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CAPÍTULO 2
A primeira coisa que Teresa Essex notou foi que os dois ingleses
estavam brincando com alguns brinquedos. Brinquedos! Se lembrou de
tudo aquilo que sempre escutou sobre os ingleses: Frágeis, fracos,
imaturos, morriam de frio com o primeiro ventinho.
Entretanto, eram somente homens, embora em uma versão inglesa.
Tess tinha um pouco mais de dezesseis anos quando percebeu que os
homens tinham uma visão um tanto quanto ampla da noção de
brinquedos. Dando uma olhada para Josie e tocando levemente nas costas
de Imogen, fez com que as irmãs se colocassem de modo perfeitamente
alinhado. Annabel já estava alinhada, a cabeça levemente inclinada de
lado, para ressaltar de modo mais eficiente os reflexos dourados dos
seus belos cabelos louro mel.
Os dois cavalheiros, enquanto isso, olhavam para elas com uma
expressão atônita, aturdidos demais, mesmo para dois ingleses. Uma
coisa um pouco embaraçosa. Eles não eram as criaturas frágeis e com
pernas finas e secas que ela esperava ver, com base nas descrições que
ouvira. Um dos dois parecia ter surgido de uma ilustração de uma
revista de moda, devido à sua vestimenta elegante e grossos cachos
negros. Ele não parecia um dândi, no entanto. Os dândis não tinham
aquele brilho malicioso em seus olhos. O outro era alto, com um pouco
de barriga e uma massa emaranhada de cabelos castanhos, com um tufo
caindo sobre a testa. Um lobo solitário, talvez.
— Bem, — Tess disse finalmente, porque ninguém falava. —
Lamentamos ter interrompido enquanto vocês estão tão ocupados. —
Disse isso com uma dose apropriada de ironia, apenas uma nuance. Para
que entendessem que, só porque eram belezas rudes das campanhas da
Escócia, que poderiam ser deixadas em um canto da sala e ignoradas.
Afinal, elas eram damas, mesmo que não estivessem vestidas de moda.
O mais elegante se curvou e deu um passo à frente, dizendo: — Que
surpresa maravilhosa, Miss Essex. Tenho o prazer de conhecê-la.
Tinha algo de errado com o tom de sua voz, como se fizesse força
para não rir. De qualquer maneira beijou sua mão muita elegância.
Neste momento, também o mais alto, o Lobo solitário, se mexeu,
como um cão que tira a água de seus pelos molhados, e se aproximou. —
Perdoe a minha falta de modos — disse. — Sou Rafe Jourdain, Duque de
Holbrook. Receio que houve uma má interpretação quanto a idade de
vocês.
— A nossa idade? — Tess levantou graciosamente as sobrancelhas,
compreendendo subitamente porque tinham tantos brinquedos e
porque o quarto estava decorado de modo tão vistoso. — Vocês achavam
que ainda fossemos crianças?
O duque assentiu, inclinando a cabeça ligeiramente em saudação,
com a compostura natural daqueles que pertenciam ao belo mundo por
nascimento, mesmo que o cabelo despenteado mostrasse uma profunda
aversão ao uso do pente. — Vou te dar todas as minhas desculpas. Eu
estava erroneamente convencido de que você era muito mais jovem.
— Jovens! – exclamou Tess. — Olhando em volta, tenho a impressão
de que você achava que ainda usávamos fraldas! — Nesse meio tempo,
notou a babá mais velha, as quatro babás de avental branco que estavam
ali de boca aberta, os cavalos de balanço, as bonecas. — Papai não te
contou...
Mas se interrompeu bruscamente. Certamente que seu pai não falara
nada. Tinha certamente falado com o duque da idade de Starling, do
cavalgar ligeiro de Something Wanton, ou daquilo que Lady of Pleasure
preferia comer antes de uma corrida, deixando de lado qualquer aceno à
idade de suas filhas.
Então, o tutor tinha segurado sua mão, dando-lhe um sorriso, e o
gesto aqueceu seu coração, dissipando a amargura. — Desatento como
sou, certamente me esqueci de pedir ao seu pai os esclarecimentos
necessários. Além disso, nunca imaginei que o destino necessitasse de
minha intervenção. De fato, a esse respeito, deixe-me expressar minha
sincera simpatia pela dor causada por uma perda tão grave, Miss Essex.
Tess ficou parada por um momento, sem fala. Os olhos do duque,
notou, eram de uma estranha cor cinza-azulada. Também ficou
impressionada com a bondade manifesta do homem, apesar do cabelo
despenteado que o fazia parecer um selvagem de Bornéu. Um sopro de
esperança entrou em seu coração, oprimido por mil medos.
— Claro, — ela respondeu. — Posso te apresentar minhas irmãs? Esta
é Imogen, — disse ela, voltando-se para sua irmã em questão. — Tem
apenas vinte anos. — Às vezes achava que Imogen era ainda mais bonita
que Annabel (o que não era fácil). Ela tinha os mesmos cabelos lisos e
negros e os olhos sorridentes de sua pobre mãe, mas a boca... só ela, de
todos, tinha uma boca tão linda. Atingia os homens como um soco no
estômago; o duque, aparentemente, não foi exceção.
Imogen, no entanto, não se importava com o efeito sobre os homens,
porque ela estava apaixonada. Educadamente sorriu para o duque, no
entanto, e fez em uma graciosa reverência. Quando seu pai tinha algum
dinheiro no bolso, ele temporariamente assumiu uma governanta, para
que elas pudessem, ao menos, aprender a se comportar como jovens da
boa sociedade.
— Esta é Annabel— disse Tess, colocando a mão sobre o braço da
irmã. — Depois de mim, é a mais velha; tem vinte e dois anos. — Se
Imogen era indiferente com relação aos homens, Annabel, ao contrário,
parecia dominar a arte de seduzir desde que estava no berço. Deu ao
Duque um sorriso que falava de inocência e de algo mais, e o
cumprimentou com um tom entre acariciante e extasiado; mel com uma
ponta de limão.
O Duque segurou o tranco e não parecia estar ao ponto de se ajoelhar
aos seus pés. — Prazer em conhecê-la, Miss Annabel — disse, encostando
os lábios nas costas de sua mão.
— E Josephine — concluiu Tess. — Josie tem quinze anos e é ainda
uma estudante.
Tess notou que o duque já sorria para Josie, outro sinal
inquestionável de sua gentileza.
Se havia uma coisa que a deixava furiosa, era quando os homens
ficavam hipnotizados pelos modos de Annabel e não olhavam para a
pobre Josie.
— Não vale a pena beijar a minha mão também, — disse Josie
bruscamente.
— Posso apresentar a vocês um amigo meu? — O duque então
perguntou, como se não a tivesse ouvido, mas evitou de dar um quarto
beijo. — Garret Langham, conde de Mayne.
Annabel deu a Mayne um sorriso radiante, como uma menina de
quatro anos na frente de uma fatia de bolo. Não havia nada que Annabel
apreciasse mais que um homem talentoso, assim como todos os atributos
necessários, de um título nobre.
Mayne respondeu com um sorriso igualmente entusiástico, embora
Tess duvidasse que seu entusiasmo tivesse algo a ver com a ascendência
mais ou menos nobre de Annabel.
Quando as apresentações terminaram, o duque voltou-se para ela. —
Miss Essex, já que parece claro para mim que nenhuma de vocês está
interessada nesses... brinquedos, você quer me seguir até a sala de estar?
Temo que minha governanta precise de algum tempo para preparar os
quartos de forma mais apropriada, mas imagino que suas camareiras
não terão problemas em ajudá-las.
Tess corou. — Nós não trouxemos camareiras conosco.
— Nesse caso, — disse seu tutor, sem se alterar em nada, — podemos
empregar as quatro babás para esse fim, se você não tem nada contra
isso. — Ele apontou para as quatro mulheres, que estavam observando a
cena, alinhadas ao longo de uma parede, completamente
desconcertadas. — Tenho certeza de que a governanta poderá treiná-las
rapidamente para realizar sua nova tarefa.
— Você vai precisar de uma acompanhante, — disse Mayne, virando-
se para o duque. — Não é mais uma questão de administrar um berçário,
Rafe. Você deve arranjar imediatamente, para esta noite.
Claramente, esse pensamento ainda não havia passado pela cabeça
do duque. — Droga, vou ter que escrever uma nota para Lady Clarice,—
disse ele, passando a mão pelo cabelo emaranhado, — pedindo-lhe para
me fazer uma visita. Esperando que ela aceite vir, depois da última vez.
Receio que fui bastante rude, por assim dizer.
— Você tinha bebido alguns copos também, não é? — Perguntou
Mayne.
O duque inclinou a boca em uma careta perplexa.
— Eu a joguei fora de casa, agradeço ao céu não em um sentido físico.
Na verdade, não me lembro exatamente como foi. — De repente,
percebeu que Tess e suas irmãs o observavam, e então deu um sorriso
tranquilizador, dizendo sem remorso: — Minhas protegidas vão pensar
que sou um bêbado.
— Quem te conhece te ama, — disse o conde. — Minha querida Miss
Essex, as rosas vão florescer no inferno antes que o seu guardião não
termine a noite segurando um copo de conhaque.
— A propriedade de Lady Clarice fica ao lado da nossa, — explicou
Holbrook à Tess, ignorando o sarcasmo de seu amigo. — Espero que,
expressando por escrito todas as minhas desculpas, ela releve o
acidente, caso contrário eu não sei como faremos isso. Nós não podemos
passar a noite sob o mesmo teto sem uma acompanhante.
Mas Mayne não se permitiu ser silenciado. — A Lady em questão é
uma viúva e tem os olhos em seu guardião, — explicou ele às meninas. —
Eu acho que espera encontrá-lo um dia tão bêbado que não perceba que
ela já está fazendo os proclamas para anunciar o casamento deles.
Infelizmente para ela, no entanto, Rafe segura muito bem o álcool.
— Bobagem, — resmungou o duque, passando a mão pelo cabelo de
novo, mas apenas para acentuar sua aparência selvagem.
— Lady Clarice é uma otimista insubstituível, não importa se ela é
dez anos mais velha que Rafe, e com um filho que tem quase a idade
dele, — Mayne continuou implacavelmente.
— Maitland é muito mais novo que eu, — protestou o duque.
— Ele já passou os vinte faz tempo, — disse Mayne. — E isso significa
que sua mãe é pelo menos cinco anos mais velha que você.
Tess percebeu a reação animada de Imogen atrás dela e seu coração
apertou. Elas haviam feito de tudo para distrair Imogen de seu amor sem
esperança, um amor que beirava a adoração, por Lorde Maitland, e
descobrir agora que ele era seu vizinho não a tranquilizou. — Você está
se referindo a Draven Maitland, sua graça? — Ela perguntou, obedecendo
ao pedido silencioso que lera no olhar implorante de sua irmã.
— Então, você o conhece? — Pelo tom do duque, Tess teve a
impressão de que ele tinha muito pouca estima por aquele homem,
assim como ela. — Ele provavelmente vai querer acompanhar sua mãe
hoje à noite. Vou pedir aos dois para jantarem conosco. Enquanto isso,
imagino que você e suas irmãs querem descansar do cansado da jornada.
— Oh, claro, ficaríamos muito satisfeitas, — disse Tess, enquanto
Imogen dava um sorriso extasiado. O duque examinou com curiosidade
aquele sorriso, mas absteve-se de fazer comentários.
— Vocês podem se retirar para a suíte rosa, enquanto os criados
terminam de preparar seus quartos. — Dito isso, Holbrook deu o braço
para Tess, que o seguiu, não sem algum embaraço.
Os ingleses eram tão diferentes do que ela imaginara! Eles eram...
formidáveis. Tudo ao contrário ao que sempre ouvira sobre eles. Os
escoceses os descreveram de maneira desdenhosa como homúnculos
frágeis e fracotes, completamente inadequados para suportar o
desconforto ou o mau tempo. Ah, claro, também houve exceções. Lord
Maitland, para citar um, certamente era dotado de um físico
maravilhoso.
Até mesmo seu novo guardião era um tipo não convencional. Em
primeiro lugar, ele não possuía aquilo que era comumente atribuído à
figura de um duque. Não estava vestido de seda ou veludo. Em vez disso,
usava calças gastas, especialmente na região em volta da cintura, onde a
barriga era mais proeminente e uma camisa branca de algodão normal,
com as mangas arregaçadas, como se estivesse acostumado a
ocasionalmente dar uma mão aos ajudantes do estábulo.
Da mesma forma, sua voz não tinha nada aristocrático, embora fosse
agradável o suficiente. O duque tinha uma certa tendência a resmungar.
Ele também tinha linhas vistosas ao redor dos olhos, embora ainda fosse
relativamente jovem, cerca de trinta e cinco anos mais ou menos.
Precocemente definhado, essa foi a impressão que ele deu. Certamente
não era um que corria atrás das saias; os homens desse tipo Tess
cheirava-os a uma milha de distância. Limitara-se a demonstrar um
interesse educado pelas suas protegidas e nada mais.
E, no entanto, apesar do cabelo despenteado e do rosto
prematuramente desgastado, sua figura não tinha nada de inquietante.
Tess sentiu que a ansiedade com a qual havia encarado aquela
reunião começava, talvez só um pouco, a diminuir.
Aquele homem rude, que havia contratado quatro babás para tantas
órfãs, e que nunca se separava de seu copo de conhaque... não era um
tipo para ter medo.
Olhando pensativamente o tecido puído da camisa usada pelo duque,
disse: — Sou grata a você, sua graça, por ter aceitado essa tarefa. —
Vencendo o constrangimento, acrescentou: — Meu pai, infelizmente, era
um homem imprevisível, e às vezes, para conseguir se livra dos
problemas, foi forçado a se apoiar nos outros, de uma forma que, para
alguns, pode ser onerosa.
Holbrook parecia genuinamente surpreso. — Seus escrúpulos a
honram, minha querida, mas eles são totalmente injustificados.
— Estou falando sério, —insistiu Tess. — Eu...
— Eu também sou muito sério, — disse o duque. —Fui escolhido como
guardião em pelo menos vinte testamentos, Miss Essex. Eu sou um
duque, afinal de contas, e não sei por que devo me recusar a atender a
esses tipos de pedidos.
— Oh, —disse Tess, aturdida. Evidentemente, seu pai não foi o único
que tentou tirar vantagem de conhecer, ainda que superficialmente, o
duque.
Holbrook pegou a mão dela, confortando-a como um tio mais velho
teria feito. — Não tenha medo, Miss Essex, estou certo que nos daremos
bem. Não deve ser muito difícil encontrar uma governanta para a
pequena Josie. Por outro lado, encontrar uma acompanhante que não
seja muito chata ou incômoda exigirá uma consideração mais cuidadosa.
Mas não há nada para se preocupar.
Nos últimos meses, na verdade, Tess tinha feito nada além de se
preocupar e se perguntar sobre o que o destino tinha reservado para ela
e suas irmãs: seu tutor seria uma pessoa gentil e sensível, ou o expoente
típico da nobreza Inglesa, fanático por cavalos e competições equestres?
A cada vez, quando as irmãs a incomodavam com perguntas, ela
respondia, exibindo uma certeza que não sentia: — Tenho certeza de que
ele será um perfeito cavalheiro. Afinal, papai escolheu com o maior
cuidado.
Nada poderia ser mais falso, infelizmente. Em seu leito de morte, seu
pai a pegou pelo braço e disse: — Não se preocupe, Tess. Eu tenho uma
pessoa muito boa que vai cuidar de você. Pedi a ele depois que o pobre
Monkton partiu no ano passado. Eu conheço Holbrook há vários anos.
— Porque ele nunca veio te ver, pai?
— Não tive mais a chance de encontrá-lo, — respondeu seu pai, com
rosto branco quase como um travesseiro, enquanto o coração de Tess
estava apertado de medo. — Não se preocupe, minha filha. Eu encontrei
frequentemente seu nome sendo mencionado quando lia a Sporting
Magazine. Não vai perder nada para Something Wanton, Blue-bell e outros.
Ele se comprometeu por escrito. Eu também enviei Starling para selar
nosso acordo.
— Tenho certeza de que ele respeitará o compromisso, papai, —
dissera Tess, segurando em suas mãos aquela que seu pai tinha soltado,
como se tivesse subitamente adormecido. Então, o duque estava
comprometido em cuidar do precioso puro-sangue da escuderia de seu
pai... Mas que destino foi reservado para suas filhas?
Seu pai de repente abriu os olhos novamente.
— Vocês vão ficar bem com Holbrook, Tess. Cuide de suas irmãs no
meu lugar, você fará isso?
Ela pegou a mão dele, afastando os soluços que lhe apertavam a
garganta.
— É como se eu estivesse te observando de longe, através de uma
forte nevasca, — seu pai disse a ela em uma voz fraca.
— Oh, papai, — Tess sussurrou. — Eu te amo muito.
Ele balançou a cabeça, tentando reagir ao seu estado de prostração.
— Eu vou ver sua mãe de novo, não tenho dúvidas, — acrescentou,
pressionando os lábios em um sorriso pálido. Seu pai sempre foi muito
otimista, especialmente durante a semana anterior a uma grande mostra
de cavalos. Mas não aconteceu de ganhar muitas vezes.
— Sim, papai, — Tess havia murmurado, enxugando as lágrimas
escorrendo por suas bochechas.
— Minha doçura, — dissera o pai, e ela não entendera se estava se
referindo a ela ou à mãe.
— Não esqueça que o Wanton gosta de maçãs cozidas... Você vai
pensar em tudo, Tess?
— Claro que vou, papai. Assim que eu chegar, informarei ao duque
que Wanton tem com o estômago fraco.
— Eu não estava falando sobre isso, Tess, — seu pai a interrompeu
então, com um sorriso que definitivamente era para ela, não para outro.
— Annabel é linda demais, você sabe. E a doce Josie... — Ele ficou quieto
por um momento, depois acrescentou:—Maitland não é o homem certo
para Imogen. Tem uma cabeça louca, esse rapaz.
A essa altura, Tess também tinha os olhos cheios de lágrimas.
— Você é... — O pai dela parou, então, num sussurro, como se
estivesse falando enquanto dormia, ele disse: — Tess. Aquelas maçãs...
Mas desta vez ele adormeceu definitivamente. A partir de então,
embora ela e suas irmãs tivessem se fortalecido para tentar sacudi-lo,
falar de seus amados cavalos ou trazendo, como Josie, uma tigela de
maçãs cozidas, ele não acordara. Alguns dias depois, durante a noite, ele
foi embora, dormindo.
O funeral passou como um sonho envolto em cinza. Seu primo
gordo, que herdara a terra, aparecera com a esposa, uma mulher com
uma voz desajeitada, estúpida como uma galinha e duas criadas; Tess
fizera o melhor possível para deixá-los à vontade numa casa que nem
sequer tinha uma cama decente, com um colchão de penas. Quando o
secretário do duque chegou, para anunciar seu destino, conseguiu não
bombardeá-lo com perguntas, como estava tentada a fazer, sobre seu
tutor. Mesmo depois, enquanto o secretário do duque organizou a
expedição à Inglaterra dos puros-sangues de seu pai, assegurando-lhes
todos os confortos possíveis, considerou desnecessário fazer perguntas.
Os cavalos tinham saído muito antes delas. Este fato não deixava
dúvidas, em sua opinião, sobre quais eram as prioridades do Duque.
Então ela tentou tranquilizar Josie, tinha dito a Imogen que se não
parasse de falar sobre Draven Maitland a estrangularia com a última fita
que Annabel tinha esquecido de pedir de volta, e manteve para si mesmo
as preocupações, os pensamentos cada vez mais sombrio que a oprimiam
até parecer que ela tinha uma pedra pesando permanentemente em seu
peito.
Não queria nunca mais ter nada a ver com um fanático dos esportes
equestres, nunca mais. A ideia de que o futuro delas poderia depender
justamente de um homem desse tipo estava atormentando-a. Ela chegou
ao ponto de não ter bons pensamentos com o falecido pai, e os
sentimentos resultantes de culpa haviam forçado seus nervos.
Olhando para o duque de Holbrook, agora, parecia-lhe que seus
medos estavam confirmados. Com os cabelos em pé sobre a cabeça, as
roupas puídas, era certamente um fanático por cavalos, embora talvez
não fosse um tolo das espécies mais perigosas.
Mas era também gentil. E não era um mulherengo.
Ele também parecia muito mais atencioso com elas do que seu pai
jamais fora. Ele certamente não era obrigado a mantê-las em casa com
ele, ou tratá-las como se tivessem algum grau de parentesco.
Talvez seus julgamentos tivessem sido precipitados demais. Talvez...
fosse apenas uma hipótese... os homens não eram todos loucos.
CAPÍTULO 3
Imogen observou satisfeita que suas mãos não tremiam. Em seu lugar,
qualquer outra garota teria tremido como uma folha: ela estava prestes
a encontrar sua futura sogra pela primeira vez, e talvez ela também
visse Draven...
Escovou o cabelo até que estalasse, carregado de eletricidade,
beliscou suas bochechas até que parecesse febril, e então praticou sorrir
na frente do espelho. Não havia razão para estar nervosa, disse a si
mesma, pois estava claro que ela e Draven estavam unidos pelo destino.
Praticou seu sorriso novamente. Devia dar o sorriso certo, na frente da
mãe de Draven: não devia parecer muito ousada, agressiva, não podia se
arriscar a ser contraproducente. Decidiu que a melhor coisa era tentar
parecer adorável, tímida e ingênua.
