação e os obrigou a calar,
para não chamar a atenção. Quando chegou um intervalo, Jade
pediu timidamente ao homem que a acompanhasse em uma
limonada, e ele aceitou.
Como tinha suposto, sua mãe se esqueceu dela e cercou
conversação com umas amigas, por isso não lhe supôs nenhum
problema conversar com lorde James em um canto afastado.
― É estranho que uma dama como você não se casou
ainda ― ele comentou tomando à sua vez uma taça de vinho do
Porto que lhe tinha devotado um garçom.
Jade se ruborizou.
― Digamos que… não sou o que se busca em uma esposa.
― Como não?
― Minha mascote é uma raposa, recorda? Já imaginará a
conjectura que eles desenharão. ― Além disso não era bonita
nem tinha dote, recordou-se com amargura.
James admitiu que nisso tinha razão, mas vamos lá, todas
as Loughy eram loucas e três delas estavam casadas, não
acreditava que uma raposa fosse para tanto.
― Conheci gente mais excêntrica ― admitiu ― e se
casaram. Acredito que você tem chances.
Ela sorriu, mas só conseguiu imprimir uma careta.
― Passei da idade.
― Quantos anos tem? Se não for muito indiscreto de
minha parte perguntar.
― Vinte e três.
Para a sociedade londrina ela estaria, efetivamente,
chegando ao limite da disponibilidade matrimonial, não
obstante, não significava que fosse um caso perdido.
― Não acredito que seja para tanto.
Tirando-lhe a importância ao assunto.
― Eu já me resignei. Além disso… ― ela olhou o chão, com
algo incômoda e respirou fundo. Tinha chegado o momento, a
conversa tinha chegado sozinha ao ponto desejado. ― O
matrimônio já não é do meu interesse. ― Coisa que, em
realidade, não era mentira.
― Não? ― Além de Topázio Loughy, essa devia ser a
primeira vez que James escutava essa frase de uma mulher.
― Não, ― ela respondeu e se ruborizou violentamente
como se estivesse a ponto de dizer algo muito vergonhoso ―
não é, entretanto… ― respirou fundo outras duas vezes e olhou
ao redor para assegurar-se que ninguém lhes prestava atenção
― há certas coisas que lamento por não me haver casado e
que… ― outra baforada de ar ― desejaria experimentar.
O homem franziu o cenho e ela pensou que não havia
lugar a arrependimentos. «É por sua família», recordou-se e
olhou ao homem diretamente nos olhos. Tentando não se
ruborizar, disse com toda a firmeza da que foi capaz.
― Lorde James, sua proposta do outro dia segue em pé?
Porque pensei bem e decidi que sim. Quero ser sua amante.
Capítulo 5
O homem que quase deixou cair a taça, disse à Jade não
estar assombrado, mas sim o que se seguiu.
Ela supôs que sua proposta o surpreenderia, mas por sua
expressão começou a temer que se apressara muito e arruinara
tudo. Mas ela não tinha tempo! Levariam seu pai ao cárcere em
dias! Não tinha tempo de pensar bem nas coisas, se o tivesse,
possivelmente não haveria dito o que acabara de dizer.
O homem abriu a boca, mas voltou a fechá-la como quem
não sabe o que dizer, coisa que, Jade acreditava, não acontecia
muito.
Os minutos que passaram em silêncio a punha cada vez
mais nervosa e sentia como as cores lhe começavam a subir às
bochechas. Mas já o havia dito e não havia volta.
Ao ver que ele seguia sem reagir, e percebendo que sua
mãe tinha começado a procurá-la, Jade se apressou a dizer.
― Pense, ― pediu ― não haverá nenhum compromisso. ―
Dito isso apressou-se a desaparecer.
James demorou ao menos dois minutos mais em sair de
seu assombro e, quando o fez, tomou um grande gole de vinho
do Porto para passar a surpresa.
Não tinha nem ideia de como a conversação se desviara
àquele tema, assim como tampouco estava muito claro o que
acabava de acontecer. Ela tinha aceito sua proposta! Havia lhe
dito que desejava ser sua amante! Só havia um problema: essa
proposta já não estava em pé, não esteve desde o momento em
que se inteirou ser ela uma dama e, sem dúvida, não estaria
em um futuro. Acreditava havê-lo deixado bastante claro, por
isso não chegava a compreender como ela supunha que estaria
disposto a fazê-la de novo.
Admitia que não podia catalogar sua vida e ações dignas
de uma futura beatificação, mas apesar de tudo era um homem
com princípios e sua educação foi a de um cavalheiro. Jamais
lhe ocorreria desonrar uma dama se não planejasse levá-la logo
ao altar, e a senhorita Kingsley não seria a exceção.
Por outro lado, aquela mudança de atitude de sua parte
não podia deixar de parecer estranha. Há dois dias quase o
esbofeteia por sua imprudência e hoje se oferecia, assim, sem
mais, a viver uma aventura com ele. A possibilidade de ser uma
armadilha estava patente, mas embora soubesse que nunca
devia deixar-se enganar por um doce rosto, havia algo no da
senhorita Kingsley lhe confirmando que ela não desejava casar-
se. Talvez fosse a veemência e segurança com que o afirmou há
um momento, ou aqueles olhos verdes tão doces que gritavam
ser incapazes de enganar alguém de forma tão vil. O fato era
que James não acreditava que atrás de sua aceitação houvesse
motivos de tudo desonestos, mas tampouco tragava por
completo o conto de que queria experimentar.
Se algo tinha descoberto dela em duas ocasiões anteriores
era que era uma mulher com um orgulho alto, ao menos que
houvesse um motivo forte no meio, jamais se rebaixaria a
semelhante posição. Suas respostas, suas maneiras e inclusive
sua forma de ruborizar-se quando fez o anúncio delatavam
uma educação apoiada nos mais estritos princípios morais.
James não podia conceber que os atirasse ao lixo só para
«experimentar».
Sabia que o melhor para seu bem-estar seria esquecer o
assunto e manter-se durante esse tempo o mais afastado dela,
mas embora se podia dizer que possuía um pouco de sensatez,
não fez ato de presença nesse caso, porque não faria tal coisa.
A curiosidade por descobrir os verdadeiros motivos que a
tinham levado a isso era muito grande e ele não era dos que
ficavam com a dúvida de algo. Isso sim, tinha que ir com
cuidado, ou podia terminar em um grande problema.

***

― Senhorita, lorde James Armit deseja vê-la.


Jade se enrijeceu ao escutar a voz do mordomo e se
apressou a levantar do chão e tentar esticar as rugas de seu
vestido.
«O que ele fazia ali?»
Claro que sabia, vinha lhe dar uma resposta, mas nunca
esperou que fosse tão rápido, ou que se atrevesse a aparecer
em sua casa. Poderia responder com uma carta e tudo teria
sido mais discreto, mas em realidade o que lhe incomodava não
era o fato de ter ido ali arriscando-se e arriscando-a a falações;
não, o que a incomodava era que percebesse o aspecto
deplorável em que estava sua casa. Podia facilmente chegar a
uma conclusão lógica e ela não queria isso, não queria que ele
se inteirasse, não ainda.
Suspirando, disse ao mordomo que o fizesse entrar onde
ela se encontrava, na biblioteca, que era por muito, a melhor
estadia de todas. Não só não estava em tão mal estado como o
resto das habitações, mas além disso, ali ninguém os
interromperia. Sua mãe não era o que podia definir-se como
intelectual, assim muito pouco pisava naquele lugar, e seu
pai… bem, seu pai devia estar em seu escritório, bêbado e
chorando suas dores.
Aproximou-se de uma vidraça e observou seu reflexo,
dizendo-se que lorde James não podia ter chegado em pior
momento. Está certo que não era uma Vênus, mas nesse
preciso instante tampouco apresentava seu melhor aspecto,
nem sequer podia catalogar como aceitável. Usava um de seus
vestidos mais velhos e o cabelo estava emaranhado por ter
estado lendo em distintas posições. Decidiu soltá-lo e penteá-lo
um pouco com os dedos, enquanto esperava com nervosismo a
chegada do homem.
Tinha passado toda a noite em claro considerando de
verdade se tinha tomado a decisão correta, e tinha chegado à
mesma conclusão que nas ocasiões anteriores. Não havia
opção, e o fato, feito estava. Se ele não aceitasse, ou podia
tomá-lo como um sinal do destino que lhe dizia não ser isso
para ela e procurar outra maneira, (se a encontrasse), ou podia
procurar outro homem, que também duvidava encontrar. Em
realidade, o melhor a fazer seria tentar convencê-lo de que
ambos sairiam ganhando, pois no fundo sabia que nenhuma
das opções anteriores era viável.
Harry se colocou ao seu lado como se pressentisse que
necessitava de apoio e o pegou nos braços para ter com o que
ocupar as mãos. Respirou fundo ao menos duas vezes mais e
quando a voz de alguém na porta a alertou, virou-se com sua
expressão mais controlada. Tinha chegado a hora.
Embora ainda não se acostumara a ver uma raposa como
mascote, James não se surpreendeu tanto encontrá-la nos
braços da mulher como lhe surpreendeu a primeira impressão
da casa.
Era mundialmente conhecido que para a aristocracia
inglesa o mais importante eram as aparências e demonstrar em
seu maior nível a riqueza da qual eram possuidores, por isso,
entrar em um vestíbulo quase desprovido de decoração e
caminhar por corredores iluminados com velas de má
qualidade não podia ter deixado James mais aniquilado. Isso
sem contar que quase não tinha visto servidão rondar pelos
corredores e de longe se notava uma falta de limpeza no lugar.
Nenhum aristocrata que se respeitasse tinha em tal estado sua
moradia, a menos que estivesse na ruína, ou fosse um avaro
em toda a extensão da palavra. James não conhecia o barão de
Seaford, assim não podia afirmar que era uma ou a outra; só
podia dizer que havia algo estranho em todo o assunto e, se
uma de suas hipóteses era certa, teria certa lógica a proposta
estranha acontecida na noite anterior.
Olhou à senhorita Kingsley, que tinha a aparência de
alguém acabado de levantar, e conteve um sorriso. Não
apresentava seu melhor aspecto e pelo rubor que começava a
formar-se em suas bochechas, ela sabia.
Jade deixou o animal em um dos móveis e se aproximou
para saudá-lo com uma torpe reverência.
― Lorde James.
― Senhorita Kingsley ― ele correspondeu com uma
inclinação de cabeça, não atrevendo-se a pegar sua mão,
devido aos efeitos que isto pudesse trazer à sua maneira de
pensar.
― Devo supor que sua visita se deve a que já tem uma
resposta ― ela murmurou em voz baixa dizendo-se não haver
sentido, dar voltas ao assunto.
James não respondeu imediatamente, mas sim, sem
convite, sentou-se em uma das poltronas em frente à lareira e a
olhou tão profundamente que Jade se removeu incômoda.
― Em realidade, minha visita se deve ao desejo de
conhecer os motivos que a levaram a essa decisão, quando há
dois dias quase me esbofeteou por isso.
Jade suspirou como se percebesse que tinha sido demais
pensar que tudo seria fácil.
Sabendo que não possuía os melhores dotes de atriz e
nenhuma habilidade nata para as mentiras, ela apartou o olhar
e fingiu interesse em umas prateleiras ao fundo enquanto
respondia:
― Já lhe disse, desejo… experimentar. ― Virou o rosto
para que o crescente rubor não a delatasse e agradeceu
interiormente a única luz que provinha da grande janela e ela
estivesse afastada dela.
Não se atreveu a olhar sua expressão, mas o silêncio que
se seguiu foi suficiente para pôr seus nervos em sua máxima
tensão.
― Então… ― James disse em voz baixa e pausada,
reconsiderando suas palavras ― de um dia para o outro decidiu
experimentar, pois se não me equivoco, há dois dias não tinha
essa ideia, a bofetada no senhor Brickner é uma prova disso.
Jade quase pôs-se a chorar. Isso não estava saindo bem,
não estava saindo nada bem. Mas ele era sua única esperança,
e não podia deixá-la escapar.
― Já vê quão forte são minhas convicções, ― ironizou ―
tenho um pensamento mutável.
Outra vez silêncio. Por que guardava tanto silêncio? Não
podia nem sequer considerar a ideia de que cada vez que ficava
calado ela ficava à beira de um ataque de histeria por toda a
pressão submetida? Não, claro que não.
― Olhe, senhorita Kingsley…
― Jade ― ela corrigiu, dizendo a si mesma que as
formalidades eram demais e, ao mesmo tempo, ansiosa para
adiar por alguns segundos o que ele diria, que sabia, não ia
gostar.
― Jade?
― Esse é o meu nome ― ela explicou ainda sem olhá-lo.
James franziu o cenho.
― Como a pedra preciosa?
Ela assentiu.
«Perseguem-me», escutou que ele dizia, mas não estava
segura, nem lhe deu muita importância.
― Prefiro as formalidades. ― Ao menos assim poderia
recordar a si mesmo que ela era proibida e não podia, sob
nenhum conceito, mudar sua forma de pensar. ― Deixe-me
dizer que não acredito em nada disso e, como mentirosa não
ganharia a vida. Agora deixemos de histórias absurdas e me
diga de uma vez por todas o motivo de tal mudança de opinião.
Jade se enrijeceu ante tanta falta de tato e delicadeza e se
virou para fulminá-lo com o olhar. Por que tinha que por tudo
tão difícil? Por que não responder sim ou não? Eram tão
complicadas de pronunciar essas duas palavras?
― É a verdade ― murmurou tentando imprimir convicção
em sua voz, mas falhou da pior maneira. Sua voz saiu em um
som agudo e sentiu vergonha dela mesma.
James negou com a cabeça.
― Vejo que não tem intenção de me dizer, o melhor será
que eu me vá, não sei nem por que vim.
Parou e começou a dirigir-se à porta. Desesperada ao ver
sua única oportunidade de salvar-se saindo, Jade se jogou
para ele e o reteve com força pelo braço.
― Por que tem que fazer tudo tão difícil? ― Questionou-o.
― Por que simplesmente não dizer sim ou não? Você me queria
como sua amante, e eu aceitei, tarde, mas o fiz. Esqueça-se de
todo o resto. A decisão é minha e confrontarei as
consequências, só necessito do seu veredicto. Não sairá
prejudicado, dou-lhe minha palavra.
James a olhou por ao menos cinco segundos e o desespero
em seu rosto o assombrou, ao mesmo tempo que lhe
confirmava uma voz interior que, depois de todo esse assunto,
havia algo mais.
― Não entende, ― protestou ― não posso. Não penso
desonrar uma jovem se não for redimi-la.
― Pesaria sua consciência? – Ela zombou já mais irritada
que desesperada. ― Vocês, os homens, não se deitam com tudo
o que use saia? Por que então ter uma virgem faria a diferença?
Pelo simples feito de ser pura? Não o foram alguma vez todas
essas mulheres que, estou segura, levou à cama, lorde James?
Mas claro, nesse caso não importa porque você não foi o
responsável.
As cores começaram a subir ao rosto de James, e não só
pela vergonha de admitir que ela tivesse um pouco de razão,
mas sim porque a raiva que o alagava ao vê-la insistir no
assunto estava começando a aprofundar-se.
― Mas não se dá conta de que jamais poderia casar-se? O
que acontecerá quando desejar fazê-lo? Será capaz de enganar
seu futuro marido e lhe fazer acreditar que jamais pertenceu a
outro homem?
― Isso não será necessário porque jamais me casarei. Não
tema que eu mude de opinião, pois tenho as ideias muito
claras, faz tempo.
― E se se apaixonar? ― Ele não era o mais romântico dos
homens, mas não negava sua existência porque tinha sido
testemunha de vários casos.
O olhar dela se endureceu.
― O amor não é mais do que uma ilusão para que as
jovens obrigadas a uma vida cruel possam aguentar
acreditando que há algo especial no meio. Se existir, não
acredito nele, por isso tampouco será um problema.
Surpreendeu-o a veracidade com que falou do assunto e
teria seguido perguntando do tema se não estivessem se
desviando do original.
― De todas as formas prefiro não ser eu o responsável.
Tentou afastar-se, mas Jade o impediu enquanto pensava
no que fazer.
Estúpida virgindade e seu valor na sociedade. O que tinha
de mau se uma mulher tivesse sido tocada por outro homem
antes de seu marido? Por que elas tinham que chegar puras ao
matrimônio e eles não podiam guardar celibato? Claro, a
mulher tinha que ser o espécime de perfeição simplesmente
para redimir-se, por serem as causadoras do pecado original.
Mas os homens podiam fazer o que quisessem.
― Você é um covarde, lorde James? ― Provocou-o. ― Não
me deu essa impressão a princípio.
James decidiu não cair na provocação.
― E você está louca? Acaso pensa de verdade que algum
cavalheiro aceitará desonrar uma dama sem compromisso?
Não, ele não, mas tinha que tentar.
― Estou segura que alguns não teriam inconveniente. Não
passei mais de uma temporada em Londres, mas foi o
suficiente para saber que nem todos são o que aparentam.
James não podia lhe tirar a razão, mas não a daria em voz
alta.
― Mas eu não sou um desses. E lhe peço, por favor,
desista dessa ideia absurda. ― Ele conseguiu escapar de seu
braço e ficou em frente a ela para encará-la.
― Se não o fizer, o que acontecerá? ― Ela desafiou e deu
um passo mais perto dele disposta a aferrar-se até a última
grama de valentia para obter seus objetivos.
Ele suspirou, parecia um suspirou cansado, mas logo sua
expressão séria retornou e um estranho brilho iluminou seu
rosto.
― Você está segura de que poderia cumprir com o papel de
amante, senhorita Kingsley? Tem acaso a mínima ideia do que
isso representa? ― Começou a aproximar-se disposto a
intimidá-la com sua altura, mas ela não se moveu. ― Sabe
acaso o que um homem espera de uma mulher que se rebaixa
de tal forma? Sabe acaso o que a sociedade lhe faria se
chegasse a correr o rumor? Jamais lhe voltariam a dirigir a
palavra. Receberia olhares de desprezo e asco e nunca mais
seria aceita entre a boa sociedade. Os homens lhe perderiam o
respeito e a tratariam como a pior das fulanas e nunca poderia
remediar esse fato. Está segura de que vale arriscar tudo por
um simples capricho?
Jade fez um esforço sobre-humano para que nenhuma
gota de lágrima aparecesse em seus olhos. Não podia lhe deixar
saber que tinha razão, não podia lhe fazer acreditar que a tinha
vencido. Claro que sabia tudo aquilo, claro que se atormentou
com aquilo durante horas, mas era o único que ficava por fazer
e o faria.
― Sou consciente de tudo isso e estou disposta a assumir
o risco ― falou e se sentiu orgulhosa de sua voz não tremer
nem um pouco, um verdadeiro lucro já que tinha um nó na
garganta do tamanho de seu punho. ― Agora, você está
disposto, lorde James, a batalhar com sua consciência e ceder
aos seus desejos? Porque me deseja ― ela se atreveu a afirmar
mesmo correndo o risco de o homem explodir em gargalhadas.
Não tinha o melhor aspecto para mostrar-se tão segura de si
mesma, mas acreditou ser melhor do que ficar a chorar por sua
falta de atrativo. Ele não disse nada e isso lhe deu coragem
para cortar a distância entre ambos. ― Pense. Posso ser uma
novata, mas minha capacidade de aprender é grande. Não
gostaria de ter esse prazer? Um prazer que dou à livre vontade,
jurando-lhe pelo mais sagrado que não sairá prejudicado. ―
Jade encontrou em algum lado a força para colar-se a ele e
sorriu para si quando este, surpreso, não se apartou. ― Aceite,
lorde James. Prometo não o decepcionar ― disse em um
sussurro e em um ato valente, beijou-o.
Jade tinha tido antes o prazer, ou a desgraça,
considerando o caso, de beijar alguém. Não se podia dizer ser
uma perita na matéria, mas ao menos tinha conhecimentos
suficientes para saber que ao mover seus lábios ele se sentiria
tentado a responder. E o fez, sabia que estava lutando contra
algo em seu interior, mas ele respondeu, e não só isso, mas
tomou o controle, o que causou dentro dela um revoo e umas
estranhas sensações a percorreram.
Nenhum de seus beijos com Andy Bickner poderia ser
comparado com esse. Os lábios do homem se moviam contra os
seus com paixão, mas não deixava de ser suave. Sua língua
tinha começado uma excursão dentro de sua boca e incitava a
sua a lhe seguir o jogo, o que provocava uma série de correntes
percorrerem seu corpo e uma onda de calor a atravessasse.
As pernas começaram a lhe falhar e a respiração a lhe
faltar à medida que as sensações aumentavam. Ela teve que
sustentar-se nos ombros dele para não cair e James, ansioso
por sentir aquele corpo colado ao dele, estreitou-a contra ele.
Não sabia aonde chegaria se ele não se separasse
bruscamente. A princípio acreditou ter se arrependido, mas
depois se deu conta de que não se separou por vontade
própria, mas sim porque Harry se levantou da poltrona e
começou a lhe mordiscar a bota até quase destroçá-la, para
separá-lo de sua ama. James começou a lutar para separar-se
da raposa, mas esta parecia empenhada em ficar com a perna
completa.
Jade demorou ao menos meio minuto em recuperar a voz
e dizer:
― Harry, basta. Vem.
A raposa se apartou, mas seus olhos amarelos o olharam
com ameaça, quase dizendo: «Se lhe fizer algo será minha
comida».
James se apressou a ir-se para a porta sem dizer nada,
escutando Jade dizer.
― Pense.
Ele o faria, estava seguro que pensaria por muito tempo,
mas não precisamente falava da proposta.
Capítulo 6
James amaldiçoou sua debilidade ao menos uma dúzia de
vezes ante de chegar à casa.
Não podia acreditar, não podia acreditar que tivesse
cedido, e não podia acreditar que, por um segundo, embora
fora curto e a paixão seguisse em suas veias, levou a sério a
possibilidade de fazê-la sua amante. Era uma loucura.
Sabia que não podia atacar-se tão duramente, quer dizer,
era homem, e o corpo reagia por instintos. Nenhum homem,
nem castrado, resistiria a uns tentadores lábios que se
ofereceram por conta própria. Se o tivesse feito, a santidade lhe
estaria assegurada, de fato, deveria tê-la pelo simples motivo de
haver se detido; embora, recordou com ironia, isso o devia a
uma raposa que lhe tinha destroçado a bota e por pouco não
enganchara seus dentes em sua pele. Tinha saído intacto por
milagre, mas podia dizer-se tê-lo merecido.
Chegou à sua casa e amaldiçoou a hora em que a tinha
visto. Parecia haver se convertido em uma obsessão que nem
sequer ela mostrando seu pior aspecto podia afugentá-lo. Isso o
assustou porque lhe deixou ao descoberto uma espécie de
debilidade desconhecida e decidiu, pela enésima vez, que o
melhor seria afastar-se. Inclusive retornar à Londres e tolerar a
sua cunhada era mais factível a seguir padecendo o que fosse
que essa mulher lhe provocava. Viver em uma agonia
desejando algo e não poder tê-lo não devia ser bom para a
saúde, nem mental, nem física nesse caso.
Sentou-se na cama de seu quarto e começou a desabotoar
as botas, ou o que ficava de uma delas. Sim, o melhor e o mais
sensato seria afastar-se dela, e não haveria nenhum problema
se fosse uma pessoa razoável, mas estava claro que não o era,
porque não queria ir-se. Não obstante, preferia pensar não ser
por masoquismo, mas sim porque tinha grande curiosidade em
descobrir os motivos dela para oferecer-se daquela maneira.
James não era tolo, havia algo mais e tinha certa ideia do que
se tratava, só precisava confirmá-lo. Quando o fizesse então…
bem, não tinha a menor ideia do que faria quando o fizesse,
mas isso descobriria no momento.
Por agora só deveria resistir à tentação. Estava seguro de
que com força de vontade conseguiria. O que poderia sair mal?

***

O que ia fazer agora?


Jade não tinha a mínima ideia do que faria a seguir. Ele a
tinha rejeitado, tinha respondido ao seu beijo, mas ela sabia
que sua proposta estava rejeitada. Era muito cavalheiro para
desonrar uma dama, pensou com ironia, mas uma parte dela
se alegrou com esse fato, ao menos sabia que era uma pessoa
com princípios morais.
Seguiu passeando pela ampla biblioteca como vinha
fazendo desde sua partida, e deixou o livro que inutilmente
tinha tentado continuar, na mesa. Tinha muitos problemas e
nenhuma solução. Levariam seu pai ao cárcere em quatro dias
e ela não tinha como pagar sua estadia ali. Não havia nem
sequer nada mais a vender, já tinha se desfeito de tudo:
móveis, quadros, as joias de sua mãe. Tudo! Só ficavam os
livros, mas Jade não pensava em se desfazer deles. Se ficasse
sem seu apreciado meio de distração enlouqueceria e então sua
mãe teria que ir visitar seu pai no cárcere e a ela no
manicômio.
Respirou fundo e se deixou cair em um dos poucos divãs
existentes ao redor. Ainda podia ir procurar trabalho de
professora em Londres. Poderia não ser bom o pagamento, mas
seria um trabalho decente e, com o que ganhasse ali e o pouco
que davam as terras, enquanto as tivessem, poderia conseguir
sobreviver e tirar seu pai, algum dia, muito longínquo, mas
algum dia…
A quem enganava. Jamais o obteria. Necessitava de um
marido rico ou um amante rico, e sabia que em realidade sua
única opção era a segunda, assim como também era consciente
de que o único candidato adequado acabava de a rejeitar.
Deveria convencê-lo de algum jeito, teria que fazê-lo cair, tinha
que seduzi-lo!
A ideia começou a tomar forma em sua mente e foi
impossível a afastar de tudo, apesar de que uma parte dela,
ainda consciente, dizia-lhe que ela era inexperiente seduzindo
homens. Mas era sua única opção! Lorde James acabara de
demonstrar que ainda a desejava, só necessitava de um
impulso para cair, e ela o tinha que dar.
Um sorriso vitorioso começou a formar-se em seus lábios.
Tinha que fazê-lo, e não só por seu pai e sua família, mas sim
porque, no fundo, muito no fundo, e embora jamais o admitisse
em voz alta, desejava saber se tudo seria tão bom como o beijo.

