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Eloisa James

Tudo por você


FICHA TÉCNICA

“TUDO POR VOCÊ”


Copyright © 2004 by Eloisa James
Título Original: Much Ado About You
Tradução: C. Veiga
Revisão: D. Silva
Distribuição: MR & LRTH
Capa: MR
Epub: D. Silva
Todos os direitos reservados.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são produtos da imaginação
do autor ou são usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos ou localidades é total e simplesmente uma coincidência.
 
SINOPSE

As irmãs Essex, órfãs do visconde Brydone, são recebidas na casa do duque


de Holbrook.
No exato momento em que Tess, a mais velha das quatro garotas, conhece
Lucius Felton, um amigo rico de seu benfeitor, surge a centelha da paixão.
Agora a reputação de suas irmãs está em perigo: Tess deve se casar, mas
Lucius hesita.
Pode realmente desistir dela?
 
CAPÍTULO 1

Holbrook Court, residência do duque de Holbrook, perto da cidade de


Silchester
Setembro de 1816, tarde.

— Tenho o prazer de anunciar que os cavalinhos de balanço foram


entregues, sua graça. Se você quiser vir inspecioná-los, eu os levei para o
berçário. As meninas ainda não chegaram.
Raphael Jourdain, duque de Holbrook, parou de atiçar o fogo na
lareira monumental de seu escritório e se virou. No tom compassivo de
Brinkley, o mordomo, havia claramente uma nota de aborrecimento. Sua
insatisfação com a perspectiva de ter que cuidar de quatro garotinhas
vivazes, era compartilhada pelo resto da equipe, composta
principalmente por empregados idosos. Bem, eles também teriam que se
adaptar à nova situação, pensou Rafe. Ele não pedira para ter pirralhos
pela casa.
—Cavalos de balanço? —comentou uma voz arrastada, vindo da
poltrona localizada à direita da lareira. —Que ideia maravilhosa, Rafe.
Ideia maravilhosa. Nunca é cedo demais para familiarizar as jovens
gerações com aquele nobre quadrúpede que é o cavalo. —Garret
Langham, conde de Mayne, levantou o copo para o dono da casa. Seus
cachos negros estavam em fascinante desordem, sua língua muito
afiada, e seus modos francos e abruptos beiravam a arrogância. Nos
últimos meses, em particular, ele ficou irritado e seus comentários
sempre foram cínicos e sarcásticos. —A sua saúde, e a de suas jovens
aprendizes de esportes equestres, — acrescentou, bebendo o conteúdo
de seu copo em um só fôlego.
—Pare com isso! —Rafe retrucou, mas sem levar muito a sério.
Mayne era a companhia menos adequada naquele momento com suas
piadas venenosas e humor negro. Mas era de se esperar que, com o
tempo, ele se curasse de seu estado, fruto, como lhe dissera, de uma
recente decepção amorosa.
—Por que falamos de cavalos, no plural? —Perguntou Mayne. —Que
eu me lembre, nas creches, em geral, tem só um cavalo de balanço.
Rafe tomou um gole de conhaque. — Eu não entendo muito de
crianças, —ele disse, — mas lembro bem que meu irmão e eu estávamos
sempre brigando pelos mesmos brinquedos. Então eu comprei quatro.
Seguiu-se um momento de silêncio, enquanto o conde se perguntava
até que ponto Rafe sentia falta de seu irmão, que morrera cinco anos
antes. Ele deixou de lado a ideia de questioná-lo sobre o assunto. Decidiu
decididamente que era melhor banir as melancolias.
— Você realmente quer conquistar os corações dessas pequenas,
aparentemente, —disse em vez. —Em geral, aqueles que são
encarregados da tarefa de orientar um órfão, o entregam a uma
governanta e lavam as mãos. Afinal, você não tem conexão de sangue
com elas.
— Todos os bonecos do mundo não seriam suficientes para
compensar a cruel privação que sofreram, —disse Rafe, encolhendo os
ombros. —É claro que o pai delas deveria ter pensado um pouco mais
sobre as responsabilidades que ele tinha em relação a elas, quando
decidiu desafiar seu destino montando um garanhão.
A conversa estava vagando perigosamente em direção ao tipo de
emoção que Mayne queria evitar a todo custo. — Vamos dar uma olhada
nesses cavalos, —ele exclamou, abruptamente abandonando a cadeira. —
Faz anos desde que eu tive a chance de ver um.
— Certo, —disse Rafe, prontamente colocando o copo na mesa. —
Brinkley, se as meninas chegarem enquanto isto, leve-as para o andar de
cima, vou levá-las direto para o berçário.

UM POUCO MAIS TARDE, os dois homens encontraram-se no meio de


uma grande sala no segundo andar. As paredes eram decoradas de
maneira vivaz, com pinturas tiradas das fábulas mais conhecidas. Quatro
bonecas com longos cachos dourados alinhados em um banco. Mais
quatro estavam nas quatro camas, e havia então tantas mesas, cada uma
com um número igual de caixas surpresa. No meio de tudo isso, quatro
cavalos de balanço se destacavam, com crinas espessas de crina de
cavalo autêntica, cuja cabeça batia na cintura de um homem.
— Céus, —disse Mayne.
Avançando em direção ao centro da sala, Rafe tropeçou no suporte
curvo de um dos cavalos, fazendo-o balançar ruidosamente de um lado
para o outro no chão de madeira. Uma porta lateral se abriu e uma
enorme mulher com um avental branco apareceu.
— Oh, você chegou, sua graça, — disse ela, sorrindo amplamente. —
Estamos aqui esperando pelas pequeninas. Você quer ver as novas babás
agora?
—Deixe-a entrar, Sra. Bee
Quatro jovens babás entraram na sala atrás dela. — Daisy, Gussie,
Elsie e Mary, — sua velha babá as apresentou. — Elas são da vila, sua
graça, e estão felizes de trabalhar em Holbrook Court. Estamos todas
ansiosas para abraçar estes anjinhos. — As babás se alinharam dos dois
lados da Sra. Beeswick, sorrindo e inclinado as cabeças.
— Céus, — repetiu Mayne. — Também quatro babás? Não são demais,
Rafe?
— Por que? Entre meu irmão e eu tínhamos três.
— Três?
— Duas para meu irmão, a partir do momento no qual herdou o
título de Duque, com sete anos, e uma para mim.
Mayne bufou. — É um absurdo. Quando foi a última vez que você
encontrou o pai de suas pupilas, lord Brydone?
— Ah, faz muitos anos — disse Rafe, pegando uma das caixas de
surpresa e acionando o mecanismo de mola que fazia saltar o boneco. —
Toda a questão foi tratada por cartas. Ele me escreveu e eu aceitei.
— Nunca viu as meninas que foram entregues a sua proteção?
— Não. Faz anos que não vou à Escócia, e Brydone vinha para cá
apenas para os principais eventos de cavalos, Ascot, Silchester, e
também, mas nem sempre, Newmarket. Com toda honestidade, acho que
ele se importava apenas com os cavalos e não se importava muito com
todo o resto. Ele nem se incomodou em ter os nomes de suas filhas
incluídos em seu registro heráldico. Obviamente, dado que são quatro
mulheres, não falamos em herança. A propriedade da família foi para um
primo distante.
— Por que diabos... — Mayne olhou para as cinco mulheres na sala e
se controlou.
— Ele me pediu esse favor, e eu não pensei duas vezes sobre isso, —
Rafe respondeu com um encolher de ombros. — Monkton, que era o
candidato mais lógico para assumir a proteção das crianças, morreu ano
passado. Então Brydone me pediu para assumir. Quem poderia ter
pensado que ele também morreria em seguida? Foi um acidente
inesperado: aquele cavalo o jogou da sela. Embora ele tenha cometido
uma grande imprudência, montar um garanhão jovem ainda não
completamente domado.
— Nunca imaginei você como pai, — disse Mayne.
— Eu não tinha desculpa que me permitisse escapar. Graças a Deus,
eu sou rico o suficiente para criar tantos filhos quanto eu quiser. Além
disso, Brydone me ofereceu Starling, como um agradecimento. Escrevi
para ele que aceitava ser nomeado guardião, de qualquer maneira, e que
não era necessário nenhum incentivo. Mas mesmo assim ele o enviou da
Escócia, e certamente um cavalo como aquele, ninguém sonharia em
rejeitar.
— Starling é o filho de Standout, não é?
Rafe assentiu. — Patchem é seu irmão. Os melhores cavalos de
Brydone são seus descendentes diretos. Não há outros na Inglaterra que
possam se gabar de uma linhagem tão alta. Saúdo a esperança de que
Starling ganhe o Derby no próximo ano, mesmo que não venha
diretamente de Patchem, mas tenha apenas o pai em comum.
— O que acontecerá com os filhos de Patchem? — perguntou Mayne,
com o fervoroso interesse que era típico quando se falava em cavalos. —
Something Wanton, por exemplo?
— Eu não sei ainda. Obviamente, os estábulos são excluídos do eixo
hereditário. Eu enviei meu secretário para lidar com esses assuntos. Se
os cavalos de Brydone forem para suas filhas, eu os leiloarei e
depositarei os lucros em um fundo fiduciário. As meninas precisarão de
um dote mais cedo ou mais tarde, e eu não acho que Brydone tenha se
dado ao trabalho de fazer algo a respeito.
— Se Wanton for colocado à venda, serei seu novo dono. Estou pronto
para gastar algum dinheiro para consegui-lo. Não poderia haver uma
compra melhor para o meu estábulo.
— Eu também ficaria muito feliz em tê-lo no meu, — Rafe concordou.
Nesse meio tempo, Mayne encontrara uma pilha de miniaturas de
cavalos de ferro forjado, rearranjando-os de acordo com a cor da capa,
de modo que cada carrinho de brinquedo fosse puxado por um par bem
combinado. — Hum, eles são muito fofos, — ele disse, quando terminou
de alinhar cavalos e carruagens no suporte da lareira. — Aposto que
quando suas protegidas virem essa enxurrada de brinquedos, todos esses
cavalos, balanço ou não, não terão nenhuma saudades por sua dura terra
natal, a longínqua Escócia. Pena que não há nem mesmo um menino
entre eles.
Rafe olhou para ele pensativo. O conde era um de seus amigos mais
queridos e sempre permaneceria assim. Mas, tendo sempre vivido uma
vida confortável, sem trauma, protegido de qualquer preocupação, não
tinha familiaridade com a dimensão da dor. Rafe sabia muito bem o que
significava sentir-se sozinho, mesmo em um berçário confortável.
Toneladas de brinquedos nunca poderiam preencher o vazio deixado
pela morte de um pai. — Eu não acho que você...
Nesse mesmo momento, a porta se abriu. Rafe parou e se virou.
Brinkley apareceu na porta, parecendo estranhamente desajeitado,
para um mordomo de sua experiência. Não aconteciam todos os dias
surpresa como o que ele estava prestes a dar a seu patrão. — Tenho o
prazer de anunciar a Miss Essex. E novamente Miss Imogen, Miss
Annabel e Miss Josephine.
Então ele acrescentou, incapaz de resistir à tentação de enfatizar o
lado cômico da questão: — As garotas chegaram, sua graça.

 
CAPÍTULO 2

A primeira coisa que Teresa Essex notou foi que os dois ingleses
estavam brincando com alguns brinquedos. Brinquedos! Se lembrou de
tudo aquilo que sempre escutou sobre os ingleses: Frágeis, fracos,
imaturos, morriam de frio com o primeiro ventinho.
Entretanto, eram somente homens, embora em uma versão inglesa.
Tess tinha um pouco mais de dezesseis anos quando percebeu que os
homens tinham uma visão um tanto quanto ampla da noção de
brinquedos. Dando uma olhada para Josie e tocando levemente nas costas
de Imogen, fez com que as irmãs se colocassem de modo perfeitamente
alinhado. Annabel já estava alinhada, a cabeça levemente inclinada de
lado, para ressaltar de modo mais eficiente os reflexos dourados dos
seus belos cabelos louro mel.
Os dois cavalheiros, enquanto isso, olhavam para elas com uma
expressão atônita, aturdidos demais, mesmo para dois ingleses. Uma
coisa um pouco embaraçosa. Eles não eram as criaturas frágeis e com
pernas finas e secas que ela esperava ver, com base nas descrições que
ouvira. Um dos dois parecia ter surgido de uma ilustração de uma
revista de moda, devido à sua vestimenta elegante e grossos cachos
negros. Ele não parecia um dândi, no entanto. Os dândis não tinham
aquele brilho malicioso em seus olhos. O outro era alto, com um pouco
de barriga e uma massa emaranhada de cabelos castanhos, com um tufo
caindo sobre a testa. Um lobo solitário, talvez.
— Bem, — Tess disse finalmente, porque ninguém falava. —
Lamentamos ter interrompido enquanto vocês estão tão ocupados. —
Disse isso com uma dose apropriada de ironia, apenas uma nuance. Para
que entendessem que, só porque eram belezas rudes das campanhas da
Escócia, que poderiam ser deixadas em um canto da sala e ignoradas.
Afinal, elas eram damas, mesmo que não estivessem vestidas de moda.
O mais elegante se curvou e deu um passo à frente, dizendo: — Que
surpresa maravilhosa, Miss Essex. Tenho o prazer de conhecê-la.
Tinha algo de errado com o tom de sua voz, como se fizesse força
para não rir. De qualquer maneira beijou sua mão muita elegância.
Neste momento, também o mais alto, o Lobo solitário, se mexeu,
como um cão que tira a água de seus pelos molhados, e se aproximou. —
Perdoe a minha falta de modos — disse. — Sou Rafe Jourdain, Duque de
Holbrook. Receio que houve uma má interpretação quanto a idade de
vocês.
— A nossa idade? — Tess levantou graciosamente as sobrancelhas,
compreendendo subitamente porque tinham tantos brinquedos e
porque o quarto estava decorado de modo tão vistoso. — Vocês achavam
que ainda fossemos crianças?
O duque assentiu, inclinando a cabeça ligeiramente em saudação,
com a compostura natural daqueles que pertenciam ao belo mundo por
nascimento, mesmo que o cabelo despenteado mostrasse uma profunda
aversão ao uso do pente. — Vou te dar todas as minhas desculpas. Eu
estava erroneamente convencido de que você era muito mais jovem.
— Jovens! – exclamou Tess. — Olhando em volta, tenho a impressão
de que você achava que ainda usávamos fraldas! — Nesse meio tempo,
notou a babá mais velha, as quatro babás de avental branco que estavam
ali de boca aberta, os cavalos de balanço, as bonecas. — Papai não te
contou...
Mas se interrompeu bruscamente. Certamente que seu pai não falara
nada. Tinha certamente falado com o duque da idade de Starling, do
cavalgar ligeiro de Something Wanton, ou daquilo que Lady of Pleasure
preferia comer antes de uma corrida, deixando de lado qualquer aceno à
idade de suas filhas.
Então, o tutor tinha segurado sua mão, dando-lhe um sorriso, e o
gesto aqueceu seu coração, dissipando a amargura. — Desatento como
sou, certamente me esqueci de pedir ao seu pai os esclarecimentos
necessários. Além disso, nunca imaginei que o destino necessitasse de
minha intervenção. De fato, a esse respeito, deixe-me expressar minha
sincera simpatia pela dor causada por uma perda tão grave, Miss Essex.
Tess ficou parada por um momento, sem fala. Os olhos do duque,
notou, eram de uma estranha cor cinza-azulada. Também ficou
impressionada com a bondade manifesta do homem, apesar do cabelo
despenteado que o fazia parecer um selvagem de Bornéu. Um sopro de
esperança entrou em seu coração, oprimido por mil medos.
— Claro, — ela respondeu. — Posso te apresentar minhas irmãs? Esta
é Imogen, — disse ela, voltando-se para sua irmã em questão. — Tem
apenas vinte anos. — Às vezes achava que Imogen era ainda mais bonita
que Annabel (o que não era fácil). Ela tinha os mesmos cabelos lisos e
negros e os olhos sorridentes de sua pobre mãe, mas a boca... só ela, de
todos, tinha uma boca tão linda. Atingia os homens como um soco no
estômago; o duque, aparentemente, não foi exceção.
Imogen, no entanto, não se importava com o efeito sobre os homens,
porque ela estava apaixonada. Educadamente sorriu para o duque, no
entanto, e fez em uma graciosa reverência. Quando seu pai tinha algum
dinheiro no bolso, ele temporariamente assumiu uma governanta, para
que elas pudessem, ao menos, aprender a se comportar como jovens da
boa sociedade.
— Esta é Annabel— disse Tess, colocando a mão sobre o braço da
irmã. — Depois de mim, é a mais velha; tem vinte e dois anos. — Se
Imogen era indiferente com relação aos homens, Annabel, ao contrário,
parecia dominar a arte de seduzir desde que estava no berço. Deu ao
Duque um sorriso que falava de inocência e de algo mais, e o
cumprimentou com um tom entre acariciante e extasiado; mel com uma
ponta de limão.
O Duque segurou o tranco e não parecia estar ao ponto de se ajoelhar
aos seus pés. — Prazer em conhecê-la, Miss Annabel — disse, encostando
os lábios nas costas de sua mão.
— E Josephine — concluiu Tess. — Josie tem quinze anos e é ainda
uma estudante.
Tess notou que o duque já sorria para Josie, outro sinal
inquestionável de sua gentileza.
Se havia uma coisa que a deixava furiosa, era quando os homens
ficavam hipnotizados pelos modos de Annabel e não olhavam para a
pobre Josie.
— Não vale a pena beijar a minha mão também, — disse Josie
bruscamente.
— Posso apresentar a vocês um amigo meu? — O duque então
perguntou, como se não a tivesse ouvido, mas evitou de dar um quarto
beijo. — Garret Langham, conde de Mayne.
Annabel deu a Mayne um sorriso radiante, como uma menina de
quatro anos na frente de uma fatia de bolo. Não havia nada que Annabel
apreciasse mais que um homem talentoso, assim como todos os atributos
necessários, de um título nobre.
Mayne respondeu com um sorriso igualmente entusiástico, embora
Tess duvidasse que seu entusiasmo tivesse algo a ver com a ascendência
mais ou menos nobre de Annabel.
Quando as apresentações terminaram, o duque voltou-se para ela. —
Miss Essex, já que parece claro para mim que nenhuma de vocês está
interessada nesses... brinquedos, você quer me seguir até a sala de estar?
Temo que minha governanta precise de algum tempo para preparar os
quartos de forma mais apropriada, mas imagino que suas camareiras
não terão problemas em ajudá-las.
Tess corou. — Nós não trouxemos camareiras conosco.
— Nesse caso, — disse seu tutor, sem se alterar em nada, — podemos
empregar as quatro babás para esse fim, se você não tem nada contra
isso. — Ele apontou para as quatro mulheres, que estavam observando a
cena, alinhadas ao longo de uma parede, completamente
desconcertadas. — Tenho certeza de que a governanta poderá treiná-las
rapidamente para realizar sua nova tarefa.
— Você vai precisar de uma acompanhante, — disse Mayne, virando-
se para o duque. — Não é mais uma questão de administrar um berçário,
Rafe. Você deve arranjar imediatamente, para esta noite.
Claramente, esse pensamento ainda não havia passado pela cabeça
do duque. — Droga, vou ter que escrever uma nota para Lady Clarice,—
disse ele, passando a mão pelo cabelo emaranhado, — pedindo-lhe para
me fazer uma visita. Esperando que ela aceite vir, depois da última vez.
Receio que fui bastante rude, por assim dizer.
— Você tinha bebido alguns copos também, não é? — Perguntou
Mayne.
O duque inclinou a boca em uma careta perplexa.
— Eu a joguei fora de casa, agradeço ao céu não em um sentido físico.
Na verdade, não me lembro exatamente como foi. — De repente,
percebeu que Tess e suas irmãs o observavam, e então deu um sorriso
tranquilizador, dizendo sem remorso: — Minhas protegidas vão pensar
que sou um bêbado.
— Quem te conhece te ama, — disse o conde. — Minha querida Miss
Essex, as rosas vão florescer no inferno antes que o seu guardião não
termine a noite segurando um copo de conhaque.
— A propriedade de Lady Clarice fica ao lado da nossa, — explicou
Holbrook à Tess, ignorando o sarcasmo de seu amigo. — Espero que,
expressando por escrito todas as minhas desculpas, ela releve o
acidente, caso contrário eu não sei como faremos isso. Nós não podemos
passar a noite sob o mesmo teto sem uma acompanhante.
Mas Mayne não se permitiu ser silenciado. — A Lady em questão é
uma viúva e tem os olhos em seu guardião, — explicou ele às meninas. —
Eu acho que espera encontrá-lo um dia tão bêbado que não perceba que
ela já está fazendo os proclamas para anunciar o casamento deles.
Infelizmente para ela, no entanto, Rafe segura muito bem o álcool.
— Bobagem, — resmungou o duque, passando a mão pelo cabelo de
novo, mas apenas para acentuar sua aparência selvagem.
— Lady Clarice é uma otimista insubstituível, não importa se ela é
dez anos mais velha que Rafe, e com um filho que tem quase a idade
dele, — Mayne continuou implacavelmente.
— Maitland é muito mais novo que eu, — protestou o duque.
— Ele já passou os vinte faz tempo, — disse Mayne. — E isso significa
que sua mãe é pelo menos cinco anos mais velha que você.
Tess percebeu a reação animada de Imogen atrás dela e seu coração
apertou. Elas haviam feito de tudo para distrair Imogen de seu amor sem
esperança, um amor que beirava a adoração, por Lorde Maitland, e
descobrir agora que ele era seu vizinho não a tranquilizou. — Você está
se referindo a Draven Maitland, sua graça? — Ela perguntou, obedecendo
ao pedido silencioso que lera no olhar implorante de sua irmã.
— Então, você o conhece? — Pelo tom do duque, Tess teve a
impressão de que ele tinha muito pouca estima por aquele homem,
assim como ela. — Ele provavelmente vai querer acompanhar sua mãe
hoje à noite. Vou pedir aos dois para jantarem conosco. Enquanto isso,
imagino que você e suas irmãs querem descansar do cansado da jornada.
— Oh, claro, ficaríamos muito satisfeitas, — disse Tess, enquanto
Imogen dava um sorriso extasiado. O duque examinou com curiosidade
aquele sorriso, mas absteve-se de fazer comentários.
— Vocês podem se retirar para a suíte rosa, enquanto os criados
terminam de preparar seus quartos. — Dito isso, Holbrook deu o braço
para Tess, que o seguiu, não sem algum embaraço.
Os ingleses eram tão diferentes do que ela imaginara! Eles eram...
formidáveis. Tudo ao contrário ao que sempre ouvira sobre eles. Os
escoceses os descreveram de maneira desdenhosa como homúnculos
frágeis e fracotes, completamente inadequados para suportar o
desconforto ou o mau tempo. Ah, claro, também houve exceções. Lord
Maitland, para citar um, certamente era dotado de um físico
maravilhoso.
Até mesmo seu novo guardião era um tipo não convencional. Em
primeiro lugar, ele não possuía aquilo que era comumente atribuído à
figura de um duque. Não estava vestido de seda ou veludo. Em vez disso,
usava calças gastas, especialmente na região em volta da cintura, onde a
barriga era mais proeminente e uma camisa branca de algodão normal,
com as mangas arregaçadas, como se estivesse acostumado a
ocasionalmente dar uma mão aos ajudantes do estábulo.
Da mesma forma, sua voz não tinha nada aristocrático, embora fosse
agradável o suficiente. O duque tinha uma certa tendência a resmungar.
Ele também tinha linhas vistosas ao redor dos olhos, embora ainda fosse
relativamente jovem, cerca de trinta e cinco anos mais ou menos.
Precocemente definhado, essa foi a impressão que ele deu. Certamente
não era um que corria atrás das saias; os homens desse tipo Tess
cheirava-os a uma milha de distância. Limitara-se a demonstrar um
interesse educado pelas suas protegidas e nada mais.
E, no entanto, apesar do cabelo despenteado e do rosto
prematuramente desgastado, sua figura não tinha nada de inquietante.
Tess sentiu que a ansiedade com a qual havia encarado aquela
reunião começava, talvez só um pouco, a diminuir.
Aquele homem rude, que havia contratado quatro babás para tantas
órfãs, e que nunca se separava de seu copo de conhaque... não era um
tipo para ter medo.
Olhando pensativamente o tecido puído da camisa usada pelo duque,
disse: — Sou grata a você, sua graça, por ter aceitado essa tarefa. —
Vencendo o constrangimento, acrescentou: — Meu pai, infelizmente, era
um homem imprevisível, e às vezes, para conseguir se livra dos
problemas, foi forçado a se apoiar nos outros, de uma forma que, para
alguns, pode ser onerosa.
Holbrook parecia genuinamente surpreso. — Seus escrúpulos a
honram, minha querida, mas eles são totalmente injustificados.
— Estou falando sério, —insistiu Tess. — Eu...
— Eu também sou muito sério, — disse o duque. —Fui escolhido como
guardião em pelo menos vinte testamentos, Miss Essex. Eu sou um
duque, afinal de contas, e não sei por que devo me recusar a atender a
esses tipos de pedidos.
— Oh, —disse Tess, aturdida. Evidentemente, seu pai não foi o único
que tentou tirar vantagem de conhecer, ainda que superficialmente, o
duque.
Holbrook pegou a mão dela, confortando-a como um tio mais velho
teria feito. — Não tenha medo, Miss Essex, estou certo que nos daremos
bem. Não deve ser muito difícil encontrar uma governanta para a
pequena Josie. Por outro lado, encontrar uma acompanhante que não
seja muito chata ou incômoda exigirá uma consideração mais cuidadosa.
Mas não há nada para se preocupar.
Nos últimos meses, na verdade, Tess tinha feito nada além de se
preocupar e se perguntar sobre o que o destino tinha reservado para ela
e suas irmãs: seu tutor seria uma pessoa gentil e sensível, ou o expoente
típico da nobreza Inglesa, fanático por cavalos e competições equestres?
A cada vez, quando as irmãs a incomodavam com perguntas, ela
respondia, exibindo uma certeza que não sentia: — Tenho certeza de que
ele será um perfeito cavalheiro. Afinal, papai escolheu com o maior
cuidado.
Nada poderia ser mais falso, infelizmente. Em seu leito de morte, seu
pai a pegou pelo braço e disse: — Não se preocupe, Tess. Eu tenho uma
pessoa muito boa que vai cuidar de você. Pedi a ele depois que o pobre
Monkton partiu no ano passado. Eu conheço Holbrook há vários anos.
— Porque ele nunca veio te ver, pai?
— Não tive mais a chance de encontrá-lo, — respondeu seu pai, com
rosto branco quase como um travesseiro, enquanto o coração de Tess
estava apertado de medo. — Não se preocupe, minha filha. Eu encontrei
frequentemente seu nome sendo mencionado quando lia a Sporting
Magazine. Não vai perder nada para Something Wanton, Blue-bell e outros.
Ele se comprometeu por escrito. Eu também enviei Starling para selar
nosso acordo.
— Tenho certeza de que ele respeitará o compromisso, papai, —
dissera Tess, segurando em suas mãos aquela que seu pai tinha soltado,
como se tivesse subitamente adormecido. Então, o duque estava
comprometido em cuidar do precioso puro-sangue da escuderia de seu
pai... Mas que destino foi reservado para suas filhas?
Seu pai de repente abriu os olhos novamente.
— Vocês vão ficar bem com Holbrook, Tess. Cuide de suas irmãs no
meu lugar, você fará isso?
Ela pegou a mão dele, afastando os soluços que lhe apertavam a
garganta.
— É como se eu estivesse te observando de longe, através de uma
forte nevasca, — seu pai disse a ela em uma voz fraca.
— Oh, papai, — Tess sussurrou. — Eu te amo muito.
Ele balançou a cabeça, tentando reagir ao seu estado de prostração.
— Eu vou ver sua mãe de novo, não tenho dúvidas, — acrescentou,
pressionando os lábios em um sorriso pálido. Seu pai sempre foi muito
otimista, especialmente durante a semana anterior a uma grande mostra
de cavalos. Mas não aconteceu de ganhar muitas vezes.
— Sim, papai, — Tess havia murmurado, enxugando as lágrimas
escorrendo por suas bochechas.
— Minha doçura, — dissera o pai, e ela não entendera se estava se
referindo a ela ou à mãe.
— Não esqueça que o Wanton gosta de maçãs cozidas... Você vai
pensar em tudo, Tess?
— Claro que vou, papai. Assim que eu chegar, informarei ao duque
que Wanton tem com o estômago fraco.
— Eu não estava falando sobre isso, Tess, — seu pai a interrompeu
então, com um sorriso que definitivamente era para ela, não para outro.
— Annabel é linda demais, você sabe. E a doce Josie... — Ele ficou quieto
por um momento, depois acrescentou:—Maitland não é o homem certo
para Imogen. Tem uma cabeça louca, esse rapaz.
A essa altura, Tess também tinha os olhos cheios de lágrimas.
— Você é... — O pai dela parou, então, num sussurro, como se
estivesse falando enquanto dormia, ele disse: — Tess. Aquelas maçãs...
Mas desta vez ele adormeceu definitivamente. A partir de então,
embora ela e suas irmãs tivessem se fortalecido para tentar sacudi-lo,
falar de seus amados cavalos ou trazendo, como Josie, uma tigela de
maçãs cozidas, ele não acordara. Alguns dias depois, durante a noite, ele
foi embora, dormindo.
O funeral passou como um sonho envolto em cinza. Seu primo
gordo, que herdara a terra, aparecera com a esposa, uma mulher com
uma voz desajeitada, estúpida como uma galinha e duas criadas; Tess
fizera o melhor possível para deixá-los à vontade numa casa que nem
sequer tinha uma cama decente, com um colchão de penas. Quando o
secretário do duque chegou, para anunciar seu destino, conseguiu não
bombardeá-lo com perguntas, como estava tentada a fazer, sobre seu
tutor. Mesmo depois, enquanto o secretário do duque organizou a
expedição à Inglaterra dos puros-sangues de seu pai, assegurando-lhes
todos os confortos possíveis, considerou desnecessário fazer perguntas.
Os cavalos tinham saído muito antes delas. Este fato não deixava
dúvidas, em sua opinião, sobre quais eram as prioridades do Duque.
Então ela tentou tranquilizar Josie, tinha dito a Imogen que se não
parasse de falar sobre Draven Maitland a estrangularia com a última fita
que Annabel tinha esquecido de pedir de volta, e manteve para si mesmo
as preocupações, os pensamentos cada vez mais sombrio que a oprimiam
até parecer que ela tinha uma pedra pesando permanentemente em seu
peito.
Não queria nunca mais ter nada a ver com um fanático dos esportes
equestres, nunca mais. A ideia de que o futuro delas poderia depender
justamente de um homem desse tipo estava atormentando-a. Ela chegou
ao ponto de não ter bons pensamentos com o falecido pai, e os
sentimentos resultantes de culpa haviam forçado seus nervos.
Olhando para o duque de Holbrook, agora, parecia-lhe que seus
medos estavam confirmados. Com os cabelos em pé sobre a cabeça, as
roupas puídas, era certamente um fanático por cavalos, embora talvez
não fosse um tolo das espécies mais perigosas.
Mas era também gentil. E não era um mulherengo.
Ele também parecia muito mais atencioso com elas do que seu pai
jamais fora. Ele certamente não era obrigado a mantê-las em casa com
ele, ou tratá-las como se tivessem algum grau de parentesco.
Talvez seus julgamentos tivessem sido precipitados demais. Talvez...
fosse apenas uma hipótese... os homens não eram todos loucos.

 
CAPÍTULO 3

Algumas horas depois,  Tess  acordou com um pano úmido sobre os


olhos que a governanta do duque lhe dera. Havia um leve cheiro de
limão ao redor, junto com os ruídos de fundo habituais em uma grande
mansão como aquela.
— É hora de um conselho de família, —  disse  Annabel  alegremente,
sentando-se na cama ao lado dela.
Tess  tirou o pano dos olhos e olhou para a irmã. — Eu devo ter
cochilado.
— Cochilado! Já faz duas horas que está roncando sob aquele pano, e é
hora de conversar  entre  nós antes de irmos jantar. Aqui também
estão Josie e Imogen.
As garotas se apertaram contra Tess, como costumavam fazer na casa
de seu pai, quando invadiam a cama de sua irmã mais velha,
amontoavam-se embaixo das cobertas para se aquecerem e começavam
a conversar incessantemente sobre o futuro, o pai e os cavalos de seus
estábulos.
— Tudo bem, — Tess murmurou, sufocando um bocejo.
— Decidi me casar com ele, —  anunciou  Annabel, quando todas
estavam acomodadas.
— Quem? — Tess perguntou, colocando o pano sobre a mesa e ajustar
as almofadas nas costas para sentar-se.
— O duque, quem mais? — disse Annabel. — Uma de nós tem que se
tornar uma duquesa, obviamente, já que parece não haver outro
candidato no momento. Duquesa de Holbrook. Vocês já pensaram?
— Nós não sabemos se é realmente livre como parece,
— disse Imogen. — Ele pode já estar comprometido com uma promessa
de casamento. Como o meu Draven. — Lord Maitland esteve empenhado
nos últimos dois anos, embora não mostrasse pressa para levar sua noiva
ao altar.
— Eu duvido, — respondeu Annabel. — No entanto, se for livre como
eu acredito, vou me casar. Deste modo, meu marido poderá fornecer a
cada uma de vocês um rico dote. Talvez vocês não encontre um homem
tão rico e bem  colocado,  pois  há apenas oito duques em toda a
Inglaterra, deixando de fora os membros da família real. No entanto,
encontraremos alguns excelentes partidos, com ótimos títulos, para
vocês também.
— Que nobre espírito de sacrifício, —  disse  Josie amargamente. —
Você leu com muita atenção o livro heráldico para encontrar os nomes
desses oito duques, suponho.
— Vou fazer da necessidade uma virtude, —  disse  Annabel. — E,
lembrem-se, considerando a aparência do nosso guardião, eu realmente
não considero isso um grande sacrifício. Esse homem está destinado a
desenvolver um estômago proeminente, completamente sem graça,
muito antes de ele fazer cinquenta anos, se não tomar cuidado.
Imogen  revirou os olhos, mas  Josie  foi a mais rápida a reagir. —
Sacrifício,  Annabel?  Você estaria disposto a casar-se com um velho de
oitenta anos de idade para poder ter o título de Duquesa! Sua graça!
— Não é verdade de jeito nenhum!  — Annabel  respondeu. Mas ela
acrescentou, rindo: — Bem, a menos que o velho em questão seja muito,
muito rico.
— Você é apenas uma aproveitadora gananciosa — disse Josie.
— E quem disse que o duque não é realmente um pobretão como
nosso pai? Afinal, papai era visconde, mas seu título nobiliar soava tão
vazio quanto seus bolsos!
— Se  Holbrook  é um pobretão, não vou casar com ele  —
Annabel  decidiu,  e graciosamente deu de ombros. — Se tiver que casar
com um homem desesperado como o papai, eu me suicido. Mas abra seus
olhos, Josie. Olhe essa casa! Holbrook é riquíssimo, parece óbvio.
— Tenha um pouco mais respeito quando fala de nosso pai  —
Tess interrompeu. — Na verdade, Annabel, o duque já pode estar noivo, e
parece-me absolutamente inapropriado fazer essas considerações sobre
o homem que generosamente se ofereceu para ser nosso guardião.
Annabel levantou uma sobrancelha e pegou um pequeno espelho da
pequena bolsa que usava amarrada a um pulso. — Talvez eu faça com
que ele se arrependa de ter dado seu consentimento, — disse, passando
1
um pequeno pedaço de papel de cinábrio que comprara na Escócia antes
de sua partida.
— Você é nojenta — a acusou Josie.
— E você é uma tola — Annabel replicou. — Eu sou apenas uma pessoa
prática. Uma de nós deve se casar e logo. Já faz dois anos
que  Imogen  continua a dizer que quer se casar com  Maitland,
e  Tess  nunca demonstrou o menor desejo de encontrar um marido.
Sobro eu. Uma de nós deve se casar e trazer as outras para a casa dela. É
o que sempre dissemos.
— Tess  pode se casar com quem quiser!  —
Josie  respondeu  fortemente. — É a mais bonita entre nós. Você não
concorda, Imogen?
Imogen  assentiu. Ela estava com os braços ao redor dos joelhos e
claramente tinha a cabeça em outro lugar. — Pode se casar com qualquer
um, exceto Draven, é claro, — respondeu sonhadoramente. — Acho que
logo poderei vê-lo de novo! Questão de horas... de fato, de minutos.
Annabel a  ignorou, como sempre faziam, nos últimos dois anos,
sempre que  Imogen  mencionava  Maitland. — Eu concordo com você
que Tess é a mais bonita, — disse a Josie. — No entanto, os homens não
estão tão dispostos a casar com meninas sem dinheiro, especialmente se
não demonstrarem interesse em se estabelecerem. Eu, por outro lado,
estou interessada. Muito interessada.
— Estabelecer-se é mais importante do que encontrar o marido
certo? — Josie a espetou.
Annabel  encolheu os ombros. — A romântica da família é Imogen. É
mais que suficiente. É culpa do papai. Fui eu que mantive as contas da
casa, em seu lugar, todos esses anos, e agora, quando penso em
casamento, vejo os números que dançam diante de meus olhos. Não
quero ter mais relação com contas a pagar e lembretes de pagamento.
Felizmente, os homens ainda são bastante sensíveis às graças femininas
para passar pela falta de um dote.
— A  modéstia certamente não é sua principal virtude!  —
exclamou Josie.
— E a falta de maturidade é seu defeito, — respondeu Annabel. — Não
é verdade que sou culpada de não ter modéstia, sou apenas prática. Uma
de nós deve se casar e eu tenho os atributos necessários para pegar um
homem mesmo na ausência do dote. Eu não pretendo competir com
vocês três ostentando uma nobreza de alma que não tenho. É tarde
demais para isso. Se papai quisesse nos tornar santinhas, não deveria ter
nos criado, como ele fez, exatamente da maneira oposta.
— Papai queria nos fazer mulheres respeitáveis! — Josie protestou. —
Ele nos ensinou a nos expressar com dignidade, assim como as damas
inglesas, você não pode negar!
— Besteira  — Annabel  respondeu,  sem se irritar muito. — Josie,  se
papai tivesse realmente querido nos tornar damas, nossa vida teria sido
totalmente diferente. Para começar, ele teria evitado mijar no urinol na
frente de todas na sala de jantar.
— Annabel! — Tess advertiu. — Fale baixo, não se faça ouvir.
Mas Annabel sorriu. — Não tenha medo. Mesmo que eu não seja uma
dama, vou me certificar de que ninguém perceba, pelo menos até uma
semana depois de eu ter convencido algum tolo a me apalpar e me
confiar sua carteira.
Tess  suspirou. Não era fácil ser a irmã mais velha de uma moça
como Annabel, com seu magnífico cabelo loiro e confiança inabalável em
suas ferramentas de sedução. O problema era que ela e  Imogen, uma
loira e outra morena, eram realmente tais e tais como as princesas dos
contos de fadas, Cinderela e Branca de Neve.
— Bem, eu não acho que seja o caso de apostar todas as suas cartas
em  Holbrook  —  disse. — Eu não acho que seria o melhor marido neste
mundo.
— Se este for o caso, ficaria satisfeita com o conde de Mayne também,
se provar que sua essência é comparável à de nosso guardião.
— Você se faz de cínica apenas para escandalizar os outros,
— disse Tess.
Annabela  ignorou. — De qualquer forma, com o duque, é seguro.
Título nobre superior e todo o resto. Vou jogar a isca e pescá-lo —previu.
— Então todas nos mudaremos para Londres. A partir do dia do meu
casamento, não quero nada além de seda, em contato com minha pele.
— Há uma palavra para descrever mulheres como você, — disse Josie.
— Sim, tem. Felizes— Annabel  respondeu, com a imperturbabilidade
que era característica. — Ainda não consigo acreditar que finalmente
encontramos o caminho para nos livrarmos do atoleiro em que
estávamos, que estamos tão perto do grande salto em direção a Londres.
Não tenho vergonha de admitir que estava começando a ficar
desesperada que isso fosse impossível. Todos os grandes projetos do
papai nunca chegaram a nada no final. Apesar de suas promessas de nos
levar a Londres para a estreia necessária na sociedade.
Comparando sua aparência no espelho com a de Annabel, Tess disse a
si mesma que eram parecidas o suficiente para perceberem que eram
duas irmãs só de olhar; apesar disto, o efeito que cada uma delas exercia
sobre os homens parecia ser muito diferente. Annabel e Imogen tinham
o poder de transformá-los em imbecis, literalmente, só de aparecer em
uma sala; um poder do qual ela,  Tess, tinha sido certamente privada.
Elas eram todas lindas, graças a sua mãe, que havia sido a mais admirada
debutante de toda Londres, apesar de ter sido desperdiçada ao se
apaixonar por um visconde escocês arruinado financeiramente pela
paixão por cavalos de corrida.
Tess às vezes pensava em estar mais ligada à mãe do que o resto de
suas irmãs: não apenas pela semelhança física, mas também pelas
lembranças. Annabel nunca falou sobre ela, e Imogen e Josie eram muito
jovens quando ela morreu, para ter memórias claras. Ela não. Ela
lembrava, e não parava de fazê-lo. E depois que seu pai se foi, o peso das
lembranças se tornou insuportável.
— Agora, se eu casar com o duque, —  disse  Annabel  — uma de nós
deve casar-se com o conde que o nosso tutor providencialmente nos
apresentou.
— Melhor o conde do que o duque, —  disse  Imogen. —
Holbrook  parece não saber usar o pente. Mesmo que eu não vá casar
nem com um nem com o outro.
— Eu sou jovem demais  para casar  — Josie  repetiu  com evidente
satisfação. — E mesmo se eu não fosse, o conde de Mayne nunca iria
querer se casar com alguém como eu. Eu o achei bastante arrogante, não
pareceu para vocês também?
— O  que significa “alguém como eu”?  — Tess  perguntou. — Você é
uma garota linda, Josie. Ele ficaria feliz em se casar com você.
— Uma bela frangota,você ia dizer — respondeu Josie, com vergonha.
— Papai dizia isto com carinho  — Tess  observou,  silenciosamente
amaldiçoando a falta de sensibilidade de seu pai para certas coisas.
— Vocês ouviram sua graça falar que pretende pedir
Lady Clarice para agir como acompanhante? — Imogen disse, voltando-
se abruptamente para o único assunto que  a interessava. —
Lady  Clarice  é  mãe  de  Draven. A mãe dele!  Isso significa que muitas
vezes teremos a oportunidade de vê-lo. E se ele decidir que gosta de
mim...
— O fato de Maitland ter uma mãe não exclui que tem também uma
namorada —notou Josie.
— Eu sinto que é um vínculo que não envolve realmente o coração de
Draven  — Imogen  respondeu,  em um tom agudo. — Isto é comprovado
pelo  fato de que  dois anos se passaram desde o anúncio oficial do
noivado, e o casamento ainda não está à vista.
— Eu não quero ser dura, —  disse  Annabel. — mas entendo que o
rompimento de um compromisso envolva um grande desembolso de
dinheiro. E dinheiro, aos olhos de alguém como Maitland, é a ferramenta
necessária para manter o estábulo. Você realmente acha que ele
preferiria você ao seu estábulo?
Imogen abriu a boca, como para falar, mas depois preferiu o silêncio.
— Agora chega, —  disse  Tess, sentando-se e tirando a sobrecapa. —
Temos que nos vestir para o jantar.
— Vou dar um pulo na sala para  conhecer Lady  Clarice  —
Josie  respondeu. — Então a Sra. Bee-Swick  vai me servir uma refeição
saudável na sala onde a professora virá me dar lições. Dei uma olhada,
enquanto você dormia, e está cheia de livros. Um verdadeiro deleite
para quem, como eu, adora ler!
Tess a abraçou. — Magnífico. O duque me disse que as lições
começarão em breve, assim que ele encontrar uma pessoa adequada.
Seria bom se pudéssemos nos tornar um pouco mais educadas. Imogen,
por favor, Lady Clarice não deve suspeitar que você está apaixonada por
seu filho.
— Eu não sou idiota!  — A irmã reagiu, se levantando da cama. Seu
brilhante cabelo preto, solto nos ombros, balançava majestosamente,
como uma cascata de seda. — Só não me peça para casar com alguém que
não seja Draven. Nem o duque nem o conde. Tenho certeza...
— Oh, não comece de novo, —  Josie  gemeu. — Você não pode
simplesmente aceitar o fato de que Maitland está fora do seu alcance?
— Eu não concordo, — disse Imogen orgulhosamente. — Você não se
lembra da vez em que eu me joguei da macieira bem na frente dos pés
de Draven, e como ele me pegou? — Estremeceu com o pensamento. —
Foi lindo. É tão forte. Nosso casamento está escrito nas estrelas, eu sei! —
proclamou com ênfase melodramática.
Annabel, que estava arrumando a grande massa dourada de seu
cabelo na frente do espelho, lançou-lhe um olhar irônico e disse:  —
Minha querida, você tem suas próprias ideias sobre o casamento e eu as
minhas. Tanto quanto eu posso ver, os casamentos mais bem sucedidos
são aqueles entre duas pessoas com os pés no chão, estipulados por
razões práticas e baseados em confiança mútua razoável.
— Você fala como um advogado, — respondeu Imogen.
— Como um contador, sim, —  disse  Annabel. — Papai me fez um
contador, o que significa que não posso deixar de considerar a vida como
uma  série de acordos de natureza substancialmente econômica, o mais
importante dos quais é o casamento.
Ela sorriu para sua própria imagem no espelho e puxou o cabelo para
cima e arrumando-os em um coque grande. — Não pareço uma
duquesa? —disse, posando. — Abram caminho, sua graça está chegando!
— Um ganso falante! — Josie respondeu, fugindo imediatamente para
o corredor, enquanto Annabel tentava em vão acertar sua bunda com a
escova de cabelo.
 