Demorou um pouco (a adorável timidez não fazia parte da bagagem
natural de Imogen), mas no final parecia ter obtido o resultado que
havia sido definido. Limitando-se a ligeiramente curvar os cantos de sua
boca e abrindo os lábios em um sorriso trêmulo, parecia quase uma
adolescente, cerca de treze ou mais.
Josie apareceu à porta no momento em que Imogen se curvava diante
do espelho. — Estou disposta a apostar que o seu belo Draven fugiu para
assistir algumas corridas. Você pode poupar todas essas pequenas
coisas — exclamou, azeda como sempre.
— Você poderia me poupar desses comentários sarcásticos, — disse
Imogen, franzindo o cenho diante de sua irmã quando saiu do quarto. —
Um dia você também entenderá o que é amor. Talvez possamos
conversar sobre isso novamente.
Depois de uma espera na sala de estar que pareceu às três irmãs
insuportavelmente longa, a porta finalmente se abriu e Brinkley
anunciou: — Lady Clarice Maitland.
A mulher que apareceu na porta tinha indubitavelmente a atitude de
uma grande dama, com a cabeça inclinada para um lado e as mãos que
descreviam círculos elegantes no ar antes mesmo de abrir a boca. O
nariz fino e perfeitamente modelado e as altas maçãs do rosto conferiam
a seus traços uma inegável nobreza. O penteado elaborado do cabelo, a
língua afiada, a aura luxuosa que a rodeava, confirmavam a impressão
de estar diante de uma típica representante da nobreza.
— Caro Holbrook! — chiou, cruzando o limiar com ímpeto, quase
subjugando o mordomo. — Você não precisa anunciar também meu
filho, Brinkley. Somos praticamente pessoas de família.
O homem que se aproximou do mordomo, entretanto, parou o
coração de Imogen, e ele passou um segundo inteiro antes de começar a
bater novamente com o ritmo regular.
Ele era singularmente bonito, com uma mandíbula masculina viril,
covinha no queixo, olhos castanhos... Imogen se levantou, apesar de suas
pernas cederam.
— Lembre-se que ele está oficialmente comprometido! — sussurrou
Tess em seu ouvido, quando se encontraram com lady Clarice para
cumprimentá-la com a costumeira reverência.
Obviamente, apenas um gesto formal de reconhecimento foi dado a
Draven. Ele foi prometido a outra, apesar do desejo que Imogen
expressava toda vez que encontrava um trevo de quatro folhas ou via
uma estrela cadente disparar no céu nos últimos dois anos, desde que o
conhecera pela primeira vez. O sorriso que instintivamente emergiu em
seus lábios não teve um pingo de timidez virginal.
— Foi uma sorte que você me encontrou em casa, — Lady Clarice
estava dizendo nesse meio tempo, em sua voz estridente, enquanto
estendia a mão para ser beijada. — Eu estava prestes a dar um pulo em
Londres, na minha modista, quando recebi o seu convite. E desde que eu
sou uma pessoa compreensiva, julguei sua necessidade mais urgente do
que a minha! Bem, estas são suas protegidas, acho.
Lady Clarice usava o vestido mais suntuoso que Imogen já vira, de
seda carmim em espinha de peixe, com uma fileira tripla de fitas ao
longo da bainha inferior, em forma de coroa de louros.
Ela e suas irmãs, por outro lado, estavam sombriamente vestidas de
luto, com horríveis roupas de linho que só eram mais vivazes por um
laço branco fino em volta do pescoço, um presente providencial da
costureira da aldeia que disse não poder enviá-las para aqueles
selvagens ingleses sem enobrecer um pouco a aparência delas, mesmo à
custa de esquecer seus próprios bolsos, já que as meninas não podiam
pagar por isso.
Lady Clarice, por outro lado, estava cheia de renda em todos os
lugares, desde o cabelo até as bordas do vestido e até mesmo na bolsa de
rede que amarrara ao pulso, mesmo que o fluxo de ornamentos não
suavizasse os traços do rosto dela. Imogen lutou para afugentar esse
pensamento, lembrando-se de que a mulher ainda era a mãe de Draven.
Quando ela e Tess se curvaram respeitosamente diante dela, Imogen
olhou para as botas de Draven. Impecáveis como seu dono, eram de um
couro marrom rico e macio, perfeitamente polidas.
— Deixe-me apresentá-la à minha protegida, Miss Essex, — o duque
estava dizendo nesse meio tempo. — E uma de suas irmãs, Miss Imogen.
Somos extremamente gratos pela sua gentileza.
Lady Clarice olhou para as duas garotas como se fossem aberrações.
— Eu não posso imaginar o que seu pai tinha em mente quando mandou
vocês para cá sem... — disse, num volume exagerado de voz, como um
cantor de ópera. Parou no meio do caminho, corrigindo abruptamente o
curso de seu discurso. — Mas seu pai, pobrezinho, se foi, não é? Não cabe
mais a ele encontrar uma acompanhante. Por isso, é conveniente deixar
esse pensamento para os vivos! — concluiu com um sorriso.
Imogen abriu a boca e fechou-a. A qualquer momento poderia
encontrar o olhar de Draven. Ele já estava noivo, lembrou a si mesma. E
ele já havia dito a ela, francamente, que um futuro juntos seria
impensável. No entanto...
— Onde estão as outras duas garotas? Você me disse que eram quatro,
certo? Holbrook, você se tornou o guardião de quatro garotas, certo?
O duque parou de cumprimentar Draven e girou com um sobressalto.
— Sim, certo, são quatro — confirmou, passando mecanicamente a mão
pelo cabelo.
Tess assentiu para Annabel, que estava de lado flertando com o conde
de Mayne, e depois para Josie, meio escondida atrás do piano.
— Olhe só, que garotas bonitas, — gritou Lady Clarice, quando elas
estavam todas alinhadas na frente dela. — Você não terá nenhum
problema em casá-las corretamente, Holbrook. Elas encontrarão pelo
menos um Lord. E talvez você possa apostar ainda mais alto, minhas
queridas! Nós devemos sempre ver o lado positivo das coisas. Claro, há
muito trabalho a fazer. — Clarice continuou seu discurso,
aparentemente, mesmo sem parar para respirar. — Sua roupa atual é
horrível, claro. Existem maneiras e maneiras de usar luto, se vocês
entendem o que quero dizer. Mas os escoceses nunca tiveram qualquer
sensibilidade para essas coisas, nem nunca terão. É por isso que evito de
subir lá. Com o simples pensamento, meu cabelo fica em pé! — concluiu,
ajustando com cuidado os elaborados cachos do penteado.
Josie curvou-se e recuou atrás do piano, fingindo folhear as
partituras, embora nunca tivesse tido uma aula de piano em sua vida,
porque era um luxo que seu pai não podia oferecer. Imogen esperava
que o duque não pensasse em pedir a ela, ao vê-la no piano, tocar
alguma coisa.
— Uma dieta baseada em ovos cozidos e repolho cozido deve diminuir
a figura de sua irmãzinha, — sussurrou Lady Clarice no ouvido de Tess.
— Eu era gordinha como ela na idade dela, me vendo agora ninguém iria
acreditar. No entanto, olhe para mim, eu me casei com um
barão! Naturalmente, não posso garantir que vocês posam chegar a esse
nível, mas um Lord não parece de todo um objetivo impossível! Mesmo a
mais jovem poderia encontrar um bom partido, escondendo o excesso de
redondeza com a ajuda de um bom modista...
Tess estava prestes a responder não muito educadamente, mas
Holbrook antecipou, dizendo em um tom verdadeiramente ducal: —
Josephine tem uma figura que faria inveja a muitas de suas coetâneas.
Lady Clarice sorriu para ele ambiguamente e riu. — Claro, sua graça.
Você não deve perder a esperança de encontrar uma posição adequada
para todas as quatro. Não há escassez de homens que amam as
meninas... bem com carne, como dizem!
Imogen estava cada vez mais desanimada. A esperança de que Lady
Clarice consentisse no casamento com seu filho foi reduzida à zero. Lady
Clarice parecia que não sabia o significado da palavra “amor” e não
parecia desejar encorajar tais levantes emocionais.
— Eu ainda não as apresentei ao meu filho! — Lady Clarice disse,
empurrando Draven para a frente. — Embora, minhas queridas garotas,
eu deva avisá-las que meu tesouro já foi prometido para outra. — Deu
outra risadinha. — Garanto a vocês, no entanto, que faremos o nosso
melhor para encontrar um partido de nível comparável. Miss Essex, Miss
Imogen, deixe-me apresentá-las ao meu filho, Lorde Maitland.
As bochechas de Imogen estavam levemente ruborizadas enquanto se
inclinava, sendo imitada por Tess.
— Tivemos a oportunidade de conhecer Lord Maitland, Lady
Clarice — Tess disse, em tom bastante frio. — Ele... ele era amigo de
nosso pai, o visconde de Brydone.
Draven respondeu com uma reverência formal, como se nunca tivesse
tido qualquer familiaridade com elas, embora, ao contrário, tivesse ido
muitas vezes na Escócia, por causa da paixão pelos cavalos que o unia ao
pobre pai delas.
— Eu conheci a família Essex há dois anos, — ele confirmou, olhando
insistentemente para Imogen, que sentiu seu coração se agitar no peito
como um pássaro em uma jaula.
— O que? Oh! — Lady Clarice riu. — Às vezes meu Draven vai para a
Escócia para uma caçada. Terá sido em uma dessas ocasiões, eu acho. —
Seu tom de repente se tornou cauteloso. Lady Clarice não era idiota, e as
jovens Essex eram garotas muito bonitas.
Tess pegou a mudança de Lady Clarice e sentiu um pouco de pânico.
Se aquela mulher suspeitasse dos sentimentos de Imogen por seu filho,
ela poderia se recusar a ser acompanhante delas. Então o que elas
fariam?
— Vou à Escócia para participar das corridas, não para caçar, — disse
Draven à mãe. Ele estava beijando a mão de Imogen agora, e Tess
percebeu, com o coração apertado, que olhava para sua irmã com a
mesma ansiedade que ela estava olhando para ele.
— Me dizem que meu filho é um cavaleiro muito talentoso, — disse
Lady Clarice. Para o forte alívio de Tess, ela não pareceu notar que
Annabel, enquanto isso, fugira, rudemente, para retornar ao conde de
Mayne, com quem agora estava conversando alegremente, fazendo seus
cachos loiros dançarem como cortiça lançada pela maré. — Mas eu não
posso confirmar, porque esportes ao ar livre não são para mim. — E
diante da reação perplexa de Tess, Lady Clarice acrescentou: — O ar
livre, Miss Essex! Não há nada pior para a pele, garanto-lhe. Eu me
exponho aos raios do sol o mínimo possível. Me sacrifico ocasionalmente
apenas para agradar meu filho. Ele é tão feliz quando pode voar para a
vitória diante dos meus olhos!
— Minha pele ficará irreparavelmente comprometida, então,
— pensou Tess. Seu pai tinha começado a arrastá-las para as corridas
assim que começaram a andar.
— Eu sempre encorajei meu Draven a seguir suas inclinações, — Lady
Clarice ainda estava dizendo. — Um homem deve ter uma ocupação, se
você quiser minha opinião. Eu conheço muitos membros da aristocracia
que não fazem nada além de ficarem o dia todo em algum clube. É uma
coisa deletéria, não só pelo caráter deles, mas também... —baixou a voz
antes de continuar. — Para o traseiro deles. Não sei se me expliquei
bem... —deu uma risada alta, com o pensamento. — Ainda que não deva
falar sobre certas coisas na sua frente. Vocês ainda são garotas ingênuas
sem marido, se bem que, não sejam tão jovens. Mas não se preocupe,
Holbrook irá ajudá-las a encontrar ótimos partidos. Tenho certeza de
que isso acontecerá rapidamente, assim que vocês deixarem o período
de luto. Então, duque, — continuou, sem sequer recuperar o fôlego. —
Agora o que faremos? Quero dizer, ficarei muito feliz em ser
acompanhante para suas queridas protegidas por um dia ou dois. Mas
Londres me reivindica, Holbrook. O chamado da minha chapeleira é
irresistível como o de uma sereia! —deu outra risadinha. — Então eu
volto a te perguntar, duque... o que faremos?
O interlocutor nem se perturbou, porque estava acostumado ao estilo
de conversa de Lady Clarice. Tess, que ainda não tinha o costume,
começou a sentir uma vaga dor de cabeça. Alguém tocou levemente o
cotovelo dela.
— Você quer dar uma volta pela sala, Miss Essex? — perguntou o
conde de Mayne, com um sorriso afável.
— Sim, mas... — Tess olhou preocupada para Imogen, que estava
conversando com Lorde Maitland. Observando-os, teve a impressão de
que demonstrava familiaridade excessiva com a irmã, especialmente
pela maneira como tocava seu braço nu com os dedos.
O conde seguiu seu olhar e decidiu fazer alguma coisa. — Rafe,
— exclamou em uma voz agradável, acima da acentuada de Lady Clarice,
que continuava a reclamar. — Eu acho que nossos convidados têm uma
certa fome neste momento. Que tal nos sentarmos à mesa?
O duque não esperou que dissesse duas vezes e imediatamente
arrastou Lady Clarice para fora do quarto.
— Imogen! — gritou Tess, tentando parecer autoritária, mas não
maternal, enquanto oferecia o braço para o conde. — Josie! Você pode
voltar para o seu quarto agora.
A pequena Josie tinha um rosto sombrio e até parecia estar quase
chorando. Ela deve ter ouvido o que Lady Clarice disse sobre a
necessidade de colocá-la em uma dieta, e ela era extremamente sensível
aos comentários sobre seu corpo.
Antes que Tess pudesse decidir como reagir, Maitland pegou a garota
pela mão e disse a ela: — Você sabe, eu tenho uma pergunta para você,
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que espero que possa responder. Perfection, minha potranca alazão ...
— Eu me lembro muito bem, — interrompeu Josie. — Com coxas um
pouco longas.
— Eu não concordo com este julgamento — respondeu Maitland, com
amável savoir-faire,acompanhando-a até a porta. — De qualquer forma,
faz alguns dias sofre devido a um estiramento, logo atrás da sela.
— Já experimentou a loção Goulard? — Josie perguntou, mostrando
uma simpatia imediata pelo homem. Seu pai havia instruído Josie a
preparar os unguentos para curar as doenças dos cavalos, e o que
começou como uma tarefa pesada tornou-se um interesse genuíno ao
longo do tempo.
Tess teve que admitir que Maitland realmente sabia o que fazer,
quando se empenhava. Não que isso tivesse a menor implicação, do
ponto de vista de seu julgamento geral sobre o homem.
No entanto, havia momentos em que conseguia entender por que
Imogen o amava tão apaixonadamente. Era bonito o suficiente, com a
covinha no queixo e o olhar impetuoso. Mas ele não tinha apenas a
fixação por cavalos, ele também apostava. Estava pronto para apostar
até a camisa, todos sabiam disso. Maitland não tinha limites quando se
tratava de satisfazer sua paixão.
Assim como o pai delas.
CAPÍTULO 5
No jantar
Tess se encontrou sentada à esquerda do duque, com Lady Clarice à sua
direita. Na longa mesa brilhavam as bordas douradas dos pratos e
talheres de prata. Uma criada de uniforme, alta e desleixada, com
cabelos longos reunidos na nuca com uma redinha, andava rapidamente
para frente e para trás, deixando só o tempo suficiente para provar um
prato antes de tirá-lo e colocar outro na frente dele. Em rápida sucessão,
tortas recheadas de frango e lagosta, um caldo de tartaruga e uma torta
de miúdos foram servidas.
Nas taças, uma bebida cheia de bolhas que Tess conhecia apenas de ouvir
falar, mas que nunca tivera a oportunidade de provar: champanhe. A
criada serviu-lhe um segundo copo. Era realmente delicioso. Passou por
cima da língua e pareceu aumentar o prazer daquela refeição rica de
uma maneira incomensurável; a ponto de Tess não pensar mais no fato
de que ela e suas irmãs, com suas roupas de luto, pareciam gralhas
curvadas em cima da mesa.
— É um grande prazer tê-la em minha casa, Miss Essex, — disse o duque,
quando Lady Clarice parou brevemente de assediá-lo e se dirigiu ao
conde de Mayne.
Tess sorriu. Com seu ar desalinhado, tão em contraste com a elegância
impecável de seu amigo conde, e o cabelo despenteado que caía sobre os
olhos, dava a impressão de ser simpático e amigável.
— É uma sorte incrível estar aqui com você, Vossa Graça — disse ela. E
acrescentou: — Em vez de no seu berçário.
— É generoso da sua chamar de sorte, quando foi infelizmente a morte
do seu pai a trazê-las aqui para mim.
— Sim, é verdade, mas meu pai ficou confinado em uma cama nos
últimos tempos. E então eu acho que é mais feliz onde está agora.
Para alguém como ele, não ser capaz de andar a cavalo era uma
perspectiva insuportável.
— Se bem entendi, Lorde Brydone não acordou, como resultado de um
ferimento na cabeça devido à uma queda, — disse o duque.
— Ele acordou várias vezes, — Tess o corrigiu. — Mas ele não conseguia
mais mover seus braços e pernas. Ele não suportaria viver nessas
condições.
— Não, entendo que seria difícil para alguém com seu temperamento.
Me lembro bem do meu primeiro encontro com ele. Ele tinha um cavalo
que corria em New Market, anos atrás. Eu era pouco mais que um
menino. Seu jóquei se machucou em uma corrida anterior, e então seu
pai não hesitou em montar o cavalo, ele mesmo, na corrida.
— Imagino que não tenha ganho, — Tess disse com um sorriso,
imaginando a cena. — Típico do papai, — pensou, — fazer esse
tipo de bravatas inúteis.
— Não, de fato. Era pesado demais para vencer. Mas ainda assim fez um
bom tempo, e todo o público o aplaudiu.
— Infelizmente, papai raramente venceu, — disse Tess, cujo champanhe
começou a soltar a língua. — Estou... muito mortificada que tenha
pedido para você ser nosso guardião, baseado em uma relação
superficial de familiaridade. Ele não tinha o direito de impor tal
responsabilidade.
Mas o duque surpreendentemente sorriu benevolente. — Como eu já
disse, é um prazer para mim. Meus parentes mais próximos estão todos
mortos, exceto meu herdeiro, um primo de segundo grau capaz de
combinar desastres. — ele olhou em volta. — E eu não tenho intenção de
casar. Então esta casa e tudo nela... ninguém a aproveita, exceto eu. A
chegada de vocês reviveu a atmosfera e isso só pode me agradar.
Tess virou-se para olhar para as irmãs, para a parte de trás da mesa, e
tentou vê-las com os olhos do duque. Annabel estava borbulhando: a
excitação brilhava em seu olhar enquanto flertava com o conde de
Mayne. No olhar de Imogen, havia uma felicidade mais composta,
enquanto observava furtivamente os movimentos de lorde Maitland.
Tess esperava que Lady Clarice não notasse nada.
— Assim devia ser essa sala de jantar quando meus pais ainda estavam
vivos, — continuou o duque. — Receio ter me tornado, sem perceber, um
misantropo, um amante da solidão. Devo dizer que fiquei encantado ao
descobrir que minhas protegidas eram grandes o suficiente para iniciar
uma conversa, em vez de apenas recitar rimas infantis.
— Porque você... — Tess hesitou antes de continuar. Talvez na Inglaterra
fosse rude fazer perguntas de natureza muito pessoal. Mas tinha que
saber isso. — Por que você disse que não quer se casar, sua graça?
Imediatamente percebeu que podiam suspeitar que tivesse um interesse
pessoal a esse respeito, e apressou-se a acrescentar:— A minha é uma
simples curiosidade, é claro.
Mas Holbrook estava observando-a com o distanciamento afetuoso de
um irmão mais velho. Estava claro que nunca havia considerado a
possibilidade de fazer dela, ou uma de suas irmãs, uma duquesa. Se ela
quisesse se tornar tal, Annabel teria que tentar pegar um dos outros sete
duques ingleses. Ou talvez devesse simplesmente se voltar para o amigo
de seu guardião.
— Há homens que preferem não se envolver em assuntos complexos
como um casamento, — disse Holbrook. — São uma minoria, eu
sei, mas tenho medo de ser um deles. De qualquer forma, não sou um
misantropo, Miss Essex.
— Por favor, me chame de Tess, —disse, tomando outro gole de
champanhe. — Afinal de contas, agora podemos considerar-nos
parentes.
— Nada poderia me agradar mais, — disse o duque. — Então você, por
outro lado, deve me chamar de Rafe. Eu não suporto a denominação
pomposa “sua graça”. E deixe-me acrescentar que estou muito feliz por
ter adquirido uma família.
Tess sorriu, e houve um momento de perfeita harmonia entre eles, como
se tivessem crescido juntos desde o berço.
— Eu nunca tive uma irmã, — disse o duque, pedindo ao criado para
reabastecer a taça de champanhe. Quanto a ele, estava bebendo um
líquido âmbar de um copo grande, sem bolhas. — Eu acho que é um
relacionamento totalmente diferente do que você pode ter com um
irmão.
Embora o livro heráldico que ela e suas irmãs possuíam tivesse dois
anos, ela continha, ao lado do nome do irmão do duque, uma nota que
dizia: “falecido”. — Eu sei que seu irmão faleceu, — murmurou Tess. —
Sinto muito, sua graça.