***

― Está seguro de que veio sozinha? ― James perguntou ao


mordomo só para assegurar-se de não ter escutado mal.
― Sim, milorde, a senhorita Kingsley veio sozinha.
James levou uma boa quantidade de segundos para
decidir a melhor forma de proceder. Sem dúvida receber a uma
jovem solteira, sozinha, em sua casa e a pleno dia, quando
qualquer um poderia vê-la entrar, era indecoroso, ali e em
qualquer outro lugar do planeta, e fazê-lo seria uma
imprudência magnânima por parte do cavalheiro em questão.
Ele nunca catalogou a si mesmo como uma pessoa
imprudente, mas tinha curiosidade por saber o motivo da
presença da dama em sua casa, pois, embora o supunha e este
não fosse muito engraçado, preferia comprová-lo por si mesmo
e decidir se de verdade era necessário tomar medidas tão
drásticas, como retornar à Londres e suportar a perseguição
matrimonial de sua cunhada. Possivelmente a senhorita
Kingsley só quisesse se desculpar por todo aquele assunto e
devolver sua paz mental. Será que de verdade valia a pena
recebê-la só em sua casa? Uma coisa era ele ir à casa dela,
onde poderiam supor que se receberia a visita com o correto
acompanhamento de uma mãe ou uma criada, mas na dele? A
própria servidão poderia causar falações que as
desprestigiariam só pelo simples motivo de atrever-se a chegar
ali sem companhia. Ela não pensava?
― A senhorita Kingsley saiu da carruagem?
― Não, milorde. Mandou perguntar primeiro se o senhor a
receberia.
― Tem algum brasão na carruagem?
― Não, milorde. É uma carruagem comum.
James assentiu, e depois de considerar um momento, saiu
e murmurou ao mordomo que ele resolveria o assunto.
Uma vez fora, localizou a singela carruagem na entrada e,
depois de dar uma olhada pelos arredores entrou nela.
― Ficou louca? Como lhe ocorre…? ― James se calou
quando seus olhos se adaptaram à escuridão e pôde ver com
nitidez a mulher cujos seios pareciam a ponto de sair do
corpete.
Seus seios cheios e bem-dotados se elevavam de tal
maneira que pareciam querer saudá-lo. James tragou saliva e
respirou fundo várias vezes para poder voltar a centrar a vista
em seus olhos. Se houvesse alguma esperança de que ela
desejasse se desculpar, acabava de desaparecer, assim como
ele queria fazer, para evitar encarar o que estava seguro, seria
uma dura prova à sua força de vontade.
Jade sorriu para si quando o viu perder
momentaneamente o controle. Tinham requerido intermináveis
horas para reunir a coragem de colocar um dos velhos vestidos
de sua mãe e ir vê-lo. O vestido era de uma cor azul clara, mas
bastante provocador, que se ajustou com perfeição à sua
figura; sobressaía-se em especial os seios que, ao ser um pouco
maior do que o de sua progenitora, tinha ficado um pouco
justo.
Ela tinha querido morrer quando se vira no espelho, mas
todos os motivos que tantas vezes se repetiu, deram-lhe a
coragem para continuar. Sabia ser uma loucura apresentar-se
assim na casa dele, mas já que de todas as formas iria arruinar
sua reputação, não importava em demasia se era uns dias
antes ou uns dias depois. No entanto estava agradecida, no
final, lorde James viera recebê-la dentro da própria carruagem,
ao menos as possibilidades seriam menores, sobretudo se se
considerava que tinha decidido ir-se na carruagem de quatro
portas muito usada pelos arredores.
― Bom dia, lorde James ― saudou com voz suave.
James suspirou com o mesmo pesar de alguém que está
pagando uma dura condenação e a olhou direto aos olhos, não
sem fazer muito esforço para que estes não se desviassem.
― O que faz aqui, senhorita Kingsley? E… vestida assim ―
assinalou o vestido, mas tentou não desviar seu olhar. Se Jade
não estivesse tão nervosa, riria.
― Eu… queria falar com o senhor. – Valendo-se de
engenho, Jade se inclinou com dissimulação a frente para
provocar que seus seios ficassem melhor posicionados à vista
de James. Este tragou novamente saliva, mas se forçou em
concentrar-se. Se soubesse o que iria encontrar não teria ido
vê-la.
Jade não tinha nem ideia de por que uns seios grandes
causavam aquele efeito nos homens, mas sabia que o faziam e
isso era o importante. Sua dignidade e decência protestavam
com força nesse momento, mas a necessidade sossegou as
duas.
― Sobre o que?! ― Ele exclamou mais duro do que deveria,
mas se obrigou a moderar seu tom, e desejo. ― Por favor, não
me diga que segue com aquela estúpida ideia de tornar-se
minha amante.
― Por que não? ― Ela inquiriu e depois de respirar fundo
se impulsionou para a frente e colocou os braços a ambos os
lados dele. ― Acaso não me deseja? ― Perguntou em um
sussurro atrevendo-se a tratá-lo sem cerimônias.
A respiração de James tinha começado a ficar irregular
quando a teve tão perto e se viu na necessidade de respirar
fundo para não deixar sair os instintos mais selvagens que lhe
rogavam sentá-la em seu regaço e a beijar até que um dos dois
perdesse o sentido.
― Sim, maldição! Sim, desejo-a, mas não penso lhe fazer
minha amante.
Pareceu-lhe ver que pelo rosto dela passava uma
expressão de cansaço, mas nada que não desaparecesse antes
de poder comprová-lo.
― Já lhe disse que não haverá compromisso.
― Não é por isso! É uma questão de honra!
― Ao inferno a maldita honra!
Jade surpreendeu a si mesma dizendo semelhante
blasfêmia e prometeu rezar à noite para desculpar-se, mas
começava a se exasperar e o estresse a estava fazendo perder o
controle. O tempo estava contra ela e sua solução não queria
deixar-se convencer. Isso acabava com os nervos de qualquer
um.
― Eu sei que você me deseja ― tentou ser razoável. ― Não
me negue o prazer nem o negue a si mesmo. Nunca o vi como
uma pessoa amante do decoro. Acaso não me disse ser um
libertino?
James não caiu no sarcasmo.
― Sim, libertino, mas não um pária sem princípios,
assim… ― com uma força de vontade que deveria haver ganho
o céu, James a apartou e se apressou em descer da carruagem.
Ela tentou retê-lo, mas ele saiu antes que pudesse perder o
juízo.
Acabava de saltar quando escutou um soluço proveniente
de dentro. Por instinto se virou, mas a carruagem entrou em
marcha nesse preciso instante e foi impossível comprovar se
tinha alucinado, ou se de verdade Jade Kingsley estava
chorando por sua rejeição. Isso lhe fez se sentir mal e ao
mesmo tempo despertou mais curiosidade que a desejada.
Averiguaria o verdadeiro matiz de todo aquele assunto ou
deixaria de se chamar James Armit.
Capítulo 7
Talvez fora questão de sorte, ou simplesmente estava
destinado a inteirar-se da verdade, mas o certo foi que James
não precisou empregar nenhum esforço para descobrir o
verdadeiro motivo pelo qual a senhorita Kingsley queria tornar-
se sua amante. Um motivo que, por certo, já tinha imaginado
antes.
Três dias depois da imprudente visita da mulher à sua
casa, ainda não havendo nem planejado a estratégia de como
se inteiraria do assunto quando, mais rápido que a pólvora,
correu-se o rumor de que o barão de Seaford acabava de ser
levado ao cárcere dos devedores por dever a exorbitante
quantia de… dez mil libras?, quinze?, vinte? Não estava seguro.
Tinham sido muitas as versões que chegaram aos seus ouvidos
e não tinha forma de averiguar qual era a verdadeira, mas uma
coisa era certa, e era que a família Kingsley ficara desamparada
e com um grande peso em cima dos ombros. Se não tivesse
sido consciente desse fato podia ser que lhe tivesse incomodado
que Jade tivesse querido enganá-lo daquela forma para lhe
tirar dinheiro, embora sua opinião a respeito dela não tivesse
variado, absolutamente.
Apesar dos verdadeiros motivos que a levaram a tomar
aquela decisão, e de saber que tinha sido por necessidade e
não porque de verdade queria estar com ele, coisa nada
aduladora para seu alto ego, James não a julgava nem a via
como uma oportunista, pois tinha certeza que ela em realidade
só tinha procurado a melhor maneira para tirar sua família do
problema. Ela era transparente. Qualquer mentira que saísse
de sua boca era facilmente identificável e James sempre soube
que não lhe dizia toda a verdade. Além disso, admirava o fato
de ter decidido chegar até esse ponto quando bem podia haver
iniciado a caça de um marido, que para a mulher, vinha sendo
a única opção viável para obter dinheiro de forma decente.
Conhecendo como conhecia a parte mais triste desse
mundo, James sabia que, como professora, Jade jamais
poderia tirar seu pai do cárcere. Podia mantê-lo em uma zona
confortável ali; podia sobreviver com sua mãe, mas jamais
poderia obter o necessário para tirá-lo dali. Tinha o que se
produziam as terras, mas considerando o que pôde observar, e
se dizia do estado destas, necessitaria de muito trabalho e
investimentos para poder voltá-las novamente produtivas, coisa
que a ela se fazia impossível.
Não, James não a culpava, mas tampouco podia desfazer-
se do leve sentimento de irritação, nem tanto contra ela, que
em parte sim, mas também contra a sociedade que obrigava
uma mulher a chegar àquele ponto por falta de oportunidades.
Desceu da carruagem em frente à casa dos Kingsley sem
lhe importar as possíveis falações que isto poderia causar.
Bateu à porta e esperou.
O motivo pelo qual estava ali não era muito claro, só sabia
que mal se inteirou da notícia, ordenou preparar a carruagem e
foi para lá. O que lhe diria, não tinha nem ideia, mas queria vê-
la; algo dentro dele precisava vê-la e comprovar que se
encontrava bem. Tinha essa necessidade desde que acreditou
escutá-la soluçar fazia três dias e só hoje se permitiu lhe dar
rédea solta.
O que lhe estava acontecendo com essa moça deveria ser
sem dúvida um motivo de preocupação, mas não estava
disposto a pensar nisso ainda. Preferia concentrar-se no que
queria e depois divagaria se fora a melhor decisão ou não. Às
vezes, pensar muito nas coisas só servia para as complicar
mais, estava com muito medo de que o que acontecesse com
Jade Kingsley não fosse a exceção.
― Diga-lhe que neste momento não poderá ser recebido ―
Jade comunicou ao mordomo ao mesmo tempo que se limpava
uma solitária lágrima, que se atrevera a escapar de seu férreo
controle e percorria sua bochecha como única evidência de seu
desassossego. Não podia permitir-se ser débil, não naquele
momento.
Agradeceu interiormente que sua mãe estivesse
lamentando suas desgraças em sua habitação e não ali para
que a visita do homem não lhe causasse curiosidade. Se de
algo Jade não tinha vontade esse dia, era de vê-lo.
Há três dias, quando ele saiu de sua carruagem depois de
ter cortado sua proposta pela raiz, Jade tinha caído em um
daqueles poucos estados de desespero que estavam
acostumados a embargá-la. Estava tão envenenada e
preocupada com aquele sentimento que seu corpo já não
parecia resistir, por isso, contra sua vontade mandava as
lágrimas como único meio de desafogo; isso tinha acontecido e
ela estava segura de ele tê-la escutado soluçar, e teria entrado
para averiguar se ela não tivesse indicado ao cocheiro, com um
golpe no teto, para avançar.
Desde a morte de sua irmã há cinco anos, Jade não se
permitiu soltar uma só lágrima nem deixar que ninguém a
visse chorar. Nem quando fracassou em sua única temporada
em Londres, nem quando iniciaram os problemas, nem mesmo
no dia em que o encontro desagradável com Andy aconteceu,
permitiu que seu destroçado coração expressasse sua tristeza
em lágrimas. Aquele dia de conversa na carruagem foi uma
perda momentânea de controle e não voltaria a se repetir,
muito menos naquele momento, o que menos necessitava seu
pai no cárcere, eram duas mulheres débeis não sabendo o que
fazer com sua vida. Além disso, não sentia vontade de receber
aquele que a lembraria, não só o quanto baixo tinha chegado,
mas da forma horrível como ela falhara.
Ela sempre soube que, quando o escândalo
irremediavelmente explodisse ele descobriria tudo e tiraria suas
próprias conclusões, mas tinha a leve esperança de ter chegado
à sua cama naquele momento e que as coisas fossem mais
fáceis de dirigir. Não contava com o fato de que o homem
estava longe de ser aquele cavalheiro com a libido tão alta, que
mal se controlava e que a rejeitaria de tal forma alegando honra
e princípios que ela jurava, tinham desaparecido há anos na
maior parte dos homens, se é que alguma vez os tinham tido.
Deixou-se cair no piso de seu maior refúgio, a biblioteca; e
tomou em seus braços o animal que lhe oferecia consolo desde
que iniciou tudo, como se de alguma forma percebesse sua
tristeza e quisesse reduzi-la. Ela o acariciou distraidamente
enquanto pensava.
Pronto. Seu maior temor acabava de ser realizado e agora
era só questão de confrontar as consequências com a cabeça
erguida. Era consciente de que seu nível na sociedade acabava
de baixar o bastante, mas não lhe importava; nada lhe
importava mais que a forma de como tirar seu pai daquele
lugar.
Não se enganava, que lorde James fosse vê-la não
significava que tivesse repensado sobre o assunto, justamente
o contrário, Jade estava segura que ia receber uma grande
recriminação de sua parte e, como isso era o que menos
necessitava, o melhor seria evitá-lo na medida do possível e
economizar-se mais humilhações que as necessárias.
Não era dada a dar-se por vencida, mas tampouco fanática
de perseguir o impossível. Se tivesse mostrado um mínimo
sinal de ainda haver uma probabilidade, ela teria insistido, mas
rejeição mais cortante, não podia ter obtido. O que faria agora
para conseguir o que necessitava? Não queria pensar ainda.
Desejava, por um só momento, de paz antes de começar a
atormentar a cabeça procurando soluções inexistentes. Um
momento, era só isso o que pedia, só um momento de paz.
Fechou os olhos e respirou fundo imaginando que todos os
seus problemas se solucionavam de forma milagrosa. Que o Ser
Divino tinha piedade dela e lhe mandava a solução aos seus
males de uma vez por todas sem ter que sofrer tanto, que…
As pálpebras foram fechando, cedendo à necessidade
humana do sono que se impediu há dias pelos nervos. A tensão
acumulada fez ato de presença levando seu corpo a sentir-se
pesado e esgotado. Quase sem ser consciente recostou-se no
piso com o animal na mão e se deixou levar aos braços de
Morfeu, onde pelo menos sabia que se esqueceria de tudo, por
tempo limitado, mas esquecimento, enfim.
Harry escapou de seus braços e ela utilizou as palmas
para apoiar sua cabeça. Seria só um momento, só um
momento…
― Não acredito que esse seja um lugar muito cômodo para
dormir.
Jade se sobressaltou e abriu os olhos lentamente para
olhar o dono da voz. Devido ao cansaço e à falta de alimento foi
difícil enfocá-lo e o que pôde distinguir a princípio foi só uma
cabeleira loira.
Por um décimo de segundo acreditou que Deus teve
piedade dela e lhe tinha mandado um anjo para ajudá-la, mas
não demorou para recordar que um anjo não teria falado com
aquele tom resmungão e muito menos tinha aquele olhar azul
que inspirava pecado. Pouco demorou em reconhecer quem
indiretamente era causador de parte de sua tristeza.
― O que faz aqui? Como entrou? ― Jade se levantou pouco
a pouco para não se enjoar. Mal tinha caído no mundo do
sonho quando ele, como se não lhe bastasse ter arruinado sua
única oportunidade de sair daquilo, também a devolveu à
realidade e lhe negou sem misericórdia o ansiado momento de
paz.
James desviou seu olhar ante a pergunta e sua vista se foi
por volta da janela que estava quebrada fazia meses. O pai de
Jade a tinha destroçado em uma bebedeira e os recursos não
estavam para gastar-se em repará-la, depois de tudo, não eram
muitos os ladrões que rondavam por suas terras, até porque
não havia nada de valor para roubar, e jamais imaginou que
um «cavalheiro» fosse capaz de entrar por ali, sobretudo um que
apregoava sobre princípios e ao qual lhe tinha sido negada
anteriormente a entrada.
― Admito não ser uma forma muito diplomática de impor
minha presença, mas foi a melhor que me ocorreu nesse
momento. Preciso falar com você.
À Jade não passou desapercebido que ele havia falado sem
cerimônias e não soube como interpretar esse ato. Talvez fora
algo inconsciente.
― Dissemo-nos tudo faz uns dias. Recorda? ― Replicou
com ironia. Se ele podia falar sem cerimônias, ela também
podia fazê-lo.
Em outra ocasião não se comportou de forma tão cortante;
mas seu cérebro estava cansado e não queria terminar de
processar que o culpado na realidade não era ele, só quis atuar
como todo um cavalheiro e isso não era pecado; mas não
estava com humor para recordar a si mesma quão incapaz era
de alcançar uma meta.
― Nem tudo, ao que parecer. Por que não me disse?
Jade baixou a cabeça presa de uma vergonha, de repente,
indescritível. Não queria discutir isso com ele. Não queria lhe
fazer saber até que ponto era seu desespero, mas ele já devia
supô-lo.
James se aproximou dela e tentou agachar-se ao seu lado,
mas a raposa, a qual sua presença não parecia agradar,
interpôs-se entre eles e evitou que se sentasse tão perto como
teria desejado. Mesmo assim ficou perto para poder enfrentá-la.
― Jade…
― Não era um assunto da sua conta. Nem da sua, nem da
de ninguém.
James lhe dirigiu um olhar tão intenso que, em outra
condição, podia havê-la intimidado. Mas não agora, não com
aquele estado de ânimo aonde sabia que já não tinha nada a
perder. Não naquele momento, quando já não lhe importava
nada que não fosse encontrar uma solução rápida e recuperar
a vida de alguns anos.
― Ah, não? Não me incumbe, quando graças a isso é que
decidiu me escolher como sua fonte de salvação? Como o
protetor que a tiraria da ruína? ― Questionou e se repreendeu
por soar mais duro do que deveria.
Ela baixou a cabeça envergonhada e ele se obrigou a
controlar seu tom.
― Podia haver me dito isso. Eu a teria ajudado.
Ela esboçou um sorriso triste, mas se atreveu a elevar o
olhar.
― Teria ajudado uma desconhecida cujo pai devia quase
dez mil libras? ― Perguntou incrédula, com aquele tom de estar
segura de que a resposta era negativa.
Mas se equivocava. Ele a teria ajudado, e não porque ele
era uma alma caridosa que tinha piedade dos menos
afortunados e doava grandes quantidades de dinheiro a obras
de beneficência, mas a teria ajudado pelo simples motivo de
que lhe importava.
Desde o primeiro momento em que a viu, importou-lhe de
certa forma e, depois de conhecê-la um pouco, soube que lhe
era importante. Não ficaria a analisar muito o tema, só sabia
que a teria ajudado sem pedir nada em troca. Sem necessidade
de ela fazer semelhante oferecimento.
― Sim, teria lhe ajudado ― respondeu, e o fez com tal
convicção que ela não ficou surpreendida.
― Está louco ― murmurou lhe fazendo saber que, apesar
de sua firmeza, negava-se a lhe acreditar de tudo. ― Por favor,
me deixe sozinha. Só quero ficar sozinha.
Ele não se moveu.
― Não tinha por que chegar àqueles extremos – continuou
evitando sua petição.
Deu-lhe um olhar amargo.
― Ah, não? O que mais poderia fazer? Acha que eu
realmente teria acreditado que um desconhecido me ajudaria
pelo simples prazer de fazê-lo? Crê que o que fica de orgulho
não se rebelou ante a ideia de ser o centro da pena de alguém?
Talvez o que eu tenha escolhido, não tenha sido a melhor das
ideias, mas foi a única opção que tive e tenho até agora.
Desculpe-me ter mentido, mas compreenderá que não era um
tema agradável de mencionar.
James não ouviu o pedido de desculpa, mas ficou onde ela
disse que era a única opção que tinha até agora. Não podia
pensar seguir com aquela ideia. Não, ele não permitiria que
seguisse oferecendo seus serviços a outro. Que o crucificassem
se permitisse.
― Esqueça. Não penso permitir que se venda dessa
maneira.
Ela levantou a cabeça, que em algum momento tinha
embalado entre seus braços e joelhos, e o olhou com os olhos
abertos pela surpresa. Não permitiria? Mas do que estava
falando?
― Eu faço o que eu quiser ― replicou Jade, que começava
a padecer de uma forte dor de cabeça e não tinha vontade de
seguir discutindo. Para sua desgraça, ele parecia ter intenção
de ficar ali até que o assunto ficasse resolvido ou, melhor
dizendo, até obter o que fosse que desejasse.
― Não ― insistiu com firmeza. ― Eu tirarei seu pai do
cárcere e poderão começar de novo sem tanta pressão.
E ela, que acreditava não poder surpreender-se mais no
que ficava de dia, equivocou-se.
A afirmação do homem a tinha deixado incrédula e quase
jurava ter tido uma espécie de alucinação auditiva, produto do
desespero. Tinha certeza de que ele não poderia ter lhe
oferecido ajuda pela simples razão de que não podia haver
pessoas tão boas no mundo. Ela tinha tentado enganá-lo para
que pagasse suas dívidas, sim, mas literalmente «trabalharia»
por esse dinheiro. Nem ela nem sua família eram pobres
indigentes necessitados de caridade. O que ficava de seu
orgulho lhe exigia manter isso. Se queria aproveitar-se da boa
vontade de alguém dessa forma, teria enviado a carta ao barão
de Clifton.
― Esqueça, ― disse voltando para as formalidades ― não
penso esvaziar parte de suas arcas dessa forma, sem nada em
troca. ― Ao ver que ele franzia o cenho, um sorriso melancólico
se formou em seus lábios. ― Deve pensar que sou uma
estúpida, certo? Talvez eu seja, especialmente considerando
que não só estou eu, mas sim minha família envolvida. Pode
ser que esteja atuando de maneira egoísta, mas não posso, não
posso me aproveitar de você dessa maneira. São dez mil libras!
Não estamos falando de seis peniques. Além disso, nem sequer
me conhece. Por que me oferece sua ajuda dessa maneira?
James permitiu que um pequeno sorriso se formasse em
seu rosto. Ele mesmo desejaria conhecer a resposta.
― Não sei ― admitiu.
Jade dirigiu seus olhos para ele e aquelas profundezas
verdes o olharam como se olhasse um ser inexistente. Como se
uma criatura mitológica estivesse à sua frente e quisesse
observá-la o maior tempo possível por medo de que
desaparecesse de surpresa. Havia uma espécie de admiração e
ternura misturada neles que conseguiram desarmar algo
dentro de James; algo que não sabia o que tinha, nem sequer o
que era.
Ela esboçou um leve sorriso que ressaltou entre a tristeza
desenhada no resto de seu rosto.
― Ora, ao que parece resultou ser um anjo ― murmurou,
mas não havia nem um rastro de ironia em sua voz. ― De todas
as formas, não posso aceitar sua ajuda. ― Negou com a cabeça.
― Não estaria bem de minha parte fazê-lo. Não obstante, se
quer me ajudar, permita-me lhe dar algo em troca. Aceite
minha proposta, lorde James. Assim, ao menos minha
consciência ficará tranquila.
― E sua honra manchada ― acrescentou James, quem
negou com a cabeça, irritado por não ter conseguido que
cedesse. Não era dos homens que recebiam um não por
resposta; depois de tudo, era o filho de um duque. Havia
poucas coisas que se negavam ao filho de um duque.
Levantando-se James a olhou tentando imprimir em seu
rosto uma expressão despreocupada, e em sua voz, um tom
convincente.
― Acredito que esteja muito cansada. Amanhã podemos
falar melhor. Não crê?
Jade suspirou.
― Não vai ceder de nenhuma forma, certo? ― Ele não
respondeu. ― Eu tampouco, assim acredito que não há nada a
se falar.
― Virei ao meio dia ― ele informou dirigindo-se à janela e
fazendo ouvidos surdos à resposta dela. ― Até lá.
Jade o viu sair e demorou ao menos um minuto inteiro em
assimilar todo o ocorrido. Quando o fez deixou-se cair no piso
com um suspiro cansado.
De certa forma estava sendo egoísta, sabia. Literalmente
tinha lhe posto a solução às suas penúrias em frente e acabava
de despachá-la da forma mais teimosa, só para conservar parte
de sua dignidade. Mas de verdade era correto aproveitar-se
assim de uma pessoa? Porque isso era o que estaria fazendo,
estaria se aproveitando dele e de sua boa vontade. Tinha-lhe
devotado sua ajuda de forma voluntária, mas só impulsionado
pelo sentido da honra em não desejar que uma alma jovem
caísse em desgraça; porque esse deveria ser o verdadeiro
motivo.
Jade jamais se perdoaria por tirar essa grande quantia de
dinheiro, que ambos sabiam, nunca poderiam lhe devolver em
sua totalidade. Não, não podia. Sua família dependia disso,
mas mesmo assim não podia. Era muito, sobretudo se falavam
de alguém que quase não conhecia. Ela conseguiria a forma de
levar os seus adiante e, se lorde James não chegasse a aceitar
suas condições, procuraria outra forma de sobreviver; e não
havia nada mais a dizer a respeito.
Capítulo 8
Se não o recebesse, jurava que penetraria novamente pela
janela e, se fosse necessário, chegaria à sua habitação, mas daí
não ia obter o resultado desejado.
Sentado em um dos escassos móveis que adornavam o
vestíbulo e indiferente às possíveis falações que pudesse causar
ao visitar pelo segundo dia consecutivo à senhorita Kingsley,
James esperou que o mordomo comprovasse se a senhorita «se
encontrava em casa», coisa que, é óbvio, não era mais do que
uma mera expressão, pois ele sabia que se encontrava, e James
também; simplesmente foi verificar se Jade queria recebê-lo ou,
assim como ontem, negar-se-ia a vê-lo.
Qualquer um diria que essa sua ideia de querer ajudá-la,
apesar da negativa dela era absurda; entretanto, ele preferia
pensar estar evitando que uma alma tão pura como se notava
ser a da senhorita Kingsley caísse em desgraça. Seria
imperdoável que um espírito tão bondoso e orgulhoso se
amargurasse pelas más decisões de seu progenitor e perdesse a
possibilidade de encontrar a felicidade; e embora James
admitisse que por motivos desconhecidos não conseguia lhe
agradar de todo a ideia de Jade se casar e ter uma família, não
pensou muito nisso e o anexou àquele sentimento de amparo
que sentia por ela, o qual, por certo, tampouco tinha uma
explicação muito lógica.
Ele sempre havia possuído uma mente analítica capaz de
desvendar completamente qualquer assunto apenas pelo
simples prazer de fazê-lo. Sabia com facilidade quando algo iria
bem ou quando algo não se encaixava, só que ele não
conseguiu decifrar o quê. Os instintos que a mulher lhe
despertava passaram de ser meramente sexuais ao ponto de
chegar a lhe importar seu bem-estar. Era ilógico, só tinham
falado um par de vezes. Não se conheciam há mais de uma
semana e queria protegê-la? Sim, queria fazê-lo, e também
podia dar-se milhares de motivos para justificar esse fato, mas
nenhum muito convincente para alguém acostumado a não
mentir a si mesmo. Se não acreditasse absurdo, devido ao
pouco tempo de trato, diria que estava se apaixonando.
O sentimento não era algo que causasse repulsão a James
nem nada pelo estilo. Tendo sido testemunha de, até agora,
quatro casais que se amavam, incluindo seu irmão, sabia que
tal sensação existia, mas não esperava ter a mesma sorte que
seus próximos.
Era sabido por todos que, em uma sociedade onde
preponderava a hipocrisia e a ambição, conseguir o amor de
sua vida era o mesmo que querer procurar uma agulha em um
palheiro. Se existisse alguém merecedor de seu amor ainda não
tinha feito ato de presença e, quando o fizesse, podia ser que
então decidisse casar-se e formar uma família. Se não
aparecesse, bem podia viver toda a vida solteiro ou
simplesmente procurar alguém quando a maturidade exigisse
querer ver seus próprios filhos crescerem.
O mordomo retornou e lhe notificou que a senhorita
Kingsley se encontrava indisposta, por isso James, afogando
um grunhido de frustração pela tolice da mulher, saiu da casa
e, com a maior dissimulação possível, dirigiu-se à janela
quebrada que tinha encontrado ontem por acaso.
Entrar como um vulgar ladrão à propriedade dos Seaford
não era algo que podia dizer-se de um cavalheiro, mas como
justificativa, era a única coisa a fazer para conseguir o que
desejava. Era consciente ao que se expunha se o descobrissem,
mas as possibilidades não eram muitas se considerasse o
pouco pessoal da casa.
Usando habilidades que nunca acreditou serem
necessárias, James entrou na biblioteca como no outro dia e
examinou o lugar em busca da mulher. Quando viu que não
estava lá, lamentou ter que continuar procurando pela casa.
Com muita probabilidade estaria em sua habitação e, embora
escapulir-se nela seria do mais desonroso, recordou-se que era
por um bem comum e tranquilizou sua consciência, no
momento.
Com sigilo e agilidade, que teriam surpreendido um ou
outro espião da Coroa, James saiu do único lugar habitável da
casa, e se internou pelos corredores escassos de velas,
tentando fazer uma ideia de onde ficariam os aposentos que ele
procurava.
Subiu as escadas sem topar-se com nenhum criado
inoportuno e, depois de uma rápida revisão no primeiro piso
decidiu seguir ao segundo, onde encontrou várias habitações.
Algumas estavam fechadas com chave e James deduziu não ser
o que procurava. Quando encontrou a primeira porta aberta,
abriu-a com sigilo e colocou a cabeça para espiar. Um sonoro
ronco fez com que franzisse o cenho e seus olhos se desviassem
imediatamente à cama, onde uma figura gordinha se movia
com inquietação na cama e roncava de tal forma que os rugidos
de um leão teriam sido abafados ante o som.
Negando com a cabeça, fechou com o mesmo cuidado a
porta e seguiu com as demais, até chegar a outra que também
estava aberta. Fez o mesmo procedimento que à ocasião
anterior, e desta vez os olhos âmbar da raposa, que perceberam
sua presença, indicaram-lhe ter chegado à habitação correta.
― Harry, o que acontece? ― Perguntou a doce voz de Jade
do interior.
Sem dar tempo a que ela fosse investigar sozinha, James
entrou e fechou a porta.
Jade, sentada em sua cama com seu livro favorito em
mãos, olhou para o som e ofegou quando viu quem se
encontrava em meio à habitação. Tal foi sua surpresa que
demorou quase um minuto inteiro em recordar a pouca
vontade que teve esse dia de sair do quarto e explicar isso, a
pleno meio-dia, ainda de camisola. Rapidamente soltou o livro e
se cobriu com o lençol, não sem esquecer de lançar um olhar
fulminante à pessoa que tinha tido o descaramento de chegar
até seu quarto. E mesmo assim se atreveu a questioná-la
quando ela apareceu em sua casa? Ao menos não penetrou em
sua habitação, como neste caso.
― Pode-se saber o que faz aqui? ― Disse cobrindo o que o
lençol e a posição lhe permitiam. Não se podia dizer que a
camisola fosse indecorosa; pois cobria cada parte de seu corpo,