CAPÍTULO 4

Imogen observou satisfeita que suas mãos não tremiam. Em seu lugar,
qualquer outra garota teria tremido como uma folha: ela estava prestes
a encontrar sua futura sogra pela primeira vez, e talvez ela também
visse Draven...
Escovou o cabelo até que estalasse, carregado de eletricidade,
beliscou suas bochechas até que parecesse febril, e então praticou sorrir
na frente do espelho. Não havia razão para estar nervosa, disse a si
mesma, pois estava claro que ela e Draven estavam unidos pelo destino.
Praticou seu sorriso novamente. Devia dar o sorriso certo, na frente da
mãe de Draven: não devia parecer muito ousada, agressiva, não podia se
arriscar a ser contraproducente. Decidiu que a melhor coisa era tentar
parecer adorável, tímida e ingênua.
Demorou um pouco (a adorável timidez não fazia parte da bagagem
natural de Imogen), mas no final parecia ter obtido o resultado que
havia sido definido. Limitando-se a ligeiramente curvar os cantos de sua
boca e abrindo os lábios em um sorriso trêmulo, parecia quase uma
adolescente, cerca de treze ou mais.
Josie apareceu à porta no momento em que Imogen se curvava diante
do espelho. — Estou disposta a apostar que o seu belo Draven fugiu para
assistir algumas corridas. Você pode poupar todas essas pequenas
coisas — exclamou, azeda como sempre.
— Você poderia me poupar desses comentários sarcásticos, —  disse
Imogen, franzindo o cenho diante de sua irmã quando saiu do quarto. —
Um dia você também entenderá o que é amor. Talvez possamos
conversar sobre isso novamente.
Depois de uma espera na sala de estar que pareceu às três irmãs
insuportavelmente longa, a porta finalmente se abriu e Brinkley
anunciou: — Lady Clarice Maitland.
A mulher que apareceu na porta tinha indubitavelmente a atitude de
uma grande dama, com a cabeça inclinada para um lado e as mãos que
descreviam círculos elegantes no ar antes mesmo de abrir a boca. O
nariz fino e perfeitamente modelado e as altas maçãs do rosto conferiam
a seus traços uma inegável nobreza. O penteado elaborado do cabelo, a
língua afiada, a aura luxuosa que a rodeava, confirmavam a impressão
de estar diante de uma típica representante da nobreza.
— Caro Holbrook!  — chiou, cruzando o limiar com ímpeto, quase
subjugando o mordomo. — Você não precisa anunciar também meu
filho, Brinkley. Somos praticamente pessoas de família.
O homem que se aproximou do mordomo, entretanto, parou o
coração de Imogen, e ele passou um segundo inteiro antes de começar a
bater novamente com o ritmo regular.
Ele era singularmente bonito, com uma mandíbula masculina viril,
covinha no queixo, olhos castanhos... Imogen se levantou, apesar de suas
pernas cederam.
— Lembre-se que ele está oficialmente comprometido!  — sussurrou
Tess em seu ouvido, quando se encontraram com lady Clarice para
cumprimentá-la com a costumeira reverência.
Obviamente, apenas um gesto formal de reconhecimento foi dado a
Draven. Ele foi prometido a outra, apesar do desejo que Imogen
expressava toda vez que encontrava um trevo de quatro folhas ou via
uma estrela cadente disparar no céu nos últimos dois anos, desde que o
conhecera pela primeira vez. O sorriso que instintivamente emergiu em
seus lábios não teve um pingo de timidez virginal.
— Foi uma sorte que você me encontrou em casa, —  Lady Clarice
estava dizendo nesse meio tempo, em sua voz estridente, enquanto
estendia a mão para ser beijada. — Eu estava prestes a dar um pulo em
Londres, na minha modista, quando recebi o seu convite. E desde que eu
sou uma pessoa compreensiva, julguei sua necessidade mais urgente do
que a minha! Bem, estas são suas protegidas, acho.
Lady Clarice usava o vestido mais suntuoso que Imogen já vira, de
seda carmim em espinha de peixe, com uma fileira tripla de fitas ao
longo da bainha inferior, em forma de coroa de louros.
Ela e suas irmãs, por outro lado, estavam sombriamente vestidas de
luto, com horríveis roupas de linho que só eram mais vivazes por um
laço branco fino em volta do pescoço, um presente providencial da
costureira da aldeia que disse não poder enviá-las para aqueles
selvagens ingleses sem enobrecer um pouco a aparência delas, mesmo à
custa de esquecer seus próprios bolsos, já que as meninas não podiam
pagar por isso.
Lady Clarice, por outro lado, estava cheia de renda em todos os
lugares, desde o cabelo até as bordas do vestido e até mesmo na bolsa de
rede que amarrara ao pulso, mesmo que o fluxo de ornamentos não
suavizasse os traços do rosto dela. Imogen lutou para afugentar esse
pensamento, lembrando-se de que a mulher ainda era a mãe de Draven.
Quando ela e Tess se curvaram respeitosamente diante dela, Imogen
olhou para as botas de Draven. Impecáveis como seu dono, eram de um
couro marrom rico e macio, perfeitamente polidas.
— Deixe-me apresentá-la à minha protegida, Miss Essex, —  o duque
estava dizendo nesse meio tempo. — E uma de suas irmãs, Miss Imogen.
Somos extremamente gratos pela sua gentileza.
Lady Clarice olhou para as duas garotas como se fossem aberrações.
— Eu não posso imaginar o que seu pai tinha em mente quando mandou
vocês para cá sem... — disse, num volume exagerado de voz, como um
cantor de ópera. Parou no meio do caminho, corrigindo abruptamente o
curso de seu discurso. — Mas seu pai, pobrezinho, se foi, não é? Não cabe
mais a ele encontrar uma acompanhante. Por isso, é conveniente deixar
esse pensamento para os vivos! — concluiu com um sorriso.
Imogen abriu a boca e fechou-a. A qualquer momento poderia
encontrar o olhar de Draven. Ele já estava noivo, lembrou a si mesma. E
ele já havia dito a ela, francamente, que um futuro juntos seria
impensável. No entanto...
— Onde estão as outras duas garotas? Você me disse que eram quatro,
certo? Holbrook, você se tornou o guardião de quatro garotas, certo?
O duque parou de cumprimentar Draven e girou com um sobressalto.
— Sim, certo, são quatro — confirmou, passando mecanicamente a mão
pelo cabelo.
Tess assentiu para Annabel, que estava de lado flertando com o conde
de Mayne, e depois para Josie, meio escondida atrás do piano.
— Olhe só, que garotas bonitas, —  gritou Lady Clarice, quando elas
estavam todas alinhadas na frente dela. — Você não terá nenhum
problema em casá-las corretamente, Holbrook. Elas encontrarão pelo
menos um Lord. E talvez você possa apostar ainda mais alto, minhas
queridas! Nós devemos sempre ver o lado positivo das coisas. Claro, há
muito trabalho a fazer. — Clarice continuou seu discurso,
aparentemente, mesmo sem parar para respirar. — Sua roupa atual é
horrível, claro. Existem maneiras e maneiras de usar luto, se vocês
entendem o que quero dizer. Mas os escoceses nunca tiveram qualquer
sensibilidade para essas coisas, nem nunca terão. É por isso que evito de
subir lá. Com o simples pensamento, meu cabelo fica em pé! — concluiu,
ajustando com cuidado os elaborados cachos do penteado.
Josie curvou-se e recuou atrás do piano, fingindo folhear as
partituras, embora nunca tivesse tido uma aula de piano em sua vida,
porque era um luxo que seu pai não podia oferecer. Imogen esperava
que o duque não pensasse em pedir a ela, ao vê-la no piano, tocar
alguma coisa.
— Uma dieta baseada em ovos cozidos e repolho cozido deve diminuir
a figura de sua irmãzinha, — sussurrou Lady Clarice no ouvido de Tess.
— Eu era gordinha como ela na idade dela, me vendo agora ninguém iria
acreditar. No entanto, olhe para mim, eu me casei com um
barão! Naturalmente, não posso garantir que vocês posam chegar a esse
nível, mas um Lord não parece de todo um objetivo impossível! Mesmo a
mais jovem poderia encontrar um bom partido, escondendo o excesso de
redondeza com a ajuda de um bom modista...
Tess estava prestes a responder não muito educadamente, mas
Holbrook antecipou, dizendo em um tom verdadeiramente ducal:  —
Josephine tem uma figura que faria inveja a muitas de suas coetâneas.
Lady Clarice sorriu para ele ambiguamente e riu. — Claro, sua graça.
Você não deve perder a esperança de encontrar uma posição adequada
para todas as quatro. Não há escassez de homens que amam as
meninas... bem com carne, como dizem!
Imogen estava cada vez mais desanimada. A esperança de que Lady
Clarice consentisse no casamento com seu filho foi reduzida à zero. Lady
Clarice parecia que não sabia o significado da palavra  “amor” e não
parecia desejar encorajar tais levantes emocionais.
— Eu ainda não as apresentei ao meu filho!  — Lady Clarice disse,
empurrando Draven para a frente. — Embora, minhas queridas garotas,
eu deva avisá-las que meu tesouro já foi prometido para outra. — Deu
outra risadinha. — Garanto a vocês, no entanto, que faremos o nosso
melhor para encontrar um partido de nível comparável. Miss Essex, Miss
Imogen, deixe-me apresentá-las ao meu filho, Lorde Maitland.
As bochechas de Imogen estavam levemente ruborizadas enquanto se
inclinava, sendo imitada por Tess.
— Tivemos a oportunidade de conhecer Lord Maitland, Lady
Clarice  — Tess disse, em tom bastante frio. — Ele... ele era amigo de
nosso pai, o visconde de Brydone.
Draven respondeu com uma reverência formal, como se nunca tivesse
tido qualquer familiaridade com elas, embora, ao contrário, tivesse ido
muitas vezes na Escócia, por causa da paixão pelos cavalos que o unia ao
pobre pai delas.
— Eu conheci a família Essex há dois anos, — ele confirmou, olhando
insistentemente para Imogen, que sentiu seu coração se agitar no peito
como um pássaro em uma jaula.
— O que? Oh! — Lady Clarice riu. — Às vezes meu Draven vai para a
Escócia para uma caçada. Terá sido em uma dessas ocasiões, eu acho. —
Seu tom de repente se tornou cauteloso. Lady Clarice não era idiota, e as
jovens Essex eram garotas muito bonitas.
Tess pegou a mudança de Lady Clarice e sentiu um pouco de pânico.
Se aquela mulher suspeitasse dos sentimentos de Imogen por seu filho,
ela poderia se recusar a ser acompanhante delas. Então o que elas
fariam?
— Vou à Escócia para participar das corridas, não para caçar, — disse
Draven à mãe. Ele estava beijando a mão de Imogen agora, e Tess
percebeu, com o coração apertado, que olhava para sua irmã com a
mesma ansiedade que ela estava olhando para ele.
— Me dizem que meu filho é um cavaleiro muito talentoso, —  disse
Lady Clarice. Para o forte alívio de Tess, ela não pareceu notar que
Annabel, enquanto isso, fugira, rudemente, para retornar ao conde de
Mayne, com quem agora estava conversando alegremente, fazendo seus
cachos loiros dançarem como cortiça lançada pela maré. — Mas eu não
posso confirmar, porque esportes ao ar livre não são para mim. — E
diante da reação perplexa de Tess, Lady Clarice acrescentou:  — O ar
livre, Miss Essex!  Não há nada pior para a pele, garanto-lhe. Eu me
exponho aos raios do sol o mínimo possível. Me sacrifico ocasionalmente
apenas para agradar meu filho. Ele é tão feliz quando pode voar para a
vitória diante dos meus olhos!
— Minha pele ficará irreparavelmente comprometida, então,
—  pensou Tess. Seu pai tinha começado a arrastá-las para as corridas
assim que começaram a andar.
— Eu sempre encorajei meu Draven a seguir suas inclinações, — Lady
Clarice ainda estava dizendo. — Um homem deve ter uma ocupação, se
você quiser minha opinião. Eu conheço muitos membros da aristocracia
que não fazem nada além de ficarem o dia todo em algum clube. É uma
coisa deletéria, não só pelo caráter deles, mas também... —baixou a voz
antes de continuar. — Para o traseiro deles. Não sei se me expliquei
bem... —deu uma risada alta, com o pensamento. — Ainda que não deva
falar sobre certas coisas na sua frente. Vocês ainda são garotas ingênuas
sem marido, se bem que, não sejam tão jovens. Mas não se preocupe,
Holbrook irá ajudá-las a encontrar ótimos partidos. Tenho certeza de
que isso acontecerá rapidamente, assim que vocês deixarem o período
de luto. Então, duque, —  continuou, sem sequer recuperar o fôlego. —
Agora o que faremos?  Quero dizer, ficarei muito feliz em ser
acompanhante para suas queridas protegidas por um dia ou dois. Mas
Londres me reivindica, Holbrook. O chamado da minha chapeleira é
irresistível como o de uma sereia!  —deu outra risadinha. — Então eu
volto a te perguntar, duque... o que faremos?
O interlocutor nem se perturbou, porque estava acostumado ao estilo
de conversa de Lady Clarice. Tess, que ainda não tinha o costume,
começou a sentir uma vaga dor de cabeça. Alguém tocou levemente o
cotovelo dela.
— Você  quer dar uma volta pela sala, Miss Essex?  — perguntou o
conde de Mayne, com um sorriso afável.
— Sim, mas... — Tess olhou preocupada para Imogen, que estava
conversando com Lorde Maitland. Observando-os, teve a impressão de
que demonstrava familiaridade excessiva com a irmã, especialmente
pela maneira como tocava seu braço nu com os dedos.
O conde seguiu seu olhar e decidiu fazer alguma coisa. — Rafe,
— exclamou em uma voz agradável, acima da acentuada de Lady Clarice,
que continuava a reclamar. — Eu acho que nossos convidados têm uma
certa fome neste momento. Que tal nos sentarmos à mesa?
O duque não esperou que dissesse duas vezes e imediatamente
arrastou Lady Clarice para fora do quarto.
— Imogen!  — gritou Tess, tentando parecer autoritária, mas não
maternal, enquanto oferecia o braço para o conde. — Josie!  Você pode
voltar para o seu quarto agora.
A pequena Josie tinha um rosto sombrio e até parecia estar quase
chorando. Ela deve ter ouvido o que Lady Clarice disse sobre a
necessidade de colocá-la em uma dieta, e ela era extremamente sensível
aos comentários sobre seu corpo.
Antes que Tess pudesse decidir como reagir, Maitland pegou a garota
pela mão e disse a ela: — Você sabe, eu tenho uma pergunta para você,
2
que espero que possa responder. Perfection, minha potranca alazão ...
— Eu me lembro muito bem, — interrompeu Josie. — Com coxas um
pouco longas.
— Eu não concordo com este julgamento — respondeu Maitland, com
amável savoir-faire,acompanhando-a até a porta. — De qualquer forma,
faz alguns dias sofre devido a um estiramento, logo atrás da sela.
— Já experimentou a loção Goulard?  — Josie perguntou, mostrando
uma simpatia imediata pelo homem. Seu pai havia instruído Josie a
preparar os unguentos para curar as doenças dos cavalos, e o que
começou como uma tarefa pesada tornou-se um interesse genuíno ao
longo do tempo.
Tess teve que admitir que Maitland realmente sabia o que fazer,
quando se empenhava. Não que isso tivesse a menor implicação, do
ponto de vista de seu julgamento geral sobre o homem.
No entanto, havia momentos em que conseguia entender por que
Imogen o amava tão apaixonadamente. Era bonito o suficiente, com a
covinha no queixo e o olhar impetuoso. Mas ele não tinha apenas a
fixação por cavalos, ele também apostava. Estava pronto para apostar
até a camisa, todos sabiam disso. Maitland não tinha limites quando se
tratava de satisfazer sua paixão.
Assim como o pai delas.
 
CAPÍTULO 5

No jantar
 
Tess se encontrou sentada à esquerda do duque, com Lady Clarice à sua
direita. Na longa mesa brilhavam as bordas douradas dos pratos e
talheres de prata. Uma criada de uniforme, alta e desleixada, com
cabelos longos reunidos na nuca com uma redinha, andava rapidamente
para frente e para trás, deixando só o tempo suficiente para provar um
prato antes de tirá-lo e colocar outro na frente dele. Em rápida sucessão,
tortas recheadas de frango e lagosta, um caldo de tartaruga e uma torta
de miúdos foram servidas.
Nas taças, uma bebida cheia de bolhas que Tess conhecia apenas de ouvir
falar, mas que nunca tivera a oportunidade de provar: champanhe. A
criada serviu-lhe um segundo copo. Era realmente delicioso. Passou por
cima da língua e pareceu aumentar o prazer daquela refeição rica de
uma maneira incomensurável; a ponto de Tess não pensar mais no fato
de que ela e suas irmãs, com suas roupas de luto, pareciam gralhas
curvadas em cima da mesa.
— É um grande prazer tê-la em minha casa, Miss Essex, — disse o duque,
quando Lady Clarice parou brevemente de assediá-lo e se dirigiu ao
conde de Mayne.
Tess  sorriu. Com seu ar desalinhado, tão em contraste com a elegância
impecável de seu amigo conde, e o cabelo despenteado que caía sobre os
olhos, dava a impressão de ser simpático e amigável.
— É uma sorte incrível estar aqui com você, Vossa Graça — disse ela. E
acrescentou: — Em vez de no seu berçário.
— É generoso da sua chamar de sorte, quando foi infelizmente a morte
do seu pai a trazê-las aqui para mim.
— Sim, é  verdade, mas  meu pai ficou confinado em uma cama nos
últimos tempos. E então eu acho que é mais feliz onde está agora.
Para  alguém  como ele, não ser capaz de andar a cavalo era uma
perspectiva insuportável.
— Se bem entendi, Lorde Brydone não acordou, como resultado de um
ferimento na cabeça devido à uma queda, — disse o duque.
— Ele acordou várias vezes, — Tess o corrigiu. — Mas ele não conseguia
mais mover seus braços e pernas. Ele não suportaria viver nessas
condições.
— Não, entendo que seria difícil para alguém com seu temperamento.
Me lembro bem do meu primeiro encontro com ele. Ele tinha um cavalo
que corria em New Market, anos atrás. Eu era pouco mais que um
menino. Seu jóquei se machucou em uma corrida anterior, e então seu
pai não hesitou em montar o cavalo, ele mesmo, na corrida.
— Imagino que não tenha ganho, — Tess disse com um sorriso,
imaginando a cena. — Típico do papai, — pensou,  — fazer esse
tipo de bravatas inúteis.
— Não, de fato. Era pesado demais para vencer. Mas ainda assim fez um
bom tempo, e todo o público o aplaudiu.
— Infelizmente, papai raramente venceu, — disse Tess, cujo champanhe
começou a soltar a língua. — Estou... muito mortificada que tenha
pedido para você ser nosso guardião, baseado em  uma relação
superficial de familiaridade. Ele não tinha o direito de impor tal
responsabilidade.
Mas  o duque surpreendentemente sorriu benevolente. — Como eu já
disse, é um prazer para mim. Meus parentes mais próximos estão todos
mortos, exceto meu herdeiro, um primo de segundo grau capaz de
combinar desastres. — ele olhou em volta. — E eu não tenho intenção de
casar. Então esta casa e tudo nela... ninguém a aproveita, exceto eu. A
chegada de vocês reviveu a atmosfera e isso só pode me agradar.
Tess virou-se para olhar para as irmãs, para a parte de trás da mesa, e
tentou vê-las com os olhos do duque. Annabel estava borbulhando: a
excitação brilhava em seu olhar enquanto  flertava  com o conde de
Mayne. No olhar de Imogen, havia uma felicidade mais composta,
enquanto observava furtivamente os movimentos de lorde Maitland.
Tess esperava que Lady Clarice não notasse nada.
— Assim devia ser essa sala de jantar quando meus pais ainda estavam
vivos, — continuou o duque. — Receio ter me tornado, sem perceber, um
misantropo, um amante da solidão. Devo dizer que fiquei encantado ao
descobrir que minhas protegidas eram grandes o suficiente para iniciar
uma conversa, em vez de apenas recitar rimas infantis.
— Porque você... — Tess hesitou antes de continuar. Talvez na Inglaterra
fosse rude fazer perguntas de natureza muito pessoal. Mas tinha que
saber isso. — Por que você disse que não quer se casar, sua graça?
Imediatamente percebeu que podiam suspeitar que tivesse um interesse
pessoal a esse respeito, e apressou-se a acrescentar:— A  minha é uma
simples curiosidade, é claro.
Mas  Holbrook estava observando-a com o distanciamento afetuoso de
um irmão mais velho. Estava claro que nunca havia considerado a
possibilidade de fazer dela, ou uma de suas irmãs, uma duquesa. Se ela
quisesse se tornar tal, Annabel teria que tentar pegar um dos outros sete
duques ingleses. Ou talvez devesse simplesmente se voltar para o amigo
de seu guardião.
— Há homens que preferem não se envolver em assuntos complexos
como um casamento, — disse Holbrook. — São uma minoria, eu
sei,  mas  tenho medo de ser um deles. De qualquer forma, não sou um
misantropo, Miss Essex.
— Por favor, me chame de Tess, —disse, tomando outro gole de
champanhe. — Afinal  de  contas,  agora podemos considerar-nos
parentes.
— Nada poderia me agradar mais, — disse o duque. — Então você, por
outro lado, deve me chamar de Rafe. Eu não suporto a denominação
pomposa “sua graça”. E deixe-me acrescentar que estou muito feliz por
ter adquirido uma família.
Tess sorriu, e houve um momento de perfeita harmonia entre eles, como
se tivessem crescido juntos desde o berço.
— Eu nunca tive uma irmã, — disse o duque, pedindo ao criado para
reabastecer a taça de champanhe. Quanto a ele, estava bebendo um
líquido âmbar de um copo grande, sem bolhas. — Eu acho que é um
relacionamento totalmente diferente do que você pode ter com um
irmão.
Embora o livro heráldico que ela e suas irmãs possuíam tivesse dois
anos, ela continha, ao lado do nome do irmão do duque, uma nota que
dizia: “falecido”. — Eu sei que seu irmão faleceu, — murmurou Tess. —
Sinto muito, sua graça.
— Rafe — corrigiu o duque. — Francamente, não posso aceitar a ideia de
que ele não esteja por perto. Continuo pensando nele como se estivesse
momentaneamente ausente.
— Eu entendo o que você quer dizer. Eu ainda continuo esperando que
papai entre de repente pela porta. Ou minha mãe, mesmo que ela tenha
deixado este mundo há muitos anos.
— Vamos fazer um bom par de melancólicos, então, — ele disse
brincando.
Tess vislumbrou um profundo véu de tristeza no fundo daqueles olhos
azul-acinzentados e sentiu uma repentina onda de simpatia pelo seu
guardião, tão solitário e indiferente à sua aparência.
— Coragem, descreva como é viver com tantas irmãs quantas você tem —
o duque encorajou, bebendo novamente de seu copo.
— As irmãs são muito boas em guardar segredos, — respondeu Tess. —
Minhas irmãs e eu compartilhamos muitos segredos.
— De que tipo, se posso saber?
— Hoje em dia, se referem principalmente a assuntos do coração, — disse
Tess, imaginando se era sensato beber todo aquele champanhe.
— Ah  — disse ele. — Devo então esperar  um enxame de pretendentes
desapontados vindo aqui da Escócia?
— No meu caso, certamente não, infelizmente, — Tess respondeu,
experimentando um pouco de linguado afogado em um delicioso molho.
— Nenhuma de nós, na verdade, tinha sérios pretendentes. Papai tinha
planos grandiosos para nós, veja. Ele estava esperando ter uma grande
vitória para nos levar a Londres e nós termos a estreia oficial na
sociedade. Alguns representantes da pequena nobreza local se
apresentaram, mas ele não lhes deu corda.
— Perdoe minha indiscrição: posso saber se alguma de vocês esteve
romanticamente ligada a um desses pretendentes?  Porque eles
certamente existiram, com ou sem a permissão do seu pai.
— Ocasionalmente aconteceu, — disse Tess vagamente. — Mas foi difícil
para que se tornasse um vínculo profundo, você entende, sob as
circunstâncias.
O interesse animado demonstrado pelo duque gratificou Tess. Quando
foi a última vez que alguém, além de suas irmãs, a ouviu com tanto
cuidado?
— Não será que  uma de vocês foi vista secretamente com um dos
pretendentes rejeitados por seu pai?  Esse é um dos seus muitos
segredos?
— Se eu lhe disser, — Tess respondeu, sufocando um soluço — você, em
troca, deve me contar seu segredo.
— O meu único problema é que não tenho ninguém, — disse  ele. —
Confesso que levo uma vida um pouco chata. Então, havia alguém lá na
Escócia que morreu de amor por uma de vocês?
— Eu me apaixonei uma vez, o filho do açougueiro  — revelou  Tess. —
Chamava-se Nebby e era realmente fascinante, embora certamente não
fosse um partido aceitável.
— Eu acho que não. E como Lorde Brydone reagiu quando soube?
— Oh, meu pai me encorajou, — respondeu Tess, com um leve sorriso.
— Sério?
— Ele achava que  era apropriado  mantê-lo, porque ele tentou me
conquistar, dando-me alguns pedaços maravilhosos de carne muito
seleta. Nebby e eu tínhamos então apenas onze anos, então meu pai não
se importava que pudesse ficar sério. Mas então foi ele, Nebby, que me
abandonou. Ele se casou jovem e já é pai de dois futuros açougueiros
muito animados.
— O jovem Nebby foi o último a conquistar seu coração?
— O último, — confirmou Tess.
Rafe tinha conseguido bem ou mal comer alguma coisa, mesmo com
relutância e apesar do criado constantemente substituir o prato, mesmo
que o anterior ainda estivesse intacto. Ele ergueu o copo e fez um brinde
com a taça cheio de champanhe de Tess. — Acho  que temos  uma coisa
em comum. Somos bastante insensíveis às complicações sentimentais.
— Infelizmente  —concordou  Tess. — O  amor não parece ser meu forte.
Eu acho o namoro um assunto bastante entediante, se tenho que dizer a
verdade. — Mas ocorreu-lhe que o duque podia aceitar aquelas palavras
com certa preocupação, considerando que ele se comprometera a atuar
como tutor até que fosse capaz de casá-las. — Não que eu tenha alguma
prevenção contra o casamento, — acrescentou rapidamente. — Fique
tranquilo, você não me terá entre seus pés até quem sabe quando. Eu
tenho toda a intenção de me casar.
— Estou muito aliviado, — disse Rafe, rindo.
— Agora é a sua vez de confiar o seu segredo, — disse Tess, inclinando-se
impaciente para o duque. — Eu gostaria de saber o que o fez tão hostil à
ideia de se casar.
— Por que você está tão  interessada  em tal trivialidade? — perguntou
Rafe. Pareceu-lhe que sua protegida tinha sido muito confiante com
champanhe. Provavelmente, era parte de seus deveres como guardião
verificar também que as meninas que lhe foram confiadas não
levantassem muito os cotovelos. Era talvez o caso de substituir o
champanhe pela limonada? Mas ele odiava ser um hipócrita e não tinha
vontade de desistir de seu conhaque. Atormentado por esse pensamento,
engoliu de um só gole metade do copo diante dele.
Tess estava falando, e ele fez um esforço para focar sua atenção. —
Porque se você não o fizer, eu vou permitir que Annabel persista na
crença equivocada de que ela poderia facilmente se tornar a futura
Duquesa de Holbrook.
Os olhos do duque se arregalaram e ele virou-se curioso para o fundo da
mesa.
— Ela seria uma esplêndida duquesa, — disse Tess.
— Vejo que você herdou um pouco da ousadia inacreditável de seu pai, —
disse o duque, olhando-a com diversão. — E você não
está  interessada  em se tornar uma duquesa?  — Ele  perguntou, se
perguntando se o conhaque não estava começando a fazer o mesmo
efeito que o champanhe tinha feito na sua protegida.
Tess assentiu com a cabeça.
— Eu poderia morrer de medo, do contrário, — confessou o duque. — Se
a tentação de se tornar uma duquesa vier até você, acho que seria muito
difícil resistir a você. Eu seria forçado a fugir o mais longe possível, em
meio aos nevoeiros do extremo norte.
— Obrigado pelo elogio, — disse Tess. — Se você não tivesse adicionado a
parte sobre a fuga, eu ficaria realmente comovida.
Naquele exato momento Brinkley entrou na sala de jantar e se
apresentou ao duque, dizendo:— O  Sr. Felton veio de Londres. Ele
concordou em se juntar a você para o jantar. Eu sugiro sentá-lo ao lado
de Miss Essex.
— Ele é um amigo, — explicou Holbrook, voltando-se para  Tess. Então,
voltando-se para Lady Clarice, ele acrescentou:  — Estávamos na escola
juntos, apesar de muitos, muitos anos atrás.
— Não são tantos assim, — disse Lady Clarice. — Você tem apenas pouco
mais de trinta anos, sua graça. Quem o ouve, diria que é uma velha
ruína!
O conde provavelmente não estava  longe da verdade, pensou Tess,
quando fofocou sobre Lady Clarice, dizendo que pretendia se tornar uma
duquesa. Bem, se Annabel considerasse este um objetivo ao seu alcance,
era lógico que também o fizesse uma viúva ainda agradável, que também
era vizinha da casa do duque.
Cruzou o olhar com Holbrook, e ele deu-lhe um sorriso cúmplice,
enquanto Lady Clarice estava falando com ele ao ouvido, depois de
anunciar que queria contar uma fofoca engraçada.
Então a porta se abriu novamente e Brinkley teve o novo convidado do
duque sentado. Tess ficou encantada ao olhá-lo. Deve ter sido o efeito do
champanhe, disse a si mesmo, com um momento de atraso.
O homem que entrou na sala parecia um anjo caído do céu. A luz dos
candelabros na mesa parecia envolver seu rosto áustero, a linha severa
do nariz, em um halo de magia. Usava uma jaqueta de veludo preto
com  lapelas de  veludo. Tinha a postura de um duque, um nobre, um
homem privilegiado por sua riqueza. E ela também pensou nos
garanhões de seu pai: grande, majestoso, capaz de se impor com sua
mera presença. Em seus olhos, havia uma mistura de privacidade e
distanciamento: o olhar de um homem que sabia muito.
Um anjo caído, realmente temível.

 
CAPÍTULO 6

Lucius Felton era, como a maioria dos homens, amante dos hábitos.
Quando visitava o Duque de Holbrook, o que fazia todos os anos em
junho e setembro, para acompanhar as competições de cavalos de Ascot
e Silchester, estava acostumado a encontrar o duque afundado em uma
poltrona, com uma garrafa cheia de conhaque ao alcance da mão, e uma
cópia de Sporting News nas proximidades.
Às vezes o conde de Mayne se juntava a eles; sempre seguiam
escrupulosamente a regra de falar apenas de cavalos e conhaques.
Tópicos desafiadores, como mulheres, negócios e a família, foram
proibidos não porque se puseram a ser excluídos do mundo, mas porque
os consideravam entediantes. Para a sua não tão jovem idade de pouco
mais de trinta anos, eles sabiam por experiência que as mulheres (exceto
em certas circunstâncias) poderiam ser uma companhia bastante
cansativa.
O dinheiro abundava nos bolsos dos três com muita facilidade, e o
dinheiro é apenas um assunto interessante quando é escasso. Quanto à
família... já que a sua praticamente o repudiava há muitos anos, Lucius
Felton tendia a considerar os problemas das famílias dos outros com um
interesse moderado, quase letárgico. No entanto, desde que Holbrook
tinha perdido seu irmão, eles pararam de falar sobre isso também.
Assim, desmontando da carruagem em frente à entrada de Holbrook
Court, ficou muito aborrecido quando o mordomo anunciou que o duque
abrigava as quatro filhas do falecido Visconde de Brydone, como
guardião. Seu aborrecimento foi acentuado pela notícia de que Lady
Clarice Maitland e aquele imprudente de seu filho estavam presentes. A
presença de Mayne era o único vislumbre de luz capaz de mitigar  um
pouco sua decepção. Ele sentiu que o conde estava lá porque pretendia
que sua potra Plaisir participasse ao Silchester  Gold  Plate. Lucius
também estava interessado na corrida: era uma boa oportunidade para
verificar as condições do seu Minuet, inscrito na primeira corrida do dia.
Enquanto colocava uma camisa limpa no quarto designado (não o usual,
ele notou com desapontamento, deduzindo que deve ter sido atribuído
em sua ausência a uma das garotas), Lucius disse a si mesmo que talvez
fosse apropriado pular o compromisso em Silchester, confiando a
condução da corrida ao superintendente do seu estábulo e aos jóqueis.
Havia deixado em suspenso a conclusão de alguns negócios, em Londres,
que prometiam ser lucrativos. E se a casa do duque estava tão mudada,
talvez valesse a pena recuar o mais rápido possível, deixando de lado o
plano de seguir pessoalmente a corrida. Ele poderia ficar em sua própria
residência, localizada não muito longe dali, e alcançável em pouco
menos de uma hora. Fazia pelo menos quatro meses desde que retornara
a Bramble Hill.
Naquele momento, Derwent, seu criado, entrou no quarto, trazendo uma
bacia cheia de água quente trazida da cozinha. Tinha reagido com um
alarme evidente, ainda maior do que o de seu mestre, quando soubera da
presença das quatro garotas. Convicto  misógino, não se conteve de
expressar seus comentários ácidos.
— Parece que o pai delas as deixou sem dinheiro, —  disse enquanto
agitava o pincel de barba na bacia para preparar o sabonete. — O duque
terá bastante trabalho, para casá-las.
— Elas ao menos são bonitas? — Lucius perguntou, olhando para o teto
para facilitar a tarefa de Derwent raspar a barba sob o queixo.
— Bem, não totalmente desagradáveis, pelo menos, de acordo com o que
Brinkley me disse. Mas  elas apareceram aqui com apenas um par de
vestidos cada, horríveis também. Elas também são escocesas, sem um
pingo de dote. A questão do sotaque é essencial se alguém deseja ser
parte da boa sociedade. Eu não sei como essas mulheres pobres
encontrarão um marido.
Derwent olhou ansiosamente para o seu mestre. Não demorou muito
para perceber que o duque de Holbrook teria tentado de todas as
maneiras livrar-se de tal fardo... mesmo ao custo de entregá-las aos seus
amigos mais queridos e mais fiéis.
Felton não parecia muito chateado com essa imagem ameaçadora. Em
vez disso, Derwent sentiu a catástrofe se aproximando. Um espasmo
nervoso no olho esquerdo foi a confirmação irrefutável. Tivera o mesmo
espasmo no dia em que o duque de York caíra de seu cavalo, dois anos
antes, no meio de um desfile para celebrar a vitória; e depois novamente
em julho do ano anterior, quando seu mestre se envolveu com Lady
Genevieve. Por causa desse espasmo, Derwent tivera por um mês uma
clara redução do campo visual do lado esquerdo, uma deficiência
que  poderia ser  fatal para ele no momento em que, cruzando a High
Street, ele se arriscara a ser esmagado por uma carruagem puxada por
quatro cavalos.
— Terminou? — perguntou seu patrão, abrindo os olhos.
Derwent, que ficou com a navalha no ar, distraído por esses
pensamentos sombrios, sacudiu-se e apressadamente tirou o sabonete as
bochechas com uma toalha macia.
Lucius se levantou e começou a amarrar sua gravata. — Eu estava me
perguntando se não seria o caso de pular o encontro sazonal de
Silchester, —disse ele. — Dadas as circunstâncias.
— Excelente ideia! — disse Derwent. — O pobre duque de Holbrook tem
problemas suficientes... sob as circunstâncias. Será melhor partir
imediatamente. Eu direi aos serventes para não  desempacotar  sua
bagagem.
Lucius deu-lhe um olhar divertido. — Eu não estou considerando a ideia
de me estabelecer. E acho que sou perfeitamente capaz de resistir ao
apelo das protegidas de Rafe por uma noite ou duas.
— Eu nunca me permitiria questionar suas decisões,  — se  defendeu
Derwent com alegada indiferença, enquanto ajudava Lucius a vestir uma
jaqueta de lã fina.
— Acredito,  — seu patrão respondeu severamente. Mas acrescentou,
mais suavemente:  — No entanto, conhecendo você, senti  que  deveria
tranquilizá-lo sobre o ponto que desperta sua maior, embora
injustificada preocupação.
— Sou muito grato a você por tal atenção, — respondeu o valete, abrindo
a porta.
— Tenho certeza de que vou cair na armadilha do casamento mais cedo
ou mais tarde, — disse Felton. — Mas  não será por culpa de quatro
garotas escocesas tão pouco arrumadas que serão forçadas a confiar na
cortesia do pobre Rafe.
— Sem dúvida, senhor, — disse Derwent, com um repentino
agravamento da contração no olho esquerdo.
— Tem certeza?  — Felton disse, olhando em seu rosto. — Difícil de
acreditar, vendo como sua sobrancelha sobe e desce.
— Sim senhor. Não é nada. — E Felton se dirigiu para a saída, como um
cordeiro enviado ao matadouro.
 
LUCIUS FELTON  SEGUIU  BRINKLEY ATÉ a sala de jantar, desejando,
embora realmente não esperasse, que Rafe não o fizesse sentar ao lado
de Lady Clarice. Só a ideia já o deixava com dor de cabeça.
Viu Rafe à cabeceira da mesa, como sempre com sua aparência
negligenciada, com uma gravata frouxa, o cabelo todo despenteado e um
copo de conhaque na mão.
Mas  o resto dos comensais... Lucius estava quase a ponto de parar de
repente. Derwent tinha dito que as protegidas de Rafe eram
passáveis?  Não totalmente desagradáveis tinha falado  mais ou menos
assim. Uma delas, com o cabelo dourado bonito, sorriu, um sorriso capaz
de iluminar todo o quarto. Outra tinha cabelos e olhos negros, cheios de
paixão, como uma jovem mártir. Ele foi fortemente tentado a bater em
retirada.
— Lucius! — Rafe chamou naquele momento, fazendo um sinal para que
avançasse.
Ele se moveu, calculando quantas chances tinha de ser capaz de cortar
rapidamente a corda. Foi uma sorte que Derwent tivesse sugerido
não  desarrumar  as malas. A última coisa que queria era estar cercada
por um enxame de garotas à procura de um marido;  já havia se
queimado bastante em suas raras aparições durante a temporada social.
— Peço desculpas pela minha intrusão. Não podia imaginar encontrar
esta novidade, — disse, voltando-se para Rafe.
Olhando mais de perto, corrigiu sua impressão inicial sobre seu amigo.
Não estava como de costume. Primeiro estava estranhamente sóbrio,
comparado com a norma. Em segundo lugar, pegou algo semelhante ao
pânico no fundo de seu olhar. Inexperiente como era com relação as
mulheres, o duque devia ter acabado de descobrir que tinha sido preso
em uma armadilha da qual só sairia com um anel em seu dedo.
— Nem imagine como estou feliz em vê-lo, — disse Rafe. Ele foi tão
sincero como poderia ser alguém que estava prestes a se afogar e que vê
um potencial salvador. Sem dúvida esperava que Lucius fosse preso no
laço em seu lugar.
Rafe se virou para a garota sentada à sua esquerda. — Miss Essex, posso
apresentar o meu velho amigo, o Sr. Felton?
A Miss Essex parecia ser a mais velha das quatro órfãs que Rafe havia
tomado sob sua asa. Lucius não a notou à primeira vista. Não era tão
chamativa quanto as outras duas, a loira e a morena. Mas tinha que
admitir que ela também era linda:  cabelos castanhos claros, cor de
conhaque, maçãs do rosto altas e bem marcadas que nem a luz mais
grosseira conseguia fazer. Mas foi principalmente seus olhos escuros que
o atingiram, de forma alongada, sérios, inteligentes, doces...
A garota  sorriu para  ele,  enquanto ele olhava, atordoado, sem falar. Se
sacudiu, fazendo uma inclinação. — Miss Essex...
— Prazer em conhecê-lo — disse ela, estendendo a mão para ser beijada.
O babado no pulso havia sido consertado. O que Derwent lhe dissera
sobre a pobreza das quatro garotas tinha que ser verdade, mesmo que a
beleza delas compensasse isso.
— A notícia da partida do seu pai me entristeceu muito, — Lucius
respondeu. — Eu tive a chance de encontra Lorde Brydone algumas
vezes e mantenho a memória de um homem jovial e energético.
Notou  alarmado  o lampejo que passou nos olhos da garota. — Nós
estamos... — Miss Essex fez uma pausa, então disse, — Papai foi devorado
por sua paixão por cavalos.
— Por favor, Lucius, sente-se, — disse Rafe. — Vou apresentá-lo ao resto
da turma depois que terminarmos de comer.
— Eu me  sentirei  ofendido se você não vier dizer olá, antes de se
sentar,  — chiou Lady Clarice do outro lado da mesa. — Caro Sr. Felton,
como vai? — Ela estendeu a mão com um sorriso acolhedor.
Cerrando os dentes, Lucius girou em volta da mesa e beijou a mão que
ela colocara imperiosamente na frente do rosto dele.
— Conheci sua querida mãe, na entrada do teatro, outra noite  — Lady
Clarice começou imediatamente a dizer, olhando para ele como um
falcão atrás dos cílios meio fechados. — Pobre mulher, ela parecia muito
envelhecida, tão pálida e magra! Por acaso, você  foi  visitá-la
recentemente?  — Ela deixou a pergunta esmoecer, sabendo muito bem
que o fogo do inferno seria extinto antes Felton batesse à porta de seus
pais.
Lucius se curvou novamente, sem dizer nada. Se sua mãe estava pálida,
devia ter sido culpa de um ataque de bile.
Mas  a cruel Lady Clarice ainda não havia terminado com ele. Agarrou
seu pulso e acrescentou:  — Pelo que ouvi, a Sra. Felton raramente se
levanta da cama. Se ao menos pudesse fazer você entender a tristeza que
assola o coração de uma mãe quando seu filho persiste em evitá-la... é
um tormento sem igual!
Lucius abruptamente retirou a mão e inclinou-se mais uma vez,
determinado a finalmente encerrar a discussão. Ao se endireitar,
encontrou o olhar da Miss Essex, no extremo oposto da mesa. Tinha uma
expressão bastante surpresa. Mesmo que ele há muito tivesse parado de
se preocupar com sua reputação, se sentiu zangado. Que droga essa velha
bruxa, espalhando seus assuntos na frente de todos...
— Lucius tem idade suficiente para ainda estar preso às saias de sua mãe,
— Rafe disse, deixando perceber  um certo aborrecimento  em  seu  tom
embaralhado habitual. Na verdade, ele odiava Lady Clarice ainda mais do
que Lucius, especialmente no último ano, desde que ela manifestara sua
firme intenção de se tornar a nova duquesa de Holbrook. Quase teve que
brigar com ela para dissuadi-la.
— Grudado às saias de sua mãe... bem, espero que não!  Meu filho
também é um homem adulto e ele não me toleraria interferir em sua
vida. Mas... — Lady Clarice se inclinou para trás para pegar a mão de
Lucius, que escapou. — Mas  uma mãe precisa ver seu filho de vez em
quando, para se tranquilizar como um bálsamo eficaz para seu coração!
Lucius abriu a boca para responder com um lugar-comum, mas Rafe
interveio: — Uau, Maitland, — disse ele, voltando-se para o insuportável
do filho de Lady Clarice na parte de trás da mesa. — Eu não imaginei que
você fosse tão útil. Agora eu sei que você é um verdadeiro bálsamo para
o coração da sua mãe. E eu pensei que não fizesse nada além de correr de
uma corrida para a outra!
Felizmente, Maitland, entre suas qualidades, também era coriáceo para
insultos, uma característica de personalidade que provavelmente
prolongava sua vida, dada a frequência com que os atraía. Novamente
reagiu à piada de Rafe com uma risada, e voltou para entreter os
presentes mais próximos com a história de um cavalo chamado Blue
Peter, que acabara de ganhar como resultado de uma aposta. — Pernas
perfeitamente alinhadas, joelhos de campeão. Ele ainda é jovem, mas
vou inscrevê-lo em cinquenta corridas e tenho certeza que me dará
muita satisfação! — Seus olhos brilharam com o pensamento. Se inclinou
para a irmã de cabelos negros, a única que parecia demonstrar um
interesse real por aquele discurso, dizendo: — Estou pronto para montá-
lo eu mesmo, mesmo que tenha apenas um ano de idade. Pisa sem falhar,
voa com segurança para a linha de chegada como uma pulga nas costas
de um pato.
— Que comparação fascinante  — disse a loira. O tom irônico daquele
comentário não  escapou a  Lucius, que ficou satisfeito: além do belo
cabelo louro-mel, a garota também tinha um cérebro.
Maitland, por sua vez, não se dignou a olhá-la e continuou trocando
olhares ardentes com sua irmã de cabelos negros. — Um potro de um
ano bateu em um cavalo que já tinha já três, em Newmarket Houghton,
na primavera passada.
— Com qual handicap de peso para o favorito? —perguntou a irmã loira
com ceticismo.
— Trinta quilos, — respondeu Maitland, finalmente voltando-se para ela.
A missionária apaixonada, de cabelos negros, assentiu em êxtase como
se tivesse visto uma coroa de estrelas ao redor da cabeça de Maitland.
— Fascinante — disse a loira. — Eu não suspeitava que você tivesse um
espírito inovador, Lord Maitland. Eu pensei que correr com cavalos tão
novos fosse uma prática geralmente condenada.
Lucius reprimiu um sorriso e voltou-se para Miss Essex, que conversava
com Rafe. Estava usando uma das  roupas  mais  esquálidas  que já vira,
uma espécie de saco preta disforme: a fazia ficar enorme.
Ele notou, no entanto, que o pescoço era pálido e esbelto, e os ombros,
sob o tecido pesado, pareciam esguios. Os seios, no entanto, pareciam
estar bem desenvolvidos; a barriga, felizmente, era apenas uma ilusão de
ótica. Sob aquele vestido escuro e desajeitado se escondia...
Naquele momento, a Miss Essex se virou e encontrou seu olhar. Um flash
irônico se iluminou em seus olhos. — Acho que entendi que você é
particularmente ligado à sua mãe, — o provocou.
Um sorriso divertido torceu os lábios de Rafe. Uma garota inglesa estaria
bem ciente da suscetibilidade de seu amigo, ao tocar em tal argumento.
Lucius Felton era um personagem muito proeminente em seu ambiente,
e ninguém se atreveria a fazer algo grosseiro, muito menos uma  moça
solteira que frequentasse a boa sociedade.
— Infelizmente, faz nove anos que minha mãe e eu não conversamos, —
Lucius respondeu. — Eu não acho que seja um exemplo de apego
particular.
Miss Essex drenou o champanhe que havia permanecido no fundo do
copo. — Se eu puder opinar, acho que você está cometendo um erro, —
disse ela. — Meus pais estão ambos mortos, infelizmente, e eu não sei o
que daria para falar, mesmo que apenas uma vez, com um deles.
— Talvez fosse diferente se tivéssemos a mesma mãe, — Lucius
respondeu prontamente.
— Por quê?
— Porque, no meu caso, foi minha mãe que preferiu não falar comigo, —
explicou, maravilhado por ter feito, em um súbito acesso de sinceridade,
tal segredo. Todos ali, incluindo Lady Clarice, estavam convencidos do
contrário. Tinha que haver algo especial nos olhos escuros de Miss
Essex. Eles  estavam olhando para ele com tanta curiosidade que era
difícil não responder, mesmo para  alguém  como ele, que geralmente
respondia evasivamente sobre questões familiares.
— Como você pode dizer isso depois de nove anos? — perguntou ela. —
Talvez ela realmente queira vê-lo novamente. Se ela está acamada a
maior parte do tempo, tenho certeza de que você não tem muitas
oportunidades de encontrá-la acidentalmente.
— Entre a minha casa e a dela tem só dois portões de distância. Se a Sra.
Felton quisesse me ver, seria uma questão de um momento para me
fazer entregar um bilhete.
— Mora assim perto? E não se falam?
— Isso mesmo. Mas  você seguramente está certa. Talvez um dia
desses  eu  a encontre acidentalmente e tudo se encaixe. — Ele nunca
confessaria a ela que tinha comprado uma casa em St. James Square
apenas na esperança de que isso pudesse acontecer. E nunca contara a
ninguém quantas vezes sua mãe realmente o encontrara no caminho... e
desviara o olhar, como se, em vez de seu único filho, tivesse visto um
rato de esgoto.
Miss Essex, no entanto, devia ser particularmente teimosa porque se
inclinou para ele como se quisesse replicar algo. Felizmente, Lady
Clarice exigiu a atenção deles naquele momento.
— Amanhã a prometida esposa do meu filho virá nos ver, — ela  estava
dizendo. — Tenho certeza que você a conhece, Sr. Felton, você que é tão
culto. Miss Pythian-Adams é a garota mais educada que se possa
imaginar.
— Tenho medo de que o meu nível de cultura é muito menor do que o
que diz — Lucius esclareceu, enquanto um criado colocava na sua frente
uma sopa de tartaruga.
Tess olhou para ele. Parecia claro para ela que o Sr. Felton não desejava
retornar às divergências dentro de sua família. Não podia acreditar que
sua mãe não queria uma reconciliação: provavelmente aquela pobre
mulher encharcava o travesseiro de lágrimas toda noite, imaginando por
que seu filho era tão cruel com ela.
Enquanto isso, Lady Clarice novamente monopolizava a atenção de todos
os convidados, mesmo que o que ela dizia fosse certamente direcionado,
acima de tudo, a Imogen. De acordo com suas palavras, sua futura nora,
Miss Pythian-Adams, tinha a carruagem mais bonita, a inteligência mais
viva, a sensibilidade mais requintada, uma soma de qualidade
incomparável no mundo.
— Deve ser realmente fascinante, — disse Imogen, apertando o copo com
tanta força que Tess temia que desmoronasse entre os dedos.
— Ah, claro, — disse Maitland. — Miss Pythian-Adams é muito, muito
charmosa. Afinal, com uma renda de cinco mil libras por ano, qualquer
mulher seria irresistível.
A óbvia malícia do comentário deixou Tess desconfortável. Certamente
não era certo descrever sua futura noiva dessa maneira.
— Querido, querido, não parece digno de você, — Lady Clarice o
repreendeu. — Embora Miss Pythian-Adams tenha muita sorte de ter um
dote tão generoso, graças a sua avó materna, a duquesa de Bestel. No
entanto, sua amada noiva é mais que uma herdeira. Miss Pythian-Adams
é uma garota muito culta. A tal ponto que eu realmente não sei como
entreter um poço de ciência como ela, pelo o tempo que será minha
convidada. Quero dizer, no máximo, eu poderia ensiná-la como fazer
remendos úteis.
— Serei honrada de conhecê-la, — disse Imogen, com admirável
autocontrole.
Lucius Felton inclinou-se para Tess e disse em voz baixa: — Infelizmente,
parece que o amor verdadeiro sempre encontra grandes obstáculos em
seu caminho.
— Eu não acredito nesses clichês, — ela respondeu.
— Eu não disse que grandes amores devem sempre ser frustrados, Miss
Essex. Eu estava apenas citando uma frase que Shakespeare fez um de
seus personagens dizer. — Um olhar irônico brilhou no semblante de
Felton. Talvez porque seu assento tivesse sido adicionado no último
momento, estava sentado muito perto de Tess, um detalhe que a deixava
nervosa, também porque, com sua imponente estatura, Lucius
literalmente se elevava acima dela.
Para superar o constrangimento, Tess se voltou para Lady Clarice, que
ainda estava falando sobre a próxima visita da Miss Pythian-Adams. —
Deve absolutamente ver as ruínas aqui em Silchester. Elas datam dos
tempos da Roma antiga. Tenho certeza de que ela poderá nos dar muitos
detalhes sobre suas origens. Também é muito bem versada em
arqueologia.
Neste momento, seu filho se voltou para Imogen para um comentário
desagradável. — Eu  suspeito que você, por outro lado, nunca  foi  uma
nerd, não é verdade, Miss Imogen?  Não há nada mais chato, na minha
opinião, do que uma mulher que está sempre com o nariz nos livros.
— Claro que não, — reagiu sua mãe. — Pobrezinha, criada nas terras
desoladas e selvagens da Escócia!  Uma comparação entre ela e Miss
Pythian-Adams não é possível. — Então acrescentou, dando para Imogen
um sorriso que pareceu a Tess o triturar dos dentes de um gato na frente
de um rato:  — Você é uma menina querida, algumas comparações do
meu filho parecem realmente desrespeitosas.
— Lady Clarice — Rafe interrompeu, com a voz um pouco arrastada pelo
álcool. — Eu ouvi vozes surpreendentes de um  dos  nossos novos
vizinhos. É  verdade o que  ouvi, que Lord Pool está começando uma
criação de alces?
Mas  Lady Clarice não caiu na armadilha, muito descarada que o duque
tentou. — Veja bem, Draven, não parece certo para mim, — disse,
levantando a voz para que todos pudessem ouvir. — Parece quase que
você quer assustar essa  menina  doce, deixando-a entender que sua
estréia na sociedade poderia ser comprometida por uma comparação
com Miss Pythian-Adams. Vamos lá, não somos tão ruins!  Aceitamos
qualquer um, homem ou mulher que seja, pelo que é, nós não nos
permitimos condenar alguém só porque eles não tiveram as mesmas
oportunidades que outros.
— Isto a honra muito, Lady Clarice, — disse Imogen, inclinando a cabeça
com bravura.
Nesse ponto, Draven Maitland levantou-se abruptamente da mesa,
puxando a cadeira para trás de uma maneira excessivamente enérgica.
— Por favor, me perdoem, — disse com firmeza. — Eu tenho que
fortalecer minha  bagagem cultural, antes que seja tarde demais. Quem
sabe, me aplicando duro no estudo, possa até casar com uma cantora de
ópera, uma estrela da ópera.
E com um gesto de imprudência extraordinária, ele saiu da sala.
— Nossa, que fúria, — disse Felton, voltando-se para Tess.
— Talvez Lorde Maitland tenha um compromisso urgente, — ela se
aventurou sem muita convicção.
Ele deu a ela um olhar divertido. — Pelo que eu entendi, sua mãe
controla os cordões da bolsa e decidiu que deveria casar com uma
mulher culta em uma tentativa de combater a sua paixão desmedida por
cavalos. Parece, no entanto, que ele não aceita de bom grado a
interferência da mãe em sua vida amorosa. Ou talvez  — acrescentou
maliciosamente  — o problema é que ele e a cultura são apenas
incompatíveis.
Lady Clarice estava limpando a boca com um guardanapo. — Meu filho
tem o temperamento de um artista, — exclamou, como uma justificativa.
— Às vezes fica nervoso. No entanto, espero que o casamento com Miss
Pythian-Adams possa moderar os aspectos mais turbulentos de seu
caráter. Sendo uma artista ela também, sua noiva será certamente capaz
de entendê-lo.
De repente, o duque se virou para Tess, dizendo:
— Vocês conheciam Maitland de antes, não? Você me disse que sim... ou
talvez Imogen... — Ele fez uma pausa, virando-se para olhar para Imogen
na parte de trás da mesa. A menina estava em silêncio em seu lugar, os
olhos fixos no prato, mas um sorriso leve, muito eloquente, pairava
sobre seus lábios.
Tess não sabia o que dizer.
Rafe se voltou para ela. — Aparentemente, casar com um duque é o
único objetivo de Annabel, enquanto Imogen tem outros objetivos...
Tess mordeu o lábio inferior, envergonhada.
— Por Júpiter, tenho a impressão de que ser um guardião será mais
complicado do que o esperado! — Rafe murmurou.
— Sr. Felton, o que o motivou a deixar a cidade para mergulhar na
atmosfera bucólica de Hampshire?  — perguntou então Lady Clarice,
aparentemente ansiosa para evitar  uma  discussão  mais  aprofundada
sobre a fuga súbita de seu filho.
Felton largou o garfo. — Há um grande show de cavalos em poucos dias
em Silchester. Geralmente eu transfiro meus cavalos aqui para Rafe,
uma semana antes da corrida, e confio-os ao superintendente de seus
estábulos.
— Rafe? Rafe? —disse em tom queixoso lady Clarice. — Oh. Você se refere
ao duque. Me desculpe, mas eu simplesmente não consigo me acostumar
com as maneiras casuais que as pessoas mais jovens têm.
— Acho que o problema não está no modo casual de Lucius, mas na
minha irreprimível aversão a certas formalidades, — disse Rafe.
— Lucius? Ah, nosso querido Sr. Felton, — disse Lady Clarice.
Tess  olhou para ela,  bastante surpresa. Estava convencida de que a
condessa não queria ter relação com aqueles que tinham um título
nobre.
Rafe pareceu sentir sua perplexidade. Ele se aproximou dela  e
confidenciou: — Lucius se beneficia de uma renda anual comparável à do
Príncipe Regente. Ainda posso esperar que Lady Clarice se deixe ser
tentada, deixando de lado a ambição de se tornar uma duquesa, e que
comece a caçá-lo, em vez de mim.
— Pare de brincar! — Tess respondeu baixinho. — Ele pode te ouvir!
— A diversão de trocar confidências como se fôssemos duas irmãs deve
ter me subido um pouco na cabeça, — disse Rafe, sem nem ao menos
abaixar a voz.
— Isto, ou todo o brandy que você bebeu — disse Felton.
Então, o líquido âmbar no copo de Rafe era brandy!  E não parava de
tomar. Já era o segundo que ele bebia desde que estavam sentados à
mesa. Mas  até então parecia segurá-lo bem, o único que traia era sua
voz, mais ligiera do que o habitual, e o fato de que havia parado de tirar
o topete que caía na frente de seus olhos. Agora estava lá, recostado na
cadeira, as longas pernas estendidas na frente, o eterno tufo de cabelo
na testa, em uma pose nada digna de um duque.
Lady Clarice se inclinou para ele e  sorriu para  ele  com uma expressão
que Tess julgava perturbadora. — Pobre homem  — cantou. — Você
resistiu ao impacto dessa invasão de mulheres de uma maneira
admirável.
— As mulheres não me dão nenhum pensamento, — resmungou Rafe. —
Só as nobres.
Tess teve que se segurar para não cair na gargalhada.
— Você conhece bem o seu guardião? — perguntou naquele momento o
convidado sentado à sua esquerda.
— Não, de jeito nenhum, — Tess respondeu, relutantemente se voltando
para o Sr. Felton, que continuava irritantemente a embaraçá-la. — Você,
pelo contrário, pelo que entendi, é um velho amigo dele.
— Sim
Tess notou pelo canto do olho que Rafe agitava o copo, agora vazio, com
a mão ligeiramente trêmula, para chamar a atenção do mordomo.
Brinkley apressadamente derramou mais brandy de uma garrafa, não
escondendo uma expressão crítica.
— Ele  lida com o álcool muito bem, — disse Felton friamente. — Mas,
francamente, Miss Essex, considero meu dever informá-la que Rafe não
considera uma noite dignamente concluída se ele não tiver embriagado.
Tess instintivamente correu à defesa do duque. O tom de Felton
lembrou-a do que os membros da nobreza local tinham, na Escócia,
quando conversavam, balançando a cabeça, da paixão descontrolada do
pai por cavalos e corridas. — Mesmo se eu pessoalmente beba em geral
com um conta-gotas,  acho  que os abstêmios são muito chatos  — disse,
drenando o que sobrou de sua taça de champanhe.
— Seu tutor ficará muito feliz em saber que você é tão tolerante. —
Felton era obviamente do tipo que nunca perdia uma oportunidade de
lançar uma flecha sarcástica. Além disso, tinha um físico
impressionante. Devia pesar cerca de noventa quilos, só músculos, sem
sombra de gordura supérflua. Ela estava pronta para apostar que
geralmente montava um garanhão. Crescendo entre os cavalos, ela podia
reconhecer de imediato um homem que compartilhava a paixão que
arruinara seu pai. E ela tinha uma maneira certa de se imunizar do
charme do Adonis sentada ao seu lado: fazer com que ele falasse sobre
seus campeões de quatro patas. — Você  tem um estábulo bem
abastecido?
— Apenas alguns exemplares, mas selecionados. Como muitos outros,
receio, talvez esteja envolvido demais com essa paixão por cavalos.
— Como queria demonstrar, — pensou Tess. — Por que você não me conta
um pouco?  É um assunto que eu amo, — disse, olhando coquete por
entre os cílios semifechados. Agora ele iria se lançar em uma descrição muito
detalhada e...
— Sete cavalos, — Lucius respondeu em seu lugar. — Você quer uma lista
baseada em cor, idade ou... sexo?
— É indiferente, use o sistema que você mais gosta, — respondeu Tess,
pega de surpresa. A surpresa fez com que abrisse os olhos, um momento
antes de tentar fazê-los parecer maliciosos.
— Vamos começar com as fêmeas então. Prudence é uma égua de dois
anos de idade, proporcionada de forma ideal e com um pescoço gracioso.
Ela tem cílios tão longos que eu me pergunto como faz, quando corre,
para ver a pista.
Tess ficou surpresa. Certamente era uma descrição muito diferente do
que seu pai teria feito. Ele era um homem que cuidava do importante,
quando falava de cavalos: árvore genealógica, branding, criação de
origem, esses eram os tópicos que o interessavam mais do que estética.
Honestamente, Tess duvidava que, em toda a sua vida, tivesse prestado
atenção ao comprimento dos cílios de um puro-sangue.
— Então há Minuet, outra fêmea, — Lucius continuou. —Clara, linda, com
uma daquelas caudas que flutuam ao vento da corrida, uma cascata de
cabelos cor de carvão. É uma ladra, se vir um fio de grama ou uma espiga
de milho, não precisa olhar duas vezes.
— Você  deixa seus cavalos comerem grama fresca?  — Tess perguntou,
incrédula.
— Seu pai os submetia a uma dieta específica?
— Eles só podiam comer aveia e maçã. Maçãs cozidas ou raladas, porque
os cavalos se cansam de mastigar. Papai estava convencido de que as
maçãs eram essenciais para uma boa digestão e que um cavalo que não
tem problemas digestivos corre mais rápido.
Lucius pensou que  era uma dieta absurda, nem um pouco saudável, e
tinha a impressão de que a Miss Essex também tinha dúvidas sobre isso,
a julgar pela forma como a contragosto cutucava a comida em seu prato,
como um pardal já saciado.
Lucius agora podia reconhecer o que  fazia  as pupilas de Raphe  se
destacarem  uma da outra. Annabel brilhava: deslumbrava com sua
beleza e enfeitiçava com sua voz persuasiva e seu cabelo louro-mel.
Imogen tinha o efeito de um choque elétrico. Além de ser bonita, tinha
um ar tão ardente que infundia em Lucius o medo de cruzá-lo, a ponto
de fazê-lo sentir-se aliviado por ela não ter olhos além de Maitland. A
emoção que  poderia  dar um par de olhos era tal que envergonharia os
que estavam à sua frente. E quanto à irmã mais velha... Bem, seu charme
certamente não era inferior, na verdade, longe disso.
Ele olhou melhor para ela: Miss Essex, ou Tess, simplesmente, como Rafe
a chamava, tinha charme para vender, sem dúvida. Ele se perguntou o
que mais gostava nela, se o senso de humor, ou a forma particularmente
sensual da boca. Além disso, tanto ela quanto as irmãs tinham maçãs do
rosto delicadas, maçãs do rosto bem levantadas, mentes afiadas, olhos
sombreados por cílios grossos.
Mas a característica que tornava Tess única, em sua opinião, era a boca.
Lábios vermelhos, carnudos, feitos escandalosamente sensuais por um
pequeno detalhe: um pequeno neo no canto esquerdo, perto da covinha
que se formava quando ela sorria. Era uma boca digna de uma cortesã,
mas não uma  cortesã comum, uma de classe. Destinada a se tornar a
favorita de um soberano, tratada por todos com respeito e admiração.
Lucius se acomodou em sua cadeira.
Felizmente, Derwent não havia  desembalado  sua bagagem. Não tinha
vontade de se sacrificar no altar das obrigações que Rafe assumira com
suas protegidas. Embora, na frente de alguém como Miss Essex, a
tentação pudesse nos fazer pensar um pouco...
Lucius se sacudiu com um sobressalto. Santo  céu, o que estava
fazendo?  Ele não tinha o suficiente para oferecer a uma mulher,
especialmente  uma  assim. Ela riu de novo,  uma risada cheia de
sensualidade inadequada para uma garota que supostamente ainda era
virgem. Ele sentiu um calafrio nas costas.
Era uma situação extremamente perigosa.