— Rafe — corrigiu o duque. — Francamente, não posso aceitar a ideia de
que ele não esteja por perto. Continuo pensando nele como se estivesse
momentaneamente ausente.
— Eu entendo o que você quer dizer. Eu ainda continuo esperando que
papai entre de repente pela porta. Ou minha mãe, mesmo que ela tenha
deixado este mundo há muitos anos.
— Vamos fazer um bom par de melancólicos, então, — ele disse
brincando.
Tess vislumbrou um profundo véu de tristeza no fundo daqueles olhos
azul-acinzentados e sentiu uma repentina onda de simpatia pelo seu
guardião, tão solitário e indiferente à sua aparência.
— Coragem, descreva como é viver com tantas irmãs quantas você tem —
o duque encorajou, bebendo novamente de seu copo.
— As irmãs são muito boas em guardar segredos, — respondeu Tess. —
Minhas irmãs e eu compartilhamos muitos segredos.
— De que tipo, se posso saber?
— Hoje em dia, se referem principalmente a assuntos do coração, — disse
Tess, imaginando se era sensato beber todo aquele champanhe.
— Ah — disse ele. — Devo então esperar um enxame de pretendentes
desapontados vindo aqui da Escócia?
— No meu caso, certamente não, infelizmente, — Tess respondeu,
experimentando um pouco de linguado afogado em um delicioso molho.
— Nenhuma de nós, na verdade, tinha sérios pretendentes. Papai tinha
planos grandiosos para nós, veja. Ele estava esperando ter uma grande
vitória para nos levar a Londres e nós termos a estreia oficial na
sociedade. Alguns representantes da pequena nobreza local se
apresentaram, mas ele não lhes deu corda.
— Perdoe minha indiscrição: posso saber se alguma de vocês esteve
romanticamente ligada a um desses pretendentes? Porque eles
certamente existiram, com ou sem a permissão do seu pai.
— Ocasionalmente aconteceu, — disse Tess vagamente. — Mas foi difícil
para que se tornasse um vínculo profundo, você entende, sob as
circunstâncias.
O interesse animado demonstrado pelo duque gratificou Tess. Quando
foi a última vez que alguém, além de suas irmãs, a ouviu com tanto
cuidado?
— Não será que uma de vocês foi vista secretamente com um dos
pretendentes rejeitados por seu pai? Esse é um dos seus muitos
segredos?
— Se eu lhe disser, — Tess respondeu, sufocando um soluço — você, em
troca, deve me contar seu segredo.
— O meu único problema é que não tenho ninguém, — disse ele. —
Confesso que levo uma vida um pouco chata. Então, havia alguém lá na
Escócia que morreu de amor por uma de vocês?
— Eu me apaixonei uma vez, o filho do açougueiro — revelou Tess. —
Chamava-se Nebby e era realmente fascinante, embora certamente não
fosse um partido aceitável.
— Eu acho que não. E como Lorde Brydone reagiu quando soube?
— Oh, meu pai me encorajou, — respondeu Tess, com um leve sorriso.
— Sério?
— Ele achava que era apropriado mantê-lo, porque ele tentou me
conquistar, dando-me alguns pedaços maravilhosos de carne muito
seleta. Nebby e eu tínhamos então apenas onze anos, então meu pai não
se importava que pudesse ficar sério. Mas então foi ele, Nebby, que me
abandonou. Ele se casou jovem e já é pai de dois futuros açougueiros
muito animados.
— O jovem Nebby foi o último a conquistar seu coração?
— O último, — confirmou Tess.
Rafe tinha conseguido bem ou mal comer alguma coisa, mesmo com
relutância e apesar do criado constantemente substituir o prato, mesmo
que o anterior ainda estivesse intacto. Ele ergueu o copo e fez um brinde
com a taça cheio de champanhe de Tess. — Acho que temos uma coisa
em comum. Somos bastante insensíveis às complicações sentimentais.
— Infelizmente —concordou Tess. — O amor não parece ser meu forte.
Eu acho o namoro um assunto bastante entediante, se tenho que dizer a
verdade. — Mas ocorreu-lhe que o duque podia aceitar aquelas palavras
com certa preocupação, considerando que ele se comprometera a atuar
como tutor até que fosse capaz de casá-las. — Não que eu tenha alguma
prevenção contra o casamento, — acrescentou rapidamente. — Fique
tranquilo, você não me terá entre seus pés até quem sabe quando. Eu
tenho toda a intenção de me casar.
— Estou muito aliviado, — disse Rafe, rindo.
— Agora é a sua vez de confiar o seu segredo, — disse Tess, inclinando-se
impaciente para o duque. — Eu gostaria de saber o que o fez tão hostil à
ideia de se casar.
— Por que você está tão interessada em tal trivialidade? — perguntou
Rafe. Pareceu-lhe que sua protegida tinha sido muito confiante com
champanhe. Provavelmente, era parte de seus deveres como guardião
verificar também que as meninas que lhe foram confiadas não
levantassem muito os cotovelos. Era talvez o caso de substituir o
champanhe pela limonada? Mas ele odiava ser um hipócrita e não tinha
vontade de desistir de seu conhaque. Atormentado por esse pensamento,
engoliu de um só gole metade do copo diante dele.
Tess estava falando, e ele fez um esforço para focar sua atenção. —
Porque se você não o fizer, eu vou permitir que Annabel persista na
crença equivocada de que ela poderia facilmente se tornar a futura
Duquesa de Holbrook.
Os olhos do duque se arregalaram e ele virou-se curioso para o fundo da
mesa.
— Ela seria uma esplêndida duquesa, — disse Tess.
— Vejo que você herdou um pouco da ousadia inacreditável de seu pai, —
disse o duque, olhando-a com diversão. — E você não
está interessada em se tornar uma duquesa? — Ele perguntou, se
perguntando se o conhaque não estava começando a fazer o mesmo
efeito que o champanhe tinha feito na sua protegida.
Tess assentiu com a cabeça.
— Eu poderia morrer de medo, do contrário, — confessou o duque. — Se
a tentação de se tornar uma duquesa vier até você, acho que seria muito
difícil resistir a você. Eu seria forçado a fugir o mais longe possível, em
meio aos nevoeiros do extremo norte.
— Obrigado pelo elogio, — disse Tess. — Se você não tivesse adicionado a
parte sobre a fuga, eu ficaria realmente comovida.
Naquele exato momento Brinkley entrou na sala de jantar e se
apresentou ao duque, dizendo:— O Sr. Felton veio de Londres. Ele
concordou em se juntar a você para o jantar. Eu sugiro sentá-lo ao lado
de Miss Essex.
— Ele é um amigo, — explicou Holbrook, voltando-se para Tess. Então,
voltando-se para Lady Clarice, ele acrescentou: — Estávamos na escola
juntos, apesar de muitos, muitos anos atrás.
— Não são tantos assim, — disse Lady Clarice. — Você tem apenas pouco
mais de trinta anos, sua graça. Quem o ouve, diria que é uma velha
ruína!
O conde provavelmente não estava longe da verdade, pensou Tess,
quando fofocou sobre Lady Clarice, dizendo que pretendia se tornar uma
duquesa. Bem, se Annabel considerasse este um objetivo ao seu alcance,
era lógico que também o fizesse uma viúva ainda agradável, que também
era vizinha da casa do duque.
Cruzou o olhar com Holbrook, e ele deu-lhe um sorriso cúmplice,
enquanto Lady Clarice estava falando com ele ao ouvido, depois de
anunciar que queria contar uma fofoca engraçada.
Então a porta se abriu novamente e Brinkley teve o novo convidado do
duque sentado. Tess ficou encantada ao olhá-lo. Deve ter sido o efeito do
champanhe, disse a si mesmo, com um momento de atraso.
O homem que entrou na sala parecia um anjo caído do céu. A luz dos
candelabros na mesa parecia envolver seu rosto áustero, a linha severa
do nariz, em um halo de magia. Usava uma jaqueta de veludo preto
com lapelas de veludo. Tinha a postura de um duque, um nobre, um
homem privilegiado por sua riqueza. E ela também pensou nos
garanhões de seu pai: grande, majestoso, capaz de se impor com sua
mera presença. Em seus olhos, havia uma mistura de privacidade e
distanciamento: o olhar de um homem que sabia muito.
Um anjo caído, realmente temível.
CAPÍTULO 6
Lucius Felton era, como a maioria dos homens, amante dos hábitos.
Quando visitava o Duque de Holbrook, o que fazia todos os anos em
junho e setembro, para acompanhar as competições de cavalos de Ascot
e Silchester, estava acostumado a encontrar o duque afundado em uma
poltrona, com uma garrafa cheia de conhaque ao alcance da mão, e uma
cópia de Sporting News nas proximidades.
Às vezes o conde de Mayne se juntava a eles; sempre seguiam
escrupulosamente a regra de falar apenas de cavalos e conhaques.
Tópicos desafiadores, como mulheres, negócios e a família, foram
proibidos não porque se puseram a ser excluídos do mundo, mas porque
os consideravam entediantes. Para a sua não tão jovem idade de pouco
mais de trinta anos, eles sabiam por experiência que as mulheres (exceto
em certas circunstâncias) poderiam ser uma companhia bastante
cansativa.
O dinheiro abundava nos bolsos dos três com muita facilidade, e o
dinheiro é apenas um assunto interessante quando é escasso. Quanto à
família... já que a sua praticamente o repudiava há muitos anos, Lucius
Felton tendia a considerar os problemas das famílias dos outros com um
interesse moderado, quase letárgico. No entanto, desde que Holbrook
tinha perdido seu irmão, eles pararam de falar sobre isso também.
Assim, desmontando da carruagem em frente à entrada de Holbrook
Court, ficou muito aborrecido quando o mordomo anunciou que o duque
abrigava as quatro filhas do falecido Visconde de Brydone, como
guardião. Seu aborrecimento foi acentuado pela notícia de que Lady
Clarice Maitland e aquele imprudente de seu filho estavam presentes. A
presença de Mayne era o único vislumbre de luz capaz de mitigar um
pouco sua decepção. Ele sentiu que o conde estava lá porque pretendia
que sua potra Plaisir participasse ao Silchester Gold Plate. Lucius
também estava interessado na corrida: era uma boa oportunidade para
verificar as condições do seu Minuet, inscrito na primeira corrida do dia.
Enquanto colocava uma camisa limpa no quarto designado (não o usual,
ele notou com desapontamento, deduzindo que deve ter sido atribuído
em sua ausência a uma das garotas), Lucius disse a si mesmo que talvez
fosse apropriado pular o compromisso em Silchester, confiando a
condução da corrida ao superintendente do seu estábulo e aos jóqueis.
Havia deixado em suspenso a conclusão de alguns negócios, em Londres,
que prometiam ser lucrativos. E se a casa do duque estava tão mudada,
talvez valesse a pena recuar o mais rápido possível, deixando de lado o
plano de seguir pessoalmente a corrida. Ele poderia ficar em sua própria
residência, localizada não muito longe dali, e alcançável em pouco
menos de uma hora. Fazia pelo menos quatro meses desde que retornara
a Bramble Hill.
Naquele momento, Derwent, seu criado, entrou no quarto, trazendo uma
bacia cheia de água quente trazida da cozinha. Tinha reagido com um
alarme evidente, ainda maior do que o de seu mestre, quando soubera da
presença das quatro garotas. Convicto misógino, não se conteve de
expressar seus comentários ácidos.
— Parece que o pai delas as deixou sem dinheiro, — disse enquanto
agitava o pincel de barba na bacia para preparar o sabonete. — O duque
terá bastante trabalho, para casá-las.
— Elas ao menos são bonitas? — Lucius perguntou, olhando para o teto
para facilitar a tarefa de Derwent raspar a barba sob o queixo.
— Bem, não totalmente desagradáveis, pelo menos, de acordo com o que
Brinkley me disse. Mas elas apareceram aqui com apenas um par de
vestidos cada, horríveis também. Elas também são escocesas, sem um
pingo de dote. A questão do sotaque é essencial se alguém deseja ser
parte da boa sociedade. Eu não sei como essas mulheres pobres
encontrarão um marido.
Derwent olhou ansiosamente para o seu mestre. Não demorou muito
para perceber que o duque de Holbrook teria tentado de todas as
maneiras livrar-se de tal fardo... mesmo ao custo de entregá-las aos seus
amigos mais queridos e mais fiéis.
Felton não parecia muito chateado com essa imagem ameaçadora. Em
vez disso, Derwent sentiu a catástrofe se aproximando. Um espasmo
nervoso no olho esquerdo foi a confirmação irrefutável. Tivera o mesmo
espasmo no dia em que o duque de York caíra de seu cavalo, dois anos
antes, no meio de um desfile para celebrar a vitória; e depois novamente
em julho do ano anterior, quando seu mestre se envolveu com Lady
Genevieve. Por causa desse espasmo, Derwent tivera por um mês uma
clara redução do campo visual do lado esquerdo, uma deficiência
que poderia ser fatal para ele no momento em que, cruzando a High
Street, ele se arriscara a ser esmagado por uma carruagem puxada por
quatro cavalos.
— Terminou? — perguntou seu patrão, abrindo os olhos.
Derwent, que ficou com a navalha no ar, distraído por esses
pensamentos sombrios, sacudiu-se e apressadamente tirou o sabonete as
bochechas com uma toalha macia.
Lucius se levantou e começou a amarrar sua gravata. — Eu estava me
perguntando se não seria o caso de pular o encontro sazonal de
Silchester, —disse ele. — Dadas as circunstâncias.
— Excelente ideia! — disse Derwent. — O pobre duque de Holbrook tem
problemas suficientes... sob as circunstâncias. Será melhor partir
imediatamente. Eu direi aos serventes para não desempacotar sua
bagagem.
Lucius deu-lhe um olhar divertido. — Eu não estou considerando a ideia
de me estabelecer. E acho que sou perfeitamente capaz de resistir ao
apelo das protegidas de Rafe por uma noite ou duas.
— Eu nunca me permitiria questionar suas decisões, — se defendeu
Derwent com alegada indiferença, enquanto ajudava Lucius a vestir uma
jaqueta de lã fina.
— Acredito, — seu patrão respondeu severamente. Mas acrescentou,
mais suavemente: — No entanto, conhecendo você, senti que deveria
tranquilizá-lo sobre o ponto que desperta sua maior, embora
injustificada preocupação.
— Sou muito grato a você por tal atenção, — respondeu o valete, abrindo
a porta.
— Tenho certeza de que vou cair na armadilha do casamento mais cedo
ou mais tarde, — disse Felton. — Mas não será por culpa de quatro
garotas escocesas tão pouco arrumadas que serão forçadas a confiar na
cortesia do pobre Rafe.
— Sem dúvida, senhor, — disse Derwent, com um repentino
agravamento da contração no olho esquerdo.
— Tem certeza? — Felton disse, olhando em seu rosto. — Difícil de
acreditar, vendo como sua sobrancelha sobe e desce.
— Sim senhor. Não é nada. — E Felton se dirigiu para a saída, como um
cordeiro enviado ao matadouro.
LUCIUS FELTON SEGUIU BRINKLEY ATÉ a sala de jantar, desejando,
embora realmente não esperasse, que Rafe não o fizesse sentar ao lado
de Lady Clarice. Só a ideia já o deixava com dor de cabeça.
Viu Rafe à cabeceira da mesa, como sempre com sua aparência
negligenciada, com uma gravata frouxa, o cabelo todo despenteado e um
copo de conhaque na mão.
Mas o resto dos comensais... Lucius estava quase a ponto de parar de
repente. Derwent tinha dito que as protegidas de Rafe eram
passáveis? Não totalmente desagradáveis tinha falado mais ou menos
assim. Uma delas, com o cabelo dourado bonito, sorriu, um sorriso capaz
de iluminar todo o quarto. Outra tinha cabelos e olhos negros, cheios de
paixão, como uma jovem mártir. Ele foi fortemente tentado a bater em
retirada.
— Lucius! — Rafe chamou naquele momento, fazendo um sinal para que
avançasse.
Ele se moveu, calculando quantas chances tinha de ser capaz de cortar
rapidamente a corda. Foi uma sorte que Derwent tivesse sugerido
não desarrumar as malas. A última coisa que queria era estar cercada
por um enxame de garotas à procura de um marido; já havia se
queimado bastante em suas raras aparições durante a temporada social.
— Peço desculpas pela minha intrusão. Não podia imaginar encontrar
esta novidade, — disse, voltando-se para Rafe.
Olhando mais de perto, corrigiu sua impressão inicial sobre seu amigo.
Não estava como de costume. Primeiro estava estranhamente sóbrio,
comparado com a norma. Em segundo lugar, pegou algo semelhante ao
pânico no fundo de seu olhar. Inexperiente como era com relação as
mulheres, o duque devia ter acabado de descobrir que tinha sido preso
em uma armadilha da qual só sairia com um anel em seu dedo.
— Nem imagine como estou feliz em vê-lo, — disse Rafe. Ele foi tão
sincero como poderia ser alguém que estava prestes a se afogar e que vê
um potencial salvador. Sem dúvida esperava que Lucius fosse preso no
laço em seu lugar.
Rafe se virou para a garota sentada à sua esquerda. — Miss Essex, posso
apresentar o meu velho amigo, o Sr. Felton?
A Miss Essex parecia ser a mais velha das quatro órfãs que Rafe havia
tomado sob sua asa. Lucius não a notou à primeira vista. Não era tão
chamativa quanto as outras duas, a loira e a morena. Mas tinha que
admitir que ela também era linda: cabelos castanhos claros, cor de
conhaque, maçãs do rosto altas e bem marcadas que nem a luz mais
grosseira conseguia fazer. Mas foi principalmente seus olhos escuros que
o atingiram, de forma alongada, sérios, inteligentes, doces...
A garota sorriu para ele, enquanto ele olhava, atordoado, sem falar. Se
sacudiu, fazendo uma inclinação. — Miss Essex...
— Prazer em conhecê-lo — disse ela, estendendo a mão para ser beijada.
O babado no pulso havia sido consertado. O que Derwent lhe dissera
sobre a pobreza das quatro garotas tinha que ser verdade, mesmo que a
beleza delas compensasse isso.
— A notícia da partida do seu pai me entristeceu muito, — Lucius
respondeu. — Eu tive a chance de encontra Lorde Brydone algumas
vezes e mantenho a memória de um homem jovial e energético.
Notou alarmado o lampejo que passou nos olhos da garota. — Nós
estamos... — Miss Essex fez uma pausa, então disse, — Papai foi devorado
por sua paixão por cavalos.
— Por favor, Lucius, sente-se, — disse Rafe. — Vou apresentá-lo ao resto
da turma depois que terminarmos de comer.
— Eu me sentirei ofendido se você não vier dizer olá, antes de se
sentar, — chiou Lady Clarice do outro lado da mesa. — Caro Sr. Felton,
como vai? — Ela estendeu a mão com um sorriso acolhedor.
Cerrando os dentes, Lucius girou em volta da mesa e beijou a mão que
ela colocara imperiosamente na frente do rosto dele.
— Conheci sua querida mãe, na entrada do teatro, outra noite — Lady
Clarice começou imediatamente a dizer, olhando para ele como um
falcão atrás dos cílios meio fechados. — Pobre mulher, ela parecia muito
envelhecida, tão pálida e magra! Por acaso, você foi visitá-la
recentemente? — Ela deixou a pergunta esmoecer, sabendo muito bem
que o fogo do inferno seria extinto antes Felton batesse à porta de seus
pais.
Lucius se curvou novamente, sem dizer nada. Se sua mãe estava pálida,
devia ter sido culpa de um ataque de bile.
Mas a cruel Lady Clarice ainda não havia terminado com ele. Agarrou
seu pulso e acrescentou: — Pelo que ouvi, a Sra. Felton raramente se
levanta da cama. Se ao menos pudesse fazer você entender a tristeza que
assola o coração de uma mãe quando seu filho persiste em evitá-la... é
um tormento sem igual!
Lucius abruptamente retirou a mão e inclinou-se mais uma vez,
determinado a finalmente encerrar a discussão. Ao se endireitar,
encontrou o olhar da Miss Essex, no extremo oposto da mesa. Tinha uma
expressão bastante surpresa. Mesmo que ele há muito tivesse parado de
se preocupar com sua reputação, se sentiu zangado. Que droga essa velha
bruxa, espalhando seus assuntos na frente de todos...
— Lucius tem idade suficiente para ainda estar preso às saias de sua mãe,
— Rafe disse, deixando perceber um certo aborrecimento em seu tom
embaralhado habitual. Na verdade, ele odiava Lady Clarice ainda mais do
que Lucius, especialmente no último ano, desde que ela manifestara sua
firme intenção de se tornar a nova duquesa de Holbrook. Quase teve que
brigar com ela para dissuadi-la.
— Grudado às saias de sua mãe... bem, espero que não! Meu filho
também é um homem adulto e ele não me toleraria interferir em sua
vida. Mas... — Lady Clarice se inclinou para trás para pegar a mão de
Lucius, que escapou. — Mas uma mãe precisa ver seu filho de vez em
quando, para se tranquilizar como um bálsamo eficaz para seu coração!
Lucius abriu a boca para responder com um lugar-comum, mas Rafe
interveio: — Uau, Maitland, — disse ele, voltando-se para o insuportável
do filho de Lady Clarice na parte de trás da mesa. — Eu não imaginei que
você fosse tão útil. Agora eu sei que você é um verdadeiro bálsamo para
o coração da sua mãe. E eu pensei que não fizesse nada além de correr de
uma corrida para a outra!