mas era velha e o tecido estava desgastado e incolor pelas
lavagens. Se se observava fixamente, dar-se-ia conta que
deixava vislumbrar sua figura.
James demorou um momento em reagir da surpresa, mas
em vez de voltar e esperá-la se arrumar como deveria havê-lo
feito um cavalheiro, ficou como estava; e não porque queria vê-
la em camisola, que uma parte dele desejava; mas sim porque
queria lhe dar uma lição. Não se supõe que ela desejava tornar-
se amante de algum homem? Uma amante jamais mostraria tal
exposição de pudor. Era bom deixar-lhe claro para ver se enfim
a fazia desistir da ideia.
― Disse que viria hoje falar com você. Não quis me
receber, então vim aqui.
― Ao meu quarto? Mas que classe de indecência é essa?
Não se supõe que você seja um cavalheiro?
― E não se supõe que você queria ser uma cortesã? Que
classe de cortesã se preocupa com a indecência? Ou, melhor
dizendo, que classe de cortesã oculta seu corpo em vez de usá-
lo para conquistar?
Guiado por um diabinho em seu interior, James se
aproximou da cama e começou a dar puxões ao lençol que ela
sustentava com firmeza. «Isso não é de cavalheiros», sua
consciência reprovou-o, mas ele a ignorou. Só queria que ela
reagisse, nada mais.
― Mudou de opinião? ― Perguntou e o tom esperançado
em sua voz fez James suspirar.
― Não.
― Então vá embora ― ordenou e segurou com mais força
seu lençol ao peito. ― Parta ou grito.
― E quem virá em sua ajuda? – Zombou. ― A grande
quantidade de criados ao seu serviço? Ou sua mãe, que está
roncando como uma morsa a uns metros daqui?
Jade ofegou.
― Entrou no quarto de minha mãe?
James baixou a cabeça, envergonhado.
― Não precisamente… foi um engano.
Ela soprou.
― Vá ― repetiu, mas ele não fez conta; ao contrário,
sentou-se a um lado em sua cama.
Harry, sentindo a evidente exasperação de sua senhora,
aproximou-se de James de forma ameaçadora e mostrou os
dentes para intimidá-lo. James o ignorou e a raposa, irritada,
começou a morder sua bota.
Exasperado, James pegou a raposa pelo pescoço disposto
a deixá-lo no piso, mas o animal, com seu instinto defensivo e
desconfiando, inclinou a cabeça em um movimento rápido e
passou o dente de tal forma, que rasgou a camisa e o fraque do
homem, inclusive causando um ferimento em sua pele.
Com um grunhido James soltou o animal e observou o
ferimento que começava a sangrar.
― Harry, não! ― Jade exclamou ao ver o animal se
aproximar de novo e, esquecendo o pudor, soltou o lençol e
atravessou a cama até chegar a ele para observar o ferimento.
― Oh, Deus. Lamento-o. Ele não quis fazê-lo ― desculpou-o. ―
Em realidade, é culpa sua ― acusou-o.
― Minha culpa? ― Questionou atônito.
― Sim, não devia me contradizer. Harry me é leal.
― Então esta criatura vai atacar a todo aquele que não
ceder aos seus desejos?! ― Inquiriu em um tom de voz mais
alto que o razoável.
― Ele o advertiu quando lhe mordeu a bota. Você o
agarrou e isso o pôs à defensiva. As raposas são muito
desconfiadas.
James blasfemou em voz baixa e Jade se aproximou de
seu armário. Tirando uma de suas anáguas mais velhas,
rasgou um pedaço e a encharcou em uma bacia de água que
tinha à mão. Logo agachou-se em frente ao homem e com
cuidado subiu o tecido até deixar ao descoberto o ferimento.
― É só um arranhão ― informou depois de examiná-lo e
colocou o tecido molhado com água sobre ele. Ele protestou
pelo ardor e ela sorriu. ― Eu acreditava que os homens fossem
mais valentes. Resultaram ser mais chorões que nós.
Atacado em seu orgulho, ele não disse mais nada
enquanto lhe limpava o braço. Ao finalizar pegou outro pedaço
de tecido de onde tinha saído o primeiro e o envolveu com
cuidado.
Ele a observou enquanto trabalhava e não pôde fazer mais
que ficar maravilhado ante o que via. O cabelo dela estava
despenteado por ter estado deitada e o tinha recolhido em uma
trança que lhe chegava quase até a cintura. Seus olhos verdes
estavam concentrados no trabalho e sua boca formava uma
linha reta de severa concentração. Baixou um pouco mais a
vista e conteve a respiração quando conseguiu ver, através do
tecido translúcido da camisola, uns seios cheios cujos mamilos
se marcavam no fino algodão.
O impulso de baixar as mãos e acariciá-los foi tão forte
que James não soube como conseguiu controlar-se para não
ceder. Ela terminou e, alheia ao tumulto de desejo que lhe
tinha provocado uma simples vista, levantou o olhar e sorriu.
― Pronto ― informou, levantando-se.
― Obrigado ― ele murmurou pestanejando como se assim
pudesse dissipar a onda de desejo que o tinha percorrido.
Jade sorriu.
― Digamos que era meu dever, depois do que Harry fez.
Agora, o melhor será que…
― Jade? Está acordada? Preciso falar contigo ― falou lady
Seaford da porta, batendo com força. Jade não necessitou
muito mais para saber que estavam em um apuro.
Capítulo 9
Jade ofegou ao escutar a voz de sua mãe e olhou ao James
como quem vê o produto de uma travessura que saiu mal e
está a ponto de ser descoberta.
Sua mãe bateu à porta com mais força e Jade soube que
em qualquer momento entraria, se fosse necessário, para
despertá-la.
Meteu-se a mão à boca e mordeu suas unhas
desesperada, até que lhe veio a iluminação divina e, agarrando
a mão de James, puxou-o até escondê-lo no armário, justo no
momento em que a porta se abria com um golpe.
Espremendo os olhos com os dedos, dando a aparência de
quem acabava de levantar, Jade olhou à sua mãe com o vivo
rosto de alguém que não estava fazendo nada fora do comum.
― O que aconteceu, mãe?
― Estava adormecida? A esta hora? Você sempre se
levanta cedo.
Jade encolheu os ombros e observou como lady Seaford se
internava na habitação e se deixava cair na cadeira da
penteadeira. Ainda tinha a camisola posta, sinal de que
acabava de se levantar, e Jade agradeceu por não ter reunido
força suficiente para trocar-se, se tivesse feito, teria que
explicar sua demora em abrir a porta.
― Ontem foi um dia muito duro – explicou. ― Estava
cansada.
Sua mãe assentiu com expressão solene e se abanou com
a mão enquanto dizia em tom dramático.
― Oh, Deus, não me recorde isso. Ainda não posso
acreditar que estejamos passando por isso. Disso queria lhe
falar, Jade, tem que se casar!
Jade suspirou e lançou um olhar fugaz ao armário. Sua
mãe tinha escolhido justo esse momento para ter a tal
conversação. O que lorde James pensaria?
Tinha tratado desse tema em incontáveis ocasiões, e a
mulher, apesar de saber que suas possibilidades não eram
altas, não perdia a esperança, agora menos que nunca, quando
as coisas tinham piorado.
Ela tinha passado grande parte da noite anterior
pensando no assunto até o cansaço a vencer. Sabia que o
tempo era muito valioso para perdê-lo buscando uma solução,
mas tampouco podia fazer nada no momento.
Reconsiderou a ideia de aceitar a ajuda do homem que
agora tinha escondido, mas a descartou da mesma maneira
que descartou a carta em que pensou novamente em enviar ao
barão de Clifton. Que responsabilidade tinham esses homens
com sua família se não eram nada dela? Ela não podia
aproveitar-se dessa maneira de sua generosidade. Se pudesse
lhes devolver o dinheiro, possivelmente o faria, mas sabia que
jamais poderia pagar aquela quantia, ao menos, não em vários
anos. Por isso, seu cérebro devia encontrar outra coisa a fazer,
mas desejava prolongar o mais que pudesse aquele momento.
Desejava não pensar neles por um curto período de tempo,
embora fosse para reunir suficiente prudência para confrontar
o resto.
― Mãe, já falamos neste assunto, eu…
― Sim, já sei. Não quer se casar. Não há ninguém que se
fixe em você. Mas é sua culpa! Se fosse mais feminina, mais
coquete. Se não andasse todo o dia entre livros nem tivesse
esse horrendo animal de mascote ― lançou um olhar de
desprezo à raposa ― poderia haver alguém que passasse por
cima de seu pouco atrativo e se casasse com você. Oh, se fosse
mais como minha querida Susan ― lamentou-se. ― Ela sim
esteve a ponto de casar-se com um bom homem. Um barão,
como seu pai.
Jade branqueou os olhos. Fazia anos que as comparações
com sua irmã tinham deixado de incomodá-la, principalmente
porque sabia que tinham razão. Não era bonita nem muito
feminina, mas era como era e não pensava mudar nem
acreditava poder fazê-lo de tudo. Era sua natureza. Para a
desgraça de seus pais tinha nascido defeituosa.
― Mãe, encontrarei a maneira de nos tirar desta situação.
― Como? ― Sua mãe perguntou com voz azeda. ― Espero
que não siga com aquela absurda ideia de se tornar professora.
Seria o que faltava para acabar na desonra total.
Se sua mãe soubesse o que de verdade tinha pensado e
feito para conseguir o dinheiro, morreria de uma apoplexia
nesse mesmo momento. Para sua sorte, a mulher nem
suspeitava e, enquanto de Jade dependesse, não o faria jamais.
― Mãe, ― Jade repetiu armando-se de paciência ― tem que
entender que…
― Nada, não tenho que entender nada ― a mulher
resmungou. ― Deve se casar, e deve se casar com alguém que
possa nos manter bem e tirar seu pai do cárcere.
Jade branqueou os olhos. Que homem quereria casar-se
com ela agora que se divulgou a notícia de sua quebra? Para a
sociedade, literalmente, não existiam.
― E onde se supõe que conseguirei esse homem, mãe? ―
Perguntou sem deixar passar o tom irônico. ― Não recordo que
haja um pretendente tão favorável por estas bandas. Tampouco
temos dinheiro para uma temporada em Londres. Nem para
pagar a hospedagem, atrever-me-ia a afirmar.
Sua mãe a olhou com um sério gesto de recriminação e
irritação.
― Não me falte o respeito ― a mulher ordenou. ― Eu só
quero seu bem-estar ― queixou-se com tom lastimoso. ― Mas o
que terei feito eu nesta vida para merecer semelhante situação?
Minha querida Susan morta, meu marido preso, e a única que
tem a solução em suas mãos é uma egoísta que só pensa nela e
não em sua pobre mãe.
Jade baixou a cabeça envergonhada ante a recriminação,
porque muito no fundo sabia ter ela razão. Não tinha acaso a
solução em suas mãos? Entretanto, também estava o assunto
de que, se aceitasse o dinheiro de lorde James, como explicaria
à sua mãe a forma em que o tinha conseguido? Dizer-lhe que
ele se ofereceu a ajudá-la suscitaria suspeitas que, com muita
probabilidade, derivariam em um interesse do homem por ela.
Não era algo tão grave se soubesse como dirigir-se, mas poderia
culminar em muitos rumores mal-intencionados quando o
homem se fosse e não houvesse nenhum compromisso no
meio. Inclusive podia chegar à conclusão de ter entregue seus
favores em troca do dinheiro, coisa que não estaria muito longe
da verdade. Mas ninguém, absolutamente ninguém, acreditaria
ter sido um ato de boa vontade e nada mais.
Enquanto se perguntava se valia a pena tantas falações
para salvar a sua família, sua mãe continuou o discurso da
filha ingrata que lhe havia tocado e se lamentou mais algumas
vezes de sua má sorte. Quando enfim partiu, exigindo-lhe que
fosse pensando em um homem adequado, Jade quase se
esqueceu daquele escondido em seu armário, se não fosse
porque Harry olhava com o que mais se assemelhava a um
cenho franzido a porta deste.
Rapidamente se apressou a abri-la e um incômodo James
saiu tentando tomar ar.
― Por fim. Acreditei que morreria de asfixia enquanto
esperava sua mãe ir-se.
Jade se negou a envergonhar-se. Ninguém o mandou
entrar em seu quarto.
― Teria merecido ― afirmou. ― Agora será melhor que vá…
James, que parecia ser daqueles homens que escutava só
aquilo que lhe convinha, ignorou seu intento de mandá-lo
embora e se deixou cair na cadeira que há pouco sua mãe
tinha abandonado. Era um canapé pequeno e feminino, mas se
via bastante cômico sendo usado por alguém do tamanho do
homem.
― Ainda temos uma conversação pendente ― recordou
com voz um tanto dura.
Estava irritado, mas não porque quase morrera asfixiado
no armário, mas sim porque escutou claramente todos os
insultos que a mãe de Jade lançou sobre esta. Ouvi-la como a
comparava com sua falecida filha lhe tinha feito ferver o sangue
e crispado o bastante. Ele não tinha conhecido a tal Susan,
mas estava seguro de que Jade não devia ter nada a lhe
invejar. Não satisfeita com isso, a mulher tinha chamado, sem
pudor, a sua filha de feia e estranha e quase a tinha acusado
de sua situação atual.
Só não tinha saído para dizer algumas verdades à lady
Seaford porque a sensatez tinha feito ato de presença e lhe
tinha impedido de cometer uma loucura, mas vontade não lhe
faltou. Era inaudito que uma mãe fizesse tais comparações com
suas filhas e degradasse a uma delas de tal forma só por ser
diferente. Tinha lhe incomodado bastante sua conduta, assim
como lhe tinha enfurecido saber que Jade esteve a ponto de
cair em desgraça só para salvar aquela família que não a
apreciava, embora ela não soubesse.
Olhou-a novamente e viu que ela tinha começado um
vaivém pela habitação. Sua camisola estava um pouco curta e
deixava aparecer a pele suave de seus tornozelos, mas James,
para não perder outra vez a cabeça, ignorou esse detalhe e se
fixou em seu rosto.
Sua carnuda boca rosada tinha um ríctus pensativo e
seus olhos revelavam o debate interno que estava levando a
cabo nesse momento. Não precisava ser um gênio para
adivinhar que estava recordando as palavras de sua mãe e
procurando a melhor maneira de proceder.
Qualquer um que tivesse escutado o que ele tinha ouvido,
teria empreendido a fuga só se por acaso a jovem de verdade
levasse em conta a ideia e desejasse casá-lo. Mas James não o
fez por dois motivos: o primeiro, porque tinha a certeza de que
ela jamais se valeria de um ardil semelhante. Se algo lhe tinha
ficado claro nos poucos encontros que tiveram, é que a mulher
possuía mais honra que muitos cavalheiros, e jogar sujo não
estava em seus planos. Antes preferia sacrificar seu bom nome
e seu futuro a usar uma das estratégias mais antigas do
mundo para caçar marido. Isso era algo que admirava e
respeitava.
O segundo motivo pelo qual não saiu correndo era que a
ideia já não lhe era tão desagradável, como devia lhe haver
parecido. Era estranho, mas para declarar a si mesmo como
um solteiro contumaz, amante da vida e da liberdade, a palavra
«matrimônio» tinha deixado de surtir o mesmo efeito de antes
ou, melhor dizendo, a palavra «matrimônio» seguida de «Jade»
fazia com que visse as coisas diferentes. Era louco e absurdo,
mas James tinha a sensação de que os sentimentos por ela
eram além do normal. Como se explicava aquela necessidade
de protegê-la e de defendê-la de todo dano? Podia ter muitas
justificativas, entre as quais poderia encontrar-se se
apaixonado.
Como vinha pensando recentemente, não era alheio ao
sentimento, mas deveria protestar se considerasse que mal
conhecera a mulher por uma semana. Ninguém se apaixonava
nesse tempo? Ou sim? Esmeralda Loughy, fiel defensora do
amor, estava acostumada a dizer que o sentimento chegava de
surpresa e uma vez encontrada a pessoa ideal, percorria o
corpo e a alma de maneira tão rápida como o veneno de uma
víbora, só que, segundo suas próprias palavras, não havia
remédio que pudesse desfazê-lo.
Não tinha acreditado nisso em sua totalidade, mas seu
irmão não lhe tinha contado que se apaixonara à primeira vista
por sua mulher? Seria isso possível?
Recordou o quanto lhe desagrava imaginá-la casando-se
com outro homem e deduziu que, embora podiam tratar-se de
ciúmes, também podia ser causa de uma imaginação criativa
como a sua e ele só estivesse divagando por terrenos
equivocados.
Ela parou de repente em seco em frente a ele e James se
viu incapaz de apartar o olhar, como se de uma atração
magnética se tratasse.
― Eu… eu deveria aceitar sua ajuda ― Jade murmurou em
voz baixa como se pronunciar essas palavras lhe houvesse
dado um trabalho memorável. ― Deveria deixar de ser egoísta e
fazê-lo por meus pais, servir-lhes de algo pela primeira vez na
vida.
Aquelas palavras ditas com sentimento o fizeram zangar
até o ponto de querer retratar seu oferecimento de ajuda àquela
família, que sempre a tinha deixado em segundo plano, como
se tê-la consigo fosse mais um castigo do que uma bênção.
Entretanto, já tinha dado sua palavra à Jade e, se conseguisse
convencê-la de aceitar sua ajuda, não seria ele quem voltaria
atrás, embora o receio de deixá-la vivendo com aquela família,
que a tinha em tão pouca estima fosse muito. Podia ser que
Jade não fosse uma beldade inglesa, e seus costumes
distassem muito de ser normais em uma jovem, mas tinha algo
que as demais não, e era aquela capacidade de amar até o
ponto de sacrificar-se pelos seres queridos. Não economizava
na hora de procurar uma solução para sua situação e qualquer
preço a pagar no futuro lhe resultaria mínimo. Isso era algo
que não podia deixar de admirar e, em sua opinião, sua família
não a merecia.
O pior era que ela parecia ter escutado essas frases de sua
mãe tantas vezes que tinha convicção disso, pois o tom em que
o mencionou delatava sua resignação sobre o tema.
Ele esteve a ponto de protestar, mas ela continuou sem
lhe dar oportunidade.
― Mas tampouco estou segura de que isso seja o melhor ―
prosseguiu e apertou as mãos. ― Como justificaria ante minha
mãe e os outros ter obtido semelhante quantia de dinheiro?
― Da mesma forma que teria justificado a obtenção dessa
quantia se houvesse se tornado minha amante ― disse
brandamente.
― É distinto ― replicou. ― Eu não pensava que me daria o
dinheiro de um dia para o outro. Acreditei em poder conseguir
em um par de meses… não sei! Tampouco estou muito segura
de como funciona isso.
James conteve um sorriso. Não, claro que não estava.
Seria o mesmo que pedir a uma pomba branca e inocente para
rasgar carne como os abutres.
― Ora…
De certa forma ela tinha razão. Seria difícil justificar ante
as pessoas e ante sua mãe o recebimento de uma quantia de
dinheiro tão alta. Dizer-lhe que um desconhecido as queria
ajudar, só significaria um sem-fim de rumores que se sabe
Deus onde parariam. Não obstante, se ela esteve disposta a
arriscar sua reputação e seu bom nome tornando-se sua
amante, duvidava que algumas falações pudessem com ela.
James sentia que só procurava desculpas para rejeitar sua
ajuda e não se sentir mal por isso.
Jade começou a passear de novo pela habitação sentindo-
se a pior filha do mundo. Por que não dizer que sim? Por que
não deixar seu orgulho de lado e deixar o homem fazer o que
desejava? Simples, porque não queria aproveitar-se de seu bom
coração, nem desejava que sua família o visse em um futuro
como uma tábua de salvação, em caso de haver problemas.
Além disso, no fundo, muito no fundo, Jade queria ganhar
aquele dinheiro, e não só para demonstrar a si mesma que não
era de tudo inútil, mas também porque aquele beijo a tinha
deixado ansiando prazeres que uma senhorita não deveria
conhecer.
― Façamos um trato ― Jade propôs. ― Eu aceitarei o
dinheiro e inventarei uma procedência acreditável, mas…, mas
você me deixará pagá-lo.
James suspirou com o mesmo ímpeto de alguém cansado
de discutir o mesmo e olhou Jade aos olhos, olhos cheios de
desejo e esperança. Então tudo ficou claro.
Ela não rejeitava sua proposta só por orgulho, ou porque
não queria aproveitar-se de uma pessoa boa, que em parte era.
Rejeitava-a porque levava anos sentindo-se menosprezada e a
necessidade de sentir ter feito algo era mais forte que o sentido
comum.
De repente, uma vontade de abraçá-la e lhe dizer o quanto
era especial se apoderou dele de tal forma que se assustou. O
que era aquilo? Por que aquela necessidade de a fazer se sentir
bem? Seria certo que o que lhe inspirou em princípio fosse
mais que desejo carnal e atração? Não sabia, assim como
tampouco soube o que o impulsionou a dizer as seguintes
palavras.
― Está bem, vamos fazer da seguinte maneira. Eu lhe dou
o dinheiro, e você se casa comigo.
Capítulo 10
Jade piscou uma, duas, três vezes antes de negar com a
cabeça e decidir ter sofrido de uma alucinação auditiva. Sem
dúvida ele não tinha dito aquilo e ela só estava ficando louca
por todos os problemas que tinha em cima. Mas, se fosse isso
por que ele a olhava com cara de alguém esperando uma
resposta?
Se não fosse capaz de afirmar conhecê-lo o suficiente para
dizer que não era o tipo de pessoa que brincava cruelmente
com os sentimentos dos outros, Jade teria acreditado de se
tratar de uma brincadeira de mau gosto; só que não era o caso,
e ela, masoquista, teria desejado que o fosse, pois o que diria a
seguir seria desenvolvido de forma mais singela.
― Ficou louco? ― Perguntou-lhe incapaz de dizer outra
coisa.
Era muito provável, pensou James, ainda não acreditando
nas palavras que saíram de sua boca. Matrimônio? Tinha
pedido em matrimônio uma mulher que conhecia há apenas
uma semana? Se isso não se qualificava como loucura não
sabia o que poderia ser.
O correto, sensato e cordato seria procurar a forma de sair
do embrulho no qual ele mesmo acabava de se colocar, mas
não disse nada, só esperou que ela dissesse algo mais. Como
pensou antes, a ideia da palavra «matrimônio» não lhe parecia
tão má quando dela se tratava e, se olhasse de outro ponto de
vista, casado poderia retornar a Londres sem ter que
preocupar-se com a perseguição de sua cunhada e todas
aquelas mulheres que usavam vestido e tinham entre dezoito e
vinte e cinco anos.
Em poucas palavras, podia ser que a proposta não
resultasse tão amalucada como em um princípio pôde
acreditar. Sobretudo se considerasse que poderia tê-la em sua
cama sem remorso nem peso na consciência, além de liberá-la
de uma família que, pelo visto, não lhe tinha muito apreço.
Sim, todos ganhavam.
Ao ver que ela só atinou a olhá-lo muda de assombro, ele
argumentou.
― Pensa-o, se se casar comigo, não será necessário
inventar uma desculpa para justificar o dinheiro e faria a sua
mãe feliz.
Jade sacudiu a cabeça e o olhou como se considerasse
seriamente seu nível de sanidade.
― E o que você ganharia com isso?
James duvidou um momento antes de responder. Sem
dúvida não podia lhe dizer que tinha a cabeça confusa desde
que a conheceu, por isso decidiu lhe dar a mesma razão dada a
si mesmo para justificar aquela loucura.
― Poderei retornar a Londres e minha cunhada não me
perseguirá mais, nem ela nem todas as jovens solteiras de
Londres.
Ela o analisou dando-lhe a impressão de que aqueles
olhos verdes podiam descobrir qualquer mentira que saísse de
sua boca só o olhando aos olhos.
― Isso não é verdade ― declarou, e James se surpreendeu
por ver confirmadas suas suspeitas. Ele não era mau
mentiroso, então como…? ― Acredito que queira é se deitar
comigo sem remorso nem peso de consciência.
Ele se envergonhou ao ver outra de suas razões secretas
descoberta e o embaraço deveria ter sido notado, porque ela
balançou a cabeça como quem sabe que tem a razão e ele está
errado.
― Não é necessário o matrimônio para isso… ― ruborizou-
se um pouco, mas logo sacudiu a cabeça e o olhou com
decisão. ― O único a colocar barreiras é você mesmo.
James se incomodou que ela seguisse com o tema de ser
sua amante e se empenhasse em rebaixar-se daquela forma.
― Pode ser. Mas eu prefiro o matrimônio, e não consigo
conceber o porquê você prefere ser minha amante tendo a
possibilidade de ser minha esposa. Que classe de mulher
preferiria isso?
Jade formou um sorriso um tanto melancólico.
― Uma anormal como eu, acredito.
― Você não é anormal ― afirmou.
― Então você tem um estranho conceito da normalidade,
se é o que crê.
Bom, ele tinha sido criado com quatro mulheres que
distavam muito de ser as perfeitas senhoritas da sociedade;
não era de estranhar que o costume de viver com elas e
sobreviver aos seus estranhos jantares, tivessem propiciado
que seu conceito do «normal» fosse mais extenso que o de
outros. No entanto, não iria deixá-la se ver como um estranha.
― Sou mais liberal de pensamento, mas nos desviamos do
tema. Esta é a melhor solução para ambos, deixe de pensar
tanto no assunto.
Pressentindo uma longa conversação Jade foi se sentar na
cama e o olhou dali.
― Eu não me quero casar, nunca. Mencionei-o em uma
ocasião.
James recordou-se de ela o ter mencionado no recital da
senhora Crawley, mas acreditou ter sido um exagero da parte
dela, que lhe serviria de apoio para a tola ideia de tornar-se sua
amante. Devia saber que a convicção com que o disse não era
pouca para ser tomada como um exagero de sua parte.
Por que não quereria casar-se? Haveria simplesmente
perdido as esperanças ou existia outro assunto atrás dessa
atitude? Devia ser o segundo, pois se fosse o primeiro não
estaria rejeitando-o nesse momento.
― Por que? ― Questionou querendo sair das dúvidas.
Mas ela não respondeu. Baixou a cabeça e olhou ao chão
como se houvesse algo muito interessante nele. Passou ao
menos um minuto antes que dissesse:
― Não está entre os meus desejos ― murmurou ao final em
voz tão baixa que James mal a escutou.
Quis seguir interrogando-a, mas, por seu tom sabia que
desviaria qualquer intento de sua parte. Então decidiu que era
melhor tentar convencê-la.
― E está em seus desejos se tornar a amante de um
homem? – Interrogou. ― Pelo amor de Deus! Pensa bem no
assunto.
― Quem deve pensar bem no assunto é você – teimou. ―
Não se dá conta que o matrimônio é uma decisão muito séria
para ser levado levianamente? ― James pensou que ela se
daria bem com Safira, essa era sua frase favorita. ― Querer
deitar-se com uma pessoa não é motivo suficiente. Cedo ou
tarde se arrependerá e ambos terminaremos infelizes. Então, a
culpada serei eu ― culminou sem dar-se conta de que, para
James, acabava de admitir mais do que deveria.
― Você? Por que você seria a culpada se a ideia foi minha?
Jade se deu conta então do erro cometido e olhou suas
mãos, que brincavam nervosas com a barra da camisola.
― Pois… tem razão, que tolice eu disse. Tudo seria sua
culpa. ― Levantou a cabeça ao terminar de falar. ― Mas de
igual forma terminaríamos sendo infelizes.
James não se enganou com aquela mudança de atitude,
mas decidiu não desviar a conversa a outros temas não tão
relevantes.
― Asseguro-lhe que estou acostumado a tomar decisões
acertadas em todo momento, por isso…
― Não ― ela o interrompeu com uma firmeza
surpreendente. ― Está claro que hoje você não está bem. A
falta de oxigênio no armário deve tê-lo afetado. O melhor será
que se vá antes que alguém nos descubra aqui. ― Ela se
levantou e se dirigiu para ele, pegou sua mão e puxou-a para
incentivá-lo a levantar-se. James o fez, mas só porque sabia
que não podia ficar eternamente ali. Queria casar-se, mas não
daquela forma.
― Ao menos me diga que pensará ― ele pediu dirigindo-se
à porta.
Ela suspirou.
― Não mudarei de opinião. Se quer deitar-se comigo só
tem que dizê-lo e podemos idear outra classe de trato.
Ele fechou os punhos para evitar sacudi-la por sua teima.
― Sabe, acredito que hoje tampouco você está bem. Em
uns dias possivelmente…
― Não mudarei de opinião ― ela assegurou. ― E, se você
não o fizer, será melhor não voltarmos a nos ver. Eu verei como
consertar isso. ― Abriu a porta e, aproveitando sua
incredulidade, puxou-o para fora e voltou a fechá-la em sua
cara, com isso não lhe deixou outra opção a não ser ir-se, antes
que alguém o descobrisse.
Resmungando, James retornou à sua casa pensado se
teria sido muito pedir, que o destino pusesse em seu caminho
mulheres normais e não vários pares de loucas que pareciam
ter sido tiradas de outro mundo. Primeiro, sua cunhada, logo
as pupilas desta, e agora ela. Que classe de mulher em seu são
julgamento rejeita uma proposta de matrimônio que a salvaria
da ruína? Podia não ter sido a forma mais romântica de
propor-lhe, mas dadas as circunstâncias, isso lhe parecia
irrelevante.
Sacudiu a cabeça ao mesmo tempo que tomava o caminho
em direção à sua casa. Não entendia por que eram tão
complicadas; por que essa, em específico, era tão complicada.
Ele só queria ajudá-la de uma forma honrosa. Se se
arrependesse depois ou não de sua decisão, a culpa seria
inteiramente dele, mas jamais se atreveria a magoá-la de algum
jeito em forma de recriminação, não era desse tipo de pessoa e
acreditava havê-lo deixado claro. Por que então assegurar que a
culpa seria dela? Tão pouca confiança tinha em si mesma? Era
isso? Havia algo, além do ser desprezível que tinha por mãe,
fazendo-a se considerar pouca coisa para um matrimônio?
Eram muitas perguntas e poucas respostas, então James
decidiu lhe dar uns dias. Sua primeira impressão não foi o de
uma mulher insensata, então sem dúvida reconsideraria bem
as coisas e se casaria com ele. Era o melhor para ela e, embora
soasse estranho inclusive pensá-lo, também para ele.
Mas Jade não pensava mudar de opinião.
Nem no dia seguinte, nem nos dois que seguiram, ela
chegou a considerar oferta, por um momento apenas, porque
sabia que estava fora de lugar. Seria uma terrível esposa,
arruinaria a vida dele, sabia disso. Ela não sabia socializar nem
se comportar em grandes eventos. Sua reputação estava
manchada depois do acontecido com seu pai, e isso significaria
um escândalo para a família do duque. Tinha como mascote
uma raposa, e não pensava abandoná-la, nem sequer era
formosa para justificar, que ficou perdidamente apaixonado
quando a viu.
Não havia desculpa para a alta sociedade não formar um
escândalo por suas bodas. Ela os desprestigiaria e ele logo a
odiaria. Sabia. Por isso preferia ser sua amante, assim haveria
menos riscos para James. Apesar de tudo, apreciava-o e, com o
que fizera hoje só o tinha afiançado. Era uma pessoa muito boa
para destiná-lo à vida que lhe daria. Podia suportar o
desprestígio social por torna-se amante de um homem, que em
certo ponto as pessoas esperariam, devido a sua situação, mas
não pensava arrastá-lo consigo.
Suspirando, terminou de recolher seu cabelo e, pela
primeira vez em três dias decidiu sair da habitação. Era hora
de enfrentar a realidade. Já tinha se lamentado, já tinha
reprovado sua sorte, agora só tinha que procurar as soluções,
que, para seu inconveniente, pareciam haver se escondido
muito bem.
Descendo as escadas que conduziam ao vestíbulo, ainda
pensava na forma de tornar aquele dia produtivo, quando seu
fiel mordomo lhe entregou uma carta.
Rogando que não fosse alguma outra pessoa exigindo
dinheiro, abriu-a e seu corpo se esticou ao reconhecer a letra.