 
CAPÍTULO 7

Mais tarde, naquela noite


 
— Eu decidi. Vou casar com ele, — disse Annabel. Enrolada junto ao lado
do dossel, na cama de Tess, usava uma camisola velha e gasta. Puxou a
bainha para cobrir os pés: nenhuma das quatro irmãs possuía um par de
chinelos por anos.
Josie  reagiu com seu sarcasmo habitual.  — Você se refere ao duque,
suponho, — perguntou.  Ela estava encostada no outro suporte no lado
oposto, com um cobertor sobre os ombros.  Tinha  chorado bastante,
depois do jantar, mas as outras estavam de comum acordo fingindo
ignorar os olhos inchados e vermelhos.
— Você poderia fazer melhor, eu acho  — Imogen  interveio.  Ela tinha
escorregado debaixo das cobertas, ao lado de  Tess, e gostava do calor,
afundada nos travesseiros, como um gatinho. — O nosso guardião, vamos
encarar francamente, é um bêbado, e por causa do seu vício, já tem
barriga.
— Imogen! Um pouco de respeito! — Tess a repreendeu. — De qualquer
maneira, desculpe desapontá-la, mas pelo que pude entender, Rafe não
tem intenção de se casar.
— Mas eu não estava me referindo ao nosso reverenciado guardião, mas
ao conde de Mayne, — disse  Annabel.  — Depois de ver o Duque
de Holbrook esvaziar sozinho durante um jantar, uma garrafa inteira de
conhaque, decidi que não quero um marido preservado em álcool.
— Tess,  você não acha que Mayne merece algo melhor do
que Annabel? — Josie brincou.
— Como você se atreve? — respondeu Annabel, mas sorrindo. — Acredite
em mim, Josie, se Mayne for tão rico quanto nosso guardião, não vou dar
trégua.  Por que eu deveria ter escrúpulos?  Se há uma coisa que
não suporto é a pobreza. Isso e a Escócia.
— Eu ao contrário, sinto tanta falta da Escócia e... — Josie não terminou a
frase, oprimida pela emoção.
— Falta da Escócia? — Annabel exclamou. — Daquela casa em ruínas, do
cheiro insuportável de mofo toda vez que chovia?  Você já viu uma
colcha tão bonita como esta?  — Ela  observou, alisando o tecido com a
mão. — Meus lençóis são tão macios que parecem seda. Eu nunca vi nada
assim em toda a minha vida. E olhe... — Apontou o dossel azul que cobria
a cama de Tess.
As outras três irmãs seguiram a direção do seu olhar.
— Não há pontos molhados!  — Annabel  exclamou.  — Nenhuma
infiltração de água do telhado.
— Não podemos dizer com certeza, — disse  Josie.  — Há outro andar,
acima deste.
— Era assim no quarto que eu  tinha  em casa.  Sem mencionar  como  o
sótão era reduzido. Não havia um lugar na casa de papai que não tivesse
buracos no teto. No berçário a água até entrou em córregos. E desde que
papai sempre...
— Eu te proíbo de falar de papai! — Josie se levantou, fazendo uma careta
dura. — Não se atreva!
— Tudo bem, pirralha, não falo  — Annabel  respondeu,  fazendo  uma
carícia nela.
— Ele não pode se defender, porque não está mais aqui —repetiu Josie,
nem um pouco satisfeita.  — Eu gostaria que ele estivesse aqui conosco
agora. Teria rido na cara da bruxa da Lady Clarice.
— Não ofenda minha futura sogra, — Imogen  a reprovou.  Mas  a
convicção com a qual repetiu  sua intenção de se casar
com Maitland parecia muito fraca, depois que ele próprio confirmou que
já estava comprometido com outra.
— A propósito, o que aconteceu com  Maitland?  Por que saiu  daquele
jeito?
— Não aguentou a emoção e deixou a mesa.  É claro que sua mãe
lhe  impôs  a escolha de Miss Pythian-Adams.  Como em Romeu e Julieta
onde a mãe de Julieta havia estabelecido que ela deveria se casar com
Paride.  Acho que vou  ter que  me resignar a uma vida sem amor  —
disse  Imogen, com voz embargada devido ao desânimo.  — Sinto que
estou vivendo em um pesadelo. Por que me beijou daquela vez? Por que
olhou para mim... e continua olhando... daquele jeito? Ele sabe bem que
não pode fugir do compromisso que assumiu.
— Talvez ele não tenha resistido à tentação, — sugeriu Josie. — Mesmo
Romeo não resistiu, embora soubesse que sua família nunca consentiria
no casamento.
Mas Imogen ajustou as almofadas atrás das costas, sentou-se e disse: —
Se  Draven  me amasse como Romeu amava Juliet, ele se declararia.  No
começo, quando foi tão abrupto com sua mãe, fiquei
satisfeita. Mas então percebi que só gostava de provocá-la; não fez isso
para realmente me defender.
— Haverá outro dia, — Tess consolou quando ela encostou a cabeça em
seu ombro.
— Não, não haverá, — disse  Imogen, enxugando as lágrimas com um
canto do lençol.  — Não haverá, não para mim.  Se não posso casar
com Draven, não vou casar com mais ninguém.
— Isso quer dizer que você ficará comigo e meu riquíssimo futuro
marido— interveio Annabel. — Só nos vestiremos de seda e passaremos a
noite toda dançando.  Você acha que eu brinco, quando digo que vou
casar com o Conde, mas não é assim.  Francamente, começo a temer
que  Holbrook  não  seja  a melhor pessoa para ajudar nossa estréia na
sociedade, pois ele mesmo se esquiva como a peste.
Houve um momento de silêncio. Apesar da simpatia instintiva que sentia
por Rafe, Tess não sentia vontade de desculpá-lo.
— Minha camareira me disse que Mayne está livre de qualquer
compromisso, — continuou Annabel. — Ele é um homem do mundo, além
de duque!  E não gruda na garrafa.  Seria a pessoa mais adequada para
apresentar-nos ao ambiente londrino e ajudar-nos a encontrar um bom
partido.
— E o Sr. Felton? — perguntou Tess.
— Não, não é possível, — disse Annabel. — Você ouviu Lady Clarice. Não
fez nada além de repetir como é importante casar com um homem que
tem um título nobre.  E disse claramente que podemos mirar bem alto,
que não devemos ficar satisfeitas com alguém que não seja pelo menos
um barão. Mayne é um conde e é certo para nós.
— Mas  você ao menos gosta dele?  — perguntou  Tess.  Às vezes tinha a
impressão de que Annabel era mais velha e mais madura do que ela. Ela,
na verdade, não tinha gostado do conde. Era muito elegante e casual, o
protótipo de um dândi, e tinha quase uma presença desagradável.
Annabel  respondeu com um sorriso travesso.  — Eu olhei bem para
ele... de frente e detrás — disse com a sua inestimável face. — E acredite
em mim, ele passou no exame.
 
 
CAPÍTULO 8

Tarde da noite
 
— O homem que se casar com a mais velha das irmãs pode colocar as
mãos em Something Wanton? Realmente? — disse Mayne.
— Patchem  teve apenas quatro descendentes, em toda a Inglaterra, —
Rafe confirmou. — E o advogado me explicou que minhas protegidas tem
como dote um cavalo cada uma. Something Wanton, sendo o mais velho,
é  o  dote  de Tess.  Os outros três ainda são  jovens, duas potrancas e um
potro.
— Um cavalo como dote, — comentou Lucius. — Isso não acontece todos
os dias. Esse visconde de Brydone devia ser de fato um tipo excêntrico.
— Ele poderia ter colocado os cavalos em leilão e convertido os lucros
em um dote para as filhas, — disse Rafe.  — No entanto, o testamento
especifica que cada uma traz um cavalo como dote. Concluo que queria
ter certeza de que elas se casassem com homens com a mesma paixão
que a dele.
— Nada pode impedir o marido, se ele for um cara inescrupuloso, de
vender o cavalo e embolsar o dinheiro, — apontou  Lúcio.  — Um filho
de Patchem  também pode ganhar oitocentos guinéus, em um leilão tão
importante quanto o de Tattersall, por exemplo. Something Wanton, que
chegou perto de vencer em Ascot no ano passado, terá um valor ainda
maior.
— O testamento declara que o marido deve esperar pelo menos um ano
antes de poder vender o cavalo que recebeu de dote  — avisou Rafe,
dando outra olhada nos documentos em sua mão.
— Something Wanton! — Mayne disse, com ênfase. Então, acrescentou com
um sorriso: — Meus caros senhores, informo que decidi casar.
— Confesso que tinha a esperança de convencer você ou Lucius a se casar
com minha protegida mais velha, — disse Rafe.  — Tess  é uma mulher
muito bonita.
— Pode dizer isso com mais convicção — concordou Lucius.
— Você e ela são  feitos  um para o outro, — Rafe disse, olhando para
ele. — Tess é muito inteligente e é difícil que te dará dores de cabeça. E
você não tem, pelo que eu saiba, nenhuma outra pela qual  você
se interesse seriamente no momento.
— Ai, vejo que a discussão está tomando um rumo ruim.
— Pare de resmungar. Se você não gosta, apenas diga.
— Você tem sorte, Rafe, — disse Mayne, estendendo-se confortavelmente
em sua cadeira. — Eu, no entanto, estou considerando a ideia.  Embora,
na verdade, o que há para considerar?  Ela é linda, não tão vistosa
quanto  Annabel  com cabelos dourados, mas certamente é uma moça
muito bonita. Minha irmã constantemente me sufoca com a história de
que é hora de eu me estabelecer. E aqui está a candidata perfeita, linda e
com um magnífico cavalo como dote.  — Tomou outro gole de
conhaque.  — Precisará ser um pouco lapidada;  essas garotas, é óbvio,
não se beneficiaram dos cuidados de uma governanta, mas parece muito
atenta a mim, e tenho certeza de que aprenderá rapidamente.  Vou
cuidar disso.
Rafe deu-lhe um olhar duvidoso.  Mayne não era mais o mesmo desde
que foi rejeitado por uma condessa que queria convencê-lo a se tornar
sua amante.  — Você acha que sente algo parecido com amor por
ela? — disse. Pronunciar a palavra amor lhe causou algum embaraço, mas
agora tornara-se o guardião de quatro jovens em idade de casar. Parecia
que era o tipo de pergunta que um tutor, ou mesmo um irmão mais
velho, tinha o dever de fazer, quando um pretendente se apresentava.
— Amor...  não realmente, — respondeu Mayne, examinando o papel de
parede através do véu dourado de conhaque que permanecia grudado
nas paredes do copo. — No entanto, não há necessidade de amor entre
nós. Eu serei fiel a ela, e se eu tivesse que dar algumas escapadas, faria
isso com discrição.  Tess, eu acho, vai se comportar da mesma
maneira. Faremos companhia um ao outro agradavelmente, até o dia em
que um cavalo me jogar em uma vala.
— Assim como aconteceu com o pai dela  — Lucius  interveio  em tom
crítico.
— Possivelmente.
— Ou até o dia em que um marido particularmente suscetível o
estenderá com um tiro de pistola? — disse Rafe.
— Também possível, — respondeu Mayne, com grande serenidade.
Rafe olhou para ele perplexo. Não sabia como curar seu velho amigo de
seu perigoso hábito de colecionar aventuras com mulheres mal casadas.
— Se você  ferir  seus sentimentos, amigo ou não, eu juro que vou  te
espancar —disse, surpreendendo-se com sua reação.  — Eu sei que você
me considera muito preguiçoso para...
— Preguiçoso?  — Mayne  interrompeu, arqueando uma sobrancelha
ironicamente. — Não. Apenas com reflexos lentos por seus excessos com
o conhaque.
— Você sabe do que estou falando. — Rafe se voltou para Lucius. — Tem
certeza de que não quer se tentar com Tess?
— Por que elas  ainda são solteiras?  — ele, por sua vez perguntou.  —
Parece estranho, considerando que três delas já têm mais de  vinte
anos.  Já podem ser consideradas virtuais solteironas com base nos
costumes que temos aqui na Inglaterra.
— Os escoceses são todos impotentes, — Mayne murmurou. — Eu nunca
consegui aguentá-los.
— Talvez houvesse mortes em sua família que as forçaram a adiar sua
estréia na sociedade?  — Lucius  perguntou,  ignorando a interrupção.  —
Quando a mãe morreu?
— Pelo que entendi, o pai nunca teve o dinheiro necessário, — respondeu
Rafe.  — De acordo com  Wickham, meu secretário, a propriedade da
família está em um estado deplorável. Wickham ficou lá por alguns dias,
quando o novo visconde foi tomar posse da propriedade, a qual ele não
visitava havia anos, já que mora em uma área completamente diferente
da Escócia. O novo visconde encontrou uma situação desastrosa. Toda a
terra arável, aquela que poderia ter produzido algo, fora vendida anos
antes.  A casa está caindo aos pedaços.  Além disso, os cavalos foram
registrados no nome das meninas.  Eles eram a única coisa de
valor; Brydone desperdiçou tudo o que tinha para o estábulo.
— Brydone gastou  tudo o que ele tinha nos cavalos?  — Mayne
perguntou.
— Ele não era avarento com as garotas. Ele simplesmente investiu tudo o
que tinha em seus cavalos e não queria vendê-los.  Pelo que Tess  disse-
me no jantar, parece que contava com uma grande vitória para enviá-las
para Londres para fazerem sua estréia oficial na sociedade.
— E esperando por aquele momento, deixou suas quatro filhas
apodrecerem em uma casa que estava caindo aos pedaços?  —
Lucius interveio.
— Não há dúvida de que ele não se comportou como você acha que um
cavalheiro  deveria  se comportar, — disse Rafe, terminando seu
copo.  Uma dor de cabeça feroz estava chegando.  Muito conhaque: um
dia seria forçado a parar de beber, embora isso tornasse a vida muito
mais tolerável. As tremendas dores de cabeça resultantes do excesso de
álcool tornaram-se cada vez mais frequentes.
— Quanto às outras três, tenho certeza de que você não terá nenhum
problema em casá-las, — Mayne assegurou.  — Quando a temporada
social começar, o período de luto terminará, e os homens farão fila para
pedi-las em casamento. Tenho a impressão de que Maitland demonstra
alguma simpatia por Imogen. E ele está cheio de dinheiro.
Rafe sacudiu a cabeça. — Seu casamento com Miss Pythian-Adams já está
estabelecido há anos.  Além disso,  Maitland, desde que seu pai morreu,
tornou-se um intrépido incorrigível, e só piora.  Não pensa em outra
coisa senão em cavalos e não faz nada além de cavalgar como um louco,
até mesmo dormindo, se uma sela não estiver disponível, a qualquer
hora do dia ou da noite. Vai acabar quebrando o pescoço.
— Não é a pior maneira de morrer. — disse Mayne, sem se preocupar.
— Não fale bobagem, — respondeu Rafe.  — Se você quer se casar
com Tess, você terá que mudar de comportamento. Não mais escapadas
arriscadas com mulheres casadas.
— Eu quero ser um marido modelo, — garantiu Mayne, mas Rafe olhou
para ele com ceticismo, ouvindo o tom daquela promessa.
Mayne acrescentou:  — Eu já parei permanentemente com mulheres
casadas, você não percebeu?
— Não.
— Bem, é isso.  — o conde não olhou para cima, continuou a girar uma
pena entre os dedos longos.  — Lady  Godwin...  que me deixou na
mão... foi a última, e isso aconteceu quatro meses atrás. Tess terá tudo
para si mesma, para melhor ou para pior.
— Nesse caso... — Rafe disse, sua voz profunda. — Se você realmente fala
sério, Garret.
Mayne olhou para cima. — Você sabe que odeio meu primeiro nome.
— Quando eu uso, posso te acordar um pouco, — Rafe o lembrou.  —
Agora que você está acordado, eu desafio você no bilhar, e tenho certeza
que vou te arrancar o casaco.
— Eu vou para a cama, — disse Lucius, esticando seus membros.
— Espero que você possa encontrar uma  acompanhante  até domingo  —
disse Mayne, para Rafe. — Não terei forças para comparecer a esta casa
para cortejar  Tess, se  Clarice  Maitland  permanecer por um longo
tempo. Aquela mulher faz minha pele arrepiar.
— Vou escrever uma nota para minha tia Flora, — assegurou Rafe.  —
Mora em St. Albans. Talvez possa estar aqui na próxima semana.
— Então, eu tenho sua benção?  — Mayne pediu.  — Posso começar meu
cortejo amanhã?
— A menos que você ache apropriado esperar que Tess deixe o período
de luto.
— Eu não posso. O Lichfield Royal Piate será realizado em um mês. Se eu
quiser inscrever Something Wanton a essa corrida...
— Eu nunca ouvi um motivo mais insalubre para acelerar um casamento,
— disse Rafe.
— Você também vai começar com isso? — respondeu Mayne, esvaziando
o copo.  — Não é suficiente a quantidade de idiotas, em Londres,
fofocando sobre mim, descrevendo-me como um canalha, sem ter
coragem de dizer isso na minha cara?
— E você não é? — perguntou Lucius, controlando o tom da voz dele.
Mayne pensou por um momento antes de responder.  — Não. Eu sou
libidinoso, e se a ocasião ocorrer, eu não desdenho, ou melhor, eu não
desdenhava, mulheres casadas. Mas eu não sou um canalha, embora eu
não saiba por que tenho que me defender, mesmo daqueles que eu
considerava velhos amigos.
— Talvez porque você acabou de dizer que quer se casar só para pôr as
mãos em um puro-sangue e fazê-lo correr na primeira oportunidade, —
disse Lucius.
— Não há nada de errado nisso.  O casamento nada mais é do que uma
transação econômica e  Tess  receberá muito mais de mim do que um
cavalo. E se eu posso dizer, Lucius, toda essa atenção às convenções, do
seu lado, parece-me fora do lugar.
— Por quê?
— Você também nunca esteve sujeito as convenções.
Controla  praticamente  todo o mercado financeiro do Reino
Unido;  quando lida com o dinheiro, se torna uma calculadora
sinistra. Eu, em comparação, pareço um anjinho. Especialmente porque
o tipo de atividade que você pratica é  considerado  socialmente
repreensível e não poderia nunca ser feito por aqueles com sangue azul
em suas veias.
— Eu vejo que dá razão aos meus pais, com relação às atividades julgadas
aceitáveis — Lucius disse, severamente. Seguiu um momento de silêncio
pesado, então Mayne suspirou.
— Eu não me importo com o que você faz com o seu dinheiro,  Lucius,
você sabe disso.  E você nunca se importou com as camas que eu
vou.  Então, por que essa severidade súbita comigo, quando eu não fiz
nada além de anunciar minha intenção de me tornar uma pessoa
respeitável?
— Parece-me que vocês confirmaram suas características, — Rafe disse,
ignorando a tensão que se desenvolveu na sala. — Meus queridos amigos
são um Don Juan e um homem de negócios cínico, mas se nada mais...
— Somos um grande trio, na verdade  —corrigiu Mayne.  — Um bêbado,
um Don Juan e um homem de negócios cínico.  Digna descendência da
sociedade inglesa. Nada a fazer: nós herdamos as falhas de nossos pais.
— Minha mãe não te agradecerá por lembrar as origens não nobres da
minha casa, — disse  Lucius.  — Você há muito decidiu que minha
predisposição para números vem do lado paterno da família.
— Sua mãe não entende nada, — respondeu Mayne, mas sem malícia,
virando o copo para beber as últimas gotas de conhaque.  — Você é o
melhor de nós, mesmo que seu pai lhe tenha deixado em herança apenas
o rosto e  praticamente  nada mais.  Ah,  bem,  pelo menos  eu  decidi me
redimir!  Primeiro o casamento, depois os filhos, e antes que alguém
perceba, aceitarei tomar meu lugar na Câmara dos Lordes.
Rafe tinha sérias dúvidas sobre isso.  No entanto, era verdade
que  Tess  dificilmente  poderia ter encontrado um partido
melhor; e como seu guardião, era exatamente com o que ele tinha que se
preocupar. — Ela não pode se casar em uma cerimônia pública ainda, —
objetou ele. — Está em luto fechado.
— Vou conseguir uma licença muito especial, — respondeu Mayne.  —
Meu tio é bispo, você sabe. Ele pode nos dar a licença e pode até mesmo
oficiar o casamento, aqui em sua casa. Tem uma capela, não é?
— Sim, mas primeiro  Tess  deve dar seu consentimento.  E  não tentarei
forçá-la se oferecer resistência a um casamento tão precipitado.
Mayne reagiu com um sorriso. — Isso não deve ser um problema. Deus
sabe se eu não sou especialista na arte de fazer as mulheres se
apaixonarem por mim. Tempo: dois dias no máximo. Alguns elogios, um
pouco de poesia e está feito. — Disse sem sombra de arrogância, com a
naturalidade de quem sabe o seu lugar no mundo e do que era capaz.
Rafe hesitou. — Sem atitudes impróprias até você se casar. — O tom de
sua advertência foi mais duro do que gostaria.
— Você sabe, minha irmã  Griselda  veio para ficar  em  Maidensrow  —
disse Mayne novamente.  — Algumas milhas daqui.  Por que não pedir-
lhe para ser acompanhante? Sendo uma viúva, pode dedicar muito tempo
a suas protegidas, para ajudá-las a fazer sua estréia na sociedade. Além
disso, ela sempre  te amou, Rafe.  Ela ensinará as meninas a ter
a coragem necessária para se encaixar no ambiente, e garantirá que meu
casamento não dê a impressão de ser uma loucura.
— Se você acha que ela pode aceitar, não posso pedir nada melhor. Tia
Flora não ajudaria em nada a aconselhar garotas em assuntos como
roupas.  E  como ela  ainda é solteirona, duvido que possa ser a melhor
conselheira em outros campos também.
— Minha irmã é muito boa nessas coisas.  As jovens viúvas são
especialistas na arte de combinar casamentos de outras pessoas,
evitando, ao mesmo tempo, a tentação de recair a si mesmas.  Vou
mandar uma mensagem amanhã de manhã cedo. A competência em
moda de Griselda se equivale apenas à sua curiosidade; Portanto, estou
convencido de que vai se apressar para chegar até nós na hora do
almoço. Talvez fosse o caso de que eu lide com a questão do namoro
antes dela chegar.
— Só posso desejar-lhe boa sorte, — disse Rafe.
— Eu vou me deitar, — Lucius anunciou mais uma vez.
— Você não pode adiar seu retorno a Londres? — Mayne perguntou a ele
neste momento. — Eu queria ter você ao meu lado, quando me casar. Eu
juro que tudo será resolvido dentro de uma semana, no máximo.
Lucius hesitou, depois disse: — Claro.
Rafe acompanhou  Lucius até a porta, mas, como a expressão de seu
amigo era ilegível, deixou que fosse sem comentar nada.

 
CAPÍTULO 9

Na manhã seguinte

Tess nunca fora ingênua em relação aos homens, mas acabava sendo
surpreendida pelo comportamento deles todas as vezes. Não demorou
muito para descobrir que o conde de Mayne decidira cortejá-la. Notou
enquanto tomava o café da manhã, quando levantou os olhos do prato,
imaginando quando as outras irmãs viriam e viu o conde entrar, com a
típica atitude de um caçador.
Seu primeiro pensamento foi que ele estava procurando Annabel, mas
mudou de ideia quando o conde se virou para ela, exclamando
enfaticamente: — Estou extremamente satisfeito, enchanté, os franceses
diriam, por encontrar aqui a deliciosa Miss Essex. — E porque ele não fez
nenhuma menção de qualquer outra irmã, Tess deduziu que a presa
pretendida era ela.
Terminou de comer o bolinho em sua frente, enquanto o conde se
sentou ao seu lado, mais elegante do que nunca, com uma gravata preta
e branca vaporosa amarrada no pescoço. A maneira como parecia comê-
la com os olhos não deixava dúvidas sobre suas intenções; a qualquer
momento faria uma declaração ou algo assim.
— Bom dia, — disse, com um sorriso que queria ser encorajador. Não
havia necessidade de tratá-lo grosseiramente, até que entendesse o que
ele realmente queria. Ela tinha uma longa prática, o céu era testemunha,
ao rejeitar as propostas indecentes: Escócia, em particular, estava cheia
de homens jovens que tinham em mente apenas os cavalos de corrida e
pareciam estar convencidos de que a filha de um pobre visconde não
hesitaria em trocar sua virtude por algumas roupas bonitas.
— Miss Essex — ele respondeu, pronunciando seu nome com um enlevo
exagerado, que colocou Tess definitivamente na defensiva.
Obviamente, nem todos os pretendentes eram iguais. Havia aqueles que
se apresentam de mãos vazias e aqueles que podem tornar uma mulher
uma condessa. Este último, obviamente, merecia maior consideração.
Tess colocou de lado o bolinho e preparou-se para ser cortejada.
Mayne não perdeu tempo. — Esta manhã você parece ainda mais
deliciosa do que ontem à noite —disse, pegando a mão dela. Sua cabeça
era uma massa perfeita de cachos; com certeza, ele os deixou
deliberadamente um pouco longos e desgrenhados, para que pudessem
ter mais impacto.
Ele parecia interpretar seu silêncio como uma forma de encorajamento,
exatamente o que ela esperava. — Espero não ousar demais, Miss Essex,
dizendo que você tem olhos maravilhosos, com um tom
verdadeiramente único de azul escuro. Assim como o lápis-lazúli.
Tess teria preferido terminar seu café da manhã em paz. Não que esses
elogios não fossem interessantes, mas certamente não poderiam saciar
sua fome. — Você é muito gentil, — disse, soltando a mão que segurava e
pegando o bolinho. Agora que pensou sobre isso, Annabel não aceitaria
bem. Tess teve a nítida impressão de que, apesar de ter tentado fazer
parecer apenas um jogo, sua irmã estava seriamente determinada a se
casar com o conde. Agora, em vez disso, ocorreu uma mudança
inesperada.
O conde olhou para Brinkley, que estava arrumando pratos em uma
pequena mesa ao lado dele. — Eu percebo que o meu pedido pode
parecer inadequado, considerando que estamos aqui sozinhos, sem uma
acompanhante...
Tess involuntariamente abriu seus olhos. Ele estava prestes a pedir a sua
mão, ali mesmo, pulando todas as formalidades? Quase brutalmente?
Afinal, mal sabia o nome dele, não tiveram nem tempo para uma
apresentação.
No entanto, o conde só queria perguntar se ela queria passear com ele
no jardim. Eles não teriam uma acompanhante, porque Lady Clarice
nunca se levantava antes do meio-dia. — Nós sempre nos manteremos à
vista da casa, — assegurou.
Tess não se incomodou em explicar-lhe que ela e suas irmãs tinham sido
acostumadas desde a infância a percorrer o comprimento e a largura da
propriedade da família sozinhas; a governanta, quando tinha uma, não
poderia ficar atrás de todas as quatro.
— Com prazer, —simplesmente respondeu, percebendo, quando já era
tarde demais, que seu tom mostrava uma certa falta de entusiasmo.
— A menos que você prefira ficar em casa. Rafe só se levantará em
algumas horas. Ele sempre acorda com dor de cabeça e demora um
pouco até que ela passe. — Os olhos negros do conde eram magnéticos,
pareciam os de um feiticeiro.
— Por que você o chama de Rafe? — perguntou Tess. — Estava
convencida de que os membros da nobreza, aqui na Inglaterra, evitavam
usar formas de abordagem muito familiares umas às outras, como
simplesmente se chamando pelo primeiro nome.
— Rafe não suporta ser chamado de “Holbrook” — respondeu Mayne. —
Faz apenas cinco anos que se tornou duque, após a morte de seu irmão
mais velho.
— Oh, entendo, — disse Tess. — Ser chamado de “Holbrook” faz com que
pareça estar abusando do que era do irmão morto.
Mayne assentiu, mas quando Tess começou a pensar que talvez não fosse
tão frívolo quanto seu comportamento fazia parecer, o conde se inclinou
para beijar sua mão novamente. Começou a não gostar daquele
cerimonial repetitivo tanto quanto Josie. Felizmente, fazia quase um ano
que deixara de ir aos estábulos para cuidar dos cavalos e,
consequentemente, sua mão era suficientemente branca e macia para se
prestar tal galanteria.
— Eu acho perigoso ficar tão perto de você Miss Essex — disse o conde.
— Deve ser, sem dúvida, um sentimento desagradável, — respondeu.
Mayne parecia pego de surpresa, mas se recuperou prontamente. — Pelo
contrário, —assegurou. — Há sempre uma espécie de arrepio agradável
ao estar perto de uma mulher bonita como você.
— Arrepio? Você não vai ter febre?
O conde pareceu perceber que a conversa tinha chegado a um ponto
morto. Tomou sua mão novamente e encostou os lábios. — A verdadeira
beleza sempre gera um pouco de tristeza no coração. Algo como estar na
frente dos mármores da Grécia antiga ou das pinturas dos grandes
pintores renascentistas italianos.
— Eu não tive o prazer. — Tess retirou a mão, desejando a solidão de seu
quarto. — Acho que tenho um pouco de dor de cabeça — disse,
levantando-se. — Receio ter que adiar nossa caminhada, meu senhor.
Mais uma vez a reação do conde surpreendeu-a. Em seus olhos, um flash
divertido passou. Mesmo que fosse talvez um canalha, não era privo de
senso de humor.
— Se você me permite, não vou mais beijar sua mão novamente para
cumprimentá-la, Miss Essex. Vou apenas me curvar, — disse, com uma
expressão abertamente irônica. — Eu te entendo. Nós, ingleses, podemos
ser um pouco entediantes com nosso formalismo excessivo.
Tess deduziu que o conde a considerava uma espécie de camponesa que,
perturbada por seus refinados beijos, se sentiria tranquila se ele
permanecesse a uma distância segura, limitando-se a um curvar
elegante.
Ela o observou enquanto se curvava, depois lançou-lhe uma última
flechada: — Obrigado por sua gentileza. Aprendi tanto com esta breve
reunião que só posso me retirar para o meu quarto e pensar em como
subir ao seu nível.
Nem se deu ao trabalho de ver se ele ficou boquiaberto, como imaginava.
Não se podia confiar em um homem tão bonito. Ele provavelmente
estava acostumado a ter multidões de mulheres que se atiravam em seus
braços, como Annabel na noite anterior.
Bem, talvez, depois da tirada dela, ele voltaria sua atenção para Annabel.
Virou e saiu.

Tendo sido desprezado, Garret Langham, conde de Mayne, desabou na


cadeira e olhou para os ovos mexidos que Brinkley colocara no prato.
Miss Essex provou ser impermeável ao seu charme. Ela era muito bonita,
com cabelos castanhos e lábios coloridos que sempre pareciam tomados
por um sorriso, mesmo quando assumiam uma expressão mal-
humorada.
Não podia culpá-la de mostrar que não apreciava muito seus modos
refinados. À força de correr atrás de todas as damas casadas de Londres
disponíveis para uma aventura extraconjugal (o único critério para
selecionar candidatas era que não tivessem um marido muito experiente
no manejo de armas, especialmente na distância regulatória de trinta
passos), havia desenvolvido uma técnica pouco espontânea de
abordagem, e não poderia usar o mesmo comportamento com uma
menina escocesa, franca, com gostos simples. Mesmo ele não podia
suportar todas essas sofisticações.
Sem que quisesse, a imagem de uma condessa graciosa apareceu em sua
mente, uma miríade de cachos loiros, dançando ao vento, envolta em
véus que destacavam seu corpo esguio. Apertou a mandíbula. A condessa
Godwin não estava interessada em sua companhia. Já tinha feito muito
ridículo. Bastava.
Se forçou a se concentrar novamente em sua futura esposa. Tinha que se
casar. Sua irmã dizia isto a ele todos os dias. Aos trinta e seis anos
precisava de um herdeiro. Tudo parecia tão... tediosamente definido.
Miss Essex era adorável. Inteligente até, para não se deixar encantar
pelos elaborados namoros.
E mesmo que não fosse um casamento movido pela paixão, traria um
cavalo com um nome sonoro, um cavalo, que quase havia vencido Ascot
no ano anterior. Se nada atrapalhasse, ele desenvolveria um vínculo
passional com esse cavalo.
O que mais alguém poderia desejar?

 
CAPÍTULO 10

De tarde
 
— Uma modista estará aqui amanhã logo depois do almoço, — anunciou
Rafe, cruzando com Tess na escada.
— Oh, você não precisava, — disse, sentindo um pouco de vergonha.
Evidentemente, o duque tinha percebido que elas estavam realmente
mal colocadas, em termos de guarda-roupa.
— Bobagem.  — Rafe olhou para ela e sorriu, com uma expressão que o
fazia parecer muito mais  jovem.  — Você é minha nova irmã adquirida,
lembra? Eu não posso deixar minha irmã andar por aí vestida como uma
criança. É um tipo de tecido que não posso ver. Me lembra da cozinheira
que tínhamos quando éramos crianças, uma mulher grande e
assustadora nos perseguindo, agitando uma concha ameaçadoramente.
— Meu Deus — disse Tess. Compartilhava o julgamento do duque sobre o
tecido de seu vestido, mas era humilhante estar sem dinheiro.
— E depois, vocês já cumpriram os três meses de luto rigoroso,
—  continuou Rafe.  — Não precisam mais se vestir exclusivamente de
preto. Mudando de assunto, Lady Clarice perguntou se você e suas irmãs
gostariam de se juntar a ela em uma excursão às ruínas romanas
de Silchester, amanhã de manhã. Miss Pythian-Adams vai ficar conosco
por um tempo, até encontrarmos outra acompanhante.  Então, se  você
está interessada em dar uma olhada nessas ruínas antigas, aqui está uma
oportunidade para não perder.
A ideia de que a noiva culta de Lorde Maitland estava para chegar, não
era nada agradável aos olhos de Tess. Mas sabia que Imogen iria insistir
em visitar as ruínas, na esperança secreta de
que  Draven  Maitland  participasse da viagem.  — Sou  muito grata a
Lady  Clarice  por este tipo de pensamento, —  respondeu com um tom
angelical. Mas não pode deixar de enrugar o nariz instintivamente.
— Eu vi, sabe?  —brincou o Duque, colocando o dedo indicador
no  nariz.  — Lady  Clarice  diria que este é um indicador de sua falta de
familiaridade com livros e cultura.
— Lady Clarice não está errada a esse respeito, — admitiu Tess. —
Infelizmente, nenhuma de nós pôde tirar proveito dos ensinamentos de
uma governanta por muito tempo.
— Vamos conversar sobre Miss Pythian-Adams amanhã a noite, depois
que você a conhecer, — disse Rafe, com um ar cúmplice. — Se você
decidir que realmente quer imitá-la, garanto que disponibilizarei para
vocês professores capazes.
— Não soa como um elogio, o que você diz, mesmo que eu não tenha
entendido se é direcionado para mim ou melhor, para Miss Pythian-
Adams — respondeu Tess, andando pelo corredor em direção ao seu
quarto. — Em todo caso, tentarei não desapontá-lo, meu venerável
protetor.
Rafe riu.

— ELE VAI PEDIR A SUA MÃO, É ISSO? — Annabel perguntou, indo em


direção à Tess, que acabava de entrar no quarto.
— Quem?
— O duque, claro.
— Você está errada, — respondeu Tess, tirando cuidadosamente as luvas
velhas e gastas para evitar rasgá-las.
— Oh, vamos lá, — disse Annabel, caindo em uma cadeira junto à lareira.
— Você estava tão perto, no jantar na noite passada, e acabei de ouvi-lo
rindo com você.
— Ele afirma não estar interessado em casamento. E devo dizer que, até
onde pude ver, é perfeitamente sincero.
— Felizmente, há o conde, — disse Annabel, movendo os pés descalços
para aquecê-los melhor com o fogo. — Me atrai a ideia de ser chamada
“sua graça,” mas me contento em me tornar uma condessa.
Tess mordeu o lábio inferior.
— Maldita seja você! — Annabel disse imediatamente, ao notar sua
expressão. — Você já pegou o melhor partido que temos, adivinhei?
— Eu não fiz de propósito — Tess se defendeu.
— Você tem sorte de eu não ter me apaixonado por ele. Eu devo ter
nascido sem uma gota de romantismo no meu sangue, o que é uma
grande sorte. Basta ver a que Imogen foi reduzida. Ontem à noite estava
lá, toda humilde e submissa, na frente daquela bruxa da Lady Clarice.
Essa menção fez Tess lembrar o compromisso para o dia seguinte. — A
propósito, acabei de dizer a Rafe que amanhã iríamos com Lady Clarice e
Miss Pythian-Adams visitar algumas ruínas deixadas aqui pelos antigos
romanos.
— Você sabe como isto é chato, — disse Annabel. — Vou dizer que eu
tenho dor de cabeça. Não quero me mostrar com essas horríveis roupas
de luto.
— Podemos escapar com uma desculpa, claro. A propósito, se Miss
Pythian-Adams realmente é como Lady Clarice descreveu, seria
humilhante para Imogen.
Annabel sacudiu a cabeça. — Se Miss Pythian-Adams está lá, iremos
também.
— Por quê? Na minha opinião, removeremos Imogen de novos
problemas, se evitarmos nos comparar com tal monstro de erudição.
— Por que a comparação irá contra ela? Eu, por outro lado, tenho
certeza de que, quando Maitland vê-las lado a lado, será Imogen a
vencer.
— Mas isso é o que eu não quero! A última coisa que espero é que Imogen
se case com Maitland.
— Você, minha querida, não tem nada a dizer sobre o assunto. Imogen
quer se casar com esse homem, e não importa o quão tolo esse desejo
possa ser, nunca vi nada de bom ao tentar sufocar as razões do coração.
Agora, se Maitland realmente quer casar com o poço da ciência, isso
significa que teremos que nos resignar. Mas, à luz da reação que ele teve
na noite passada, não parece tão entusiasmado em se casar com essa
Miss Pythian “sei tudo.” Minha impressão é que foi Lady Clarice quem
combinou o casamento, e ele aceitou apenas para pôr as mãos nas
“substâncias” de sua noiva.
— Sim, mas nesse meio tempo ele se comprometeu, e quebrar uma
promessa de casamento é um assunto extremamente caro, se a outra
parte decidir arrastá-lo ao tribunal.
— Maitland pode pagar. Viu o vestido de Lady Clarice?
— Eu não quero que Imogen case com Maitland — Tess reiterou. — Esse
homem é impossível. Basta olhar para a cena que fez ontem à noite. Eu
nunca poderia ter um marido com um caráter tão instável.
— Eu só preciso encontrar alguém que não possa distinguir um cavalo de
um burro, — disse Annabel. — Se Mayne decidiu cortejar você, não tenho
nada contra, mesmo porque a conversa dele, no jantar da noite passada,
estava cheia demais de corridas de cavalos. Quero um marido que esteja
mais interessado em sapatos de baile do que em ferraduras. Então, se
você quer se casar com o conde, Tess, apresse-se e faça isso, para que
todas possamos ir a Londres juntas. Estou disposta a apostar que tem
uma residência suntuosa na parte mais elegante da cidade.
— Eu acho que sim.
— Além disso, é um homem de gostos extremamente refinados. Você
notou as pequenas franjas que adornavam suas botas? Nunca vi nada tão
elegante em nossa terra natal. Sem dúvida, conhecerá todas as melhores
modistas de Londres.
— Estou surpresa por você não insistir em se casar com ele você mesma,
considerando que o considera um ótimo exemplo de refinamento.
— Mesmo que ele parecesse muito elegante em sua jaqueta de veludo
preto, e apesar de eu não estar menos impressionada por suas pernas
musculosas apertadas naquelas calças justas... — disse Annabel,
esquivando-se do travesseiro que Tess jogou após sua ousada insinuação
das pernas de Mayne — tenho certeza de que Londres é cheia de homens
igualmente atraentes, ricos e titulados. Obviamente, ele prefere você, e
você deve evitar escolhas precipitadas baseadas apenas na admiração
pelas pernas de um possível pretendente.
— Faz tudo parecer tão frívolo, — suspirou Tess, penteando o cabelo.
— Quando for a hora de realmente escolher meu futuro marido, vou
avaliar tudo mais seriamente, sem dúvida — Annabel respondeu com um
sorriso malicioso, deixando a poltrona e indo para a porta, para retornar
ao seu quarto.
— Ah, você nunca vai mudar! — Tess exclamou, sacudindo a cabeça com
uma expressão resignada.
 