Felizmente, Maitland, entre suas qualidades, também era coriáceo para
insultos, uma característica de personalidade que provavelmente
prolongava sua vida, dada a frequência com que os atraía. Novamente
reagiu à piada de Rafe com uma risada, e voltou para entreter os
presentes mais próximos com a história de um cavalo chamado Blue
Peter, que acabara de ganhar como resultado de uma aposta. — Pernas
perfeitamente alinhadas, joelhos de campeão. Ele ainda é jovem, mas
vou inscrevê-lo em cinquenta corridas e tenho certeza que me dará
muita satisfação! — Seus olhos brilharam com o pensamento. Se inclinou
para a irmã de cabelos negros, a única que parecia demonstrar um
interesse real por aquele discurso, dizendo: — Estou pronto para montá-
lo eu mesmo, mesmo que tenha apenas um ano de idade. Pisa sem falhar,
voa com segurança para a linha de chegada como uma pulga nas costas
de um pato.
— Que comparação fascinante — disse a loira. O tom irônico daquele
comentário não escapou a Lucius, que ficou satisfeito: além do belo
cabelo louro-mel, a garota também tinha um cérebro.
Maitland, por sua vez, não se dignou a olhá-la e continuou trocando
olhares ardentes com sua irmã de cabelos negros. — Um potro de um
ano bateu em um cavalo que já tinha já três, em Newmarket Houghton,
na primavera passada.
— Com qual handicap de peso para o favorito? —perguntou a irmã loira
com ceticismo.
— Trinta quilos, — respondeu Maitland, finalmente voltando-se para ela.
A missionária apaixonada, de cabelos negros, assentiu em êxtase como
se tivesse visto uma coroa de estrelas ao redor da cabeça de Maitland.
— Fascinante — disse a loira. — Eu não suspeitava que você tivesse um
espírito inovador, Lord Maitland. Eu pensei que correr com cavalos tão
novos fosse uma prática geralmente condenada.
Lucius reprimiu um sorriso e voltou-se para Miss Essex, que conversava
com Rafe. Estava usando uma das roupas mais esquálidas que já vira,
uma espécie de saco preta disforme: a fazia ficar enorme.
Ele notou, no entanto, que o pescoço era pálido e esbelto, e os ombros,
sob o tecido pesado, pareciam esguios. Os seios, no entanto, pareciam
estar bem desenvolvidos; a barriga, felizmente, era apenas uma ilusão de
ótica. Sob aquele vestido escuro e desajeitado se escondia...
Naquele momento, a Miss Essex se virou e encontrou seu olhar. Um flash
irônico se iluminou em seus olhos. — Acho que entendi que você é
particularmente ligado à sua mãe, — o provocou.
Um sorriso divertido torceu os lábios de Rafe. Uma garota inglesa estaria
bem ciente da suscetibilidade de seu amigo, ao tocar em tal argumento.
Lucius Felton era um personagem muito proeminente em seu ambiente,
e ninguém se atreveria a fazer algo grosseiro, muito menos uma moça
solteira que frequentasse a boa sociedade.
— Infelizmente, faz nove anos que minha mãe e eu não conversamos, —
Lucius respondeu. — Eu não acho que seja um exemplo de apego
particular.
Miss Essex drenou o champanhe que havia permanecido no fundo do
copo. — Se eu puder opinar, acho que você está cometendo um erro, —
disse ela. — Meus pais estão ambos mortos, infelizmente, e eu não sei o
que daria para falar, mesmo que apenas uma vez, com um deles.
— Talvez fosse diferente se tivéssemos a mesma mãe, — Lucius
respondeu prontamente.
— Por quê?
— Porque, no meu caso, foi minha mãe que preferiu não falar comigo, —
explicou, maravilhado por ter feito, em um súbito acesso de sinceridade,
tal segredo. Todos ali, incluindo Lady Clarice, estavam convencidos do
contrário. Tinha que haver algo especial nos olhos escuros de Miss
Essex. Eles estavam olhando para ele com tanta curiosidade que era
difícil não responder, mesmo para alguém como ele, que geralmente
respondia evasivamente sobre questões familiares.
— Como você pode dizer isso depois de nove anos? — perguntou ela. —
Talvez ela realmente queira vê-lo novamente. Se ela está acamada a
maior parte do tempo, tenho certeza de que você não tem muitas
oportunidades de encontrá-la acidentalmente.
— Entre a minha casa e a dela tem só dois portões de distância. Se a Sra.
Felton quisesse me ver, seria uma questão de um momento para me
fazer entregar um bilhete.
— Mora assim perto? E não se falam?
— Isso mesmo. Mas você seguramente está certa. Talvez um dia
desses eu a encontre acidentalmente e tudo se encaixe. — Ele nunca
confessaria a ela que tinha comprado uma casa em St. James Square
apenas na esperança de que isso pudesse acontecer. E nunca contara a
ninguém quantas vezes sua mãe realmente o encontrara no caminho... e
desviara o olhar, como se, em vez de seu único filho, tivesse visto um
rato de esgoto.
Miss Essex, no entanto, devia ser particularmente teimosa porque se
inclinou para ele como se quisesse replicar algo. Felizmente, Lady
Clarice exigiu a atenção deles naquele momento.
— Amanhã a prometida esposa do meu filho virá nos ver, — ela estava
dizendo. — Tenho certeza que você a conhece, Sr. Felton, você que é tão
culto. Miss Pythian-Adams é a garota mais educada que se possa
imaginar.
— Tenho medo de que o meu nível de cultura é muito menor do que o
que diz — Lucius esclareceu, enquanto um criado colocava na sua frente
uma sopa de tartaruga.
Tess olhou para ele. Parecia claro para ela que o Sr. Felton não desejava
retornar às divergências dentro de sua família. Não podia acreditar que
sua mãe não queria uma reconciliação: provavelmente aquela pobre
mulher encharcava o travesseiro de lágrimas toda noite, imaginando por
que seu filho era tão cruel com ela.
Enquanto isso, Lady Clarice novamente monopolizava a atenção de todos
os convidados, mesmo que o que ela dizia fosse certamente direcionado,
acima de tudo, a Imogen. De acordo com suas palavras, sua futura nora,
Miss Pythian-Adams, tinha a carruagem mais bonita, a inteligência mais
viva, a sensibilidade mais requintada, uma soma de qualidade
incomparável no mundo.
— Deve ser realmente fascinante, — disse Imogen, apertando o copo com
tanta força que Tess temia que desmoronasse entre os dedos.
— Ah, claro, — disse Maitland. — Miss Pythian-Adams é muito, muito
charmosa. Afinal, com uma renda de cinco mil libras por ano, qualquer
mulher seria irresistível.
A óbvia malícia do comentário deixou Tess desconfortável. Certamente
não era certo descrever sua futura noiva dessa maneira.
— Querido, querido, não parece digno de você, — Lady Clarice o
repreendeu. — Embora Miss Pythian-Adams tenha muita sorte de ter um
dote tão generoso, graças a sua avó materna, a duquesa de Bestel. No
entanto, sua amada noiva é mais que uma herdeira. Miss Pythian-Adams
é uma garota muito culta. A tal ponto que eu realmente não sei como
entreter um poço de ciência como ela, pelo o tempo que será minha
convidada. Quero dizer, no máximo, eu poderia ensiná-la como fazer
remendos úteis.
— Serei honrada de conhecê-la, — disse Imogen, com admirável
autocontrole.
Lucius Felton inclinou-se para Tess e disse em voz baixa: — Infelizmente,
parece que o amor verdadeiro sempre encontra grandes obstáculos em
seu caminho.
— Eu não acredito nesses clichês, — ela respondeu.
— Eu não disse que grandes amores devem sempre ser frustrados, Miss
Essex. Eu estava apenas citando uma frase que Shakespeare fez um de
seus personagens dizer. — Um olhar irônico brilhou no semblante de
Felton. Talvez porque seu assento tivesse sido adicionado no último
momento, estava sentado muito perto de Tess, um detalhe que a deixava
nervosa, também porque, com sua imponente estatura, Lucius
literalmente se elevava acima dela.
Para superar o constrangimento, Tess se voltou para Lady Clarice, que
ainda estava falando sobre a próxima visita da Miss Pythian-Adams. —
Deve absolutamente ver as ruínas aqui em Silchester. Elas datam dos
tempos da Roma antiga. Tenho certeza de que ela poderá nos dar muitos
detalhes sobre suas origens. Também é muito bem versada em
arqueologia.
Neste momento, seu filho se voltou para Imogen para um comentário
desagradável. — Eu suspeito que você, por outro lado, nunca foi uma
nerd, não é verdade, Miss Imogen? Não há nada mais chato, na minha
opinião, do que uma mulher que está sempre com o nariz nos livros.
— Claro que não, — reagiu sua mãe. — Pobrezinha, criada nas terras
desoladas e selvagens da Escócia! Uma comparação entre ela e Miss
Pythian-Adams não é possível. — Então acrescentou, dando para Imogen
um sorriso que pareceu a Tess o triturar dos dentes de um gato na frente
de um rato: — Você é uma menina querida, algumas comparações do
meu filho parecem realmente desrespeitosas.
— Lady Clarice — Rafe interrompeu, com a voz um pouco arrastada pelo
álcool. — Eu ouvi vozes surpreendentes de um dos nossos novos
vizinhos. É verdade o que ouvi, que Lord Pool está começando uma
criação de alces?
Mas Lady Clarice não caiu na armadilha, muito descarada que o duque
tentou. — Veja bem, Draven, não parece certo para mim, — disse,
levantando a voz para que todos pudessem ouvir. — Parece quase que
você quer assustar essa menina doce, deixando-a entender que sua
estréia na sociedade poderia ser comprometida por uma comparação
com Miss Pythian-Adams. Vamos lá, não somos tão ruins! Aceitamos
qualquer um, homem ou mulher que seja, pelo que é, nós não nos
permitimos condenar alguém só porque eles não tiveram as mesmas
oportunidades que outros.
— Isto a honra muito, Lady Clarice, — disse Imogen, inclinando a cabeça
com bravura.
Nesse ponto, Draven Maitland levantou-se abruptamente da mesa,
puxando a cadeira para trás de uma maneira excessivamente enérgica.
— Por favor, me perdoem, — disse com firmeza. — Eu tenho que
fortalecer minha bagagem cultural, antes que seja tarde demais. Quem
sabe, me aplicando duro no estudo, possa até casar com uma cantora de
ópera, uma estrela da ópera.
E com um gesto de imprudência extraordinária, ele saiu da sala.
— Nossa, que fúria, — disse Felton, voltando-se para Tess.
— Talvez Lorde Maitland tenha um compromisso urgente, — ela se
aventurou sem muita convicção.
Ele deu a ela um olhar divertido. — Pelo que eu entendi, sua mãe
controla os cordões da bolsa e decidiu que deveria casar com uma
mulher culta em uma tentativa de combater a sua paixão desmedida por
cavalos. Parece, no entanto, que ele não aceita de bom grado a
interferência da mãe em sua vida amorosa. Ou talvez — acrescentou
maliciosamente — o problema é que ele e a cultura são apenas
incompatíveis.
Lady Clarice estava limpando a boca com um guardanapo. — Meu filho
tem o temperamento de um artista, — exclamou, como uma justificativa.
— Às vezes fica nervoso. No entanto, espero que o casamento com Miss
Pythian-Adams possa moderar os aspectos mais turbulentos de seu
caráter. Sendo uma artista ela também, sua noiva será certamente capaz
de entendê-lo.
De repente, o duque se virou para Tess, dizendo:
— Vocês conheciam Maitland de antes, não? Você me disse que sim... ou
talvez Imogen... — Ele fez uma pausa, virando-se para olhar para Imogen
na parte de trás da mesa. A menina estava em silêncio em seu lugar, os
olhos fixos no prato, mas um sorriso leve, muito eloquente, pairava
sobre seus lábios.
Tess não sabia o que dizer.
Rafe se voltou para ela. — Aparentemente, casar com um duque é o
único objetivo de Annabel, enquanto Imogen tem outros objetivos...
Tess mordeu o lábio inferior, envergonhada.
— Por Júpiter, tenho a impressão de que ser um guardião será mais
complicado do que o esperado! — Rafe murmurou.
— Sr. Felton, o que o motivou a deixar a cidade para mergulhar na
atmosfera bucólica de Hampshire? — perguntou então Lady Clarice,
aparentemente ansiosa para evitar uma discussão mais aprofundada
sobre a fuga súbita de seu filho.
Felton largou o garfo. — Há um grande show de cavalos em poucos dias
em Silchester. Geralmente eu transfiro meus cavalos aqui para Rafe,
uma semana antes da corrida, e confio-os ao superintendente de seus
estábulos.
— Rafe? Rafe? —disse em tom queixoso lady Clarice. — Oh. Você se refere
ao duque. Me desculpe, mas eu simplesmente não consigo me acostumar
com as maneiras casuais que as pessoas mais jovens têm.
— Acho que o problema não está no modo casual de Lucius, mas na
minha irreprimível aversão a certas formalidades, — disse Rafe.
— Lucius? Ah, nosso querido Sr. Felton, — disse Lady Clarice.
Tess olhou para ela, bastante surpresa. Estava convencida de que a
condessa não queria ter relação com aqueles que tinham um título
nobre.
Rafe pareceu sentir sua perplexidade. Ele se aproximou dela e
confidenciou: — Lucius se beneficia de uma renda anual comparável à do
Príncipe Regente. Ainda posso esperar que Lady Clarice se deixe ser
tentada, deixando de lado a ambição de se tornar uma duquesa, e que
comece a caçá-lo, em vez de mim.
— Pare de brincar! — Tess respondeu baixinho. — Ele pode te ouvir!
— A diversão de trocar confidências como se fôssemos duas irmãs deve
ter me subido um pouco na cabeça, — disse Rafe, sem nem ao menos
abaixar a voz.
— Isto, ou todo o brandy que você bebeu — disse Felton.
Então, o líquido âmbar no copo de Rafe era brandy! E não parava de
tomar. Já era o segundo que ele bebia desde que estavam sentados à
mesa. Mas até então parecia segurá-lo bem, o único que traia era sua
voz, mais ligiera do que o habitual, e o fato de que havia parado de tirar
o topete que caía na frente de seus olhos. Agora estava lá, recostado na
cadeira, as longas pernas estendidas na frente, o eterno tufo de cabelo
na testa, em uma pose nada digna de um duque.
Lady Clarice se inclinou para ele e sorriu para ele com uma expressão
que Tess julgava perturbadora. — Pobre homem — cantou. — Você
resistiu ao impacto dessa invasão de mulheres de uma maneira
admirável.
— As mulheres não me dão nenhum pensamento, — resmungou Rafe. —
Só as nobres.
Tess teve que se segurar para não cair na gargalhada.
— Você conhece bem o seu guardião? — perguntou naquele momento o
convidado sentado à sua esquerda.
— Não, de jeito nenhum, — Tess respondeu, relutantemente se voltando
para o Sr. Felton, que continuava irritantemente a embaraçá-la. — Você,
pelo contrário, pelo que entendi, é um velho amigo dele.
— Sim
Tess notou pelo canto do olho que Rafe agitava o copo, agora vazio, com
a mão ligeiramente trêmula, para chamar a atenção do mordomo.
Brinkley apressadamente derramou mais brandy de uma garrafa, não
escondendo uma expressão crítica.
— Ele lida com o álcool muito bem, — disse Felton friamente. — Mas,
francamente, Miss Essex, considero meu dever informá-la que Rafe não
considera uma noite dignamente concluída se ele não tiver embriagado.
Tess instintivamente correu à defesa do duque. O tom de Felton
lembrou-a do que os membros da nobreza local tinham, na Escócia,
quando conversavam, balançando a cabeça, da paixão descontrolada do
pai por cavalos e corridas. — Mesmo se eu pessoalmente beba em geral
com um conta-gotas, acho que os abstêmios são muito chatos — disse,
drenando o que sobrou de sua taça de champanhe.
— Seu tutor ficará muito feliz em saber que você é tão tolerante. —
Felton era obviamente do tipo que nunca perdia uma oportunidade de
lançar uma flecha sarcástica. Além disso, tinha um físico
impressionante. Devia pesar cerca de noventa quilos, só músculos, sem
sombra de gordura supérflua. Ela estava pronta para apostar que
geralmente montava um garanhão. Crescendo entre os cavalos, ela podia
reconhecer de imediato um homem que compartilhava a paixão que
arruinara seu pai. E ela tinha uma maneira certa de se imunizar do
charme do Adonis sentada ao seu lado: fazer com que ele falasse sobre
seus campeões de quatro patas. — Você tem um estábulo bem
abastecido?
— Apenas alguns exemplares, mas selecionados. Como muitos outros,
receio, talvez esteja envolvido demais com essa paixão por cavalos.
— Como queria demonstrar, — pensou Tess. — Por que você não me conta
um pouco? É um assunto que eu amo, — disse, olhando coquete por
entre os cílios semifechados. Agora ele iria se lançar em uma descrição muito
detalhada e...
— Sete cavalos, — Lucius respondeu em seu lugar. — Você quer uma lista
baseada em cor, idade ou... sexo?
— É indiferente, use o sistema que você mais gosta, — respondeu Tess,
pega de surpresa. A surpresa fez com que abrisse os olhos, um momento
antes de tentar fazê-los parecer maliciosos.
— Vamos começar com as fêmeas então. Prudence é uma égua de dois
anos de idade, proporcionada de forma ideal e com um pescoço gracioso.
Ela tem cílios tão longos que eu me pergunto como faz, quando corre,
para ver a pista.
Tess ficou surpresa. Certamente era uma descrição muito diferente do
que seu pai teria feito. Ele era um homem que cuidava do importante,
quando falava de cavalos: árvore genealógica, branding, criação de
origem, esses eram os tópicos que o interessavam mais do que estética.
Honestamente, Tess duvidava que, em toda a sua vida, tivesse prestado
atenção ao comprimento dos cílios de um puro-sangue.
— Então há Minuet, outra fêmea, — Lucius continuou. —Clara, linda, com
uma daquelas caudas que flutuam ao vento da corrida, uma cascata de
cabelos cor de carvão. É uma ladra, se vir um fio de grama ou uma espiga
de milho, não precisa olhar duas vezes.
— Você deixa seus cavalos comerem grama fresca? — Tess perguntou,
incrédula.
— Seu pai os submetia a uma dieta específica?
— Eles só podiam comer aveia e maçã. Maçãs cozidas ou raladas, porque
os cavalos se cansam de mastigar. Papai estava convencido de que as
maçãs eram essenciais para uma boa digestão e que um cavalo que não
tem problemas digestivos corre mais rápido.
Lucius pensou que era uma dieta absurda, nem um pouco saudável, e
tinha a impressão de que a Miss Essex também tinha dúvidas sobre isso,
a julgar pela forma como a contragosto cutucava a comida em seu prato,
como um pardal já saciado.
Lucius agora podia reconhecer o que fazia as pupilas de Raphe se
destacarem uma da outra. Annabel brilhava: deslumbrava com sua
beleza e enfeitiçava com sua voz persuasiva e seu cabelo louro-mel.
Imogen tinha o efeito de um choque elétrico. Além de ser bonita, tinha
um ar tão ardente que infundia em Lucius o medo de cruzá-lo, a ponto
de fazê-lo sentir-se aliviado por ela não ter olhos além de Maitland. A
emoção que poderia dar um par de olhos era tal que envergonharia os
que estavam à sua frente. E quanto à irmã mais velha... Bem, seu charme
certamente não era inferior, na verdade, longe disso.
Ele olhou melhor para ela: Miss Essex, ou Tess, simplesmente, como Rafe
a chamava, tinha charme para vender, sem dúvida. Ele se perguntou o
que mais gostava nela, se o senso de humor, ou a forma particularmente
sensual da boca. Além disso, tanto ela quanto as irmãs tinham maçãs do
rosto delicadas, maçãs do rosto bem levantadas, mentes afiadas, olhos
sombreados por cílios grossos.
Mas a característica que tornava Tess única, em sua opinião, era a boca.
Lábios vermelhos, carnudos, feitos escandalosamente sensuais por um
pequeno detalhe: um pequeno neo no canto esquerdo, perto da covinha
que se formava quando ela sorria. Era uma boca digna de uma cortesã,
mas não uma cortesã comum, uma de classe. Destinada a se tornar a
favorita de um soberano, tratada por todos com respeito e admiração.
Lucius se acomodou em sua cadeira.
Felizmente, Derwent não havia desembalado sua bagagem. Não tinha
vontade de se sacrificar no altar das obrigações que Rafe assumira com
suas protegidas. Embora, na frente de alguém como Miss Essex, a
tentação pudesse nos fazer pensar um pouco...
Lucius se sacudiu com um sobressalto. Santo céu, o que estava
fazendo? Ele não tinha o suficiente para oferecer a uma mulher,
especialmente uma assim. Ela riu de novo, uma risada cheia de
sensualidade inadequada para uma garota que supostamente ainda era
virgem. Ele sentiu um calafrio nas costas.
Era uma situação extremamente perigosa.
CAPÍTULO 7
Tarde da noite
— O homem que se casar com a mais velha das irmãs pode colocar as
mãos em Something Wanton? Realmente? — disse Mayne.