«Já que aconteceu o inevitável, pergunto-me se estaria


disposta a reconsiderar minha proposta. Sabe que em realidade
não tem outra opção. Prometo lhe dar uma boa recompensa por
seus serviços».
AB.

Jade comprovou que além da nota vinham incluídas vinte


libras no envelope e, isso foi o que bastou para que seu
autocontrole se perdesse. Lançando a nota e o dinheiro ao chão
amaldiçoou com todos os insultos a tentativa daquele homem
que, só lhe tinha amargurado a existência e parecia seguir
querendo fazê-lo. Mas estava muito equivocado se acreditava
que se sairia bem. Podia estar em uma situação difícil, podia
não ter outra opção, mas antes morta, que deixar ir o pouco
orgulho que ficava com aquele imbecil.
Recolhendo a nota e o dinheiro do chão foi em busca de
um de seus chapéus para sair da casa. Tinha que esclarecer
alguns assuntos.
Capítulo 11
Se houvesse uma representação em forma gráfica de
irritação, sem dúvida se assimilaria muito à imagem de Jade
nesse momento. Punhos apertados, bochechas vermelhas e
olhar tão feroz que bem podia assassinar o ingênuo que se
atrevesse a pousar seus olhos nela.
Em sua mão direita espremia o envelope causador de sua
irritação e seus passos acelerados se dirigiam sem deter-se
para a casa do administrador dos Richmond. Tal era sua
irritação para essa pessoa que pouco lhe importava a discrição,
se alguém a visse, ou se o próprio James a descobrisse ali não
era de seu interesse nesse momento. Queria jogar o estúpido
envelope à cara de Andy e lhe dizer umas verdades. Não podia
acreditar que em alguma ocasião esteve apaixonada por aquele
homem, nem sequer compreendia como não se deu conta antes
da classe de animal que se escondia atrás da fachada de um
tipo alegre e simpático.
Mas aqueles anos de ingenuidade já tinham passado. Já
não era a mesma parva que caía ante umas palavras bonitas e,
se algo podia agradecer àquele imbecil, era lhe haver feito pôr
os pés na terra e amadurecer, deixar de sonhar com príncipes e
princesas e enfrentar a sua realidade.
A casa do administrador era uma residência que ficava
atrás da propriedade principal. Era singela, mas tinha um ar
agradável que inspirava confiança e fazia as visitas se sentirem
cômodas, ao menos se não se encontrava Andy, cuja presença
e sua má aura entorpecia o lugar.
Tentando controlar-se se por acaso fosse o senhor
Brickner quem abrisse a porta, Jade modulou sua forma de
bater à porta. Era provável que àquela hora o senhor Brickner
estivesse ocupando-se de suas obrigações e Andy fazendo
nada, como sempre, mas preferia não se arriscar.
A porta foi aberta por Lizzi, a única criada da casa, que se
encarregava de cozinhar e manter o lugar. Jade a conhecia
muito bem e tentou lhe dedicar um sorriso, mas não conseguiu
mais que uma careta, o que fez a mulher estranhar.
Quando jovem, era tanta sua imprudência que pouco lhe
tinha importado em ir visitá-lo em sua casa. Era uma garota
cheia de ilusões e feliz porque alguém tinha mostrado interesse
por ela, naquela época não era consciente que não tinha
nascido para merecer carinho de ninguém porque não era o
que as pessoas procuravam em uma mulher.
― Olá, Lizzi, Andy encontra-se? ― Quando a criada
assentiu e ia se colocar de lado para fazê-la passar, ela
interrompeu: ― Melhor lhe dizer para sair.
A mulher voltou a assentir e desapareceu um momento.
Se algo podia apreciar em Lizzi, era sua discrição.
Pouco depois saiu Andy e seu sorriso autossuficiente
bastou para que o pouco controle que tinha acumulado
desaparecesse como o vento. Sem fazer caso à parte racional
que lhe aconselhava não fazer uma cena em pleno dia, jogou-
lhe o envelope que, para sua imensa satisfação, golpeou-o em
plena cara e lhe apagou aquele sorriso irritante.
― Acredito que isso basta para saber o que penso de sua
oferta ― disse com rancor.
Andy a olhou com raiva.
― Não sabe o que está fazendo. Logo se arrependerá ―
assegurou, mas Jade não lhe prestou atenção, deu meia volta e
começou a caminhar com a intenção de ir-se, mas ele a puxou
pelo braço e a fez virar-se. ― Sabe que não tem outra opção.
Pode se dar todos os ares de dama que quiser, mas ao final não
será mais que outra…
Uma sonora bofetada voltou a interromper suas palavras.
A raiva lhe esquentava cada gota de sangue de seu corpo e teve
que respirar fundo para poder levar ar aos seus pulmões. Não
lhe importava o que ia acontecer com sua vida, mas jamais
deixaria que Andy Brickner visse como se sentia humilhada. Ao
menos não seria ele o causador.
Tentou escapar de seu braço, mas só conseguiu que a
pressão se intensificasse mais. Os olhos do homem destilavam
coragem e pareciam fora de si, tanto que a assustou.
― Mas que dignidade finge agora, quando há anos estava
disposta a fazer o mesmo comigo sem dinheiro no meio.
Os olhos de Jade ameaçaram encher-se de lágrimas ante a
lembrança, mas fiel ao seu orgulho, impediu-as. Olhou aos
lados como se alguém pudesse ir salvá-la daquele ser
desumano que agora tinha prendido seu braço, mas tudo
estava em uma estranha calma. Lamentou não ter levado Harry
consigo, possivelmente podia lhe haver esmigalhado outro
pedaço de carne, como aquele dia.
― Isso demonstra quão ingênua pode ser alguém aos vinte
anos. Felizmente, não é preciso muito para amadurecer e
diferenciar os bons dos indignos. Agora me solte, ou começo a
gritar.
Ele a olhou zombeteiramente.
― Pensa armar um escândalo, por acaso? Não acredito que
isso lhe convenha, não depois de ter um grande problema às
suas costas.
Jade tinha algumas réplicas mordazes preparadas, mas
algo, ou melhor dizendo, alguém, evitou que o fizesse.
Montado em um garanhão negro e vestido com um
elegante traje de montar, James chegou onde se encontravam e
a ameaça que brilhava em seus olhos quando olhou Andy fez o
corpo de Jade estremecer.
― Posso saber o que acontece aqui? ― Questionou com
uma voz aparentando calma, mas cuja advertência de que
esperava uma resposta favorável não passava desapercebida.
Como se de repente o contato com sua pele lhe queimasse,
Andy a liberou e olhou ao James como quem olha a um susto
que o levava além. A fanfarronice e a prepotência de uns
segundos atrás tinham desaparecido, e tinha deixado em seu
lugar o covarde que sempre fora.
― Lo-lorde James. Nada, não acontece nada.
James olhou à Jade esperando uma confirmação. Quando
a viu ao longe pensou ter se decidido e fosse lhe dar uma
resposta, mas ao vê-la se dirigir à casa do administrador e que
posteriormente Andy saía dela, suas suspeitas se confirmaram.
Pouco a pouco foi aproximando-se, observando cada detalhe da
conversação, do papel que lhe jogou na cara, para sua
surpresa, até o resto das ações violentas que o tinham deixado
muito pouco predisposto para o filho de seu administrador.
― Lorde James ― Jade saudou com tom formal tentando
aparentar tranquilidade, não desejava complicar mais as
coisas. ― Não acontece nada.
― Não? Permita-me pô-lo em dúvida, senhorita Kingsley. É
a segunda ocasião em que a vejo esbofeteando este homem e,
embora ambos me asseguraram na primeira vez ser só um mal-
entendido, eu gostaria de saber o motivo desta vez. Acredito
recordar, senhor Brickner, ter lhe advertido que não toleraria
este tipo de situações.
O tom de pele do homem baixou alguns tons e seu corpo
começou a produzir quase imperceptíveis tremores. Jade
jamais o tinha visto assim, e vê-lo produzia uma perversa
alegria imprópria dela. Não obstante, não queria causar
problemas ao senhor Brickner que, à diferença de seu filho, era
uma boa pessoa, então disse:
― Foi um pequeno mal-entendido. Acredito que estou
sendo um pouco dramática. Desculpe-me por importunar desta
maneira. O melhor será que eu parta.
― Espere, senhorita Kingsley ― parou-a e descendo do
cavalo, pegou ligeiramente seu braço para detê-la. ― Já que
está aqui poderia me acompanhar em um passeio ― sugeriu.
Jade se mordeu o lábio. Não acreditava que essa fosse
uma boa ideia. Pressentia um interrogatório a fundo e ela não
tinha sido dotada com a habilidade de mentir.
― Temo que devo retornar, entretive-me muito e…
― Serão só uns minutos. Um curto passeio. Vai me negar
esse prazer? ― Insistiu e ela viu em seus olhos a determinação.
Suspirando, assentiu e tomando as rédeas do cavalo ele
começou a guiá-la para frente; à Jade não passou
desapercebido o frio olhar que dirigiu ao Andy. Não lhe
importava o que acontecesse com ele, mas ela não queria ser a
causadora, assim como tampouco desejava que o senhor
Brickner carregasse as consequências por sua imprudência.
Não devia ter ido ali.
Caminharam em silencio até as cavalariças, onde deixou
seu cavalo com um criado e começou a passear pelos jardins
principais. Ao ver que não dizia nada, e seu cenho se
encontrava um pouco franzido, sinal que analisava algo, Jade
se adiantou.
― Asseguro-lhe que foi só um mal-entendido e não se
repetirá.
Prestando-lhe toda a atenção e um ligeiro sorriso aliviou
seu semblante.
― Não lhe perguntei nada.
― Mas ia fazê-lo ― adivinhou e ele não o negou e como
supôs, insistiu.
― Jade, não sou tolo, se tivesse sido um mal-entendido
não lhe teria dado uma bofetada e ele não a teria segurado da
forma que o fez. Tampouco teria a olhado como se quisesse lhe
golpear.
Ela baixou o olhar. O homem tinha resultado ser bastante
observador, embora tampouco tinha que ser muito inteligente
para sentir a tensão que havia entre ambos.
― Pois foi – teimou. ― Podemos deixar o tema?
― Não. Temo que me é impossível ignorar isso. Na última
vez adverti ao Andy Brickner…
― Tinha falado com ele? ― Interrompeu atônita, mas ele
fez um gesto com a mão para lhe tirar importância.
― É óbvio, tampouco acreditei em todo aquele «mal-
entendido» que assegurou. Só queria confirmar.
― Quer dizer que minha palavra não foi suficiente.
― Não tente se desviar do tema ― repreendeu sabendo que
ela pretendia chegar a qualquer outro lugar. ― Disse que tinha
que velar para que quem trabalhasse com meu irmão fosse
confiável. O senhor Brickner certamente o é, mas seu filho…
conhecendo como deve conhecer as damas destes lados, duvido
que haja lugar a mal-entendidos, ao menos não como o que eu
cometi. Então faz-me pensar que…
― Nada ― ela interrompeu ela. ― Esqueçamo-lo, por favor.
Se me desculpar, acredito que devo retornar…
James enlaçou seu braço com o seu para evitar que
escapasse.
― Está bem, esqueçamo-lo ― aceitou, embora ela soubesse
ser só momentaneamente. ― Mas não vá ainda. Você não
gostaria de passear comigo?
Uma decisão sensata teria sido negar-se, e possivelmente
teria tido a coragem para fazê-lo se ele não tivesse formulado a
proposta com um sorriso travesso, e um brilho atraente em
seus olhos. Era como o semblante de um menino, aquele que
tinha o poder de fazer acessar a quase tudo o que quisesse.
― Está bem.
Ele ampliou seu sorriso, e ela só pôde imitá-lo. Passearam
um pouco pelos jardins até que ele a desviou do caminho e
começou a levá-la a uma pequena pradaria. Sentando-se sob
uma árvore, incentivou Jade a segui-lo, que, depois de um
minuto de dúvida, imitou-o.
Era um daqueles estranhos dias onde o sol se elevava em
seu máximo esplendor e não havia uma nuvem que
entorpecesse a luz. O vento soprava de forma suave e Jade se
deleitou respirando o ar puro que tranquilizava seus alterados
nervos por todo o acontecido.
― Não entendo como pode não gostar disto ― murmurou
fechando os olhos e afinando seus ouvidos para escutar o som
dos pássaros cantar. ― O campo é formoso.
Ele aproveitou sua distração para pegar uma de suas
mãos e acariciá-la. Sentia a necessidade de sentir sua pele, de
deleitar-se com seu tato. Era como se seu corpo emitisse uma
substância que ele necessitava e só podia obtê-la roçando-a.
Ela olhou estranhando o contato, mas ao contrário do que
pensou, não a afastou.
― Nunca disse que eu não gostava ― ele respondeu pouco
depois. ― É bastante agradável, mas às vezes se volta tedioso
para alguém acostumado à atividade.
― Suponho. Em troca, Londres para mim é o pior. Gente
em qualquer parte. Ruído, contaminação. ― Estremeceu-se
como se só lhe recordar causasse horror. ― Prefiro mil vezes
viver aqui, embora não haja muito o que fazer ou explorar.
Ele sorriu e com delicadeza começou a acariciar os
nódulos de seus dedos. Ela tentou que ele não notasse o efeito
turbador que tinha seu contato.
― Tem seu lado bom. As festas, os clubes, os jantares. Se
não prestar atenção à sociedade hipócrita ou não tiver uma
cunhada como a minha, é muito agradável ― aduziu.
― Não sou boa socializando ― ela insistiu. ― Não me
encaixaria.
― Às vezes não encaixar é o que torna as pessoas especiais
― expressou com calma riscando com seu polegar um círculo
em seu pulso. Jade tentou dissimular a onda de calor que a
envolveu, mas não pôde, então só se concentrou em não
estremecer para que ele não se desse conta. Isso era normal? ―
As pupilas do meu irmão, as Loughy, nenhuma delas podia
dizer-se que se encaixassem como mulher ideal. Safira talvez,
mas terminou fugindo à Gretna Green, então imagine. Mesmo
assim, casaram-se com um marquês, um duque e um conde
respectivamente.
As Loughy… as Loughy… onde ela tinha escutado aquele
nome? Devido ao seu interesse exclusivo em sua temporada em
Londres por caçar marido e não decepcionar a sua família,
poucas vezes prestava atenção às intrigas da sociedade,
entretanto, havia coisas que eram impossíveis de evitar,
aquelas que iam de boca em boca porquê de verdade davam o
que falar. As Loughy… claro! Rubi, Topázio e Safira Loughy
eram as que ela chegou a escutar. Eram as pupilas dos duques
e eram os melhores partidos da temporada. Formosas como
nenhuma mais, mas também bastante esquivas. Aos seus vinte
anos não se casaram e se dizia que Topázio Loughy espantava
a quem se atrevesse a aproximar-se. Como não se lembrou?
Esteve a ponto de assentir concordando, mas se calou ao
recordar que ela não era como elas. As Loughy eram
extrovertidas, simpáticas, mas, sobretudo, formosas.
― Não é o mesmo – teimou. ― Eu não sei interagir em
sociedade.
― Às vezes é melhor não o fazer ― respondeu com uma
careta, como se recordasse maus momentos. ― Só terá que
saber desfrutar sem prestar muita atenção aos outros. Esse é o
lema delas, e o de Esmeralda, a última que ficou.
― A que deixou à mercê de sua cunhada?
Ele assentiu e seus olhos expressaram remorso.
― Sim…, mas Duende é forte, e seu objetivo é claro, não se
casará se não estiver apaixonada.
Jade franziu o cenho.
― Duende?
Ele assentiu e sorriu.
― Esmeralda tem a estatura de um duende – explicou. ―
Digo assim por carinho. É como se fosse minha irmã mais
nova.
Jade balançou a cabeça como se não entendesse como
aquele apelido podia ser carinhoso. Também percebeu que ele
não tinha soltado sua mão, e agora observava sua palma com
curiosidade.
Jade se ruborizou envergonhada. Sua mão não tinha o
aspecto que deveria ter a mão de uma senhorita. Quando
começaram a ficar sem criadas e o estado da casa se deteriorou
grandemente, foi trabalho de Jade e das poucas que ficavam,
tentar lhe dar um aspecto apresentável. Às vezes, quando não
queria pensar e estava muito desanimada para ler, ficava a
ajudar nos afazeres, embora depois levasse uma reprimenda de
sua mãe por isso. Não estavam tão cheias de calos como as das
criadas ou as da governanta, mas tampouco eram suaves e
delicadas.
Quis retirá-la, mas ele a impediu, em troca, com o tato de
uma pluma, passou a gema dos dedos por elas. Para seu alívio,
não disse nada.
― Acredito que deveria ir ― murmurou, mas como vinha
sendo seu costume nesse dia, reteve-a.
― Tão cedo. Começarei a pensar que se aborrece em
minha companhia ― brincou e se inclinou um pouco para ela.
Sua mão livre foi para a sua bochecha e acariciou a suave tez
com delicadeza.
Jade podia haver se afastado, mas aquele simples gesto
era algo que no fundo desejava e, por isso, seu cérebro preferia
processar a desculpa de não ter nada pelo que temer e se
deixou ficar. Quis fechar os olhos e perder-se por completo
naquelas sensações. Naquela estranha alegria que a percorria
só por sentir seu tato. Naquela felicidade, porque algo lhe
gritava no fundo que era suficientemente boa para sentir-se
querida. Desejava fechar os olhos para perder-se em seu tato e
esquecer todo o resto, mas não o fez para não delatar a
profundidade dos sentimentos que percorriam cada fibra de
sua pele, como se em vez de um simples roce lhe estivessem
injetando alguma substância capaz de descontrolar seu
organismo.
― Minha mãe pode preocupar-se ― mencionou tentando
não cair no feitiço que rodava ao seu redor e esperava a
mínima oportunidade para apanhá-la e fazê-la perder o juízo.
James duvidava que aquela mulher se preocupasse por
sua filha, mas preferiu guardar seus comentários e tentar
convencê-la. Não queria que se fosse, queria tê-la perto. Uma
atração inexplicável o incitava a mantê-la consigo.
― Só um momento mais ― tentou com voz sedutora. ―
Prometo não fazer nada mau.
Desta vez fechou os olhos e então a magia que a rodeava
envolveu-a lhe fazendo perder a capacidade de raciocinar. O
polegar dele fazia círculos em sua bochecha e o outro
acariciava sua mão. Uma corrente a atravessou e, unida às
suas palavras, fez com que desejasse o desconhecido, já não
por necessidade, não porque era sua única saída, só porque o
desejava. Antes que pudesse pensar bem, um lado dela que
desconhecia murmurou.
― E se eu quiser que o faça?
Ele deteve as carícias, mas não retirou a mão e como se
quisesse assegurar-se de que não o faria, usou as suas para as
reter. Não queria perder seu contato, tornou-se algo
indispensável.
― Jade… ― escutou que dizia com tom de reprovação.
― Não – ela o deteve em voz baixa forçando-se a abrir os
olhos. Concentrou-se em seu olhar e a coragem que
normalmente a abandonava, tinha decidido fazer uma parada
em seu corpo para incentivá-la a dizer: ― sei o que pensa, mas
eu… eu acredito que o desejo. Não sabia que isso era possível.
Ao princípio era só por dinheiro, mas agora não… me deixe
provar, James, deixe-me fazê-lo contigo.
James não respondeu imediatamente. Olhou-a com uma
ternura que não tinha recebido de ninguém e fez com que algo
se movesse em seu interior. O que era aquilo? Também
formava parte do desejo?
― Só se aceitar se casar comigo.
Ela suspirou decepcionada. Por um momento pensou que
tudo podia ser fácil.
― Não.
― Por que não?
James não entendia por que seguia insistindo. Tinha-o
rejeitado; em qualquer outra ocasião seu orgulho lhe teria
impedido de seguir com o tema, mas algo o incentivava a
insistir. Parecia que era mister tê-la como sua mulher. Algo o
exigia. Coagia-o a não se dar por vencido. Jamais acreditou
ver-se em uma situação similar e, se lhe houvessem dito em
outra ocasião que estaria mendigando um sim, riria, mas agora
não lhe importava.
― Não se pede em matrimônio uma pessoa que conhece a
apenas uma semana ― fê-lo ver.
James sorriu recordando Safira, que só lhe bastou uma
noite para fazer uma proposta ao que agora era seu marido.
― Vi casos piores ― assegurou. ― Agora…
Ela negou com a cabeça evitando que seguisse e se
obrigou a sair do transe onde se encontrava.
― Acredito que assim não vamos chegar a nenhum lugar.
― Muito ao seu pesar liberou-se de seu contato e se separou
um pouco. ― Não vou me casar contigo. Algum dia me
agradecerá por isso.
Com pouco ânimo começou a levantar-se.
― Jade…
― Adeus. ― E antes que perdesse as forças, pôs-se a
correr.
James não fez gesto de segui-la, só ficou ali olhando-a
afastar-se, mas com um objetivo claro. Não tinha a menor ideia
do que havia se apoderado dele, nem tampouco do motivo de
seu interesse por ela. Também desconhecia se este seria
passageiro ou duradouro, mas por agora era a ideia que tinha
na cabeça e não havia maneira de tirá-la. Podia estar
cometendo uma insensatez, ou simplesmente decidindo aquilo
que mudaria a sua vida para o bem, mas não havia volta.
Agora só tinha que ver quem era mais teimoso.
Capítulo 12
Ignorando deliberadamente os olhares curiosos, Jade
elevou o queixo e caminhou pelo povoado com a maior
dignidade que foi capaz de recolher.
O rumor de sua já confirmada ruína e o traslado de seu
pai ao cárcere devia ser, desde há dias, a intriga da temporada.
Duvidava haver um ser naquele povoado que não estivesse
informado do assunto ou não o comentasse e, embora antes
ignorassem que passeasse pelo povoado vestida como uma
criada só por ter um pouco de respeitabilidade, agora nem isso.
Não havia nada pior para a sociedade que um dos seus
perdesse toda sua fortuna e, além disso, terminasse no cárcere
dos devedores, por isso a família deste era literalmente expulsa
dos bons círculos e não valiam mais que o mais pobre dos
mendigos.
Tal era a situação que alguns homens se atreveram a lhe
gritar coisas vulgares, o que a fazia apertar os punhos. Tinha
perdido a respeitabilidade até aquele ponto, mas era algo que já
se esperava. As mulheres respeitáveis quase não a saudavam
se a viam; só a ignoravam. Já não era parte da boa sociedade,
só uma humana a mais.
Suspirando, fez algumas compras que se ofereceu a levar
à cozinheira para limpar sua mente. Sorriu amavelmente aos
bons vendedores, que pareciam os únicos para os quais seguia
sendo a respeitável senhorita Kingsley. Essas pessoas boas
tinham o coração e a bondade que eram escassos na boa
sociedade e Jade disse a si mesma que a vida costumava a
tratá-los muito mal.
Quando terminou, ou melhor dizendo, quando o dinheiro
acabou, dispôs-se a retornar à casa ignorando os murmúrios
com os quais se topava quando passava ao lado de alguém. Já
nada seria igual, sabia, e não imaginava como sua orgulhosa
mãe se sobreporia àquilo. Se seguiam lhe falando duas de suas
muitas amizades, seria muito.
Tinha saído do povoado e chegado ao caminho que a
conduziria para suas terras quando viu um trio de homens se
aproximando. Reconheceu dois como os filhos do médico, e o
terceiro como o filho do administrador da propriedade que
tinha ali o duque de Rutland. Nenhum devia ultrapassar os
vinte e cinco anos e, segundo se dizia, não possuíam o melhor
comportamento. Diziam terem brincado com várias criadas,
mas nunca se confirmou nada a respeito.
Embora tentou ignorá-los e seguir adiante, deram-lhe
alcance e um estremecimento percorreu seu corpo como um
mau pressentimento.
― Bom dia, senhorita Kingsley ― saudou com um tom
aparentemente agradável o jovem George, filho do senhor
Wasner, o médico. ― Necessita de ajuda com isso? ― Assinalou
a cesta onde levava as compras. ― Podemos acompanhá-la até
sua casa.
― Obrigada por sua amabilidade, mas não será necessário.
― Vamos ― insistiu o outro filho do senhor Wasner,
Charlie. ― Não nos negue esse prazer. ― Sorriu, mas de uma
forma estranha que incentivou Jade a acelerar o passo.
― São muito amáveis, de verdade, mas posso ir sozinha.
Eu não gostaria de abusar assim de seu tempo. Seguramente
devem ter melhores coisas a fazer.
― Nenhuma como acompanhar a tão bela dama ―
assegurou o filho do administrador e, em um descuido, enlaçou
seu braço com o dela. ― Será todo um prazer, não é verdade,
moços?
Eles assentiram, mas o brilho em seus olhos lhe deu mau
augúrio. Tentou escapar, mas não o permitiu, em troca, George
Wasner lhe puxou do outro lado e, sem que pudesse prever,
começaram a arrastá-la para uma direção diferente.
― Soltem-me – Jade disse tentando ocultar o pânico em
sua voz e olhando para trás para ver se alguém podia vir em
seu auxílio, mas já estavam muito longe do povoado e ninguém
parecia estar perto.
― Só será um passeio ― um deles comentou com tom
zombeteiro.
― Soltem-me ou…
― Ou o que? ― Charlie Wasner zombou. ― Mandará seu
pai nos desafiar a um duelo? Oh, espera, esqueci, ele está no
cárcere. ― Riu de uma maneira bastante grotesca e Jade
começou a temer de verdade, embora fizesse maior esforço para
convencer-se de que eles não podiam lhe fazer nada.
Seguramente só queriam lhe fazer uma má brincadeira, sim, só
isso…
Começou a debater-se com força para liberar-se de seu
agarre, mas eles só riram. O medo começou a correr por cada
parte de seu corpo, expandindo-se tão rápido como o veneno de
uma serpente.
― Andy não nos disse que era tão arisca ― Brunno Smith
protestou e a compressão chegou a ela naquele momento.
Maldito fosse Andy Brickner por tudo aquilo! Teria sido
muito esperar que não fizesse represálias a respeito, mas as
pagaria, de alguma forma…
Que a arrastassem com mais força interrompeu seus
pensamentos e a obrigou a concentrar-se na maneira de sair
daquela confusão. Se gritasse alguém tinha que escutá-la…
― Tampouco nos disse quanto cobrava ― George indicou e
Jade empalideceu.
― Vão-se ao inferno! ― Bramou. ― Libere-me agora mesmo
se não quiserem…
― Se não quiserem que um de vocês termine com um
ferimento à bala e os outros com tantos golpes que não poderão
sair de casa em semanas ― terminou por ela uma voz às suas
costas.
Ela ofegou e agradeceu interiormente a Deus quando os
dois homens a soltaram e todos se viraram para olhar o
emissor da ameaça.
James estava a uns metros dela com uma expressão que
bem podia ter congelado o inferno. Em sua mão direita levava
uma arma de uma bala e em seus olhos a determinação de
lançar-se sobre quem fosse que se atrevesse a atentar contra
ela.
Jade retrocedeu uns passos, aproveitando, e viu como
James movia com parcimônia a arma, como se essa fosse uma
extensão de seu braço.
― E então? – Insistiu. ― Espero haver uma boa explicação
de para onde levavam dessa forma a dama.
Os homens olharam com receio a arma e logo se olharam
entre si.
― E-ela, ela queria vir conosco ― Brunno gaguejou e Jade
soltou um ofego antes de gritar.
― Isso não é verdade!
Os rostos dos homens empalideceram quando ele começou
a elevar a arma. Olharam em todas as direções como se
procurassem uma saída.
― Têm vinte segundos para desaparecerem da minha
vista, ― ordenou ― ou vão ter que carregar um de vocês ferido
gravemente.
― Não-não pode fazer isso ― Charlie desafiou, mas o medo
que transparecia em sua voz tirava toda credibilidade de suas
palavras.
― Quer que lhe demonstre isso?
Sem que fosse necessário dizer mais, os homens puseram-
se a correr até que desapareceram de sua vista.
― Pergunto-me onde está aquela tua raposa quando se
precisa dela ― James resmungou guardando a arma na parte
dianteira do fraque. ― Não lhes teria vindo mal serem
desprendidos de uma de suas extremidades.
Jade não respondeu, ficou estática no lugar, sem
conseguir processar tudo o que acabava de lhe acontecer. Seu
olhar estava perdido em algum ponto do caminho e seu corpo
tremendo ligeiramente em um efeito secundário.
― Está bem? ― Perguntou com suavidade.
James estava fervendo de raiva. Se ontem se sentiu
furioso pelo que viu Andy Brickner fazer, a fúria que
experimentava naquele momento deveria catalogar-se como
desumana. Cada fibra de seu corpo estava tensa sem poder
encontrar relaxamento e seus punhos se crispavam pela
necessidade de persegui-los e golpeá-los, até lhes ensinar como
se tratava uma dama.
Era imperdoável o que lhe fizeram, e só de pensar o que
podia ter acontecido se ele não tivesse chegado a tempo…
preferia não pensar, ou não resistiria ao impulso de matar
algum daqueles três. Melhor se concentrar em agradecer a
quem fora o responsável por fazer com que visse como eles
perseguiam Jade e posteriormente, ser testemunha de como
começavam a arrastá-la. Admitia que em princípio acreditou
que ela estava com eles por vontade própria, e essa
possibilidade o pôs tão irritado como agora, que esteve a ponto
de ir-se, mas não precisava ser muito detalhista para notar a
resistência dela quando se desviaram do caminho.
Aproximando-se lentamente pegou-a pelos ombros, e ao
ver que não opunha resistência, abraçou-a.
Jade se apertou contra ele como alguém que segura uma
tábua para manter-se flutuando no meio do mar. Seu contato a
reconfortava de uma maneira impressionante e sua respiração
começou a voltar à normalidade.
― Pronto, não acontecerá nada ― ele lhe sussurrou ao
ouvido para tranquilizá-la.
Ela quis assentir, mas preferiu manter sua cabeça quieta
em seu peito, aspirando o agradável aroma masculino que se
internava em suas narinas e atuava como calmante. Fazia-a
consciente de sua presença e a tranquilizava sobremaneira.
Logo seu corpo relaxou e ele a separou um pouco. Ela
lamentou a perda de contato, mas não protestou.
― Acompanhá-la-ei à casa.
Jade negou com a cabeça.
― Não quero ir para casa. ― Não naquele estado. Já estava
mais tranquila, mas seu rosto delatava tudo e o que menos
desejava era escutar queixas de sua mãe e ouvi-la lamentar-se
de suas desgraças.
James franziu o cenho como se não soubesse o que fazer.
― Para a minha há um longo trecho, mas acredito que um
pouco de exercício não nos viria mal ― argumentou e pegando-
a brandamente pelo braço incentivou-a a caminhar.
Jade pegou a cesta que tinha soltado em algum ponto do
caminho e James a arrebatou para que não levasse peso.
Dedicou-lhe um débil sorriso em agradecimento e ambos
começaram a caminhar.
― Obrigada ― Jade sussurrou já mais recomposta,
deixando que o ar lhe acariciasse o rosto. ― Você parece ser
meu anjo guardião ― disse para aliviar um pouco a tensão,
mas só a menção aos recém acontecimentos, fez com que o
cenho dele se franzisse em desgosto.
― Não posso acreditar que aqueles imbecis lhe estivessem
levando a saberá Deus onde ― disse com irritação acumulada.
― Mas até que nível de maldade chegamos? Como pode atrever-
se a pensar mal de você só por… só por…?
Não pôde terminar, mas Jade não soube se foi pela frase
ou por não fazer menção ao seu atual estado de desespero.
― Andy lhes mentiu. Ele… lhes disse coisas que não eram
― Jade confessou incapaz de seguir ocultando mais atrocidades
daquele ser.
Admitia que não gostava de sentir-se vulnerável, mas não
era tão parva para não saber que, em sua atual situação, não
podia fazer nada se o homem desejasse seguir chateando-a. Em
outra situação teria guardado o segredo, mas agora sentia que
podia confiar em James. Tinha-lhe demonstrado que estava do
seu lado, e ela sentia a necessidade de desafogar-se. Estava
cansada e tinha muitos problemas em cima para ter que lutar
com mais um.
Ao ver que James arqueava uma sobrancelha esperando
mais explicação, Jade suspirou.
― Ele e eu… ele e eu não nos damos bem há um tempo.
Não pergunte, não penso lhe dizer mais, ― advertiu ― mas…
está um pouco ressentido e aproveitou este assunto para
divulgar informação falsa.
James não necessitou de mais nada para compreender e
se perguntou quanta irritação uma pessoa poderia suportar
antes de morrer de uma apoplexia. Desde ontem à noite tinha
pensado em escrever ao seu irmão para lhe notificar que
deveria expulsar Andy Brickner de sua propriedade, mas não o
tinha feito, pois não tinha elaborado argumentos
verdadeiramente válidos. Jade não lhe tinha querido dizer
nada, mas agora sim o tinha, e não pensaria duas vezes. E
mais, ele mesmo o mandaria e depois notificaria William,
duvidava que este se opusesse ou perguntasse a fundo os
motivos; ele confiava em James e isso era algo que apreciava.
Lamentava pelo senhor Brickner, mas uma escória semelhante
não podia seguir pisando em chão dos Richmond.
― Asseguro-a que não voltará a lhe incomodar ― disse-lhe
pensando em poder mandá-lo embora depois de lhe dar uma
pequena advertência…
Jade o olhou inquisitivamente esperando que explicasse
como o conseguiria, mas James desviou a vista não querendo
que ela descobrisse a fúria assassina em seus olhos. Ele estava
acostumado a ser uma pessoa tranquila e de caráter afável,
mas ver como alguém tentava machucá-la, despertava certo
lado assassino que ninguém experimentaria, embora
presenciassem ofensas similares. Era como se uma parte dele
lhe gritasse e lhe exigisse proteger algo que considerava como
dele, o que o fazia questionar se a considerava como dele. É por
isso que queria casar-se com ela? Podia ser que sim.
Um pequeno sorriso irônico se desenhou em seus lábios.
Esmeralda riria se soubesse de sua situação. Ele, James Armit,
que tinha ido ali para fugir do matrimônio, que tanto zombava
dela por assegurar que reconheceria o amor de sua vida mal o
visse, apaixonou-se em uma semana e sua proposta de
matrimônio tinha sido rejeitada em várias ocasiões. Isso não
acontecia com alguém normal.
Sabia estar apaixonado, não havia outra explicação
medianamente lógica, para explicar toda aquela maré de
sentimentos que o embargavam desde que a conheceu. Era
amor, não havia dúvida disso e, agora sabia não poder desistir
até vê-la dizendo o sim em frente ao vigário.
Atravessaram uma pequena colina em completo silêncio.
Ela parecia não querer falar e ele não queria pressioná-la,
então se limitou a deleitar-se observando-a.
Jamais pensou que poderia produzir prazer olhar para
alguém, mas o fazia. Toda ela era perfeita para seus olhos e
nesse momento não conseguia recordar haver se visto cativado
de uma forma parecida por ninguém mais. Seus cabelos, seus
olhos, sua pele, tudo destilava uma substância que parecia
penetrar no corpo e lhe produzir admiração. Para outros, podia
ser uma simples humana a mais, mas para ele era perfeita,
soube desde que a viu, desde que não pôde lhe tirar os olhos de
cima naquele dia. Algo dentro dele tinha reagido,
reivindicando-a interiormente como dele, porque só ele era
capaz de apreciar a maravilha de sua pessoa, só ele podia