CAPÍTULO 11

Na manhã seguinte
 
Rafe acordou com a boca amarga, uma sensação de que suas pálpebras
não queriam abrir e uma espécie de apreensão vaga.  Depois de alguns
minutos, se lembrou do porquê.  Naquele dia, a culta Miss Pythian-
Adams chegaria, e ele se comprometeu a acompanhar suas protegidas
em uma caminhada até as ruínas espalhadas pelo campo que pareciam
oferecer certo interesse arqueológico.  Se Maitland decidisse
acompanhar a namorada, outra cena poderia ocorrer entre Lady Clarice
e seu filho.  Uma perspectiva suficiente para quebrar sua promessa de
não beber álcool antes que o sol atingisse seu zênite.
Levantou da cama e lavou o rosto de mau humor.
O valete entrou na sala e entregou-lhe um copo cheio de um líquido
efervescente, sem comentários  Rafe o bebeu de um só gole.  Realmente
deveria decidir dar um basta com o conhaque. Mas não imediatamente.
Estoicamente se abaixou em uma banheira cheia de água fria e despejou
um balde sobre sua cabeça.  Quando parou de tremer e o resmungo no
estômago produzido pela bebida efervescente cessou, se sentiu
visivelmente melhor.
Por mais que tentasse, não podia reconstruir a fisionomia de Miss
Pythian-Adams, embora tivesse certeza de que a conhecia, quem sabe de
onde e quem sabe quando.  Parecia lembrar vagamente que ela tinha
cabelo ruivo. Desde que seu irmão Peter morrera e ele herdara o título
de duque, evitara qualquer oportunidade de se encontrar com possíveis
candidatas a casamento, e por isso não era de se admirar que não se
lembrasse dela.
É claro que ele não era a única pessoa na casa que pensava em Miss
Pythian-Adams naquele momento.
— Eu não entendo como conseguiu laçar Draven  — Imogen estava
dizendo a Tess, enquanto a ajudava a arrumar o cabelo. — Se tem alguém
que não sabe nada de cultura, é Draven.  Você acha que foi a mãe dele
que o empurrou a pedir a mão de Miss Pythan-Adams?
— Eu duvido, — respondeu Tess.
— Por que? — Imogen perguntou, abaixando a escova. — É normal que os
pais influenciem as escolhas dos filhos quando devem casar. O que você
acha, será... mais bonita que eu?
Tess encontrou o olhar ansioso da irmã mais nova no espelho, sentindo-
se terrivelmente dividida. Por um lado, parecia cruel encorajar Imogen
de qualquer forma. Mas frustrar suas esperanças era tão angustiante. —
Vai ser difícil para ela ser mais bonita do que você, Imogen, — disse
finalmente.  — Mas em um nível prático, o dote principal da sua rival
certamente não é beleza. Ela é uma herdeira e tem a aprovação de Lady
Clarice.
Um flash brilhante passou pelos olhos de Imogen. — Você quer dizer que
Draven concordaria em fazer um casamento por interesse?
— Quero dizer que não sabemos por que Maitland pediu a mão da Miss
Pythian-Adams.  Mas o fato é que ele pediu.  É melhor você se resignar,
deste ponto de vista.
— Estou cansada desses constantes avisos para me resignar!  — Imogen
exclamou, pegando de volta a escova. — Ele deveria me amar, não ela!
Não havia muito a dizer, por isso Tess teve o cuidado de não responder.
— Se papai tivesse sido mais previdente, nós também teríamos tido uma
governanta, e agora eu saberia tanto quanto ela de poesia, da história da
Roma antiga e de todo o resto.
— Claro — disse Tess.
— Ontem à noite eu nem sabia qual garfo usar, — reclamou Imogen. — E
isso também é culpa de papai. Ele tinha que imaginar que teríamos que
competir com mulheres... desse tipo!
— Papai não via dessa maneira.
Imogen começou a prender o cabelo de Tess com grampos de cabelo. —
Quando Draven nos vir uma ao lado da outra, vai me escolher, — disse
depois de um momento.
Mas Tess se recusou a lhe dar corda.  Tinha sido um erro tolerar por
tanto tempo que Imogen cultivasse um amor sem esperança. — Eu tenho
sérias dúvidas sobre isso.
— Eu não, — Imogen reagiu, forçando um grampo no cabelo dela como se
fosse uma almofada de alfinetes.  — Draven não ama aquela
mulher.  Nunca suportaria ter uma primeira da classe como ela ao seu
lado. Ele não pode ter escolhido uma assim. A única explicação possível é
que sua mãe o forçou.

MAS UMA HORA DEPOIS, A SEGURANÇA de Imogen começou a rachar.


Gillian Pythian-Adams não tinha, em absoluto, o ar de uma mulher
desvanecida prematuramente por muito estudo.  Não usava óculos de
pince-nez e não usava o cabelo preso no alto da cabeça, como Imogen
talvez imaginara.  Sob o seu chapéu, em vez disso, cachos cor de cobre
apareceram, e seus olhos verdes examinaram o mundo ao redor com
uma calma digna de uma grande dama, mas não sem uma luz sutilmente
irônica.
O coração de Imogen pulou uma batida.  Qualquer homem teria ficado
feliz em contemplar Miss Pythian-Adams, mesmo que ela continuasse a
recitar poemas o dia todo, ou  pior, conversasse com ele sobre história
antiga.
— Olá, Miss Imogen, — disse Miss Pythian-Adams, sorrindo. Deveria ser
proibido por lei uma mulher tão culta que tivesse pequenas covinhas nos
cantos da boca. Sem mencionar o esplêndido casaco de cor lilás, forrado
de pele, que fez Imogen morrer de inveja.
— Prazer em conhecê-la, — respondeu, franzindo os lábios. Não era de se
admirar que Draven nunca tivesse ido mais longe do que um beijo com
ela, uma menina escocesa pobre, estúpida e desalinhada, que tivera a
temeridade de confiar nele. Em seus olhos, aquele beijo provavelmente
nunca tinha sido nada além de um tipo de ato de caridade.
— Estou muito animada para visitar as ruínas, — disse Miss Pythian-
Adams. Até a voz dela era agradável, nem baixa nem alta demais. — E é
um verdadeiro prazer descobrir que há quatro moças nas imediações
com quem posso fazer amizade.
— Você sabe se Lord Maitland vai se juntar a nós hoje?  — perguntou
Tess.
— Eu acho que não, — disse ela bruscamente.  — Você provavelmente
ainda não percebeu, conhecendo-o apenas recentemente, mas Lorde
Maitland tem uma obsessão tão grande por seu estábulo de cavalos de
corrida que...
Em vez disso, naquele mesmo momento, o próprio Maitland entrou na
sala e caminhou direto para elas.
Tess viu Imogen, que era incapaz de fingir, acender como uma vela
quando ele apareceu. Miss Pythian-Adams, por outro lado, ofereceu-lhe
a mão para beijar sem demonstrar qualquer entusiasmo
particular.  Maitland, por sua vez, não parecia fazer distinções entre as
mulheres presentes e, quando chegou a hora de beijar a mão de Tess, ele
o fez com o mesmo calor que demonstrara em relação à sua noiva.
Finalmente todos entraram na carruagem e partiram para as ruínas. As
irmãs Essex se viram viajando com seu guardião.
O céu estava perfeitamente azul e o dia prometia ser muito quente. Tess
viu uma nuvem residual se dissolver rapidamente nos raios do sol. — Por
favor, prometa que vai manter a cabeça coberta, — disse a Josie, que
tinha o hábito de deixar o vento fazer voar o chapéu e descuidadamente
queimar o rosto.
Josie revisou as irmãs com os olhos e comentou rindo:  — Nós
parecemos um bando de corvos negros.
— Corvos bonitos, com um elegante chapéu na cabeça, — disse
Rafe.  Tinha um frasco de prata com ele, que Tess olhou com uma
expressão crítica.
No entanto, não pôde deixar de sorrir com sua piada.  — Você sabe ser
generoso com elogios, quando quer, sua graça.  Você poderia enfatizar
nossa aparência desajeitada e, em vez disso, coloca a ênfase na única
nota de elegância de nossas roupas.
— Não me chame de “sua graça” — o duque grunhiu. — A fala doce para
com as mulheres nunca foi meu forte, se é isso que queria saber.
— Por que não? — perguntou Josie. — Você não é velho ainda. — O tom
em que disse, no entanto, não parecia muito convencido.
— Josie!  — Tess a repreendeu.  Então se virou para o duque.  — Peço
desculpas pela impertinência de Josie. Estamos acostumadas a conversar
uma com a outra da maneira mais casual.
— Eu gosto, — disse Rafe, imperturbável.  — Talvez eu não seja tão
velho, Miss Josephine, mas o fato é que me sinto assim. E, agradecendo o
céu, até agora não encontrei uma mulher que me fez querer me jogar
aos pés dela.
— Se Annabel ou Tess não fizerem isso com você, temo que você seja
solteiro para sempre, — Josie respondeu com firmeza.
— Significa que vou me resignar ao meu destino — Rafe disse, cada vez
mais divertido.
A carruagem parou com um solavanco.  — Chegamos, — disse o duque,
colocando o frasco no bolso. — Vamos aumentar um pouco nosso nível
de cultura.
— Mal posso esperar! — Annabel exclamou rindo. — Vou exigir de Miss
Pythian-Adams que nos conte tudo o que sabe sobre a Roma antiga!
As ruínas estavam localizadas no meio de uma campina que acabara de
ser roçada para coletar o feno.  O senhor Jessop, o camponês daquele
pedaço de terra, veio pessoalmente abrir o portão na entrada,
apontando para um montinho de musgo ao longe.
— As ruínas estão ali, — disse, lançando um olhar duvidoso para os
pequenos sapatos elegantes aos pés de Lady Clarice e Miss Pythian-
Adams.  — O feno está secando rapidamente, com este lindo sol, então
vocês não encontrarão lama.  Mas eu ainda não sei como seus sapatos
estarão no final desta caminhada.
Então foi em direção à colina, com o duque, abrindo caminho para o
resto do grupo. Enquanto caminhava, começou a falar, acenando com as
mãos, e Tess pegou uma conversa varrida pelo vento.  Ele estava
explicando a Rafe que havia algumas pessoas em Londres, apaixonadas
pela história antiga, que queriam fazer escavações arqueológicas em seu
campo. E ele, obviamente, não era de acordo.
Para incômodo de Tess, Miss Pythian-Adams se afastou do namorado e
da futura sogra, para caminhar ao lado dela.
Finalmente chegaram ao extremo oposto do campo cheio de feno
deixado para secar.  A partir de então, tinha somente uma extensão de
gramado muito verde, pontilhada com flores brancas e violetas de
cenoura.  Um salgueiro chorão localizado apenas no final projetava,
graças também ao tronco torto, sua sombra no gramado,
proporcionando um agradável abrigo do sol.
Lady Clarice ordenou imediatamente aos empregados que colocassem os
cobertores e as cestas de piquenique sob o salgueiro.  — Eu tenho que
descansar, — anunciou.  — Na  verdade, acho que vou me contentar em
ver as ruínas de longe. Realmente não aguento isso, o fato é que eu não
estou acostumada a andar sob um sol tão quente.  É claro que as
mulheres escocesas são diferentes nisto de nós inglesas.  Tenho certeza
de que vocês são capazes de percorrer o campo com toda a sua vontade.
Além disso, a Escócia é quase toda campo, não é?
— Eu acho que na Inglaterra os agricultores são mais numerosos do que
no resto do país  — disse o conde de Mayne, quebrando o silêncio
constrangedor que se seguiu após as palavras de Lady Clarice.
— Ah, mas você não é agricultor!  — cantarolou.  — Lord Mayne, insisto
fortemente que fique aqui comigo enquanto os outros se espalham pelos
campos como ovelhas pastando.
Mayne, que já havia segurado Tess pelo braço, afastou-se dela com óbvia
relutância.
— Que pena, — disse Miss Pythian-Adams para sua futura sogra em um
tom compreensivo.  — No entanto, percebo que você precisa
descansar.  — E antes que Tess entendesse o que estava acontecendo, a
pegou pelo braço e arrastou-a para as ruínas, como um peixe preso num
anzol.
Os outros caminharam atrás delas, mas como Miss Pythian-Adams
estava correndo pela grama, ela e Tess logo se viram diante de paredes
desmoronadas que marcavam os restos de uma série de cômodos.  Miss
Pythian-Adams observou essas ruínas fazendo sons de
apreciação.  Também pegou um pequeno caderno da bolsa e desenhou
um esboço do sítio arqueológico.  Tess olhou para o céu.  Dois estornos
desenhavam círculos em frente ao sol, disparando pelo ar em uma
espécie de dança frenética.
— Eles estão no cio — Miss Pythian-Adams disse, seguindo seu olhar.
Tess ficou estupefata. Claro, sabia o significado da palavra, mas...
— Perdoe-me, não queria criar constrangimento, — desculpou-se Miss
Pythian-Adams. — Eu pensei que, sendo vocês escocesas, amassem, como
eu, evitar o uso de palavras inúteis.
— Oh, tudo bem comigo, — Tess disse fracamente.  Havia algo no olhar
direto de Miss Pythian-Adams;  era claro que gostava de desconcertar
seus interlocutores. Os estornos foram embora, continuando a dar voltas
no céu, como se estivessem embriagados pelo prazer de voar.  Ou de
outra coisa.
O centro das ruínas parecia nada mais do que uma sucessão de
ambientes, dos quais restavam apenas partes das paredes do perímetro e
degraus de pedra que desciam em direção  à base da colina.  O olhar de
Miss Pythian-Adams brilhou com entusiasmo enquanto vagavam
naqueles lugares.
Finalmente chegaram a uma pequena sala, cercada por paredes cobertas
de musgo, o que dava uma impressão agradável a Tess.  Ela e Annabel
teriam sido muito felizes, quando crianças, de fazer ali uma pequena
sala para os jogos infantis delas.
— Uma sala intacta, — exclamou Miss Pythian-Adams com admiração,
olhando em volta.
— Poderia ser uma sala de jantar?  — Tess perguntou, esperando que a
outra não notasse Imogen de braço dado com Maitland, para ser ajudada
a escalar a escarpa ao redor das ruínas.
— Eu prefiro pensar que é um banheiro, — respondeu Miss Pythian-
Adams, descendo cautelosamente por uma espécie de escorregador de
pedras que havia caído em um canto da sala.
— Nós realmente temos que fazer isso? — Tess perguntou, relutante em
se aventurar em um caminho tão acidentado.
Não obteve resposta e sabia que tinha que descer também. As lindas
luvas de um tom suave de azul que Miss Pythian-Adams usava agora
estavam todas sujas, por força de encostar-se às rochas para manter o
equilíbrio. As de Tess eram muito mais adequadas, uma vez que eram
negras.
— Sim, é mesmo um banheiro! — Miss Pythian-Adams disse triunfante
depois de um momento. — Você sabia que os antigos romanos
despejavam água quente nos banheiros? Aquele gasoduto que está ao
lado dele tinha que servir a esse propósito. A água provavelmente era
aquecida na cozinha.
— É estranho estar no banheiro de alguém — disse Tess, olhando para
cima. As muralhas tinham pouco mais de um metro e meio de altura,
não chegavam a dois metros; no entanto, olhando ao redor, não se via
senão uma caixa de céu azul, rodeada pelas folhas de um castanheiro
que se estendia sobre a sala.
— Seria ainda mais estranho se os romanos ainda estivessem aqui, —
disse Miss Pythian-Adams. — Afinal, dado o tamanho pequeno, eles
poderiam ter usado banhos de vapor aqui, como em uma sauna. Era um
hábito comum encontrar-se em lugares como este, todos nus, para estar
em companhia agradável.
Tess olhou-a intrigada. Miss Pythian-Adams usava pelo menos cinco ou
seis camadas de roupa, além do chapéu que devia guardar o rosto dos
raios do sol, luvas, sapatos de camurça... Era o protótipo de uma fidalga
inglesa e, no entanto, falava de pássaros no cio e de antigos romanos
nus.
— Elas são todas como você, as damas, aqui na Inglaterra? — perguntou a
ela.
— Eu a desconcertei com meus discursos? Se sim, peço desculpas.
— Nem um pouco, — disse Tess. Segurou um suspirou. A noiva de Lorde
Maitland era verdadeiramente impressionante, com seus cachos cor de
cobre e curiosidade irreprimível. Pobre Imogen.
— Então sua irmã está desesperadamente apaixonada por Lorde
Maitland? — disse Miss Pythian-Adams.
— Como disse? — Tess estava olhando para ela, literalmente sem
palavras.
— Eu só estava me perguntando se Miss Imogen está tão caída quanto
parece por Draven.
— Parece improvável para mim, — respondeu Tess, tentando se
recuperar da surpresa.
— Eu concordo com você, — disse Miss Pythian-Adams. — No entanto,
apesar do caráter infernal de Draven, não posso afirmar dizer que uma
mulher não possa se apaixonar por ele. Deus os faz e depois os acasala,
diz o ditado.
Tess ficou boquiaberta novamente. Rapidamente a fechou.
— Você já ouviu esse provérbio, Miss Essex?
— Eu concordo que tal possibilidade não pode ser descartada, — Tess
disse cautelosamente. O lado engraçado, refletiu, era que em
circunstâncias normais teria sentido simpatia por aquela mulher.
Miss Pythian-Adams olhou para o céu perfeitamente claro, aproximou-
se de Tess e disse de maneira confidencial: — Perdoe minha franqueza,
mas acredito que seria otimista demais esperar que sua irmã me livrasse
do meu noivado?
Tess mordeu o lábio inferior. — Eu suponho que você...
— Eu consideraria isso “a conclusão que deveríamos ter com as mãos
juntas” — disse Miss Pythian-Adams. — Hamlet, terceiro ato.
— Uau — murmurou Tess.
De perto, Miss Pythian-Adams era ainda mais bonita do que Tess
pensara. Mas no fundo de seus olhos viu o desespero. — Veja, Miss Essex,
eu fiz o meu melhor para fazer meu namorado mudar de ideia. Eu
memorizei passagens de Shakespeare, que eu recito continuamente. Eu
forcei Lord Maitland a me ouvir recitar todo Henrique VIII...
— Realmente?
— Realmente. Parece claro para mim que você nunca leu esta opera,
Miss Essex, senão teria expressado uma maravilha maior. Acredite em
mim, tinha lágrimas em meus olhos pelo tédio, a um certo ponto, mas
esse fenômeno do meu namorado limitava-se apenas a bocejar algumas
vezes.
Miss Pythian-Adams parecia um retrato de uma doce heroína romântica
de um romance histórico sobre a corte do Rei Artur. Só que não falava de
uma maneira correspondente à imagem. — Eu estou condenada a casar
com aquele homem bruto, ignorante e irascível, ou existe a possibilidade
de que sua irmã queira assumir essa tarefa ingrata em meu lugar?
— Se você não quer se casar com Lorde Maitland, — Tess disse,
cautelosamente evitando admitir que Imogen sentia uma paixão doentia
por esse tipo bruto — por que você não quebra o noivado? Se não me
engano, uma mulher pode fazê-lo sem quaisquer consequências sociais.
Miss Pythian-Adams reagiu com um sorriso amargo. — Não quando a
mãe do futuro noivo detém uma hipoteca sobre as propriedades do pai
da noiva.
— Você não é uma herdeira? — disse Tess.
— Sou. Irei herdar um legado substancial da minha avó na época do
casamento, mas como o mundo foi concebido dessa forma, essa herança
beneficiará meu marido, não meu pai. Infelizmente, Lady Clarice tem a
faca e o queijo na mão.
— Meus céus.
— Eu pensei que sufocando Lorde Maitland com minha demonstração de
cultura, ele quebraria o noivado. Minha família poderia reivindicar o
reembolso da hipoteca como um reparo para o rompimento do noivado
e tudo ficaria bem. Mas, infelizmente, o que deveria servir para
aborrecer o filho, em vez disso, enche a mãe de entusiasmo,
aparentemente.
— Olá! — exclamou uma voz atrás deles. O Sr. Felton apareceu na
entrada do quarto, ladeado pelo duque e pela própria Lady Clarice.
Miss Pythian-Adams deu um olhar de advertência a Tess. Então jogou os
braços para o céu. — Bem vindos, amigos, romanos, compatriotas!
— Isso é de Júlio César — imediatamente, disse Felton.
Com as bochechas coradas de excitação, Lady Clarice exclamou: — Oh,
Miss Pythian-Adams, você sempre sabe a coisa certa na hora certa!
Sempre que a escuto me sinto mais inteligente. Devemos descer
também? Você encontrou algo interessante aqui? Uma ânfora, talvez?
— Receio que não, — respondeu Miss Pythian-Adams, partindo para
escalar o leve gradiente cheio de pedras desmoronadas. Felton correu
para encontrá-la no meio do caminho e ajudá-la. Assim que Miss
Pythian-Adams estava segura na grama, voltou para ajudar Tess da
mesma maneira.
De repente, Tess teve a impressão de que o ambiente já apertado havia
encolhido ainda mais. Felton pareceu preencher todo o espaço, quando
tocou-a com os ombros largos, inclinando-se para examinar a tubulação
de água que Miss Pythian-Adams havia descoberto.
— Tinha que haver um banheiro aqui, eu acho, — disse.
— Chegamos à mesma conclusão, — disse Tess, perguntando-se se era
melhor se apressar e se juntar aos outros, que entretanto haviam
partido e cujas vozes ecoavam pelas ruínas. Em vez disso... ficou onde
estava.
Enquanto isso, ele vagava pelo quartinho, sondando os desfiladeiros
entre as pedras com a ponta do pau de mogno polido. Tess teve a
impressão irracional de que sentia falta do ar. Como diabos os romanos
se mantinham próximos, em um ambiente tão apertado e sem roupas?
Bem, se eles estivessem despidos...
— Miss Pythian-Adams disse que talvez fosse algum tipo de sauna, —
disse, tentando se livrar das imagens inconvenientes que estavam
lotando sua cabeça naquele momento.
— Eu acho que ela está certa, — respondeu pensativo. — E esse tipo de
banco de pedra provavelmente foi usado como um sofá.
Ambos ficaram parados por um momento olhando para a laje de pedra
que se projetava de uma parede coberta de musgo. Tess sentiu as
bochechas queimarem com a ideia. — Temos que alcançar os outros, —
disse, levantando levemente a barra inferior da saia e se preparando
para superar o desnível.
Um leve sorriso ondulou nos lábios de Felton. — Não foi minha intenção
alarmá-la, Miss Essex.
Como ela odiava homens que sempre mantinham uma distância, não
importa o que acontecesse! Quase preferia o ar eternamente sombrio de
Lorde Maitland à total falta de expressão do Sr. Felton. — Eu não estou
alarmada, — assegurou, instintivamente se afastando dele. Ele tinha um
físico tão imponente... e estava vindo em sua direção, e havia algo
naquele sorriso...
— Bem, suponho que as mulheres escocesas não reagem de maneira
diferente das inglesas, quando evocam um lugar como uma sauna, onde
todo mundo está nu...
Estava claramente tentando envergonhá-la, pensou Tess. Então, por trás
dessa expressão desapegada e irônica estava o desejo de tirar sarro dela?
— Oh, de jeito nenhum, — respondeu. — De fato, sou fascinada pela ideia
dos antigos romanos deitados em suas camas...
— Comendo um cacho de uvas? — ele sugeriu. Estava muito perto agora.
O vento arrepiou seu cabelo, que era marrom dourado e brilhava nos
raios do sol.
— Claro. Eles comiam uvas e escreviam poesia. As coisas típicas que os
antigos romanos sempre fizeram. — Tendo recebido uma instrução
bastante incompleta, não sabia muito sobre o assunto, mas parecia
lembrar que os romanos, quando paravam de lutar e colocavam suas
armaduras, ficavam deitados nus em uma cama, com um cacho de uvas
nas mãos, para ouvir todos os poemas que gostavam tanto.
O brilho divertido nos olhos de Felton a fez pensar que ele sabia
exatamente o que estava em sua mente. Tess corou ligeiramente, mas
aguentou.
— Poesia? — perguntou ele. — Existe algum poeta desse período que
você ama em particular?
Ele estava brincando com ela? Tess segurou seu olhar com orgulho. —
Sim, Catullo, por exemplo.
— Sua governanta devia ser um pouco original — disse Felton, com uma
expressão de surpresa genuína.
Tess permaneceu em silêncio. A verdade é que elas não tinham uma
governanta. Em um determinado momento, ela e Annabel decidiram que
tinham que ler os livros em sua biblioteca antes que seus pais sem
dinheiro decidissem vendê-los também. Não podiam se dar ao luxo de
permanecer ignorantes, se por acaso o pai tivesse cumprido sua
promessa de levá-las a Londres para a estréia oficial na sociedade.
— Eu já ficaria surpreso ao descobrir que uma mulher, embora educada,
leu Virgílio, — disse Felton. — Mas Catullo!
Diante de seu espanto, Tess se sentiu obrigada a dar uma explicação. —
Catulo começa com C. Annabel e eu tivemos a ideia de ler todos os livros
do meu pai, do primeiro ao último, em ordem alfabética. Mas nós
paramos no meio.
— Até?
— Chegamos até o H.
— Não leram, Shakespeare, então?
— Sim, sim. Caiu sob o F, Faixas famosas de obras shakespearianas.
Felton riu. Estava muito perto dela agora, e ela se sentia cada vez mais
desconfortável. — A poesia de Catulo que mais gosto — repetiu Felton —
não acho que seja a mais adequada para damas cultivadas na esfera
protegida da casa. Começa assim: Você me pergunta quantos dos seus
beijos serão suficientes para mim, haverá muitos...
Tess começou a sentir as bochechas queimando, enquanto Felton se
inclinava sobre ela com a audácia lânguida de um antigo romano nu na
sauna. Tinha que afastá-lo. Começar a gritar ou...
Ele encostou os lábios nos dela, com um gesto calculado, como se
quisesse apenas prová-los, antes de ir mais longe.
Quase sem perceber, instintivamente, Tess enterrou a mão no cabelo
grosso e cingiu o pescoço dele. O beijo quase casto tornou-se arrogante.
Mas ele a surpreendeu, inesperadamente segurando seu ímpeto.
— Duvido que uma governanta, por mais excêntrica que fosse, tenha lido
para vocês aquele poema de Catullo, Miss Essex — murmurou divertido.
Tess se sentiu atingida. Quem ele achava que era? Esperava ser capaz de
intimidá-la, beijá-la daquele jeito e fazer com que seu nível superior de
cultura pesasse?
— Você me pergunta quantos dos seus beijos serão suficientes para mim,
haverá muitos — ela recitou então. — Quantas bíblias estendidas lá em
Cirene... — se interrompeu. O jeito que ele a olhava tinha bloqueado sua
memória.
Felton não tinha mais uma expressão irônica, mas uma autêntica
surpresa. Tess disse a si mesma de repente que precisava sair dali. Tudo
estava se tornando muito embaraçoso e comprometedor.
— Oh! — Exclamou, levantando a barra da saia e se preparando para
subir de volta. — Esqueci a próxima linha, então tenho medo de
interromper essa conversa culta.— Ele estava bem ao lado dela, para
ajudá-la.
— Quantas estrelas, — continuou Felton, em tom coloquial, como se
falasse de jardinagem, romanos antigos ou qualquer outro assunto de
conversa normal. — Quantas estrelas em silêncio no meio da noite
contemplam os segredos dos humanos.
— Certo — Tess disse, enquanto caminhavam no gramado. De repente,
ocorreu-lhe que o conde de Mayne começara a cortejá-la e que ela
decidira encorajá-lo. Beijar o Sr. Felton não foi prudente nas
circunstâncias.
Um servo educadamente foi às ruínas. Ele não parecia ter visto o que
acontecera no pequeno quarto que outrora fora um banheiro. — O resto
da companhia está esperando por vocês para começar o piquenique, —
disse o homem, curvando-se ligeiramente.
O Sr. Felton estendeu o braço e Tess se apoiou nele. Agora podia ver os
outros reunidos sob o salgueiro-chorão na borda da área das ruínas. Viu
o cabelo loiro de Annabel brilhar e o guarda-sol de Lady Clarice
movendo-se perigosamente, ameaçando furar o olho de alguém.
Que loucura, pensou, ser beijada assim, como uma pequena camponesa
ingênua. Com certeza, as moças que podiam se beneficiar dos
ensinamentos de uma governanta tinham mais autocontrole. O Sr.
Felton devia ter tido uma má opinião dela.
Eles andaram em silêncio.
Para dizer a verdade, Lucius estava se culpando de um modo não muito
diferente. O que diabos ele estava fazendo? Sempre tinha se orgulhado
de ser capaz de se comportar como um cavalheiro, muito mais do que
muitos que usavam um título nobre e, ao contrário, levavam uma vida
dissipada. Por que ele de repente jogava fora seus princípios mais
sagrados? Não só beijou uma mulher; beijou a mesma mulher que um
amigo seu, o conde de Mayne, decidira casar. Nada pior poderia ser
concebido.
Um gesto cheio de consequências, além disso. Beijar uma mulher,
mesmo que com delicadeza, num banheiro construído mil anos antes
pelos antigos romanos, significava para um cavalheiro digno do nome a
obrigação de fazer uma proposta de casamento.
Um pensamento apareceu em sua mente: Mayne ficaria muito mal se
Miss Essex aceitasse. Quem sabe, talvez houvesse uma maneira de
acalmá-lo: tinha a sensação de que, se desse a ele o cavalo, aquele com o
qual se importava tanto, como reparação, de bom grado desistiria de
qualquer outra reivindicação.
Então, sem pensar muito, mas lembrando-se de suas obrigações como
cavalheiro, Lucius disse: — Miss Essex, gostaria de pedir sua mão.
Antes disso, havia feito uma proposta de casamento apenas uma vez;
tinha sido aceita com fervor embaraçoso. Desta vez, no entanto, a
mulher que caminhava ao seu lado nem sequer deu um sinal de que o
ouvira.
— Miss Essex, —disse, sua voz um pouco mais forte.
Ela deu um pulo e se virou para olhá-lo. Lucius parou e a olhou nos
olhos, na boca, aquela boca muito sensual, dizendo a si mesmo que beijá-
la não tinha sido uma decisão tão ruim. Esse pensamento foi seguido por
um começo de descrença. Realmente achava isso?
— Eu gostaria de pedir sua mão, — repetiu.
Mas Miss Essex não iluminou seu rosto como esperava. Em vez disso,
deu-lhe um olhar perplexo e cauteloso. — Eu acho que a sua pergunta é
uma consequência mecânica do que aconteceu entre nós?
Faltou pouco para Lucius parar de repente por causa da perplexidade. —
Eu acho sua companhia encantadora, —disse cautelosamente, olhando
para ela. Seus olhos se encontraram e eles permaneceram por alguns
momentos, antes que ela os afastasse.
— Meu comportamento inadequado não pretendia encantar ninguém, —
respondeu Tess.
— Você não fez nada de errado, — protestou ele. — É tudo minha culpa.
Eu sou o único que se comportou como um inconsequente.
— O que você diz me conforta. No entanto, não posso aceitar uma
proposta de casamento que seja um capricho de um momento — disse
Tess, dando um sorriso.
Lucius deveria ter ficado aliviado, mas em vez disso percebeu com
alguma irritação que estava ansioso para saber por que ela não queria se
casar com ele.
— Não se preocupe, Sr. Felton, não penso mais naquele beijo. E como
ninguém nos viu, certamente não temos razão para subverter nossas
vidas com base em tal tolice.
Tolice? Ela achava mesmo isto? Lucius não pensava da mesma maneira.
— Muito barulho por nada, — ela concluiu, num tom que não admitia
réplica.
Tess acelerou um pouco o ritmo, parabenizando-se por como se
mostrara indiferente, se não desdenhosa. O Sr. Felton, estava certa, não
teria se comportado de maneira diferente se tivesse recebido tal
proposta. Não que tal reversão de partes fosse fácil. Mas se isso
acontecesse, o Sr. Felton simplesmente responderia com um olhar frio e
desdenhoso.
— De fato, em questões desse tipo, pode acontecer que tanto o homem
quanto a mulher se sintam um tanto forçados pelas circunstâncias —
Felton se aventurou, depois de alguns momentos de silêncio.
Os outros participantes do piquenique estavam agora próximos. Tess
virou-se para ele e deu-lhe um sorriso fugaz antes de acenar para o
grupo. — Eu não entendo porque.
— Aqui está você, — disse Lady Clarice, após a sua chegada. — Eu
realmente não entendo o que é tão interessante sobre essas paredes
arruinadas. Tudo o que consegui ver são buracos no chão e uma grande
quantidade de pedras que o pobre Sr. Jessop terá dificuldade em
remover.
O conde de Mayne ficou de pé e foi ao encontro de Tess com um sorriso
radiante. — Minha querida Miss Essex, — ele disse, — posso ajudá-la a se
sentar conosco?
— Nossa, vocês ingleses são tão cavalheirescos, — disse ela, olhando de
lado para Felton. Então pegou a mão que Mayne estendeu para ela e se
acomodou em um travesseiro ao lado dele. Enquanto isso, Felton havia
retomado sua habitual expressão impassível e se sentou ao lado de
Annabel, oferecendo-se para descascar uma maçã.
— Se querem minha opinião, essas ruínas são uma decepção, —
continuou Lady Clarice.
— Eu acho que elas são de indiscutível interesse, — disse Felton.
Como se sentisse o olhar de Tess sobre ele, sem mudar sua atitude
desinteressada e semblante, acrescentou, olhando para ela: — De fato, há
recantos capazes de produzir um entusiasmo desproporcional em um
espírito romântico.
— O quê? Você está se referindo ao pouco que resta das escadas? Ou às
paredes caindo?
Felton ainda estava olhando para Tess, e ela, tonta que era, parecia
incapaz de desviar o olhar. — Nem um nem outro, — disse. Então, de
repente, Lucius se voltou para Annabel.
Ao mesmo tempo, Mayne chamou a atenção de Tess, oferecendo-lhe um
pouco de torta de salmão.
Annabel riu de algo que Felton havia dito em seu ouvido. Tess então se
virou para o conde de Mayne com um sorriso radiante.
— Você é um homem do mundo, — disse a ele, levantando a voz para que
Felton pudesse ouvir também. — Ficarei muito grata se você quiser ser
meu guia.
Felton resmungou alguma coisa no ouvido de Annabel e ela desatou a
rir. — Faça-nos rir também, — disse Lady Clarice então.
— Foi apenas uma brincadeira, mas não acho que foi tão engraçado, —
disse Felton.
Tess olhou para baixo e comeu lentamente um morango. Annabel havia
descoberto há muito tempo que os morangos tingiam seus lábios de
vermelho de uma maneira muito provocante. Infelizmente, Felton não
estava mais olhando para o seu lado. Tess comeu outro, mais rápido. Por
que diabos estava se comportando assim? O que importava para ela se
Felton notava seus lábios ou não?
— Porque... porque ele me beijou — concluiu. E comeu outro morango,
pensando naquele beijo. E em casamento. Lady Clarice tinha como alvo o
pobre Rafe, atordoando-o com sua tagarelice. Mas não havia necessidade
de se preocupar com o duque; encostado contra o tronco do salgueiro,
ele olhou para sua interlocutora com as pálpebras a meio mastro, e sua
expressão sugeria que, tendo já bebido todo o frasco, não ouviu uma
palavra do que lhe disse. Naquele momento, a voz de Miss Pythian-
Adams alcançou seu ouvido, distraindo-a de seus pensamentos.
— Eu realmente não acho que pode haver alguém tão insignificante para
não se interessar pela história da Roma antiga, e pelo admirável sistema
de governo graças ao qual conseguiu conquistar metade do mundo.
Lorde Maitland estava alimentando Imogen com uvas, sem prestar
atenção á sua noiva; evidentemente ele não se importava em parecer de
mente estreita e muito menos com a história antiga.
Os raios do sol que se filtravam através das folhas do salgueiro
iluminavam os pratos preparados para o piquenique. Eles também
ressaltavam a pele branca de Imogen que contrastava com o cabelo
preto brilhante. Miss Pythian-Adams, em pose rígida, continuava a falar
sobre as façanhas dos antigos romanos.
Tess suspirou. Olhando para Imogen, disse a si mesma que tinha feito
bem em rejeitar a proposta de casamento embaraçosa de Felton. Amar
um homem significava, como o exemplo que sua irmã mostrava, sentir-
se perfeitamente à vontade com ele. Bem, sempre se sentiu
desconfortável quando estava com Felton. Aborrecido, inexpressivo,
sarcástico... e beijador traiçoeiro de mulheres. Olhou para o seu lado
novamente e percebeu a olhada que estava dando para ela.
Alguém acabou de colocar um morango na sua boca. Foi Mayne. Sua
aparência não era fria, furtiva, como a de Felton.
Mayne... para começar, era muito mais bonito. Seu rosto, com traços
aristocráticos, tinha algo de angelical, fazendo pensar em um jovem
coroinha que acabou se tornando um adulto. Sua expressão era sempre
alegre e afável.
Ele estava curvado, agora, descascando uma maçã. Seus cachos negros
caíam sobre o lenço de linho fino. Naquele momento, seus olhos se
encontraram. Ele tinha sutis linhas de expressão nos cantos dos olhos,
como acontece com aqueles que riem alegremente. Era de fato um rosto
bonito, nobre e cheio de energia. Um rosto capaz de resistir ao desgaste
do tempo, essencial em um casamento.
Era completamente diferente do de Felton, mais duro, mais seco, e em
seus olhos não havia a mesma alegria.
Mas ele a beijou.
Como se se julgasse no direito de beijar todas as mulheres que
encontrava, pensou Tess, ao aceitar a maçã que o conde lhe entregou.
Sabia instintivamente que, se Felton tivesse perdido a paciência, sua
língua teria sido mais afiada que o vento norte. Ele era cem vezes mais
perigoso, mais duro, mais...
Não, não havia comparação.
Virou-se para Mayne e deu-lhe um sorriso sedutor e amoroso, como
nunca fizera antes com mais ninguém.

 
CAPÍTULO 12

À tarde seguinte aconteceu algo excessivamente estimulante: Lady


Chace, a costureira da aldeia, entregou para cada uma delas um vestido
de noite, acompanhados de um bilhete em que a irmã o conde de Mayne
anunciava que chegaria em tempo para acompanhá-las na competição
hípica de Silchester, programada para o dia seguinte.
Tess entendeu perfeitamente que Lady Griselda iria lá por uma única
razão. Sem dúvida, Mayne havia comunicado sua família que queria se
casar. As suas atenções com ela eram cada vez mais evidentes. Tinham
jogado xadrez a noite anterior, e ele quase a tinha aturdido com os seus
discursos agradáveis, afogando-a também em elogios. Mesmo não
tocando no assunto de forma direta, era claro que estava levando tudo
realmente em a sério.
Annabel estava em êxtase. — Ele provavelmente só espera que Lady
Griselda chegue para pedir oficialmente sua mão. Eu sugiro que você
coloque o chapéu de Imogen, amanhã, nas corridas; é o mais bonito que
temos. Você tem que parecer em seu melhor, de todos os ângulos
possíveis. Quem sabe, pode ocorrer de fazer a proposta enquanto
caminha atrás de você.
— Como não? — Tess murmurou, quando terminou de pentear o
cabelo na frente do espelho. — Não seria o primeiro que se apaixona
loucamente por mim, fascinado pela visão das minhas omoplatas.
Seu vestido era de seda azul muito escura, acompanhado por uma
anágua branca, mas desprovido de ornamentação vistosa, em
consideração ao fato de ainda estarem de luto. O corpete envolvia seu
torso perfeitamente, e o decote mais aberto chamava a atenção para
seus seios.
— Sim, é possível que o conde peça a minha mão hoje à noite mesmo
— disse, olhando-se no espelho com satisfação. — Mas não se preocupe,
você pode se consolar com um daqueles duques de setenta anos que você
sempre fala, não?
— Ah, claro, — disse Annabel, considerando seriamente o que ela
queria que fosse uma piada. — Há apenas um problema. Não está
totalmente claro para mim quem ainda é solteiro. Eu realmente preciso
pedir a Brinkley para me obter um registro heráldico atualizado para
verificar isso.
Mas apesar do vestido novo, que em suas intenções deveria ter
estimulado o conde a pedir oficialmente a sua mão, o único evento
significativo da noite ocorreu quando Lady Clarice anunciou que voltaria
para casa amanhã, deixando a irmã de Mayne com a honra e o fardo de
se fazer de acompanhante para as moças. O conde, embora continuasse a
encher Tess com atenção, não fez nenhuma proposta de casamento.

LADY GRISELDA WILLOUGHBY era incrivelmente parecida, aos olhos


de Tess, de uma pastora de porcelana que sua mãe amava, porque era
um presente que seu pai lhe dera nos primeiros anos de casamento. Uma
pastora com cachos dourados e um sorriso doce, com minúsculos
sapatos saindo sob os largos babados de sua saia. Depois da morte de sua
mãe, quando ela tinha oito anos, Tess costumava entrar na ponta dos pés
em seu quarto e tocar as coisas que ela havia tocado quando estava viva:
a escova, a pastora, um livrinho de orações. Infelizmente, em alguns
meses, todos os objetos de valor foram sumindo. E um dia, quando Tess
apareceu na sala, até mesmo a pastora havia desaparecido da lareira
onde estava: seu sorriso de porcelana brilhante e seus olhos azuis
haviam sumido; seu pai, sobrecarregado de dívidas, a vendera.
Claro que a pastora nunca disse nada. Mesmo quando Tess estava
chorando e banhando a porcelana com lágrimas quentes, a pastora
continuava a sorrir, seus olhos azul-celeste fixos no horizonte. Lady
Griselda, por outro lado, estava constantemente falando. Tomaram chá
juntos na sala de estar, da qual Lady Griselda lamentou fortemente o
papel de parede cor de lilás, dizendo que até a menina mais saudável do
mundo ficaria pálida como uma morte em um quarto daquela cor. Ela,
em vez disso, para destacar melhor a pele de cor leitosa e os
encantadores olhos azuis que a faziam se parecer tanto com a pastora de
porcelana, usava um vestido de crepe cor de âmbar, com bordas de
renda. Apesar do papel de parede, parecia um retrato da saúde. E ainda
assim ela proclamou com determinação determinada: — Ouçam-me,
minhas queridas meninas, nunca mais teremos que pisar nesta sala até
que Rafe se sacuda de seu torpor e trabalhe duro para mudar o papel de
parede.
Lady Griselda acenou com a mão no ar, descuidadamente. — Uma
dama come café da manhã no quarto dela. É aconselhável evitar que seus
potenciais pretendentes se acostumem com a sua presença, vendo você a
qualquer hora do dia, a seu tempo. Querido... — disse, voltando-se para o
irmão. Sempre o chamava assim, com aquele apelido carinhoso. —
Querido, me faça um favor. Invente algum passatempo viril e leve Rafe
para um passeio, se você não se importar. Vá, sei lá, caçar coelhos ou
algo assim.
Tess notou com satisfação que Mayne gostava muito de sua irmã. O
conde se debruçou sobre o encosto do sofá e brincando fingiu enrugar
seus cachos. — Você está se preparando para corromper Miss Essex e
suas irmãzinhas com uma série de bobagens sobre o que uma dama
decente deveria ou não fazer?
— Eu tenho alguma experiência neste campo, — Lady Griselda
orgulhosamente proclamou. — E se eu tiver que introduzir essas
meninas na boa sociedade, é natural que eu dê a elas a contribuição da
minha experiência.
— Tenho certeza de que será uma ocasião extremamente instrutiva,
— disse Rafe. Ele também não parecia levar Lady Griselda muito a sério.
Mas ela não se importava e o tratava com a mesma familiaridade com a
qual tratava seu irmão. — Talvez, em vez disso, seja apropriado que
ficássemos, Mayne, para garantir que não fofoquem nas nossas costas.
— Agora, fora daqui, vocês dois, — ordenou Lady Griselda. — E pare
de sorrir assim, sua graça. Eu te aviso que assim que eu casar meu irmão,
eu cuidarei de você também.
— Você não me assusta, – disse Rafe, correndo para fora da porta. —
Apesar de você, seu irmão chegou a essa idade sem se casar!
Com os dois homens fora, Lady Griselda se virou para as irmãs. A
mais importante, claro, era Tess. Era só graças a ela que seu irmão
parecia finalmente determinado a dar o grande passo. Ela era uma
garota adorável, mesmo com aquele vestido preto feio. Realmente
adorável.
Os lábios de Griselda sorriam presunçosamente. As coisas não
poderiam ter sido melhores. — Agora podemos conversar, — disse.
— Somos muito gratas por concordar em ser nossa acompanhante, —
disse Tess, olhando nervosamente para Lady Griselda. A irmã de Mayne
era uma mulher capaz de intimidar o interlocutor com sua presença.
Tess notou que Annabel estava prestando atenção em todos os detalhes
de sua aparência, como as fitas que adornavam seus cachos, que eram
idênticas às de seus sapatos.
— É um prazer, — respondeu Griselda. — De verdade. — Deu um
sorriso que era a réplica exata daquele da pastora de porcelana. — Eu
quase perdi a esperança de que meu querido irmão tivesse uma esposa,
mas agora eu sinto uma renovação de minha confiança.
Tess sentiu as bochechas queimarem; por um momento esteve
prestes a dizer o que realmente pensava, que Mayne não significava
nada para ela, mas a intervenção providencial de Annabel a impediu.
— Estamos muito satisfeitas em acreditar que Tess foi capaz de atrair
a atenção do conde — disse.
— Annabel! — protestou Tess.
— Eu prefiro falar claramente, sem esconder nada, — disse Griselda.
— De fato, se eu tiver que preparar todas as quatro para encontrar um
bom partido, será necessário ser brutalmente franca sobre certos
assuntos, só entre nós. Encontrar quatro maridos de uma só vez não é
fácil, mesmo supondo que isso já seja feito para o meu irmão. Por outro
lado, você ainda parece jovem demais para mim, minha querida —
acrescentou, virando-se para Josie. — Perdoe-me, mas não sei
exatamente a sua idade. Você já concluiu seu ciclo educacional?
— Não — respondeu rapidamente Josie. — Ainda estou estudando. O
nosso tutor contratou uma governanta, que deve chegar amanhã de
manhã.
Tess abriu a boca para interferir, mas pensou melhor. Se Josie não
estivesse pronta para fazer sua estréia na sociedade, talvez não houvesse
necessidade de insistir. Tinha apenas quinze anos, afinal de contas.
— Bom, — disse Griselda em tom jovial. — Porque não hesito em
dizer a você, querida, que com a sua figura, os pretendentes se
alinhariam para bater na sua porta. No entanto, desde que você parece
determinada a desistir da competição, isso beneficiará suas irmãs.
Josie olhou para ela surpresa. — Mas eu sou gorda, — gemeu.
— De jeito nenhum, — disse Griselda com firmeza. — Acredite em
mim, os homens vêem uma mulher esbelta e em sua mente a chamam de
pele e ossos. Não há nada pior que magreza excessiva para seus olhos.
Graças a Deus, você não tem esse problema! — Ela se inclinou bem nas
costas do sofá, acomodando-se um pouco de lado. — Diga-me, Juliet...
você se chama Juliet, acertei?
— Josephine, para dizer a verdade, mas todos da família me chamam
de Josie.
— Bem, agora eu me considero da família, — disse Griselda com uma
piscadela. — Então, querida Josie, olhe bem para mim. Você pode me
definir como uma mulher gorda?
— Não, claro que não, — murmurou Josie. O corpo de Griselda tinha
curvas sensuais de uma Vênus do Renascimento, destacadas pelo corte
do vestido, que descia estreitando até a cintura, para se expandir nas
laterais, com a ajuda de saias engomadas, deixando imaginar as formas
voluptosas. A moda predominante, vice-versa, o chamado estilo Império,
desenhou um modelo ideal de uma mulher completamente desprovida
de curvas, com um corpo quase tubular, como um tronco de árvore.
— Imagino que outra mulher possa me descrever como uma Lady
gordinha — continuou Griselda, os olhos ainda fixos em Josie. — Mas
garanto-lhe que nenhum homem no mundo jamais compartilharia um
julgamento tão imprudente. — A segurança com a qual ela fez essa
declaração não permitiu respostas.
Tess a observou, cada vez mais admirada.
Griselda deu a Josie um último olhar triunfante e sentou-se no sofá.
— De acordo, então. Evidentemente, Josie prefere adiar sua estréia na
sociedade por um ano. Quem vem, após Josie? Suponho que seja você,
Miss Imogen. Quantos anos você tem, se posso te perguntar?
— Por favor, me chame só de Imogen também.
— Desde que você faça o mesmo, me chamando de Griselda.
— Vinte, — disse Imogen. — E nem eu quero passar pelo ritual de
estréia social.
Griselda levantou uma sobrancelha. — Bem, isso pode realmente ser
um problema. Você não é exatamente uma garota jovem, minha querida.
Mas Imogen não aceitou. — Como não pretendo casar, parece-me um
engano aparecer fingindo o contrário.
— E por que, se posso perguntar, você não pretende se casar?
Imogen orgulhosamente levantou a cabeça. — Eu já dei o meu
coração para alguém.
— Ah, — disse Griselda. — Bem-aventurada você. Realmente parece
que sou incapaz de fazer o mesmo, mesmo que eu tente encorajar os
outros a fazê-lo de tempos em tempos. Afinal, eles são apenas homens,
você não concorda?
Tess riu e Annabel desatou a rir, mas Imogen não vacilou. — Para
mim, não foi nada difícil dar meu coração a Draven. Eu o amo!
— E esse Draven retorna seus sentimentos?
— Lorde Maitland já está comprometido com outra — Tess interveio,
ansiosa para evitar mais perguntas sobre os sentimentos daquele
homem por sua irmã.
— Maitland? Maitland? — Exclamou Griselda. — Você se refere a
Draven Maitland?
Imogen assentiu.
Griselda olhou para ela, parecia prestes a dizer alguma coisa, mas se
conteve. — Um problema, — disse finalmente. — Eu amo me dedicar a
encontrar uma solução para problemas sentimentais. Agora, na minha
opinião, o problema aqui é duplo.
Imogen esperou, olhando para ela com os olhos arregalados.
Griselda continuou: — Você se lembra que eu lhe pedi para falar com
a máxima franqueza? De que outra forma posso ajudá-las?
Imogen assentiu. Ela estava sentada rígida no sofá, como se estivesse
de frente para a corte da Inquisição.
— Bem, falando sem papas na língua, devo dizer que Draven
Maitland é, em todos os aspectos, um tipo não confiável. Totalmente
incapaz de ser um bom marido; porque não tem mais nada em mente
além das corridas, e porque, de acordo com o que dizem... — Griselda
deu uma tossida... — mesmo que isso possa ser uma calúnia odiosa, não
tem a quantidade de sal na abóbora que se pode esperar encontrar em
um marido. Não é um obstáculo intransponível, por outro lado. Mas, se
não me engano, aquele jovem passa a maior parte do dia entre as pistas
e os estábulos...
— Isso é inegável, — reconheceu Imogen.
— Bem, deve ser o suficiente, certo? Meu Deus, eu não posso
imaginar nada mais entediante do que um homem que sempre fala
apenas sobre as doenças que podem afetar os cavalos, ou as distâncias
nas quais um dado cavalo é favorecido, ou outras idiotices desse tipo.
Tome cuidado... — acrescentou Griselda, olhando para Tess. — Mesmo
meu irmão não brinca quando se trata disso.
— Oh, isso não é um problema, — Tess disse, um pouco
insinceramente. — Meu pai fazia o mesmo.
— Seu pai, — considerou Griselda, com uma expressão pensativa. —
Bem, em algum momento você terá que me explicar um pouco melhor
como era. É verdade que só deixou um cavalo para cada uma de vocês
como dote?
Tess assentiu.
Imogen disse: — O fato de Draven pensar apenas em cavalos ou que
ele não é inteligente o suficiente não é o mais importante neste
momento. O verdadeiro problema é que ele já está comprometido!
— Sim, — concordou Griselda. — Assim escutei. — Se dirigiu para
Annabel. — Você também tem um homem escondido em algum lugar?
— Absolutamente não, — disse Annabel com um largo sorriso. Tinha
reconhecido Griselda como uma mulher de espírito, e isso estabeleceu
uma afinidade natural entre elas. — Aceito de bom grado sugestões,
mesmo que prefira escolher um homem que possa ostentar um título
nobre de nível adequado.
— Esta é a primeira vez, minha querida, que eu ajudo garotas em
idade de casar a fazer sua estréia na sociedade, mas garanto a vocês que
ficaria muito mal se uma de vocês se casasse com um plebeu. — Griselda
e Annabel trocaram um olhar de perfeita compreensão.
— Eu quero deixar uma coisa clara,— continuou, dirigindo-se a Tess.
— Você não deve acreditar, só porque meu irmão está literalmente
encantado por você, que eu não vou ficar do seu lado, se você decidir
rejeitá-lo. Eu sou a primeira a admitir que Mayne não é de modo algum
aquele anjinho gentil que gostaria de aparecer. De fato, desde aquela
primavera, que foi recusado...
Ela parou abruptamente e fez uma careta como se tivesse engolido
um sapo.
Devia ser algo que acontecia com ela com frequência, pensou Tess.
Lady Griselda tinha uma língua que às vezes corria mais rápido que o
cérebro. — Recusado? —perguntou a ela. — Então o conde já foi noivo?
— Absolutamente não. E de qualquer maneira, o passado não conta,
minha querida, já que está prestes a pedir sua mão.
— Claro, — murmurou Tess. Não sabia se o fato de outra mulher tê-lo
rejeitado tornava Mayne mais atraente ou o contrário. Ela deve ter sido
uma mulher casada, a julgar pelo embaraço de Griselda. Quem sabe,
talvez fosse ainda menos bonita.
— Agora a questão é essa, — continuou Griselda. — E quanto a
Felton? Queremos negligenciá-lo? Quero dizer, ele também está aqui,
agora mesmo. Uma oportunidade melhor não poderia ser imaginada. E
acredite em mim, muitas garotas casadouras, em toda a Inglaterra,
dariam quem sabe o que para ter uma oportunidade dessas
— Oportunidade? — Disse Annabel.
— Minha querida, não me diga que você não sabe quem é, e quanto
vale um homem como Felton.
As irmãs olharam para ela com expressão interrogativa.
— Não? Oh bom Deus. Esse homem tem mais do que um título
nobiliário. — Lady Griselda virou-se para Annabel. — Uma renda de mais
de duas mil libras por ano, e isso apenas a partir de suas terras. Há quem
diga que a Bond Street é em grande parte dele, para não mencionar o
valor de seus ativos puramente financeiros. Ele praticamente controla a
bolsa de valores de Londres, faça tempo bom ou ruim.
— Oh! — Exclamou Annabel, e uma luz surgiu de repente em seus
olhos.
— Isso mesmo, — disse Griselda, acenando com a cabeça em
confirmação. — Então, Felton está bem aqui. Não tem título, é verdade,
mas seus modos são dignos de um duque. De fato, em confiança, se os
comparássemos com os dos duques pertencentes à família real, eles
também seriam melhores, muito melhores. Ficaria extremamente feliz
em ver você e Tess resolvidas, antes de enfrentar o pequeno problema
de Imogen e Lord Maitland.
— Para isso, há muito pouco que você pode fazer, — disse Imogen.
Ela era a única das irmãs que aparentemente permaneceu imune ao
charme de Griselda. — Meus sentimentos por Draven são aqueles que são
e não podem mudar. Se não posso casar com ele, não vou casar com
ninguém. E, como ele não quer casar comigo, continuarei solteirona.
Griselda a gratificou com um olhar frio. — Neste caso, peço apenas
para não obstruir os planos de suas irmãs.
— Eu nunca faria isso!
— Melhor assim. No entanto, gostaria de pedir que reconsiderasse a
sua decisão. Se a estréia na sociedade for um fracasso, então você pode
se recusar a participar de eventos sociais no ano que vem. Mas se você
não participar este ano, todos começarão a fazer muitas perguntas.
Imogen abriu a boca para responder, mas Griselda não lhe deu
tempo.
— As pessoas são curiosas, — continuou. — Não há fim para a fofoca.
Assim que se souber que as irmãs Essex estão em idade de se casar, todos
se perguntarão por que uma delas está ausente. Em pouco tempo, os
rumores mais estranhos circularão. Eles vão dizer que você perdeu uma
perna, ou que você tem alguma deformidade monstruosa...
Imogen ficou devidamente impressionada.
Griselda virou para Annabel. — Quanto a você, Annabel, acho que
concorda comigo que o Felton tem qualidades que fariam dele um
grande partido...
— Claro, — disse Annabel com um grande sorriso.
— Sim, Felton é um homem incomum, — disse Griselda
pensativamente. — Há aqueles que o acusam das piores atrocidades, pela
maneira inescrupulosa com que conduz seus negócios. Certamente
nunca manteve aquela distância que a nobreza considera apropriada
manter de um certo mundo considerado indevido ou justamente indigno
de um cavalheiro. E, de fato, sua mãe nunca o perdoou por isso.
— O que você quer dizer? — perguntou Tess.
Griselda deu de ombros. — Pelo que ouvi, sua mãe é muito sensível a
certas aparências, também porque se casou com um homem de nível
inferior ao seu; ela é filha de um conde, enquanto ele é apenas o terceiro
filho de um barão, ou algo assim. Acho que essa é a principal razão pela
qual preferiria que a criança não tivesse um papel tão proeminente na
atividade comercial. — Apertou os lábios em uma careta. — Na verdade,
não há uma única mulher em toda Londres que compartilhe uma ideia
tão absurda.
— O relacionamento deles terminou porque ele joga no mercado de
ações? —Perguntou Annabel. — Se não estão interessados na riqueza de
seu filho, seus pais devem estar muito bem.
— Ah, sim, eles têm uma grande propriedade no que lhes garante
uma renda substancial, — respondeu Griselda. — Eu acredito, como
disse, que a principal razão para o seu desacordo são as transações
financeiras inescrupulosas de Felton, mas não posso dizer com certeza.
Os mais maldosos acham que é porque ele se recusa a compartilhar o
fruto de seus ganhos fáceis com sua família. Não se pode excluir que esta
seja a explicação real.
Olhou Annabel firmemente nos olhos e acrescentou: — No entanto,
tudo isso não tem importância. Um homem que não fala mais com sua
mãe, em retrospecto, é um homem que não tem uma sogra a seu lado
pronta para pular em sua nora. E... acredite em mim, é uma grande
sorte.
— Bem, então tudo parece estar resolvido, — disse Annabel. — Tess
deve se casar com seu irmão, enquanto tentarei fazer o mesmo com o Sr.
Felton, se for possível encontrar um nível mínimo de concordância com
ele. Farei imediatamente algo para mostrar a ele minhas intenções esta
tarde no hipódromo.
Griselda olhou para ela presunçosamente. — Eu acho que tenho mais
a aprender com você do que o contrário.
— Obrigado pelo elogio, mesmo que eu não esteja à altura de te
ensinar nada.
— Lorde Maitland e sua mãe vão se juntar a nós, — disse Imogen,
com sua habitual indiferença ao verdadeiro assunto da conversa. — Miss
Pythian-Adams, por outro lado, vai se juntar a nós na carruagem, já que
ela não é capaz de cavalgar. — Uma careta de desprezo acompanhou as
últimas palavras.
— Eu também não sei montar a cavalo, — disse Griselda, sem dar
importância ao olhar de desaprovação de Imogen. — Sempre considerei
nada além de um incômodo levar todos aqueles solavancos e respirar
toda aquela poeira, parando precariamente nas costas de um animal
bizarro. Além disso, os cavalos sempre têm dentes amarelos. Eu odeio
dentes amarelos. Meu sogro os possuía assim, e eu vivia com medo de
que meu pobre marido se tornasse como ele. Talvez tenha sido bom que
ele tenha morrido antes que isso acontecesse. — Se levantou, pronta
para partir, e concluiu: — Não me aguento com a ideia das grandes
novidades que estão prestes a ocorrer. Não posso dizer o que será mais
agradável para mim. Ver meu irmão cortejar uma jovem encantadora,
ou testemunhar como o Sr. Felton vai acabar enlaçado, tendo como
consequência o privilégio de contar todos os detalhes do evento
memorável para as muitas matronas londrinas que esperavam empurar
a ele suas filhas como esposas. Talvez me divirta mais com a segunda
coisa. Felizmente, eu trouxe uma grande quantidade de papel de carta.
Annabel pegou Tess por debaixo do braço quando saíram da sala e
sussurrou: — Espero que você perceba o perigo do qual escapou ao
aceitar a corte do conde. Parece que tudo o que acontece entre mim e
Felton, mesmo um simples beijo, será assunto de intermináveis fofocas
em Londres.
— O Sr. Felton não é o tipo de homem que beija uma mulher sem
pedir a mão, — disse Tess.
— Se ele se comportar como um verdadeiro cavalheiro, tanto
melhor. Minha tarefa será ainda mais fácil, — disse Annabel. — Sempre
achei que homens muito ricos são os mais propensos a serem
conduzidos pelo nariz.
Tess escutou franzindo a testa para as intenções bélicas de sua irmã.
De repente, ela sentiu os sintomas de uma dor de cabeça incipiente.
CAPÍTULO 13