— Patchem teve apenas quatro descendentes, em toda a Inglaterra, —
Rafe confirmou. — E o advogado me explicou que minhas protegidas tem
como dote um cavalo cada uma. Something Wanton, sendo o mais velho,
é o dote de Tess. Os outros três ainda são jovens, duas potrancas e um
potro.
— Um cavalo como dote, — comentou Lucius. — Isso não acontece todos
os dias. Esse visconde de Brydone devia ser de fato um tipo excêntrico.
— Ele poderia ter colocado os cavalos em leilão e convertido os lucros
em um dote para as filhas, — disse Rafe. — No entanto, o testamento
especifica que cada uma traz um cavalo como dote. Concluo que queria
ter certeza de que elas se casassem com homens com a mesma paixão
que a dele.
— Nada pode impedir o marido, se ele for um cara inescrupuloso, de
vender o cavalo e embolsar o dinheiro, — apontou Lúcio. — Um filho
de Patchem também pode ganhar oitocentos guinéus, em um leilão tão
importante quanto o de Tattersall, por exemplo. Something Wanton, que
chegou perto de vencer em Ascot no ano passado, terá um valor ainda
maior.
— O testamento declara que o marido deve esperar pelo menos um ano
antes de poder vender o cavalo que recebeu de dote — avisou Rafe,
dando outra olhada nos documentos em sua mão.
— Something Wanton! — Mayne disse, com ênfase. Então, acrescentou com
um sorriso: — Meus caros senhores, informo que decidi casar.
— Confesso que tinha a esperança de convencer você ou Lucius a se casar
com minha protegida mais velha, — disse Rafe. — Tess é uma mulher
muito bonita.
— Pode dizer isso com mais convicção — concordou Lucius.
— Você e ela são feitos um para o outro, — Rafe disse, olhando para
ele. — Tess é muito inteligente e é difícil que te dará dores de cabeça. E
você não tem, pelo que eu saiba, nenhuma outra pela qual você
se interesse seriamente no momento.
— Ai, vejo que a discussão está tomando um rumo ruim.
— Pare de resmungar. Se você não gosta, apenas diga.
— Você tem sorte, Rafe, — disse Mayne, estendendo-se confortavelmente
em sua cadeira. — Eu, no entanto, estou considerando a ideia. Embora,
na verdade, o que há para considerar? Ela é linda, não tão vistosa
quanto Annabel com cabelos dourados, mas certamente é uma moça
muito bonita. Minha irmã constantemente me sufoca com a história de
que é hora de eu me estabelecer. E aqui está a candidata perfeita, linda e
com um magnífico cavalo como dote. — Tomou outro gole de
conhaque. — Precisará ser um pouco lapidada; essas garotas, é óbvio,
não se beneficiaram dos cuidados de uma governanta, mas parece muito
atenta a mim, e tenho certeza de que aprenderá rapidamente. Vou
cuidar disso.
Rafe deu-lhe um olhar duvidoso. Mayne não era mais o mesmo desde
que foi rejeitado por uma condessa que queria convencê-lo a se tornar
sua amante. — Você acha que sente algo parecido com amor por
ela? — disse. Pronunciar a palavra amor lhe causou algum embaraço, mas
agora tornara-se o guardião de quatro jovens em idade de casar. Parecia
que era o tipo de pergunta que um tutor, ou mesmo um irmão mais
velho, tinha o dever de fazer, quando um pretendente se apresentava.
— Amor... não realmente, — respondeu Mayne, examinando o papel de
parede através do véu dourado de conhaque que permanecia grudado
nas paredes do copo. — No entanto, não há necessidade de amor entre
nós. Eu serei fiel a ela, e se eu tivesse que dar algumas escapadas, faria
isso com discrição. Tess, eu acho, vai se comportar da mesma
maneira. Faremos companhia um ao outro agradavelmente, até o dia em
que um cavalo me jogar em uma vala.
— Assim como aconteceu com o pai dela — Lucius interveio em tom
crítico.
— Possivelmente.
— Ou até o dia em que um marido particularmente suscetível o
estenderá com um tiro de pistola? — disse Rafe.
— Também possível, — respondeu Mayne, com grande serenidade.
Rafe olhou para ele perplexo. Não sabia como curar seu velho amigo de
seu perigoso hábito de colecionar aventuras com mulheres mal casadas.
— Se você ferir seus sentimentos, amigo ou não, eu juro que vou te
espancar —disse, surpreendendo-se com sua reação. — Eu sei que você
me considera muito preguiçoso para...
— Preguiçoso? — Mayne interrompeu, arqueando uma sobrancelha
ironicamente. — Não. Apenas com reflexos lentos por seus excessos com
o conhaque.
— Você sabe do que estou falando. — Rafe se voltou para Lucius. — Tem
certeza de que não quer se tentar com Tess?
— Por que elas ainda são solteiras? — ele, por sua vez perguntou. —
Parece estranho, considerando que três delas já têm mais de vinte
anos. Já podem ser consideradas virtuais solteironas com base nos
costumes que temos aqui na Inglaterra.
— Os escoceses são todos impotentes, — Mayne murmurou. — Eu nunca
consegui aguentá-los.
— Talvez houvesse mortes em sua família que as forçaram a adiar sua
estréia na sociedade? — Lucius perguntou, ignorando a interrupção. —
Quando a mãe morreu?
— Pelo que entendi, o pai nunca teve o dinheiro necessário, — respondeu
Rafe. — De acordo com Wickham, meu secretário, a propriedade da
família está em um estado deplorável. Wickham ficou lá por alguns dias,
quando o novo visconde foi tomar posse da propriedade, a qual ele não
visitava havia anos, já que mora em uma área completamente diferente
da Escócia. O novo visconde encontrou uma situação desastrosa. Toda a
terra arável, aquela que poderia ter produzido algo, fora vendida anos
antes. A casa está caindo aos pedaços. Além disso, os cavalos foram
registrados no nome das meninas. Eles eram a única coisa de
valor; Brydone desperdiçou tudo o que tinha para o estábulo.
— Brydone gastou tudo o que ele tinha nos cavalos? — Mayne
perguntou.
— Ele não era avarento com as garotas. Ele simplesmente investiu tudo o
que tinha em seus cavalos e não queria vendê-los. Pelo que Tess disse-
me no jantar, parece que contava com uma grande vitória para enviá-las
para Londres para fazerem sua estréia oficial na sociedade.
— E esperando por aquele momento, deixou suas quatro filhas
apodrecerem em uma casa que estava caindo aos pedaços? —
Lucius interveio.
— Não há dúvida de que ele não se comportou como você acha que um
cavalheiro deveria se comportar, — disse Rafe, terminando seu
copo. Uma dor de cabeça feroz estava chegando. Muito conhaque: um
dia seria forçado a parar de beber, embora isso tornasse a vida muito
mais tolerável. As tremendas dores de cabeça resultantes do excesso de
álcool tornaram-se cada vez mais frequentes.
— Quanto às outras três, tenho certeza de que você não terá nenhum
problema em casá-las, — Mayne assegurou. — Quando a temporada
social começar, o período de luto terminará, e os homens farão fila para
pedi-las em casamento. Tenho a impressão de que Maitland demonstra
alguma simpatia por Imogen. E ele está cheio de dinheiro.
Rafe sacudiu a cabeça. — Seu casamento com Miss Pythian-Adams já está
estabelecido há anos. Além disso, Maitland, desde que seu pai morreu,
tornou-se um intrépido incorrigível, e só piora. Não pensa em outra
coisa senão em cavalos e não faz nada além de cavalgar como um louco,
até mesmo dormindo, se uma sela não estiver disponível, a qualquer
hora do dia ou da noite. Vai acabar quebrando o pescoço.
— Não é a pior maneira de morrer. — disse Mayne, sem se preocupar.
— Não fale bobagem, — respondeu Rafe. — Se você quer se casar
com Tess, você terá que mudar de comportamento. Não mais escapadas
arriscadas com mulheres casadas.
— Eu quero ser um marido modelo, — garantiu Mayne, mas Rafe olhou
para ele com ceticismo, ouvindo o tom daquela promessa.
Mayne acrescentou: — Eu já parei permanentemente com mulheres
casadas, você não percebeu?
— Não.
— Bem, é isso. — o conde não olhou para cima, continuou a girar uma
pena entre os dedos longos. — Lady Godwin... que me deixou na
mão... foi a última, e isso aconteceu quatro meses atrás. Tess terá tudo
para si mesma, para melhor ou para pior.
— Nesse caso... — Rafe disse, sua voz profunda. — Se você realmente fala
sério, Garret.
Mayne olhou para cima. — Você sabe que odeio meu primeiro nome.
— Quando eu uso, posso te acordar um pouco, — Rafe o lembrou. —
Agora que você está acordado, eu desafio você no bilhar, e tenho certeza
que vou te arrancar o casaco.
— Eu vou para a cama, — disse Lucius, esticando seus membros.
— Espero que você possa encontrar uma acompanhante até domingo —
disse Mayne, para Rafe. — Não terei forças para comparecer a esta casa
para cortejar Tess, se Clarice Maitland permanecer por um longo
tempo. Aquela mulher faz minha pele arrepiar.
— Vou escrever uma nota para minha tia Flora, — assegurou Rafe. —
Mora em St. Albans. Talvez possa estar aqui na próxima semana.
— Então, eu tenho sua benção? — Mayne pediu. — Posso começar meu
cortejo amanhã?
— A menos que você ache apropriado esperar que Tess deixe o período
de luto.
— Eu não posso. O Lichfield Royal Piate será realizado em um mês. Se eu
quiser inscrever Something Wanton a essa corrida...
— Eu nunca ouvi um motivo mais insalubre para acelerar um casamento,
— disse Rafe.
— Você também vai começar com isso? — respondeu Mayne, esvaziando
o copo. — Não é suficiente a quantidade de idiotas, em Londres,
fofocando sobre mim, descrevendo-me como um canalha, sem ter
coragem de dizer isso na minha cara?
— E você não é? — perguntou Lucius, controlando o tom da voz dele.
Mayne pensou por um momento antes de responder. — Não. Eu sou
libidinoso, e se a ocasião ocorrer, eu não desdenho, ou melhor, eu não
desdenhava, mulheres casadas. Mas eu não sou um canalha, embora eu
não saiba por que tenho que me defender, mesmo daqueles que eu
considerava velhos amigos.
— Talvez porque você acabou de dizer que quer se casar só para pôr as
mãos em um puro-sangue e fazê-lo correr na primeira oportunidade, —
disse Lucius.
— Não há nada de errado nisso. O casamento nada mais é do que uma
transação econômica e Tess receberá muito mais de mim do que um
cavalo. E se eu posso dizer, Lucius, toda essa atenção às convenções, do
seu lado, parece-me fora do lugar.
— Por quê?
— Você também nunca esteve sujeito as convenções.
Controla praticamente todo o mercado financeiro do Reino
Unido; quando lida com o dinheiro, se torna uma calculadora
sinistra. Eu, em comparação, pareço um anjinho. Especialmente porque
o tipo de atividade que você pratica é considerado socialmente
repreensível e não poderia nunca ser feito por aqueles com sangue azul
em suas veias.
— Eu vejo que dá razão aos meus pais, com relação às atividades julgadas
aceitáveis — Lucius disse, severamente. Seguiu um momento de silêncio
pesado, então Mayne suspirou.
— Eu não me importo com o que você faz com o seu dinheiro, Lucius,
você sabe disso. E você nunca se importou com as camas que eu
vou. Então, por que essa severidade súbita comigo, quando eu não fiz
nada além de anunciar minha intenção de me tornar uma pessoa
respeitável?
— Parece-me que vocês confirmaram suas características, — Rafe disse,
ignorando a tensão que se desenvolveu na sala. — Meus queridos amigos
são um Don Juan e um homem de negócios cínico, mas se nada mais...
— Somos um grande trio, na verdade —corrigiu Mayne. — Um bêbado,
um Don Juan e um homem de negócios cínico. Digna descendência da
sociedade inglesa. Nada a fazer: nós herdamos as falhas de nossos pais.
— Minha mãe não te agradecerá por lembrar as origens não nobres da
minha casa, — disse Lucius. — Você há muito decidiu que minha
predisposição para números vem do lado paterno da família.
— Sua mãe não entende nada, — respondeu Mayne, mas sem malícia,
virando o copo para beber as últimas gotas de conhaque. — Você é o
melhor de nós, mesmo que seu pai lhe tenha deixado em herança apenas
o rosto e praticamente nada mais. Ah, bem, pelo menos eu decidi me
redimir! Primeiro o casamento, depois os filhos, e antes que alguém
perceba, aceitarei tomar meu lugar na Câmara dos Lordes.
Rafe tinha sérias dúvidas sobre isso. No entanto, era verdade
que Tess dificilmente poderia ter encontrado um partido
melhor; e como seu guardião, era exatamente com o que ele tinha que se
preocupar. — Ela não pode se casar em uma cerimônia pública ainda, —
objetou ele. — Está em luto fechado.
— Vou conseguir uma licença muito especial, — respondeu Mayne. —
Meu tio é bispo, você sabe. Ele pode nos dar a licença e pode até mesmo
oficiar o casamento, aqui em sua casa. Tem uma capela, não é?
— Sim, mas primeiro Tess deve dar seu consentimento. E não tentarei
forçá-la se oferecer resistência a um casamento tão precipitado.
Mayne reagiu com um sorriso. — Isso não deve ser um problema. Deus
sabe se eu não sou especialista na arte de fazer as mulheres se
apaixonarem por mim. Tempo: dois dias no máximo. Alguns elogios, um
pouco de poesia e está feito. — Disse sem sombra de arrogância, com a
naturalidade de quem sabe o seu lugar no mundo e do que era capaz.
Rafe hesitou. — Sem atitudes impróprias até você se casar. — O tom de
sua advertência foi mais duro do que gostaria.
— Você sabe, minha irmã Griselda veio para ficar em Maidensrow —
disse Mayne novamente. — Algumas milhas daqui. Por que não pedir-
lhe para ser acompanhante? Sendo uma viúva, pode dedicar muito tempo
a suas protegidas, para ajudá-las a fazer sua estréia na sociedade. Além
disso, ela sempre te amou, Rafe. Ela ensinará as meninas a ter
a coragem necessária para se encaixar no ambiente, e garantirá que meu
casamento não dê a impressão de ser uma loucura.
— Se você acha que ela pode aceitar, não posso pedir nada melhor. Tia
Flora não ajudaria em nada a aconselhar garotas em assuntos como
roupas. E como ela ainda é solteirona, duvido que possa ser a melhor
conselheira em outros campos também.
— Minha irmã é muito boa nessas coisas. As jovens viúvas são
especialistas na arte de combinar casamentos de outras pessoas,
evitando, ao mesmo tempo, a tentação de recair a si mesmas. Vou
mandar uma mensagem amanhã de manhã cedo. A competência em
moda de Griselda se equivale apenas à sua curiosidade; Portanto, estou
convencido de que vai se apressar para chegar até nós na hora do
almoço. Talvez fosse o caso de que eu lide com a questão do namoro
antes dela chegar.
— Só posso desejar-lhe boa sorte, — disse Rafe.
— Eu vou me deitar, — Lucius anunciou mais uma vez.
— Você não pode adiar seu retorno a Londres? — Mayne perguntou a ele
neste momento. — Eu queria ter você ao meu lado, quando me casar. Eu
juro que tudo será resolvido dentro de uma semana, no máximo.
Lucius hesitou, depois disse: — Claro.
Rafe acompanhou Lucius até a porta, mas, como a expressão de seu
amigo era ilegível, deixou que fosse sem comentar nada.
CAPÍTULO 9
Na manhã seguinte
Tess nunca fora ingênua em relação aos homens, mas acabava sendo
surpreendida pelo comportamento deles todas as vezes. Não demorou
muito para descobrir que o conde de Mayne decidira cortejá-la. Notou
enquanto tomava o café da manhã, quando levantou os olhos do prato,
imaginando quando as outras irmãs viriam e viu o conde entrar, com a
típica atitude de um caçador.
Seu primeiro pensamento foi que ele estava procurando Annabel, mas
mudou de ideia quando o conde se virou para ela, exclamando
enfaticamente: — Estou extremamente satisfeito, enchanté, os franceses
diriam, por encontrar aqui a deliciosa Miss Essex. — E porque ele não fez
nenhuma menção de qualquer outra irmã, Tess deduziu que a presa
pretendida era ela.
Terminou de comer o bolinho em sua frente, enquanto o conde se
sentou ao seu lado, mais elegante do que nunca, com uma gravata preta
e branca vaporosa amarrada no pescoço. A maneira como parecia comê-
la com os olhos não deixava dúvidas sobre suas intenções; a qualquer
momento faria uma declaração ou algo assim.
— Bom dia, — disse, com um sorriso que queria ser encorajador. Não
havia necessidade de tratá-lo grosseiramente, até que entendesse o que
ele realmente queria. Ela tinha uma longa prática, o céu era testemunha,
ao rejeitar as propostas indecentes: Escócia, em particular, estava cheia
de homens jovens que tinham em mente apenas os cavalos de corrida e
pareciam estar convencidos de que a filha de um pobre visconde não
hesitaria em trocar sua virtude por algumas roupas bonitas.
— Miss Essex — ele respondeu, pronunciando seu nome com um enlevo
exagerado, que colocou Tess definitivamente na defensiva.
Obviamente, nem todos os pretendentes eram iguais. Havia aqueles que
se apresentam de mãos vazias e aqueles que podem tornar uma mulher
uma condessa. Este último, obviamente, merecia maior consideração.
Tess colocou de lado o bolinho e preparou-se para ser cortejada.
Mayne não perdeu tempo. — Esta manhã você parece ainda mais
deliciosa do que ontem à noite —disse, pegando a mão dela. Sua cabeça
era uma massa perfeita de cachos; com certeza, ele os deixou
deliberadamente um pouco longos e desgrenhados, para que pudessem
ter mais impacto.
Ele parecia interpretar seu silêncio como uma forma de encorajamento,
exatamente o que ela esperava. — Espero não ousar demais, Miss Essex,
dizendo que você tem olhos maravilhosos, com um tom
verdadeiramente único de azul escuro. Assim como o lápis-lazúli.
Tess teria preferido terminar seu café da manhã em paz. Não que esses
elogios não fossem interessantes, mas certamente não poderiam saciar
sua fome. — Você é muito gentil, — disse, soltando a mão que segurava e
pegando o bolinho. Agora que pensou sobre isso, Annabel não aceitaria
bem. Tess teve a nítida impressão de que, apesar de ter tentado fazer
parecer apenas um jogo, sua irmã estava seriamente determinada a se
casar com o conde. Agora, em vez disso, ocorreu uma mudança
inesperada.
O conde olhou para Brinkley, que estava arrumando pratos em uma
pequena mesa ao lado dele. — Eu percebo que o meu pedido pode
parecer inadequado, considerando que estamos aqui sozinhos, sem uma
acompanhante...
Tess involuntariamente abriu seus olhos. Ele estava prestes a pedir a sua
mão, ali mesmo, pulando todas as formalidades? Quase brutalmente?
Afinal, mal sabia o nome dele, não tiveram nem tempo para uma
apresentação.
No entanto, o conde só queria perguntar se ela queria passear com ele
no jardim. Eles não teriam uma acompanhante, porque Lady Clarice
nunca se levantava antes do meio-dia. — Nós sempre nos manteremos à
vista da casa, — assegurou.
Tess não se incomodou em explicar-lhe que ela e suas irmãs tinham sido
acostumadas desde a infância a percorrer o comprimento e a largura da
propriedade da família sozinhas; a governanta, quando tinha uma, não
poderia ficar atrás de todas as quatro.
— Com prazer, —simplesmente respondeu, percebendo, quando já era
tarde demais, que seu tom mostrava uma certa falta de entusiasmo.
— A menos que você prefira ficar em casa. Rafe só se levantará em
algumas horas. Ele sempre acorda com dor de cabeça e demora um
pouco até que ela passe. — Os olhos negros do conde eram magnéticos,
pareciam os de um feiticeiro.
— Por que você o chama de Rafe? — perguntou Tess. — Estava
convencida de que os membros da nobreza, aqui na Inglaterra, evitavam
usar formas de abordagem muito familiares umas às outras, como
simplesmente se chamando pelo primeiro nome.
— Rafe não suporta ser chamado de “Holbrook” — respondeu Mayne. —
Faz apenas cinco anos que se tornou duque, após a morte de seu irmão
mais velho.
— Oh, entendo, — disse Tess. — Ser chamado de “Holbrook” faz com que
pareça estar abusando do que era do irmão morto.
Mayne assentiu, mas quando Tess começou a pensar que talvez não fosse
tão frívolo quanto seu comportamento fazia parecer, o conde se inclinou
para beijar sua mão novamente. Começou a não gostar daquele
cerimonial repetitivo tanto quanto Josie. Felizmente, fazia quase um ano
que deixara de ir aos estábulos para cuidar dos cavalos e,
consequentemente, sua mão era suficientemente branca e macia para se
prestar tal galanteria.
— Eu acho perigoso ficar tão perto de você Miss Essex — disse o conde.
— Deve ser, sem dúvida, um sentimento desagradável, — respondeu.
Mayne parecia pego de surpresa, mas se recuperou prontamente. — Pelo
contrário, —assegurou. — Há sempre uma espécie de arrepio agradável
ao estar perto de uma mulher bonita como você.
— Arrepio? Você não vai ter febre?