saber que não era uma simples criatura de aspecto aborrecido,
e sim alguém capaz de destilar magia e envolver com ela o
primeiro desgraçado que tivesse a ousadia de aproximar-se o
suficiente.
― Tem algo estranho em meu aspecto? ― Jade inquiriu
quando o escrutínio do homem começou a incomodá-la.
James negou ligeiramente com a cabeça, mas não em
resposta à sua pergunta, e sim para sair do fantástico mundo
no qual se encontrava.
― Está me olhando estranho ― informou tomando seu
gesto como um não.
James sorriu.
― Como estranho?
― Pois… não sei. Olhava-me como se estivesse vendo algo
esplendoroso, inexistente, algo que se vê pela primeira vez.
Em resumo, pensou James, devia estar olhando-a como
um bobo apaixonado. Riu de si mesmo. Se as Loughy se
inteirassem, zombariam muito; só Esmeralda, com sua atitude
sonhadora, começaria a descrever as maravilhas do amor que
algum dia encontraria. Perguntou-se de repente se nessa
temporada tinha tido mais sorte, mas a última carta que
recebeu de seu irmão não mencionava nada relevante. Decidiu
lhe escrever depois para perguntar; agora tinha assuntos mais
importantes a atender.
― Humm, pode ser que nem tanto assim, mas estou
seguro de que um pouco parecido.
Ela branqueou os olhos e se negou a acreditar no elogio.
James se deu conta de que tinham caminhado bastante
enquanto estava absorto em seus pensamentos. A mansão se
via ao longe e só ficavam umas milhas de distância.
Incentivou Jade a apressar o passo, pois o tempo tinha
começado a nublar-se e uns trovões começaram a ressoar no
silêncio do campo.
― Acredito que será melhor que retorne à casa ― Jade
comentou olhando para o céu, mas James se negava a privar-
se de sua presença tão rápido.
― A chuva a pegará. Cheguemos à minha e dali enviar-lhe-
ei em uma carruagem.
Ela assentiu e seguiram caminhando. Tampouco desejava
afastar-se dele tão cedo. Podia ser que não tivessem quase
cruzado palavras, mas só o contato de seu braço e sua cercania
conseguiam reconfortá-la e fazê-la se sentir bem de uma
maneira inexplicável. Jamais havia sentido algo semelhante e
passou grande parte do caminho perguntando-se se seria
normal. Logo, quando tinha encontrado seu olhar azul
olhando-a daquela forma tão estranha, sentiu seu coração
bater mais forte e umas cócegas em seu estômago. Ele a olhava
como se olhasse a um anjo que descera do céu para pousar-se
em sua frente, maravilhado, assombrado e com devoção.
Jamais alguém a tinha olhado assim e temeu estar equivocada.
Embora aquela pequena esperança se desvaneceu quando ele
não negou de todo sua forma de olhá-la, preferiu manter-se à
raia, porque não queria cair em mais mentiras.
Uma vez tinha acreditado que era especial e daquela vez
só trouxe consigo uma amarga decepção. Não podia dizer que
James fosse como Andy, seria pecado afirmar tal coisa, mas
tampouco podia se dar ao luxo de acreditar-se mais do que era.
Era o que era e não havia nada que fazer.
― Por que não quer se casar? ― Ele perguntou de repente,
fazendo-a deter-se pela surpresa.
Estavam quase chegando em sua casa, mas à Jade já não
parecia tão boa ideia, se ele pensasse seguir com o
interrogatório.
― Já lhe disse isso, não está entre meus planos. Além
disso, eu não seria uma boa esposa.
Incomodou-o que seguisse falando assim dela mesma.
― Seria uma esposa estupenda ― afirmou. ― Não entendo
por que… ― calou um momento quando uma ideia se formou
em sua cabeça, uma muito pouco agradável. ― É por ele? É
pelo Andy Brickner? ― Indagou.
Foi só um segundo, mas bastou para que James notasse a
tensão invadir seu corpo antes que ela dissimulasse. Não havia
resposta que valesse, já havia dito tudo e Jade devia ter se visto
descoberta, porque soltou uma maldição em voz baixa. Para
sua sorte ou desgraça, conforme se visse, as gotas de chuva
começaram a cair nesse momento, obrigando-os a mover-se até
a casa. Demoraram cinco minutos, mas foi tempo suficiente
para que chegassem completa e absolutamente empapados.
Se o mordomo se surpreendeu, não o disse, e James levou
imediatamente Jade à sua habitação para que o fogo da lareira
os esquentasse. Nesse momento não lhe interessava o decoro, e
sim o fato de que ela não pegasse uma pneumonia.
Não obstante, Jade não pensava igual. Estar no quarto
dele era uma experiência nova, que lhe causava certo temor.
Sentia-se um pouco inquieta e nervosa, mesmo tendo se
oferecido para ser sua amante. Isso lhe parecia muito… íntimo,
e lhe deu um calafrio que não era precisamente de frio. Estava
no quarto dele e tinha o pressentimento de que ficaria ali um
bom tempo.
Capítulo 13
― Deveria tirar esse vestido ― James sugeriu. ― Vai te dar
uma pneumonia.
Jade se esticou ante a proposta, mas por estranho que
parecesse, em vez de sentir o desconforto ou a indignação que
deveria haver sentido, sentiu uma excitação percorrer seu
corpo. Não soube se porque levava tempo convencendo-se da
ideia de ser sua amante, ou porque o homem lhe atraía de
forma irremediável. Entretanto, duvidou na hora de desabotoar
o vestido. Os costumes e ensinos morais pesavam muito para
os atirar, de qualquer jeito, pela janela. Era um homem que
estava atrás dela, um homem que conhecia recentemente e ao
qual não a unia nenhum laço sagrado. Se sua mãe se
inteirasse daquilo morreria.
Virou-se para lhe perguntar onde estava o quarto de
banho e se tinha alguma roupa para cobrir-se logo, mas ao
fazê-lo todas as palavras morreram em sua boca ao vê-lo com o
torso nu. Desfez-se do colete e da camisa e tinha deixado ao
descoberto uns bem formados músculos que brilhavam pela
umidade. Ele não parecia dar importância a quão indecoroso
era despir-se dessa maneira em frente a uma dama, e Jade se
perguntou onde estava o sentido de cavalheirismo que tanto
apregoava. Isso sem dúvida não era de cavalheiros, mesmo
assim, não apartou o olhar, apesar disso tampouco era de
damas.
― Mas o que espera? – James a apressou com um meio
sorriso ao ver que ela o olhava embevecida. ― Não quero ser o
responsável por você adoecer.
Piscou para dissipar o encanto e conseguiu gaguejar.
― Eu… on-onde fica o quarto de banho? ― Conseguiu
formular com voz quase muda.
Assinalou-a uma porta à sua direita e ela se dirigiu para
ali, justo quando ele começou a tirar as calças.
― Jade, saia, eu lhe consegui um vestido.
Jade respirou aliviada ao saber que não teria que esperar
nua no banheiro até suas roupas secarem. Nem sequer pôde
ficar com sua roupa interior, porque também se empapou. Não
se atreveu nem a sair para as colocar em frente ao fogo por
vergonha e devia estar encerrada ali ao menos vinte minutos.
Embora James devia entender, porque não fez perguntas.
Abrindo ligeiramente a porta, mostrou uma mão e a
estendeu para lhe entregar a roupa. Ele riu e esteve a ponto de
abrir a porta para poder contemplar com prazer aquele corpo
com o qual vinha fantasiando fazia dias, mas se conteve, nem
tanto para lhe economizar a vergonha, e sim para não ser
tentado mais do que poderia suportar. Entregou-lhe o vestido e
ela voltou a fechar. Era um singelo vestido de manhã, por isso
podia colocá-lo sozinha.
Saiu cinco minutos depois com o cenho franzido. O vestido
ficava bem, um pouco apertado, mas bem, só que mal chegava
ao meio de sua panturrilha. Olhou ao James esperando uma
explicação e ele encolheu os ombros.
― Disse-lhe que Esmeralda era um duende, e é a única
suficientemente distraída para deixar vestidos esquecidos aqui
― explicou e se deleitou com a visão de seus tornozelos e meia
panturrilha descoberta.
Jade balançou a cabeça, e ignorando aquela imoralidade,
colocou sua roupa junto à dele, em frente ao fogo. Observou
que James se pôs uma calça de passeio e uma camisa, mas
esta tinha a gola desabotoada e não tinha posto nenhum
colete. Estava completamente informal e se sentou de forma
relaxada em uma poltrona perto do fogo, que junto com seu
olhar predador dava-lhe todo o aspecto de um pirata olhando à
sua cativa, pensando em todo tipo de perversidades a lhe fazer.
Um estremecimento involuntário a percorreu quando sua
mente começou a divagar, mas um trovão, bendito fosse,
devolveu-a à realidade antes que seus próprios pensamentos a
tornassem uma mulher impura.
― Eu gosto do seu cabelo solto ― ele comentou, e ela por
instinto levou os dedos até uma de suas mechas negras. Já que
seu penteado e seu chapéu tinham ficado irremediavelmente
arruinados, soltou as poucas forquilhas que o recolhiam e o
deixou cair quão comprido era até sua cintura.
― Obrigada ― murmurou e ele lhe fez um gesto para se
sentar ao seu lado.
Ela o fez e sentiu o roce de seus quadris. Era um móvel de
dois lugares, mas não desenhado para pessoas tão largas como
James, que ocupava grande espaço.
― Suponho que entenderá que não a poderei mandar à
sua casa com o clima nestas condições, é um risco. Os
caminhos devem estar cheios de barro e muito escorregadios.
Deverá esperar que a chuva diminua um pouco.
Ela assentiu de acordo. De todas as formas, preferia
retornar à sua casa com sua roupa em vez de levar um vestido
que, embora fosse bonito, deixava ao descoberto grande parte
de suas pernas. Se sua mãe chegasse a vê-la se escandalizaria
e faria muitas perguntas. Só esperava que tampouco passasse
muito tempo, ou a cozinheira começaria a se preocupar com
sua demora. Era uma boa mulher e Jade sabia que não gostava
que ela fizesse aquele tipo de tarefas porque afirmava que as
pessoas lhe perderiam o respeito, mas pelo visto jamais o
tinham tido.
Pensando de forma otimista, Jade não deixou que isso lhe
afetasse; tudo tinha sido indiretamente culpa de Andy, e uma
vez que resolvesse isto não haveria mais problemas. Além
disso, duvidava que depois das ameaças à sua pessoa, os três
jovens se atrevessem sequer a olhá-la ou a incentivar alguém a
fazê-lo.
― Não me respondeu o que lhe perguntei antes da água
nos obrigar a correr. É pelo Andy Brickner que não quer se
casar?
Jade suspirou e se perguntou se não teria invocado o tema
ao pensá-lo. Olhou ao James lhe suplicando com o olhar para
não seguir com o assunto, mas ele ou não se deu conta, coisa
que duvidava, ou simples e sinceramente decidiu ignorar sua
súplica e insistir.
― É por ele ― afirmou como se algo na expressão dela o
tivesse confirmado. ― O que ele te fez?
― O que o faz supor que ele me fez algo, possivelmente eu
fiz algo a ele? Depois de tudo, odeia-me. Não?
Ele sorriu como se isso lhe fosse engraçado, e pegando
uma mecha úmida de cabelo negro entre seus dedos, disse-lhe:
― Você jamais poderia machucar alguém de forma
consciente, é muito pura para isso. Nem sequer sabe mentir
bem.
Ela enrugou o cenho pensando se devia considerar isso
como um insulto ou como uma adulação.
― Menti-lhe a princípio; não disse os verdadeiros motivos
pelos quais queria me tornar sua amante.
Ele encolheu os ombros lhe subtraindo importância.
― Estava desesperada. É compreensível, embora possa
dizer que jamais acreditei de todo naquele conto, então, pode se
dizer que de alguma forma não estava me enganando.
Ela abriu e fechou a boca ao não ter nada a replicar. Ao
final suspirou sendo conhecedora de que ele tinha razão.
Mentia muito mal.
― Mas não nos desviemos do tema…
― Não quero falar disso ― sua voz ficou um pouco cortante
para infundir firmeza à sua declaração. ― Já não importa.
O rosto de James se aproximou do dela até ficar a um
palmo de distância. Seus olhos a observaram procurando nos
dela alguma resposta às suas perguntas, mas só pôde
encontrar um grau de desespero que o surpreendeu. Como se
só em recordar lhe fizesse mal e por isso não se atrevesse a
dizê-lo em voz alta.
― Jade… se ele te fez mal…
A advertência em seu tom de voz deixou Jade
surpreendida. Qualquer um que o escutasse não teria dúvida
que o homem pensava tomar represálias por qualquer dano
inferido a ela e, embora não devesse estranhar, considerando a
cena presenciada fazia um momento e a determinação em sua
voz ao dizer que se encarregaria de tudo, não podia deixar de
maravilhar-se com a sensação de ser o suficientemente
importante para alguém, que estivesse disposto a fazer algo
para vingá-la.
Possivelmente exagerava, podia ser que ele não estivesse
disposto a fazer algo e só eram divagações de um coração
ansiando por carinho, mas Jade preferia saborear por uns
segundos aquela ideia de ser importante, só porque a fazia se
sentir bem.
― Estou bem, ― disse-lhe isso, ― já não importa.
James apertou os dentes para evitar fazer mais perguntas.
Mentia, podia já não importar, mas não que não careceu de
importância em seu momento. Sentia-se irritado só pela
possibilidade de que esse homem tivesse podido fazer algo a
quem seria sua mulher, e de repente desfazer-se dele
mandando-o para longe já não parecia suficiente. A imagem de
Andy Brickner a sete palmos da terra começava a ver-se mais
bonita em sua mente e, se ele fosse alguém com tendências
assassinas e pouco sentido comum não teria duvidado em fazê-
lo.
Guiado pelo instinto, deixou de brincar com a mecha de
cabelo e moveu a mão à sua bochecha. Acariciou-a como se
assim pudesse apagar qualquer pingo de dor que tivesse ficado
dentro dela e, surpreendendo-a, inclinou-se para beijá-la.
Acariciou seus lábios com suavidade e doçura, só pelo
simples prazer de fazê-lo. Só pela satisfação que lhe produzia
tê-la perto e acariciá-la. Beijou-a querendo fazê-la esquecer os
maus momentos e ao mesmo tempo lhe dizer de alguma forma
que era dele, de ninguém mais. Que só ele podia beijar aqueles
lábios, que só ele podia desfrutar de seu doce elixir.
Jade não demorou para lhe corresponder e seus lábios se
amoldaram como se se conhecessem de toda a vida. Como se
estivessem apenas esperando o momento de se encontrarem
novamente e saudar-se como era devido. Não havia urgência,
como em outras ocasiões, desta vez se beijavam pelo simples
prazer de fazê-lo.
Jade foi a que rompeu o beijo, surpreendida pela
magnitude das sensações que um simples contato de lábios
podia lhe ocasionar. Afastava-a da realidade, fazia-a esquecer-
se de tudo. De suas barreiras, de suas inseguranças. Ele e tudo
o que pertencia conseguiam nela o que sempre tinha desejado:
sentir-se bem consigo mesma. Fazia-a sentir-se como se de
verdade valesse algo e, se Jade tivesse seguido sendo a mesma
ingênua de algum tempo, teria afirmado estar apaixonada. Mas
não, ela não podia se apaixonar. Não podia se apaixonar
porque ninguém podia amá-la e então ela só conseguiria um
coração que choraria a perda de algo que nunca teve.
Só que… James não era como Andy. E se ele pudesse
querê-la? E, se para ele ela fosse suficiente? Oh, como gostaria
que semelhante homem pudesse fixar-se nela, mas a parte
insegura de si se negava a ter esperanças. Não obstante, podia
ser que ainda houvesse possibilidades de compartilhar
momentos especiais com ele, não pelo dinheiro, não por
interesse, só por gosto, por prazer.
― Jade… ― ele murmurou e ela pensou que seu nome
nunca se escutou de forma tão bonita como da boca dele.
Os trovões seguiam rompendo o silêncio do dia e a chuva
golpeava com força as janelas, mas, para o casal, parecia mais
uma agradável música de fundo do que um sinal de que o céu
estava caindo.
― Deve estar com fome ― ele comentou afastando-se um
pouco. ― Pedirei para nos preparem um almoço.
Jade assentiu, mas certo receio apareceu em seus olhos.
― Sua servidão…
― Não é dada a intrigas ― James assegurou. ― Não se
preocupe por isso. Não obstante, em caso de que sua reputação
se visse afetada, estou disposto a reparar o dano.
Ela branqueou os olhos ante a insistência, mas ao
descobrir um tom brincalhão em seus olhos ela não lhe deu
importância.
James saiu um momento e logo retornou assegurando que
trariam a comida em um momento.
Sentou-se novamente ao seu lado e resistiu à tentação de
rodeá-la com seus braços. Ela tinha se sentado com as pernas
cruzadas, fazendo com que o vestido ocultasse a porção antes
descoberta de suas pernas. Coisa que o fez incomodar-se um
pouco por ter sido privado de tão deliciosa visão.
― Por que carrega uma arma quando vai ao povoado? ―
Perguntou curiosa. Tinha tido essa pergunta em mente desde
aquele momento.
Ele encolheu os ombros.
― É um hábito muito eficaz, pelo que vejo. Você nunca
sabe se será necessário.
― Leva-a também às festas? ― Inquiriu surpreendida, não
acreditava que as finas damas londrinas vissem bem que um
dos de seu círculo levasse armas de fogo a uma festa.
― Quando me é possível… nunca é demais. Esse é o lema
de Topázio.
― Também levam armas como se se tratasse de um
acessório? ― Indagou sem poder ocultar seu assombro.
Ele sorriu.
― Mencionei que distam de ser comuns. Elas me pediram
para lhes ensinar a disparar e eu o fiz, embora minha cunhada
quase me matou quando se inteirou. Quem iria saber que
ocorresse àquele par de loucas demonstrar suas habilidades,
em uma competência de tiro durante a festa campestre de lady
Pembroke? ― Defendeu-se. ― Mas mesmo assim não me
arrependo; e mais, não deseja que lhe ensine também?
Ela abriu os olhos exageradamente.
― Eu? Não acredito que…
― Seria uma boa ideia ― James seguiu dizendo e colocou
uma mão no queixo como se considerasse seriamente a
possibilidade. ― É uma excelente ideia! ― Concluiu como quem
acaba de ser iluminado por um ser divino. ― Assim ninguém
poderá machucá-la, sem ao menos saber que você é alguém a
se ter cuidado.
Jade demorou um pouco em processar a informação.
― Não, definitivamente não.
― Por que não? ― Pressionou.
― Far-me-ia mais anormal do que já sou.
― Você não é anormal! ― Ele disse, exasperado por sua
mania de menosprezar-se. ― Mas logo discutiremos isso a
fundo. Vamos, deixa eu te ensinar. Pensa que assim terá
menos dependência de alguém que a cuide. ― Ao ver que ela
duvidava recordou: ― Tem uma raposa como mascote! Não
pode ter medo de uma arma.
― Não lhe tenho medo ― protestou ofendida por ele a
considerar fraca. ― Só que… não me vejo com a capacidade de
dirigi-la.
― Claro que pode.
Ela pensou um momento. Poderia ser… se tivesse tido
uma arma podia ser que a situação de hoje não tivesse chegado
tão longe e, além disso, se sempre levasse Harry consigo,
estaria protegida…! Mas o que estava pensando? Considerava a
ideia como se acreditasse que todos os homens do povoado
começariam a atacá-la. Não acreditava que fosse para tanto,
mas tampouco seria demais. Certo?
― Está bem ― aceitou.
James sorriu triunfante.
― Amanhã. Em sua casa ou na minha?
Ela considerou. Preferia não retornar muito ali, não só
para não voltar a topar-se com o Andy, mas também para
evitar que alguém os visse. As terras de seu pai estavam mais
vazias, e estava segura de poder fugir de sua mãe…
― Na minha.
Ele assentiu.
Trouxeram o almoço e o desfrutaram em silêncio. Durante
este período a chuva diminuiu grandemente e a roupa de Jade
se secou, por isso, depois de combinar com ela a hora em que
começariam as aulas, ofereceu-se acompanhá-la à casa. Ela se
negou, mas aceitou a carruagem.
James a observou partir da janela e um sorriso se formou
em seus lábios. Tinha dado com a oportunidade perfeita para
tê-la mais perto dele e assim poder convencê-la de que um
matrimônio entre ambos era a melhor opção. Não estava
disposto a confessar ainda seus sentimentos, pois preferia não
se adiantar para evitar assim possíveis consequências
negativas, como ela querer afastar-se; mas estava disposto a
fazer com que ela começasse a vê-lo de outra forma. E o
obteria, claro que o obteria.
Sorriu com ironia ao pensar que, ao final, se sairia bem.
Capítulo 14
― Não posso acreditar que esteja fazendo isto ― Jade
expressou observando com meticulosidade a arma que
sustentava em suas mãos.
― E eu não posso acreditar que tenha trazido ele ―
recriminou assinalando à raposa que estava comodamente
deitada a uns metros deles. ― Se se assustar com os disparos e
me atacar, você será a responsável.
Como se sentisse seu desdém, Harry elevou a cabeça e
seus olhos amarelos lhe dedicaram a mesma expressão de
repulsão que James tinha nesse momento. Logo, não
considerando-o importante para perder seu valioso tempo
observando-o, voltou a fixar sua vista à frente.
― Harry não se assusta com facilidade ― Jade alegou não
dando importância ao tema. ― Sabe que não somos seus
inimigos e, por isso, não o vamos atacar.
― Fale por você ― ele replicou. ― Pode considerá-la sua
amiga, mas muito duvido que eu seja uma das pessoas que
convidaria para jantar, ao menos, claro, se eu fosse o jantar ―
ironizou e Jade branqueou os olhos. ― Como foi terminou
acolhendo-o como mascote? Tenho entendido que as raposas
são muito desconfiadas.
― Encontrei-o aqui por perto, estava gemendo. Um
desalmado caçador lhe tinha ferido a pata e estava morrendo.
Não sei como conseguiu escapar, mas foi uma sorte que o
encontrasse vivo.
― Curou-o? ― James inquiriu surpreso. ― Mas não
tentou…
― Atacar-me? Sim, mas não tinha forças suficientes para
chegar a me machucar. Uma vez curado não quis separar-se de
mim, e eu tampouco me atrevi a deixá-lo livre. Ficou coxo por
aquele ferimento e não ia poder se defender, nem se alimentar
como antes, seria uma presa fácil.
James assentiu e, embora desse outro olhar furtivo à
raposa, admirou o bom coração de Jade. Nenhuma outra dama
se atreveria jamais a aproximar-se de um animal assim, muito
menos a cuidar dele. Essa era outra qualidade para admirar.
― Bem ― James disse esquecendo do animal e centrando
sua atenção no que de verdade lhe importava. ― Disparar não
tem muita ciência, só necessita de um pulso firme, uma vista
aguda e concentração. Segure-a assim ― indicou e aproveitou a
oportunidade para ficar atrás dela e roçar suas costas e grande
parte de seus braços.
Jade sentiu uma comichão em cada parte da pele que ele
roçava e se fazia difícil concentrar-se no que lhe estava
ensinando.
― Agarra-a com firmeza, com as duas mãos, assim ―
mostrou guiando seus dedos para pegar a arma de forma
correta, mas uma vez que o fez, não se separou, e sim se
manteve colado às suas costas e as gemas de seus dedos
roçaram levemente as suas em uma suave carícia. ― A vista no
objetivo e as mãos firmes ― sussurrou em seu ouvido fazendo-a
estremecer. Como queria que mantivesse firmeza se fazia
aquilo? ― Normalmente basta ameaçar, mas se algum dia se
ver na necessidade de disparar, seja por esporte ou por motivos
que lhe escapam das mãos, não duvide e aperte o gatilho e que
não lhe trema a mão.
― Eu jamais mataria alguém ― ela assegurou com voz
afogada.
― Esperemos que jamais seja necessário ― ele insistiu
privando-a pouco a pouco de seu contato. ― Por que não
prova?
Jade olhou o alvo improvisado e tratou com todas as suas
forças se concentrar nele e não na sensação que tinha deixado
gravada em sua pele.
Apontou ao centro e pegou com firmeza na pistola. Pôs o
dedo no gatilho e, sem pensar, disparou. O ruído a
sobressaltou, fazendo-a tropeçar e quase cair para trás. O
instinto animal de Harry o fez levantar a cabeça, mas ao ver
que o perigo não era para ele voltou a baixá-la e se afastou uns
metros como se quisesse manter-se o mais longe possível do
ruído.
James e Jade observaram que a bala tinha ido parar no
tronco da árvore em lugar do alvo. Ele balançou a cabeça.
― Tremeu e fechou os olhos. Justo o que te disse para não
fazer.
― Não espera que me familiarize tão rápido ― defendeu-se.
― Jamais em minha vida tive uma destas em minhas mãos.
― Provemos de novo ― apressou, voltou a carregar a arma,
logo se aproximou com a intenção de pegar outra vez seus
braços para ajudá-la com a posição, mas Jade se negou.
Estava segura de que toda a culpa não tinha sido dela, mas
sim do efeito que ele lhe provocava.
― Está bem.
Nesta ocasião a bala conseguiu encontrar um ponto
longínquo do alvo.
― Precisa melhorar a pontaria ― informou e se recostou
em uma das árvores.
Jade o tinha guiado a um lugar desabitado que ficava na
parte traseira das terras. O lugar estava bastante descuidado,
como todas as terras, em realidade, mas era perfeito para a
prática.
James observou como ela parecia praticar a melhor forma
de sustentá-la e um sorriso veio aos lábios ante a imagem.
Uma dama com vestido sustentando uma arma a uma
distância prudente de si podia significar algo gracioso, do ponto
de vista de qualquer homem; algo horrível, se eram as damas
de classe alta quem o presenciavam. Mas, para ele, era uma
imagem… magnífica. Perguntou-se como se veria se em lugar
daquele horrendo vestido desgastado tivesse vestindo um de
noite… seria algo digno de imortalizar em um quadro, ao
menos para ele.
Perguntou-se se no povoado não haveria uma costureira
que se encarregasse de lhe confeccionar um. Adoraria vê-la
como aquela vez no recital, elegante, formosa, digna de atrair
todas os olhares… bem, não era assim também. James não
gostaria que alguém mais a olhasse, ao menos não como ele
fazia, com devoção. Mas mesmo assim gostaria de lhe dar de
presente um vestido. Só havia um problema: não acreditava
que ela gostasse desse gesto de sua parte. Sim, tinha chegado a
conhecê-la o suficiente para saber que era muito orgulhosa
para aceitar algo assim e, não só isso, mas possivelmente se
sentisse mal ao receber um vestido novo enquanto lorde
Seaford estava no cárcere.
Lorde Seaford…
Esse era outro tema. James poderia, sem nenhum
problema, pagar o dinheiro que o homem devia para deixá-lo
em liberdade, e o faria, faria por ela, porque a amava e não
gostava de ver como sua cabeça atormentava o assunto, pois,
embora não o demonstrasse em voz alta, às vezes seus olhos a
delatavam, e era completamente normal. Quem poderia fazer
como se nada acontecia, quando tinha o peso de que um ser
querido estava no cárcere? Além disso, também tinha o
assunto do local semanal, tinha que ir a Londres para isso,
podia ser que ela tivesse conseguido lhe reservar algumas
semanas, mais cedo ou mais tarde teria que viajar, e isso
significava novos gastos. Não imaginava o que ela estaria
passando e desejava ajudar, mas o deixaria, assim, sem mais?
Já lhe tinha deixado claro suas condições para aceitar o
dinheiro, mas se ele fosse e o liberasse sem que ela soubesse…
a faria se sentir mal, e tampouco desejava isso. Ela se veria
então na obrigação de querer lhe pagar o favor e, embora fosse
certo que isso poderia favorecer que aceitasse sua proposta de
matrimônio, James não era o tipo de pessoa que gostava de
forçar as coisas. O melhor seria tratar o assunto com cuidado
e, enquanto isso, mandar alguém a Londres para que se
assegurasse de que lorde Seaford se encontrava bem.
Jade percebeu que ele não lhe tirava o olhar de cima, e
incômoda, encarou-o.
― Por que me olha tanto?
Era como se encontrasse algo fascinante nela, coisa que, é
óbvio, era impossível, ela não tinha nada de fascinante.
Ele sorriu como se sua pergunta lhe causasse graça e
respondeu:
― Eu gosto de como você está, com vestido e uma arma na
mão.
Ela bufou ante semelhante resposta.
― Zomba de mim ― afirmou.
― De maneira nenhuma ― assegurou sério para que lhe
acreditasse.
Ela se ruborizou e desviou a vista à cesta com lanche que
tinha pedido à cozinheira para lhe preparar, com a desculpa de
passar um bom momento fora com Harry. Tinha pedido que
pusesse suficiente comida, alegando ter amanhecido com
apetite e, embora a olhasse estranho, não protestou. Não
obstante, Jade sabia que não demoraria para inteirar-se de que
havia alguém mais com ela. Vários lacaios tinham visto James
chegar à casa, mas ela preferia não pensar nas consequências
que isso poderia lhe trazer depois.
― Que tal se lancharmos? ― Propôs e sem esperar
resposta pegou a cesta e desdobrou a toalha que cobria a
comida sobre a erva debaixo da árvore. Sentou-se, e James a
imitou.
Harry, que já tinha comido antes da saída, nem sequer se
aproximou, então o casal pôde desfrutar de um pouco de
intimidade.
Jade pegou um par de frutas e uns pães doces e foi
colocando fora da cesta para posteriormente começar a comer.
A imagem dele ao seu lado, compartilhando com ela o
lanche, pareceu-lhe bastante agradável. A familiaridade que
pareciam ter a fez imaginar inconscientemente um quadro onde
essa cena se repetia, e não só isso, mas acontecia em outros
lugares e de diferentes formas. Quase sem ser consciente disso,
Jade começou a imaginar distintas coisas que poderiam fazê-la
se decidir a aceitar a vida que lhe oferecia, coisas das quais
tinha perdido a esperança, fazia tempo.
Não pôde evitar ceder às imagens que, como mulher,
faziam-lhe ilusão. Jantar com ele cada noite, sentar-se para
conversar juntos em frente à lareira, inclusive chegou a
imaginar a cara que teriam suas crianças se chegassem a tê-
las. Era tão maravilhoso, que Jade se obrigou a afastá-las
antes de a envolverem de tal forma, que já não recordasse os
motivos pelos quais devia dizer não.
Muito amargamente recordou que não deveria nem estar
compartilhando aqueles momentos com ele; tinha coisas nas
quais pensar, coisas que tinha querido deixar de lado o
máximo de tempo possível, mas sabia que não podia as pospor
para sempre. Deveria pensar em seu pai, em como tirá-lo de lá,
em como mantê-lo… em outras palavras, tinha que atormentar
a existência pensando em uma solução. Em troca, estava ali
desfrutando da companhia de um homem que jamais seria
dela. Que egoísta e má filha era.
― Acontece algo? ― Ele questionou ao ver uma notável
mudança em seu semblante.
Jade negou com a cabeça, embora fosse óbvio que não
estava bem.
― Eu… acredito que é melhor deixar isto por aqui.
Prometo praticar, mas você não deveria vir mais, logo se
formarão rumores.
James branqueou os olhos como se tivesse sido muito,
esperar que não tirasse esse tema.
― O que podem dizer se venho visitá-la? Enquanto seja
quando sua mãe está em casa…
― Pode ser que não tenha tantas pessoas ao serviço como
antes, mas sempre há alguém que pode correr a intriga… a
sociedade começará a fazer hipóteses errôneas…
― São errôneas porque deseja que o sejam ― ele protestou
sem poder conter-se.
― Logo me agradecerá que o tenha liberado do escândalo…
― Minha família vive em constante escândalo ― ele aduziu
tentando lhe fazer ver que isso não lhe importava. ― Rubi
Loughy foi encontrada em uma posição comprometedora com o
marquês de Aberdeen. Topázio Loughy vivia escandalizando a
sociedade com sua língua. Safira Loughy fugiu à Gretna Green
com um Allen. Sabe quem são os Allen?
― A família problemas? ― Perguntou franzindo o cenho
enquanto recordava.
― Exato. Esmeralda ainda não fez nada, mas com essas
referências não me surpreenderia que terminasse
comprometida com o pior pária da sociedade. Não me interessa
o escândalo nem o que falem; ao final, enquanto se tenha
dinheiro e posição, é muito provável que sigam lhe sorrindo à
sua frente.
Jade baixou o olhar, mas não permitiu que a esperança se
avivasse em seu coração. Não ainda.
― Não pode me despachar sem sequer me dar uma
oportunidade ― disse com um tom quase de súplica.
James a olhou com seus olhos azuis e ela ficou muda de
assombro ao distinguir neles um verdadeiro desejo de que ela
cedesse.
― Por que? ― Murmurou incapaz de compreender em ser
desejada por algum homem.
― Por que, o que?
― Por que esse interesse em mim? Seu desejo é tão forte?
Sua expressão se voltou dura.
― Acaso duvida de sua capacidade para atrair alguém em
outro plano que não seja o físico? ― Perguntou e ao ver que não
respondia, continuou: ― Deve estar muito magoada para
pensar assim, Jade. É uma pessoa maravilhosa.
Jade soltou uma risada carente de humor.
― Não tem que me adoçar o ouvido nem aumentar a
confiança em mim mesma. Sei quem sou e o que valho…
― Não, não sabe ― interrompeu. ― Se soubesse não falaria
assim de você mesma. É maravilhosa porque é especial.
― Sou estranha.
― Melhor. Por que querer ser como as demais? Crê que
alguma dessas damas que visitam o Almack’s seriam capazes
de resgatar uma raposa ferida e a ter ao seu cuidado? Pensa
que qualquer jovem de classe alta estaria disposta a fazer o que
você faria para salvar a sua família? Muitas prefeririam morrer
de fome antes de cair tão baixo. Primeiro teriam procurado um
homem rico ao qual levar ao matrimônio sob saberá Deus que
artimanhas. É especial. Além disso, se fosse normal, jamais
encaixaria em minha família, já lhe disse isso, todos são
loucos.
Ela tentou sorrir, mas se fez difícil quando os olhos
começaram a encher-se de lágrimas. Jamais lhe haviam dito
algo assim, jamais com tanta segurança. Os sentimentos
pareceram revoar ao seu redor e de repente todas as razões que
lhe pareciam bastante válidas para rejeitá-lo pareceram
carentes de argumentos, só porque as dele tinham mais peso
sobre sua mente. Escutá-lo dizer que era especial tinha mais
peso do que o que tinha escutado ao longo de sua vida, e que
se repetia constantemente, como se suas palavras fossem quão
únicas deveriam ter valia.
― Não entendo, ― confessou com voz afogada ― não
entendo por que é assim. Não entendo como pode haver gente
tão boa no mundo. Não consigo compreender por que quis me
conhecer, nem por que parece querer se fazer de meu anjo
guardião. Preocupa-se por mim quando ninguém o tinha feito
em minha vida, todos sabiam que eu era capaz de fazê-lo
sozinha. Isto… isto é algo ao qual não estou acostumada.
Não pôde evitar desafogar tudo o que sempre pensou e
James sorriu ante a evidente confusão em seus olhos. Estava
igual a ele há uns dias, completamente perdida em suas
emoções, mas ele sabia que no fundo a estava ganhando. Via-o
em seu olhar, sentia-o, ou possivelmente só tinha passado