Pátio central na casa do duque de Holbrook

Filho único, além de ter pais que não se dignavam a encontrar seu
herdeiro mais que duas vezes por ano, Lucius não sabia o que significava
ter que esperar que um grupo familiar se reunisse. E, como não era
casado, era ainda menos adepto dos longos preparativos das jovens de
idade de casar-se, para que pudessem realizar a breve excursão a cavalo
até a aldeia vizinha de Silchester, marcada para aquele dia.
Lucius não pôde acreditar em seus olhos enquanto os preparativos
estavam sendo feitos para a cavalgada até Silchester, antes da corrida.
Ele sempre pensara que as mulheres preferiam montar cavalos
tranquilos, mais adequados à delicada constituição física. Duvidava que
sua mãe já tivesse cavalgado, mas se o tinha feito, devia ser um
quadrúpede com as costas tão largas quanto um tabuleiro de gamão, e
um caráter completamente plácido, capaz de ignorar as cenas histéricas
de quem estaria na sela.
Aparentemente, isso não era verdade para as irmãs Essex, ou pelo
menos para as três que haviam se juntado ao grupo, já que Josie
preferira ficar em casa com a nova governanta.
Os animais que as meninas estavam prestes a montar eram na
verdade puros-sangues impetuosos, com um pelo brilhante e um caráter
sombrio, que passavam o tempo tentando morder um ao outro, com
orelhas baixas, balançando a cabeça para cima e para baixo, ou até
mesmo empinando nas patas traseiras. Trançavam os cascos, como se
estivessem impacientes para galopar, esfregaram as ferraduras na
calçada do pátio, soltando fagulhas. Em suma, um show
verdadeiramente impressionante.
A primeira das irmãs que veio tomar posse de sua montaria foi
Imogen. — Somos amazonas experientes, — disse, notando o olhar
duvidoso que Lucius lhe deu. — Minha Posy foi considerada uma das
possíveis favoritas no derby, dois anos atrás, até que teve uma lesão
muscular ruim. Quando se recuperou, ela se tornou minha égua pessoal.
A sua Posy estava dançando de lado como se ela tivesse sido mordida
por uma mutuca, e parecia bastante nervosa para saltar sobre o portão e
se lançar pelos campos.
— Parece ruim, mas é apenas uma cena, — disse Imogen novamente,
enquanto olhava para a expressão cada vez mais confusa de Felton.
— Égua magnífica, — disse Rafe, juntando-se a eles. — Eu a vi correr
em Ascot, no ano anterior a ela se machucar. Voava como o vento.
Lucius olhou para ele espantado, dizendo a si mesmo que deveria se
preocupar um pouco mais com a segurança das meninas que lhe eram
confiadas.
Enquanto isso, Annabel também apareceu, e foi para um castrado,
que estava em um canto, com orelhas achatadas e uma expressão
assassina em seus olhos. — Este é Sweetpea, — explicou, voltando-se para
Lucius. — Ele está um pouco nervoso esta manhă. Coitadinho, passou
muito tempo trancado no estábulo. — Sweetpea mostrou os dentes e se
sacudiu todo, como se estivesse se preparando para ir ao campo de
batalha.
— Minha égua é um anjinho comparado com o que vai montar Tess,
— Imogen dizia enquanto falava com Rafe. — Oh, aqui vem. Você pode
dizer por si mesmo.
Lucius se virou.
Miss Essex vinha na direção deles, atravessando uma parte
ensolarada do pátio. Tão magra, aparentemente frágil, parecia ser capaz
de montar apenas o cavalo mais dócil e submisso disponível nos
estábulos.
— Tess é a melhor de nós, — explicou Imogen. — Seu cavalo é
Midnight Blossom, filho de Belworthy. Você já ouviu falar dele, eu acho.
— Midnight Blossom? — Exclamou Lucius. — O castrado que jogou o
jóquei fora da sela na corrida de newmarket há três anos?
— Ele mesmo, — confirmou Imogen. — O que Maitland está fazendo,
vem ou não? Eu acho que minha Posy está ficando um pouco impaciente.
Mais que um pouco impaciente. A égua se agitou como uma fúria.
Lucius acariciou o pescoço dela e conseguiu acalmá-la.
— Ela gosta de você, — disse Imogen, surpresa.
— Acontece muito comigo, — respondeu Lúcio. Com o canto do olho,
viu um escudeiro ajudando Tess a escalar um cavalo monstruosamente
grande, negro como a noite. Ao contrário de Posy, Midnight Blossom não
estava mais agitado do que o necessário. Em vez disso, apenas arqueou o
pescoço e bufou suas narinas, como se não pudesse esperar para ir à
loucura. Midnight Blossom não fazia uma cena, era um verdadeiro cavalo
de corrida.
Mas Tess não parecia se preocupar muito com sua própria situação,
que parecia ainda mais precária, devido ao fato de que estava montada
de lado, não como um cavaleiro, como era prescrito para as mulheres.
— Você não devia deixar sua protegida montar esse cavalo! —
apontou Lucius para Rafe. — Midnight Blossom jogou seu jóquei em uma
vala apenas alguns anos atrás.
— Você está preocupado com Tess, Sr. Felton? — Imogen perguntou
a ele. — Não há razão. È a melhor de nós. Papai sempre dizia que ela,
com os cavalos, até lê sua mente.
— Estou convencido de que minhas protegidas são perfeitamente
capazes de lidar com seus animais, — observou Rafe. —São adultas,
sabem como cuidar de si mesmas. Além disso, não é a primeira vez que
os montam, e parece-me que conhecem perfeitamente suas forças e
fraquezas.
— Um guardião responsável deveria ter um papel mais ativo, —
Lucius respondeu bruscamente. Midnight Blossom parecia pronto para
partir agora, e apenas moveu as orelhas para trás e para frente,
enquanto Tess falava com ele suavemente, acariciando seu pescoço
musculoso com a luva, desgastada pelo uso, embainhando sua mão.
Com o rosto fechado, Lucius pulou em seu cavalo, grande, preto e
brilhante como o de Miss Essex. Pelo menos, pensou, teria alguma
chance de alcançá-la quando seu puro-sangue saísse do controle.
Naquele momento, Maitland cruzou os portões maciços de Holbrook
Court, girando quase a galope e parando seu cavalo com um salto
imprudente. Lúcio, enquanto isso, flanqueara Tess, deixando seus dois
animais ficarem amigos, por assim dizer, aproximando os focinhos
trêmulos.
— Que estupidez! — comentou Tess, em voz baixa.
— Por que arriscar seu osso do pescoço andando assim? — ecoou
Lucius. — A propósito, não acha que você arrisca demais?
— Você não acha que estou preparada para cavalgar um cavalo como
meu Midnight?
— Eu mesmo me sentiria inadequado, com um animal assim, —
Lucius respondeu imperturbável.
— Eu duvido disso. O seu certamente não é inferior — disse Tess,
aproximando-se e dando ao cavalo de Lucius um coçar gentilmente no
pescoço. Qual o seu nome?
— Pantaloon. Filho de Hautboy.
— É lindo.
Pantaloon sacudiu a cabeça e bufou de satisfação quando ela coçou
até as orelhas.
Houve um pouco de confusão quando o resto da família Maitland
entrou no pátio. Lady Clarice montava um gracioso cavalo pequeno com
o pelo aveludado, que parecia capaz de prosseguir voluntariamente por
apenas um quilômetro ou dois, e depois arrastaria os cascos pelo resto
da estrada. Não que tivesse tanta importância, afinal, Lady Clarice se
apressou em explicar que uma carruagem os seguiria até o destino, caso
uma das senhoras se cansasse de andar a cavalo.
Draven Maitland se aproximou de Tess, observando seu cavalo com
admiração. O homem tinha muitos defeitos, mas conhecia o mundo das
corridas de cavalos de cor. — A última vez que vi Midnight Blossom foi há
um ano, —disse, sorrindo. — Faltou pouco para que eu pudesse tirá-lo do
seu pai, depois de uma aposta, sabe? Foi imediatamente após a vitória de
Midnight em Banstead Downs, antes de ser forçado a retirá-lo das
corridas. Eu gostaria que ele participasse do Grande Prêmio Ascot.
Lucius viu as bochechas de Miss Essex ficarem rosadas. — Estou
muito feliz por você não ter ganho a aposta, — disse ela.
— Oh, mas eu venci, — respondeu Maitland. — Seu pai estava
convencido de que um de seus galos cantava apenas no alto de um poste
de suporte de cerca. Eu ganhei a aposta com bastante facilidade.
— Deixe-me entender, — Tess disse então. — Em vez disso, você
treinou o galo para cantar em cima de uma pilha de estrume, para
provar ao meu pai que ele estava errado?
— Eu fiz melhor. Eu peguei o galo e cortei um tendão. Quando ele
não conseguiu mais subir a cerca, começou a cantar onde estivesse. Mas
não aceitei o cavalo, claro. Não, não. Seu pai era alguém que levava as
apostas extremamente a sério. Mas eu nunca teria levado Midnight
Blossom dele graças a uma fraude, mesmo que tivesse gostado muito de
enganá-lo.
Miss Essex, acariciando o pescoço do cavalo novamente, disse: —
Tenho certeza de que meu pai lhe agradeceu muito por sua
magnanimidade.
— Eu suponho que sim, — Maitland respondeu alegremente. Então,
estendendo a mão para a boca do animal, acrescentou: — Agora, se esse
cara bonito me deixar dar uma olhada em seus molares...
Mas Midnight Blossom não desejava ser examinado por Maitland. Se
afastou bruscamente quando Tess tentou em vão controlá-lo e empinou.
— Fique calmo, tolinho! — disse sua dona, inclinando-se para frente
em seu pescoço para evitar ser jogada da sela. O tom era carinhoso, não
zangado e, nem mesmo por um instante, Tess deu a impressão de se
sentir realmente em perigo.
Lucius tinha saltado nos estribos, pronto para agarrar o cavalo pelas
rédeas, mas ela não precisou de ajuda. O majestoso puro-sangue
permitiu-se ser domesticado por aquela mulher aparentemente tão
frágil, limitando-se a uma mordida na direção das costas de Maitland,
como se ele fosse tentado a se transformar em um animal carnívoro.
Lady Clarice, montando sua égua, estava indo em direção a todos os
participantes do piquenique para cumprimentá-los um por um. O jeito
que puxava o freio de sua pobre montaria era doloroso de se olhar.
— Minha querida Miss Essex, — exclamou ele, — temo que você não
esteja à altura da tarefa de lidar com uma fera tão feroz. Duque, você
não pensa na segurança de sua protegida? Eu acredito que este cavalo
deveria ser banido da coabitação civil. Você não viu como olha para meu
filho? Parece quase como se quisesse...
Claramente, a ideia de que qualquer ser vivo queria morder a bunda
de seu filho era inconcebível aos olhos dela.
— Suas protegidas estão em perigo, montando esses animais! —
disse, voltando-se para Rafe, quando avaliou totalmente o tamanho dos
três cavalos.
Foi Lucius quem interveio no lugar do duque, contradizendo o que
ele mesmo havia dito apenas alguns momentos antes. — Miss Essex
sempre manteve a situação sob controle, — disse.
Quanto a Rafe, ele simplesmente ignorou Lady Clarice, pulando na
montaria e gritando: — Vamos! Estamos todos prontos, finalmente?
— Quase, — respondeu uma voz da entrada da casa em um tom
imperturbável. Mayne parou na porta, colocando as luvas. Elegante
como nunca antes, em equipamento de montaria, composto de botas,
calças apertadas e uma jaqueta azul escura de lã. Os olhos de Lucius se
arregalaram; não estava acostumado a vê-lo vestido assim com grande
pompa. Em geral, quando os três, incluindo o duque, estavam juntos, se
vestiam de maneira despretensiosa: um par de calças de couro e uma
jaqueta surrada eram mais do que suficientes.
Mayne olhou para o grupo de cavaleiros que se dirigia para a saída e
foi direto para Tess.
A boca de Lucius se contorceu em uma careta. Mayne não fizera
segredo de suas intenções de casamento em relação à Miss Essex. Mas
ele havia esquecido. Novamente.
— Midnight Blossom, — disse Mayne, genuinamente satisfeito, como
só um verdadeiro amante de campeões do cavalo poderia ser. — Miss
Essex, minha estima por você aumentou muito. Você é a amazona mais
esplêndida de sua geração!
Tess deu-lhe um sorriso e os raios do sol transformaram o cabelo cor
de brandy numa nuvem suave de reflexos dourados e ferruginosos.
Apertando seus joelhos quase imperceptivelmente, Lucius esporeou seu
garanhão e dirigiu-se à saída do pátio.
Se ele não estivesse enganado, Mayne mostrara uma onda de emoção
genuína, a primeira do gênero, desde que começara a cortejar Miss Essex
ao ver seu cavalo.
Pantaloon caminhou lentamente até o grande arco de pedra na
entrada da residência do duque. Eles o seguiram, andando lado a lado,
Tess e Mayne. Ouviu o riso deles misturado com o som de cascos na
calçada.
Ela pertencia a Mayne agora, Lucius lembrou a si mesmo.
 
CAPÍTULO 14

Sem saber como ou por que, Tess se viu andando por uma fileira de
estábulos localizados perto do Queen's Arrow Inn junto com o Sr. Felton,
os dois sozinhos. Obviamente, ela deveria estar na companhia do conde
de Mayne, que passara a tarde toda a cortejando implacavelmente. Por
outro lado, Felton deveria estar andando com Annabel, que certamente
não havia desviado sua atenção.
Em vez disso, tudo aconteceu de uma maneira completamente
diferente, talvez virando uma esquina sem perceber, ou talvez tenham
sido os outros que mudaram de direção sem avisá-los. E agora eles
caminhavam lado a lado, sem seus pretendentes. Uma situação absurda.
Tess se sentiu vagamente agitada e culpada, como uma estudante que
estava cabulando aula na escola.
A área dos estábulos era vasta, infestada do cheiro de feno que
começava a fermentar. Era um cheiro que Tess amava e ao mesmo
tempo odiava: lembrava-lhe muito sua casa e, ao mesmo tempo, o que o
pai tirara das filhas por cultivar sua paixão insana, muito antes de tirar,
com a morte, até ele próprio.
Eles pararam na frente de uma baia. — Ramaby, o cavalo de Lord
Finster, — Felton disse a ela. — Eu não sabia que ele pretendia fazer com
que corresse mesmo em competições menores. Temo que derrote
facilmente todos os meus campeões.
— Não desta vez, — Tess respondeu confiante, acariciando o focinho
da baía. — Ramaby não está em posição de ganhar hoje. Você não se
sente bem, não é, querido?
Lucius riu, observando a maneira como o cavalo movia as orelhas
para frente e para trás, tentando captar as mais leves nuances das vozes
que falavam com ele. — O que você é, algum tipo de bruxa escocesa? —
Ele perguntou, dirigindo-se a Tess. — Você está jogando o olho do mal
neste pobre cavalo, dizendo a ele que não se sente bem?
— De jeito nenhum. Se você tivesse crescido entre os cavalos, como
eu, você também entenderia certas coisas. E Ramaby não se sente em
posição de vencer, no momento, é tudo. — Deu ao animal um último
tapinha afetuoso e foi embora.
Eles continuaram sua caminhada entre as pilhas de feno, espiando
dentro das baias. Lucius deliberadamente diminuiu o ritmo, esperando
ficar com ela mais um pouco.
— Você consegue saber se um cavalo está com fome ou não? —
perguntou a ela.
— Às vezes. Mas eu não sou um mago que possa ler mentes.
— Parece que sim para mim.
— Você não precisa de habilidades sobrenaturais para entender
coisas tão simples. Cavalos, então, ao contrário dos homens, não fingem.
— E eles não podem nem mentir, porque não falam, — observou
Lucius.
Tess parou abruptamente na frente de outra baia. — Nem mesmo
esta égua pode vencer, — disse.
— Você não precisa ser nenhuma cartomante aqui, — disse Felton. —
Eu também percebi isso facilmente. Claro que não pode vencer, está no
cio.
— Oh, — murmurou Tess, envergonhada. — Eu não percebi.
— O que você viu então? — Ele disse, indo para perto dela.
— Ela está toda atordoada, como se estivesse morrendo de sono, —
respondeu Tess. — Veja como está com as pálpebras semicerradas?
Quando disse isso, estendeu a mão magra para dar uma coçadinha à
égua atrás das orelhas, e o animal, como se para confirmar suas
palavras, fechou os olhos completamente.
— Bem, você certamente tem um talento especial que merece ser
bem utilizado, — disse Felton depois de um momento de silêncio.
— Eu realmente não tenho nada de especial, — ela disse
desconfortavelmente. — Não será o caso de alcançar os outros?
— Como quiser, Miss Essex. Vamos em frente.
Os bancos dispostos ao redor da tenda brilhavam, refletindo os raios
oblíquos do sol da tarde. O odor pungente vindo de uma barraca que
vendia salsichas grelhadas saturou o ar ao redor, junto com a babel de
comentários dos homens reunidos em vários grupos pequenos, com a
intenção de observar de perto os cavalos que se preparavam para entrar
na pista.
— Aqui, esses são meus, — Lucius disse de repente.
Dois magníficos puros-sangues com os pescoços delgados estavam
prestes a ser levados para a tenda, a garupa protegida por um pano de
sela, para manter os músculos aquecidos. Lucius não fez perguntas e
Tess evitou qualquer comentário.
— Uma vez disse ao meu pai que tinha certeza de que um certo
cavalo chamado Highbrow venceria a próxima corrida, — disse Tess,
evitando olhar nos olhos de Felton. — Meu pai apostou tudo o que havia
reservado para o nosso dote, naquela corrida, porque em outras ocasiões
acertei.
Um breve silêncio se seguiu, então Lucius disse: — Se bem me
lembro, essa corrida foi vencida por uma égua chamada Petúnia.
— Highbrow nunca terminou — murmurou Tess, olhando
distraidamente para os cavalos de Lucius.
— Ele caiu e quebrou a perna, — ele continuou, lembrando de todos
os detalhes agora. — Eles tiveram que sacrificá-lo.
— E é por isso, Sr. Felton, que não me atrevo a expressar qualquer
opinião sobre seus cavalos. Porque estou apenas jogando conversa fora,
francamente. Tudo pode acontecer em uma corrida.
— Não é muito encorajador o que você diz, mas devo admitir que é
verdade.
Tess olhou para cima e examinou o rosto dele. Sua expressão parecia
particularmente severa e inescrutável. Era o rosto de um homem que
não precisava ser confortado por seu vizinho, porque estava
profundamente em paz consigo mesmo. — Temos que achar os outros, —
disse a ele, deixando escapar uma ligeira irritação de seu tom. Afinal,
Mayne a estava cortejando e talvez quisesse pedir a mão dela naquele
mesmo dia na pista de corridas. E em vez disso ela estava se perdendo
em conversas inúteis (e um pouco imprudentes) com o Sr. Felton.
— Miss Essex, — disse ele em um tom calmo e determinado que a
deixou ainda mais nervosa.
— Eu gostaria de voltar para o nosso lugar, — disse ela. — Minhas
irmãs devem estar se perguntando onde estou.
Quando chegaram, encontraram apenas Annabel e Mayne, sentados
juntos nos degraus. Eles pareciam estar de bom humor e muito
próximos.
— Estão todos no buffet, — explicou Annabel. — Lady Clarice
encontrou uma amiga muito querida dela, a Sra. Homily, e soube que o
bufê servia um excelente presunto.
— Todos eles? — perguntou Lucius, erguendo as sobrancelhas com
uma expressão de surpresa.
— Todos, exceto Lord Maitland, que, suponho, está nos estábulos, —
disse Annabel, dando-lhe um sorriso cativante. — Você quer se juntar a
nós, ou você também está tentado pelo presunto?
Assim que se sentou ao lado do conde de Mayne, Tess viu uma luz de
interesse brilhar em seus olhos negros, o que lhe pareceu muito
eloquente. Começaram a conversar, e ele expressou toda a sua
admiração pela segurança com a qual ela governava um cavalo de
corrida.
Sua atitude se tornara mais séria. Pôs de lado a galanteria de um
homem do mundo e parecia ter um desejo sincero de dar uma base mais
sólida ao relacionamento deles. Sua maior atração era sua candura, que
fazia um surpreendente contraste com seu belo aspecto tenebroso. No
entanto, Tess não pôde deixar de ouvir a conversa com a qual Annabel
tentava encantar Felton. Tinha uma vocação natural para a arte do
namoro; nisso não era menos que o conde. Tess disse a si mesma que
precisava se resignar a considerar o Sr. Felton como seu futuro cunhado.
— Minha mãe era uma mulher intrépida e enérgica — enquanto isso,
contando a ela, Mayne dizia. — Voava como o vento, em seu cavalo,
mesmo enquanto cavalgava com a sela de lado, como uma Amazonas,
como dizem. Na Inglaterra, as garotas de boa família só montam assim,
Miss Essex. No entanto, ouvi dizer que na Irlanda algumas cavalgam
como homem. Perdoe minha ignorância dos costumes escoceses, mas
você já montou um cavalo na forma masculina?
— Nunca! — exclamou Tess com grande audácia. Na verdade, ela e
suas irmãs tinham montado assim, por mais de um ano, mas não teria
sido digno deixar escapar uma admissão tão embaraçosa.
Felton olhou para ela, mostrando claramente, a julgar pela
expressão dela, não acreditar nela. No entanto, não fez nenhum
comentário e virou para a pista de corrida. Tess sentiu a proximidade do
ombro dele, tão largo e volumoso, com desconforto agudo. A de Mayne,
por outro lado, ocasionalmente a tocava, casualmente, enquanto o conde
passava a folha com o programa de corrida, ou apontava para um dos
cavalos na pista. Felton, por outro lado, nunca a tocou, nem mesmo por
engano, mas isso, paradoxalmente, agravou seu embaraço.
— As colinas atrás da minha propriedade em Yorkshire são lindas, —
Mayne estava dizendo. — Muitas vezes cavalguei por uma hora inteira
sem encontrar nem uma casa. Uma espécie de Arcadia, um paraíso onde
você pode esquecer todas as suas preocupações. — Pegou a mão dela e
encontou-a nos lábios, olhando-a diretamente nos olhos. — Gostaria
muito de mostrá-la a você, Miss Essex. Garanto a você que um lugar tão
bonito faria com que passasse a nostalgia pelas extensões verdejantes de
sua Escócia natal.
O convite mudo transmitido pelo seu olhar não deixou dúvidas
quanto às suas intenções. — Há um pomar delicioso cheio de macieiras,
nas proximidades, atrás do hipódromo, que se parece muito com meu
jardim, Miss Essex. Posso te convidar para dar um passeio lá comigo?
Tess demorou a responder, paralisada por um tipo de bloqueio da
função cerebral. Realmente queria aceitar a proposta do conde? Annabel
se inclinou sobre o ombro de Felton e olhou para ela com uma expressão
de conhecimento. Sim, com toda a probabilidade Mayne queria levá-la
ao jardim para pedir oficialmente sua mão. E ela aceitaria. Afinal de
contas, ninguém havia feito uma proposta séria a ela, e, como irmã mais
velha, tinha que ser judiciosa e responsável.
— Na verdade — Felton exclamou de repente — eu estava prestes a
pedir à Miss Essex a honra de poder escoltá-la até a tenda. — Já estava de
pé e estava estendendo a mão. — Eu gostaria que você desse uma olhada
em um cavalo que acho muito interessante. A menos que tenha algo
contra.
— Não acho que devamos incomodar Miss Essex por algo assim, —
disse Mayne, dando a seu amigo um olhar de advertência. — Eu já havia
sugerido de sairmos para passear.
— Oh, fique aqui conosco, por favor, — disse Annabel, sorrindo para
Felton com um sorriso doce.
Tess estava começando a não conseguir lidar com essa situação.
Seria possível que o conde não percebesse que Felton tinha muito pouco
interesse nela como mulher? Bem, se não entendeu, ficou muito claro
para ela. Mayne ignorou completamente as últimas quatro corridas,
dedicando toda a sua atenção a ela; Felton, por outro lado, sempre
manteve a pista sob controle, apesar de toda a graça que Annabel
continuava fazendo para ele. Deste ponto de vista, Felton era como era
seu pai. Um pensamento arrepiante.
Como esperado, Felton sorriu casualmente para seu amigo, como se
dissesse que não tinha vontade de invadir seu território. — Vou trazer
Miss Essex de volta sã e salva em alguns minutos. Estou pensando em
comprar o cavalo que estava dizendo e confio muito no julgamento de
Miss Essex.
Mayne levantou uma sobrancelha, mas percebeu que Felton estava
apenas pensando em seus negócios naquele momento e, portanto, não
era um possível rival. Quanto a Tess, naquele momento lhe ocorreu
pensar que pelo menos Felton, ao contrário de seu pai, parecia levar em
conta sua opinião quando se tratava de cavalos.
— Bem, —concluiu para si mesmo. Desta forma, deixaria claro para
Mayne que a mulher com quem ele pretendia se casar não era tão dócil e
submissa, pronta para se curvar aos seus desejos. — Volto daqui a pouco,
— disse, levantando-se e pegando o braço que Felton lhe oferecia. Foi
recompensada com um sorriso luminoso, que ela não esperava ver em
um rosto que parecia geralmente distante e mal-humorado.
Mayne não poupou seus sorrisos na última hora. Cada um era como
uma carícia, uma promessa, um sinal de suas intenções, da aspiração de
se tornar seu marido. E, no entanto, nenhum daqueles sorrisos tinha um
efeito comparável ao de Felton.
— Ele não tem interesse em mim, — lembrou a si mesma.
Como se para confirmar sua convicção, Lucius a levou direto até a
tenda e perguntou: — O que você acha daquele cavalo?
3
Era um cinza manchado de branco esplêndido . Ele se aproximou,
dando uma impressão de poder e fluência, até que o condutor que o
guiava o segurou. O cavalo então teve um sobressalto súbito e sacudiu,
forçando o jóquei a se equilibrar para ficar na sela. Tess riu.
— Eu pensei o mesmo, — disse Felton, em um tom satisfeito.
Ela o olhou. — Não disse uma palavra.
— Não, mas olhando para o cavalo, você leu na cara dele o que estava
em sua mente. E eu, olhando para você, entendi.
Houve um momento de doloroso embaraço quando seus olhos se
encontraram antes que ela desviasse o olhar. — Seria melhor se...
O cinzento se afastou, indo em direção à pista, pronto, Tess não
duvidou, para correr para vencer.
Eles voltaram diretamente para os outros nas arquibancadas. Felton
já não lhe oferecia o braço, não sorria de novo para ela, nem dava
nenhum sinal que... que...
— Posso te levar ao jardim agora? — Mayne disse assim que a viu.
Suas intenções eram cada vez mais claras.
Tess olhou instintivamente para Felton. Pela primeira vez, ele não
estava examinando a pista através de binóculos. Em vez disso, olhava
para os dois, insinuando que sabia bem o que o conde estava prestes a
fazer e que não tinha intenção de interferir.
Então virou e foi se sentar ao lado de Annabel, que o acolheu com
evidente entusiasmo. Tess teve a impressão de que ele não estava menos
satisfeito do que sua irmã.
Então se levantou e colocou a mão no braço do conde. O tecido do
paletó, por baixo dos dedos, era liso como seda. — Vou com muito
prazer, — disse a ele.
Andou com ele, mostrando que estava completamente inconsciente
de Felton.
Chegaram abaixo de uma macieira e pararam. Parecia estarem
dentro de uma performance teatral.
Mayne pegou uma maçã do ramo e entregou a ela, que aceitou
graciosamente.
Ele beijou sua mão e olhou em seus olhos. Perguntou a ela a questão
decisiva; Tess respondeu com um aceno de assentimento (discretamente
soltando a maçã no chão). Mayne, depois de pedir sua permissão, tocou
sua bochecha com um beijo. Ela sorriu para ele e ele a beijou novamente,
desta vez em sua boca. Foi tudo muito agradável.
Ele pegou o braço dela novamente e eles refizeram seus passos,
futuro marido e mulher.
Ou melhor, futuros conde e condessa de Mayne.
 
CAPÍTULO 15

Todas haviam se reunido na cama de Tess, cada uma descansando


em um suporte diferente do dossel. Tess e Josie na cabeceira da cama,
Imogen e Annabel do outro lado. Josie claro, trouxera consigo um livro,
que ela estava lendo à luz da vela na mesinha de cabeceira.
— Eu ainda não consigo acreditar, — disse Imogen, olhando para
Tess com os olhos arregalados, como se um par de chifres tivesse
aparecido sobre sua cabeça. — Você vai se casar. Você se lembra do
medo que tivemos que ninguém quisesse casar conosco? E aqui estamos
na Inglaterra há menos de uma semana e você já está comprometida.
Deve se sentir no sétimo céu.
Na verdade, Tess sentia uma estranha incerteza, simplesmente não
conseguia se ver como uma mulher casada; era quase como se essa
proposta de casamento tivesse sido apenas sonhada. E certamente não se
sentia no sétimo céu.
— Nossos medos estavam ligados mais do que qualquer outra coisa
ao fato de que nosso pai não estava em posição de nos levar a Londres, —
objetou Annabel. — Acho que nenhuma de nós realmente duvidou que
pudéssemos encontrar um marido.
— Eu tenho que contar uma coisa para vocês, — disse Imogen neste
momento. Suas bochechas estavam todas vermelhas, e estava com os
joelhos contra o peito.
Todos se viraram para ela.
— Draven me beijou.
— Você ainda está falando sobre o que aconteceu quando você caiu
daquela macieira, na Escócia, ou você deixou aquele desgraçado te beijar
de novo agora? — Josie perguntou a ela.
Imogen estava muito feliz em reagir com uma resposta às
provocações de sua irmã. — Hoje, no hipódromo. De repente. Eu acho
que ele está se apaixonando por mim!
— Mas, Imogen, Lorde Maitland já está comprometido com Miss
Pythian-Adams, — Tess lembrou o mais suavemente possível.
— Você pode dizer o que quiser, — disse Imogen, levantando a
cabeça com orgulho. — Pedi a ele para me acompanhar até a beira da
pista para poder observar os cavalos mais de perto, e ele...
— Eu sabia, foi você que foi atrás dele, — disse Josie amargamente.
— A razão pela qual estávamos juntos não importa, — disse Imogen
com raiva.
— Não me diga que não procurou por isso, — Josie retornou ao
ataque. — Por que você não o levou para os estábulos? Você poderia ter
se jogado sobre uma pilha de feno e talvez se abaixar ainda mais.
— Josie! — Tess interveio. — Pare de falar nesse tom!
— Nós fomos perto da linha de chegada, — resumiu Imogen. —
Draven estava me contando muitas coisas extremamente interessantes
sobre os cavalos registrados para a corrida... Você não tem ideia de
quantas coisas o homem sabe: ele é capaz de contar a história de vida e
os milagres de cada cavalo. Em um momento decidiu apostar em uma
potra que já estava na pista, pronta na linha de largada. O apostador
pegou seu dinheiro, pouco depois ela ganhou a corrida, e ele pegou os
ganhos. E então me beijou, dizendo que eu trouxe sorte.
Tess mordeu o lábio, procurando uma resposta apropriada, mas
Annabel foi mais rápida. — Draven Maitland é exatamente igual ao nosso
pai, Imogen. Tem certeza de que quer passar o resto da sua vida falando
sobre potros e vendo seu marido dissipar seus bens nas corridas?
— Isso não é verdade, não parece nada com ele, — protestou Imogen,
abraçando os joelhos com uma expressão soturna.
— Pela primeira vez, eu concordo com você, — Josie disse a ela. —
Papai nunca andaria por ai num hipódromo beijando outras mulheres
depois que estivesse comprometido com mamãe. Ele era um homem de
honra.
— Draven também! Ele só sucumbiu a um impulso do coração. E é
diferente do papai também em outro aspecto. Ele sabe o que faz quando
aposta. Tem um sistema, e entende os cavalos de um modo que papai
nunca fez.
Tess encostou a cabeça no apoio atrás de si e contemplou o tecido
azul-escuro do dossel. Se perguntou se sua mãe tinha pensado as
mesmas coisas sobre o homem com quem se casou mais tarde. Os olhos
de Imogen brilhavam de orgulho e admiração quando falou sobre o
sistema que Draven seguia para apostas e sua experiência com cavalos.
Até mesmo Josie pareceu momentaneamente sem argumentos.
— Então, você está determinada a insistir com Lorde Maitland, sem
se preocupar que ele já esteja noivo de Miss Pythian-Adams? —
Perguntou Annabel.
— Somos feitos um para o outro, — disse Imogen.
— Se é assim, — disse Tess, — pelo menos tente não dar na vista. Não
fique sempre parada olhando para ele. Tenho certeza que o pobre rapaz
se sente desconfortável.
— Olhe para outra pessoa, — disse Annabel.
— Faça olhos doces para Rafe ou para o Sr. Felton, se precisar. Fazer
um homem ciumento é uma maneira certa de conquistar seu coração.
— Está bem, isso significa que só vou olhar para ele de vez em
quando, o mínimo possível — concedeu Imogen. Seu tom sugeria que
não tinha muita fé em ser capaz de colocar seu propósito em prática.
— Então, Tess vai se casar com o conde, — disse Annabel
alegremente. — Imogen tenta com Lorde Maitland, e eu acho que estou
em um bom caminho com o Sr. Felton.
— Você não precisa se casar com Felton, — disse Tess. — Tenho
certeza de que Mayne estaria pronto para prover sua estréia na
sociedade de qualquer forma, se você não quiser se apoiar em Rafe e
Lady Griselda, que também expressaram sua máxima disponibilidade.
— Sim, mas Felton já está aqui, — disse Annabel. — E se descobrisse
que Lady Griselda está certa, que o Sr. Felton é o melhor partido em
Londres? Que eu tive a oportunidade mais tentadora e deixei escapar?
— O Sr. Felton não tem um título nobre, — ressaltou Tess. — E você
sempre disse que isso era de vital importância para você.
— Não há necessidade de ter um paladar tão difícil. Na verdade, o
que mais importa nesse mundo é o dinheiro.
— Eu acredito que você deveria fazer sua estréia na sociedade
primeiro, em Londres, olhar ao redor um pouco. Você não precisa se
sacrificar.
— Sacrificar-me? Eu não sou o tipo de mulher que poderia viver ao
lado de um artista sem dinheiro, atraído pelo encanto de uma vida
boêmia. E o Sr. Felton tem, além de dinheiro, um...
— Cuidado, — disse Josie, olhando por cima de seu livro. — Minha
nova governanta, que é uma mulher severa, não aprovaria o que você
está prestes a dizer.
— Então não diga a ela, — disse Annabel. — Eu estava apenas dizendo
que seria difícil para mim admirar um marido muito magro, enquanto o
Sr. Felton é o oposto. E tem um lindo cabelo alourado, como a juba de
leão. Eu gostaria de ter um leão domesticado em casa. A menos que... —
Ela olhou Tess bem nos olhos. — A menos que você, Tess, tenha algo
contra isso.
— Por que deveria? — perguntou Imogen, curiosa.
— Porque há sempre uma chance que o Sr. Felton também lhe
interesse. Parece que vi...
— Você não viu nada, — Tess disse rapidamente. — Não tenho
nenhum interesse particular no Sr. Felton. Você está livre para se casar
com ele, se quiser.
— Porque se o Sr. Felton aproveitou a oportunidade, quando vocês
estavam sozinhos, para abraçar você... — Annabel insistiu.
— Como repetidamente tenho tentado fazer com que Imogen
entenda, alguns beijos roubados não garantem de modo algum que um
homem deseje regularizar o relacionamento com um casamento. E
mesmo se, por pura hipótese, o Sr. Felton tivesse cometido tal
incorreção comigo, isso não tem importância, porque o conde de Mayne
expressou explicitamente suas honráveis intenções por mim.
Annabel assentiu. — E não fez mistério nem mesmo com o Sr. Felton,
pelo que vi.
— E o Sr. Felton teve o cuidado de não interferir, — disse Tess,
fazendo o possível para esconder a estranha amargura que sentia com
aquela lembrança.
— Que decepção, — disse Annabel. — Não é de admirar que
permaneceu solteiro, apesar de sua enorme riqueza, o que certamente
fará dele um dos homens mais disputados em toda a Inglaterra. Esse
homem nunca vai se casar, parece.
Tess não se sentiu capaz de expressar sua opinião sobre essa
profecia. O pensamento só a deixou doente.
— Se o Sr. Felton beijou Tess, e não pediu sua mão, — disse Annabel,
dando à irmã um olhar significativo, — então não quero ter nada a ver
com ele.
Tess apoiou o queixo nos joelhos, tentando não se perguntar por que
a decisão de Annabel lhe deu tanto alívio. Afinal, ela já havia concordado
em se casar com um conde. Um homem que tinha tudo para ser
desejável.
— Bem, eu acho que Mayne é muito melhor do que o Sr. Felton, —
disse Josie, colocando o livro de lado.
— Eu concordo, — disse Annabel prontamente.
Só depois de um momento, Tess percebeu que suas irmãs estavam
espiando sua reação com grande curiosidade.
— Eu também! — Se apressou em dizer, mas percebeu que havia se
traído involuntariamente.
 