O conde pareceu perceber que a conversa tinha chegado a um ponto
morto. Tomou sua mão novamente e encostou os lábios. — A verdadeira
beleza sempre gera um pouco de tristeza no coração. Algo como estar na
frente dos mármores da Grécia antiga ou das pinturas dos grandes
pintores renascentistas italianos.
— Eu não tive o prazer. — Tess retirou a mão, desejando a solidão de seu
quarto. — Acho que tenho um pouco de dor de cabeça — disse,
levantando-se. — Receio ter que adiar nossa caminhada, meu senhor.
Mais uma vez a reação do conde surpreendeu-a. Em seus olhos, um flash
divertido passou. Mesmo que fosse talvez um canalha, não era privo de
senso de humor.
— Se você me permite, não vou mais beijar sua mão novamente para
cumprimentá-la, Miss Essex. Vou apenas me curvar, — disse, com uma
expressão abertamente irônica. — Eu te entendo. Nós, ingleses, podemos
ser um pouco entediantes com nosso formalismo excessivo.
Tess deduziu que o conde a considerava uma espécie de camponesa que,
perturbada por seus refinados beijos, se sentiria tranquila se ele
permanecesse a uma distância segura, limitando-se a um curvar
elegante.
Ela o observou enquanto se curvava, depois lançou-lhe uma última
flechada: — Obrigado por sua gentileza. Aprendi tanto com esta breve
reunião que só posso me retirar para o meu quarto e pensar em como
subir ao seu nível.
Nem se deu ao trabalho de ver se ele ficou boquiaberto, como imaginava.
Não se podia confiar em um homem tão bonito. Ele provavelmente
estava acostumado a ter multidões de mulheres que se atiravam em seus
braços, como Annabel na noite anterior.
Bem, talvez, depois da tirada dela, ele voltaria sua atenção para Annabel.
Virou e saiu.
CAPÍTULO 10
De tarde
— Uma modista estará aqui amanhã logo depois do almoço, — anunciou
Rafe, cruzando com Tess na escada.
— Oh, você não precisava, — disse, sentindo um pouco de vergonha.
Evidentemente, o duque tinha percebido que elas estavam realmente
mal colocadas, em termos de guarda-roupa.
— Bobagem. — Rafe olhou para ela e sorriu, com uma expressão que o
fazia parecer muito mais jovem. — Você é minha nova irmã adquirida,
lembra? Eu não posso deixar minha irmã andar por aí vestida como uma
criança. É um tipo de tecido que não posso ver. Me lembra da cozinheira
que tínhamos quando éramos crianças, uma mulher grande e
assustadora nos perseguindo, agitando uma concha ameaçadoramente.
— Meu Deus — disse Tess. Compartilhava o julgamento do duque sobre o
tecido de seu vestido, mas era humilhante estar sem dinheiro.
— E depois, vocês já cumpriram os três meses de luto rigoroso,
— continuou Rafe. — Não precisam mais se vestir exclusivamente de
preto. Mudando de assunto, Lady Clarice perguntou se você e suas irmãs
gostariam de se juntar a ela em uma excursão às ruínas romanas
de Silchester, amanhã de manhã. Miss Pythian-Adams vai ficar conosco
por um tempo, até encontrarmos outra acompanhante. Então, se você
está interessada em dar uma olhada nessas ruínas antigas, aqui está uma
oportunidade para não perder.
A ideia de que a noiva culta de Lorde Maitland estava para chegar, não
era nada agradável aos olhos de Tess. Mas sabia que Imogen iria insistir
em visitar as ruínas, na esperança secreta de
que Draven Maitland participasse da viagem. — Sou muito grata a
Lady Clarice por este tipo de pensamento, — respondeu com um tom
angelical. Mas não pode deixar de enrugar o nariz instintivamente.
— Eu vi, sabe? —brincou o Duque, colocando o dedo indicador
no nariz. — Lady Clarice diria que este é um indicador de sua falta de
familiaridade com livros e cultura.
— Lady Clarice não está errada a esse respeito, — admitiu Tess. —
Infelizmente, nenhuma de nós pôde tirar proveito dos ensinamentos de
uma governanta por muito tempo.
— Vamos conversar sobre Miss Pythian-Adams amanhã a noite, depois
que você a conhecer, — disse Rafe, com um ar cúmplice. — Se você
decidir que realmente quer imitá-la, garanto que disponibilizarei para
vocês professores capazes.
— Não soa como um elogio, o que você diz, mesmo que eu não tenha
entendido se é direcionado para mim ou melhor, para Miss Pythian-
Adams — respondeu Tess, andando pelo corredor em direção ao seu
quarto. — Em todo caso, tentarei não desapontá-lo, meu venerável
protetor.
Rafe riu.
Na manhã seguinte
Rafe acordou com a boca amarga, uma sensação de que suas pálpebras
não queriam abrir e uma espécie de apreensão vaga. Depois de alguns
minutos, se lembrou do porquê. Naquele dia, a culta Miss Pythian-
Adams chegaria, e ele se comprometeu a acompanhar suas protegidas
em uma caminhada até as ruínas espalhadas pelo campo que pareciam
oferecer certo interesse arqueológico. Se Maitland decidisse
acompanhar a namorada, outra cena poderia ocorrer entre Lady Clarice
e seu filho. Uma perspectiva suficiente para quebrar sua promessa de
não beber álcool antes que o sol atingisse seu zênite.
Levantou da cama e lavou o rosto de mau humor.
O valete entrou na sala e entregou-lhe um copo cheio de um líquido
efervescente, sem comentários Rafe o bebeu de um só gole. Realmente
deveria decidir dar um basta com o conhaque. Mas não imediatamente.
Estoicamente se abaixou em uma banheira cheia de água fria e despejou
um balde sobre sua cabeça. Quando parou de tremer e o resmungo no
estômago produzido pela bebida efervescente cessou, se sentiu
visivelmente melhor.
Por mais que tentasse, não podia reconstruir a fisionomia de Miss
Pythian-Adams, embora tivesse certeza de que a conhecia, quem sabe de
onde e quem sabe quando. Parecia lembrar vagamente que ela tinha
cabelo ruivo. Desde que seu irmão Peter morrera e ele herdara o título
de duque, evitara qualquer oportunidade de se encontrar com possíveis
candidatas a casamento, e por isso não era de se admirar que não se
lembrasse dela.
É claro que ele não era a única pessoa na casa que pensava em Miss
Pythian-Adams naquele momento.
— Eu não entendo como conseguiu laçar Draven — Imogen estava
dizendo a Tess, enquanto a ajudava a arrumar o cabelo. — Se tem alguém
que não sabe nada de cultura, é Draven. Você acha que foi a mãe dele
que o empurrou a pedir a mão de Miss Pythan-Adams?
— Eu duvido, — respondeu Tess.
— Por que? — Imogen perguntou, abaixando a escova. — É normal que os
pais influenciem as escolhas dos filhos quando devem casar. O que você
acha, será... mais bonita que eu?
Tess encontrou o olhar ansioso da irmã mais nova no espelho, sentindo-
se terrivelmente dividida. Por um lado, parecia cruel encorajar Imogen
de qualquer forma. Mas frustrar suas esperanças era tão angustiante. —
Vai ser difícil para ela ser mais bonita do que você, Imogen, — disse
finalmente. — Mas em um nível prático, o dote principal da sua rival
certamente não é beleza. Ela é uma herdeira e tem a aprovação de Lady
Clarice.
Um flash brilhante passou pelos olhos de Imogen. — Você quer dizer que
Draven concordaria em fazer um casamento por interesse?
— Quero dizer que não sabemos por que Maitland pediu a mão da Miss
Pythian-Adams. Mas o fato é que ele pediu. É melhor você se resignar,
deste ponto de vista.
— Estou cansada desses constantes avisos para me resignar! — Imogen
exclamou, pegando de volta a escova. — Ele deveria me amar, não ela!
Não havia muito a dizer, por isso Tess teve o cuidado de não responder.
— Se papai tivesse sido mais previdente, nós também teríamos tido uma
governanta, e agora eu saberia tanto quanto ela de poesia, da história da
Roma antiga e de todo o resto.
— Claro — disse Tess.
— Ontem à noite eu nem sabia qual garfo usar, — reclamou Imogen. — E
isso também é culpa de papai. Ele tinha que imaginar que teríamos que
competir com mulheres... desse tipo!
— Papai não via dessa maneira.
Imogen começou a prender o cabelo de Tess com grampos de cabelo. —
Quando Draven nos vir uma ao lado da outra, vai me escolher, — disse
depois de um momento.
Mas Tess se recusou a lhe dar corda. Tinha sido um erro tolerar por
tanto tempo que Imogen cultivasse um amor sem esperança. — Eu tenho
sérias dúvidas sobre isso.
— Eu não, — Imogen reagiu, forçando um grampo no cabelo dela como se
fosse uma almofada de alfinetes. — Draven não ama aquela
mulher. Nunca suportaria ter uma primeira da classe como ela ao seu
lado. Ele não pode ter escolhido uma assim. A única explicação possível é
que sua mãe o forçou.
CAPÍTULO 12
Filho único, além de ter pais que não se dignavam a encontrar seu
herdeiro mais que duas vezes por ano, Lucius não sabia o que significava
ter que esperar que um grupo familiar se reunisse. E, como não era
casado, era ainda menos adepto dos longos preparativos das jovens de
idade de casar-se, para que pudessem realizar a breve excursão a cavalo
até a aldeia vizinha de Silchester, marcada para aquele dia.
Lucius não pôde acreditar em seus olhos enquanto os preparativos
estavam sendo feitos para a cavalgada até Silchester, antes da corrida.
Ele sempre pensara que as mulheres preferiam montar cavalos
tranquilos, mais adequados à delicada constituição física. Duvidava que
sua mãe já tivesse cavalgado, mas se o tinha feito, devia ser um
quadrúpede com as costas tão largas quanto um tabuleiro de gamão, e
um caráter completamente plácido, capaz de ignorar as cenas histéricas
de quem estaria na sela.
Aparentemente, isso não era verdade para as irmãs Essex, ou pelo
menos para as três que haviam se juntado ao grupo, já que Josie
preferira ficar em casa com a nova governanta.
Os animais que as meninas estavam prestes a montar eram na
verdade puros-sangues impetuosos, com um pelo brilhante e um caráter
sombrio, que passavam o tempo tentando morder um ao outro, com
orelhas baixas, balançando a cabeça para cima e para baixo, ou até
mesmo empinando nas patas traseiras. Trançavam os cascos, como se
estivessem impacientes para galopar, esfregaram as ferraduras na
calçada do pátio, soltando fagulhas. Em suma, um show
verdadeiramente impressionante.
A primeira das irmãs que veio tomar posse de sua montaria foi
Imogen. — Somos amazonas experientes, — disse, notando o olhar
duvidoso que Lucius lhe deu. — Minha Posy foi considerada uma das
possíveis favoritas no derby, dois anos atrás, até que teve uma lesão
muscular ruim. Quando se recuperou, ela se tornou minha égua pessoal.
A sua Posy estava dançando de lado como se ela tivesse sido mordida
por uma mutuca, e parecia bastante nervosa para saltar sobre o portão e
se lançar pelos campos.
— Parece ruim, mas é apenas uma cena, — disse Imogen novamente,
enquanto olhava para a expressão cada vez mais confusa de Felton.
— Égua magnífica, — disse Rafe, juntando-se a eles. — Eu a vi correr
em Ascot, no ano anterior a ela se machucar. Voava como o vento.
Lucius olhou para ele espantado, dizendo a si mesmo que deveria se
preocupar um pouco mais com a segurança das meninas que lhe eram
confiadas.
Enquanto isso, Annabel também apareceu, e foi para um castrado,
que estava em um canto, com orelhas achatadas e uma expressão
assassina em seus olhos. — Este é Sweetpea, — explicou, voltando-se para
Lucius. — Ele está um pouco nervoso esta manhă. Coitadinho, passou
muito tempo trancado no estábulo. — Sweetpea mostrou os dentes e se
sacudiu todo, como se estivesse se preparando para ir ao campo de
batalha.
— Minha égua é um anjinho comparado com o que vai montar Tess,
— Imogen dizia enquanto falava com Rafe. — Oh, aqui vem. Você pode
dizer por si mesmo.
Lucius se virou.
Miss Essex vinha na direção deles, atravessando uma parte
ensolarada do pátio. Tão magra, aparentemente frágil, parecia ser capaz
de montar apenas o cavalo mais dócil e submisso disponível nos
estábulos.
— Tess é a melhor de nós, — explicou Imogen. — Seu cavalo é
Midnight Blossom, filho de Belworthy. Você já ouviu falar dele, eu acho.
— Midnight Blossom? — Exclamou Lucius. — O castrado que jogou o
jóquei fora da sela na corrida de newmarket há três anos?
— Ele mesmo, — confirmou Imogen. — O que Maitland está fazendo,
vem ou não? Eu acho que minha Posy está ficando um pouco impaciente.
Mais que um pouco impaciente. A égua se agitou como uma fúria.
Lucius acariciou o pescoço dela e conseguiu acalmá-la.
— Ela gosta de você, — disse Imogen, surpresa.
— Acontece muito comigo, — respondeu Lúcio. Com o canto do olho,
viu um escudeiro ajudando Tess a escalar um cavalo monstruosamente
grande, negro como a noite. Ao contrário de Posy, Midnight Blossom não
estava mais agitado do que o necessário. Em vez disso, apenas arqueou o
pescoço e bufou suas narinas, como se não pudesse esperar para ir à
loucura. Midnight Blossom não fazia uma cena, era um verdadeiro cavalo
de corrida.
Mas Tess não parecia se preocupar muito com sua própria situação,
que parecia ainda mais precária, devido ao fato de que estava montada
de lado, não como um cavaleiro, como era prescrito para as mulheres.
— Você não devia deixar sua protegida montar esse cavalo! —
apontou Lucius para Rafe. — Midnight Blossom jogou seu jóquei em uma
vala apenas alguns anos atrás.
— Você está preocupado com Tess, Sr. Felton? — Imogen perguntou
a ele. — Não há razão. È a melhor de nós. Papai sempre dizia que ela,
com os cavalos, até lê sua mente.
— Estou convencido de que minhas protegidas são perfeitamente
capazes de lidar com seus animais, — observou Rafe. —São adultas,
sabem como cuidar de si mesmas. Além disso, não é a primeira vez que
os montam, e parece-me que conhecem perfeitamente suas forças e
fraquezas.
— Um guardião responsável deveria ter um papel mais ativo, —
Lucius respondeu bruscamente. Midnight Blossom parecia pronto para
partir agora, e apenas moveu as orelhas para trás e para frente,
enquanto Tess falava com ele suavemente, acariciando seu pescoço
musculoso com a luva, desgastada pelo uso, embainhando sua mão.
Com o rosto fechado, Lucius pulou em seu cavalo, grande, preto e
brilhante como o de Miss Essex. Pelo menos, pensou, teria alguma
chance de alcançá-la quando seu puro-sangue saísse do controle.
Naquele momento, Maitland cruzou os portões maciços de Holbrook
Court, girando quase a galope e parando seu cavalo com um salto
imprudente. Lúcio, enquanto isso, flanqueara Tess, deixando seus dois
animais ficarem amigos, por assim dizer, aproximando os focinhos
trêmulos.
— Que estupidez! — comentou Tess, em voz baixa.
— Por que arriscar seu osso do pescoço andando assim? — ecoou
Lucius. — A propósito, não acha que você arrisca demais?
— Você não acha que estou preparada para cavalgar um cavalo como
meu Midnight?
— Eu mesmo me sentiria inadequado, com um animal assim, —
Lucius respondeu imperturbável.
— Eu duvido disso. O seu certamente não é inferior — disse Tess,
aproximando-se e dando ao cavalo de Lucius um coçar gentilmente no
pescoço. Qual o seu nome?
— Pantaloon. Filho de Hautboy.
— É lindo.
Pantaloon sacudiu a cabeça e bufou de satisfação quando ela coçou
até as orelhas.
Houve um pouco de confusão quando o resto da família Maitland
entrou no pátio. Lady Clarice montava um gracioso cavalo pequeno com
o pelo aveludado, que parecia capaz de prosseguir voluntariamente por
apenas um quilômetro ou dois, e depois arrastaria os cascos pelo resto
da estrada. Não que tivesse tanta importância, afinal, Lady Clarice se
apressou em explicar que uma carruagem os seguiria até o destino, caso
uma das senhoras se cansasse de andar a cavalo.
Draven Maitland se aproximou de Tess, observando seu cavalo com
admiração. O homem tinha muitos defeitos, mas conhecia o mundo das
corridas de cavalos de cor. — A última vez que vi Midnight Blossom foi há
um ano, —disse, sorrindo. — Faltou pouco para que eu pudesse tirá-lo do
seu pai, depois de uma aposta, sabe? Foi imediatamente após a vitória de
Midnight em Banstead Downs, antes de ser forçado a retirá-lo das
corridas. Eu gostaria que ele participasse do Grande Prêmio Ascot.
Lucius viu as bochechas de Miss Essex ficarem rosadas. — Estou
muito feliz por você não ter ganho a aposta, — disse ela.
— Oh, mas eu venci, — respondeu Maitland. — Seu pai estava
convencido de que um de seus galos cantava apenas no alto de um poste
de suporte de cerca. Eu ganhei a aposta com bastante facilidade.
— Deixe-me entender, — Tess disse então. — Em vez disso, você
treinou o galo para cantar em cima de uma pilha de estrume, para
provar ao meu pai que ele estava errado?
— Eu fiz melhor. Eu peguei o galo e cortei um tendão. Quando ele
não conseguiu mais subir a cerca, começou a cantar onde estivesse. Mas
não aceitei o cavalo, claro. Não, não. Seu pai era alguém que levava as
apostas extremamente a sério. Mas eu nunca teria levado Midnight
Blossom dele graças a uma fraude, mesmo que tivesse gostado muito de
enganá-lo.
Miss Essex, acariciando o pescoço do cavalo novamente, disse: —
Tenho certeza de que meu pai lhe agradeceu muito por sua
magnanimidade.
— Eu suponho que sim, — Maitland respondeu alegremente. Então,
estendendo a mão para a boca do animal, acrescentou: — Agora, se esse
cara bonito me deixar dar uma olhada em seus molares...
Mas Midnight Blossom não desejava ser examinado por Maitland. Se
afastou bruscamente quando Tess tentou em vão controlá-lo e empinou.
— Fique calmo, tolinho! — disse sua dona, inclinando-se para frente
em seu pescoço para evitar ser jogada da sela. O tom era carinhoso, não
zangado e, nem mesmo por um instante, Tess deu a impressão de se
sentir realmente em perigo.
Lucius tinha saltado nos estribos, pronto para agarrar o cavalo pelas
rédeas, mas ela não precisou de ajuda. O majestoso puro-sangue
permitiu-se ser domesticado por aquela mulher aparentemente tão
frágil, limitando-se a uma mordida na direção das costas de Maitland,
como se ele fosse tentado a se transformar em um animal carnívoro.
Lady Clarice, montando sua égua, estava indo em direção a todos os
participantes do piquenique para cumprimentá-los um por um. O jeito
que puxava o freio de sua pobre montaria era doloroso de se olhar.
— Minha querida Miss Essex, — exclamou ele, — temo que você não
esteja à altura da tarefa de lidar com uma fera tão feroz. Duque, você
não pensa na segurança de sua protegida? Eu acredito que este cavalo
deveria ser banido da coabitação civil. Você não viu como olha para meu
filho? Parece quase como se quisesse...
Claramente, a ideia de que qualquer ser vivo queria morder a bunda
de seu filho era inconcebível aos olhos dela.
— Suas protegidas estão em perigo, montando esses animais! —
disse, voltando-se para Rafe, quando avaliou totalmente o tamanho dos
três cavalos.
Foi Lucius quem interveio no lugar do duque, contradizendo o que
ele mesmo havia dito apenas alguns momentos antes. — Miss Essex
sempre manteve a situação sob controle, — disse.
Quanto a Rafe, ele simplesmente ignorou Lady Clarice, pulando na
montaria e gritando: — Vamos! Estamos todos prontos, finalmente?
— Quase, — respondeu uma voz da entrada da casa em um tom
imperturbável. Mayne parou na porta, colocando as luvas. Elegante
como nunca antes, em equipamento de montaria, composto de botas,
calças apertadas e uma jaqueta azul escura de lã. Os olhos de Lucius se
arregalaram; não estava acostumado a vê-lo vestido assim com grande
pompa. Em geral, quando os três, incluindo o duque, estavam juntos, se
vestiam de maneira despretensiosa: um par de calças de couro e uma
jaqueta surrada eram mais do que suficientes.
Mayne olhou para o grupo de cavaleiros que se dirigia para a saída e
foi direto para Tess.
A boca de Lucius se contorceu em uma careta. Mayne não fizera
segredo de suas intenções de casamento em relação à Miss Essex. Mas
ele havia esquecido. Novamente.
— Midnight Blossom, — disse Mayne, genuinamente satisfeito, como
só um verdadeiro amante de campeões do cavalo poderia ser. — Miss
Essex, minha estima por você aumentou muito. Você é a amazona mais
esplêndida de sua geração!
Tess deu-lhe um sorriso e os raios do sol transformaram o cabelo cor
de brandy numa nuvem suave de reflexos dourados e ferruginosos.
Apertando seus joelhos quase imperceptivelmente, Lucius esporeou seu
garanhão e dirigiu-se à saída do pátio.