muito tempo com o duende que tinha em casa, mas preferia
guardar as esperanças.
Esteve tentado a lhe confessar seus sentimentos, mas
calou no último minuto. Como explicava a alguém que
conhecia recentemente que tinha se apaixonado por ela? Soava
absurdo inclusive para seus ouvidos. Preferiu não a pressionar.
Limpou com delicadeza uma lágrima traiçoeira que
escapou da prisão de seus olhos e lhe sorriu docemente. Ele se
aproximou, disposto a apagar com seus lábios qualquer outro
rastro de tristeza, mas então, silencioso como o ar, a raposa
saltou e aterrissou no regaço de Jade obrigando-o a retroceder.
James olhou ao animal que se aconchegava com felicidade
nos braços de sua ama e este lhe retornou o olhar, que, ao seu
parecer, estava cheio de zombaria.
Bufou e voltou a recostar-se na árvore enquanto olhava
como o animal tomava toda a atenção de Jade e concluiu que
era oficial: tinha ciúme da estúpida raposa.
Capítulo 15
― Se minha irmã visse isto, jamais acreditaria ― Jade
comentou observando com satisfação como a bala tinha dado
quase no centro do alvo.
James levava uma semana inteira visitando todos os dias
sua casa e, embora possivelmente os rumores não demorassem
para divulgar-se, ela tinha decidido deixar de prestar atenção
ao assunto. Primeiro, porque tinha mais coisas na cabeça,
como deveria em uma semana procurar a forma de viajar a
Londres para comprovar o estado de seu pai e lhe pagar um
lugar no cárcere; e segundo, porque a companhia dele era o
único que proporcionava certo alívio às suas dores e, apesar de
seu receio inicial, já não estava disposta a renunciar a ele.
Fazia-a se sentir bem e isso era algo escasso em sua vida.
― Por que? ― Inquiriu despreocupado observando com
satisfação a bala quase no centro.
― Não é óbvio? Eu, Jade Kingsley, jamais em minha vida
teria me visto com uma arma; Susan menos ainda. Ela era
uma pessoa sensata, tranquila. Minha maior rebeldia foi
quando insisti que Harry ficasse conosco. ― Balançou a
cabeça. ― Tudo isto ainda me parece inverossímil.
― Amava muito a sua irmã, não é assim? ― Perguntou
notando o ligeiro tom de tristeza que imprimiu ao dizer seu
nome.
― Era minha melhor amiga, só era dois anos mais velha.
Ela era doce, formosa, boa… ― fechou os olhos um momento,
presa nas lembranças e os abriu segundos depois, aguados
pelas lágrimas contidas. ― Não entendo por que levaram um
ser tão bom. Não é justo.
Sentindo-se culpado por ter trazido à tona aquelas
lembranças, James lhe passou um braço pelos ombros em um
intento de consolo.
― Sinto muito, não devi…
Ela negou com a cabeça e se limpou as lágrimas, logo lhe
mostrou um débil sorriso.
― Não importa. Sempre lembro dela com carinho. Sei que
passou seus últimos dias felizes, porque seu prometido esteve
com ela. Contei-lhe que ia se casar com um barão?
Ele assentiu.
― Ele também era uma boa pessoa, mas depois de sua
morte… ficou destroçado. Podia vê-lo em seus olhos. Algo
dentro dele parecia quebrado. Acredito que estava mais afetado
que eu mesma.
― Quem é?
― Não lhe direi isso. Agora não tem a melhor reputação, e
prefiro que o veja como eu o vejo. Sei que no fundo segue sendo
bom, manteve-nos por quase quatro anos depois da morte de
Susan.
― Sério? ― Seu tom delatava a surpresa que lhe causava
essa ação. Se nunca houve matrimônio, o homem não tinha
nenhuma responsabilidade de manter os Kingsley. Que o
fizesse, demonstrava um grande coração e não podia entender
o que de tão grave fez para que agora não tivesse boa
reputação.
Ela assentiu.
― Sim, mas me cansei do meu pai abusando de sua
generosidade e lhe fiz acreditar que já não precisávamos de sua
ajuda, e ao meu pai disse que ele nos tinha manifestado já não
poder nos ajudar.
Um sorriso lhe escapou ante a ação. Não era de estranhar
que a orgulhosa mulher não queria seguir recebendo caridade
de alguém nem seguir aproveitando-se dele.
Como a cada dia, estenderam uma toalha sobre a grama
para comer o almoço preparado pela cozinheira e se sentaram
nela.
― Pensei em pedir a ele que fosse meu amante, ― falou em
tom casual partindo uma fogaça de pão e lhe oferecendo a
metade ― mas não me atrevi. E se ele já se casou?
Ele tentou como pôde afastar a raiva que lhe suscitava
que ela seguisse mencionando o tema do amante. Temia que
ainda não tirara a absurda ideia da cabeça, mas se
reconfortava dizendo-se que só sobre seu cadáver permitiria
que alguém mais a tocasse. Antes morto a deixar alguém mais
provar seus lábios. Não consentiria que outra pessoa
desfrutasse do sabor de sua boca, do calor e da suavidade de
sua pele. Nem se tivesse que montar guarda vinte e quatro
horas do dia para evitar dela cometer uma estupidez.
Jade pareceu notar que seu comentário não lhe tinha
agradado e considerou a possibilidade de mudar de tema a um
menos perigoso. Durante aqueles dias tinha reconsiderado sua
situação e, embora soubesse que era mister encontrar uma
rápida solução aos seus problemas, não achava nenhuma que
favorecesse a todos. Não queria casar-se com ele por medo de
lhe arruinar a vida, mas tampouco desejava procurar outro
amante, porque não concebia ser tocada por ninguém mais a
não ser ele. Mentiria se dissesse que seguia na mesma posição
de antes. Queria casar-se com ele, estava quase para lhe dar o
sim, não só por sua família, mas sim porque sentia que estava
se apaixonando.
Não tinha que ser muito romântico para saber que a
atração já superava o físico e os limites do normal. Estava se
apaixonando, possivelmente já estava apaixonada. Quando lhe
dizia tantas coisas bonitas, quando a fazia se sentir segura.
Que sua mera presença bastasse para lhe tirar um sorriso, não
devia ser produto de algo que se pudesse explicar com lógica.
Sim, estava se apaixonando, embora cada parte dela gritava
para elevar suas defesas para evitá-lo. Negava-se a cair,
negava-se a cair de novo e sair machucada. Negava-se a casar-
se com ele e, sem querer, machucá-lo. Cada vez que se
expunha a possibilidade de aceitar, umas feias palavras
vinham à sua mente e a afastavam da ilusão: «É muito parva se
crê nisso. Não é formosa, nem sequer interessante, inclusive
para alguém como eu. Só te salva a posição que, pelo visto,
também está perdendo».
Os olhos se encheram de lágrimas e lutou com todas as
suas forças para as afastar. Já não lhe importavam, aquelas
palavras se supunham não mais lhe importavam, mas ainda se
cravavam como uma adaga em seu coração ferido e alguém a
retorcia cada vez que as recordava. Ele merecia alguém melhor,
certo?
Ao ver o estado no qual de repente se encontrava, James
se aproximou dela e pegou seu rosto preocupado. Ela o olhou e
tentou controlar-se, mas foi inútil, as lágrimas começaram a
sair contra sua vontade e seu corpo começou a convulsionar.
Abraçou seus joelhos e escondeu seu rosto entre estes para
evitar que ele a visse, envergonhada de si mesma com aquela
amostra de debilidade. Todas as dores acumuladas e
confrontadas durante anos em silêncio pareceram ficar de
acordo, para aparecer nesse momento. Desfilavam ante seus
ouvidos as palavras depreciativas de sua mãe por não ser como
Susan. O tom condescendente de seu pai como se sempre lhe
tivesse pena; e como cereja do bolo, as palavras de Andy, que
tinham destroçado qualquer ilusão juvenil que pôde haver se
formado em sua vida.
Sentiu como James a abraçava e a atraía para si com
palavras calmantes, mas tiveram que passar vários minutos
antes de poder acalmar-se, e muitos mais para atrever-se a
elevar a cabeça e enfrentar o olhar inquisitivo de James. Se não
acreditava que estava louca, era obra de um milagre.
― Jade… está bem? ― Seu tom era cauteloso, tinha medo
de assustá-la mais.
Ela sorveu seu nariz e o olhou aos olhos, que sempre lhe
infundiam tranquilidade. Estava preocupado, e não era para
menos. Não tinha ideia do que lhe tinha acontecido e ela não
sabia se queria explicar.
― Sim, é só que… não pude com as lembranças da minha
irmã. Lamento-o.
Quando ele afirmou saber reconhecer uma mentira dela,
devia ser verdade, já que seu rosto era pura dúvida.
― Sabe que pode confiar em mim? ― Perguntou em tom
suave.
Jade lhe deu de presente um pequeno sorriso.
― Sempre ― respondeu e em um impulso não aprovado
por seu cérebro, roçou seus lábios com os dele.
Não sabia por que, mas uma necessidade a impulsionou a
querer seu contato como se este fosse um calmante às suas
emoções. Não deveria, se desejava manter as coisas à raia, mas
o necessitava. Só um pouco, disse a si, mas James parecia ter
outros planos, porque tomou posse de sua boca, mal estes
fizeram contato.
Ela não se fez de rogada a respeito, e colou seu corpo ao
dele. Precisava senti-lo perto, necessitava-o. Beijaram-se com
paixão, presteza. Seus lábios se roçaram e suas línguas
exploraram com prazer, desejosas de conhecer cada parte da
boca do outro, como se dessa forma pudessem conhecer cada
parte de seu ser. Jade lhe enlaçou os braços ao pescoço e ele
pegou-a pela cintura empurrando-a para trás e fazendo-a
recostar na grama.
Devia ter protestado, mas nenhum som saiu de sua boca.
Nesse momento ela só era capaz de soltar gemidos afogados
pela boca dele, e suas mãos, que deveriam havê-lo empurrado,
estavam muito ocupadas acariciando suas costas e deleitando-
se com cada músculo de seu corpo.
Estava perdida. Completa e absolutamente perdida nas
sensações de seu corpo e nenhuma força por mais latente que
fosse poderia havê-la separado dali. Não queria afastar-se, e ser
desonrada no meio do campo sobre uma toalha não parecia ser
um mal tão grave. Não enquanto fosse ele quem o fizesse. Não
enquanto James seguisse fazendo o que estava fazendo com
seus lábios sobre os seus.
Nunca tinha se embebedado, mas podia dizer, sem temor
a equivocar-se, que isso que sentia nesse momento devia ser
algo muito parecido à embriaguez. Não era capaz de pensar
com claridade e o sentido comum se foi de férias. Só lhe
importava fazer o momento durar o mais que pudesse.
Quando ele separou seus lábios, ela sufocou um suspiro
de protesto, mas quando se pousaram em seu pescoço,
suspirou e um pequeno gemido saiu dela, fazendo-lhe
desconhecida sua própria voz. Suas mãos fizeram pressão para
atrai-lo mais para ela e as dele começaram a viajar desde sua
cintura até seus seios, acariciando-os por cima do tecido e
posteriormente baixando esse para deixá-los ao descoberto,
feliz porque Jade não levasse um espartilho para segurá-los ou
impedi-lo de pensar a seguir.
Acariciou seus seios até que as pontas se endureceram, e
com a boca entre o oco do ombro, fez com que sua língua
acariciasse aquele ponto sensível ao mesmo tempo que suas
mãos brincavam com os mamilos.
Jade sentiu que uma necessidade crescia dentro dela e
por instinto elevou uma perna e a encaixou no quadril dele,
procurando mitigar aquele incômodo que começava a formar-se
dentro de seu ventre, naquela parte jamais tocada.
― Jade, ― ele murmurou com voz rouca, elevando um
pouco a cabeça para lhe falar ao ouvido ― minha formosa Jade.
Case-se comigo. Far-lhe-ei feliz, prometo-lhe isso.
Essas palavras com tanta ternura impressa foi o que
necessitou para que seu pouco sentido comum desaparecesse.
De repente nada tinha a importância de antigamente, mas sim
tinham adquirido novas ideias egoístas. Queria-o, desejava ser
sua esposa, e nem a certeza de um futuro horrível parecia
poder minguar seu ânimo. Se depois se arrependesse haveria
tempo para considerar o assunto, mas agora só atinou a dizer:
― Sim. Sim.
Foi só um sussurro, mas bastou ao James, para sorriu e
voltar a tomar sua boca com posse em celebração.
Consciente de que não podia desonrá-la ali, utilizou toda a
sua força de vontade para separar-se. Ela protestou, mas ele se
limitou a lhe acariciar uma ruborizada bochecha e lhe
acomodar o corpete antes que perdesse o controle. Quando
esteve um pouco apresentável, voltou a lhe dar um último beijo
só para selar a promessa feita, para marcá-la como o que era,
dele. Sua para sempre.
Capítulo 16
― O que aconteceu com o Andy Brickner? – Jade
perguntou-lhe quando iam de retorno à sua casa.
Não que o que acontecesse ao homem lhe interessasse
muito, mas, como indiretamente ele e suas lembranças tinham
sido a causa de que quase se desabasse daquela maneira frente
a James, seria bom saber o que tinha acontecido com ele. O
objeto de seus pesadelos e se ele ainda estava na casa
Richmond, pois se fosse assim, teria que preparar-se
mentalmente para encontrá-lo de vez em quando. Não
obstante, devia ter sabido que a raiva demonstrada por James
depois daquele pequeno incidente, não era algo a ser levado
com bom ânimo, e que o homem não sairia ileso tão fácil depois
do que lhe fez.
― Notifiquei ao senhor Brickner que seu filho deveria
abandonar a propriedade por motivos graves. Como é um
homem de confiança, ele podia ficar, mas só se seu filho fosse
embora no período de duas semanas ao muito ― respondeu
com tranquilidade e apertou os punhos como se a solução
diplomática não tivesse sido a primeira opção. ― O homem
devia saber a classe de criatura que era seu filho, porque não
se opôs e me assegurou mandá-lo com um irmão que era
arrendatário do marquês de Milford para trabalhar com ele as
terras.
Um suspiro de alívio inconsciente escapou de sua boca ao
saber que já não voltaria a vê-lo mais. Grave engano de sua
parte, pois trouxe à baila aquele tema que não queria tirar.
― Não vai dizer-me o que ele te fez? Nem sequer agora que
vamos nos casar?
Ante a menção do matrimônio, Jade se ruborizou
recordando os términos nos quais havia dito o sim. Ainda não
podia acreditar ter perdido a suficiente força para aceitar, mas
lhe era impossível voltar atrás; e não porque não quisesse,
pois, a possibilidade lhe vinha rondando a cabeça desde que
empreenderam o caminho de volta, mas era porque não podia.
Sua boca se negava a deixar sair um arrependimento porque
não estava em absoluto arrependida, e sua alma, que já era
consciente do grande nível ao qual estava atada na dele,
objetava ante qualquer ideia que pudesse entorpecer sua
crescente felicidade. Porque a fazia feliz, fazia-a imensamente
feliz pensar em compartilhar a vida com aquele homem que
apareceu de surpresa em seu caminho só para lhe trazer sorte.
Fazia-a feliz só o fato de estar ao seu lado. Fazia-a feliz saber
que a via de uma forma que ninguém mais podia e, ela queria
com todo seu ser lhe devolver parte dessa felicidade, embora os
pensamentos negativos se amontoassem em sua mente lhe
recordando por que deveria voltar atrás. Mas não podia, agora
não, embora isso significasse um futuro desconhecido e ao qual
temer.
― Precisamente por isso, já não tem importância ―
respondeu. Não queria reviver os velhos tempos, ou podia ser
que sua positividade se fosse ao ar.
Seu rosto deixou claro o pouco que ficou satisfeito com
aquela resposta, mas fosse porque não queria pressioná-la, ou
simplesmente porque não queria arruinar o momento, não
insistiu no tema e lhe deu de presente um daqueles sorrisos
que faziam de seu rosto a inveja de qualquer anjo.
― Falando das bodas, para quando crê que poderá ser?
Quer que eu fale com sua mãe ou prefere fazê-lo você? Aqui ou
em Londres…?
Jade riu ante o evidente entusiasmo do homem, que
superava o seu próprio. Por um momento se permitiu acreditar
ser mais do que o desejo ou um sentimento de amparo o que o
tinha impulsionado a lhe propor matrimônio, mas se negou a
fazer-se muitas ilusões, não ainda. Ela não era das pessoas
que podia fazer um homem se apaixonar em três semanas.
― Quando quiser. Eu falarei com minha mãe e… preferiria
que fosse aqui. Tampouco quero algo muito extravagante… eu
não gosto das grandes celebrações, põem-me nervosa.
James franziu ligeiramente o cenho ante essa última frase.
Preocupou-a que o tivesse incomodado de algum jeito. Era filho
de um duque, devia estar acostumado com ostentação e às
grandes celebrações, poderia desejar que suas bodas fosse
assim. Só que ela não se via capaz de suportar uma celebração
semelhante. Com gente que a olhasse de forma indiscreta e
lançasse indiretas em cada felicitação.
― Algum problema? ― Perguntou duvidosa.
― Não… bom, sim. Rowena é o problema.
― Rowena?
Ele assentiu.
― Minha cunhada ― explicou-se ao ver que ela não
compreendia. ― Recorda ter mencionado sua mania por casar a
todo mundo? ― Quando Jade assentiu, continuou: ― Bem,
grande parte dessa mania se deve à satisfação por organizar as
bodas. E «singelo» não está precisamente em seu vocabulário
nem o estará nunca. Se quiser algo singelo, ela não pode se
inteirar.
Jade não estava entendendo muito.
― O que quer dizer com isso?
― Que terei que conseguir uma licença especial e nos
casarmos aqui sem que eles se inteirem. ― Ao ver que ela abria
a boca surpreendida acrescentou: ― A menos que queira
esperar no mínimo dois meses e suportar saberá Deus quantas
provas e idas à Bow Street. Eu não desejo esperar tanto tempo,
pode se arrepender ― sorriu-lhe e Jade negou com a cabeça
ante sua falta de seriedade. ― Irei à Londres amanhã mesmo e
estarei retornando em uns três ou quatro dias com uma licença
especial. Poderemos nos casar quando quiser.
Jade assentiu e nesse momento chegaram à porta de sua
casa. Ele tomou sua mão com intenção de plantar um beijo
nela, mas mudou de opinião na última hora e a atraiu para si
para lhe dar um beijo curto e suave nos lábios. Quando Jade
entrou na casa, fê-lo com um sorriso um pouco parvo.
Atravessou o vestíbulo e foi diretamente para seu quarto,
onde Harry a esperava. Tinha-o encerrado ali para evitar que
causasse um desgosto à sua mãe ou a alguém mais. Pegou-o
nos braços e o abraçou lhe transmitindo a alegria daquele
momento.
― Oh, Harry, crê que isto possa ser real?
No fundo tinha medo, muito medo de que fosse uma
felicidade temporária. Os pensamentos negativos e a ideia de
não ser suficiente, não a abandonavam completamente,
embora a alegria de saber que seria sua esposa se instalava
como principal sentimento. Era muito difícil deixar de lado
todas as convicções nas quais se apoiou para rejeitar em
princípio o matrimônio, mas estava disposta a tentar, de todas
as formas, duvidava que ele a deixasse voltar atrás.
Dizendo a si que deveria informar a sua mãe, iniciou sua
busca e a encontrou, como sempre nos últimos dias, encerrada
em sua habitação, com uma camisola posta e uma toalha
úmida na cabeça para amortecer uma suposta dor. Dadas as
circunstâncias, Jade compreendia a negativa de sua mãe por
deixar-se ver inclusive pela janela, mas lhe começava a
preocupar aquele estado de reclusão. Temia que pudesse estar
deprimindo-se e não tivesse suficiente coragem para confrontar
o que viria.
― Mãe ― murmurou chamando sua atenção.
Lady Searford se incorporou um pouco e olhou à sua filha
com desdém por havê-la incomodado em seu santuário.
― O que deseja? ― Perguntou cortante.
Jade ignorou o tom e se aproximou dela, recostando-se
levemente no encosto da cama.
― Tenho notícias. Vou me casar ― informou sem sutilezas
― com lorde James Armit.
As perguntas que esperou de sua mãe ante tão estranho
compromisso jamais chegaram. Em troca, soltou um discurso
parecido ao da senhora Bennet, quando Lizzi lhe disse que se
casaria com o Darcy e, ao final, seu mal-estar desapareceu
como por arte de magia e Jade se encontrou pela primeira vez
em sua vida recebendo um abraço verdadeiro de sua
progenitora.
― Oh, Deus. Oh, Deus. Eu sabia que não podia nos
abandonar. Isto é maravilhoso Jade, maravilhoso.
Sua mãe seguiu soltando adulações ao menos cinco
minutos mais antes de mandá-la embora da habitação para
trocar-se. Sabia que aquele ânimo se devia somente ao bom
partido que significava e o dinheiro que podia tirá-los da ruína.
Dessa parte Jade seguia sem gostar muito, mas seria absurdo
tentar lhe dizer que não pagasse suas dívidas quando sabia
não ter outra opção, e tampouco lhe daria opção. Em troca, ela
esperava poder fazê-lo, embora fosse um pouco, feliz. Só
esperava que pudesse ser possível.
De noite tudo já parecia ter voltado a normalidade, no que
cabia. Sua mãe já não estava deprimida e cantarolava feliz por
toda a casa por que sua filha se casaria. Jade se retirou cedo
só para evitar toda a celebração, mas a insônia não a deixou
dormir por um bom tempo. Não sabia se produto da emoção,
ou da incerteza do futuro.
Que tal se a família dele não a aceitasse? James tinha
afirmado que não eram pessoas comuns, mas não deixavam de
ser um pouco intimidantes. Podiam pensar que se aproveitou
dele, ou que se valeu de alguma estratégia para apanhá-lo.
Agora que pensava, nem ela mesma estava segura dos motivos
dele para casar-se: pena? compaixão? Possivelmente só desejo,
desejo que se acabaria, ou seja, onde terminaria o matrimônio,
mas não quis torturar-se mais com aquilo, ao menos não por
aqueles dias. Apresentava-se a oportunidade de ser feliz,
embora fosse por escasso tempo e deveria aproveitar. Não devia
atormentar-se mais.
Removeu-se na cama e fechou os olhos disposta a dormir
quando bateram à porta.
Segura de ser sua mãe que queria lhe dizer algo que tinha
esquecido com respeito às bodas, abriu a porta e a surpresa
não pôde ser maior quando encontrou James fora de seu
quarto.
Perguntar como tinha entrado era absurdo, sabia que por
aquela janela, que devia arrumar, mas lhe interessava saber o
motivo.
― O que faz aqui? ― Questionou-o fazendo-se a um lado
para que passasse.
Harry olhou a visita inesperada com desdém, mas
acostumado a contragosto à sua presença, não fez nada.
― Vim te dar um beijo de despedida ― James declarou
rodeando-a pela cintura e atraindo-a para ele.
Jade ofegou surpreendida quando seus corpos se uniram
e elevou o olhar para encontrar-se com um brilho malicioso em
seus olhos. Sua respiração indevidamente se acelerou ao
recordar os acontecimentos desse mesmo dia e começou a
sentir calor sem motivo algum. Podia adjudicá-lo à vergonha de
que a visse em camisola, mas ele já a tinha visto dessa forma, e
não havia se sentido assim na última vez.
― Está brincando ― assegurou em um tom de voz nervosa.
Por que estava nervosa?
Ele não mudou sua expressão e ela soube que falava a
sério.
― Veio aqui quase à meia noite só para me roubar um
beijo?
― Esperava que me desse isso por vontade própria. Mas se
tiver que roubá-lo… ― inclinou a cabeça, mas Jade riu e
desviou o rosto.
― Está louco ― declarou.
― Quero que me dê boa sorte na viagem ― assegurou
muito sério. ― Só um… ou dois.
Voltou a inclinar sua cabeça e desta vez conseguiu que
seus lábios se juntassem. Jade correspondeu ao beijo e, por
vários minutos, não fizeram mais que beijar-se e desfrutar do
contato do outro. Rodeou-o no pescoço com os braços e ele a
apertou mais contra ele, desfrutando de seu sabor, de sua
textura. Bebendo dela e saboreando-a como o vinho mais caro
e delicioso.
Quando se separaram um sorriso marcava ambas as
feições.
― Vai sentir saudades de mim? ― Sussurrou contra seus
lábios.
Ela o olhou um pouco. Por que sempre fazia esse tipo de
pergunta quando seu cérebro não era capaz de dizer outra
coisa que não fosse:
― Sim.
Ele ampliou seu sorriso e deu uma olhada à cama.
― E… se nos despedimos de uma forma mais profunda? ―
Propôs com voz rouca.
Jade se ruborizou até as orelhas e o separou dela com um
olhar que tentou mostrar recriminação, mas a diversão não se
pôde escapar de seus olhos.
― Não acredito ― disse, mas ao ver que ele considerava
com seriedade o assunto, acrescentou: ― Minha mãe está a uns
quartos daqui. Não, definitivamente não.
Ele compôs uma expressão de pesar, mas a alegria voltou
a aparecer em seus olhos antes de lhe roubar outro beijo, desta
vez mais curto.
― Vemo-nos em uns dias. Morro por me casar com você ―
dito isso dirigiu-se à porta sem perceber a expressão
preocupada que de repente se instalou no rosto de Jade.
― James… ― deteve-o antes que abrisse. ― Está seguro de
que as bodas é o que quer?
James começava a exasperar-se daquela sua mania por
querer convencê-lo de que estava equivocado, quando estava
muito seguro do que fazia.
― Completamente seguro, e é melhor que não esteja se
arrependendo, porque então solicitarei a ajuda da sua mãe
para arrastá-la ao altar e obrigá-la a dizer o sim ― ameaçou
com um sorriso e lançou um beijo ao ar antes de sair.
Jade se deixou cair na cama e um pequeno sorriso de
esperança apareceu em seu rosto. Tudo sairia bem, tinha que
sair bem.
Dois dias depois Jade sentiu saudades da presença de
James quando decidiu ir praticar com a pistola; depois de
escapulir de sua mãe e evitar todo o bate-papo sobre as bodas
que estava criando. Tinha esquecido de lhe mencionar que não
seria nenhum evento esplendoroso, mas prometeu fazê-lo
assim que retornasse. Primeiro seguiria com sua prática,
porque tinha pego certo gosto à arma que o homem lhe tinha
dado.
Chegou ao lugar onde ainda seguia o alvo pendurado,
olhou ao seu redor para comprovar se afinal Harry a tinha
seguido ou não. Como não queria estar sozinha, tinha decidido
levar a raposa consigo, mas o animal não parecia estar de
ânimo e se negou a segui-la, pelo visto.
Encolhendo os ombros carregou a arma como James lhe
tinha ensinado e se preparou para atirar, mas justo quando
estava a ponto de apertar o gatilho, puxaram um de seus
braços com muita força fazendo com que, da surpresa, a
pistola caísse ao chão. Não teve tempo de pensar no que tinha
acontecido, pois em menos de uma piscada se encontrou
colada em uma das árvores com uma mão sobre sua boca e
uns olhos azuis que a olhavam enfurecidos.
― Temos que falar.
Capítulo 17
Jade observou como aquele brilho de irritação nos olhos
de Andy Brickner se intensificava ao olhá-la e um calafrio lhe
percorreu a coluna vertebral agora colada ao duro tronco da
árvore.
Com o que lhe disse James ontem, ela tinha acreditado
que o homem não representaria mais um problema, mas se lhe
tinha ficado alguma dúvida de que o seria, acabava-se de
expandir e confirmar da pior maneira.
Usou todas as suas forças para tirar-lhe de cima, mas o
homem a tinha encurralada, e enquanto uma mão lhe tampava
a boca para evitar que um grito escapasse, a outra lhe
imobilizava o pescoço e mantinha sua cabeça apertada contra o
tronco.
― Parece que deu com a língua ― sussurrou-lhe perto do
ouvido causando que o medo incrementasse e seu coração
começasse a bombear com mais força enquanto seu cérebro
procurava por todos os lados uma via de escape. ― Tem ideia
do que me ocasionou tudo isto? Meu pai vai me mandar para
longe e eu vou ter que passar o resto da minha vida
trabalhando como um vulgar rancheiro. Não estudei todos
estes anos para isto. Tinha que ser o seguinte administrador,
tinha que… ah! Maldita seja! ― Blasfemou quando Jade
mordeu com força sua mão até fazê-lo sangrar. Para seu
infortúnio, isso não conseguiu fazê-lo tirar a mão de seu
pescoço e nem afastar o temor de que podia matá-la com um só
apertão.
― Você que procurou por isso – disse. ― Eu não disse
nada. Os atos falaram por si só.
De certa forma era verdade. Não lhe tinha contado toda a
história, mas James não era tolo.
― Mentirosa! – Gritou. ― Se não lhe disse nada então por
que pediu ao meu pai para que eu fosse embora? Elevou a saia
para ele? É isso? ― Um sorriso macabro se formou em seus
lábios e uma gargalhada brotou de sua garganta. ― É óbvio que
é isso. Já dizia eu que era uma…
― Não se atreva ― Jade lhe advertiu com seus olhos
cintilando determinação. Pouco lhe importava se ele ainda
tinha sua mão sobre seu pescoço e exercesse uma leve pressão
nele, a irritação tinha começado a crescer e lhe dava uma
coragem antes desconhecida. ― Não se atreva a me insultar
nem a me jogar culpas que lhe correspondem. O melhor será
que vá embora se não quiser se colocar em uma confusão
maior, com quem será meu futuro marido.
Por um momento Jade se permitiu desfrutar do brilho de
surpresa e temor desenhado nos olhos de Andy ante suas
palavras, mas não durou mais de uns segundos, porque o
homem se recompôs.
― Conseguiu atá-lo ao matrimônio? Isso sim é uma
novidade. Pobre lorde James, compadeço-me. Mas isso não me
importa. Escute-me bem. Eu só desejo recuperar meu lugar,
então vai falar com o homem e este vai me permitir ficar,
entendeu?
― Por que eu teria que fazer isso?
Andy voltou a sorrir daquela forma horripilante. Tinha a
impressão de que esperava justo essa pergunta.
― Porque se não farei correr o rumor de nossa pequena
relação. Possivelmente possa adorná-la um pouco. O que
pensariam sobre a correta senhorita Kingsley ter namoricos
com o filho de um administrador em sua juventude? Que
mancha. Sobretudo carregando já a de seu pai. O bom juízo de
lorde James ficará em interdição.
Jade sentiu como seu rosto começava a avermelhar pelo
sangue que o coração bombeava a toda velocidade devido à
coragem.
― Ninguém acreditará em semelhante absurdo – desafiou.
― A palavra do filho de um administrador contra a da filha de
um barão.
― As pessoas acreditam no que lhe é mais conveniente,
querida. Isso se não contarmos as tuas cartas, que ainda
conservo – Andy zombou e Jade empalideceu ao recordá-las. ―
Ao menos me darão o benefício da dúvida. Além disso, estamos
falando da filha de um barão que está no cárcere como
caloteiro. Admita, o melhor será que… aaaah!
O grito dilacerado que saiu da garganta de Andy foi
seguido da liberação de seu pescoço. Jade procurou o causador
e se deu conta de que Harry o tinha mordido, deixando-lhe
uma feia ferida na perna. A raposa se aproximou tão
sigilosamente como só um animal de sua espécie era capaz e
tinha esperado o momento de maior distração do homem para
atacar. Em poucas palavras, tinha-a salvado. De novo.
Sem perder muito tempo, Jade localizou a pistola que
tinha ido parar ao chão durante o ataque e apontou-a ao
homem que se retorcia no chão. Quando este elevou a vista,
encontrou-se com o canhão apontando à sua cabeça.
― Vá embora ― Jade lhe disse com a respiração acelerada
pelo esforço de manter os nervos que estavam à flor da pele.
Ao contrário do que pensou, o homem não se alterou.
Tentou formar um sorriso com seus lábios, mas uma pontada
de dor no pé o impediu, então se conformou dizendo:
― Pagar-me-á por isso. Tentei chegar a um acordo, mas
vejo que não funcionará ― após várias caretas de dor, ficou de
pé. ― Possivelmente dê a desculpa perfeita a lorde James para
livrar-se de você e desse compromisso no qual saberá Deus
como o enganou.
― Parta! ― Jade gritou, desta vez sem controlar o tremor
de suas mãos. Ele pensava não ser ela capaz de disparar, e
podia ser que tivesse razão, mas não pensava ficar para
comprová-lo.
― Pode ser que inclusive fique tão agradecido que
esqueçamos o passado. Admite-o, Jade. Nunca será suficiente
para ninguém. Jamais poderá se comparar com Susan, nem
em encanto nem em beleza. Agora nem sequer tem dinheiro.
Por que alguém quereria unir-se a você sem nenhuma razão
válida?
O veneno que destilavam as palavras de Andy trouxe à
tona todas as vezes que tinha escutado essas mesmas frases, e
se internou em seu sangue, percorrendo-a inteira, provocando-
lhe uma agonizante dor interior fazendo-a perder os nervos.
Escutou-se o som de um disparo e pouco demorou para dar-se
conta de que ela tinha disparado.
Horrorizada, desviou sua vista para Andy e respirou
aliviada quando o viu sem nenhum ferimento novo, mas o
disparo tinha servido para que toda a valentia, a pouco
destilada desaparecesse e o sangue abandonasse sua cara.
Disposta a aproveitar essa oportunidade, correu para a bolsa
aonde guardava as munições e se apressou a carregar a
pistola. Ele quis aproximar-se para evitá-la, mas Harry se
interpôs no caminho. O sangue ainda entre seus dentes, a
raposa o saboreou como se o desfrutasse e isso, mais a cena
dela carregando a pistola, foi o que precisou para se afastar
coxeando do lugar.
Uma vez que desapareceu de sua vista Jade soltou a arma
e se desabou no chão, deixando, como na vez anterior, que as
lágrimas vagassem por suas bochechas e percorressem
livremente seu rosto, agradecendo que desta vez não houvesse
ninguém além da raposa, como testemunha de sua desgraça e
debilidade.
O animal se aproximou dela e tentou chamar sua atenção,
mas Jade só podia pensar e pensar no que estava por vir. As
palavras de Andy lhe afetaram, afetaram-lhe como lhe vinham
afetando toda a sua vida, mas não tinham tanta relevância
porque já estava acostumada a elas. O problema era o que ele
estaria disposto a divulgar só para desprestigiá-la. Se sua
posição fosse outra, se seu pai não estivesse preso e pudesse
defendê-la, podia ser que o assunto carecesse de importância.
Mas estava sozinha, vulnerável, e ele tinha aquelas malditas
cartas como prova!
Jade recordava com exatidão quando as enviara.
Mantinham correspondência quando não podiam ver-se, e nela
expressava o carinho que lhe afirmava ter. Jamais mencionou
nada indecoroso, mas sem dúvida constituiriam uma prova
contra seu prestígio.
Chorou mais forte repreendendo-se por sua estupidez, até
que ficou sem lágrimas. Se ele falasse não haveria nada que a
liberasse de escândalo. Estaria total e absolutamente
arruinada se já não estava. Se James se casasse com ela, o
criticariam, e sua desonra o levaria também. Não podia fazer
aquilo, não podia arrastá-lo mais.
Cabisbaixa, retornou à sua casa e se encerrou em seu
quarto tentando acalmar-se. De todas as formas, algo lhe havia
dito que as coisas não sairiam bem. Deveria falar com James
quando retornasse.