CAPÍTULO 16

Tess desceu as escadas, os dedos tocando o corrimão de mogno


polido. Quando entrou na sala, viu que Annabel ainda não havia
chegado. Na realidade, havia apenas o Sr. Felton, quer dizer, a pessoa
que menos queria encontrar.
— Parece que devo felicitá-la, — ele começou, dando-lhe uma
profunda reverência.
— Você sabia? — respondeu, olhando-o diretamente nos olhos, como
se dissesse a ele que não estava em condições de reclamar de nada. Sabia
muito bem as intenções de seu amigo, nem podia negar que havia
escapado de maneira descarada no hipódromo.
— Sim, claro, — admitiu Felton. — Estou feliz por você e por Mayne.
— Suponho que também seja uma felicidade produzida pelo alívio —
disse Tess, dirigindo-se a um armário de nogueira encostado a uma
parede. Era uma peça de mobília antiga, com portas de vidro
arredondadas e prateleiras internas onde numerosas caixas de prata
estavam em exibição.
Felton apareceu de repente ao lado dela e começou a examinar os
objetos exibidos na janela com ela.
— Meu Deus, você anda tão silenciosamente... — Tess exclamou,
reagindo com um leve suspiro e se virando para olhá-lo.
Ela captou uma luz especial em seus olhos. — Você rejeitou minha
proposta, —disse a ela. — Garanto-lhe que não sinto alívio.
— Céus! Você não vai querer discutir agora que você estava falando
sério. A única que pode realmente se entristecer é Imogen.
— É verdade que não estou morrendo de dor.
Tess começava a decifrar seu rosto impenetrável como o de uma
marionete. Agora, por exemplo, seu humor era desapegado e irônico,
pelo que podia entender. Abriu a porta do armário com mais força do
que seria necessário. — Que bonito, — disse, puxando uma das caixas de
prata, principalmente para fingir estar de alguma forma ocupada.
— O que você acha bonito, o fato de eu não estar morrendo de dor ou
a caixa?
— A caixa.
— É um presente de casamento, que tinha um significado simbólico.
Um costume generalizado no século passado.
— Realmente? — Ela disse, um pouco tola, contemplando a caixa. Era
pouco maior que a palma da mão, embelezada de cada lado com incisões
elaboradas. Na tampa, se podia ver a mão de um homem segurando a de
uma mulher.
— O noivo enchia a caixa com moedas de ouro, — disse Felton,
retirando a tampa. O interior era forrado de veludo vermelho, agora um
pouco desbotado. — Aqui, você vê — explicou, apontando para a tampa
— eles se dão as mãos. E aqui —apontou para um lado — os dois cônjuges
são retratados na fase do cortejo. Na verdade, ele está sob a janela da
garota, provavelmente cantando uma serenata para ela.
Tess sentiu cada vez mais agudo o desconforto causado pela
proximidade de Felton. Inclinando-se sobre a caixa, uma mecha de
cabelo caíra sobre a testa e isso lhe dava um ar incomumente atrevido.
Sua mão bronzeada era três vezes maior que a dela. Os ombros eram
proporcionalmente grandes. E o perfume que estava usando... oh, não
era um cheiro simples, mas um perfume maravilhoso...
— Isso parece uma cena que retrata o casal nos dias imediatamente
após o casamento, — continuou Felton. — Veja, estão sentados juntos à
mesa, e parece que estão tomando café da manhã.
— Ah — disse Tess, distraída por outros pensamentos. A caixa estava
agora na mão dele, seu brilho prateado criando um forte contraste com
sua pele morena.
— De fato, em retrospecto, imagino que seja a primeira vez que eles
tomam café da manhã juntos, imediatamente após a noite de núpcias.
— Por que? — Ela perguntou, pegando uma expressão divertida
novamente em sua expressão.
— Porque é um momento importante. Um está acostumado a tomar
café da manhã sozinho, e aqui de repente se encontra com uma noiva do
outro lado da mesa.
— Eu não estou acostumada a comer sozinha, — respondeu Tess,
perguntando-se para onde estava indo aquele discurso. Mas teve a
impressão de que estava tomando uma direção perigosa. — Eu e minhas
irmãs sempre formamos uma brigada alegre na hora do café da manhã.
— O café da manhã que se segue à noite de núpcias é provavelmente
um assunto muito menos barulhento, — disse ele, olhando-a novamente
com um ar irônico e alusivo. — Cansados como estão, a noiva e o noivo
não vão querer falar. — Inclinou a cabeça para observar melhor a incisão
na caixa. — É apenas minha impressão, ou a noiva está afundada na
cadeira, como se estivesse exausta?
Em sua expressão, à primeira vista impassível, Tess foi capaz de
compreender uma intenção maliciosa.
— Você está certo, suponho, —concordou, com estudada indiferença.
— O casamento sempre envolve muita energia física e mental.
— E aqui... — Felton continuou, virando a caixa — temos uma espécie
de desejo para os recém-casados expressos em forma simbólica, a fim de
não ir contra a sensibilidade comum da época.
Os olhos de Tess se arregalaram. Até onde ela podia ver, era uma
campina cheia de coelhos.
— A esperança de uma numerosa descendência — Felton explicou,
mostrando que ele se divertia com a ideia. — Coelhos são tão prolíficos...
— Pobre mulher, — disse Tess, colocando a tampa de volta na caixa.
— Coelhos!
— Mas você deseja ter filhos, Miss Essex, não é assim?— — Felton
disse isso sem olhar para o rosto dela enquanto colocava a caixa de volta
no armário.
— Por que você me beijou naquele tipo de sauna dos antigos
romanos? — Perguntou, por impulso.
Felton permaneceu por um momento com a caixa suspensa no ar,
antes de colocá-la na prateleira. Então completou o gesto e fechou o
armário. Respondeu-lhe fazendo uma pergunta: — Todas as mulheres
escocesas são como você?
— Claro, — disse Tess, levantando uma sobrancelha com uma
expressão arrogante, como ela tinha visto Lady Griselda fazer muitas
vezes.
— Eu queria beijar você, Miss Essex, simplesmente, —respondeu,
apontando seus lindos olhos azuis para ela. — Claro, sei que um
cavalheiro nunca deve ceder a tais impulsos, mas...
Tess prendeu a respiração: de repente, não conseguia mais pensar,
se mexer ou até mesmo respirar.
Ele colocou as mãos em volta dos ombros dela. Inclinou a cabeça e
apertou os lábios contra os dela. Tess sentiu-se frustrada. Sempre tinha
olhado para homens e cavalos um pouco da mesma maneira. Sempre
entendia na hora se seu pai estava irritado, cansado ou com raiva: seu
rosto era um livro aberto. O de Felton era indecifrável e isso só agravou
sua exasperação.
Mas o beijo que ele lhe deu foi eloquente. O beijo de um homem que
fervia de desejo. Não tinha muita experiência neste campo, mas seus
lábios queimavam, eles falavam de... alguma coisa.
Ela estava atordoada, com a cabeça zumbindo. Era tudo tão estranho.
Queria perguntar-lhe mil perguntas. — Por que você está me beijando?
De fato, por que você está beijando a prometida de seu amigo? E acima
de tudo, por que você me deixou ir com ele?
Abriu a boca, tentando falar, mas ele estava lá. Beijar Felton talvez
fosse a única maneira de entender um homem com uma expressão tão
impenetrável, pensou ela, confusa. Através do contato com seus lábios,
parecia ser capaz de decifrar até mesmo seus pensamentos: sentia fome
nele, um desejo incontrolável e feroz que a deixava abalada, com as
pernas trêmulas, e ao mesmo tempo ansiosa, pronta para arriscar tudo
por tudo.
— Tess, — ele murmurou, sua voz tão escura quanto a noite. Ela não
respondeu. — Tess, — Felton repetiu, com uma espécie de grunhido
suave.
Tess tirou os lábios dos dele e levantou a cabeça, olhando em seus
olhos. Os lábios estavam inchados e vermelhos, os olhos nublados, mas
ela ainda estava no controle de si mesma, não era uma virgem assustada.
— Sim? — respondeu finalmente com um sussurro.
Mas, de repente, Lucius percebeu que não sabia mais o que queria
perguntar a ela. Claro, deveria ter dito que não podiam se beijar. Que era
um homem de honra, e ela era uma mulher de boa família, e que ele
havia se comportado de maneira indigna beijando a noiva de seu amigo.
Mas as palavras morreram em sua garganta, porque havia algo em
seus olhos, um pedido silencioso que não podia ser ignorado.
— Eu não posso te oferecer o suficiente, — disse ele, fazendo um
esforço supremo para se impedir de tomá-la em seus braços novamente.
— Certa vez, pedi a uma mulher que se casasse comigo, mas percebi,
antes que fosse tarde demais, que precisava recuar. A verdade é que eu
não sou feito para o casamento. Tess, você merece algo melhor, um
homem capaz de amar você apaixonadamente, com seu coração e seu
corpo. E eu, por outro lado, aparentemente não consigo me conectar tão
profundamente com uma mulher.
O fogo que ele tinha visto queimar nos olhos de Tess até alguns
instantes atrás estava desaparecendo rapidamente. Agora ela os
manteve semicerrados, com uma expressão pensativa. Morria de
vontade de ceder e dizer que queria se casar com ela, levá-la para longe
de Mayne e mantê-la para si mesmo e para o inferno com o que ela
esperava, ou que ela merecia ter em termos de sentimentos.
— Você não pensa assim, — ela respondeu, acenando com a mão no
ar descuidadamente. — Eu nunca disse que queria casar com você. Com
efeito, lembro-lhe que já rejeitei a sua proposta a este respeito.
Lucius ficou rígido. Tinha acabado de abrir seu coração para ela,
confidenciando seu medo de ser incapaz de sentimentos profundos, e ela
reagia de forma tão desapegada e zombeteira?
Bem sim. Aquela sensual boca vermelha estava curvada em um
sorriso que expressava desprezo.
— Você está sempre convencido de que tem alguma garota a seus
pés, ansiosa para se casar com você?
Quando sorria, uma covinha se formava no lado direito de sua boca.
Lucius sentiu uma onda de raiva. Ele queria tirar aquele sorriso
desdenhoso do rosto dela com outro beijo quente. — Eu estava errado,
claro, mas tenho algumas circunstâncias atenuantes — ele respondeu
com o rosto duro. — Não estou acostumada a lidar com mulheres que
beijam com o entusiasmo que você demonstrou. Mas nós ingleses,
evidentemente, estamos muito atrasados, desse ponto de vista, em
comparação com nossos primos do norte.
O coração de Tess estava batendo com tanta força que ela ficou sem
fôlego, enquanto apelava para toda a sua capacidade de autocontrole de
fazer com que seu rosto permanecesse uma máscara impenetrável como
a dele. — Se você quer dizer que nós, garotas escocesas, não temos o
hábito de implorar a um homem que lhe faça uma proposta de
casamento, temo que seja verdade, meu caro senhor. — E dando-lhe um
tapinha leve no braço, acrescentou: — Felizmente para você, no entanto,
de acordo com o que você me contou, há muitas mulheres inglesas que
estariam dispostas a se sacrificar. — Para piorar a situação, deu à última
frase um tom de óbvia descrença.
— Entendo, — Lucius disse com uma reverência. — Fui muito rude.
Peço desculpas.
— Eu não acho que Mayne ficaria muito feliz se soubesse das
liberdades que você tomou com sua futura noiva, — observou Tess. Seu
coração batia menos freneticamente agora, e uma sensação de frio a
invadia.
Ele se curvou novamente. — Eu também pedirei desculpas a ele.
Tess olhou para ele e sentiu a raiva crescendo dentro dela. Como ele
se permitiu beijá-la e depois lhe dizer que não servia para o casamento?
Independentemente do risco consequente de comprometê-la e destruir
seu casamento com o conde? Como se atrevia? — Oh, poupe as desculpas,
— disse descuidadamente, afastando-se dele. — Eu considero o evento
nada mais que um acidente deplorável. Não tem importância. — Quando
ela estava chateada, o sotaque escocês aparecia de novo, apesar dos
esforços de seu pai para corrigir em suas filhas algo que a boa sociedade
de Londres via como uma falha.
— Se dissesse ao meu amigo que sua futura esposa é uma mulher
ligeira, você não ficaria bem, não é? — disse, atrás das costas dela, com
uma intenção claramente maligna.
Tess virou, farfalhando as saias. Ela acabara de se ver em um grande
espelho de moldura dourada no canto da sala. As emoções conflitantes
que se agitavam dentro dela não a tinham deixado feia, muito pelo
contrário: tinha bochechas coloridas, olhos brilhantes e uma pose
orgulhosa que destacava seus seios. — Faça o que mais lhe agradar.
— O que mais me agrada? — Lucius estava novamente na frente dela,
e a olhou nos olhos a partir de sua altura.
— Sim, — respondeu Tess, entendendo tarde demais que suas
palavras poderiam ser interpretadas de outra maneira.
— Eu vou fazer isso então.
— Sim, — ela murmurou.
Ele a puxou de volta contra o peito e a beijou. Por um momento, Tess
ficou muito chateada com o calor e a excitação que a invadiram, para
perceber mais. Mas então, como da última vez, o contato incandescente
com seus lábios permitiu que entendesse o que ele sentia naquele
momento. Raiva e frustração, claro, misturadas com desejo.
E também dor, sim. Percebeu que havia magoado seus sentimentos.
Aquele beijo era uma espécie de castigo, porque ele sabia que seus beijos
a deixavam profundamente perturbada.
— Eu não queria ferir seus sentimentos, — disse, seus lábios ainda
pressionados contra os dele.
— Você não precisa se preocupar com isso, — ele respondeu, com sua
habitual expressão impassível.
Mas Tess descobrira algo muito importante que acontece quando se
beija um homem; ainda mais um homem como Lucius Felton. O homem,
quando beija, é como um cavalo: ele não mente. Ela tinha certeza disso,
tanto quanto tinha certeza de que tinha as pernas moles e uma
respiração difícil, um sinal preocupante.
— Digamos então que peço desculpas por não ter dado a devida
importância às razões que o levam a permanecer solteiro — disse, se
soltanto do abraço.
Ele se curvou para ela, abstendo-se de responder. A luz que o desejo
frustrado acendera alguns momentos antes desaparecera de seu olhar.
Agora, olhando para ele, parecia completamente indiferente.
Então a porta se abriu e Lady Griselda entrou na sala, investindo-os,
como costumava fazer, com um fluxo de palavras. — Tess, minha
querida! — Exclamou. — Lamento dizer-lhe, mas meu irmão teve que ir a
Londres para fazer alguma coisa. Disse que fará o seu melhor para voltar
ao baile hoje à noite.
— Baile? — perguntou Tess, não se entristecendo, ao contrário de
Lady Griselda, por essa notícia.
— Apenas uma pequena festa informal entre nós. Até mesmo os
Maitlands estarão, é claro. Pedi a Brinkley para encontrar um trio de
músicos, ou algo assim, e aquele precioso homem prontamente
providenciou. — Imediatamente depois, um grupo de criados fez sua
entrada, quase para confirmar a realidade daquele anúncio, e ele
começou a mover a mobília na sala de estar, deixando um espaço
adequado no meio para criar uma pista de dança improvisada.
Tess lembrou que Griselda esperava propiciar o nascimento de um
idílio entre Felton e Annabel, por meio da valsa. Era verdade que
Annabel alegara que não estava mais interessada em Felton, mas essa
era uma garantia muito relativa, à luz da nova situação.
Enquanto isso, ele se afastou, indo até a janela e examinando as
sombras que estavam se acumulando no pátio. Tess podia ver seu rosto
refletido no vidro: parecia-lhe o rosto sério e austero de um homem
acostumado a calcular lucidamente todos os movimentos.
Certamente não era o rosto de um anjo, como ela havia pensado
desde o início, quando o vira pela primeira vez.
 
CAPÍTULO 17

Após algum momento a sala se encheu de pessoas. Lady Clarice


entrou com Miss Pythian-Adams; em seguida veio Imogen, no braço de
Rafe. Tess notou que ela olhava ostensivamente para o duque, com um
ar de adoração, talvez tentando deixar Maitland com ciúmes, como
Annabel sugerira. Rafe, por outro lado, parecia extremamente
desconfortável. Talvez ele precisasse se refrescar com uma gota de
conhaque. Imogen poderia ser exasperante quando queria.
— Eu tenho uma surpresa maravilhosa! — Exclamou Lady Griselda,
dirigindo-se a lady Clarice. — Uma pequena orquestra. Afinal, a dança é
a comida dos deuses, como disse o grande Shakespeare. — Permaneceu
perplexa por um momento. — Ou era a música? Eu sempre me confundo.
Lady Clarice colocou a mão no braço de Miss Pythian-Adams. —
Minha querida, você quer ser gentil?
— Se a música é o alimento do amor não parem de tocar. Dêem-me música
em excesso — citou Miss Pythian-Adams, obedecendo ao convite, — de
4
Décima segunda noite .
— Minha garota, você realmente é um poço da ciência, — disse Lady
Griselda, enquanto Lady Clarice sorria presunçosamente, como uma mãe
orgulhosa.
Ao contrário do seu comportamento de alguns dias antes, Miss
Pythian-Adams estava encolhida naquela noite com uma atitude
afetuosa em relação ao seu noivo. — Você, senhor, seria prefeito para
desempenhar o papel do duque Orsino, — disse, voltando-se para
Maitland. — Quando nos casarmos, uma das primeiras coisas que farei
será encenar este trabalho com você como protagonista!
— Aprender um roteiro inteiro de cor não é certamente meu forte, —
respondeu Maitland. Tess mal podia acreditar.
— Ah, não tem nada difícil! É apenas uma questão de exercício, —
disse Miss Pythian-Adams. — Eu sei de cor todas as palavras ditas pelo
duque Orsino. — Assim dizendo, abandonou o braço do noivo e assumiu
uma postura declamatória. — Esse ar ainda! Sua “morte” frágil, oh, chegava
ao coração como uma respiração que soprava nas cabeças de violetas os eflúvios
que voam.
Tess observou a cena por mais um instante, antes de perceber o
motivo do estranho comportamento. Miss Pythian-Adams decidiu usar
artilharia pesada em seu prometido esposo, na esperança de exasperá-lo
ao ponto de fazê-lo abandonar o jogo.
— Vou recitar as falas do seu personagem todas as tardes, ou melhor,
mesmo à noite. Em um mês, recitar Shakespeare se tornará algo natural
para você, como respirar.
Tess pensou ter visto algo muito semelhante ao ódio no olhar que
Maitland lançou à sua futura noiva, mas nesse instante ouviram no
outro extremo da sala os músicos que estavam afinando os
instrumentos.
  — Dançar sem ter jantado primeiro? Não parece possível, — disse
Lady Clarice, acenando com o leque nervosamente.
— Claro que é possível! — Disse Lady Griselda alegremente. — Vamos
lá, Lady Clarice, você tem que se deixar levar, senão vai acabar
envelhecendo antes do tempo.
Lady Clarice sorriu com firmeza, ou com mais precisão mostrou os
dentes como um chacal faria.
Não havia cavaleiros suficientes para todas as damas presentes, por
isso Tess se manteve distante quando as danças começaram com uma
quadrilha, seguida de uma valsa. Notou, no entanto, que Annabel se
comportava de modo muito expansivo com Felton, embora havesse
assegurado que não tinha mais nenhum interesse nele.
— Vamos retomar as danças depois do jantar, — disse Lady Griselda,
dirigindo-se a Tess. — E você vai se juntar a nós, minha querida.Espero
que, neste meio tempo, o meu irmão consiga voltar de Londres! —
Acompanhou aquelas palavras com um sorriso e uma expressão alusiva,
o que fez Tess entender o motivo da ausência de Mayne.
Ele tinha ido buscar o anel de noivado dela. Provavelmente, um anel
que já pertencia à família e foi usado pela tradição em ocasiões
semelhantes.
A orquestra continuou a tocar, mas Tess discretamente se dirigiu a
saída e saiu da sala.

CAMINHOU PELO CORREDOR, SENTINDO a nostalgia da vida simples


que costumavam levar na Escócia, onde não havia vestidos de seda
capazes de transformar sua irmã favorita em uma espécie de sereia
irresistível. Sentiu os olhos apertarem com o pensamento, e faltou pouco
para que começasse a chorar. O volume da música no fundo aumentou
de repente quando alguém abriu a porta da sala atrás dela no final do
corredor.
Tess não queria ver ninguém, então abriu uma porta à sua direita e
se refugiou lá dentro. Era um ambiente bastante apertado que deve ter
sido usado no passado para aulas de música. Em um canto havia, de fato,
uma harpa e uma viola de perna descansando em uma poltrona, bem
como um cravo apoiado em uma parede. No fundo, dentro de um nicho
protegido por pesadas cortinas de veludo vermelho, uma janela se abria.
Tess sentou-se no banco no nicho e olhou pela janela. Os
paralelepípedos do pátio brilhavam com a chuva e um véu de névoa
obscurecia a paisagem imersa na penumbra do crepúsculo. Os olhos de
Tess ainda estavam velados em lágrimas. Qual era a razão para ela
chorar? Estava prestes a se casar com um homem cheio de charme, que
mostrara sua admiração a ela de todas as maneiras possíveis. E isso,
lembrou a si mesma, era uma base sólida para o sucesso de um
casamento. Mesmo assim, com sua maneira excessivamente
complacente de fazer as coisas, Mayne às vezes parecia muito tolo para
seu gosto... De fato, de vez em quando ela tinha a impressão de que ele
era uma abóbora vazia.
Abóbora vazia? Pensava realmente isso de seu futuro marido?
Tess sacudiu a cabeça. Não podia dar ao luxo de chutar a sorte.
Provavelmente suas irmãs iam se estabelecer bem também; se Annabel
conseguisse se casar com o homem mais rico de toda a Inglaterra, elas
não poderiam pedir mais. Certo?
Um barulho da porta a fez estremecer e de repente percebeu que
suas bochechas estavam manchadas de lágrimas. Muito envergonhada,
fechou as cortinas na frente da janela, esperando que o intruso apenas
olhasse por um momento e partisse.
A porta se abriu e fechou novamente. Os passos de alguém
atravessando a sala podiam ser ouvidos. O estranho beliscou uma corda
da harpa. Tess lutou contra as lágrimas e enxugou o rosto com as mãos.
Tentou respirar sem fazer o menor ruído, encostando-se na parede,
lamentando não poder passar a noite toda em silêncio ali. Não tinha
vontade de ver como Annabel seduzia o Sr. Felton.
A cortina se abriu e ela pulou de pé, com o coração acelerado.
Sim, claro que já sabia que era ele. Entendeu desde o primeiro
momento, mesmo fingindo não saber.
— Oi, — Lucius disse a ela, olhando-a com seus olhos escuros.
Tess permaneceu em silêncio.
— Parece que não posso deixar de segui-la aonde quer que você vá,
—disse novamente. — Agora você pensará que quero te beijar
novamente.
Fale, diga alguma coisa, pensou Tess, — Você tem uma propensão
marcante para esse tipo de atividade, Sr. Felton, — disse.
— Verdade, — ele murmurou. Não parecia mais tão impenetrável
agora. Havia uma certa perplexidade em seus olhos.
Ele se aproximou dela, lentamente, como um gato. Tess encostou as
costas contra a parede, tentando manter sob controle a respiração
produzida por aquela boca, por aquele corpo que pairava sobre ela,
agora muito próximo. No entanto, ele continuou orgulhosamente a
sustentar seu olhar.
— Eu não vou beijar você de novo, Tess, — Felton disse a ela. — Você
pertence a outro. Eu não gostaria que isso se tornasse um hábito.
Foi como um chicote. — Certos hábitos podem ser maus hábitos, —
concordou, fazendo um esforço para se controlar e abaixar os olhos.
— Desde que você concordou em se casar com outro, você deve se
comportar de acordo, — ele lembrou maliciosamente.
Um barulho repentino veio da entrada da sala. Felton aproximou-se
ainda mais, até que a cortina de veludo deslizou por trás de seus ombros
e eles ficaram frente a frente, no espaço estreito do nicho. É claro que a
necessidade de defender a honra de Tess era uma boa razão para se
comportar daquela maneira: não era apropriado que eles aparecessem
juntos, numa atitude íntima, sem uma acompanhante.
Uma mulher começou a falar apressadamente, enfaticamente, além
da cortina.
De repente, a pequena sala ficou lotada de uma maneira
inacreditável. Não que Lucius se importasse com nada. A luz era escassa,
enquanto do lado de fora o céu estava ficando escuro, mas ele podia
distinguir a pele clara e o oval perfeito do rosto de Tess, a sombra de
suas sobrancelhas, a forma como estava perfeitamente imóvel, com
autocontrole absoluto, concentrada como um gato. Pronta para pular na
presa.
Ele se inclinou sobre ela com um gesto deliberado e sussurrou em
seu ouvido: — Claro, porém, você poderia me beijar.
Tess não pôde deixar de sorrir. Tinha começado a ouvir a conversa
acontecendo atrás da cortina.
Um homem estava falando. A voz era a de Draven Maitland. — Você
se importaria de me dizer exatamente por que me arrastou até aqui,
Miss Pythian-Adams? Minha mãe não aprovaria.
— Eu tenho absolutamente que falar com você, como já expliquei,
Lord Maitland.
Ele suspirou resignado.
— É hora de você dizer a sua mãe que um casamento entre nós não é
possível.
— Mas eu não vejo assim, — ele respondeu, em um tom que era mais
como uma soberana indiferença. — Tenho certeza de que vamos acabar
de acordo. Você tem o seu Shakespeare, eu tenho meus interesses. Não
há dúvida de que preferiria um pouco menos de poesia, especialmente
durante as refeições. Meu apetite estraga, mas isso não me incomoda em
outras ocasiões.
— Nós nunca seremos felizes juntos. Eu, acima de tudo, não serei.
Seguiu-se um momento de silêncio quando Maitland absorveu o
sentido definitivo daquela afirmação. — Se você pensa assim, anuncie
abertamente que quer romper o noivado, — ele disse finalmente, sem
expressar o menor arrependimento.
— Eu não posso. Você também sabe bem que sua mãe mantém essa
hipoteca na propriedade de meu pai.
— Por falar nisso, minha mãe me disse claramente que cortaria os
fundos do meu estábulo, caso eu fosse a pessoa que pulasse fora do
casamento. Portanto, minha cara, temo que estejamos destinados a
terminar juntos em frente ao altar.
— Mas Lord Maitland...
— Não há necessidade de outras palavras — ele a interrompeu. — Eu
não tenho nenhuma restrição particular por você, nada para me impedir
de casar com você, como disse de cara a minha mãe quando ela te
apresentou. E você também não disse não. Então vale a pena ir todo o
caminho, para evitar problemas.
— Você é insensível até este ponto?
— Sim, —respondeu sem hesitação.
— Imogen Essex seria muito mais adequada para você do que eu.
Compartilha seu interesse em cavalos. E acima de tudo, é claro que ela te
ama!
— Eu notei — disse Maitland, deixando escapar um sinal de orgulho.
— Mas ela terá que encontrar outro.
— E a ideia não te incomoda em nada?
Outro momento de silêncio. Então a resposta foi: — Não
particularmente. — Tess lamentou que Imogen não estivesse lá com ela,
que não podia ouvir com os ouvidos o que Maitland acabara de dizer.
— Miss Imogen tem como dote um cavalo, — lembrou Miss Pythian-
Adams, tentando de outra maneira.— Pelo que entendi, o sangue dos
grandes campeões flui em suas veias. Pode ser uma ótima compra para
seu estábulo.
— Chega. Mamãe agora tem certeza de que você se tornará sua nora.
Imogen é muito bonita, sim, mas ela não seria a pessoa mais adequada.
Muito exigente em um nível sentimental, para o meu gosto. Estas são
coisas que devem ser tomadas em pequenas doses, na minha opinião.
Estou convencido de que a relação entre nós dois vai girar em trilhas
muito mais pacíficas.
Mas Miss Pythian-Adams não desistiu.
— Você não tem vergonha de estar tão ligado às saias da sua mãe?
Com estas premissas, quem sabe que prazer vai ser minha vida de
casada! Ah, sim, eu sempre sonhei em casar com um fraco que se deixa
ser comandado pela mamãe!
— Não pensei que você fosse tão bruxa — Maitland reagiu, dando
pela primeira vez a impressão de ter sido atingido.
— Eu posso me tornar uma, se encurralada. Tente adivinhar qual
lado da minha personalidade vai prevalecer, quando estivermos casados!
— Depois de um momento se ouviu o som da porta se abrindo e de
alguém saindo.
Lucius encostou a boca no ouvido de Tess. — O que você diz, eles
foram embora? — Ele sussurrou.
— Shsss! — Ela disse. Outro momento passou. Ainda havia passos e o
som sem graça de uma corda de harpa puxada com raiva. A porta se
abriu novamente e fechou com força.
— O mínimo que podemos dizer é que os presságios para essa união
em particular não são os mais favoráveis, — comentou Lúcio. Ele ainda
estava colado nela, no espaço estreito do nicho, e não parecia se
incomodar com isto. — Miss Pythian-Adams parece acreditar que o
cérebro de Lord Maitland permaneceu como o de uma criança de onze
anos de idade.
— Ela não está tão enganada assim, eu diria, — respondeu Tess. — E
iria entusiasticamente torcer por ela, se não achasse que minha irmã iria
ter muitos problemas, se Maitland decidisse se casar com ela.
— Droga, — disse Lucius. — Nas veias da plácida Miss Essex flui,
aparentemente, um sangue particularmente combativo.
— Eu não sou de todo plácida, — disse Tess.
— Oh sim, você é, — ele insistiu, parecendo divertido. — Sempre
olhando em volta e refletindo sobre o que os outros estão fazendo. Você
é uma que observa.
— Não parece um grande elogio. Sendo a irmã mais velha, acredito
que é meu dever dar um bom exemplo e ajudar as outras a se
estabelecerem. Eu não apenas observo passivamente o que os outros
fazem, como você insinua, mas eu tento usar o bom senso. Se te ouvisse,
em vez disso, deveria deixar espaço apenas para as razões do coração.
Mas isso, meu caro senhor, não é da minha natureza. — Assim dizendo,
abriu a cortina e deixou o nicho, indo em direção à porta.
Sentiu os olhos de Felton colados com força nela; e assim, quando já
tinha agarrado a maçaneta, não conseguiu evitar virar. — Eu não sei o
que você gostaria que eu fizesse! — Exclamou, exasperada. — Deveria me
apressar para reclamar com Rafe porque você me deu alguns beijos
quentes? Eu não sou criança! Ou você acha que deveria ter aceitado a
proposta de casamento que você se dignou a me fazer tão
relutantemente? Seria menos passivo se me casasse com você em vez do
conde?
— Só se você fosse secretamente tentada a fazê-lo.
Tess ignorou a provocação. — Não houve um pingo de convicção, em
você, quando fez a proposta.
— Então este é o critério decisivo em seus olhos? Devemos mostrar
entusiasmo genuíno? Você aceita meus beijos porque eu pareço dá-los
com genuíno entusiasmo? E você concordou em se casar com Mayne
porque...
— Precisamente. Ele realmente quer se casar comigo. Talvez você
tenha superestimado a liberdade de ação que uma mulher solteira pode
ter ao decidir sobre seu próprio futuro, Sr. Felton. A meu ver, nesses
casos, não se pode fazer nada, a não ser observar atentamente, antes de
fazer a escolha, entender se um pretendente é sincero ou não em suas
atenções.
Dito isto, virou as costas para ele e saiu, com um leve sorriso de
triunfo.
Mas, embora tenha passado a vida observando e refletindo, naquela
ocasião ela não enxergava.
 
CAPÍTULO 18

Se havia uma coisa no mundo que Imogen amava talvez mais do que
Draven Maitland era Posy, sua égua. Por algum tempo ela também foi a
égua favorita de seu pai. Agora ela estava movendo as orelhas para
frente e para trás enquanto escutava as palavras afetuosas e elogios que
Imogen fazia.
Papai logo perdeu seu amor: Posy não tinha a vontade de competir
em seu sangue. Preferia prosseguir em um pequeno galope. Em outras
palavras, ela era preguiçosa.
— Não é feita para as corridas, — o pai de Imogen havia dito um dia,
em tom de desgosto. A partir de então, quando passava em frente à baia
de Posy, apenas lhe dava um tapinha no rosto, sem prestar atenção ao
véu de tristeza que a égua tinha em seus olhos, especialmente quando o
via abraçar Balladino, a nova grande esperança do estábulo da família.
Imogen tinha esperado que Balladino vencesse sua primeira corrida
(isso foi pouco antes do pobre cavalo colidir de frente com outro durante
o treinamento, danificando seriamente a articulação de um casco).
Assim que viu seu pai se vangloriando com a vitória, ela aproveitou a
oportunidade para perguntar se poderia ter Posy para si mesma. Ele
realmente estava em um estado particular de graça, porque tinha
consentido. Em poucas semanas, a égua se apaixonara por Imogen e
deixara de ficar triste porque seu pai a negligenciara. Imogen nunca
entrava nos estábulos sem lhe trazer algo de bom para comer e sem
fazer carinhos afetuosos no focinho.
Em resumo, Imogen a amava muito, e se não podia ter o homem que
fazia suas pernas moles e virava sua cabeça... só podia se consolar com
Posy.
— Oh, Posy, —sussurrou, inclinando uma bochecha ternamente na
crina da égua. Posy respondeu com um ligeiro relincho, virando o rosto
para ela e babando algumas gotas de saliva em seu braço.
— Devo selar para você, senhorita? — Ridley, o chefe dos estábulos,
veio até a porta. Ele era um tipo magro com poucos dentes em sua boca.
Estranhamente, no entanto, todas essas lacunas entre os poucos dentes
restantes fizeram seu sorriso mais agradável.
— Sim, Ridley, obrigada.
Ridley conduziu Posy para o pátio principal e selou-a com gestos
rápidos e confiantes. — O lacaio vai estar aqui daqui a pouco, — disse ele.
— O lacaio?
Ridley acenou com a cabeça quando terminou de apertar a cilha.
— É realmente necessário? Estou acostumada a andar sozinha.
Ridley considerou a situação por um momento. — Em Londres, isso
não seria possível, é claro, —respondeu. — É inconcebível que uma
garota ande a cavalo sem escolta. Mas se você ficar dentro da
propriedade do duque, é difícil encontrar alguém. No entanto, eu me
sentiria muito mais calmo se você fosse acompanhada por um lacaio, ou
mesmo por sua criada.
— Eu não quero ninguém, — Imogen decidiu com firmeza. Houve
uma geada fora de temporada na noite anterior, e os paralelepípedos
ainda estavam cobertos por uma crosta escorregadia e reluzente. O ar
frio do início da manhã teria servido bem para fazê-la esquecer a dor
que sentia toda vez que ouvia lady Clarice tagarelar sobre o casamento
do filho com Miss Pythian-Adams, e viu Draven aceitando-a
passivamente. — Eu vou sozinha, — disse.
Ridley assentiu sem muito entusiasmo. — As terras de sua graça se
estendem até onde os olhos podem ver em direção ao sul e até aquela
fileira de árvores a oeste. Depois começa a propriedade dos Maitland —
informou a ela. — Não vá para o norte, porque você se arriscaria a
encontrar a estrada subitamente cortada pelo rio. Já aconteceu várias
vezes que alguém tenha terminado o seu percurso com um bom
mergulho. Apenas me diga o caminho que você pretende ir, senhorita,
então poderei enviar alguém para procurá-la, se você não voltar.
Imogen viu sua expressão determinada e entendeu que não poderia
evitar responder essa pergunta. — Eu vou... vou para o oeste, —
respondeu com um suspiro. Obviamente, essa era a direção que o
coração dela a empurrava. As terras de Draven Maitland estavam lá. —
Volto em uma hora. Minha Posy é bastante delicada, sofre com o frio.
— Você vai acabar congelada se ficar fora por mais de uma hora, —
observou Ridley enquanto a ajudava a subir na sela.
A égua balançou a cabeça e raspou o chão com um casco. — Não se
preocupe, Ridley, — disse Imogen. — Posy não tem o hábito de correr em
direção à água.
— Ainda me sentiria muito mais calmo se você tivesse uma escolta,
— disse o homem, dando à besta um pedaço de cenoura. — Por favor,
senhorita, não vá muito longe.
Imogen subiu na sela e atravessou o portão do pátio, prosseguiu
devagar e entrou em um campo plantado com grama. Atravessando este,
e talvez outro, pensou Imogen, deveria ter alcançado a propriedade de
Maitland. Posy trotou em silêncio pela grama coberta por uma camada
de gelo, que desenhava rabiscos fantásticos, como uma grande renda.
Estava frio, mas o céu estava claro e, com o passar das horas, o sol
tornaria a temperatura menos rígida.
Claro que poderia viver sem Draven. Claro que podia. Só que ele era
tão... tão...
— Vamos acelerar um pouco, Posy, —disse, incitando de leve a égua.
Posy bufou e se apressou. Primeiro trotou e depois se jogou em um
galope no campo coberto de gelo.
Houve um grande silêncio; o único ruído era aquele produzido pelos
cascos do cavalo. Imogen se perguntou se não era o caso de voltar, mas...
Conduziu Posy por uma fileira de bétulas, localizada na fronteira
entre as terras do duque e de Maitland. O coração começou a bater
abruptamente e a bombear o sangue tão forte que reverberou dentro
dos ouvidos. Posy se sacudiu, deixando claro que a caminhada, do ponto
de vista dela, já havia demorado demais.
— Só mais um minuto, — disse Imogen, acariciando seu pescoço. A
égua bateu no chão com uma das patas dianteiras e se sacudiu
novamente. Ela estava suando após a breve corrida, e Imogen sabia que
era hora de levá-la de volta ao estábulo, antes que o suor congelasse
sobre ela. Além disso, não havia nada para ver. Draven estava em outro
lugar, é claro, havia apenas uma grande casa de pedra imersa na fria luz
da manhã; com sua aparência severa e imponente, evocava uma nobreza
de linhagem antiga e uma riqueza tão grande quanto sólida, enfim, tudo
o que a tornava a candidata absolutamente incapaz de se casar com seu
herdeiro.
Imogen suspirou. Caminhou em direção à borda do jardim em frente
à casa.
Posy raspou o chão novamente e empinou um pouco, mostrando que
não tinha vontade de ir mais longe.
— Pare com isso, — Imogen repreendeu-a. — Ridley ficaria chocado
se visse como você se comporta.
Mas Posy empinou, mais forte, e para Imogen o mundo ao redor
assumiu um ângulo alarmante de inclinação, enquanto apertava os
joelhos para evitar ser jogada para fora de sua sela.
De repente, uma ideia maluca passou pela cabeça dela. Um tornozelo
muito bem torcido. Se caísse, certamente se machucaria em algum lugar.
Posy era particularmente alta e imponente. De fato, não havia
necessidade de se machucar seriamente, era o suficiente para fingir
estar ferida.
Olhou para baixo, medindo a distância que a separava do chão. Tess
não teria aprovado. Ela teria pensado que seria loucura imaginar uma
coisa dessas. Mas então a imagem de Draven apareceu em sua mente, o
olhar carinhoso que ele havia lançado na noite anterior. Se ao menos
pudesse ter passado mais tempo com ele... Tinha certeza de que poderia
conquistar seu coração, embora Miss Pythian-Adams fosse muito mais
bonita do que imaginara, de uma maneira quase irritante.
E enquanto estava fazendo essas reflexões, inadvertidamente soltou
as rédeas. Posy aproveitou a oportunidade para empinar ainda mais,
acenando com as patas dianteiras no ar, com o ímpeto descontrolado de
um verdadeiro puro-sangue. Em um instante Imogen voou e bateu no
chão com força, enquanto se dizia que ela mais uma vez se comportara
como uma tola.
O golpe foi muito forte, tanto que imediatamente percebeu que não
precisaria fingir estar ferida. O tornozelo direito estava inchado e
dolorido como se alguém tivesse jogado água fervente sobre ele. Posy se
virou e olhou para ela, então sussurrou roucamente para ela: — Vá! Vá
para casa!
A égua se aproximou, curiosamente, mas Imogen estava muito
ocupada com seus problemas: a consciência de ter aprontado algo
grande, em primeiro lugar, e depois a dor, para a qual ela sempre tivera
um baixo limiar de tolerância. Então apenas repetiu: — Vá embora, Posy!
Saia!
Posy deu uma última olhada na grande casa de pedra e finalmente foi
embora na direção certa. Imogen esperava que não quisesse voltar para
a Escócia.
O tornozelo doía muito. Se seu pai a tivesse visto ali, certamente
teria dito a ela: — Aperte os dentes, querida —Ele sempre a chamava
assim, querida. Um nome afetuoso que ele usava indiferentemente tanto
para cavalos quanto para filhas. E ainda assim...
Imogen notou que suas bochechas estavam manchadas de lágrimas.
Seu pai tinha uma simpatia instintiva por Draven. Só que uma vez lhe
disse: — Eu não acho que ele iria se casar com uma garota escocesa,
querida.
E ela respondeu: — Ele deve se casar comigo, papai. Deve fazer isso.
Eu o amo.
Mas nem acabara de dizer e seu pai já estava com a cabeça em outro
lugar, entre seus amados cavalos, com certeza. — Claro, querida, o
coração não pode ser comandado, — disse, abraçando-a distraidamente.
Mas ela considerou essas palavras de seu pai como uma espécie de
aprovação cuidadosa e autoritária, mesmo se pensando novamente
sobre isso já não tinha tanta certeza. Passou os braços ao redor do corpo
e tentou ignorar a dor, que também se espalhou para o joelho.
Enquanto isso parecia estar vendo algum movimento dentro da casa.
Olhou naquela direção, tentando descobrir se não estava errada. Estava
começando a sentir uma aguda sensação de vergonha. Realmente tinha
sido inconsequente. Uma atrevida, como o pai sempre dizia a ela. Pior,
uma tola, disse a si mesmo, com uma careta de dor.
Um menino de uniforme doméstico correu para ela atravessando o
jardim. Acenou para ele, e o garoto recuou e voltou para dentro. Se não
aprendesse a lição desta vez, pensou Imogen, não aprenderia nunca
mais.
 
CAPÍTULO 19

Levando-a nos braços, Draven cruzou a entrada principal da casa,


entre os olhares curiosos de alguns criados que se reuniram no átrio. —
Minha mãe está na sala de estar, — disse ele.
Imogen descansou a cabeça no ombro dele. Ele estava praticamente
carregando-a com um braço; isso para dizer o quão forte era. A lã da
jaqueta era a mais macia que já havia sentido em contato com a pele.
Parecia-lhe que ela estava vivendo um momento mágico em sua vida,
digno de permanecer para sempre gravado na memória: a maneira como
ele a olhava, a força daqueles braços em volta dela, até as dores que
irradiavam de seu tornozelo até o joelho...
— Miss Imogen caiu e machucou o tornozelo, — Draven estava
dizendo a sua mãe nesse meio tempo.
— O tornozelo? — Exclamou Lady Clarice, num tom incrédulo. —
Como isso aconteceu?
— Eu caí do meu cavalo, — explicou Imogen. — Uma queda trivial, —
disse novamente, imaginando até que ponto teria sido uma questão tão
trivial quanto queria que acreditassem. Ela se sentia tão tonta... Mas não
era uma mulher pequena, frágil, capaz de perder a consciência por nada.
Não, nunca desmaiaria.
— Bom Deus, — disse Lady Clarice. — Precisamos levá-la de volta a
Holbrook Court imediatamente para que possa ser examinada por um
médico. Você preparou uma carruagem, querido? E também será o caso
de enviar um de nossos servos para avisar o duque de que sua protegida
sofreu um acidente.
Havia uma frieza transparente na maneira como dizia isso. Imogen
preferiu dar ouvidos aos batimentos cardíacos de Draven, apoiando a
cabeça no peito. Ela não se importava se eles a mandassem para casa
imediatamente, como qualquer criada da cozinha que partisse sem
permissão. Draven a segurou em seus braços. Isso era o suficiente para
ela.
— Não podemos, — Draven respondeu secamente. — Eu já pedi à
Hilton para que o Dr. Wells venha aqui para que ela seja examinada
imediatamente. Em primeiro lugar, deve-se verificar se está em
condições de ser transportada.
— Bah! Ela mesma disse que foi apenas uma queda simples! — Disse
Lady Clarice. — Tenho certeza que Miss Imogen nunca iria querer nos
causar problemas sem necessidade. Miss Pythian-Adams e eu temos que
ir a Londres amanhã. E você tem que ir comigo, querido, você sabe disso.
Seria inusitado deixar sua prometida ir a Londres sem você.
— Claro que você pode se ajustar como quiser, — disse Draven, em
um tom áspero que Imogen nunca tinha ouvido usar, quando falava com
sua mãe. — Mas Miss Imogen não pode ser transportada para outro lugar
antes do médico visitá-la. Se o dano no tornozelo for sério, pode ser que
deva desistir de cavalgar para sempre.
— Acredito que sim! — Disse a Lady Clarice. — Aquela besta a jogou
no chão. Qual mulher com bom senso arriscaria o osso do pescoço
novamente depois de tal experiência?
— Uma garota que não se deixa levar pela histeria, — disse Draven.
— Miss Imogen não é o tipo de mulher que se assusta com uma simples
queda de um cavalo.
— Estou bem, — disse Imogen, interferindo na discussão. Realmente,
o que diabos estava acontecendo com ela? Nunca tinha se sentido tão
tonta. Era até impossível curtir a proximidade de Draven, com a cabeça
girando assim, rodopiando mais e mais. — Por favor, Lorde Maitland, me
solte, eu posso ficar em pé sozinha.
— Sim, a abaixe, — assentiu Lady Clarice, claramente irritada. — Isso
está ficando muito estranho. Claro, você não tem culpa — acrescentou,
se dirigindo à Imogen, com óbvia hipocrisia.
Draven gentilmente colocou Imogen com os pés no chão. Imogen
sorriu para Lady Clarice e automaticamente se curvou, dobrando o
joelho.
Mas a perna cedeu, como se um fogo a estivesse consumindo, o
mundo de repente escureceu, e uma espécie de véu negro desceu na
frente de seus olhos, onde pontos cinzentos flutuavam.
Então, Miss Imogen, pela primeira vez em sua vida, desmaiou.
Infelizmente, não desmaiou graciosamente nos braços de Draven,
como imaginara.
Nem, talvez mais apropriadamente, no sofá à sua esquerda.
Em vez disso, caiu em cima de Lady Clarice, que gritou e (Imogen
soube apenas mais tarde) caiu no chão como uma árvore atingida por
um raio.

 
CAPÍTULO 20

Imogen não soube nada da desastrosa queda de Lady Clarice, nem da


cena causada pelo acidente. Nem soube que o médico, quando chegou,
sentiu o joelho dela e sacudiu a cabeça. Nem dos bilhetes de desculpas
que Lady Clarice foi forçada a enviar para aqueles que a estavam
esperando em Londres, ou da breve conversa entre Draven e sua noiva.
Ela não acordou quando Tess se debruçou sobre a cama e a chamou, e
nem quando Annabel beliscou seu dedão. Não percebeu que Josie a
observara havia muito tempo, sentada no pé da cama, e depois começou
a chorar, dizendo que Imogen estava na mesma condição que seu pai e
que, portanto, também estava condenada; não havia mais nada para
fazer.
Na verdade, Imogen não percebeu de modo algum a procissão de
pessoas que apareceu em sua cabeceira. “É minha culpa” disse seu
guardião, vendo com admiração o contraste que os cabelos castanhos
faziam com os brancos lençóis. E até mesmo Rafe, como a conhecia há
pouco tempo, estava consternado em ver como parecia diferente, sem a
luz apaixonada que brilhava normalmente em seus olhos.
— Bobagem — disse Tess, do outro lado da cama. — Como diabos
você se relaciona, com o que aconteceu?
— Deveria ter informado de que aqui na Inglaterra as moças não
andam nunca sozinhas, sem a escolta de um lacaio.
— E o que teria mudado? Imogen sempre montou como uma fúria. É
como papai nisso. Um lacaio não teria sido capaz de evitar que Posy
derrubasse a minha irmã. Imogen foi, como de costume, imprudente, e
provavelmente a égua, cansada da corrida muito longa, reagiu em uma
maneira própria. Se você quiser ser útil, tente apaziguar Lady Clarice.
Temo que ela tenha levado essa história muito mal.
— Farei o melhor que posso. — Prometeu o Duque — Mas antes
enviarei uma pessoa para Londres, para que traga aqui um especialista.
Parou por um minuto, refletindo na não fácil responsabilidade que
tinha aceito, e em sua própria inadequação. Então contornou a cama, foi
até Tess e segurou suas mãos. — A condição de Imogen não é seria —
disse. — O médico não encontrou trauma na cabeça. Ela vai acordar.
Sinto muito, Tess. Este infeliz incidente lembrou a vocês as
circunstâncias em que seu pai morreu.
Tess reprimiu um soluço. Estava tão agitada pelo choque e também
pela raiva, por causa da imprudência cometidos por sua irmã, que não
tinha força para falar.
Ele apertou suas mãos, como uma despedida e partiu.
Tess tinha chegado lá, certa de que era unicamente um truque
inventado por aquela inconseqüente da Imogen, uma desculpa para ser
capaz de estar mais perto de Maitland. Mas quando a havia visto, tão
pálida e imóvel na cama, tinha parecido que estava de volta na cabeceira
de seu pai.
Josie, aos pés da cama, tinha a cara banhada em lágrimas. — É
exatamente como papai — ela gemeu entre os soluços, dando voz aos
medos de Tess. — Agora também vai morrer da mesma maneira. Ela
nunca mais vai acordar.
— Não está morrendo! —respondeu Tess com veemência. Em um
instante voltaram a sua mente todas as tentativas que foram feitas para
despertar o pai, falaram de seus cavalos, tentando fazê-lo comer um
pouco de maçãs cozidas... Havia só um caminho para acordar Imogen,
disse a si mesma, depois de ter se angustiado sobre o problema, mesmo
se fosse a última coisa que queria fazer. Olhou uma última vez a sua irmã
que estava lá com os olhos fechados, branca como um pano, em seguida,
correu para fora da porta.
— Lord Maitland, — ela disse, sua voz quebrada pela tristeza. — Você
seria tão gentil e me daria uma mão um momento?
Ele encontrava-se sentado na sala de estar junto com sua mãe, e
aparentava está muito muito tranquilo e descontraído.
— Você tem que fazer isso? — perguntou Lady Clarice com uma
careta chateada. — Acabamos de nos colocar confortáveis, Miss Essex.
Este assunto está sendo um teste difícil para os meus nervos, eu lhe
asseguro — acrescentou, fazendo um gesto para enxugar um véu de suor
de suas têmporas com um canto do lenço.
— Só um momento, Lady Clarice — respondeu Tess, dando aos lábios
algo que se assemelhasse a um sorriso.
Draven Maitland tinha prontamente levantado, em um sinal de
respeito, quando ela tinha entrado na sala, e agora começou a segui-la,
com o mesmo entusiasmo de uma criança chamada para ir à escola. Ele
hesitou, quando estava em frente da porta do quarto onde estava
hospedada Imogen. — Não me parece muito apropriado — disse. — Não
seria o caso de chamar minha mãe, para que seja minha acompanhante?
Tenho medo...
— Oh, entre logo — cortou Tess, empurrando-o para dentro. — Não
precisa fazer todas estas cerimônias com a gente. Você foi um convidado
em nossa casa várias vezes, e nós comemos juntos, todos sentados em
volta da mesma mesa.
— Mas isso aconteceu na Escócia — ele se justificou
— Eu não vejo a diferença que isso possa fazer.
— Minha mãe veria — disse Draven. No entanto o pensamento do
que diria a sua mãe parecia incitá-lo a transgredir as suas ordens, e, em
seguida, entrou resolutamente no quarto.
Josie reagiu chocada quando o viu e correu fora, não sem ter lançado
um olhar para Tess. Estava com os olhos inchados de tanto chorar.
Imogen, imóvel na cama, estava tão pálida que Tess sentiu seu
coração partir. — Acorde-a! —ordenou, voltando-se para Maitland.
Ele a olhou atordoado. — Ressuscitar os mortos não é meu forte.
Tess não apreciou minimamente seu humor negro. — Não tem
nenhuma necessidade para ser ressuscitada. Apenas a acorde. Beije-a.
— Beijá-la? — disse, arqueando uma sobrancelha. — Não que eu fuja
quando o assunto é ajudar uma mulher, mas realmente não compreendo
como...
— Faça-o e basta. — só Deus sabia se alguma vez quis jogar sua irmã
nos braços de um homem tão mesquinho e egoísta, mas Imogen tinha
que ser acordada. Era essencial.
— Já que insiste — disse Maitland, inclinando-se sobre a cama,
enquanto Tess o assistia. Esse menino demasiado crescido pelo qual sua
irmã era louca, não lhe trazia nenhuma simpatia, mas tinha que admitir
que não era desprovida de charme, com o seu queixo quadrado e a boca
generosamente grande e carnuda.
— Imogen, — ele disse novamente. — Acorde.
Imogen não se mexeu. Maitland olhou para Tess, com uma expressão
incerta.
— Estamos só nós dois aqui — disse ela impaciente. — Você não está
se empenhando, de qualquer forma. Claro, sua mãe teria algo para
reclamar, embora você tenha boas razões para fazer isso que está
prestes a fazer.
—Acredite você ou não, não era essa a minha principal preocupação
— disse Maitland. Em seguida, descansou a mão sobre o colchão, dos
lados do travesseiro, e sussurrou: — Imogen, eu quero que você acorde
agora. Acorde!
A irmã de Tess estava tal e qual a bela adormecida do conto de fadas,
com um rosto emoldurado por cabelos e as pálpebras fechadas
ornamentadas por longos cílios.
Maitland deu um sorriso e disse — Ah, você é mesmo muito bonita,
minha menina. — Ele acariciou o rosto dela. — Acorde, vamos.
Tess viu claramente a forte atração que aquele homem de mãos
fortes, capaz de domarem até mesmo os cavalos mais indisciplinados,
sentia por sua irmã. Claro, ele tinha um péssimo caráter, e era muito
mimado, mas possuía mesmo um estranho charme.
— Imogen — disse ele de novo, e desta vez tocou seus lábios com o
seus próprios. Tess fechou os olhos, parecia indiscreto observar a cena.
— Imogen — lhe ouviu dizer mais uma vez.
Reabriu os olhos. Maitland estava olhando para sua irmã, e algo em
seu rosto a deixou incomodada. Ele não parecia mais preguiçoso e
indiferente. — Imogen, eu quero que você acorde.
Imogen se moveu.
— Eu quero que você acorde. Caso contrário, não me casarei com
você.
Tess perdeu a respiração.
Ele beijou de novo sua irmã, mas desta vez não foi apenas um roçar
de lábios. — Não caso com você, se você não acordar. — Tess desviou os
olhos, cheia de vergonha...
E quando olhou de novo, bem, Imogen estava acordada.
Claro.
CAPÍTULO 21

Holbrook Court.
No começo da tarde

Confrontado por uma mulher enfurecida ao ponto de fazer dançar


furiosamente até mesmo os enfeites que adornavam o vestido, Rafe
tentou encontrar uma ligação lógica no dilúvio de palavras com o qual
ela estava investindo, verdadeiras e próprias armas para tirar o fôlego.
— O que você quer dizer, Lady Clarice?
— Exatamente o que acabei de dizer — rosnou ela. — Aquela sem
vergonha de sua protegida enganou o meu filho. Mas não acredite que
isso irá permanecer sem consequências, Holbrook! Eu vou arruiná-la!
Você tem que enviá-la imediatamente de volta para a Escócia,
imediatamente, e então... talvez!... esquecerei a sua temeridade.
Tendo se recuperado do primeiro choque, Rafe encontrou a força
para murmurar: — O que Miss Essex fez exatamente?
— Não tente ajudá-la, ela agiu muito mal! — gritou Lady Clarice.
— Bem, mas o que fez Miss Imogen?
— Ha... ha... você mesmo vai ver — cortou Lady Clarice. — Espero só
que Miss Pythian-Adams possa perdoar meu filho pela brincadeira que
ele fez. E tudo isso, eu digo, é única e exclusivamente culpa sua,
Holbrook. Eu vim a você precisamente por este motivo. A culpa é toda
sua! Você provou que não está minimamente à altura da
responsabilidade de ser um tutor. De resto, não podia esperar nada
diferente.
— Mas...
Lady Clarice deu uma volta, pronta para sair. — O médico diz que por
agora é melhor que permaneça na cama. Mas amanhã, logo cedo, eu
quero que você mande uma carruagem ir buscá-la. Se não fizer eu a
enviarei em uma das minhas, sem me importar de que digam os servos!
Rafe ficou olhando boquiaberto, enquanto saia, envolvida com suas
caudas de raposas balançando, e em uma nuvem de perfume francês. —
Brinkley! — ele chamou assim que ficou sozinho.
— Sim sua graça?
O mordomo tinha o seu habitual ar impassível. Como se não
soubesse de nada, não pensasse nada, como se fosse superior às triviais
fofocas. Mas Rafe o conhecia muito bem para se deixar ser enganado. —
Do que diabo fala Lady Clarice?
Brinkley apertou os lábios, no entanto, não pode esconder
totalmente o sorriso satisfeito. — Parece que Miss Imogen conquistou o
coração de Lord Maitland.
— Ganhou seu coração?
— De acordo com o que tenho ouvido, ele disse que quer se casar
com Miss Imogen. Ele comunicou a sua mãe, esta manhã, na hora do café
da manhã.
— Casar! — disse Rafe, incrédulo. — Ele não pode se casar com Miss
Imogen. Ele já está oficialmente envolvido com Miss Pythian-Adams. Ela
também estava, esta manhã, durante o café da manhã?
— Não, tanto quanto eu sei, —respondeu o mordomo. — Você precisa
de mais algo, sua graça?
— Não — disse Rafe, experimentando uma incipiente dor de cabeça.
Ele havia prometido para si mesmo abster-se de álcool até que o sol não
tivesse sumido. Mas talvez naquele dia tivesse um eclipse.
Lucius entrou naquele momento na sala. Como era seu estilo, não
demonstrou o mínimo espanto quando Rafe o colocou a par da notícia.
— O que deve fazer um tutor na presente situação? — perguntou o
duque. — Eu acho que deveria me opor ao casamento. Está em meu
poder fazer isso? Não me lembro bem se Imogen já tem a idade legal ou
não, mas acho que tenho o direito de aprovar ou não seu casamento,
independentemente de sua idade. Deus, essa garota é uma praga. Lady
Clarice está furiosa. Sei que vou ter que ir até lá pessoalmente para ver
como estão as coisas.
— Eh, não é fácil ser um tutor — disse Lúcio, olhando para ele com ar
irônico. — você deve ter os olhos em todos os lugares. Quem sabe, talvez
você poderia aceitar se casar com Lady Clarice, como forma de
compensação.
Rafe lançou um olhar gélido para ele. — De algum modo arrumarei
as coisas. Contanto que ainda seja possível.
— Quando voltarão para a casa Miss Essex e sua irmã? — perguntou
Lucius, examinando com aparente distanciamento uma pilha de livros
sobre a mesa.
— Amanhã. Amanhã de manhã vou pegá-las e as trarei de volta.
Então vamos deixar que as águas se acalmem.
— Com águas agitadas, entende Lady Clarice?
— Precisamente.
— Muito boa sorte.
— Acordarei cedo, —disse Rafe, julgando que isso já era um sacrifício
bastante grande. — Estarei lá ao meio-dia.
Mas meio-dia era já demasiado tarde, como descobriu em seguida.