Se ele não estivesse enganado, Mayne mostrara uma onda de emoção
genuína, a primeira do gênero, desde que começara a cortejar Miss Essex
ao ver seu cavalo.
Pantaloon caminhou lentamente até o grande arco de pedra na
entrada da residência do duque. Eles o seguiram, andando lado a lado,
Tess e Mayne. Ouviu o riso deles misturado com o som de cascos na
calçada.
Ela pertencia a Mayne agora, Lucius lembrou a si mesmo.
CAPÍTULO 14
Sem saber como ou por que, Tess se viu andando por uma fileira de
estábulos localizados perto do Queen's Arrow Inn junto com o Sr. Felton,
os dois sozinhos. Obviamente, ela deveria estar na companhia do conde
de Mayne, que passara a tarde toda a cortejando implacavelmente. Por
outro lado, Felton deveria estar andando com Annabel, que certamente
não havia desviado sua atenção.
Em vez disso, tudo aconteceu de uma maneira completamente
diferente, talvez virando uma esquina sem perceber, ou talvez tenham
sido os outros que mudaram de direção sem avisá-los. E agora eles
caminhavam lado a lado, sem seus pretendentes. Uma situação absurda.
Tess se sentiu vagamente agitada e culpada, como uma estudante que
estava cabulando aula na escola.
A área dos estábulos era vasta, infestada do cheiro de feno que
começava a fermentar. Era um cheiro que Tess amava e ao mesmo
tempo odiava: lembrava-lhe muito sua casa e, ao mesmo tempo, o que o
pai tirara das filhas por cultivar sua paixão insana, muito antes de tirar,
com a morte, até ele próprio.
Eles pararam na frente de uma baia. — Ramaby, o cavalo de Lord
Finster, — Felton disse a ela. — Eu não sabia que ele pretendia fazer com
que corresse mesmo em competições menores. Temo que derrote
facilmente todos os meus campeões.
— Não desta vez, — Tess respondeu confiante, acariciando o focinho
da baía. — Ramaby não está em posição de ganhar hoje. Você não se
sente bem, não é, querido?
Lucius riu, observando a maneira como o cavalo movia as orelhas
para frente e para trás, tentando captar as mais leves nuances das vozes
que falavam com ele. — O que você é, algum tipo de bruxa escocesa? —
Ele perguntou, dirigindo-se a Tess. — Você está jogando o olho do mal
neste pobre cavalo, dizendo a ele que não se sente bem?
— De jeito nenhum. Se você tivesse crescido entre os cavalos, como
eu, você também entenderia certas coisas. E Ramaby não se sente em
posição de vencer, no momento, é tudo. — Deu ao animal um último
tapinha afetuoso e foi embora.
Eles continuaram sua caminhada entre as pilhas de feno, espiando
dentro das baias. Lucius deliberadamente diminuiu o ritmo, esperando
ficar com ela mais um pouco.
— Você consegue saber se um cavalo está com fome ou não? —
perguntou a ela.
— Às vezes. Mas eu não sou um mago que possa ler mentes.
— Parece que sim para mim.
— Você não precisa de habilidades sobrenaturais para entender
coisas tão simples. Cavalos, então, ao contrário dos homens, não fingem.
— E eles não podem nem mentir, porque não falam, — observou
Lucius.
Tess parou abruptamente na frente de outra baia. — Nem mesmo
esta égua pode vencer, — disse.
— Você não precisa ser nenhuma cartomante aqui, — disse Felton. —
Eu também percebi isso facilmente. Claro que não pode vencer, está no
cio.
— Oh, — murmurou Tess, envergonhada. — Eu não percebi.
— O que você viu então? — Ele disse, indo para perto dela.
— Ela está toda atordoada, como se estivesse morrendo de sono, —
respondeu Tess. — Veja como está com as pálpebras semicerradas?
Quando disse isso, estendeu a mão magra para dar uma coçadinha à
égua atrás das orelhas, e o animal, como se para confirmar suas
palavras, fechou os olhos completamente.
— Bem, você certamente tem um talento especial que merece ser
bem utilizado, — disse Felton depois de um momento de silêncio.
— Eu realmente não tenho nada de especial, — ela disse
desconfortavelmente. — Não será o caso de alcançar os outros?
— Como quiser, Miss Essex. Vamos em frente.
Os bancos dispostos ao redor da tenda brilhavam, refletindo os raios
oblíquos do sol da tarde. O odor pungente vindo de uma barraca que
vendia salsichas grelhadas saturou o ar ao redor, junto com a babel de
comentários dos homens reunidos em vários grupos pequenos, com a
intenção de observar de perto os cavalos que se preparavam para entrar
na pista.
— Aqui, esses são meus, — Lucius disse de repente.
Dois magníficos puros-sangues com os pescoços delgados estavam
prestes a ser levados para a tenda, a garupa protegida por um pano de
sela, para manter os músculos aquecidos. Lucius não fez perguntas e
Tess evitou qualquer comentário.
— Uma vez disse ao meu pai que tinha certeza de que um certo
cavalo chamado Highbrow venceria a próxima corrida, — disse Tess,
evitando olhar nos olhos de Felton. — Meu pai apostou tudo o que havia
reservado para o nosso dote, naquela corrida, porque em outras ocasiões
acertei.
Um breve silêncio se seguiu, então Lucius disse: — Se bem me
lembro, essa corrida foi vencida por uma égua chamada Petúnia.
— Highbrow nunca terminou — murmurou Tess, olhando
distraidamente para os cavalos de Lucius.
— Ele caiu e quebrou a perna, — ele continuou, lembrando de todos
os detalhes agora. — Eles tiveram que sacrificá-lo.
— E é por isso, Sr. Felton, que não me atrevo a expressar qualquer
opinião sobre seus cavalos. Porque estou apenas jogando conversa fora,
francamente. Tudo pode acontecer em uma corrida.
— Não é muito encorajador o que você diz, mas devo admitir que é
verdade.
Tess olhou para cima e examinou o rosto dele. Sua expressão parecia
particularmente severa e inescrutável. Era o rosto de um homem que
não precisava ser confortado por seu vizinho, porque estava
profundamente em paz consigo mesmo. — Temos que achar os outros, —
disse a ele, deixando escapar uma ligeira irritação de seu tom. Afinal,
Mayne a estava cortejando e talvez quisesse pedir a mão dela naquele
mesmo dia na pista de corridas. E em vez disso ela estava se perdendo
em conversas inúteis (e um pouco imprudentes) com o Sr. Felton.
— Miss Essex, — disse ele em um tom calmo e determinado que a
deixou ainda mais nervosa.
— Eu gostaria de voltar para o nosso lugar, — disse ela. — Minhas
irmãs devem estar se perguntando onde estou.
Quando chegaram, encontraram apenas Annabel e Mayne, sentados
juntos nos degraus. Eles pareciam estar de bom humor e muito
próximos.
— Estão todos no buffet, — explicou Annabel. — Lady Clarice
encontrou uma amiga muito querida dela, a Sra. Homily, e soube que o
bufê servia um excelente presunto.
— Todos eles? — perguntou Lucius, erguendo as sobrancelhas com
uma expressão de surpresa.
— Todos, exceto Lord Maitland, que, suponho, está nos estábulos, —
disse Annabel, dando-lhe um sorriso cativante. — Você quer se juntar a
nós, ou você também está tentado pelo presunto?
Assim que se sentou ao lado do conde de Mayne, Tess viu uma luz de
interesse brilhar em seus olhos negros, o que lhe pareceu muito
eloquente. Começaram a conversar, e ele expressou toda a sua
admiração pela segurança com a qual ela governava um cavalo de
corrida.
Sua atitude se tornara mais séria. Pôs de lado a galanteria de um
homem do mundo e parecia ter um desejo sincero de dar uma base mais
sólida ao relacionamento deles. Sua maior atração era sua candura, que
fazia um surpreendente contraste com seu belo aspecto tenebroso. No
entanto, Tess não pôde deixar de ouvir a conversa com a qual Annabel
tentava encantar Felton. Tinha uma vocação natural para a arte do
namoro; nisso não era menos que o conde. Tess disse a si mesma que
precisava se resignar a considerar o Sr. Felton como seu futuro cunhado.
— Minha mãe era uma mulher intrépida e enérgica — enquanto isso,
contando a ela, Mayne dizia. — Voava como o vento, em seu cavalo,
mesmo enquanto cavalgava com a sela de lado, como uma Amazonas,
como dizem. Na Inglaterra, as garotas de boa família só montam assim,
Miss Essex. No entanto, ouvi dizer que na Irlanda algumas cavalgam
como homem. Perdoe minha ignorância dos costumes escoceses, mas
você já montou um cavalo na forma masculina?
— Nunca! — exclamou Tess com grande audácia. Na verdade, ela e
suas irmãs tinham montado assim, por mais de um ano, mas não teria
sido digno deixar escapar uma admissão tão embaraçosa.
Felton olhou para ela, mostrando claramente, a julgar pela
expressão dela, não acreditar nela. No entanto, não fez nenhum
comentário e virou para a pista de corrida. Tess sentiu a proximidade do
ombro dele, tão largo e volumoso, com desconforto agudo. A de Mayne,
por outro lado, ocasionalmente a tocava, casualmente, enquanto o conde
passava a folha com o programa de corrida, ou apontava para um dos
cavalos na pista. Felton, por outro lado, nunca a tocou, nem mesmo por
engano, mas isso, paradoxalmente, agravou seu embaraço.
— As colinas atrás da minha propriedade em Yorkshire são lindas, —
Mayne estava dizendo. — Muitas vezes cavalguei por uma hora inteira
sem encontrar nem uma casa. Uma espécie de Arcadia, um paraíso onde
você pode esquecer todas as suas preocupações. — Pegou a mão dela e
encontou-a nos lábios, olhando-a diretamente nos olhos. — Gostaria
muito de mostrá-la a você, Miss Essex. Garanto a você que um lugar tão
bonito faria com que passasse a nostalgia pelas extensões verdejantes de
sua Escócia natal.
O convite mudo transmitido pelo seu olhar não deixou dúvidas
quanto às suas intenções. — Há um pomar delicioso cheio de macieiras,
nas proximidades, atrás do hipódromo, que se parece muito com meu
jardim, Miss Essex. Posso te convidar para dar um passeio lá comigo?
Tess demorou a responder, paralisada por um tipo de bloqueio da
função cerebral. Realmente queria aceitar a proposta do conde? Annabel
se inclinou sobre o ombro de Felton e olhou para ela com uma expressão
de conhecimento. Sim, com toda a probabilidade Mayne queria levá-la
ao jardim para pedir oficialmente sua mão. E ela aceitaria. Afinal de
contas, ninguém havia feito uma proposta séria a ela, e, como irmã mais
velha, tinha que ser judiciosa e responsável.
— Na verdade — Felton exclamou de repente — eu estava prestes a
pedir à Miss Essex a honra de poder escoltá-la até a tenda. — Já estava de
pé e estava estendendo a mão. — Eu gostaria que você desse uma olhada
em um cavalo que acho muito interessante. A menos que tenha algo
contra.
— Não acho que devamos incomodar Miss Essex por algo assim, —
disse Mayne, dando a seu amigo um olhar de advertência. — Eu já havia
sugerido de sairmos para passear.
— Oh, fique aqui conosco, por favor, — disse Annabel, sorrindo para
Felton com um sorriso doce.
Tess estava começando a não conseguir lidar com essa situação.
Seria possível que o conde não percebesse que Felton tinha muito pouco
interesse nela como mulher? Bem, se não entendeu, ficou muito claro
para ela. Mayne ignorou completamente as últimas quatro corridas,
dedicando toda a sua atenção a ela; Felton, por outro lado, sempre
manteve a pista sob controle, apesar de toda a graça que Annabel
continuava fazendo para ele. Deste ponto de vista, Felton era como era
seu pai. Um pensamento arrepiante.
Como esperado, Felton sorriu casualmente para seu amigo, como se
dissesse que não tinha vontade de invadir seu território. — Vou trazer
Miss Essex de volta sã e salva em alguns minutos. Estou pensando em
comprar o cavalo que estava dizendo e confio muito no julgamento de
Miss Essex.
Mayne levantou uma sobrancelha, mas percebeu que Felton estava
apenas pensando em seus negócios naquele momento e, portanto, não
era um possível rival. Quanto a Tess, naquele momento lhe ocorreu
pensar que pelo menos Felton, ao contrário de seu pai, parecia levar em
conta sua opinião quando se tratava de cavalos.
— Bem, —concluiu para si mesmo. Desta forma, deixaria claro para
Mayne que a mulher com quem ele pretendia se casar não era tão dócil e
submissa, pronta para se curvar aos seus desejos. — Volto daqui a pouco,
— disse, levantando-se e pegando o braço que Felton lhe oferecia. Foi
recompensada com um sorriso luminoso, que ela não esperava ver em
um rosto que parecia geralmente distante e mal-humorado.
Mayne não poupou seus sorrisos na última hora. Cada um era como
uma carícia, uma promessa, um sinal de suas intenções, da aspiração de
se tornar seu marido. E, no entanto, nenhum daqueles sorrisos tinha um
efeito comparável ao de Felton.
— Ele não tem interesse em mim, — lembrou a si mesma.
Como se para confirmar sua convicção, Lucius a levou direto até a
tenda e perguntou: — O que você acha daquele cavalo?
3
Era um cinza manchado de branco esplêndido . Ele se aproximou,
dando uma impressão de poder e fluência, até que o condutor que o
guiava o segurou. O cavalo então teve um sobressalto súbito e sacudiu,
forçando o jóquei a se equilibrar para ficar na sela. Tess riu.
— Eu pensei o mesmo, — disse Felton, em um tom satisfeito.
Ela o olhou. — Não disse uma palavra.
— Não, mas olhando para o cavalo, você leu na cara dele o que estava
em sua mente. E eu, olhando para você, entendi.
Houve um momento de doloroso embaraço quando seus olhos se
encontraram antes que ela desviasse o olhar. — Seria melhor se...
O cinzento se afastou, indo em direção à pista, pronto, Tess não
duvidou, para correr para vencer.
Eles voltaram diretamente para os outros nas arquibancadas. Felton
já não lhe oferecia o braço, não sorria de novo para ela, nem dava
nenhum sinal que... que...
— Posso te levar ao jardim agora? — Mayne disse assim que a viu.
Suas intenções eram cada vez mais claras.
Tess olhou instintivamente para Felton. Pela primeira vez, ele não
estava examinando a pista através de binóculos. Em vez disso, olhava
para os dois, insinuando que sabia bem o que o conde estava prestes a
fazer e que não tinha intenção de interferir.
Então virou e foi se sentar ao lado de Annabel, que o acolheu com
evidente entusiasmo. Tess teve a impressão de que ele não estava menos
satisfeito do que sua irmã.
Então se levantou e colocou a mão no braço do conde. O tecido do
paletó, por baixo dos dedos, era liso como seda. — Vou com muito
prazer, — disse a ele.
Andou com ele, mostrando que estava completamente inconsciente
de Felton.
Chegaram abaixo de uma macieira e pararam. Parecia estarem
dentro de uma performance teatral.
Mayne pegou uma maçã do ramo e entregou a ela, que aceitou
graciosamente.
Ele beijou sua mão e olhou em seus olhos. Perguntou a ela a questão
decisiva; Tess respondeu com um aceno de assentimento (discretamente
soltando a maçã no chão). Mayne, depois de pedir sua permissão, tocou
sua bochecha com um beijo. Ela sorriu para ele e ele a beijou novamente,
desta vez em sua boca. Foi tudo muito agradável.
Ele pegou o braço dela novamente e eles refizeram seus passos,
futuro marido e mulher.
Ou melhor, futuros conde e condessa de Mayne.
CAPÍTULO 15
Se havia uma coisa no mundo que Imogen amava talvez mais do que
Draven Maitland era Posy, sua égua. Por algum tempo ela também foi a
égua favorita de seu pai. Agora ela estava movendo as orelhas para
frente e para trás enquanto escutava as palavras afetuosas e elogios que
Imogen fazia.
Papai logo perdeu seu amor: Posy não tinha a vontade de competir
em seu sangue. Preferia prosseguir em um pequeno galope. Em outras
palavras, ela era preguiçosa.
— Não é feita para as corridas, — o pai de Imogen havia dito um dia,
em tom de desgosto. A partir de então, quando passava em frente à baia
de Posy, apenas lhe dava um tapinha no rosto, sem prestar atenção ao
véu de tristeza que a égua tinha em seus olhos, especialmente quando o
via abraçar Balladino, a nova grande esperança do estábulo da família.
Imogen tinha esperado que Balladino vencesse sua primeira corrida
(isso foi pouco antes do pobre cavalo colidir de frente com outro durante
o treinamento, danificando seriamente a articulação de um casco).
Assim que viu seu pai se vangloriando com a vitória, ela aproveitou a
oportunidade para perguntar se poderia ter Posy para si mesma. Ele
realmente estava em um estado particular de graça, porque tinha
consentido. Em poucas semanas, a égua se apaixonara por Imogen e
deixara de ficar triste porque seu pai a negligenciara. Imogen nunca
entrava nos estábulos sem lhe trazer algo de bom para comer e sem
fazer carinhos afetuosos no focinho.
Em resumo, Imogen a amava muito, e se não podia ter o homem que
fazia suas pernas moles e virava sua cabeça... só podia se consolar com
Posy.
— Oh, Posy, —sussurrou, inclinando uma bochecha ternamente na
crina da égua. Posy respondeu com um ligeiro relincho, virando o rosto
para ela e babando algumas gotas de saliva em seu braço.
— Devo selar para você, senhorita? — Ridley, o chefe dos estábulos,
veio até a porta. Ele era um tipo magro com poucos dentes em sua boca.
Estranhamente, no entanto, todas essas lacunas entre os poucos dentes
restantes fizeram seu sorriso mais agradável.
— Sim, Ridley, obrigada.
Ridley conduziu Posy para o pátio principal e selou-a com gestos
rápidos e confiantes. — O lacaio vai estar aqui daqui a pouco, — disse ele.
— O lacaio?
Ridley acenou com a cabeça quando terminou de apertar a cilha.
— É realmente necessário? Estou acostumada a andar sozinha.
Ridley considerou a situação por um momento. — Em Londres, isso
não seria possível, é claro, —respondeu. — É inconcebível que uma
garota ande a cavalo sem escolta. Mas se você ficar dentro da
propriedade do duque, é difícil encontrar alguém. No entanto, eu me
sentiria muito mais calmo se você fosse acompanhada por um lacaio, ou
mesmo por sua criada.
— Eu não quero ninguém, — Imogen decidiu com firmeza. Houve
uma geada fora de temporada na noite anterior, e os paralelepípedos
ainda estavam cobertos por uma crosta escorregadia e reluzente. O ar
frio do início da manhã teria servido bem para fazê-la esquecer a dor
que sentia toda vez que ouvia lady Clarice tagarelar sobre o casamento
do filho com Miss Pythian-Adams, e viu Draven aceitando-a
passivamente. — Eu vou sozinha, — disse.
Ridley assentiu sem muito entusiasmo. — As terras de sua graça se
estendem até onde os olhos podem ver em direção ao sul e até aquela
fileira de árvores a oeste. Depois começa a propriedade dos Maitland —
informou a ela. — Não vá para o norte, porque você se arriscaria a
encontrar a estrada subitamente cortada pelo rio. Já aconteceu várias
vezes que alguém tenha terminado o seu percurso com um bom
mergulho. Apenas me diga o caminho que você pretende ir, senhorita,
então poderei enviar alguém para procurá-la, se você não voltar.
Imogen viu sua expressão determinada e entendeu que não poderia
evitar responder essa pergunta. — Eu vou... vou para o oeste, —
respondeu com um suspiro. Obviamente, essa era a direção que o
coração dela a empurrava. As terras de Draven Maitland estavam lá. —
Volto em uma hora. Minha Posy é bastante delicada, sofre com o frio.
— Você vai acabar congelada se ficar fora por mais de uma hora, —
observou Ridley enquanto a ajudava a subir na sela.
A égua balançou a cabeça e raspou o chão com um casco. — Não se
preocupe, Ridley, — disse Imogen. — Posy não tem o hábito de correr em
direção à água.
— Ainda me sentiria muito mais calmo se você tivesse uma escolta,
— disse o homem, dando à besta um pedaço de cenoura. — Por favor,
senhorita, não vá muito longe.
Imogen subiu na sela e atravessou o portão do pátio, prosseguiu
devagar e entrou em um campo plantado com grama. Atravessando este,
e talvez outro, pensou Imogen, deveria ter alcançado a propriedade de
Maitland. Posy trotou em silêncio pela grama coberta por uma camada
de gelo, que desenhava rabiscos fantásticos, como uma grande renda.
Estava frio, mas o céu estava claro e, com o passar das horas, o sol
tornaria a temperatura menos rígida.
Claro que poderia viver sem Draven. Claro que podia. Só que ele era
tão... tão...
— Vamos acelerar um pouco, Posy, —disse, incitando de leve a égua.
Posy bufou e se apressou. Primeiro trotou e depois se jogou em um
galope no campo coberto de gelo.
Houve um grande silêncio; o único ruído era aquele produzido pelos
cascos do cavalo. Imogen se perguntou se não era o caso de voltar, mas...
Conduziu Posy por uma fileira de bétulas, localizada na fronteira
entre as terras do duque e de Maitland. O coração começou a bater
abruptamente e a bombear o sangue tão forte que reverberou dentro
dos ouvidos. Posy se sacudiu, deixando claro que a caminhada, do ponto
de vista dela, já havia demorado demais.