***

Depois de três dias na exaustiva Londres, James estava


preparado para retornar e organizar as bodas.
Os esforços que teve que fazer para passear pela cidade,
conseguir uma licença especial e evitar encontrar-se com
alguém que pudesse ir com a intriga à sua cunhada só podiam
definir-se como magnânimos. Ficou quase todo o dia no hotel e
só saiu quando foi conseguir a licença e à costureira da Bow
Street, para conseguir um vestido à Jade. De maneira
nenhuma permitiria se casar com os desgastados trajes que
possuía. Tinha subornado a costureira para lhe dar um dos
que já tinha preparado, mas tinha conseguido. Também tinha
deixado ordens para que tirassem lorde Seaford do cárcere, e
na manhã do dia seguinte partiu de novo ao campo.
Por algum motivo que não era precisamente sua ansiedade
pelas bodas, tinha pressa em retornar. Desde o dia anterior um
mau pressentimento lhe estava rondando a mente e lhe
incentivava a ir o mais breve possível a Jade. Que lhe tivesse
perguntado um dia antes se estava seguro, dava-lhe a entender
que ela ainda não estava segura de sua decisão, mas que o
crucificassem se a permitisse voltar atrás. Já havia dito que
sim e não duvidaria em utilizar a sua mãe para arrastá-la ao
altar. Confessa-lhe-ria seus sentimentos se fosse necessário
para convencê-la, mas se casariam em dois dias e não havia
nada mais a dizer a respeito.
Quando chegou, ao redor das quatro da tarde, o primeiro
que fez foi tomar um banho para se desfazer do pó e logo ir vê-
la. Era um pouco tarde, mas na entrada não lhe puseram
nenhuma objeção, assim supôs que o compromisso já era de
conhecimento público.
Pediu para ver a senhorita Kingsley e o mordomo foi
imediatamente procurá-la.
Jade recebeu a notícia de que ele queria vê-la com certa
resignação. Não estava nada contente com o que iria fazer, mas
depois de pensar com atenção todo o dia, decidiu que o melhor
seria convencê-lo de aceitar o trato inicial, aquele ao qual
sempre se negou. Andy ainda não tinha mencionado nada, mas
não duvidava que quando estivesse melhor para caminhar sem
coxear, fá-lo-ia sem duvidar, e ela não queria que começassem
a criticar o bom julgamento dele e de sua família, por casar-se
com ela. Isso o destroçaria, pois não estava só se casando com
alguém na ruína, e sim com uma pessoa que teve namoricos
com outros.
Ela sabia que James jamais acreditaria nisso, não sabia
por que, mas tinha plena confiança nisso. Não obstante, os
outros não eram James. Seriam párias sociais por um bom
tempo e a família dele a odiaria e a acusaria de haver se
aproveitado dele. Não, não podia permiti-lo. Importava-lhe. Era
uma pessoa muito boa para passar por algo assim por alguém
como ela, que nem sequer podia lhe dar a certeza de uma
felicidade futura.
Limpou-se uma lágrima que lhe percorria a bochecha e
desceu para recebê-lo. Logo a agradeceria. Estava segura de
que no futuro a agradeceria. Ele não a amava. Tudo isto não
era mais do que produto do desejo e um pouco de compaixão.
Podiam chegar a um acordo.
Quadrando os ombros, pediu ao mordomo para não avisar
a sua mãe, e se encontrou com ele na pequena sala que
usavam de saguão. Estava sentado de forma relaxada em um
dos escassos móveis que ficavam e se levantou quando a viu
entrar.
O sorriso que lhe dedicou quase a fez começar a chorar e,
teve que usar todo seu autocontrole para não derramar as
lágrimas. Quando havia se tornado tão importante sua
presença? Quando em tão pouco tempo tinha chegado a
necessitá-lo tanto que só a ideia de acabar tudo a deprimia?
Por isso queria convencê-lo de aceitar melhor uma relação
ilícita, já não para lhe pagar tudo o que fizera por ela, já não
por interesse, agora só queria estar com ele. Queria estar com
ele de uma maneira que não o prejudicasse. Ela já estava
arruinada e saberá Deus em quanto tempo estaria mais.
Ninguém estranharia sua decisão e ninguém o criticaria por
fazê-lo. Podia viver, de certa forma, feliz ao seu lado.
Riu da ironia do assunto. Apaixonou-se quando jurou que
jamais o faria de novo. Apregoava sensatez e maturidade
dizendo-se que o amor não era importante e tinha terminado
caindo outra vez nele, mas nesta ocasião era pior, porque desta
vez era um amor verdadeiro, tão forte que só a ideia de lhe
fazer algum dano a fazia retorcer-se de remorso. Queria-o ao
seu lado, sim; mas não à custa de fazê-lo vítima daquela
desprezível sociedade em que lhe havia tocado nascer. Essa
que não tinha piedade alguma pelos enganos e condenavam
inocentes por juntar-se com culpados.
Respirando fundo para acalmar-se, tentou lhe dedicar um
débil sorriso, mas seu rosto, cansado de chorar como nunca o
tinha feito em sua vida, deve ter delatado suas intenções,
porque o sorriso dele se apagou e em seu lugar uma férrea
determinação tingiu suas feições.
― Não ― declarou adiantando-se às palavras de Jade.
― James…
― Não ― insistiu com uma calma que a assustou.
Jade fechou os olhos e inalou profundamente. Quando os
abriu estes mal podiam sustentar as lágrimas.
― Sinto muito. Acredito ser o melhor cancelarmos as
bodas e o compromisso. ― E com essas palavras, algo dentro
dela se rompeu.
Capítulo 18
Jade não sabia que reação esperava por parte de James,
mas definitivamente não era aquela tranquilidade que a deixou
em pior estado do que se encontrava. Acaso não lhe importava?
Não, impossível que não lhe importasse, embora fosse só um
pouco; se esse fosse o caso, não teria se negado há pouco.
Certo?
Ele se aproximou dela com parcimônia e lhe elevou o
queixo para que o olhasse aos olhos. Jade quis evitá-lo, pois os
seus estavam vermelhos pelas lágrimas derramadas, mas não
lhe deu opção.
― Recorda o que lhe disse antes de ir a Londres? Que se se
arrependesse iria arrastá-la ao altar? Estava falando a sério.
Seu tom tão convencido a teria feito sorrir se a dor não
estivesse nesse momento ocupando seu coração.
― James. Não entende…
― Não ― cortou-a. ― Quem não entende é você. O que
tenho de fazer ou dizer para levá-la ao altar? Jade, se quero me
casar contigo não é por nenhum dos motivos que possa
acreditar, se me caso com você é porque…
― Não o quero prejudicar! ― Ela interrompeu ignorando-o.
― Não entende? Se se casar comigo, as pessoas falarão,
criticarão. Quero protegê-lo!
― Proteger-me? De quem? ― Seu tom de voz começava a
aumentar demonstrando a pouca paciência que ficava. ― Da
sociedade? Das críticas? ― Quando ela assentiu rugiu: ― Ao
inferno a maldita sociedade e suas regras! Não se importe Jade,
não se importe.
Jade fez um esforço para que seus olhos não se
enchessem de lágrimas, mas foi em vão. Suas palavras eram
tudo o que necessitava para retratar-se de sua decisão. Era
aquilo que sua mente necessitava para mandar ao coração
sinal de esperança. Mas não podia. O que aconteceria depois
das bodas? E se a odiasse por ter enterrado a sua família em
um escândalo? Agora dizia que não, mas depois…
― Agradecer-me-á ― sussurrou isso com as poucas forças
que ficavam.
― Como pode estar tão segura disso? Vê o futuro, por
acaso? ― Ela baixou o olhar incapaz de sustentar o seu. ― Não
me importa o que as pessoas pensem – declarou. ― Não vivo
deles nem minha família tampouco. Esteja segura que, se nos
tivessem querido fechar suas portas teriam feito faz tempo, com
todos os escândalos que levamos às costas. ― Pegou suas mãos
e disse em voz suave: ― Jade, o escândalo não me interessa.
Poderão dizer o que quiserem às nossas costas, sempre o
fazem, mas lhe asseguro que de frente ninguém se atreverá a
dizer uma só palavra do seu pai, ao menos, não diretamente.
O tom conciliador como o disse lhe bastou para que o
último grama de autocontrole se desabasse. Por que ele fazia
isso? Por que se comportava como se ela de verdade lhe
importasse muito? Por que lhe dava esperanças de algo que
não poderia ser? As lágrimas começaram a cair e ela se soltou
de seu agarre para dar a volta. Não queria que a visse débil.
Nem ela mesma se reconhecia. Levava anos sendo forte. Levava
anos controlando suas emoções e aquele homem tinha
conseguido que derramasse em um mês mais lágrimas que em
toda sua vida. Ou possivelmente eram as situações que se
faziam insustentáveis. Tudo o que tinha guardado dentro de si
há anos devia ter se acumulado para decidir aflorar nesse dia e
fazê-la frágil.
― Não compreende! Não é só isso, é que… ― calou-se um
momento, sua voz afogada por um soluço. Não queria chegar
àquilo, não queria confessar aquela parte de sua vida. Mas o
que mais poderia fazer? Não iria se inteirar de todas as formas?
Limpou as lágrimas que banhavam seu rosto e se virou para
enfrentá-lo. ― Recorda ter me perguntou o que aconteceu
comigo e Andy Brickner?
James assentiu pressentindo que não gostaria do que ia
escutar. Só a menção daquele homem fazia com que seu
sangue esquentasse e as mãos lhe esticassem pelo esforço de
não o golpear.
― Pois ele e eu… ele e eu tivemos uma espécie de relação
― confessou e se deixou cair no divã que James ocupava
quando entrou. Desviou a vista para a janela antes de seguir. ―
Já o conhecia há um tempo, mas há dois anos… há dois anos
ele começou a se aproximar. Primeiro com discrição, nos
domingos durante o serviço. E depois quando passeava pelo
povoado com a criada que eu tinha. Sabe por experiência que
minha mãe não é a melhor acompanhante, por isso não foi
muito difícil cercar certos encontros. Tinha recém cumpridos os
vinte e um, James. Acabava de retornar de uma temporada
nada produtiva e não me sentia bem comigo mesma. Ele
começou a me falar, a me fazer rir. Fazia-me sentir-me…
especial.
James a escutou com o que esperava ser um semblante
inescrutável. Não gostava nada. Não estava gostando nada do
rumo que tomava aquela conversação, mas obrigou seus
instintos mais baixos a manter-se à raia. Esperava
fervorosamente que a história não tivesse o final que estava
imaginando.
Jade pousou um momento sua vista na dele para
confirmar que tinha sua atenção e quando o fez voltou a
desviá-lo à janela. Não era capaz de contar aquela vergonha
olhando-o aos olhos.
― Falamo-nos por cartas que a única criada de sua casa
trazia. Comunicamo-nos assim por muitos meses até que
começamos a nos ver em segredo. Eu estava acostumada a ir à
sua casa quando seu pai não estava, e ele às vezes também
escapava para cá e nos víamos em algum ponto do bosque.
Pensava que de verdade me amava, James; e estaria disposta a
enfrentar meus pais se me pedisse em matrimônio. ― Um
sorriso amargo se formou em seus lábios. ― Ingênua, não é
assim? Qualquer um com um pouco de cérebro se daria conta
que ele só andava atrás de fortuna e posição. Por que, se não,
porque se fixaria em mim?
― Jade… ― ele a repreendeu, incapaz de escutar como ela
falava de si mesma. Mas ela o cortou com um gesto de mãos.
― Não importa. O fato é que, quando a má situação
começou a tornar-se evidente, Andy teve o descaramento de me
reprovar. Estávamos há umas milhas desta casa, no lugar no
qual sempre nos víamos. Eu a princípio não entendi, ou podia
ser que não queria fazê-lo, mas à medida que a conversação
transcorria foi impossível seguir me enganando. O homem
estava tão irritado que não media suas palavras ― embora
tentasse evitar, sua voz se tornou afogada quando lhe tocou
dizer: ― disse-me que por qual outro motivo alguém se fixaria
em alguém como eu? Quando ilusoriamente lhe confessei o que
esperava dele, suas palavras exatas foram: «É muito parva se
crê nisso. Não é formosa, nem sequer interessante, inclusive
para alguém como eu. Só lhe salva a posição que, pelo visto,
também está perdendo. Talvez possa desfrutar de seu corpo sem
nenhuma responsabilidade». Então, encurralou-me contra a
árvore e começou a me beijar e a… ― respirou fundo para
poder prosseguir, mas uma série de maldições interromperam
seu relato. Virando-se para olhá-lo, observou que James tinha
começado a caminhar de um lado a outro, enfurecido como um
animal enjaulado, que só esperava sua liberação ou o mínimo
engano para dar rédea solta à sua natureza selvagem e atacar.
Jade o tinha visto irritado e se assustou, mas nada comparado
com a viva fúria que seu olhar azul destilava. Vendo-o parecer
capaz de matar alguém a fez questionar-se, quão acertado foi
lhe haver dito tudo aquilo.
― James… ― chamou-o para atrair sua atenção, mas o
homem seguiu blasfemando.
― Maldito seja! Mil vezes maldito! ― Ao fim se virou para
ela e a ira que emanava pareceu empurrá-la até que suas
costas ficaram coladas por completo ao encosto do divã. ―
Diga-me que não lhe fez nada? Diga-me que não lhe fez nada
ou eu mesmo o mato? Não. A quem engano? Vou matá-lo de
todas as formas. Já escutei o suficiente. ― Fez gesto de dirigir-
se à porta, mas Jade, temerosa, reteve-o pelo braço.
Seu contato foi suficiente para acalmar um pouco a besta,
que se virou para ela e inalando à máxima capacidade de seus
pulmões, fez-lhe um gesto para que continuasse.
― Não me fez nada ― Jade fechou os olhos e se estremeceu
ao recordar a cena. ― Harry tinha me seguido. Era como se
pressentisse o perigo. Pegou Andy de surpresa e saltou sobre
ele, e conseguiu pendurar-se em um dos seus braços. Andy o
sacudiu, mas os ferimentos que lhe deixou entre garras e
dentes foram suficientes para que ele tivesse atenção imediata.
É óbvio, nesse momento não lhe convinha contar nada do
incidente. Eu ainda contava com certa posição, tinha o que
perder, mas agora… agora vai contar tudo. Tudo! E saberá
Deus em que posição me deixará. Conhece as pessoas, James,
acreditarão no mais interessante. ― Sua voz se tornou nervosa.
― Agora entende? Minha reputação não valerá nada. O
escândalo será magnânimo. Tem as cartas que lhe enviei para
respaldar-se. Temos que terminar com isto. Se desejar, acredito
que poderemos ser…
― Jade Kingsley, ― ele falou com um forçado tom pausado,
tão forçado e não precisava muito para saber que estava
perdendo a paciência ― juro que não respondo por meus atos
se voltar a mencionar a proposta de ser minha amante.
Entendeu?
Ela esteve para lhe dizer que era a única forma de não se
afastar dele, mas ao ver o perigo em seus olhos, só calou e
assentiu. Não era o melhor momento.
― Agora pode me soltar?
Sentindo-se rejeitada, ela liberou seu braço e o homem
saiu pela porta como se uma onda de demônios o perseguisse.
Considerou ficar ali, mas a tentação foi maior e decidiu segui-
lo. Algo em seu rosto, em seu olhar, tinha lhe advertido que
não podia deixá-lo ir naquele estado. Além disso, ainda nem lhe
tinha respondido com respeito ao que aconteceria com eles.
― James ― chamou-o, mas ele não se deteve. Abriu a
porta e se encaminhou às cavalariças. ― James! ― Gritou, mas
ele parecia surdo às suas súplicas. Era difícil para Jade seguir
suas largas pernadas, por isso, quando chegou, ele já montara
em seu cavalo e saía a todo galope.
Estática em meio às cavalariças, ficou observando o
cavaleiro que partia a toda velocidade, com a ferocidade de um
guerreiro que ia à batalha. O vento despenteou seus cabelos
negros e, só o frio que começava a fazer a fez reagir. Dirigindo-
se para onde estavam os cavalos, Jade montou em sua mansa
égua, dando pouca importância ao seu aspecto. Esporeou-a e
saiu atrás de James, embora este já se perdera no horizonte,
ela sabia perfeitamente para onde se dirigia. Só esperava
chegar a tempo.
Fúria. Irritação. Raiva. Coragem. Tudo isso e mais James
sentia nesse momento, e mesmo assim aquelas palavras não
pareciam suficientes para explicar em sua totalidade a maré de
sentimentos que lhe esticavam o corpo naquele instante. Nem
estar prestes a quebrar o pescoço por causa da rapidez com
que estava cavalgando, servia de catarse para liberar tudo o
que tinha dentro. Sua mente só tinha um pensamento, e era
moer Andy Brickner a golpes até fazê-lo suplicar e logo matá-lo
lentamente para liberar o mundo de semelhante escória.
Logo que entrou na propriedade dirigiu-se à casa do
administrador. Seu cérebro não era capaz de pensar com
claridade nem de assimilar, que sua aparência estava
assustando os que o viam. Tampouco considerou a reação que
pudesse ter o senhor Brickner a respeito. Tinha só uma
imagem em mente e para desgraça de Andy e seus familiares,
não era nada agradável.
Desmontou de um salto quando se encontrou frente ao
seu objetivo e esmurrou a porta decidido a tombá-la se não a
abrissem em cinco segundos. Uma apressada criada o recebeu,
mas James passou ao seu lado sem dizer nada e seus olhos
escrutinaram todo o pequeno lugar em busca de seu objetivo.
Quando o localizou sentado em uma das cadeiras na lareira,
não duvidou em ir para ele e tomá-lo pela gola da camisa.
― Vou matá-lo, imbecil ― ameaçou, e o surpreso homem
não fez mais que empalidecer.
― Lo-lorde James. O que aconteceu? ― Escutou que o
senhor Brickner, o administrador, dizia.
James não se virou para vê-lo, nem tampouco sentiu pena
por ele. Não se sentia absolutamente arrependido de estar a
ponto de liberar o mundo de um animal semelhante, só podia
lamentar haver dado sua pistola à Jade e ter esquecido de
trazer outra de Londres.
Com fúria renovada atirou Andy Brickner ao chão e fez
com que seu corpo se chocasse com a parede. O jovem não fez
nem sequer sinal de mover-se, parecia saber que qualquer
intento de sua parte por defender-se só conseguiria acendê-lo
mais e adiantar o momento de sua morte.
― Não pensa se levantar? – Provocou. ― É valente para
ameaçar uma mulher e tentar forçá-la, mas não para brigar
comigo?
Escutou-se um suspiro, proveniente certamente da criada.
O senhor Brickner passeava a vista, atônito, de seu filho ao
James e do James ao seu filho, como se não soubesse de que
lado estar ou, esperasse que alguém lhe esclarecesse a
situação.
― Lo-lorde James. Não sei o qu-que lhe disseram, mas…
― Não sabe? – James disse cada vez mais furioso. O
rugido de um leão teria ficado em ridículo se comparado ao tom
de sua voz. Era forte, gutural, quase desumano. ― Não sabe? ―
Voltou a pegá-lo pelo pescoço e o elevou. O golpe contra a
parede lhe tinha aberto uma ferida na têmpora que começava a
sangrar ligeiramente. Seus cabelos loiros se despentearam por
completo, e seus olhos só podia refletir temor pela espécie
desconhecida que tinha adiante. ― Quer que refresque sua
memória? Que tal se começarmos por ter enganado uma
senhorita com o único fim de se aproveitar dela? Possivelmente
se lembre melhor se o menciono como tentou abusar dela,
quando se inteirou de que tinha problemas econômicos. Melhor
não falarmos do que haverá dito àqueles moços para
assaltarem-na no caminho de sua casa, nem da chantagem a
que a fez vítima no dia de ontem. Ainda não recorda?
Possivelmente alguns golpes lhe refresquem a memória. ―
Voltou a lançá-lo ao chão e desta vez deu um golpe no rosto
fazendo-o virar a cara.
O senhor Brickner, que ao fim conseguiu sair da comoção,
sustentou como pôde os braços de James antes que lhe desse
outro golpe.
― Por favor, lorde James. Vai matá-lo.
― Isso é precisamente o que quero ― bramou o homem
liberando-se do agarre, mas não o golpeou em seguida, e sim
olhou um momento ao senhor Brickner antes de dizer: ― Não
merece outra coisa por ter ultrajado dessa maneira a minha
prometida.
Talvez fora produto de tantos golpes, ou a simples certeza
de que já não tinha nada a perder, mas Andy Brickner esboçou
um sorriso torcido ante suas palavras e resmungou:
― Se tivesse falado, só teria lhe feito um favor, homem.
Duvido que essa mulher seja capaz de fazer alguém feliz. Não é
mais que…
O grito gutural que saiu da garganta de James bastou
para o homem deter sua frase, mas nem o fato de se calar
antes de dizer outra tolice, nem os braços do senhor Brickner
bastaram para impedir que este se lançasse contra Andy e
ambos iniciassem uma briga pelo chão.
Os suspiros de horror não se fizeram esperar, assim como
tampouco o sussurro preocupado do senhor Brickner. Andy
estava tentando defender-se, mas não havia dúvida de quem
sairia vencedor da batalha.
Ouviram-se sons de algumas coisas cair e outras mais
romperem-se, mas nada parecia evitar que o par seguisse na
sua confusão. Quando James conseguiu posicionar-se em cima
de Andy, tinha as mãos em seu pescoço quando gritaram:
― James, não!
Seus tímpanos, que sempre andavam atentos e desejavam
aquela bela voz, não puderam fazer novamente caso omisso do
chamado, e, virou a cabeça para encontrar-se com o semblante
preocupado de Jade. Não soltou o pescoço de Andy, mas ao
menos não exerceu pressão e prestou sua atenção à dama que
olhava a cena preocupada.
― Não o faça, por favor. Não vale a pena arrumar um
problema por isso.
As palavras, ditas em um tom tão suave e conciliador,
conseguiram transpassar a bruma de ira que envolvia sua
mente e fazê-lo recuperar um pouco o sentido comum. Olhou
ao Andy como se olha ao pior dos insetos e se separou dele.
Todos na sala deixaram escapar ao uníssono um suspiro
de alívio, e James olhou ao senhor Brickner com uma clara
ameaça:
― Quero-o longe daqui em uma hora. Se chegar a escutar
um só rumor que a desprestigie, ou algo que pôde ter provindo
de você, juro que o matarei ou, como mínimo, mandá-lo-ei ao
cárcere para apodrecer em Newgate. ― Dito isso, saiu e Jade foi
atrás dele.
Montaram absolutamente em silêncio até a casa. O sol já
estava dizendo adeus e a lua começava a elevar-se como
soberana da noite.
Chegaram em silencio à mansão Richmond e deixaram os
cavalos no estábulo. Jade ainda estava um pouco agitada pela
cena que tinha presenciado, mas não duvidou em segui-lo para
dentro e tampouco lhe importou chegar até sua habitação.
Uma vez no quarto observou como James se desfazia do
colete e depois da camisa, com algumas gotas de sangue. A
visão de seu torso a turvou tanto como na vez anterior, mas
não disse nada. Ele desapareceu no quarto de banho e
retornou minutos depois com o rosto e o torso molhados,
certamente tinha se passado um pano com água.
Ela se aproximou dele e se deu conta de que Andy tinha
conseguido lhe fazer um corte no queixo e lhe dar um golpe na
maçã do rosto. Nada que não desaparecesse em um par de
dias. Tocou brandamente o golpe com a gema dos dedos e ele
fez uma ligeira careta. Logo fixou sua vista no golpe e viu que
sangrava um pouco.
― Permita-me limpar esse corte ― disse e fez gesto de
entrar no quarto de banho, mas ele reteve seu braço e a
obrigou a olhá-lo.
― Não. Jade temos que falar. ― Seu tom sério indicou a
importância daquela conversa. Ela tragou saliva e assentiu. ―
Andy não será mais um problema, então preciso que você me
diga se está disposta a se converter em minha esposa, ou deixe
suas inseguranças lhe governem e dar-lhe a desculpa para me
rejeitar e propor outras alternativas. Se sim, diga-me
claramente, porque então é melhor deixarmos isto aqui.
Jade ficou paralisada ante suas palavras e soube que
tinha chegado o momento de tomar uma decisão, uma
definitiva.
Capítulo 19
Jade observou o semblante decidido de James e, por
algum motivo foi incapaz de lhe sustentar o olhar. Soltando seu
braço afastou-se alguns passos, e só quando esteve segura de
que nada em seu rosto ou em seus olhos delatavam suas
inquietações, levantou a vista e falou.
― Eu…
― Não se atreva a me dizer que não é certo ou que não
entende o que falo ― ele advertiu-a como se lesse sua mente.
Suspirou e cortando a distância entre eles, tomou seu rosto
entre as mãos e falou com suavidade: ― Não minta para você
nem minta para mim, Jade. Crê que não me dei conta da pouca
estima que tem de si mesma? Crê que não sou consciente de
que à mínima oportunidade se menospreza? O que aconteceu
com o Andy foi só uma desculpa.
Ela baixou o olhar, mas ele lhe elevou o queixo e a obrigou
a enfrentá-lo. Jade não podia acreditar que estavam tendo
aquela conversação, não podia acreditar que ele tivesse
chegado àquelas conclusões, mas menos ainda podia conceber
que tivesse razão, como sua mente estava considerando nesse
momento. Tinha sido essa a verdadeira razão? Sua
incapacidade para acreditar que podia fazê-lo feliz? Tinha sido
sempre essa a verdadeira razão e não a de querer conservar
sua liberdade? Ela sabia, sabia que no fundo aquele temor
sempre esteve presente, tinha-o repetido em contadas ocasiões,
mas daí a admiti-lo em voz alta era outra coisa.
― Por que Jade? ― Ele insistiu. ― Por que está empenhada
em se degradar e pensar a não ser suficiente para alguém? Não
se dá conta de que é uma das pessoas mais especiais que há
neste mundo?
Suas palavras a destroçaram e seu masoquismo interior
se negou a acreditá-lo. Como ia ser especial quando nunca
cumpriu as expectativas de seus pais, quando não foi capaz de
conseguir um marido ou encontrar uma boa solução para
salvar a sua família? Como ia ser especial quando nem sequer
foi capaz de dar-se conta de que a estavam utilizando,
enganando-a com lindas palavras; quando não possuía a
beleza espantosa de sua irmã e não era boa socializando? Ao
menos se falasse ser especial, referindo-se a que era estranha,
Jade não compreendia a que se referia.
― Por que não pode entender? ― James gritou à beira da
exasperação quando a cara dela deixou transparecer parte do
que pensava. ― Por que não pode acreditar que é?
― Porque não sou! ― As palavras saíram de sua boca em
tom de grito. ― Minha mãe sempre me disse isso! Meu pai
sempre o deu a entender com seus olhares. Por que você está
empenhado em me fazer acreditar em algo que não sou?! Não
se dá conta do que de verdade faz? Não é consciente de que
brinca comigo dessa forma?
James não pôde evitar a surpresa que lhe produziram
suas palavras.
― Brincando? ― Perguntou aniquilado.
― Sim! ― Ela bramou cansada. ― Brinca comigo quando
me diz coisas tão lindas. Brinca comigo quando me faz
acreditar que sou especial, quando me faz acreditar que pode
haver algo em mim que lhe… ― se deteve um momento
consciente do que ia dizer: «que lhe importe». Como esteve a
ponto de mencionar isso? Negou com a cabeça descartando o
tema. ― Esquece. Acredito que tropecei duas vezes com a
mesma pedra, nem sequer sou suficientemente boa para
aprender com meus erros.
― Não se atreva a me comparar com aquele rato do
Brickner, Jade, porque…
― Sei que não é assim ― ela o cortou. ― Jamais insinuaria
tal coisa. Só que… não compreendo James. Não posso
compreender. Culpa-me por ter receios quando sei por que
quer se casar comigo? Pode me culpar por ter medo de não
poder fazê-lo feliz? Toda a minha vida James. Levo toda a
minha vida sem ser suficientemente boa para ninguém. ― Sua
voz desceu de tom, um nó começou a formar-se em sua
garganta. ― Por que deveria sê-lo para você?
― Por que não? ― Ele respondeu. ― Diz que sabe porque a
peço em matrimônio? ― Ela assentiu. ― Diga-me por que.
Jade não entendeu a pergunta. Assim como tampouco
entendia por que seguiam tendo aquela conversa. Não tinha
deixado claro que o melhor seria terminar tudo?
― Diga-me, Jade ― insistiu com veemência e ela o olhou
desafiante.
― Por que mais? Por uma mescla de desejo e compaixão.
Crê que isso basta para sustentar um matrimônio? Crê que é o
suficiente? ― Disse.
James ficou estático ante todo o sentimento carregado nas
palavras. Ela estava realmente convencida daquilo, o que
significava que, se sentisse algo por ele, por menor que fosse,
teria medo admiti-lo, porque pensaria que não seria
correspondida, ou que não mereceria sê-lo. Imbecil. Devia lhe
haver dito a verdade desde que a descobriu.
― Jade, não entende, eu…
― Não. ― Ela o interrompeu, cansada de escutar
desculpas. Não queria que ele tivesse pena dela, não desejava
ver essa lástima. ― Foi um erro aceitar. Foi um erro acreditar
que talvez… ― fez um gesto com a mão descartando o assunto.
― Não importa.
Deu meia volta e se dispôs a abandonar o quarto. Queria
ir-se à sua casa e deitar-se na cama para chorar e desafogar-
se. Logo, quando as lágrimas tivessem esvaziado todo o peso de
sua alma, pensaria no que faria com sua vida e nos problemas
que tinha em cima. Porém não tinha dado nem dois passos
quando seu braço voltou a detê-la.
― Acreditar que talvez o que, Jade?
Ela se negou a responder. Não queria responder, não
queria expor-se daquela forma, mas ele tampouco parecia
disposto a deixá-la ir sem uma resposta, por isso e, consciente
de que já não tinha nada a perder, confessou.
― Acreditar que talvez pudéssemos ser felizes. Creia
James, houve um momento em que de verdade o pensei. Logo
teve o acontecido com Andy e… minhas esperanças se foram.
Tomei isso como um sinal de que queria me demonstrar que
não poderia ser inteiramente feliz, e sim, tem razão, eu me
escondi na preocupação com o escândalo para não admitir a
verdade. Contente?
James não respondeu, mas para desgraça de Jade,
tampouco a soltou. Desejava fugir, mas nem sequer era capaz
de desviar o olhar do seu. Algo dentro dela queria que dissesse
algo, o que quer que fosse para destruir suas esperanças de
uma vez por todas. Mas ele não dizia nada e o silêncio que
alagou a habitação começava a tornar-se cada vez mais tenso,
até o ponto de fazê-la conter a respiração uns segundos.
Quando já não pôde mais puxou sua mão para liberar-se,
mas surpreendendo-a, James a atraiu para ele e tomou posse
de sua boca.
Negando-se a não sentir pela última vez o sabor de seus
lábios, ela se deixou beijar e se entregou a ele como se sua vida
dependesse daquilo. Respondeu-lhe o beijo e colou o corpo ao
seu, ansiosa de explorar e desfrutar de cada rincão de sua
boca, queria saboreá-lo, explorá-lo a fundo para poder guardar
para sempre a lembrança.
James tampouco ficou atrás, embora ele tivesse a certeza
de que esse não seria seu último beijo, mas sim um dos muitos
que se dariam no futuro. Só queria lhe transmitir de alguma
forma o que com palavras não podia formular, e que era tão
grande o que crescia dentro dele que sentia não ser suficiente
expressando em voz alta; então se dedicou a acariciar seus
lábios com os seus, com ímpeto, paixão e ao mesmo tempo
ternura, deixando-lhe claro que não havia outro lugar no
mundo onde gostaria de estar, que não haveria outros lábios
que pudessem assemelhar-se aos seus e agradá-lo de tal forma.
Queria que ela se desse conta de quão especial resultava para
ele só o seu contato.
― Pequena parva ― murmurou entre seus lábios. ― Como
pode sequer pensar que não tem direito a ser feliz quando é a
melhor e mais maravilhosa pessoa que pisou neste mundo? Eu
devo me sentir adulado por ser merecedor dessas esperanças e
feliz por ter entregue meu amor a alguém que o merece mais do
que ninguém. Amo-a, Jade ― confessou fazendo com que a
garota se surpreendesse. ― Acredito que a amei desde o
primeiro momento em que a vi ali, no meio do povoado, e meus
olhos não puderam focar-se em ninguém mais, a não ser em
você; e após eles se darem conta de que só podiam observar
sua magnificência, porque ninguém mais lhes brindaria o
prazer que lhes dava observá-la. Demorei um pouco em me dar
conta, admito-o, mas dê crédito à Esmeralda, ela diz que somos
«lentos de entendimento». Fui um parvo ao não lhe dizer isso
antes, mas estará de acordo comigo em que é difícil confessar
este tipo de coisas quando não se tem a certeza de que o outro
sente o mesmo. Mas já não me importa dizer isso Jade, não me
importa porque se converteu no melhor da minha vida e tenho
a esperança de que eu seja o melhor para você. Diga-me que
me dará uma oportunidade, diga-me que deixará de lado todas
as desculpas e inseguranças. ― Roçou brevemente seus lábios
antes de continuar. ― Diga-me isso, Jade.
Os olhos de Jade se encheram de lágrimas e foi incapaz de
formular uma resposta. Jamais lhe haviam dito coisas tão
bonitas em sua vida e quase podia jurar que não tinha sido
mais do que uma ilusão. Mas não o era. Seus olhos o diziam a
gritos, expressavam-lhe silenciosamente tudo o que ele acaba
de dizer. Quis lhe responder e expressar todas e cada uma das
palavras, mas estas eram incapazes de ordenar-se para formar
uma frase coerente, então respondeu jogando-se sobre ele e
beijando-o com a mesma desenvoltura que ele mostrara há
pouco.
James não necessitou de mais para se animar e a colou
mais a ele. Devorou sua boca com a urgência que o vinha
consumindo fazia tempo e suas mãos começaram a acariciar
suas costas. Subiam e desciam em uma doce tortura para
Jade, que sentia seu corpo arder e não podia fazer mais que
abraçá-lo e atrai-lo para ela.
― Jade…, ― ele murmurou com voz rouca ― Jade…
Ela o calou com outro beijo e a pergunta silenciosa dele foi
respondida. Sem pensar muito, ele a arrastou para sua cama e
se sentou nela com Jade escarranchada.
Jade gemeu quando sentiu sua boca em seu pescoço e sua
mão desfazendo-se do corpete do vestido. Era um vestido de
manhã e se abotoava pela frente, por isso não lhe supôs
nenhuma dificuldade liberá-los e acariciar ao seu gosto os
generosos seios. Ela ofegou mais forte e colocou suas mãos no
peito dele, movendo-as e explorando o duro torso, provocando
um grunhido de sua parte. Em pouco tempo encontrava-se
deitada na cama. Seu vestido tinha desaparecido e ele estava
em cima dela, acariciando suas curvas e beijando-a enquanto
Jade o segurava como se fosse uma tábua de salvação.
Em algum momento o resto das suas roupas
desapareceram. Seus corpos puderam roçar-se sem nenhum
impedimento e compartilhar o calor que os consumia.
Encontraram uma posição onde se encaixaram perfeitamente.
Onde descobriram que eles foram feitos um para o outro e as
palavras foram deixadas.
Capítulo 20
― Acredito que deveria retornar ― Jade murmurou
olhando de longe, pela janela, como a lua se encontrava em seu
máximo esplendor. Sim, devia retornar, mas contra as suas
ordens, seu corpo se aconchegou mais ao de James em busca
de seu calor.
Ele acariciou com ternura seus cabelos e lhe deu um beijo
na testa.
― Ainda é cedo ― o homem protestou rodeando-a com
seus braços e abraçando-a para atrai-la para ele.
― Preocupar-se-ão em minha casa. Talvez não minha mãe,
mas o mordomo e a governanta. Têm-me apreço.
― Quem poderia não lhe ter apreço? ― Disse-lhe ao seu
ouvido.
― Minha mãe.
― Duvido que aquela mulher seja capaz de ter verdadeiro
apreço a alguém, então.
Ela tentou escapar, mas ele não a deixou.
― James… tenho que ir.
― Não ― roçou seus lábios com os seus em um intento de
fazê-la desistir, mas ela se manteve firme.
― James… ― esticou a palavra quando a mão dele
começou a acariciar seu quadril por debaixo do lençol e subiu
por sua cintura. ― Fa-falo a sério ― conseguiu dizer entre as
sensações que começavam a percorrê-la.
― Está segura de que deseja ir? ― Sussurrou em seu
ouvido.
― Segura ― murmurou, embora seu tom desmentisse a
palavra.
Ele riu, mas a soltou e se sentou na cama, esticando os
músculos como um gato que acabara de acordar.
― Acompanho-a ― anunciou e olhou à Jade com zombaria.
― Agora não pode se negar ao matrimônio. Desonrei-a.
Devolveu-lhe o olhar, e em um tom dramático, disse:
― Deus. É verdade. Lorde James Armit desvirginou uma
jovem antes do matrimônio. Onde ficou seu cavalheirismo,
lorde James?
Ele se aproximou e tomou o queixo entre suas mãos.
― Desapareceu logo que rocei esses lábios. ― Como se
quisesse comprová-lo, deu-lhe um longo beijo que bem podia
havê-los devolvido à cama, se Jade não estivesse determinada a
retornar à sua casa. ― Tenho a licença. Casamo-nos em dois
dias?
― Dois dias? ― Perguntou assombrada.
― Ou amanhã ― ele sugeriu pensativo. ― Dois dias é
muito. Possivelmente deveríamos ir procurar o vigário e nos
casarmos agora mesmo.
Pressentindo que falava a sério, Jade desceu da cama
cobrindo-se com o lençol e declarou enquanto procurava sua
roupa:
― Dois dias estará bem… disse à sua família?
James desviou a vista um pouco incômodo.
― Diremos quando formos a Londres. Veja… se eu
dissesse, Rowena não me permitiria casar ao menos em dois
meses, quando pudesse organizar umas verdadeiras bodas. É
melhor assim, em segredo. Crê que possamos ir a Londres uns
dias depois das bodas? Quero apresentá-la.
Ela assentiu. Em outra ocasião, ela teria imaginado se a
suspeita de que sua família fosse às bodas, não se devia ao fato
de se oporem a ela, pois concordariam com ela em que a
desculpa dele era um tanto estranha; mas isso não lhe
interessava mais. Tendo a ele se conformava.
Isso lhe recordou que não havia dito que o amava. Abriu a
boca disposta a confessar seus sentimentos, mas ele a
interrompeu.
― Se não se cobrir, eu a devolverei à cama.
Jade percebeu então que enquanto pensava, o lençol
escorregou deixando um seio exposto, por isso se apressou a
cobri-lo e a procurar sua roupa.
Quando chegou à sua casa eram ao redor das dez da noite
e foi direto à cama sem jantar. Não tinha fome. Seu corpo não
podia sentir naquele momento outra coisa que não fosse
alegria. Seria verdade? Não seria um sonho do qual despertaria
no dia seguinte para enfrentar a crua realidade?
Jade sorriu consciente de que não o era. Era real e, se a
vida lhe sorria um pouco, tudo seria maravilhoso.

***

― Jade! Jade! Vem agora mesmo! Oh! É formoso! Jade!


Jade se dirigiu à porta com a velocidade de alguém que
acabava de se levantar e se perguntou o que sua mãe fazia
acordada tão cedo. Não era seu costume e duvidava que tivesse
começado agora. Abriu a porta de seu quarto e se encontrou
com sua mãe, também em camisola e que sustentava um
pacote em suas mãos.
― Chegou isto para você ― declarou emocionada, entrando
sem permissão. ― Olha-o. É formoso!
Jade não entendeu a que se referia até que sua mãe abriu
a caixa e tirou um belo vestido cor marfim.
Aniquilada, não pôde fazer mais que ficar olhando-o
embevecida. Isso era a criação mais formosa que tinha visto.
Era singelo, de decote redondo e mangas curtas, só com umas
fitas de adorno, mas belo em sua simplicidade. Esticou a mão
para tocá-lo e comprovou que se travava de fina seda destinada
a acariciar a pele.
― Também vêm umas luvas ― sua mãe acrescentou, mas
não lhe prestou atenção, sua vista ainda estava no vestido. Não
podia acreditar, era… era maravilhoso, nem tanto o vestido, e
sim o gesto. Definitivamente não podia ter conseguido melhor
homem. Alguém que pensava nesse tipo de detalhes…
― E há uma nota ― sua mãe informou lhe entregando uma
carta.
Ela pegou e agradeceu que ainda estivesse selada. Não lhe
teria surpreendido que sua mãe, em sua infinita curiosidade,
tivesse-a lido; mas não tinha chegado a esse grau de
imprudência.
Abriu a nota e a leu:
Espero que você goste, e que fique bem. É só uma parte da
surpresa, a outra deverá chegar à tarde.
Sempre seu.
James.