A SITUAÇÃO QUE ENCONTROU em sua chegada foi um genuíno


pandemônio. Por alguns instantes, Rafe ficou desorientado; o brilho do
sol tinha piorado sua dor de cabeça. Quem teria jamais imaginado que a
luz era tão intensa a essa hora? Não por nada a norma de não deixar
nunca mais a cama antes do meio-dia.
Lady Clarice estava abandonada em um sofá, com um ar chocado, o
cabelo em desalinho, desgrenhado. Queixava-se entre os soluços. Rafe
ouviu o barulho que fazia já no corredor, bem antes de entrar na sala.
Quando o mordomo abriu a porta para fazê-lo se acomodar, ela levantou
sua cabeça e permaneceu um momento fixando-o. Então gritou: — Você
chegou tarde demais! Oh, o meu filho, o meu menino!
Rafe entrou na sala, mesmo se o instinto sugeria que fugisse
rapidamente na direção oposta. — Lady Clarice —disse — onde...
— Aquela sem-vergonha, aquela desavergonhada de sua protegida —
exclamou Lady Clarice, sentando rapidamente e olhando para ele com ar
sombrio, parecendo em tudo e para tudo à mítica Medusa, por causa de
cabelo desgrenhado. — Eu entendi a partir do primeiro momento, a
primeira vez que a vi, que não era nada mais que... uma prostituta!
— Calma, milady — disse uma voz de mulher, e só agora Rafe foi
consciente da presença de Miss Pythian-Adams, sentada em um canto do
sofá.
— Uma vagabunda! —assobiou Lady Clarice. — E agora... e agora...
não posso sobreviver a esta catástrofe! Estou arruinada, completamente
arruinada. A minha vida está destruída! — concluiu, com um grito
agudo.
Rafe olhou ao redor. O mordomo de Lady Clarice parecia ter
encontrado um peixe podre entre os lençóis de sua cama. — Traga-me
um brandy — disse Rafe.
— Mas bravo! — exclamou Lady Clarice, deixando-se cair de novo no
sofá. — Atordoar-se com álcool em um momento como este, quando... —
A voz morreu em sua garganta e começou a soluçar. Rafe foi capaz só de
entender aqui e lá algumas palavras de frases incoerentes que
continuavam a sair de sua boca: aquelas que usava com mais frequência
eram "escândalo” e "filho". Ele olhou para Miss Pythian-Adams,
procurando apoio, mas ela estava ocupada limpando o rosto de Lady
Clarice com um lenço embebido em perfume.
Ele se moveu em direção a saída e interceptou o mordomo que
estava trazendo o brandy. Rafe pegou o copo e esvaziou avidamente o
conteúdo, enquanto às suas costas ecoavam os gemidos agudos de Lady
Clarice. Afastou-se com pressa da porta, para obter uma distância de
segurança, no caso de que se tratasse de uma doença contagiosa.
— Posso acompanhá-lo até a sala de estar, onde Miss Essex o espera?
— disse o mordomo. Era evidentemente um desses serviçais que têm a
reputação de seus senhores, como se um fosse o outro. Ele também
parecia destruído.
Nem mesmo o brandy pode mitigar o impacto traumático do que
Tess lhe informou.
— Eles fugiram? Como assim? — berrou, com uma expressão de
choque, que era quase a par da de Lady Clarice.
— Eles foram embora! — reiterou, chorando. — Eu fui no quarto de
Imogen, para dizer-lhe para ficar pronta em vista de nosso retorno para
Holbrook Court, e ela não estava mais lá. Em seu lugar havia só este
bilhete — disse, pegando um pedaço de papel amassado e manchado das
lágrimas.
Rafe o segurou, desdobrando-o em frente a ela, e leu:

Caras Tess, Annabel e Josie,


O meu querido Draven me propôs fugir, e eu, é claro que aceitei. Vocês
sabem o quanto ele é importante para mim, sempre foi. Eu imploro que me
perdoem pelo escândalo que causaremos; tenho certeza que logo será esquecido.
Com todo o meu amor,
Sua irmã Imogen, Lady Maitland

— O escândalo vai logo ser esquecido? — Ele exclamou no final,


atordoado. — Que tipo de idiotice é esta? Para vocês na Escócia, talvez,
onde o costume é frequente, mas certamente não aqui na Inglaterra!
— Ela aprontou feio, sim, — disse Tess, enxugando as lágrimas.      
— Droga. Que margem de vantagem eles têm?
— Muitas horas. Parece que partiram imediatamente após o café da
manhã. Lord Draven chocou sua mãe ontem, anunciando que queria se
casar com Imogen, mas eu acho que Lady Clarice esperava ainda ser
capaz de dissuadi-lo. Pelo menos, foi o que esteve tentando fazer
enquanto estávamos reunidos no jantar ontem à noite. Imogen não
estava lá, por óbvias razões, mas mesmo assim... foi muito embaraçoso.
— Lady Clarice exasperou Maitland ao ponto de ele cogitar mesmo
uma fuga — comentou Rafe em tom sombrio.
— Eu prefiro pensar que o que o pressionou foi o amor por minha
irmã — disse Tess, olhando desesperadamente para apagar da memória o
cínico raciocínio que tinha ouvido durante a sua conversa com Miss
Pythian-Adams na sala de música.
Rafe entregou a ela um lenço. — Pode ser que você esteja certa.
Tess fungou e desabafou: — Eu sei que ele não morre de amor por
Imogen. E você também sabe. Mas ela o ama a loucura. E talvez isso será
o suficiente para fazer feliz a sua união. Não acredita?
Rafe hesitou. — Eu acho que isso seja possível, considerando o
número de casais que conheço e que se encontram em idêntica situação.
— Ele passou a mão pelo cabelo. — Droga, eu sou realmente um fracasso
como tutor! Seu pai ficaria muito desapontado. Veja bem, não passou
nem mesmo uma semana, e uma de suas filhas já arruinou a reputação. E
com o selvagem do Maitland! Muito provavelmente o seu pai deve estar
me chutando do outro lado, no presente momento.
Tess lhe deu um sorriso e tentou confortá-lo — Nem mesmo papai
conseguia desviar Imogen de sua adoração por Maitland, mesmo
continuando a dizer que o homem seria a sua ruína, por causa de sua
insana paixão pelos cavalos. A verdade é que mesmo papai não era
diferente dele.
— Eu devia tê-la mantido trancada em casa —murmurou Rafe. — De
agora em diante, se vocês quiserem sair, terão que ser acompanhadas
por um lacaio e uma acompanhante. Na verdade não, por um lacaio e
por duas acompanhantes!
A porta do quarto se abriu de repente. — Está aqui comigo a noiva
prometida do meu filho. Prometida! — exclamou Lady Clarice. — Eu exijo
que expliquem exatamente como foi possível que a sua protegida tenha
induzido o meu filho a fazer um gesto tão imprevisto e escandaloso.
Miss Pythian-Adams seguiu Lady Clarice até a sala de estar. A sua
expressão, no entanto, parecia longe de ser infeliz.
Rafe bateu o copo no móvel com tal força que um pouco de
conhaque pingou sobre a superfície do pau-rosa. — E como diabos eu
teria sido capaz de prevenir, se é lícito saber, que o dissoluto de seu filho
raptasse a minha protegida menor de idade? O único culpado aqui é seu
filho. Ele seduziu uma menina inocente, com hábeis palavras ele a
privou de seus sonhos, e destruiu a reputação dela com este golpe! Se há
alguém que é digno de receber as desculpas, aqui é Miss Essex, que teve
a sua ingênua irmã arrancada por seu depravado descendente!
Lady Clarice, pega de surpresa pela resposta, ficou pálida, mas se
repreendeu rapidamente. — Aquela mulher não é mais que uma
intrigante que roubou meu filho. Uma ávida sem um tostão que trouxe
como dote apenas um cavalo. Um cavalo! Como se Draven mesmo ele
tivesse o suficiente de cavalos. Não, eu nunca o impedi de ter todos
aqueles que queria.
— Agora chega! — disse Rafe, gritando para abafar a sua voz.
Miss Pythian-Adams mostrava a sua dor com um sorriso, como se
milagrosamente tivesse escapado da forca. Se aproximou de Tess e,
enquanto Rafe respondia a altura para Lady Clarice, fazendo a lista das
qualidades pouco louváveis do seu filho, disse — Sinto a necessidade
urgente de me desculpar com você, mesmo que possa garantir que não
tenha nada a ver com essa história. Espero que a reputação de sua irmã
não venha a sofrer muito.
— Você não precisa se preocupar, — respondeu Tess, cansada. Rafe
tinha encontrado um jarro cheio de brandy sobre o aparador. — Rafe —
disse, tirando partido de uma pausa no debate, no momento em que
Lady Clarice explodiu dramaticamente em soluços, — Você está certo de
que não é mais possível tentar alcançar Maitland ao longo da estrada? —
E tentando não se deixar oprimir pela emoção, acrescentou: — Eu... eu
não acredito que Imogen perceba a gravidade... é ainda tão jovem. Ela
não sabe como um homem como Maitland realmente é.
— Não é um monstro — interveio Miss Pythian-Adams. — Eu admito
estou feliz de me libertar deste relacionamento, mas acho que sua irmã
nutre por ele sentimentos muito profundos.
— Eu imploro, Rafe — disse Tess, ignorando Miss Pythian-Adams. —
Não poderia tentar pará-los?
— Não serviria para nada — disse Rafe, balançando sua cabeça. —
Maitland vai sempre pela rota mais curta e o mais rápido possível,
mesmo se se tratar de um simplesmente passeio. Sabendo que poderia
ser perseguido, então vai mesmo mais rapidamente do que o habitual. Os
seus cavalos são os melhores. Não há a menor chance de alcançá-lo,
também porque já tem uma vantagem de cinco horas. — Ele esvaziou de
uma só vez o resto do brandy em seu copo.
— Você poderia fazer pelo menos uma tentativa — insistiu Tess.
— Francamente, a esta hora, não sei se isso vale a pena — disse Rafe.
— A reputação de sua irmã está definitivamente comprometida. É
melhor que esteja em desgraça, mas casada, em vez do que em desgraça
e só isto.
Tess levou um tranco. Ela se dirigiu para Miss Pythian-Adams e uma
Lady Clarice, que continuava a chorar e assoprar o seu nariz em um
lenço, indiferente para o que a cercava. — Por favor, desculpe-me, eu
devo voltar para Holbrook Court para informar às minhas irmãs que
Imogen... não é mais solteira.
— Eu voltarei para Londres hoje à tarde — disse Miss Pythian-Adams.
— Percebo que as circunstâncias na qual parto não é a mais agradável,
Miss Essex, mas eu teria muito prazer de vê-la de novo em Londres.
Tess murmurou algo e bateu em retirada. Assim que estava no
corredor, não pode mais conter as lágrimas. A sua doce e, louca irmã. No
final, ela conseguiu realizar seu sonho: poderia assinar "Lady Maitland".
Começou a descer correndo as escadas, mas parou de uma vez
quando ouviu a voz de Lucius Felton baixo no corredor.
Ele devia ter acabado de chegar, porque ainda estava com o
sobretudo. — Miss Essex — disse, subindo com pressa os degraus que os
separavam.
— Não posso... — ela disse com uma voz trêmula. Mas ele estava já ao
seu lado e estendia um grande e branco lenço.
— Não diga nada — respondeu, enxugando suas lágrimas. — Eu soube
o que aconteceu. Vou tentar alcançá-los, lançando-me até o fim da
estrada principal. Vale a pena fazer uma tentativa. Não podemos saber,
mas os cavalos podem ter tido uma lesão, forçando Maitland a mudá-los
com outros em locais de aluguel, certamente muito menos rápido.
— Eu vou com você! — exclamou Tess, agarrando-se a seu braço.
— Não, — ele disse, com um tom que não admitia réplicas. — Estou
certo de que você não quer comprometer a sua reputação, cometendo o
mesmo erro de Imogen.
— Não, certamente —concordou Tess, mordendo o lábio inferior.
— A menos que...
Ela olhou para ele espantada, mas Lucius não completou a frase.
Então disse a ele: — Eu tenho que voltar para casa e informar Annabel e
Josie. Elas ficarão abaladas, quando souberem.
Lucius respondeu, com uma reverência: — Vou fazer o meu melhor
para trazer de volta a sua irmã.
— Oh... — Mas qualquer coisa que poderia dizer parecia inadequada.
— Boa sorte — disse, finalmente, com um fio de voz.
Ele sorriu, um sorriso apenas esboçado, e se foi.

 
CAPÍTULO 22

Na manhã seguinte

— Se a ideia não parecer muito dolorosa, dada às circunstâncias —


disse Mayne, tomando a mão de Tess com ar afetuoso — Sugiro
celebrarmos o nosso casamento o mais breve possível.
Tess sentiu todo o cansaço resultante de uma noite sem dormir e
toda a confusão relacionada a essa situação problemática. Não tinha
certamente vontade de apressar o casamento com o Conde.
Mayne a olhou e parecia adivinhar o que estava prestes a dizer. — Se
nós fossemos casados, eu poderia trazer as suas irmãs para Londres,
afastando-as do centro do escândalo que Imogen produziu com a sua
fuga — explicou. — Gostaria de evitar ao máximo possível que a
perspectiva de Annabel para encontrar um bom partido seja
comprometida pelo comportamento descuidado de sua irmã. Rafe tenta
exercer o melhor possível o seu papel de guardião, mas não tem uma
vida em sociedade.
Tess sabia isto muito bem. O seu querido tutor bebia um pouco
demais e se importava pouquíssimo com o que diziam dele.
— Não será de grande ajuda para Annabel e Josie, — continuou
Mayne. — Eu poderia fazer isso no lugar dele, Tess, se me permitir.
Quando você puder se apresentar como a condessa de Mayne, você
estará acima de qualquer crítica. De acordo com a minha irmã, seria
muito melhor se parecesse que já estávamos casados quando Imogen
fugiu com Maitland.
Tess suspirou. — Você não casaria comigo por amor, Senhor Mayne.
Nem, pelo que posso entender, por um irresistível impulso de natureza
mais... terrena. — Ela ouviu o rosto corar ao falar.
— Bem, isso não é verdade — protestou Mayne, com um flash
travesso nos olhos. — Eu sinto esse tipo de impulso!
Deus, podia ser muito atraente quando colocava de lado qualquer
artifício e agia como ele mesmo. — Não o perturba o fato de que não haja
um elemento mais forte, entre nós, para ser base de nossa união? —
perguntou a ele.
— Me incomodaria se houvesse. Em minha opinião, os casamentos
baseados em algo que não seja o mútuo respeito e a genuína afeição
acabam, muitas vezes em um desastre. Eu não quero um casamento
tempestuoso, mesmo que esteja certo de que haverá suficiente calor
entre nós.
— Então, na sua opinião, o amor é acompanhado sempre por um
relacionamento tempestuoso.
— Só se for um amor bobo, romântico. Me ligar profundamente à
uma mulher com a sua qualidade, Tess, não me parece uma tarefa difícil.
Além disso, ouso esperar que o cimento da nossa união se torne muito
sólido. No entanto, não quero me casar apenas porque tenha sido
envolvido por algum tipo de febre que passa geralmente por um amor
romântico. Nunca.
Tess percebeu que ele era sincero. — Por que você é tão cínico?
Ele deu de ombros. — Com toda a honestidade, eu tenho ido para a
cama com muitas esposas que casaram na onda de um ingênuo
entusiasmo. Como resultado, conclui já faz tempo que quando me
casasse não seria empurrado por uma paixão destinada a extinguir-se,
em alguns dias, ou no colo de algumas semanas. Eu gostaria de ter filhos,
e eu desejo que essas crianças sejam educadas por pais não envolvidos
em contínuas batalhas.
— Os seus eram assim?
— Sempre na guerra, sim, —ele admitiu,com uma careta.
Tess ficou em silêncio por alguns momentos. — Não sei muito sobre
qual é a melhor receita para um bom casamento— disse finalmente. —
Minha mãe morreu muitos anos atrás, e meu pai nunca mostrou o
menor interesse em encontrar uma outra mulher.
— Podemos chegar a um entendimento — a assegurou Mayne. — Se
você concordar, meu tio, o bispo, poderá chegar aqui hoje à noite. Eu
enviei a ele uma mensagem esta manhã ao amanhecer.
— Assim, de repente? — perguntou ela, sentindo falta de ar com a
ideia.
Ele apertou mais fortemente sua mão. — Eu estou arrependido de
colocá-la sob pressão neste momento. Mas se você ainda quiser casar
comigo, acho que seria de grande ajuda para as suas irmãs se
celebrarmos o casamento o mais breve possível. Se, em vez disto, mudou
de ideia, a situação é diferente.
A maneira como ele tinha apresentado a coisa colocou Tess sob forte
constrangimento.
— O Sr. Felton ainda não voltou — disse, em seguida, agarrando-se
ainda a um pretexto, para escapar do dilema que Mayne sugeria. — E se
ele trouxer Imogen de volta aqui? Se for capaz de impedir no último
momento que a fuga dê certo?
— O escândalo será igualmente inevitável. A reputação de Imogen
estaria comprometida em qualquer caso. De fato, a bem ver, seria mais
desejável que Lucius não tenha sucesso em sua tentativa.
— Como você pode dizer uma coisa dessas? — exclamou Tess. —
Aquele Maitland é um tolo!
— Não é tão ruim assim, no entanto — objetou Mayne.— Seria pior
para a sua irmã, se ele não quiser se casar. Em uma maneira ou de outra,
Imogen vai finalmente coroar seu sonho. A chave, agora, é para evitar
que as suas outras irmãs encontrem um marido que tem os defeitos de
Maitland.
— Sim, eu entendo.
— Bem — disse Mayne, aproveitndo-se do momento.— Então nós
vamos nos casar amanhã de manhã mesmo, o mais cedo possível. Meu
tio tem muitos compromissos e não pode ficar um longo tempo.
— Amanhã de manhã? E se... se o Sr. Felton ainda não tiver voltado
com...
— Como eu disse, isso não tem qualquer importância — ele disse.
— Sim, é claro.
— Você vai fazer de mim o mais feliz dos homens. — Ele se inclinou
em direção a ela e tocou seus lábios com um beijo suave, quase formal.
Não totalmente, de uma maneira própria dele.
 
CAPÍTULO 23

A noite do mesmo dia

— Esta sim que é uma grande satisfação — disse em um tom jovial o


Bispo de Rochester. — Ver esse canalha do meu sobrinho feliz e casado, e
com um tesouro de mulher como você, minha querida! Satisfação
autêntica.
Tess tentou sorrir, mas tinha o estômago fechado de ansiedade, e o
sorriso morreu nos lábios. Quando Mayne falava de maneira tão franca,
como na conversa em que tinha proposto apressar o casamento, ela
sentia que poderia se casar com ele, sem hesitação. Mas quando ele se
tornava excessivamente cortês, como fez toda a tarde, ela entrava em
pânico.
Naquele momento o seu futuro marido estava manuseando
juntamente com Annabel um jornal especializado em crônicas
mundanas, que Lady Clarice recebia de assinatura.
— E Lady C...? — perguntou Annabel, rindo, para obter ajuda dele
para identificar uma Lady de boa família que era indicada só com a letra
inicial do sobrenome.
— Como posso saber? — disse Mayne. — Lady Coesor, talvez. Ou Lady
Cristleham.
— Seja lá quem for — riu Annabel —fez algo realmente grande,
fugindo com um francês.
— Então deve ser precisamente Lady Cristleham. Filha de um duque,
casou-se com um barão, e desde o primeiro dia de sua estréia oficial na
sociedade, não fez mais que ir de um escândalo para outro.
— Sério? — disse Annabel, fascinada. — Você conhece todo mundo
mesmo, lorde Mayne? E quem seria esse nobre português?
Lucius naquele momento fez sua entrada na sala. Tess levantou o
olhar em direção a ele e deu uma exclamação abafada, mas Lucius
balançou sua cabeça. Mayne simplesmente lançou um olhar que era
equivalente a um bem-vindo, e em seguida, voltou a comentar sobre os
rumores mundanos relatados pelo jornal.
— Consegui alcançá-los — estava dizendo Lucius, para Rafe.
Pela primeira vez, ele não parecia impecável como o seu habitual.
Ele tinha a capa empoeirada e estava esgotado, como se tivesse viajado
sem parar por toda a noite.
— Perdoe-me por ter entrado assim, bem como estar ainda cheio de
lama e de poeira — disse ele, com uma voz obscurecida por fadiga.
— Você os alcançou? — repetiu Annabel, incrédula.
— Você deve ter mantido um ritmo louco — disse Rafe. — Como
diabos você fez isso?
— Eu cortei através dos campos para ir mais rápido — disse Lúcio. —
E como Maitland é um homem previsível, imaginei onde ele estava indo.
— Bem, o que aconteceu quando você os encontrou — interveio Tess,
impaciente.
— Imogen se recusou a voltar. — Lucius se virou para Tess,
acrescentando em um tom sincero: — Era já demasiado tarde. Sinto
muito, não fui capaz de fazer a sua irmã mudar o seu descuidado
propósito.
— Eu entendo — ela disse desanimada.
— Eles são oficialmente marido e mulher? — perguntou Annabel.
Obtendo um aceno de confirmação da parte de Rafe, se retirou para um
canto da sala, não dizendo mais nada.
— Eu estarei para sempre em dívida com você, por isso — disse Rafe,
voltando em direção a Lucius.
— Eu sou grata, também — fez eco Tess.
— Pelo que? Eu falhei.
— Eu sinto muito — disse Tess, consciente de que ambos estavam
tristes por uma razão inconfessável, também. — Eu lamento muito.
— Se você sente por mim, não vale a pena a dor — respondeu ele. E
olhando em torno acrescentou: — Na verdade, não quero perturbar com
a minha presença a atmosfera festiva que estava nesta sala antes da
minha chegada. Com sua permissão, eu gostaria de me despedir...
Rafe olhou para ele com ar levemente intrigado. — Sim, mas você
tem que voltar logo, Lucius. Temos um tipo de celebração, aqui, dado
que Tess e Mayne estão no processo de se casar. Eles receberam uma
licença especial e a cerimônia será realizada amanhã de manhã. Como
você vê — disse ele, indicando com um aceno da cabeça o bispo — Mayne
fez com que seu tio viesse para isso.
— Ah — disse Lucius, sem sequer olhar na cara de Tess. — Neste caso,
vou dar os meus parabéns para Mayne antes de me retirar.
Com o coração em tumulto, Tess virou-se para sua irmã e o seu
futuro marido. Lucius e Rafe a seguiram, juntando-se aos outros, que
ainda estavam lendo e comentando em tom hilariante o que as crônicas
mundanas do jornal informavam.
A um certo ponto, porém, Mayne pegou o jornal e passou
rapidamente os olhos em um artigo. A sua expressão tornou-se séria,
permaneceu como petrificado.
— Senhor Mayne — disse Annabel, intrigado. — Você está se
sentindo bem?
— Nunca me senti melhor, — respondeu, devolvendo o jornal. — Mas
agora eu tenho que... — Inclinou-se, girou sobre os calcanhares, e se foi
embora.
Todos o olharam, surpresos.
Os lábios de Lucius se enrolaram em um ligeiro sorriso. — Por favor,
com licença, —disse ele. — Eu tenho que me retirar. Como vocês podem
ver, estou ainda empoeirado da viagem.
— Ele se sentiu ofendido por algo que eu disse? — perguntou
Annabel, para Rafe. Mas ele já tinha pego o jornal, enquanto Tess e Lady
Griselda o olhavam por cima de seus ombros, para tentar ler ao mesmo
tempo a notícia que tinha chateado tanto Mayne:

Uma certa condessa, que é também cantora de ópera, é aguardada em um


feliz evento para o início do novo ano. Ela e seu marido se fizeram notar nos
últimos meses pela sua relutância de se separarem um do outro mesmo por um
curto intervalo.

— Ah! — exclamou Lady Griselda, colocando de lado o jornal. —


Pobre Garret.
Rafe não disse uma palavra, simplesmente saiu da sala para ir atrás
de Mayne.
— Quem é essa Condessa cantora de ópera? — perguntou Annabel. —
E por que essa notícia impressionou tanto o Conde?
— Não acho que nos interessa — disse, em seguida, Tess, tomando o
braço da irmã e a arrastando em direção à janela.
— Mas, o que você diz? Você está prestes a se casar com ele, Tess.
Não quer saber quem é essa mulher? Mayne parecia ter sido atingido por
um raio.
— Não — respondeu Tess, percebendo que falava sério. — Não, eu
não me interesso pela Lady em questão.
— Você é realmente estranha. Realmente! Se ele fosse meu marido
prometido...
Mas Tess estava olhando para o pátio do lado de fora da janela. — Se
eu não me engano... o meu prometido marido apenas deixou a casa — ela
murmurou.
Annabel estava boquiaberta. — Onde estará indo?
Enquanto as duas assistiam tudo, no pátio, Mayne rejeitou uma
tentativa de Rafe para pará-lo. O Duque, em seguida, agarrou-o por um
braço, o que o obrigou a se virar e falou com atitude severa e veemente.
— Rafe resolverá o problema — disse Annabel, esperançosamente. —
Mayne não pode sair assim! Ele deve se casar com você amanhã de
manhã.
— Sim — disse Tess, continuando a observar a cena. Mayne estava
voltando agora para a entrada da casa, o rosto fechado como uma nuvem
de tempestade.
— Oh, por sorte — disse Annabel. — A coisa está resolvida, ao que
parece. Você precisa saber quem é a condessa cantora lírica, mesmo que
pareça que ela não está nem um pouco interessada em Mayne, saber
quais são os seus sentimentos a seu respeito.
— Pare com estes comentários vulgares — disse secamente Tess.
Entretanto Rafe tinha seguido Mayne para dentro da casa, e não
havia mais nada para ver a partir da janela.
CAPÍTULO 24

Não tendo dormido a noite anterior, Lucius tomou um banho e


deitou na cama com a intenção de apenas relaxar um pouco. Mas quando
ele acordou, já estava escuro como breu. Ele tinha dormido bem além do
horário de jantar, aparentemente. As imagens confusas de um sonho que
não conseguia mais lembrar se agitava ainda em sua mente: Tess que
dançava e ria, mas, em seguida, o leque caia de sua mão, e se
transformava em um coelho, um fofo coelho marrom que ele queria dar
a ela, mas quando tentava ir atrás dele... Lucius permaneceu um
momento para olhar a escuridão em que estava envolvido, em seguida,
puxou as pernas para fora da cama e se levantou xingando.
Se Mayne não fosse mais cuidadoso, Tess iria saber da sua ridícula
obsessão por Lady Godwin.
Acendeu uma vela e verificou que não era tarde da noite.
Provavelmente Mayne ainda estava acordado a essa hora. Rejeitou a
ideia de que tivesse ido para algum lugar festejar, para celebrar a última
noite como um solteirão. Se vestiu, e fez uma excursão através da casa,
verificando a sala de estar, a sala de música, a de café da manhã.
Encontrou finalmente seu amigo no mais clássico dos abrigos, reservado
por Convenção para os homens: a biblioteca.
Mayne estava afundado em sua poltrona favorita, em frente à
lareira, na qual permaneciam apenas as brasas. Estava lá, imóvel, com as
longas pernas esticadas na sua frente, um copo em uma mão e uma jarra
colocada sobre o chão um pouco distante da outra. Ele tinha puxado a
camisa para fora das calças, os olhos estavam semicerrados, o rosto uma
máscara dura.
— Onde está Rafe? — perguntou.
— Eu o fiz beber até não resistir mais e foi para a cama — disse
Mayne, sem sequer se virar. — Tarefa não muito fácil, considerando que
Rafe é capaz de tragar quatro garrafas goela abaixo. Mas eu consegui.
— Não me diga que você teve de repente um ataque de melancolia,
bem na véspera de seu casamento — disse Lúcio.
— Ela teria sido capaz de se apaixonar por alguém como você, você
sabe — disse Mayne, ignorando a pergunta que tinha sido feita a ele.
— Não vejo por que ela iria preferir a mim em vez de você — objetou
cauteloso Lucius.
— Porque você é um cavalheiro perfeito, —disse Mayne, girando a
cabeça para trás e olhando para o teto. — Ela é uma grande dama,
mesmo se agora cortou o cabelo e começou a vestir-se de modo tão
extravagante e pretensioso.
Lucius ficou perplexo por um momento, então entendeu.
Obscurecido pelo álcool, Mayne não estava falando sobre a mulher com a
qual iria se casar no dia seguinte, mas de Lady Godwin, por quem ele
tinha se apaixonado loucamente no início da primavera.
— Sim, Helene poderia ter se apaixonado por alguém como você.
Amar a ponto de romper definitivamente com o verme do seu marido.
Precisava encontrar uma alternativa, eu entendi. Uma espécie de
antídoto para ele, que continuava se entregando a uma escapada após a
outra, com outras cantoras de ópera ou com as dançarinas russas que
fazia dançar na mesa da casa. Então, se dirigiu a mim, mas nem mesmo
eu estava à altura de suas necessidades. Se tivesse sido você, no entanto,
no meu lugar, com a sua polidez, as boas maneiras, as virtudes de
antigamente...
— A verdade é que Lady Godwin é apaixonada por seu marido —
lembrou-o Lucius, sentado em frente a ele. — Boas maneiras ou não, os
sentimentos não mudam.
— Bobagem — disse Mayne. — Não poderia nunca ter me aproximado
dela, se estivesse feliz com seu marido.
— O álcool afetou sua cabeça. Vá para a cama, me escute. Lembre-se
de que amanhã de manhã, imediatamente após o café da manhã, você
vai se casar.
Mayne não aceitou muito bem. Ele estreitou as pálpebras e
respondeu com uma voz arrastada de bêbado — Você está se tornando
um pretensioso de um politicamente correto, sabe? Você nunca foi um
irresponsável temerário, mesmo quando menino, mas agora você se
coloca em um púlpito para fazer pregação para os outros!
— Considerando-se como você se encontra, vou ignorar sua
provocação — disse Lúcio.
— Não estou bêbado — disse Mayne, girando em direção à lareira. —
Gostaria de estar.
Lucius se absteve de fazer comentários.
— Oh, você está convencido do contrário, eu sei — disse ainda
Mayne, balançando sua cabeça. — Um cavalheiro de seu calibre se
embebeda até com um copo de leite.
Lucius se levantou e foi em direção a porta, mas Mayne ficou em pé
ao mesmo tempo, cambaleando, e barrou o caminho.
— Uma época você não era assim, você era mais humano e solidário
— disse ele, agarrando Lucius por um braço. — Mas desde que a sua mãe
disse que você foi contaminado ao se misturar com as vis classes
comerciantes, você começou a fazer o bonzinho.
Lucius ficou rígido. — Eu preferiria que você não fizesse avaliações
de quaisquer natureza sobre minha mãe.
No entanto, Mayne estava chateado demais para receber o aviso. —
Temos tratado com luvas brancas do tema de sua família por muitos
anos. Para o inferno com isso. Sua mãe é também a filha de um conde,
mas é uma grande pu... — ele parou apenas a tempo.
Lucius permaneceu imóvel, as costas contra a porta, os braços
cruzados sobre o peito.
Mayne pareceu finalmente entender que estava prestes a cruzar a
linha. Lutando contra o topor causado pelo álcool, ele tentou corrigir. —
Olha, eu não ligo um figo para seus pais, —disse então. — Eu sempre
pensei que sua mãe era uma mulher mesquinha que não superou o
trauma de seu casamento. Agora você também quer dar uma de santo e
dar lições aos outros. E assim você fica impopular para todos, embora
ninguém tenha a coragem de dizer-lhe na cara.
Lucius sentiu o golpe de uma maneira quase física. Mayne,
entretanto, se virou e se deixou cair novamente em sua cadeira.
— E seu pai é um coitado. Influenciado por sua mãe permanece
sempre como uma petéquia na bunda da boa sociedade — disse Mayne,
falando de uma maneira mais e mais grossa.
Lucius fez gesto para sair, mas Mayne gritou de volta: — Pare com
estas absurdas afirmações de superioridade, antes que seja demasiado
tarde. Se você não quer ser considerado também como uma petéquia
ainda maior.
Lucius permaneceu imóvel por um longo momento, a mandíbula
apertada, acariciando a ideia de dar um soco em Mayne e de enfiar em
sua garganta os seus insultos.
Mas quando chegou perto dele, pronto para agredi-lo, sentiu que
roncava pesadamente.
Mayne derrubou na camisa o que restava do clarete no copo. Estava
lá, com o cabelo desgrenhado, bêbado como um gambá. Uma visão de
dar pena.
Lucius observou-o ainda um momento, em seguida, foi para o
corredor e avisou um empregado que o conde necessitava de ajuda.
Em seguida, ele se retirou para seu quarto e começou a refletir.
Sobre petéquias, nas consequências do excesso de álcool e no casamento.

 
CAPÍTULO 25

A manhã seguinte chegou muito cedo. Tess despertou e ficou


olhando o dossel acima da sua cabeça. Pensou em correr até o estábulo e
fazer seu cavalo ser selado, mas para onde poderia ir? O que poderia
fazer?
Casar com Mayne era a coisa mais sensata. Pelo menos assim, teria
sido capaz de fazer com que Annabel e Josie se casassem em uma
maneira apropriada. Quanto a ela, estaria se unido a um homem rico e
nobre. O relacionamento deles, não tinha dúvidas a este respeito, seria
civil, amigável e cortês.
Levantou-se, reagiu com um arrepio ao ar frio da manhã. Sua criada
trouxe baldes de água quente que derramou em uma tina de metal.
A um certo ponto, quando terminava de se secar após o banho, a
porta se abriu.
— Nunca, mas nunca mesmo, poderei permitir que você se casar com
meu querido irmão vestida de preto — exclamou Lady Griselda. — Então
te trouxe um vestido meu. É bastante severo para ser usado com o seu
estado de meio luto, mas é ao mesmo tempo mesmo muito elegante.
Tess virou surpresa na sua direção. — Oh, eu não posso aceitar!
— Claro que você pode, —disse Lady Griselda. — Não me parece um
bom presságio se meu irmão se casasse com uma espécie de corvo.
A criada ajudou Tess a colocar o vestido.
— Não sei — murmurou ela, olhando perplexa o profundo decote. —
Você tem certeza que é adequado?
— Muito apropriado. E eu o usei uma única vez, em uma festa que
deu Lady Granville.
— Apresentar-me a um padre com um decote tão profundo me causa
um certo embaraço — confessou Tess.
Griselda dispensou então com um aceno de mão a criada, sentou-se
na cama e disse: — Minha querida, eu quero ser absolutamente franca
com você.
— Sim?
— Meu irmão está acostumado a frequentar as mais belas mulheres
da sociedade, e ir para a cama com elas. Se deitou com todas, pelo
menos, todas aquelas que são casadas e disponíveis. — Levantou a mão,
evitando possíveis objeções. — Você as iguala em beleza e de fato, excede
a maior parte delas. O problema é, como eu vejo, que Garret nunca foi
capaz de juntar-se firmemente a uma mulher em particular.
— Nunca se casou antes — disse Tess, certa de que Griselda era capaz
de compreender o significado da afirmação.
— É claro que não! Mas você está certa. Aqui reside o problema. O
fato de que as suas aventuras amorosas duraram até alguns dias atrás,
não faz com que tenha qualquer influência sobre a sua vida de casados!
— exclamou Griselda com um sorriso radiante, como se ficasse feliz de
ter uma estudante tão pronta em entender o que alguém tinha que
esperar de um casamento.
— Então, você está dizendo que ele... as suas relações...
— Nunca duraram por muito tempo. No máximo um par de semanas.
— Mesmo com a Condessa cantora de ópera?
— Oh, essa ainda menos. Que eu saiba, nem mesmo começou.
Provavelmente ela se limitou a iludi-lo por um dia ou dois.
— Deus do céu, —murmurou Tess.
— Mas tudo será diferente agora que casou, —garantiu Griselda,
precedendo-a em direção à saída.
Elas caminharam ao longo da brilhante escala de mogno. Brinkley as
recebeu no átrio com uma profunda reverência e saiu para abrir a porta
que dava na sala de estar.
A primeira pessoa que Tess viu foi Lucius Felton. Ele virou-se para
olhar para ela, quando entrou, e ela parou por um momento sobre o
limiar, hipnotizada por seu olhar escuro. Em seguida, Griselda inclinou-
se sobre seu ombro, riu alegremente e disse: — O noivo estará aqui em
alguns momentos.
Tess se encaminhou para o interior da sala, e quando estava em
frente do bispo acenou uma respeitosa reverência. O alto sacerdote
cumprimentou-a com ar Jovial, beliscou sua bochecha e disse que seu
sobrinho era realmente um homem muito sortudo.
Tess sorriu fracamente e tentou não pensar em nada. Se juntou à ela
também Annabel, despertando olhares admirados.
— Você quer nos eclipsar a todos com o seu charme — exclamou
Griselda com ar brincalhão quando a viu. Tess a ouviu rindo por trás
dela.
Enquanto isso, Lucius estava saindo da sala. Não que Tess estivesse
particularmente interessada no que ele fazia. Mas não pode deixar de
perceber, ao observá-lo, que ele tinha o porte de um duque, embora
fosse desprovido de um título de nobreza. Ou de um Conde, se isso
tivesse importância.
Oh, bem, isto não tinha realmente qualquer importância.
Ouviu os passos nas escadas; era Garret, sem dúvida.
— Eu acho que é o seu cônjuge — disse o bispo com a sua voz
profunda. — Bem! Eu gostaria de concluir rapidamente a cerimônia e ser
capaz de ir em seguida tomar o café da manhã. Me parece uma coisa de
selvagem celebrar um casamento antes de ter posto no estômago, pelo
menos um pouco de mingau. — Ele riu, fazendo seu estômago redondo
dar um pulo.
Mas a porta da sala não se abriu.
— Eu estou indo dizer-lhe para se apressar — disse Griselda,
correndo em direção à saída. Tess tentou dar uma profunda respiração,
mas parecia que o vestido da irmã de Mayne era demasiado apertado
para permitir que preenchesse os pulmões de modo suficiente.
— Você não acha emocionante? — disse Annabel, mais perto de Tess
e pegando-a pelo braço. — Queria que Imogen estivesse aqui. Ainda não
consigo acreditar que...
A porta se abriu, e Tess se virou tão bruscamente que Annabel foi
forçado a desistir do aperto.
Era Rafe.
— Tess, —ele disse. — Posso falar com você por um momento?
Um estranho silêncio caiu entre os espectadores.
— Eu vou com você, —disse Annabel.
— Não — respondeu Tess, indo de encontro a Rafe. De repente
pareceu ser capaz de respirar livremente. Não tinha ninguém mais no
limiar da sala, nem Lúcio, nem Griselda, ou o conde de Mayne.
Rafe a levou para a biblioteca. — Eu lamento muito ter que dar uma
notícia tão desagradável — disse ele, com uma expressão de funeral.
— Imogen? — exclamou com angústia Tess.
— Não. — O alívio trouxe um arrepio por sua coluna vertebral.
— Então?
Rafe passou uma mão pelo cabelo. — Esse desgraçado de seu
prometido marido escapou.
— Fugiu? — Tess reprimiu que um sorriso aflorasse de repente em
seus lábios. — Não me parece uma maneira muito educada de se
expressar. — Ela foi se sentar na poltrona. Pela primeira vez em quatro
dias se sentiu calma e tranquila.
Rafe sentou-se na frente dela. Profundas rugas nos cantos dos olhos
manifestavam todo o seu desconforto e o seu estado de profunda
preocupação.
— Se estivesse aqui eu o chamaria a razão — disse ele, esfregando
outra vez a mão no cabelo. — E se tivesse mesmo apenas remotamente
imaginado que ele faria uma piada deste tipo, não o teria apresentado.
Nem teria encorajado você a se casar.
Tess lhe sorriu. — Acalme-se, Rafe, —disse.— Não importa. — Ela
deixou que seu sorriso alargasse, como sugeria o coração, de uma
maneira que ele podia ver que era sincera.
Mas Rafe não a estava observando. — Que idiota fui — gemeu. —
Mayne não é mais o mesmo, e eu notei muito bem, desde a primavera
passada. Mas não quis levar em consideração. Não estou acostumado a
ter semelhante responsabilidade sobre meus ombros: ser o guardião de
quatro moças casadouras. É um fato que não poderia ter alguém pior do
que eu!
Ele parecia tão miserável que Tess estava quase rindo. — Você não é
um fracasso! — exclamou, tentando confortá-lo.
Ele balançou a cabeça. — Você não entende, Tess.
— Sim, entendo. O Conde de Mayne me deixou plantada no altar,
quando deveria estar lá comigo.
— Exatamente.
— Não éramos feitos um para o outro, é evidente.
— Aqui está o ponto. O ponto é que aquele canalha a abandonou. Da
maneira mais brutal! Não acreditava que fosse possível!
— Ninguém sabia.
— Ao contrário, todos vão saber. Os salões dos nobres em Londres
são loucos por esse tipo de fofoca. Acredite em mim. Eles saberão disso.
— Ah — fez Tess, sem dar muita atenção.
— Mas talvez haja uma solução. A saída um tanto anômala, que
provavelmente irá causar até mais escândalo, de certo modo.
— Não quero que você vá atrás de Mayne para tentar fazê-lo mudar
de ideia — disse Tess, alarmada.
— Nunca. Não, não. Se trata... Eu acho que vou deixar a outro alguém
o resto da explicação desta especial possibilidade. No entanto, se você
decidir que você não acha certo, minha querida, eu vou ficar feliz de
casar com você eu mesmo. — Rafe foi mais perto dela e tocou com
carinho um ombro. — Sou um homem muito solitário, como você deve
ter adivinhado. Percebo que não correspondi às expectativas, na
qualidade de guardião, mas estou igualmente feliz por ter uma protegida
como você.
Tess lhe sorriu. — E eu estou feliz que papai tenha escolhido você,
Rafe.
Ele foi para a porta e a abriu. — Um minuto então.
Quando a porta foi fechada, Tess inclinou sua cabeça contra a parte
traseira da cadeira. Deveria sentir-se totalmente desmoralizada. Em vez
disso, só estava atordoada, e também, sem qualquer dúvida, aliviada.
Obviamente, quando a porta se abriu, no limiar apareceu Lucius.
Olhou para ele, sentindo uma estranha sensação: a sua vida tinha
chegado a um outro ponto de virada decisivo, como quando morreu seu
pai.
Lucius se aproximou e estendeu em direção a ela uma mão para
ajudá-la a se levantar. O seu olhar não se deixou cair no decote, mas Tess
não podia não fazer de conta que seu vestido constituía uma arma
poderosa de sedução.
— Senhorita Essex — ele disse. — Estou aqui para pedir a sua mão.
— Por que você quer se casar comigo? — ela perguntou, olhando-o
no rosto.
Ele pareceu pular, de tão envergonhado. — Você está em uma
posição pouco invejável — explicou. — Como consequência do
comportamento de um querido amigo meu. Me sinto, portanto, no
dever, como um homem de honra, de...
— Não será, em vez disso que você quer inscrever Something Wanton
no Grande Prix de Silchester?
Viu quando ele abria os olhos com uma expressão de surpresa, o que
a confortou muito.
— Não, —ele disse.
— Não é um sacrifício muito grande se casar com uma mulher
somente para corrigir os erros de seu amigo? Se você fosse o irmão do
Conde eu poderia entendê-lo, mas...
— Não, não é.
Tess permaneceu na expectativa de alguma outra explicação,
embora ele não parecesse disposto a adicionar qualquer coisa. Ela,
obviamente, iria recusar a proposta. Não era um pedaço de madeira para
ir de mão em mão para, em seguida, ser jogado ao fogo. Abriu a boca,
preparando-se para lhe dizer o que fazer com a oferta.
— Tudo bem, —ao contrário, disse.
Ele, então, a olhou com aqueles seus olhos brilhantes de anjo caído.
— Por quê?
Fingindo uma indiferença que estava muito longe de sentir, Tess
respondeu: — Eu preciso consertar a situação. Você é privado de um
título de nobreza, Mr. Felton, mas...
— Mas estou muito bem de vida para atender as suas necessidades, é
isso?
— Algo do tipo — assentiu ela, segurando com esforço o impulso de
fugir.
— Mas...
Tess se virou abruptamente em direção a ele. Esse caso estava se
tornando uma mortificação insuportável. — Eu vou ser uma noiva
razoável e calma, eu prometo.
— E eu vou tentar ser o mesmo com você.
— Obrigada. — Ela disse, com uma espécie de desespero frio. Mas
agora, realmente tinha que sair.
— Não acha que devemos discutir ainda um pouco mais sobre nosso
iminente casamento?
Tess juntou as mãos em frente a ela, apertando-as com força. — Não
sou muito experiente sobre casamento.
Lucius sorriu. — Eu acredito nisto, ou pelo menos eu espero que sim.
— Bem, na verdade você não sabe muito sobre mim.
Ele levantou suavemente seu queixo com dois dedos.
Tess sentiu uma rajada de calor que esquentou suas bochechas. —
Alguma coisa eu sei, no entanto — ele falou, com um tom travesso.
Ela instintivamente abriu a boca, mas Lucius ainda estava falando. —
Você nunca comeu um café da manhã ou um jantar, digamos assim...
íntimo... a dois? Ou tomou um chocolate na cama?
Tess tentou desesperadamente formular uma resposta apropriada,
sofisticada, divertida, ou o tipo de frase que Annabel teria inventado em
dois segundos, sem pensar duas vezes. — Por que você está me fazendo
essa pergunta? —disse, olhando-o diretamente nos olhos e ignorando as
provocações que leu em seu olhar. — Você realmente quer saber o que
eu penso sobre casamento?
A ironia nos olhos dele morreu de repente. — Se a sorte nos
favorecer, vamos permanecer juntos por um longo tempo.
Tess teve que admitir que era um discurso sensato. — Eu já vi
casamentos em que marido e esposa não se falam nunca— disse. — Eles
se ignoravam totalmente. A Sra. Stewart, que tinha uma propriedade
que fazia fronteira com a nossa na Escócia, falava de seu marido
unicamente na terceira pessoa, mesmo quando ele estava ao seu lado.
"Ele não gosta de aspargos", dizia, com o Sr. Stewart lá presente. "Ele
gosta do bolo rústico, e a cada terça-feira eu tenho que fazê-lo encontrar
em cima da mesa, se não vai fazer bico!"
No rosto de Lucius apareceu um sorriso, e ela percebeu com um
certo alarme que queria vê-lo alegre e feliz. Porque, caso contrário, as
suas vidas a dois seria realmente miserável.
— Espero que o nosso não seja um casamento deste tipo — disse ele,
prendendo uma mão dela entre as dele. — Eu tenho a sensação que
temos as ideias bastante claras, no que diz respeito a aquilo que nós
esperamos um do outro. Isso me parece um bom presságio. Eu espero
que você possa ser feliz junto a mim, Tess.
— Ah, sim? E você o que você espera de mim em troca? — Tess corou,
sem querer, imediatamente depois. E se ele tivesse respondido, dizendo
o que gostava de fazer na cama?
Nos olhos de Lucius brilhou de novo um brilho irônico. — Nada de
especial — disse ele, acariciando a palma da sua mão com o polegar. —
Desejo unicamente que nós possamos conseguir um mínimo de
compreensão, e que o nosso relacionamento não termine esfriando em
um curto tempo. Vou dizer algo, Tess, porque quero ser o mais honesto
com você. É verdade, eu não fui feito para o casamento. Eu gosto muito
de você. Mas parece certo que eu, por natureza, não sou capaz de me
amarrar tão profundamente por alguém.
— Eu não... — murmurou Tess, mas ela não conseguiu encontrar as
palavras. — Não sou muito exigente, —disse finalmente.
— Eu sim, no entanto — disse Lúcio, com a luz de zombaria nos
olhos. — eu sou muito exigente, Tess — disse, agarrando ambas as mãos
e colocando-as na boca.
Tess ainda era virgem. Nunca tinha nem estado com um homem.
Mas entendeu muito bem a natureza dos requisitos que ele aludia. Uma
vermelhidão intensa se impregnou nas bochechas.
Ele não esperou por uma resposta. Seu beijo era enérgico, ardente,
um beijo que exigia tudo que ela tinha para dar. E como todos os beijos
de Lucius, revelou a ela algo de sua personalidade. A atitude de dono
com que a beijou fez sua cabeça girar e amoleceu os joelhos, forçando-a
a se agarrar a ele.
Foi ele o primeiro a se separar, ainda ofegante. — Você tem certeza
de que não quer ser exigente também, Tess? — sussurrou em seu ouvido,
sua voz rouca de desejo.
Era uma nova Tess a que estava na frente dele. Uma Tess que
claramente não desejava ser apenas uma boa mulherzinha, tímida e
submissa.
Ela lhe deu um sorriso sensual digno de uma cortesã experiente.
Então colocou um dedo nos lábios dele e disse: — Eu posso ter algumas
exigências, na verdade.
Lucius ouviu o martelar do coração no peito, levando a seus olhos
um desejo semelhante ao dela.
— É realmente uma sorte que Mayne nos tenha deixado a mão um
bispo para celebrar o nosso casamento, imediatamente —ele disse.
— Uma grande sorte, sim.
Lucius a beijou de novo.
CAPÍTULO 26