— Só mais um minuto, — disse Imogen, acariciando seu pescoço. A
égua bateu no chão com uma das patas dianteiras e se sacudiu
novamente. Ela estava suando após a breve corrida, e Imogen sabia que
era hora de levá-la de volta ao estábulo, antes que o suor congelasse
sobre ela. Além disso, não havia nada para ver. Draven estava em outro
lugar, é claro, havia apenas uma grande casa de pedra imersa na fria luz
da manhã; com sua aparência severa e imponente, evocava uma nobreza
de linhagem antiga e uma riqueza tão grande quanto sólida, enfim, tudo
o que a tornava a candidata absolutamente incapaz de se casar com seu
herdeiro.
Imogen suspirou. Caminhou em direção à borda do jardim em frente
à casa.
Posy raspou o chão novamente e empinou um pouco, mostrando que
não tinha vontade de ir mais longe.
— Pare com isso, — Imogen repreendeu-a. — Ridley ficaria chocado
se visse como você se comporta.
Mas Posy empinou, mais forte, e para Imogen o mundo ao redor
assumiu um ângulo alarmante de inclinação, enquanto apertava os
joelhos para evitar ser jogada para fora de sua sela.
De repente, uma ideia maluca passou pela cabeça dela. Um tornozelo
muito bem torcido. Se caísse, certamente se machucaria em algum lugar.
Posy era particularmente alta e imponente. De fato, não havia
necessidade de se machucar seriamente, era o suficiente para fingir
estar ferida.
Olhou para baixo, medindo a distância que a separava do chão. Tess
não teria aprovado. Ela teria pensado que seria loucura imaginar uma
coisa dessas. Mas então a imagem de Draven apareceu em sua mente, o
olhar carinhoso que ele havia lançado na noite anterior. Se ao menos
pudesse ter passado mais tempo com ele... Tinha certeza de que poderia
conquistar seu coração, embora Miss Pythian-Adams fosse muito mais
bonita do que imaginara, de uma maneira quase irritante.
E enquanto estava fazendo essas reflexões, inadvertidamente soltou
as rédeas. Posy aproveitou a oportunidade para empinar ainda mais,
acenando com as patas dianteiras no ar, com o ímpeto descontrolado de
um verdadeiro puro-sangue. Em um instante Imogen voou e bateu no
chão com força, enquanto se dizia que ela mais uma vez se comportara
como uma tola.
O golpe foi muito forte, tanto que imediatamente percebeu que não
precisaria fingir estar ferida. O tornozelo direito estava inchado e
dolorido como se alguém tivesse jogado água fervente sobre ele. Posy se
virou e olhou para ela, então sussurrou roucamente para ela: — Vá! Vá
para casa!
A égua se aproximou, curiosamente, mas Imogen estava muito
ocupada com seus problemas: a consciência de ter aprontado algo
grande, em primeiro lugar, e depois a dor, para a qual ela sempre tivera
um baixo limiar de tolerância. Então apenas repetiu: — Vá embora, Posy!
Saia!
Posy deu uma última olhada na grande casa de pedra e finalmente foi
embora na direção certa. Imogen esperava que não quisesse voltar para
a Escócia.
O tornozelo doía muito. Se seu pai a tivesse visto ali, certamente
teria dito a ela: — Aperte os dentes, querida —Ele sempre a chamava
assim, querida. Um nome afetuoso que ele usava indiferentemente tanto
para cavalos quanto para filhas. E ainda assim...
Imogen notou que suas bochechas estavam manchadas de lágrimas.
Seu pai tinha uma simpatia instintiva por Draven. Só que uma vez lhe
disse: — Eu não acho que ele iria se casar com uma garota escocesa,
querida.
E ela respondeu: — Ele deve se casar comigo, papai. Deve fazer isso.
Eu o amo.
Mas nem acabara de dizer e seu pai já estava com a cabeça em outro
lugar, entre seus amados cavalos, com certeza. — Claro, querida, o
coração não pode ser comandado, — disse, abraçando-a distraidamente.
Mas ela considerou essas palavras de seu pai como uma espécie de
aprovação cuidadosa e autoritária, mesmo se pensando novamente
sobre isso já não tinha tanta certeza. Passou os braços ao redor do corpo
e tentou ignorar a dor, que também se espalhou para o joelho.
Enquanto isso parecia estar vendo algum movimento dentro da casa.
Olhou naquela direção, tentando descobrir se não estava errada. Estava
começando a sentir uma aguda sensação de vergonha. Realmente tinha
sido inconsequente. Uma atrevida, como o pai sempre dizia a ela. Pior,
uma tola, disse a si mesmo, com uma careta de dor.
Um menino de uniforme doméstico correu para ela atravessando o
jardim. Acenou para ele, e o garoto recuou e voltou para dentro. Se não
aprendesse a lição desta vez, pensou Imogen, não aprenderia nunca
mais.
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
Holbrook Court.
No começo da tarde
CAPÍTULO 22
Na manhã seguinte
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
Meia hora antes do tempo previsto para o jantar, Tess bateu na porta
de comunicação entre o seu quarto com o do seu marido. Não sabia bem
qual era o procedimento mais apropriado entre duas pessoas casadas:
tinha que bater ou podia só abrir? De qualquer modo, a coisa lhe parecia
um pouco estranha. Por outro lado, se ele estivesse fazendo a higiene
pessoal... Forçando o ouvido atrás da porta, ouviu a voz de barítono de
Lucius dizer algo para o seu valete, e, em seguida, o som de seus passos
enquanto vinha abrir sem nenhuma pressa.
— Boa noite, minha querida — disse.
Olhando para ele, Tess sentiu uma sensação muito estranha. Ele
estava lá, com uma expressão de questionamento sobre o rosto,
enquanto ela sentia os joelhos cederem e não conseguia pensar em mais
nada além de dar a ele um beijo. Pareceu de repente que seu espartilho
era muito apertado, e que a impedia de respirar. A essa altura, essa
reação já deveria ser familiar para ela, mesmo que fosse pior a cada vez.
O problema era que Lucius não parecia ser afetado da mesma
maneira por sua presença. Ele se mostrava sempre educado e amigável
quando se encontravam no café da manhã ou no jantar, ou
aleatoriamente ao longo de um corredor. As raras vezes que ela se
aventurava em seu escritório, para pedir algum conselho sobre algo
referente à casa, foi pródigo de conselhos. Mas não ia além disso, ele não
parecia como ela, faminto por suas carícias.
Essa tarde, por exemplo, quando entrou no escritório para pedir
explicações sobre a pulseira de diamantes que de repente apareceu em
seu travesseiro, foi o suficiente ver o sofá de estilo império coberto em
seda carmesim para se sentir inflamada por uma irreprimível fantasia
erótica. Mas quando sentou no braço da cadeira em que ele estava
sentado, tentando distraí-lo de seus negócios, Lucius continuou frio e
distante.
Escapando de seus beijos, ele tinha dito em um tom educado, mas
firme, que tinha trabalho para fazer. Assim, Tess tinha insistido em dar-
lhe um beijo de gratidão, mas em seguida ele tinha mais uma vez pedido
para que o deixasse sozinho, retribuindo com um beijo formal na
bochecha. E quando ela, em uma forma muito sem-vergonha, tentou
continuar os carinhos apoiando a cabeça em seu peito, Lucius se afastou
às pressas para trás, tão rápido que ela quase perdeu o equilíbrio. Em
suma, ele tinha de fato a colocado porta a fora.
Só no final da noite, depois de ter tomado banho e de ter se vestido
para a noite, Lucius abandonava a sua postura rígida e voltava a ser um
marido. Então, para compensar, em seus olhos brilhava uma luz
apaixonada e seu interesse parecia sincero.
No entanto, aparentemente, só ela continuava a meditar, mesmo
durante o dia sobre o que eles faziam a noite.
Como agora, por exemplo, toda vestida com um lindo vestido azul
fosco não conseguiu pensar em outra coisa que, a noite anterior, quando
ele tinha afundado o rosto em sua barriga... e mais para baixo. Ela tinha
as bochechas em chamas, por se lembrar.
— Posso ajudá-la de alguma forma? — perguntou Lucius, entrando
naquele momento no quarto.
— Eu tenho algumas dificuldades em decidir o que vestir, esta noite
— disse Tess, buscando coragem. — Nunca tive tantas possibilidades de
escolha na minha vida. O que você acha mais adequado, o de veludo, ou
o de seda? — Ela apontou para os dois vestidos, que estavam sobre a
cama.
Ele se aproximou para olhar melhor e disse: — Eu escolhi este veludo
negro?
— Não, não foi você — ela respondeu, ofendida. — Que eu me lembre,
sempre escolhi eu mesma todas as minhas roupas. Você se limitou a me
dar alguns conselhos.
— Você não está mais de luto. Coloque o verde. O preto é um pouco
triste, não acha?
— Não, o preto é muito elegante — respondeu Tess, em um choque
de orgulho. Porque ele nunca queria fazer amor, se não após o pôr do
sol? Ele respeitava alguma espécie de tabela do tempo?
— Prefiro você vestida de modo menos triste — disse Lúcio,
inclinando-se em uma das colunas da cama.
— Eu acho que eu vou colocar o de veludo preto — disse ela, por puro
espírito de contradição. Então, para aumentar a dosagem, deu as costas a
ele e disse: — Se você quiser for amável para apertar o espartilho... A
criada está ocupada na cozinha.
— Claro, — ele murmurou, indo até ela.Tess não conseguiu não
estremecer quando ele a tocou. Só de saber que seu marido estava muito
perto, por trás dos seus ombros, teve como efeito imediato uma espécie
de languidez no estômago. Ele apertou o espartilho, e os seios,
espremidos daquela forma, pareciam no ponto de transbordarem do
decote, como se tivessem sido inflados. No entanto, não era o espartilho
que dava a tentadora sensação de que seus seios estavam túrgidos. Era a
lembrança da noite anterior. O coração bateu forte em seu peito com o
pensamento.
Por que permitia ao seu marido vê-la como uma mulher só quando
era hora de dormir? E somente quando eles estavam no seu quarto de
dormir? Do qual ele se afastava em silêncio durante a noite... outra coisa
que a incomodava muito, agora que pensava sobre isto.
Se afastou dele, e sentindo que ele a estava seguindo com o olhar,
olhos focados na cintura e nos quadris, se moveu propositalmente de
maneira sensual, uma coisa de todo incomum, até alguns dias antes. Deu
alguns passos, virou no meio do caminho e olhou para ele. — Me faça
outra cortesia, Lucius. O vestido.
Poucos momentos depois, foi envolvida pelo perfume de veludo
novo que estava sendo colocado sobre sua cabeça. Protegendo o
penteado, arrumou o vestido nos ombros. Não era nem um pouco triste.
Tinha um decote muito generoso, com as mangas que saiam abaixo dos
ombros até ao cotovelo. Mas acima de tudo, tinha o decote delimitado
por uma faixa suave de arminho, que pôs em destaque os seios.
Lucius tinha permanecido mudo. Virou-se lentamente em direção a
ele e perguntou, com estudada indiferença: — Então, você acha que
parece realmente tão insuportavelmente triste?
Ele se afastou da cama e veio em sua direção, com uma estranha luz
profunda nos olhos, como um lobo que observa a presa; ele não parecia
mais um cavalheiro perfeito.
Tess levantou ligeiramente a bainha da saia, mostrando as sandálias
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do tipo romano , amarradas no tornozelo, com uma fita de seda
prateada que brilhava a luz das velas.
Ele olhou para baixo, obediente, enquanto Tess arqueava o pé. — Que
tipo de sapatos que acompanham melhor este vestido, de acordo com
você? Salto baixo ou alto? Aqueles com o Salto alto têm uma fivela de
lado como os sapatos masculinos, um detalhe bastante bom, eu acho.
Lucius permaneceu um momento olhando para ela, em seguida, em
seu rosto apareceu um sorriso, um de esses seus raros sorrisos que
iluminavam do nada sua expressão. Tess sentiu uma emoção intensa
percorrê-la, quando o viu. — Se eu entendi direito, você quer me punir,
— disse ele. — Mesmo que eu não saiba o por quê.
Ele se agachou em frente a ela e amarrou os sapatos com saltos altos,
com os dedos que acariciavam a pele, fazendo-a estremecer.
— Bobagem — disse Tess, quando ele tinha terminado, virando em
direção ao espelho e pegando o colar de esmeraldas que ele a havia feito
encontrar no prato do café da manhã dois dias antes. — Você pode
fechar, Lucius?— E inclinou o pescoço, em um silencioso convite,
esperando para sentir na pele o contacto de seus dedos.
Ele pegou as esmeraldas, mas as colocou o novo na prateleira.
— O que você quer que eu faça, Tess?— Ele disse. — Além de ajudar
você a se vestir?
— Liberte-se, — ela sussurrou, corando de sua própria ousadia.
Encontrou seu olhar no espelho e caiu contra o seu peito.
Com o tremor de emoção sentiu os dedos dele traçarem uma linha
do pescoço para o esterno, e, em seguida, mais baixo para a elevação dos
seios.
— Nós somos esperados à mesa daqui a pouco— disse Lucius,
virando-a em sua direção e passando os lábios no mesmo caminho que
tinha desenhado primeiro com os dedos.
— Sim — murmurou Tess. Morria de vontade de afundar as mãos no
cabelo dele. Mas não pretendia ajudá-lo nem um pouco. Então se absteve
de...
— É de extrema má educação decepcionar o cozinheiro— apontou
Lucius, parando para beijar o oco entre os seios.
— Sim — disse ainda Tess, com um fio de voz. Ela não podia ao menos
colocar a mão em seu ombro? Não. Tinha que decidir por si mesmo, sem
qualquer solicitação.
De repente, Lucius endireitou-se e foi em direção à porta. Ele a abriu
e disse: — Por que não tomamos um aperitivo na sala de estar?
Tess olhou para ele com espanto. Ele havia decidido... ir embora? Ir
para o jantar?
Ele fez a escolha errada.
E cabia a ela, a sua esposa, dizer a ele.
Claro, Lucius, ainda no limiar, tinha voltado a ser o protótipo da
tranquilidade doméstica. Como se estivessem casados há quarenta anos!
Tess se disse que tinha que retomar o controle da situação.
— Devo dizer adeus a Chloe — informou a ele, virando em direção à
grande gaiola em um canto do quarto. Assim que eles se aproximaram,
Chloe começou a palrear e inclinou a cabeça para o lado, em um sinal de
saudação.
— Esse papagaio tem uma voz bastante estridente— disse Lucius, se
aproximando da gaiola. — Eu esperava que pudesse te fazer companhia
enquanto eu estava viajando a negócios, mas com todo esse barulho que
faz, não me parece que possa ser de muito conforto.
— Viaja sempre de noite? — perguntou Tess, enquanto puxava Chloe
fora da gaiola. — Me parece tão desconfortável.
— Eu regularmente vou e volto de Londres. Viajando à noite, não
perco um dia de trabalho.
— E vai encontrar os seus pais, quando está em Londres? — Tess
evitou de encontrar seus olhos, enquanto disse isso. Chloe saiu da gaiola
com um verso entusiasta, tentando se equilibrar em um dedo de sua
dona e agitando as asas para se manter em equilíbrio.
— Não deveriam ser passarinhos bonitos e bem educados? — disse
Lucius, irritado pelo comportamento de Chloe, que continuava a bater
furiosamente as asas, fazendo voar em torno as sementes contidas na
gaiola.
— Então, você se encontra com eles, quando está lá? — repetiu Tess.
— Nunca. E eles não vêm nunca me encontrar.
Era inútil insistir, é claro, a menos que quisesse passar por
intrometida. Enquanto isso, Chloe, mais e mais animada, subindo ao
longo do braço de Tess, tinha ido dar mordidinhas carinhosas no lóbulo
de uma orelha. Ela retornou suas atenções coçando o topo da cabeça,
enquanto Chloe resmungava, balançando de um lado para outro em suas
pernas.
Lucius observou com ar crítico. — Que animal engraçado, — disse
ele.— Você acha...
Mas ele parou abruptamente, vendo que Chloe, pela emoção, não
controlava mais os seus intestinos.
— Droga! — Ele rugiu.
— Não a assuste! — Repreendeu Tess, levantando o papagaio e
colocando-o de volta na gaiola. Chloe parecia entender que tinha feito
algo que não deveria, porque os seus sons tornaram-se muito mais
submissos, mesmo se não entendessem bem se estava realmente
arrependida ou se ria deles pelas costas.
Como sempre, a ira de Lucius foi de curta duração e deu espaço ao
espírito prático. — Como você vai fazer agora para tirar o vestido sem
sujar seu cabelo?
Nem Tess estava muito feliz, apesar do seu carinho por Chloe. — Eu
tenho que tirá-lo do alto em direção à parte inferior, é óbvio —
respondeu. — Dê-me uma mão, Lucius, eu imploro.
— Por baixo? — disse duvidoso.
Com algum contorcionismo, Tess tirou os braços das mangas e
começou a puxar para baixo o corpete. Explodindo em uma risadinha,
olhou para Lucius, com ar aparentemente indiferente, e disse: — Seria
mais fácil se você fizesse isso.
Ele então puxou para baixo, com cuidado, o vestido de veludo preto,
fazendo com que deslizasse sob os seios, a cintura, os quadris, até que
ela levantou o pé para permitir que ele completasse o trabalho.
— E também o espartilho — disse ainda Tess, ficando de costas. — Eu
tenho que tomar um banho.
Lucius começou a tarefa, e ela mordeu seus lábios para não sorrir.
Chloe tinha tornado a parlear tranquila, e Tess prometeu a si mesmo
para compensá-la no dia seguinte com uma dose adicional de alpiste.
Os laços foram desatados, e Tess puxou para fora rapidamente o
corpete, tirando até mesmo a roupa de baixo, e jogando-a em um canto.
Naquele momento usava só um par de calcinhas longas até ao joelho (de
linho delicado, a última moda, vindo diretamente de Paris), as meias e os
sapatos com saltos mais altos.
— Eu temo que vá me atrasar para o jantar, Lucius — disse, virando
em sua direção. — O cozinheiro ficará muito chateado.
Foi para o banheiro, colocou um pé sobre um banquinho e começou
a desamarrar um sapato.
Um momento depois, ele estava lá, encostado nas suas costas. — Eu
deveria enlouquecer, hein? —sussurrou, roçando com a boca os cabelos,
enquanto rodeava com os quadris uma mão e a apertava contra si. Em
sua voz havia uma nota ao mesmo tempo divertida e imperiosa, mas
acima de tudo, cheia de desejo.
— Sim — ela conseguiu responder.
Foi tudo o que conseguiu dizer por pelo menos uma hora. Então,
como uma bêbada, ela murmurou: — De novo? Como antes?
Desta vez, Lucius estava demasiado cansado para deslizar no coração
da noite e ir para Londres. Quando Tess despertou, de fato, no início da
manhã seguinte, viu deitado próximo a ela o físico poderoso de um
homem.
— e... Londres? —ela sussurrou em seu ouvido.
— Não hoje — respondeu Lucius, com voz arrastada.
Ela lhe sussurrou, em seguida, outra coisa.
— De novo?— disse ele, com tom divertido. — Como antes?
Então disse: — Uau, em um casamento existem lados realmente
surpreendentes.
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
Maitland House
10 de outubro
Querida Tess,
Eu lamento muito ter de informar que Imogen não está ainda pronta para
fazer as pazes com você, sua carinhosa irmã mais velha. Lady Clarice sem
querer, piorou ainda mais a situação, dizendo-lhe que tinha escolhido Miss
Pythian-Adams como noiva para seu filho apenas porque não gostava de ver os
cavalos sofrerem, e o resultado que esperava era que pudesse manter Draven
afastado das corridas. Imogen agora está convencida de que, se o seu amor por
Draven fosse realmente tão grande e sincero, teria sido capaz de deixá-lo de
lado, permitindo-lhe que cassasse com Miss Pythian-Adams, e salvando desta
maneira sua vida. Um raciocínio tão absurdo que fica difícil combatê-lo, porque
seria necessário cair em seu próprio terreno. Francamente, estou preocupada
por ela. Não aceita que Draven não existe mais, e as vezes fala como se ele só
estivesse momentaneamente ausente, ou embarcado em uma viagem.
Você escreveu que gostaria de nos levar a Londres com você e seu marido,
mas acho melhor para Imogen que você desista do projeto no momento. Josie se
sente confortável aqui na casa de Rafe e está satisfeita com sua governanta.
Lady Griselda se declarou pronta para fornecer seu apoio por todo o tempo que
será necessário. Eu estou com Imogen, e mesmo que espere ser capaz de
encontrá-los em Londres para o início da temporada, certamente não posso
deixá-la sozinha nestas condições.
Eu sei que vou revê-la amanhã no funeral, mas considerei apropriado
escrever esta carta para informá-la de como vão as coisas com Imogen. Temo
que ela ainda vá estar fria com você, e sei que isso vai entristecê-la muito; mas
você deve entender que ainda está muito perturbada para ver as coisas de modo
lúcido e racional.
Um abraço afetuoso de sua
Annabel
CAPÍTULO 36
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Mineral vermelho a base de mercúrio.
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Pelo de cor avermelhado
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Noite de Reis - https://pt.wikipedia.org/wiki/Twelfth_Night
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