Fechou a nota com um sorriso e voltou a olhar o vestido,


ansiosa como uma menina por saber qual era a outra parte da
surpresa.
As horas passaram e Jade teve que aguentar a
recriminação de sua mãe por que as bodas se realizavam em
tão pouco tempo. Esplendorosa como era, não podia suportar a
ideia de que sua filha se casasse sob licença especial, mas
pouco lhe importou quando Jade lhe fez ver que era o melhor
para atenuar os rumores.
Quase na hora do jantar bateram à porta e o mordomo
abriu. Sua mãe e ela estavam no salão principal quando
sentiram uma presença no batente da porta. As mulheres se
viraram e, com a surpresa, deixaram cair o bordado e o livro
que respectivamente lhes servia de entretenimento.
Com um aspecto bastante recuperado, o homem de cabelo
azeviche e olhos cinzas olhou às mulheres com um sorriso.
― Pai! ― Jade exclamou levantando-se para abraçá-lo.
Não podia dizer-se que era sua filha predileta, mas tinha
melhor relação com ele do que com sua mãe.
O homem correspondeu ao abraço e lhe deu uns tapinhas
nas costas antes de separar-se e virar-se para sua esposa, que
parecia estar vendo uma aparição.
― Oh, Deus! Oh, meu Deus! ― Lady Sarford murmurou
abanando-se com a mão.
― Cheguei a tempo para as bodas ― disse o barão e os
olhos de Jade se encheram de lágrimas, não só por voltar a vê-
lo, mas sim porque sabia quem era o causador de que estivesse
ali.
Sabia que James se encarregaria de tudo, mas não
imaginou que fosse tão rápido. Jamais acreditou voltar a vê-lo
tão cedo.
A família passou uma agradável refeição, como
antigamente, e seu pai lhe falou dos planos que tinha para
recuperar-se. Prometeu não voltar a ser imprudente e pedir
conselho se fosse necessário.
No dia seguinte, embelezada com o formoso vestido que
parecia feito à sua medida, Jade se dirigiu à mansão
Richmond, onde o vigário os esperava para celebrar as bodas.
Foi algo singelo e rápido, intercambiaram os votos e depois
realizaram um almoço familiar.
― Não posso acreditar que também esteve presente nas
bodas ― James recriminou olhando a raposa sentada em um
dos móveis do salão principal, onde seus pais conversavam
animadamente e eles estavam a um lado.
― Ficará aqui. O que esperava?
― Não dormirá em nosso quarto, ― advertiu ― e espero
que não destroce os móveis.
― É uma raposa, não um gato ou um cão, ― ela contestou
― sabe comportar-se. Não me importa onde durma enquanto
não o deixe à intempérie. E virá conosco a Londres ― anunciou.
Ele fez uma careta.
― Levamos apenas uma hora casados e já dá ordens? ―
Disse atônito e Jade riu.
― Só quando se tratar do Harry.
Ele olhou com o cenho franzido ao animal outra vez.
― Começo a sentir ciúmes dele.
― Não seja parvo ― ela riu. ― Jamais poderiam comparar-
se, James, eu… ― calou-se quando viu que lhe estendia uma
pequena caixa de veludo que tirou de seu fraque.
Curiosa, pegou, sufocou um suspiro quando viu que se
tratava de um anel. Um anel de jade! A formosa criação tinha
forma de coração e estava incrustada em uma base de ouro.
― Não imaginei encontrar com tal facilidade o que
procurava, ― ele admitiu ― mas a sorte esteve do meu lado e
um joalheiro o deixou preparado. É seu anel de compromisso, e
servirá para que em casa possa lhe diferenciar.
Ela teria perguntado o que queria dizer com “diferenciar”
se não estivesse embevecida olhando o presente. Jamais teve
uma joia tão bonita.
― Oh, James, ― murmurou ― não tinha por que fazê-lo.
Isto…
― Sh… ― ele a calou, colocando um dedo nos lábios. ―
Não diga nada. Sua cara me basta como satisfação.
Ela teve que conter as lágrimas e se lançou para abraçá-
lo. Teria lhe beijado se seus pais não tivessem reclamado sua
total atenção nesse momento.
Falaram um momento mais até que os barões partiram e
os deixaram sozinhos. Mostrou-lhe a casa e lhe falou de uns
planos futuros para conseguir a sua própria em alguma outra
localidade da Inglaterra. Também mencionou que alugariam
uma em Londres para quando passassem um tempo ali e falou
que Rowena se encarregaria de que todos a conhecessem. Ela
não estava muito ansiosa por penetrar nessa sociedade que tão
pouco tinha tratado, mas aceitou só para lhe dar o prazer. Não
podia ser tão mau.
― Espero que não se assuste quando conhecer a minha
família ― ele comentou um momento depois, quando estavam
deitados na cama, logo depois de uma maravilhosa noite de
bodas. ― Foi boa ideia me casar contigo antes que os
conhecesse, assim não haverá lugar a arrependimentos.
Ela acariciou seu peito e sorriu ao responder:
― Faz parecer que estou a ponto de tratar com pessoas
insuportáveis ou saídas de Bedlam.
Ele não se atreveu a olhá-la aos olhos quando disse:
― Insuportáveis? Depende de como o veja. Saídos de
Bedlam? Não se afasta muito da realidade.
Jade só riu e se colocou em cima dele para beijá-lo.
― Só porque são sua família, gostarei muito deles.
James assentiu, rogando interiormente que fosse verdade.
― Onde se fez esta cicatriz? ― Perguntou curiosa,
acariciando uma pequena linha esbranquiçada que atravessava
seu ombro.
James olhou ao que se referia e evitou a pergunta. Sim,
fez bem em casar-se antes.
Capítulo 21
Estava nervosa. Muito nervosa.
Do lado de fora da casa Richmond, Jade esperava que a
porta se abrisse, por fim, conhecer a família de seu marido. Já
tinha passado quase uma semana depois das bodas, quando
James tinha decidido que o melhor seria confrontar tudo o
mais rápido possível, significasse isso o que significasse, pois
pelo tom em que o disse, bem podia alguém acreditar que o iam
sentenciar à morte.
Um sério mordomo lhes abriu a porta e seus olhos, que
deviam ser normalmente inexpressivos, pousaram-se mais
tempo que o devido no animal que Jade levava em seus braços,
porque sim, conseguiu o que queria, levou Harry consigo a
Londres.
James saudou o mordomo efusivamente e a apresentou
como sua esposa. Então o semblante do homem passou da
estranheza à normalidade, como se só por agora ser parte
daquela família se permitisse qualquer loucura de sua parte.
Ambos entraram e, enquanto seguia ao James, Jade
observava com meticulosidade cada detalhe do esplendoroso
lugar. Ninguém podia duvidar da elegância que destilava cada
parede, que à sua vez demonstrava a classe de quem governava
o lar.
Sentindo-se um pouco intimidada, Jade respirou fundo
para se acalmar e disse a si mesma que aquilo não parecia ser
algo do outro mundo. James tinha assegurado que eles seriam
pessoas agradáveis, e lhe acreditava, não tinha por que ser de
outra forma.
― Devem estar no salão do chá ― James informou
guiando-a por uma série de corredores. ― Hoje é dia de almoço
familiar.
Ela assentiu, mas quando iam entrar, distraiu-se
observando um quadro pendurado na parede. Fanática pela
arte, olhou a imagem e James entrou sozinho no pequeno
salão.
― Bom dia, família ― saudou quando viu todos reunidos.
― Sabia que era hoje o almoço, o dia perfeito para retornar.
― James! ― Exclamaram quase todas ao uníssono
parando para lhe dar um abraço de boas-vindas.
― Ganhei ― Topázio afirmou depois das saudações e olhou
às suas primas com um sorriso. ― Cada uma me deve cinco
libras ― assegurou.
Ele a olhou desconcertado, mas as demais pareceram
entender, porque seus rostos eram de decepção.
― Isso é o que nos acontece por apostar com alguém que
tem sangue cigano ― Rubi resmungou voltando para seu
assento.
― Devia dar ouvidos ao meu instinto e saber que não era
uma aposta sensata ― Safira acrescentou também tomando
assento.
― Do que estão falando? – Disse, confuso por tão estranha
recepção. Viu que Duende também parecia esperar uma
resposta, e agradeceu não ser o único desconcertado.
― Apostamos quanto demoraria para se aborrecer do
campo e retornar a Londres ― Topázio explicou.
― Eu disse que retornaria em março ― Rubi comentou
balançando a cabeça por ter perdido.
― Eu acreditei que aguentaria até abril ― Safira assegurou
encolhendo os ombros.
― E eu assegurei que chegaria em maio ― Topázio disse
vitoriosa ― e aqui está, não?
«Não pode ser», resmungou em voz baixa, mas nenhuma o
escutou. Na verdade, as Loughy raramente costumavam ouvir
alguém além delas mesmas. Estavam acostumadas a iniciar
uma conversa entre elas sozinhas.
― Demorou mais do que imaginamos ― Safira falou
colocando um dedo no queixo, pensativa.
― Rowena ficará encantada em vê-lo ― Topázio interveio
com um sorriso travesso. ― Agora terá alguém mais a quem
casar.
Um sorriso lhe formou nos lábios ante o esperado
comentário. Ao ver que tinha causado expectativa com a
reação, disse:
― Pois temo que isso não acontecerá porquê… como
explicarei? Casei-me ― respondeu simplesmente desfrutando
da cara atordoada das Loughy.
Incapazes de dizer algo ante semelhante notícia, as
mulheres se olharam entre si, e justo quando parecia que iam
crivá-lo com perguntas, algo aconteceu.
A raposa, que devia ter escapado dos braços de Jade,
atravessou o lugar causando polêmica. Instintivamente os
homens se prepararam para agarrá-la, mas soltando uma
maldição entredentes James lhes adiantou e pegou-a pelo
pescoço. O animal, irritado, mostrou-lhe os dentes afiados, mas
ele não se deixou intimidar e o manteve à distância de seu
corpo.
Antes que alguém pudesse perguntar o que diabos estava
acontecendo, Jade entrou no salão e localizou James
segurando Harry pelo pescoço. Irritada com o que seu animal
de estimação estava sendo submetido, disse:
― Não o pegue assim, vai lhe machucar. Dê-me, ele não
gosta de você ― disse e estendeu os braços.
― Sério? ― James respondeu sarcástico. ― Que
casualidade, eu também não gosto dele. ― Entregou-lhe o
animal, que se aconchegou em seus braços causando a atenção
de muitos.
Ao ver que não estava sozinha, Jade se ruborizou e olhou
com vergonha aos presentes, aproximou-se de James, por
instinto. Que maneira de se apresentar à sua família política.
James suspirou e se dirigiu ao público.
― Família, apresento-lhes minha esposa, Jade. Jade, eles
são grande parte da minha família.
Todas os olhares pousaram nela com curiosidade e Jade
só conseguiu sorrir quando pressionou o animal mais perto de
si mesma. Havia pelo menos oito pessoas na frente dela e isso a
deixava nervosa.
― Jade ― disse uma formosa mulher de cabelo mogno,
como se achasse algo divertido em seu nome. ― Não poderia se
liberar das joias, não é, James?
James fez uma careta.
― Isso parece ― respondeu suspirando. ― Bem, acredito
que farei as correspondentes apresentações. Jade, ela é Topázio
Loughy, atualmente Topázio Hawkings, duquesa de Rutland. ―
Assinalou à mulher que acabava de falar e logo advertiu: ― Não
se aproxime muito dela, é uma má influência. Tem uma língua
venenosa e é meio bruxa.
A mulher riu e Jade também, pois a forma em que o disse
lhe tinha causado graça e tinha dissipado parte da tensão.
― Não exagera um pouco? ― Perguntou-lhe, mas a tal
Topázio foi quem respondeu:
― Claro que exagera, eu sou um amor de pessoa, e toda
uma Santa.
Desta vez todos riram e Topázio os olhou com uma
expressão de fingida indignação. Jade a observou com
meticulosidade e ficou surpreendida pela beleza que tinha a
mulher. Com seu cabelo mogno e uns olhos cinzas que
destilavam mistério, a mulher devia elevar-se como uma flor
exótica entre tantas rosas inglesas. Não estranhava que tivesse
casado com um duque. Entretanto, o que mais chamou sua
atenção foi o brilho cínico que destilavam seus olhos, parecia
que desfrutava, em certa forma, incomodando os outros ou
brincando com eles. Era estranho, muito estranho.
― Ela é Safira Loughy ― James continuou assinalando
uma loira sentada um pouco mais afastada. ― Agora Safira
Allen, condessa de Granard. Está acostumada a ser sensata na
maior parte das vezes, mas tem os nervos frágeis. Não tente
discutir com ela quando estiver irritada, ao menos que fale
francês, italiano, espanhol, latim, alemão, grego ou russo. Com
ela pode se juntar, mas nem tanto porque agora é uma Allen e,
como sabe, são a família problemas. «Quem se junta muito com
um Allen irremediavelmente termina em problemas». – Citou. ―
Tampouco se aproxime muito de seus filhos, pois são gêmeos
Allen… bom, melhor não se aproximar dessa família tampouco
― James concluiu depois de pensar um momento.
Jade conteve a vontade de rir e observou o semblante
ofendido da mulher. Também era bela, uma rosa inglesa em
toda regra, mas seu traço mais característico eram aqueles
olhos azuis, como a pedra preciosa que levava de nome. Era
impossível entrar em um lugar sem fixar a vista naquele olhar
que brilhava com a sensatez e o sentido comum de alguém
acostumado a atuar bem. Parecia-lhe estranho que estivesse
ligada com os Allen.
― Oh, é impossível, James ― Safira resmungou e dirigiu
um sorriso à Jade. ― Não dê ouvidos, sempre teve tendência ao
exagero.
Jade assentiu concordando.
― Ela é Rubi Loughy ― seguiu James assinalando a uma
ruiva. ― Agora Rubi… Rubi, ilumine-me, qual é seu
sobrenome?
Topázio e Safira soltaram uma pequena gargalhada como
se a pergunta tivesse uma piada oculta e Rubi as fulminou com
seu olhar avelã. A ruiva, não menos formosa que suas primas,
parecia ser vítima de uma brincadeira pouco agradável.
― Rushfort ― respondeu cortante.
― Rubi Rushfort, marquesa de Aberdeen. Ela é a menos
louca de todas, ou isso acredito, e tem frequentes ataques de
histeria. Mas com ela pode se juntar. E ela ― assinalou a outra
jovem loira ― é Duende.
― James!
― Digo, é Esmeralda, mas sabe, eu lhe chamo de Duende,
e não porque ficou com a estatura de um, mas porque é
verdadeiramente irritável quando se propõe. Falei-lhe dela não?
― Jade assentiu. ― Bem, com ela também pode se juntar, mas
não se sente perto no jantar, a cicatriz do meu ombro é culpa
dela.
Jade não soube como responder e Esmeralda só sorriu de
uma forma angélica. Pelo visto, as antigas Loughy podiam
classificar-se como umas verdadeiras joias, não só em beleza,
pois a única imperfeição da jovem Esmeralda era sua estatura,
mas também em atitude. De verdade aquela cicatriz era culpa
dela?
― Bem, à parte. Eles são o duque de Rutland, o conde de
Granard e o marquês de Aberdeen ― James continuou
assinalando os cavalheiros sentados ao lado de suas
respectivas esposas. Jade fez uma reverência a todos e eles
responderam com uma inclinação de cabeça. ― São os homens
com pouco sentido comum para casar-se com as Loughy, mas
vivem felizes assim. Ela ― assinalou à Angelique ― é Angelique
Allen, lembre-se, não se aproxime dela, é uma Allen e isso é
igual a problemas.
Jade olhou a jovem loira e Angelique só branqueou os
olhos como se estivesse acostumada à frase.
― Apresentaria as crianças, ― ele continuou ― mas é
melhor conservar a paz por uns minutos mais, não crê? Além
disso, ainda tenho que apresentar o meu irmão e Rowena ―
este último nome disse com um tom um pouco preocupado.
― Rowena! ― Safira Allen exclamou como se recordasse
algo, e logo se dirigiu aos presentes. ― Alguém mais se deu
conta que aqui houve umas bodas e Rowena não a organizou?
Os presentes se mantiveram em silêncio como se
avaliassem a gravidade da situação. Ao final foi Topázio quem
falou.
― Jade, espero que tenha um armário cheio de vestidos
negros, porque não demorará para enviuvar. Rowena vai matá-
lo.
Jade franziu ligeiramente o cenho e se virou para James,
quem sorriu.
― Não se preocupe, não fala a sério ― tranquilizou-a, mas
nem ele mesmo parecia muito seguro.
― Não podemos esperar para lhe dizer? ― Esmeralda
interveio de repente. ― Eu o quero vivo para minhas bodas.
― Casará? ― James perguntou atônito.
― É claro ― Topázio disse. ― Todos sabem, só o noivo
precisa se inteirar que as bodas acontecerão.
Todos os presentes, menos Jade, quem não compreendia,
riram, mas Esmeralda cruzou os braços em pose defensiva.
― Ele virá pedir minha mão ― assegurou e isso chamou a
atenção de todos os curiosos.
― Sério? ― Rubi interveio animada. ― Como sabe? Ele lhe
disse isso?
― Sim.
― Quando? ― Topázio inquiriu.
― Quando virá? Hoje.
Era sua impressão ou havia um tom nervoso na resposta
da jovem? Parecia saber que sua prima não se referia à quando
viria e sim a quando o havia dito.
― Refiro-me à quando lhe disse ― Topázio esclareceu não
deixando-se enganar.
― Ontem, no almoço de lady Dartmouth.
A jovem se ruborizou, mas antes que alguém pudesse
perguntar algo, um casal loiro entrou no salão. O homem devia
rondar os cinquenta anos e a mulher podia ter pouco mais de
quarenta. Apesar das leves rugas que começavam a marcar a
idade, ainda se podia distinguir a beleza de antigamente, que
devem ter atraído mais de um olhar.
A mulher sorriu ao ver James, mas franziu o cenho ao vê-
la ao lado. O nervosismo que tinha desaparecido ao conhecer
as antigas Loughy reapareceu quando acreditou que talvez não
fosse de seu agrado.
― James… ― a dama murmurou, mas ele a interrompeu.
― Rowena! ― James lhe deu um efusivo abraço como se
quisesse predispô-la a seu favor. ― Que alegria a ver. Tantos
meses e segue formosa como sempre. Bem, já que também está
aqui, meu irmão os apresentarei à Jade, minha esposa. – Disse
tudo tão rápido que não cabia dúvida de que queria terminar o
mais rápido possível com o assunto, pois era provável que
depois não tivesse coragem.
A tal Rowena olhou ao James, logo à Jade, novamente ao
James e outra vez à Jade, com expressão atônita. James podia
dizer a seu favor que inclusive William parecia surpreso.
― Casou-se? ― A duquesa disse em um murmúrio quase
inaudível e ele assentiu com cautela. ― E a festa de bodas?! ―
Desta vez quase gritou.
James desviou a vista para o chão e todos os outros
também evitaram olhá-la. Todos sabiam o que estava por vir, e
não demorou a chegar.
― Casou-se e não houve uma festa de bodas! ― Rowena
voltou a gritar fulminando James com o olhar. ― Isto é
imperdoável! Como pôde me fazer isto?! ― Seguia exclamando
enquanto se abanava teatralmente. ― Oh, eu… ― não pôde
dizer mais, pois nesse momento caiu ao chão desmaiada.
«Genial», Jade pensou olhando o corpo da mulher cair. As
bodas singelas tinham provocado um desmaio na mulher, por
isso, inconscientemente, ela era a causadora do mal-estar da
duquesa. Podia dar uma pior impressão à sua família política?
Não acreditava.
Capítulo 22
Os presentes observaram o desmaio da mulher com tal
assombro, que demonstrava quão preocupados estavam por
isso. Jade tinha conhecido muitas pessoas que fingiam
desmaios para chamar a atenção, mas nenhuma o fazia se não
houvesse uma poltrona perto, por isso o da duquesa devia ser
algo pelo que se alarmar.
― Isto não foi pelas bodas, não é? ― James perguntou
enquanto olhava como Rubi lhe passava um frasco de sais pelo
nariz da duquesa, que não reagia. Sabia que lhe esperava uma
reprimenda como se tivesse cometido o pior dos atos, mas
jamais acreditou que desmaiaria.
― Claro que não! ― Topázio respondeu bruscamente. Ele a
perdoou porque sabia que estava preocupada. ― Deve ser algo
mais.
― Levá-lo-ei ao seu quarto ― William afirmou pegando a
duquesa em seus braços sem nenhum problema. ― Quando
chegar o médico façam-no subir imediatamente ― ordenou, sua
voz brusca e autoritária tingida de preocupação. Não cabia
dúvida do grande amor que professava à sua esposa.
Justo no momento em que o duque saía com uma
duquesa nos braços, o mordomo apareceu lhe bloqueando o
caminho. O semblante normalmente sério e sem expressão do
empregado não pôde evitar ser desfigurado pela surpresa ao ver
lady Richmond desmaiada. Tal era seu estado de comoção que
demorou um pouco em se apartar do caminho e mencionar a
que tinha ido.
― O barão de Clifton deseja falar com o senhor, excelência.
Jade deu um pulo ao escutar o título do antigo prometido
de sua irmã e, embora as circunstâncias não fossem as
melhores, não pôde evitar perguntar-se o que fazia ali.
Conforme tinha entendido, o barão de Clifton se tornara um
pária londrino que não era recebido em nenhuma casa
aceitável.
Quando o duque lançou um olhar suspeito a Esmeralda e
essa assentiu com um sorriso, compreendeu tudo, e não pôde
evitar sorrir, porque o homem tinha decidido refazer sua vida.
Esmeralda Loughy possuía aquela vitalidade e alegria que
alguém absorvido na má vida necessitava para ressarcir-se.
O duque ia responder, mas uns gemidos provenientes da
duquesa chamaram sua atenção.
― O que aconteceu? ― A mulher perguntou colocando as
mãos nas têmporas. Olhou seu marido e franziu o cenho. ―
Querido, desça-me, posso caminhar.
O duque não lhe deu ouvidos e se virou ao mordomo.
― Diga a lorde Clifton que neste momento não o posso
atender, pode retornar mais tarde, ou ficar para almoçar, será
bem-vindo.
Começou a caminhar com a duquesa nos braços, mas
essa se endireitou ao escutar o nome do barão e olhou à
Esmeralda.
― Lorde Clifton? Enfim vai cortejá-la, Esmeralda? ―
Perguntou esperançada, muito esperançada ao seu parecer.
― Veio pedir minha mão ― a jovem assegurou e a duquesa
pareceu recompor-se de repente, como se essas palavras
tivessem funcionado como magia.
― Oh, William, desça-me e atenda o homem. Como o vai
fazer esperar? ― Lutou até que conseguiu que ele a descesse. ―
Não vê que enfim vai se casar? Anda, anda, eu estou
perfeitamente bem.
O duque resmungou algo em voz baixa.
― Quando o doutor chegar, que a examine ― ordenou e
saiu indicando ao mordomo que mandasse o barão ao seu
escritório.
A duquesa estalou a língua e se virou para Esmeralda.
― Umas bodas, isto é maravilhoso, querida, ao menos esta
sim terei o prazer de organizar ― disse e dirigiu um olhar
acusador ao James e a ela; parecia mais surpreendida porque
seu cunhado a tinha privado das bodas, do que, porque a
esposa de seu cunhado tinha uma raposa nas mãos. Isso era
bom ou mau?
― Então, ― James disse querendo desviar a atenção do
tema – vai se casar com o pior pária da sociedade?
Sinceramente, nunca acreditei que uma escória como Anthony
Price fosse seu tipo de homem ideal, Duende. Surpreendeu-me.
Esmeralda, ofendida, tinha aberto a boca para defender à
capa e espada o seu amor, mas para sua surpresa, e a de
todos, Jade se adiantou incapaz de escutar falar mal daquela
pessoa que foi tão boa com eles.
― Ele não é uma escória ― afirmou com veemência
fulminando seu marido com o olhar. ― É uma boa pessoa.
Todos a olharam surpreendidos, e como sabendo que
pediriam uma explicação, adiantou-se:
― Ele ia se casar com a Susan, minha irmã, antes de
morrer ― sua voz se tingiu um momento de melancolia, mas
logo se recompôs. ― Inclusive depois dela ter morrido, seguiu
nos ajudando quando a situação… ― calou-se bruscamente
quando percebeu que não só ia mencionar algo desagradável,
mas também acabava de deixar ver o lado bom do barão, que
estava segura que o homem desejava manter em segredo. ―
Raios! Eu não deveria ter dito isso, esqueçam-no.
Mas estava claro que ela não conhecia ninguém dos que
estavam ali, senão não teria pedido semelhante absurdo.
― Ele logo será parte da família, querida. Pode falar com
confiança ― Topázio insistiu.
― Sim, fala ― Esmeralda apressou.
Jade, ao ver-se encurralada, recorreu ao James.
― James…
Pôs uma cara tão adorável que James não lhe podia negar
nada. Bem, em realidade, nunca lhe podia negar nada.
― Ora, deixem-na tranquila. Não quer falar do assunto.
Os presentes fizeram um gesto carrancudo por ter que
ficar com a dúvida.
― O fato é que não é mau. Mas não digam que eu o disse;
em sua última carta, mencionou uma espécie de reputação
para cuidar ― mencionou lembrando-se da última vez que se
comunicou com o barão, cerca de dois anos atrás.
Esmeralda riu e Topázio falou.
― O segredo está a salvo conosco. Sei que não há nada
pior que perder sua reputação.
Desta vez todos riram.
― Bem ― a duquesa alegre disse. ― Agora só fica você,
Angelique, acredito que poderemos… ― uma tosse por parte de
Safira interveio em seu futuro discurso.
Safira e seu marido olharam à Angelique, quem depois de
assentir, fez um gesto ao Julián para falar por ela.
― Lorde Conventry veio esta manhã pedir sua mão ― disse
o conde, incapaz de conter a alegria, aparentemente tendo um
interesse especial em se livrar de sua irmã. ― É claro, dei-lhe.
Não há nada que eu queira mais neste mundo que a ver
casada, embora se me perguntarem, preferiria que se casasse
com alguém que não fosse o vizinho, alguém que vivesse mais
longe. Um escocês teria sido bom, mas é melhor que nada…
O conde devia agradecer que sua irmã estivesse longe
dele, porque se via que tinha vontade de golpeá-lo.
― Maravilhoso! Duas bodas! ― Lady Richmond parecia
haver se recomposto por completo e, agora andava de um lado
a outro do salão, sua mente começava a idear todos os
detalhes. ― Têm que me dar ao menos dois meses ― assinalou.
― Rubi e Topázio se casaram muito rápido; estas têm que ser
umas bodas esplendorosas. Bons músicos, um bom
banquete…
Ela seguia passeando, Esmeralda e Angelique se
dedicaram um olhar onde se diziam que nenhuma das duas
queria esperar dois meses para as bodas, mas tampouco se
atreveram a contradizer a mulher que acabara de sofrer um
desmaio aparentemente por haver perdido a organização de
uma.
― Os vestidos! Terá que mandar encomendar os vestidos a
partir de agora. Que tal um verde pastel, Esmeralda? Acredito
que ficaria muito bem. Angelique, poderia usar um amarelo…
A mulher seguiu tagarelando e indo de um lado a outro,
enjoando os presentes.
― É muito importante que decidam a data, assim podemos
mandar elaborar os convites…
Tão concentrados estavam todos nas idas e vindas da
Rowena, que Jade não percebeu quando a raposa escapou de
seus braços e foi dar as boas-vindas ao recém-chegado. Não foi
até que se escutou um «Oh, não, você não» que olharam à porta.
O duque e Anthony acabavam de entrar, e o animal,
reconhecendo o rosto do que antes ia formar parte da família,
colocou-se aos pés de Anthony e não parecia ter intenção de
mover-se.
― Jade, tire esta criatura de cima.
Resmungando algo como «por que ninguém o quer?»
apressou-se a atender o pedido, ou ordenado, melhor dizendo.
Voltou a pegar o animal nos braços e dirigiu um sorriso ao
Anthony.
― Bom dia, lorde Clifton. Também é um prazer voltar a vê-
lo ― disse-lhe irônica, fazendo saber que seu «Jade, tire esta
criatura de cima» não era o que se esperava por uma saudação.
Anthony não respondeu, só resmungou algo em voz baixa
que soou como uma maldição.
― Que casualidade a ver aqui…
― Casei-me – ela explicou e assinalou ao James. ― Não é
maravilhoso que sem sabê-lo terminamos pertencendo à
mesma família?
Anthony dirigiu um olhar a toda a família e logo um olhar
a Esmeralda, que parecia acusadora. Ele só sorriu.
― Oh, lorde Clifton, ― lady Richmond disse alegre ―
estávamos falando das bodas. Acredito…
A mulher se interrompeu quando o mordomo entrou e
informou que o médico tinha chegado. Como menina pequena,
a duquesa cruzou os braços e elaborou seu melhor gesto
carrancudo afirmando que ela se sentia bem, mas se ela era
teimosa, o duque, normalmente de poucas palavras, também o
era, então de má vontade terminou saindo da habitação.
Não dispostos a iniciar o almoço sem a duquesa, a família
ficou no grande salão falando de temas corriqueiros.
Esmeralda se sentou ao lado de Anthony e não se
separou. Os olhares de adoração que dirigia ao homem não
passaram desapercebidos à Jade, quem sorriu interiormente.
Sim, ela o amava, comprovou e, pelo visto, ele também, pois em
ocasiões lhe retornava os olhares.
James, por sua vez, apesar de saber agora que era aquele
amor que Esmeralda sempre apregoara, não estava convencido
de que o pior pária da sociedade londrina se regenerara. Tendo
uma afeição fraternal especial por Esmeralda, não suportaria
que ela tivesse uma desilusão e, embora toda a família parecia
ter aceito o barão, ele tinha seus receios de irmão mais velho.
― Deixa de olhá-lo com o cenho franzido – Jade, ao seu
lado lhe repreendeu em voz baixa. ― Já lhe disse que ele é uma
boa pessoa.
Ambos estavam no rincão mais afastado do salão, onde
tinham uma vista privilegiada dos outros.
― Tem certeza? ― James perguntou com receio.
― Sim.
Ele franziu o cenho, mas já não tanto por temer pelo
coração de sua quase irmã, mas sim porque sua esposa
defendia o homem com muita veemência.
― Parece ter inteira confiança nele ― resmungou sem
poder ocultar seu ciúme.
Ela sorriu.
― Já o disse, ia se casar com minha irmã.
― Sim, mas isso já faz muitos anos. Querida, esteve no
campo todo este tempo, não sabe que classe de vida se dedicou
a levar.
― Tenho uma ideia, ― Jade assegurou ― mas confia em
mim, ele é bom. Recorda o que lhe contei. ― Ele assentiu
recordando a história de como os tinha ajudado todos aqueles
anos. ― Por isso posso afirmar, sem temor a me equivocar, que
ele é uma boa pessoa. Só que não gosta que as pessoas se
inteirem. Agora para de olhá-lo com o cenho franzido e deixa-os
serem felizes, vê-se que estão apaixonados ― ordenou e
acariciou o animal para que voltasse a recostar-se em seu
regaço.
James moveu seu cenho franzido de Anthony à raposa.
― Podia tê-lo deixado no campo ― balbuciou mal-
humorado.
― Se o fizesse minha mãe teria se desfeito dele. Disse-lhe
― protestou.
― Maravilhoso ― James conjecturou. ― Não vejo o
problema.
Ela o fulminou com o olhar.
― Sabe o que devo a este animal, não penso abandoná-lo à
intempérie e deixá-lo à mercê dos caçadores, sobretudo
sabendo que já não pode defender-se como antes.
James resmungou algo em voz baixa, mas não respondeu,
pois muito no fundo e, embora nunca o admitiria em voz alta,
gostava do animal.
A conversação cessou de repente e todos dirigiram sua
vista ao médico que acabava de entrar.
O médico esclareceu a garganta e depois de olhar a todos
os presentes com expressão neutra, disse:
― A duquesa se encontra perfeitamente bem, é só que… ―
calou-se um momento como se não soubesse como dar a
notícia ― está grávida.
Faltou pouco para que todos no salão ficassem com a boca
aberta. A notícia pareceu vagar por cada um dos cérebros e era
tão incrível, que ninguém pôde formular uma palavra. Jade
também estava surpreendida. Podia uma pessoa daquela idade
engravidar?
O doutor, pensando que o silêncio era porque precisavam
de mais informação, seguiu falando.
― Este é um caso pouco comum, ― admitiu o homenzinho
calvo ― poucas mulheres na idade da duquesa são capazes de
conceber, mas não é impossível. Minha recomendação é que se
mantenha o mais tranquila possível, que não se agite, que não
receba emoções negativas e que descanse a maior parte do
tempo. Quando a gravidez começar a aparecer será melhor que
só saia da cama se for indispensável, pois como disse, é um
caso pouco comum e também um tanto… arriscado.
― Arriscado? ― A voz do duque bramou preocupada.
O doutor pareceu incômodo ante o tom.
― Bom… sua excelência passa por pouco os quarenta. Não
estou dizendo que seja velha, muito menos, mas não é uma
idade comum para ter filhos. Pode haver algumas
complicações, mais do que se fosse uma mulher mais jovem,
mas se seguirem minhas indicações tudo pode sair
perfeitamente bem.
Ao ver que todos seguiam sem poder dizer nada, o doutor
murmurou uma desculpa e se retirou.
Passaram ao menos dois minutos até que, quase ao
mesmo tempo, as pessoas da habitação começaram a gritar
aclamações. Só o duque, normalmente controlado, parecia não
poder acreditar ainda na notícia.
― Vamos, irmão, reage, ― James lhe disse quase
sacudindo-o ― vá ver sua esposa. Vamos todos.
― Sim, vamos ― Topázio insistiu, sendo a primeira em
levantar-se. ― Vocês fiquem aqui. ― Assinalou aos maridos e ao
Anthony. ― Não entraremos todos.
Dito isso, as Loughy, seguidas de um William chocado, e
de um James entusiasmado foram até a habitação da duquesa.
Angelique e Jade preferiram ficar no salão junto com os
cavalheiros.
Formou-se um silêncio tenso que se rompeu quando da
habitação do salão ao lado se abriu uma porta e uma jovem
morena, de não mais de treze anos, entrou no salão.
― Por que tantos gritos? ― Perguntou resmungona. ― Tão
emocionados estão pelas bodas de Angelique? ― Olhou à jovem,
que lhe dirigiu um olhar de advertência, mas esta, tomando-lhe
como uma provocação, sorriu. ― Na verdade deviam considerá-
la um caso perdido se se alegraram tanto.
Angelique Allen ia responder, mas seu irmão se apressou
apresentando Anthony a sua irmã, lady Clarice.
A jovem fez uma perfeita reverência a lorde Clifton e,
quando se virou para Jade, seus olhos ficaram fixos no Harry.
― Isso é uma raposa? ― Perguntou assombrada olhando
ao animal. Quando Jade assentiu, perguntou: ― Dá-me de
presente?
― Não! ― As exclamações uníssonas dela e do irmão da
jovem, o conde de Granard, fizeram que esta fizesse um
beicinho.
― Devo supor que, se eu perguntar se posso ter uma, a
resposta será a mesma. ― Olhou ao seu irmão com rancor, mas
logo encolheu os ombros. ― Bem, retornarei com as crianças.
― Não se cansa de ensinar más maneiras aos nossos
filhos? ― Inquiriu o duque de Rutland, marido de Topázio, em
tom zombeteiro.
Pelo semblante do homem Jade podia afirmar que era
daquele tipo de pessoa que sempre vivia sorrindo e buscava o
lado bom de tudo.
― Eu? ― A jovem mostrou um sorriso tão inocente que era
difícil não lhe acreditar. ― Jamais faria tal coisa.
O duque de Rutland intercambiou um olhar com o
marquês de Aberdeen, marido de Rubi, e este olhou à Clarice
arqueando uma sobrancelha.
― Ah, não? Devo supor então que o truque que Charlotte
usou para mandar embora a professora na semana passada foi
de sua invenção?
― Sim ― ela disse cada vez mais ofendida. ― Eu não tenho
culpa de que se juntaram com as Loughy. ― Lançou um olhar à
Jade e logo ao Anthony e sorriu. ― Podem acreditar? Unem-se
com elas e logo querem me jogar a culpa das atitudes de seus
filhos, como se eu fosse uma má influência.
Anthony pareceu entender a que se referia, mas Jade não
conseguiu captar de tudo. Por que parecia insinuar que o
sangue Loughy bastava para que uma criatura se comportasse
mau?
O duque de Rutland soltou uma gargalhada e olhou à
jovem com admiração.
― Não quer ir viver conosco? Topázio adoraria tê-la em
casa.
― Onde tenho que assinar? ― O conde perguntou com
uma emoção que surpreendeu Jade. Acaso esse homem não
amava suas irmãs?
Lady Clarice sorriu.
― Eu gostaria, mas isso significaria fazê-lo feliz ―
assinalou ao conde. ― Que classe de irmã seria eu se o fizesse
feliz? Seria renegar o propósito pelo qual vim a este mundo.
Todos, menos o conde, riram, e a jovem, de acordo com
suas reações, desapareceu por onde tinha entrado.
Jade balançou a cabeça ante a estranha cena e com Harry
nos braços aproximou-se de onde estava lorde Clifton e se
sentou ao seu lado. Desde a morte de sua irmã não tinha visto
o homem, mas não tinha mudado, absolutamente. Seguia
possuindo aquele abundante cabelo castanho e aqueles olhos
âmbar que lhe davam a impressão de um predador em busca
de uma presa. Suas feições se endureceram um pouco, como se
tivesse passado por muitas dores após aqueles anos, mas
nesse momento estava relaxado, dando a aparência de alguém
que se tirou um peso de cima.
Elevando a cabeça para poder olhá-lo aos olhos, já que o
homem era muito alto para o mal de muitos, Jade lhe sorriu e
ele retribuiu o sorriso.
― Foi uma verdadeira surpresa encontrá-lo por aqui ―
disse-lhe em voz baixa, embora nenhum dos outros presentes
lhe prestavam atenção, pois tinham iniciado uma conversação
entre si.
― Mas imagine a surpresa que eu tive ― o barão protestou
e, com tom irônico disse: ― Não acreditei que o primeiro que
me recebesse ao entrar no salão fosse esse horrendo animal. ―
Deu uma olhada à raposa e Jade o fulminou com o olhar. Teria
o golpeado se não soubesse que ele brincava, e de verdade
esperava que brincasse.
Harry, sabendo que falavam dele, lançou um olhar de
advertência ao Anthony, que o devolveu. Ambos os olhos, quase
da mesma cor, pareceram ver-se envoltos em uma batalha até
que Harry desistiu e voltou a baixar a cabeça.
― Alegra-me que tenha casado ― Anthony falou
recostando-se no assento. ― Você merece isso, Jade. Como está
sua família?
Já que nesse momento estavam bem, Jade não considerou
que mentia quando respondeu.
― Perfeitamente bem. Obrigada. Também me alegro que
tenha se comprometido. Esmeralda Loughy parece ser uma
jovem adorável.
Lançou-lhe um olhar que podia jurar ser de incredulidade,
como se houvesse dito uma barbaridade. Ao final pareceu dar-
se conta de que tinha demonstrado muito assombro, porque
voltou para seu semblante inexpressivo quando respondeu:
― Acredito que isso depende da definição que tenha de
«adorável».
Jade enrugou ligeiramente o cenho sem compreender.
― O que quer dizer? Não é acaso uma pessoa tranquila,
educada, sensata e agradável?
Anthony a olhou brevemente, mas quando respondeu seus
olhos estavam no teto.
― Acredito que posso dizer que é educada, até certo ponto.
Jade não estava entendendo. Acaso estava dando a
entender que Esmeralda Loughy não era o que parecia? Mas se
tinha a aparência de um anjo!
― Talvez isto soe indiscreto, mas… como terminaram
comprometidos?
Anthony não a olhou, mas deixou ver um sorriso
resignado.
― Não tenho a menor ideia.
Jade abriu e fechou a boca pensando que já se colocara
muito em assuntos que não eram de sua incumbência. Não
obstante, como se algo parecesse querer saciar sua
curiosidade, Anthony a olhou e disse:
― Ela é uma pessoa maravilhosa. Mas eu não a
descreveria precisamente como sensata e tranquila.
Possivelmente agradável, quando não está me exasperando a
paciência. Mas maravilhosa, enfim, possivelmente
precisamente por isso.
Jade sorriu e não necessitou mais para saber que o barão
de Clifton tinha encontrado o seu calcanhar de Aquiles.
A duquesa e os outros retornaram logo. James tinha os
olhos vermelhos, como se tivesse chorado, mas como em seu
rosto se desenhava um verdadeiro sorriso, não se preocupou.
Durante o almoço a jovem compreendeu várias coisas. A
primeira, por que James estava temeroso de lhe apresentar à
sua família, e a segunda, por que sempre tinha afirmado que
ela não era estranha, pois todos os que estavam ali sentados
com ela, distavam muito de serem normais. Que não se
entenda mal, Jade gostou muito de todos, mas não podia
deixar de admitir que aquele almoço foi um dos mais estranhos
que presenciou em sua vida. Também compreendeu por que
Esmeralda Loughy não podia qualificar-se como «adorável»,
pois a jovem parecia ter uma estranha mania de ameaçar com
os talheres.
― Fez bem em se casar antes de trazê-la ― Topázio
comentou em meio ao almoço, tomando um sorvo de sua
limonada. ― Por sua cara acredito que a teríamos espantado
antes das bodas.
James dirigiu um sorriso à Jade e essa se ruborizou
imaginando a cara que tinha posto. Mas, ora, não se via todos
os dias uma jovem de classe alta ameaçar seu marido com uma
faca depois que este lhe fizesse algumas brincadeiras.
― Espero, Esmeralda, que tenha segurado bem o barão.
Este ainda pode arrepender-se.
Esmeralda lançou um olhar ao Anthony quase esperando
que o negasse, mas este, vendo a oportunidade de incomodar
um pouco a jovem, não disse nada. Ela o fulminou com o olhar
e se virou para Topázio.
― Casaremos ― a sua prima afirmou sorrindo.
― Já sei, querida, vem afirmado isso há dois meses.
Anthony olhou à duquesa de Rutland esperando que
esclarecesse isso, mas ela só se limitou a sorrir e mudar de
tema dizendo:
― Ao menos não convidamos lorde Conventry, ou
Angelique também ficaria sem pretendente e Rowena sem
bodas.
Como se só a palavra lhe trouxesse as lembranças, a
duquesa de Richmond voltou a dirigir um olhar de
recriminação ao James e a ela. Jade se limitou a desviar o
olhar.
James conseguiu agilmente desviar o tema das bodas e o
resto do almoço pareceu transcorrer de forma agradável. Jade
descobriu por que James lhe tinha dado o anel e o gesto que
naquele momento lhe pareceu formoso, aumentou seu valor até
não haver palavras para descrevê-lo. Todas as antigas Loughy
tinham um anel com a pedra representativa de seus nomes e
quando viram o seu, pode-se dizer que lhes deram as boas-
vindas à família.
Depois do almoço saíram um momento ao jardim e as
crianças brincaram entre si. Conforme recordava, cada Loughy
tinha dois filhos. Os de Topázio eram Tamara e Albert; os de
Rubi Charlotte e Mathew; e os de Safira, os gêmeos Marian e
Chase. As criaturas, que a princípio tinha considerado
adoráveis, não demoraram para lhe demonstrar que em
realidade distavam muito de sê-lo, pois deviam ser as crianças
mais inquietas e peraltas de toda a Inglaterra. Mesmo assim
Jade não pôde evitar sorrir ao vê-los interagir com os outros e
seus pais. Podia notar-se à distância o carinho que, à diferença
de muitos pais do reino, estes professavam aos seus filhos,
assim como também era bastante óbvio o amor que cada casal
tinha por seus cônjuges, o que lhe recordou que não tinha
confessado ao James seu amor. De repente a ideia se tornou
inaceitável. Como não o tinha feito ainda? Como não tinha
confessado ao homem que tinha roubado seu coração, que o
amava? Possivelmente essas duas palavras não fossem
suficientes para expressar a magnitude de seus sentimentos,
do que seu coração abrigava, mas as devia dizer, porque jamais
estaria tranquila se não o fizesse.
A noite chegou, e instalada na que antes era a habitação
de James, Jade se encontrava estendida na cama completa e
absolutamente nua. Com um sorriso travesso nos lábios,
esperou que seu marido se decidisse a entrar. Quando o fez,
sua vaidade aumentou vários níveis ao ver que os olhos dele se
obscureciam e se fixavam em seu corpo com um brilho que não
podia ser outra coisa do que desejo.
― Meu Deus, ― murmurou com voz rouca ― umas horas
com aquelas loucas e já lhe corromperam.
Jade riu e sentou-se na cama deixando uma boa visão de
seus seios ao seu dispor. Seus olhos vagaram por eles e ela
pôde observar como sua respiração se acelerava.
― O que acontece, lorde James, é que esta noite estou
decidida a torná-lo meu amante.
― Ah, sim? ― Ele inquiriu lhe seguindo o jogo enquanto se
aproximava e seus olhos azuis a devoravam com o olhar.
― Sim, e não penso desistir até obtê-lo.
Ele se desfez das botas pelo caminho, junto com o fraque e
o colete. Ajoelhou-se na cama em frente a ela e a atraiu para
ele.
― Não acredito que isso vá dar-lhe muito trabalho,
senhorita Kingsley ― sussurrou em seu ouvido passando a mão
por suas costas e acariciando-a até chegar aos seus glúteos.
― Não? ― Ela imprimiu um tom de voz decepcionado. ― É
uma lástima, e eu que tinha tudo perfeitamente planejado.
Ele beijou seu pescoço e ela começou a desabotoar os
botões superiores da camisa.
― Não importa ― sussurrou contra sua pele, causando que
essa se arrepiasse.
― James… ― ela ofegou quando uma de suas mãos tomou
posse de seus seios. ― Tenho que lhe dizer algo.
― Umm ― ele resmungou com seus lábios ocupados na
clavícula dela.
― Eu… eu também te amo.
Essa simples frase conseguiu captar toda a atenção dele,
que deixou momentaneamente o que estava fazendo para olhá-
la aos olhos e comprovar o que acabava de escutar.
― Amo-o ― ela repetiu contra sua boca. ― Tinha que lhe
dizer isso. Não estou segura desde quando, talvez quando
comecei a procurar justificativas para seu comportamento no
primeiro encontro, ou possivelmente quando se materializou
como aquele anjo que quis me salvar, não só dos meus
problemas pessoais, mas sim dos internos. Talvez aí tenha
penetrado dentro de mim, curando todas e cada uma das
feridas que acreditei permanecerem abertas como lembrança e
lição. Derrubou todas as barreiras e acabou com os, “mas” que
se punha me demonstrando quão importante era para você, e
só por isso tornou-se importante para mim. Fui incapaz de tirá-
lo da minha mente, apesar de me dizer que não era de tudo boa
para você. ― Beijou-o brevemente antes de seguir. ― Amo-o,
James, só queria que soubesse.
Com as palavras lhe fazendo eco nos ouvidos, James não
pôde fazer mais do que ficar observando-a maravilhado. Nunca
tinha querido pressioná-la para dizer essas tão desejadas
palavras, mas agora que as escutava se fazia difícil comparar a
alegria sentida com algum outro momento de sua vida. Era
difícil compreender como duas simples palavras podiam
impregnar tão fundo e lhe acelerar o coração de alegria.
― Jade…, ― sussurrou ― minha querida Jade. É
surpreendente como ao final conseguiu se dar bem.
― A que se refere?
― Conseguiu me tornar seu amante. Conseguiu me fazer
amante de seus beijos, de seu corpo e de sua alma. Fez-me ser
amante de tudo que você representa e, no processo, querida,
levou também meu coração.
Incapaz de dizer tudo o que sentia em palavras, Jade se
limitou a beijar seus lábios. Amando seu sabor, amando seu
calor e amando a ele, porque depois de tudo, ela também se
tornara amante de sua pessoa e de seu ser. Ambos tinham
caído, sem saber, naquela rede chamada amor, que o destino
tecia para as pessoas merecedoras dele. Um amor para sempre
duradouro, já que suas almas tinham sido atadas e o coração
de cada um deles era e seria, para toda a eternidade, amante
do outro.
Catherine Brook é o pseudônimo sob o qual escreve essa
jovem autora venezuelana. Estudante de arquitetura, desfruta
do romance desde que tem uso de razão. Sempre gostou das
novelas com final feliz e foi ao ler Bodas de ódio, da Florência
Bonelli, que se apaixonou pelo gênero histórico e por todas
suas autoras. Quando lhe foi dada a oportunidade de publicar
no Wattpad, jamais imaginou tal aceitação e, graças a isso, deu
rédea solta a esta paixão, pois em sua opinião, não há nada
melhor que isso.

Você também pode gostar