Os eventos subsequentes daquela manhã, visto em retrospectiva,


pareciam cenas confusas de um sonho. A pobre Griselda veio anunciar,
chorando, a sua intenção de partir sem demora. Foi, no entanto,
dissuadida por Rafe, que a fez notar que as meninas ainda precisavam de
uma acompanhante.
— Não posso simplesmente acreditar que meu irmão tenha cometido
um ato tão indecoroso — gemeu Griselda, torcendo suas mãos. —
Nunca... — Mas então pareceu se lembrar de alguma outra coisa que
Mayne tenha feito e não terminou a frase. — Para falar a verdade,
acredito que para você será melhor assim — disse para Tess. — É meu
irmão, e eu o amo muito, mas eu tenho que dizer-lhe que... não tem sido
mais o mesmo, já faz muito tempo. Eu esperava que ele pudesse
encontrar em você a cura mais adequada, mas...
— Só ele pode saber qual é o tratamento mais adequado, e deve
encontrá-lo sozinho — respondeu Tess com tom indulgente. O
sentimento que prevalecia nela era um estado de excitação esmagadora,
que fazia girar sua cabeça e esquentava suas orelhas, como se o coração
estivesse bombeamento o sangue nas veias em uma velocidade o dobro
do normal. Ela não conseguia destacar os olhos de Lucius, e cada vez que
ele encontrava com seus olhos, sentia uma onda de calor.
Annabel continuou a saltitar a sua volta, com um sorriso que ia de
uma orelha à outra, e a sussurrar: — Eu sei, sim, eu sei. Eu tinha
entendido tudo!
O bispo, chocado pelo comportamento de seu sobrinho, tinha
concordado em celebrar o casamento rapidamente usando a mesma
licença especial que havia preparado para Mayne; tinha sido suficiente
apagar o nome do último e substituí-lo pelo de Lucius Felton.
— Bravo! — ele continuou a falar, e parecia querer acompanhar o
elogio com um tapinha nas ombros de Felton. Apenas se absteve de fazer
isso porque Lucius não era o tipo de homem que incentivava
confidências excessivas. — Meu sobrinho é um canalha. Deixar uma Lady
tão adorável em dificuldade, como ele fez... Por sorte tem amigos
excelentes, que nem mesmo merecia ter.
— Sim — se limitou a dizer Lucius.
Finalmente o bispo abriu o missal e começou a ler rapidamente a
parte antes da cerimônia. Claramente estava convencido de que, dadas
as circunstâncias, não era o caso de se perder em enfeites românticos.
Ele estava indo tão rápido que Tess tinha a impressão de ouvir uma
explosão de água, em vez de palavras. — Quer aceita esta mulher... — ela
vacilou vagamente a certo ponto.
Uma curta pausa, em seguida, a voz de Lúcio, clara e profunda, ele
disse: — Eu aceito.
O bispo virou para Tess. — Você aceita... — E ela não pode nem
entender o resto, mesmo que estivesse lá com as orelhas atentas porque
estava curiosa para saber qual era o nome completo de Lúcio. O bispo
parou, olhou com ar interrogativo, e ela respondeu, com um reflexo,
automaticamente: — eu aceito.
— Bem! — exclamou satisfeito o bispo, e, em seguida, voltou a
colocar os olhos sobre o missal, claramente feliz que a reputação de seu
sobrinho tinha sido assim reparada.
Tess mordeu o lábio inferior, um pouco desmoralizada, sentindo-se
como um pedaço de carne que o chefe tinha decidido cozinhar, apenas
porque ele estava no ponto de estragar. De repente, duas grandes mãos
tomaram as dela, ela olhou para cima e encontrou os olhos de Lucius.
Em sua expressão, que para outros poderia parecer impenetrável, ela
viu um que de reconfortante e afetuoso, um divertido piscar de olhos,
como a dizer-lhe que em breve eles estariam rindo juntos daquela
cerimônia de casamento realizada de modo engraçado e constrangedor
ao mesmo tempo.
O bispo diminuiu um pouco o ritmo, quando chegou à conclusão —
Eu, Lucius John Percival Felton, tomo você, Teresa Elizabeth Essex, como
minha legítima esposa, para amá-la e mantê-la...
Desta vez, Tess foi capaz de ouvir por inteiro o nome de seu marido.
Ela lançou-lhe um olhar confuso. — Percival?
— Na boa e na má sorte... —repetiu Lúcio, recitando a fórmula do
ritual.
Encontrou os olhos de seu marido, que segurava suas mãos entre as
dele, enquanto continuava a recitar a fórmula. Então, lembrou a si
mesma que era um compromisso sério, que estava assumindo, e uma
emoção de alegria a percorreu ao pensamento de que o homem com
quem estava se unindo por toda a vida era Lucius, e não Mayne.
Agora cabia a ela recitar a fórmula. — Eu, Teresa Elizabeth Essex,
tomo você, Lucius John Percival Felton, como meu legítimo marido...
Ela chegou ao fim, e antes que pudesse perceber, ele deu um casto
beijo em uma bochecha, a segurou pelo braço e a guiou em direção a
saída. Annabel estava chorando, Josie estava sorrindo. Rafe estava
dizendo ao mordomo para desarrolhar todas as garrafas de champanhe
que encontrasse no porão.
— Um simples refresco, — ele anunciou, agitando um copo com uma
expressão sorridente. — Para cumprimentar os recém-casados antes de
se retirarem para seu ninho.
— Não devemos ir a Londres imediatamente?— perguntou Tess,
pensando vagamente que era urgente tirar Annabel da casa de seu tutor,
para não pôr em risco a sua reputação.
Mas Rafe a tranquilizou. — Não se preocupe com as suas irmãs. Lady
Griselda disse que permanecerá ainda um pouco mais para fazer de
acompanhante.
Mais tarde, ao lembrar esses momentos, apenas um vislumbre
permaneceu impressa mais claramente: aquele em que se encontrava em
frente ao espelho da penteadeira, para ficar pronta para sair, com
Annabel e Josie sentadas na cama atrás dela. Josie, com lágrimas nos
olhos, disse: — É uma pena que Imogen não esteja aqui. Agora nós,
irmãs, não estaremos mais todas juntas como antes. Nada será mais o
mesmo.
— Vai ser melhor do que antes — disse Annabel. — Pense, Tess, está
casada com o homem mais rico da Inglaterra! A nossa irmã será a
mulher mais rica do país.
Josie a contradisse: — Na verdade, com base nos gráficos mais
confiáveis, o mais rico da Inglaterra é William Beckford, de Founthill
Abbey.
Tess torceu o nariz. — O que você acha que diria a sua rigorossíma
governanta se nos ouvisse falar desta forma de questões tão vulgares?
— Você sabe se o seu marido é proprietário também de um castelo?
— perguntou a ela Josie. — Então você se tornaria a castelã. Oh, Tess,
você tem realmente sorte!
— Um castelo? — repetiu Tess, surpreendida.
— Com certeza ele deve ter algo assim, — disse Annabel. — Os heróis
dos romances de amor tem sempre um castelo. Tão rico quanto ele é,
ninguém mais do que ele seria capaz de possuir um.
— Nos castelos vivem os reis— disse Tess, cética, colocando outro
grampo de cabelo. — Não os comuns mortais como nós.
— Comuns mortais? — exclamou Josie. — Comum, que besteira!
Annabel encontrou o olhar de Tess no espelho. — Josie, eu quero
ficar um minuto a sós com Tess, se você não se incomoda muito.
Josie a olhou com suspeita. — Se você quiser falar sobre coisa como a
primeira noite de casamento, eu tenho que te dizer que estou informada
de todos os detalhes.
— Tome cuidado de não fazê-lo saber à sua governanta — disse
Annabel, empurrando-a em direção a porta.
— Eu também estou informada— comentou Tess, percebendo que
suas mãos tremiam ligeiramente. — E nós já abordamos o tema na última
noite, Annabel.
— A teoria é uma coisa, a prática é outra. Você está com medo?
Tess pensou sobre um tempo. — Um pouco. Espero ser a altura, seja
lá o que isto queira dizer, de modo concreto.
— Parece que é uma questão de ser insípida e insignificante —
suspirou Annabel. — O importante, de acordo com o que já ouvi, é
aceitar tudo com um sorriso. A Sra. Howland, na nossa aldeia, me disse
que não há nada que um homem odeie mais do que sentir-se rejeitado.
Tess não poderia deixar de pensar que Lady Howland deu
certamente prova de corajosa abnegação.
— Mas não deixe que isso te desencoraje desnecessariamente, —
Annabel disse novamente.— Deve também ser algo bonito, caso
contrário, não teria muitas crianças no mundo.
— Eu imploro, tente esconder a sua pouca inclinação para as alegrias
da maternidade, quando você estiver em Londres, certo? — disse Tess,
divertida.
— Eu duvido que existam muitos homens que escolhem uma noiva
com base em seu desejo de se tornar mãe — disse Annabel. — E se o
cavalheiro que eu escolher provar tal propensão, tenho certeza de ser
capaz de enrolar sobre o assunto tempo suficiente para que ele entenda
a dica.
Annabel esteve sempre certa de ser capaz de fazer qualquer coisa:
fingir virtudes maternas, ganhar o coração de qualquer um, suportar
sorrindo uma quantidade desconhecida de atenção íntima não
desejada...
— Eu gostaria de ter a sua segurança — disse Tess, levantando-se e
dando uma última olhada no espelho. Não tinha mais nenhuma desculpa
para demorar mais, quando o seu marido a estava esperando. A
carruagem de Lucius, pronta em frente da porta, esperava por ela; a sua
nova vida de casada esperava por ela, quase como um vestido novo
nunca vestido.
— Sem dúvida, eu me sentirei como uma lebre caçada quando couber
a mim — disse Annabel. — Mas em qualquer caso, posso tirar proveito do
seu conselho. Graças aos céus, nunca fomos relutantes em discutir
abertamente sobre qualquer coisa. Eu quero saber tudo nos mínimos
detalhes, quando nos encontramos novamente, na próxima semana.
Tess se despediu da irmã com um último abraço. Não disse nada a
ela, mas achava que Annabel estava completamente louca, se acreditava
que iria saber algo tão íntimo como as suas relações sexuais com Lucius.
Na verdade, como Josie tinha dito, nada seria mais o mesmo.
 
CAPÍTULO 27

Descobriu-se que Lucius possuía a carruagem mais elegante que Tess


já tinha visto, ou na qual, nunca havia sonhado em viajar. Era de um
brilhante verde garrafa, que criava um perfeito contraste com o par de
cavalos cinzento que o puxavam.
Tess beijou Annabel, ignorando o brilho travesso em seus olhos, e
beijou também Josie, prometendo para ambas que iria voltar em breve
para encontrá-las e que escreveria a elas todos os dias. Sentou-se então
em assentos de veludo, admirando as luzes que decoravam o interior,
dourado como as franja abaixo.
— Você achar que é muito chamativo? — perguntou a ela seu
marido.
O marido dela!
Tess não sabia o que dizer. Tinha um único pensamento em mente, e
certamente era muito atrevida para ter um pensamento do tipo. Ela
ficou atordoada com a ideia. Com medo, também...
Como superar o constrangimento? A humilhação inerente em todo o
assunto? A sua criada a ajudaria a colocar uma camisola e a deixaria na
cama? O Sr. Felton a deixaria nua? Esperava muito que não fosse bem
assim. Desta vez, não vestia um espartilho. Estava vestindo uma bela
camisa, graças a Griselda; tinha perigo de danificá-la? Annabel estava
certa de que o marido, como um prelúdio para o acasalamento,
arrancaria as suas roupas quando juntos.
Tess não foi bem-sucedida em remover da cabeça essa ideia. — Eles
rasgam as roupas, sim — tinha dito a ela, a noite antes, com óbvia
satisfação.
— É muito improvável —respondeu Tess. — Veja o ferreiro e sua
esposa, por exemplo. O Sr. Helgarson tem seis filhos. Obviamente, ele e
sua esposa têm...
— Não seja tão ingênua! —respondeu Annabel. — Você é uma mulher
casada agora. Aposto que o Sr. Helgarson ama dançar sob os lençóis!
— Bem, se eu sou quase uma mulher casada, o que você pode dizer
em sua defesa? Onde você aprendeu essa linguagem vulgar?
— Das criadas. Em qualquer caso, pode ser que os homens com vinte
anos de casamento nas costas não rasguem mais as roupas, mas estou
absolutamente certa de que os recém-casados, sim, arrancam.
Absolutamente certa. Os homens não podem esperar, você sabe. É...
como um garanhão na primavera. — As moças não tinham permissão de
assistir aos cruzamentos, é claro, mas ninguém que frequentasse um
estábulo poderia ignorar qual era a principal razão da vida de um
garanhão. — Por que —acrescentou Annabel — se seu marido não lhe
rasgar as roupas de cima, será um sinal de potencial falta de interesse,
não acha? Como se estivessem casado há anos. Felton, aposto, vai para
cima de você ao entrarem na carruagem!
Agora Tess estava lá, na carruagem, e vendo como brilhavam os
olhos de seu marido, não teve dúvidas que se rasgar as roupas da esposa
fosse uma demonstração de interesse, Lucius estava se preparando para
fazê-lo.
Em sua vida, nunca tinha se sentido mais estúpida do que isso. O que
poderia dizer? Por favor, não destrua as minhas roupas porque não
posso comprar mais? Havia alguma maneira de adiar o inevitável? Fingir
um mal-estar? Ou dizer que suas coisas tinham chegado?
— A casa que eu tenho aqui perto é um pouco além das ruínas que
nós visitamos o outro dia — informou Lucius, continuando a comê-la
com os olhos.
Tess foi capaz, de algum modo, de sorrir. — Magnífico, — ela
murmurou.
— Eu pensei que nós poderíamos fazer uma parada ao longo do
caminho para um piquenique. O cozinheiro de Rafe nos preparou uma
cesta com algo para comer.
— Oh — disse Tess, congelando. Parecia que seu marido não estava
nem um pouco ansioso como ela pensava... Ela se forçou a afastar o
pensamento. Quase como se ela... não! — Uma ideia fantástica! Eu amo as
ruínas antigas!
Lucius reprimiu um sorriso. A sua novíssima esposa dava a
impressão de ter algo em mente. No entanto, ele queria que ela
entendesse desde o início o que ele esperava. Eles passariam dias
agradáveis juntos, e até mesmo noites muito mais agradáveis, mas
unicamente nos intervalos entre as demandas de seu trabalho, que
implicava em ausências frequentemente prolongadas.
Tinha ponderado longamente sobre o assunto, e porque não gostava
da ideia de interpretar o papel do marido apaixonado, evitaria
escrupulosamente que ela pudesse alimentar qualquer ilusão a este
respeito. Em outras palavras, ele não queria alimentar a ilusão de que ele
estava, ou poderia está, apaixonado. Como regra, um recém-casado não
teria nunca levado em consideração a ideia de parar no campo para um
piquenique, em vez de correr para o leito nupcial. Mas eles não eram um
casal deste tipo. O vínculo que tinham era menos íntimo, e ele queria
que permanecesse assim. Ele não queria prometer algo que não seria
capaz de manter.
— Eu estou com fome —disse a ela. — E como ainda há uma hora de
estrada até chegar a minha casa, eu acho que é melhor não ignorar um
estímulo fundamental como o apetite.
Ela olhou para ele com os olhos bem abertos, limitando-se a fazer de
novo um aceno de concordância.
No entanto no plano que Lucius tinha concebido tinha uma grande
falha: era malditamente difícil refrear o desejo de colocar suas mãos
sobre ela. Tess estava sentada lá na frente, com o corpo esguio que
balançava acompanhando o movimento da carruagem, e ele não
conseguia pensar em outra coisa, como o mais miserável dos canalhas.
Uma parte de sua mente raciocinava de modo perfeitamente lúcido
sobre o futuro deles, mas outra formulava pensamentos de teor
completamente diferente.
Além disso, a segunda parte tomava progressivamente o controle de
seu corpo. Fingindo indiferença, Lucius cobriu com uma aba do casaco
seu baixo-ventre. Não tinha nada de errado em pensar no que queria
fazer. Aliás, no que sem dúvida faria quando eles estivessem a sós no
quarto, em uma hora apropriada, depois de ter consumido com
segurança o jantar, de maneira que ela entendesse que os deveres
conjugais tinham uma pequena parte em sua vida, limitado, agradável...
obviamente ele queria que fosse agradável...
Por um momento, a parte racional de seu cérebro perdeu o controle,
e imaginou Tess, na luz fraca das velas... Estava na frente dela e a
beijava... Não, na verdade, tocava levemente com o polegar um mamilo.
Com os olhos da imaginação, a viu tremer em seus braços, e, em seguida,
imaginou, enquanto ele beijava aqueles lábios sensuais...
Não.
Ele estava realmente perdendo o controle. Se apoiou contra o
assento e fechou os olhos.
— Acho que vou tirar uma soneca — disse. A voz dele saiu rouca de
desejo, mas pensou que ela nem mesmo havia notado, enquanto a
espiava através das pálpebras entreabertas. Parecia que ela estava
confusa. Melhor assim. Deveria se convencer que ele tinha um caráter
forte, totalmente impermeável às emoções.
Claro, que naquele momento a verdade era exatamente o oposto. Um
desejo feroz tinha tomado posse dele, enquanto estava lá, com todos os
músculos tensos no esforço de manter em cheque o impulso de saltar em
cima dela, de beijá-la, pedir para que o perdoasse pela sua estupidez, e
revelar que morria por desejar seus lábios, seus dedos...
Sentia ainda seus lábios queimando, pelo pensamento de quando ela
o havia tocado com a mão, a noite anterior. E o pescoço... também lá
seus dedos tinham tocado ligeiramente.
As fantasias eróticas continuavam a encher sua mente, a tal ponto
que sentiu um tremor.
Não foi uma emoção. O tremor tinha sido causada pelo transporte
parando.
Um criado abriu a porta. Lucius estendeu a mão para Tess, que ainda
tinha a sua roupa intacta, incluindo o chapéu, como quando havia
subido na carruagem, e desceu primeiro, evitando olhar na face do
servo.
Um outro criado estava lá pronto, segurando nos braços os
cobertores. Droga, aquilo de levar cobertores tinha sido definitivamente
uma ideia de Rafe, muito pouco romântico para imaginar que dois
recém-casados pudessem realmente fazer uma parada no campo
unicamente para um piquenique.
O que ele acreditava, pensou com desgosto, que ele defloraria sua
esposa lá na frente de todos, incluindo as vacas no pasto?
Ele ofereceu o braço para Tess, que reagiu com um sorriso doce.
— Não é um dia maravilhoso?
Lucius deu uma olhada ao redor, muito distraído e assentiu. A grama
cor esmeralda estava crescendo lá onde o Sr. Jessop tinha ceifado o feno.
O salgueiro-chorão estava começando a espalhar na grama suas folhas
amarelas. Uma paisagem pitoresca.
— Sr. Felton, — disse Tess.
— Lucius — corrigiu ele.
Ela olhou para ele e Lucius ficou encantado ao observar o oval
perfeito do rosto dela. Ele sentiu que estava começando a perder de
novo o controle.
—Me chamo Lucius — repetiu ele, com uma voz rouca pela
ansiedade.
Tess corou, envergonhada. — Desculpe-me, não percebi... isto é, os
meus pais se referiam um ao outro de modo formal.
— Provavelmente não quando eles estavam a sós.
Enquanto ela ponderava a questão, Lucius teve que admitir que a sua
mãe, quando se referia a seu pai, dizia sempre: — Sr. Felton, — também
na intimidade. — De agora em diante, peço a você, seja informal,
abandone toda a formalidade— acrescentou então.
— Tudo bem... Lucius.
Tinha um som doce, em seus lábios, pensou Lucius. O criado
estendeu os cobertores sob o salgueiro, colocou em cima a cesta com a
comida e ficou na espera, com uma expressão ambígua, extremamente
irritante. Lucius suspirou. Se era isso que todos estavam esperando dele,
por mais vulgar que fosse, quase quase ficou tentado a dar-lhes esta
satisfação.
Ele então disse a seus homens que retornassem à carruagem. — Vão
até Silchester e providenciem o próprio almoço. Vocês podem voltar
aqui em um par de horas. — A expressão irônica que ele viu em seus
rostos deixou-o irritado. Poderia ser um cavalheiro que, como diziam os
seus pais, sujava as mãos de trabalho, mas não era bruto até a este
ponto.
Tess o esperava, de cócoras sobre a coberta vermelha, e se preparava
para abrir a cesta. Parecia perfeitamente feliz. Provavelmente, a
perspectiva de um piquenique tranqüilo era muito mais agradável do
que passar por uma prática de sexo que (Lucius estava bastante certo)
não sabia muito, e que poderia causar alarme e constrangimento para
ela.
— Você quer dar dois passos até às ruínas antes? — perguntou a ela.
Tess olhou para ele. Começou a pensar que havia se casado com um
tipo muito imprevisível. A sua expressão era como sempre um enigma.
Ela juraria que antes, na carruagem, a estava olhando de uma certa
maneira... mas com uma pessoa como ele, você nunca podia saber. —
Sim, claro, — disse ela, levantando-se. — Vamos por esta parte, tudo
bem? —acrescentou. Não estava com vontade, para dizer a verdade, de
enfrentar o íngreme gramado que tinham subido antes de atingir as
ruínas da antiga Villa romana, da vez anterior.
Foi, portanto, para a esquerda, em direção às colinas que podiam ser
vistas à distância. Eles cruzaram um campo, e, em seguida, mais um. Na
parte inferior do último havia um muro de pedra, e na parte de trás um
majestoso bordo, cuja folhagem, refletindo os raios do sol, parecia
composta de brilhantes folhas de ouro.
Quando eles chegaram na árvore, Tess sentou-se na grama, e em
seguida, Lucius pegou as flores amarelas e as colocou no cabelo dela.
Ela ficou toda enrubescida. Quantos homens tiveram a boa sorte de
casar com uma mulher capaz de corar de uma maneira tão fofa?
Lucius se ajoelhou de frente para Tess; os lábios dela pareciam ser de
seda, tremendamente sensuais, como se lembrava de ter visto em suas
fantasias mais quentes. Passou uma mão entre o cabelo dela, com os
dedos tremendo, admirando extasiado a forma perfeita do rosto,
estremecendo quando seus lábios se tocaram e a sentiu suspirar.
Beijou primeiro como faria um marido carinhoso com a esposa ainda
tímida e assustada: gentilmente, docemente, respeitando a sua
inocência. Mas, aos poucos, a natureza prevaleceu sobre a educação, e
ele começou a saboreá-la, em vez de só beijá-la. E saborear, o sabor de
Tess, sua esposa, a sua legítima esposa, era uma experiência inebriante,
uma droga da qual não poderia mais viver sem.
Ele afundou os dedos no cabelo perfumado e se curvou para beijar
aquela boca muito, muito desejável, com um tipo de subjugado rugido,
mais digno de um animal que de um cavalheiro.
Tess podia não saber, mas seu marido tinha se transformado em um
desses homens incivilizados capazes de rasgarem as roupas de suas
esposas, para atacar sexualmente uma pobre mulher na carruagem, no
jardim... debaixo de um bordo...
Mas ela estava se afogando em um oceano de sensualidade,
totalmente atordoada. A boca que Lucius pressionou na dela... estava
quente! Como podia queimar dessa maneira? Parecia estar quase
perdendo seus sentidos, que tudo girava ao seu redor, tanto que ela teve
que segurar-se nos ombros dele, tentando em vão lutar contra a
estranha sensação que a invadia. Ela sentiu tremer os joelhos, enquanto
uma anormal explosão de calor, começando a partir de um ponto no
meio de suas pernas irradiava por todo o corpo, até seu rosto estava
quente demais, como se tivesse febre.
Foi ao mesmo tempo alarmante e emocionante. A assustava, que
fosse sobrepujada por sua parte animal, empurrando-a a se apertar mais
e mais perto de Lucius, até se fundir com ele. E, de fato, agora os seus
corpos estavam colados um ao outro, tinha os seios esmagados contra o
peito dele, e podia sentir... sentir...
Tess começou a ficar mais do que atordoada. Os grampos que
seguravam seu cabelo estavam espalhados em torno na grama, e agora
os cachos caiam solto sobre os ombros, enquanto ele a acariciava com
ardor. Quando a beijava, não conseguia pensar, mas quando ele desceu
com os lábios em sua garganta, deu uma sacudida e se tornou mais
consciente.
— Lucius, — disse. Sua voz soou estrangulada, no silêncio da tarde
morna. A única resposta foi o canto de um grilo. Mas não poderia estar
errada. Tudo que Annabel sabia, sobre as relações entre homens e
mulheres, sugeria que Lucius queria fazer algo mais do que só beijá-la,
embaixo do bordo.
— Lucius — disse de novo. E novamente: — Lucius! — acariciando o
pescoço dela, ele sussurrou alguma coisa, com os lábios tocando
levemente sua pele, em seguida, desceu com a sua grande mão ao longo
de sua coluna, apertando-a de uma forma tão doce que a fez tremer, e a
empurrou mais para baixo, até... até...
— Sr. Felton! — Ela exclamou, ofegando.
Ele se separou de uma vez. — Não me chame assim!
— Porque não?
— O meu nome é Lucius — disse ele, levantando-se e ajudando-a a
fazê-lo. — Queremos chegar às ruínas agora?
Com o coração tamborilando ainda forte dentro do peito, Tess se
levantou, pensando que era muito traumático ir dos beijos tão
apaixonados para um sentimento quase súbito de esfriar.
— Bom, aqui estamos— disse, quando viram as paredes em ruínas. —
Qual parte te interessa em particular, tanto para querer rever?
Lucius não poderia responder que ele não via nada de interessante
em uma ruína coberta no musgo. Nem poderia confessar que ele tinha
organizado o piquenique apenas para fazê-la acreditar que não era um
homem das cavernas com fome de sexo.
Que era exatamente como se sentia naquele momento.
— Os restos da sauna — disse, fingindo uma calma que não sentia. —
Se você não tem nada contra, eu gostaria de dar uma outra olhada na
tubulação que leva a água quente. Eu estava pensando em equipar a
nossa casa com algo semelhante.
Ele ajudou Tess a descer ao longo da calha formada pelas pedras
caídas. Na realidade a pilha de ruínas não tinha precisamente nada de
interesse, e ele não sabia mais como sustentar a ficção.
— Isso deveria ser conectado a uma cisterna, — disse.
Sua esposa, ao contrário, estava olhando o céu, e então ele também
olhou para cima. Dois estornos se perseguiam desenhando círculos no
céu, bêbados de felicidade.
— É o prelúdio para o acoplamento — disse Tess, virando em direção
a ele. De repente, ela se sentiu mais ousada, madura, casada.
— Me parece difícil, na presente temporada do ano — objetou Lucius.
Mas Tess estava experimentando um momento de felicidade tão
intensa que fazia girar a cabeça: sim, era insanamente feliz em ser
casada com este homem tão grande, e também tão elegante, que a comia
com os olhos. Que não se perdia em galanterias vazias, como Mayne.
O céu estava azul, perfeitamente claro, e seu marido estava próximo
a ela, cheio de desejo, e ela estava casada. Casada! Uma mulher casada
podia fazer qualquer coisa! Podia beijar embaixo de um bordo e não
perder a própria reputação. Podia...
Ela se virou lentamente para o marido.
Eles poderiam fazer exatamente o que queriam. Não limitar-se a
observar a vida do lado de fora, mas agarrá-la.

 
CAPÍTULO 28

Em sua vida, a idade adulta, Lucius não tinha nunca acalentado a


ideia de deflorar uma noiva. Porque, em primeiro lugar, nunca pensou
em se casar. Em segundo, tinha acreditado, talvez um pouco
cinicamente, que as virgens a disposição não fossem muitas. De resto,
mulheres virgens não pareciam ser nada excitantes. Geralmentre, era
uma mulher que não sabia o que queria, que poderia até mesmo sentir
desgosto por tudo referente ao sexo e,além disso, ignorava como dar
prazer ao seu parceiro.
Não, as virgens nunca tinham tido o menor atrativo, a seus olhos.
Até aquele momento.
Porque Tess era uma virgem capaz de deixá-lo apaixonado por
aquele tipo de esporte, mesmo se fosse claro que uma vez que ele tivesse
feito amor com ela, seria impossível conseguir uma repetição.
Era feliz, para começar. A Sua voz era sensual, cheia de desejo e de
alegria. Não tremia de medo, mas de excitação.
Até o momento, no entanto, mantinham todos os dois um certo
controle. Ele não tinha ainda sequer mencionado um tirar de calças, e
ela, apesar do seu óbvio interesse no jogo erótico, não o tinha tocado
abaixo da cintura.
No final eles encontraram-se, como era esperado, sentados na
bancada coberta no musgo ao longo de uma parede do quarto. Em um
primeiro momento, lado a lado. Então, a um certo ponto, ela se colocou
nos joelhos dele.
Lucius não soube quanto tempo ficou lá, com as curvas do macio
traseiro contra as suas pernas, e Tess estreita entre seus braços,
enquanto explorava com os lábios suas bochechas, para então voltar aos
beijos apaixonados. Beijos que não conseguia evitar. E que fizeram agitar
o sangue e nublaram a mente, até que a simples ideia de manter um
comportamento de cavalheiro parecesse uma aberração.
Em vez de se comportar com civilidade, sua meta, agora, era só uma:
ouvir os suspiros de sua noiva enquanto acariciava seus seios. Suspiros?
Não, Tess não suspirava, dizia seu nome e fechava os olhos, como se o
que não podia ver não acontecesse realmente. E em vez disso era
verdade! Eles estavam ali, juntos, ao ar livre, desafiando as convenções...
Ele queria absolutamente que ela reabrisse os olhos, queria... Sem pensar
sobre isso duas vezes, abaixou o decote e recolheu em sua grande mão a
suave redondez do seio dela.
Tess abriu os olhos de supetão e abriu a boca para protestar. Mas ele
a impediu com um beijo que não tinha nada de doce ou gentil, mas era
unicamente imperioso, assustador como o seu desejo. No momento em
que ele se afastou, ela tentou de novo falar.
Ainda uma vez, no entanto, Lucius antecipou a sua reação. — Você
tem um seio bonito — disse, e qualquer coisa que Tess queria replicar foi
dominado pelo gemido que saiu de sua boca quando ele tocou com o
polegar o mamilo, um gemido que era quase um grito, e que sacudiu o
seu corpo fazendo com que se apertasse ainda mais a ele.
— Lucius — ela murmurou e, se abandonou à languidez que este tipo
de carícia produzia, desmoronando contra o seu peito, fechando
novamente os olhos.
Então, cedendo a um impulso que não conseguia mais segurar, ele
deslizou os dedos sob as saias, para cima, além da borda da parte
superior das meias, superando as ligas, enquanto sentia sob os dedos a
pele suave das coxas, aproximando-se gradualmente...
— Lucius Felton! — exclamou ela, reabrindo os olhos. — Você não
pode... O que você está fazendo?
— Eu a estou tocando— respondeu ele sem se abalar. — Eu estou
tocando a minha esposa.
Ninguém teria sido capaz de ver o que estavam fazendo, se houvesse
alguém na vizinhança. Tinha apenas colocado um braço sob a sua saia,
enquanto com o outro rodeava a cintura, segurando-a com a cabeça um
pouco para trás, para ser capaz de beijá-la a vontade, e enquanto isto os
seus fortes dedos se aproximavam mais do objetivo... e ela tinha um seio
exposto à luz do sol, um aberto convite para o prazer.
Ela se sentiu tremer enquanto ele levantava as mãos, e arregalou os
olhos. — Você não pode! — gemeu de novo. Agora, tão perto, Lucius
sentiu os suaves cachos sob os dedos, e esse contato alimentou o fogo
que já estava ardendo incontrolavelmente.
— Porque não? — perguntou a ela.
— Não é... — murmurou Tess, mas não estava em condições de
expressar em palavras tudo o que esse ato não era.
Lucius sorriu. Sentiu pulsar o sangue poderosamente nas veias,
fluindo para baixo, mas manteve um lampejo de lucidez. — Se nós
fossemos os antigos romanos, ficaríamos tranquilamente nus— ele disse,
com a voz rouca de desejo.
— Sim, mas teríamos também um teto sobre nossa cabeça! Lucius,
acho mesmo que não... — ela protestou, enrijecendo com medo de que a
situação ficasse fora de controle.
Mas ele não a deixou acabar. — Você estaria aqui na minha frente,
nua e provocante. O vapor formaria uma película escorregadia na sua
pele. E então eu iria te colocar deitada neste mesmo banco, e a faria
minha— disse, fazendo uma pausa somente para beijá-la, de modo que
não pudesse replicar. — Eu a deitaria neste banco e desceria com os
meus beijos a partir do pescoço até alcançar os seios, e seguiria então a
curva de seu estômago...
Tess permaneceu olhando-o, com os seus olhos azuis escurecidos,
em ansiosa espera, segurando o fôlego.
Passou um momento, mas pareceram longas horas, em seguida,
Lucius se colocou de joelhos e começou a despi-la, com os dedos
tremendo, como se estivesse abrindo o presente mais importante que
uma vez recebeu. Desatou os laços, desabotoou tudo o que era para
soltar, não que ela fez a mínima resistência. Era o ponto de não retorno.
Naquele momento decisivo, Tess recuperou a voz, rouca de desejo
como a de Lucius. — O que você vai fazer? — perguntou, quando ele
puxou o vestido por sua cabeça. — Você quer brincar de romanos
antigos?
—Estou te deixando nua— respondeu ele, selando os lábios sobre os
dela, e começou a tirar também a blusa. E, sem esperar que ela
retomasse o fôlego, a colocou em seu colo e deixou que a sua mão fosse
onde desejava ir, para apertar de novo os seios, arrebatando dela um
grito de sensual abandono.
A mulher com a qual tinha casado não era inibida em seu ardor por
uma rígida educação, constatou Lucius, ouvindo-a gemer de prazer,
enquanto o mamilo ficava rígido em contato com a palma da mão...
No entanto, aquele não era, evidentemente, o local ideal para chegar
onde ele queria, mesmo se o peso do corpo dela sobre os joelhos fosse
delicioso. Então a fez deitar no banco como a matrona romana que tinha
imaginado; mas ela não ficou parada em seu lugar. Sentou-se de repente,
com a pele cândida que brilhava ao sol, as curvas sinuosas dos quadris e
os seios prósperos generosamente expostos, juntamente com o triângulo
escuro de cachos no ponto de junção das coxas.
— Os romanos eram dois, — disse ela.— E os dois estavam nus. Você
tem que se despir também!
Ele a obedeceu. Sem nunca tirar os olhos de cima dela, tirou seus
sapatos, as calças e as cuecas.
Tess sentiu o musgo fresco em contato com a coluna e, consumida
pelo fogo da paixão como estava, parecia incrível que não tenha deixado
a marca de seu corpo impresso no banco. Lucius era todo músculo; eles
se mexiam debaixo da pele âmbar, e a luz do sol os colocava em
destaque. Ele virou-se para ela, com o seu quadril delgado que parecia
esculpido em mármore, e lá na frente...
Tess encostou-se na parede atrás dela, de repente com medo. No
entanto, havia algo no rosto de Lucius que nunca tinha visto antes.
Alegria? Desejo. Ele finalmente parecia livre das restrições da vida civil.
Talvez todos os homens tivessem aquela quantidade de selvageria,
quando eles estavam... Mas não foi capaz de imaginar qualquer dos
senhores de seu conhecimento que poderiam ter a audácia de ficar
assim, completamente nu, no campo do Sr. Jessop.
Isto permaneceria em sua memória, por toda a vida, a lembrança de
quando ele a levantou do banco e a apertou contra si, pele contra pele,
músculos firmes pressionados contra a sua carne macia; a maneira na
qual seus corpos nus, de um homem e de uma mulher, pareciam moldar-
se e fundir juntos.
Não havia lugar no banco para ambos, de modo que eles espalharam
as roupas no chão, e deitaram sobre elas, e ela começou a explorar o
corpo dele. Lucius estava tenso e rígido... em todo lugar.
Foi Tess quem sorriu então. Depois de tudo, era bom ter um tal
sentimento de poder.
— Eu quero que você saiba — disse ele, a um certo ponto — que não
vou te fazer minha aqui, agora. Eu nunca poderia. Não somente por uma
questão de boas maneiras. A primeira vez para as mulheres é uma coisa
dolorosa. Envolve ainda uma pequena perda de sangue. Você não estaria
a vontade em um lugar como este.
Ela olhou para ele, fazendo-o entender que estava bem ciente do
problema. Mas toda hesitação desapareceu em um instante, substituída
pelo desejo, tão forte que nublou sua mente. Ela arqueou de volta,
apertando-se contra ele, decidida a fazê-lo perder o controle.
Lucius era pródigo nas carícias, incapaz como era de se segurar. Os
seus dedos tocavam seu sexo, com um ritmo crescente. Gemendo muito,
Tess esfregou os seios contra o peito dele, até que ele segurou-a pelos
ombros e a encarou. — Se conter é ainda mais doloroso, — disse ele.
Ele afundar seus dedos em no seu sexo em ebulição.
— Isso que você está fazendo não é— ela sussurrou, e se inclinou
para frente e colou os lábios sobre os dele, com força.
Lucius retirou a mão. E em um movimento substituiu com algo mais.
Ele não podia mais resistir.
Um grito escapou da garganta de Tess. Não parecia doer. E mesmo
assim... o sangue. O bom senso dizia que uma mulher bem educada teria
que viver uma experiência tão traumática em sua cama, incluindo roupa
de cama limpa, de preferência no escuro.
Mas Tess não parecia ter o menor desejo de se retirar para as
sombras.
Ela abriu os olhos com um gemido e viu que os olhos escuros do
marido a estavam encarando. Não pode segurar o riso, uma risada baixa
e rouca, que era quase um gemido. — Não seja tão sério, Lucius.
—Eu não desejo que você se arrependa...
— Nunca. De resto, eu não acredito que nós somos os primeiros que
fizeram amor no campo do Sr. Jessop.
— Os romanos pertencem a um remoto passado, e como você disse,
eles tinham um teto sobre sua cabeça.
Lucius se apoiou sobre os cotovelos e começou a empurrar dentro
dela.
— De novo.
Ele repetiu, e dos lábios de Tess saiu um gemido que era equivalente
a uma demanda.
— De novo.
Arqueando a coluna para trás, Tess se abandonou ao êxtase,
gemendo com cada impulso. Lucius deixou de lado o medo de estar se
comportando como um bruto. O que seus escrúpulos tinham a ver com o
que estava acontecendo, quando sua esposa, agarrando-se a seus
ombros, claramente compartilhava com ele o desejo de ir até o final?
Ele não conteve mais seu ímpeto.
Ela abriu os olhos e olhou para ele. O que ele esperava que fizesse?
Que gritasse de dor... um jorro de sangue? Não sabia mais. Parecia que o
mundo tinha parado por um momento, que o sol em si brilhava imóvel
no céu azul e brilhante, segurou o fôlego.
Mas os olhos de Tess brilhavam ainda mais. — Vá em frente, — disse
ela em um sussurro rouco.— O... O... ou já terminou tudo? — Disse
novamente, quase com um gemido angustiado.
Lá, entre as ruínas de uma antiga Villa romana, com as andorinhas
que voavam sobre as suas cabeças, o Sr. Lucius Felton jogou a cabeça
para trás e riu. Ele decidiu que tinha que se apressar para tranquilizar a
sua noiva.
Então ele empurrou de volta o seu membro dentro dela, lentamente
no início, e não encontrou mais que prazer. Depois de um curto ajuste,
eles encontraram o ritmo justo para acender a sua paixão.
Um pensamento estava martelando a mente de Tess: sentia a
necessidade de se mover. Percebeu, de repente, com gritante clareza,
algumas piadas que tinha ouvido falar sobre as mulheres que andavam a
cavalo. Qual era agora a situação? Era ela quem estava montando, ou
vice-versa? Seus corpos se encontravam com impulso crescente. Lucius
ofegante, tinha apertado os dentes e mantinha os olhos fechados.
Observando-o, Tess percebeu que ele estava perdendo o controle da
cavalgada: um reflexo instinto tinha tomado o controle, e agora não
podia mais parar. De repente, ele agarrou seus seios, em um modo rude,
como que dizendo "este corpo é meu".
E, em seguida, ela também se deixou ir, enquanto uma explosão de
calor foi se propagando até a ponta dos dedos, e deu um grito que
alcançou o topo do céu sem nuvens.

 
CAPÍTULO 29

A casa de Lucius era em um clássico estilo Tudor, com os tijolos


exteriores em desenho de espinha de peixe, pequenas janelas com vidros
fechadas, dispostas um pouco ao acaso, e telhados que caiam em todas as
direções. Parecia quase que os seus antigos proprietários, no período
elisabetano, tinham adicionado pouco a pouco os aposentos, lá onde
davam maior prazer, e a obra final estava enraizada no chão com um
aspecto confuso, mas confortável.
Não era nem mesmo comparável ao tamanho de Holbrook Tribunal.
E nem era certamente o castelo que Annabel tinha previsto, e nem
mesmo uma morada magnífica. Era apenas uma casa grande, agradável e
confortável.
Tess não havia prestado atenção de quanto temia a ideia de tornar-
se realmente uma Lady de um castelo, até que a carruagem parou na
frente da entrada. — É essa? — disse ela, dando instintivamente um
suspiro de alívio.
Lucius afastou seu criado com um aceno de mão e ajudou Tess
pessoalmente a desmontar. — Sim, aqui é Bramble Hill. Você gosta?
— Oh Lucius, ela é esplêndida, —exclamou com sincero entusiasmo.
— Não é grande como Holbrook Tribunal.
— Por sorte. Eu não sei por que, mas eu tinha a ideia de que você
vivia em um castelo.
— Um castelo? Eu posso comprar um, se você quiser.
— Não, obrigado.
Os servos se dirigiram a varanda, nesse meio tempo, e ficaram em
fila para sua passagem. Mesmo que não vivesse em um castelo, Lucius
tinha um tal excesso de pessoal que não seria difícil fazer frente a eles.
— Este é o Sr. Gabthorne — disse, apresentando o mordomo, um tipo
de rosto rechonchudo e jovial. — Sua esposa supervisiona o progresso
geral da casa, e devo dizer que faz isso muito bem.
Ele, em seguida, apresentou o resto dos criados (lembravasse sem
dificuldade o nome de cada), um assunto que levou mais de quarenta
minutos. Depois disso, a levou na sala de estar, uma grande sala dos
tetos altos, e com grandes portas francesas em arco de onde podiam
admirar o jardim.
— Bramble Hill foi reformada dois anos atrás por John Nash, em
conjunto com um arquiteto de jardins — informou Lucius. — Todos os
quartos têm uma vista panorâmica. A partir da sala de estar você pode
assistir tanto o oeste quanto o sul, em direção ao parque, ou para a
estufa e o vale que ele se estende para o além.
Tess olhou ao redor, encantada. As portas francesas na sala de estar
que davam para o jardim estavam envoltas em hera, madressilva e
jasmim. — Deve ser bonito, no auge do verão.
— Eu gosto muito — disse Lúcio.
Ela virou em direção a ele e olhou em seus olhos. — Estou surpresa...
— disse ela, apontando para dentro da casa.
— Por quê?
— Talvez porque eu não esperava encontrar uma atmosfera tão
familiar. No entanto, nunca foi habitada por uma família, certo?
— Verdade, não é como a casa onde cresci. Meus pais não viveram
aqui quando eu era criança.
— Então, é uma casa que você escolheu para si mesmo.
Lucius assentiu.
— E você também escolheu essa linda decoração.
— Eu tive alguma ajuda. Eu viajo muito, e, portanto, para mim não
foi difícil encontrar o mobiliário adequado, e pedir para enviá-lo aqui.
Você vai descobrir em breve, eu temo, que eu não tenho muita
imaginação, sobre o assunto. Todas as minhas casas são mais ou menos
como esta.
— De quantas casas você está falando?
Ele fez uma pausa por um momento para refletir. — Quatro... cinco,
incluindo a casinha de caça.
— E elas estão todas mobiliadas com tal bom gosto, como Bramble
Hill?
— Eu gosto de me cercar de coisas bonitas — respondeu ele,
tomando-a pelo braço e levando-a para fora no jardim.
Eles estavam passeando entre as roseiras, agora sem flores, quando
Tess lhe perguntou: — E a sua casa em Londres é magnífica como esta?
— Eu acho que sim — disse Lucius, com um tom um tanto
indiferente, limpando o caminho de um seixo com a ponta da bengala. —
Agora, no entanto, gostaria de mostrar o resto. A sua sala privada, por
exemplo. O que você acha?
Tess captou uma luz particular em seu olhar e corou. Quando eles
alcançaram o boudoir, que era todo um triunfo de damascos com botões
de rosa em relevo, foi ainda mais claro que Lucius tinha em mente algo
mais, enquanto a guiava através da casa.
Mesmo lá, como em muitos outros quartos, havia um retrato
pendurado em uma parede. Lucius havia explicado que os colecionava,
como uma forma de investimento. A pessoa retratada era uma mulher
nobre, inclinando-se com uma mão em um banco no fundo de um
parque. Parecia olhar sem emoção o observador, enquanto com a outra
mão segurava um livro, como se estivesse cansada de lê-lo. Tess se
aproximou à imagem, tentando ler o título impresso na parte de trás da
capa.
— Ela está lendo uma obra de Shakespeare — disse Lúcio.— Muito
barulho por nada. Embora eu tenha receio de que a leitura de uma tal
obra-prima somente faça com que ela fique com sono.
— Você sabe quem é?
— Uma certa Lady Boothby. Não tenho certeza de seu nome de
batismo. O retrato foi pintado por Benjamin West, em 1780.
Tess olhou confusa para a nobre em questão. — Portanto, é provável
que seja ainda viva.
— Para mim não tem problema.
— Nem para mim. Mas não acho que tenha o desejo de dividir o meu
quarto com Lady Boothby.
— Uma maneira estranha de encarar o assunto, — Lucius objetou. —
De qualquer forma, eu dei ordens aos meus agentes para comprarem
todos os retratos de Benjamin West que serão colocados a venda.
— Talvez, mas não me agrada a ideia de ter uma estranha em minha
sala de estar pessoal.
— Muito barulho por nada, minha querida. Vou levar esse retrato
imediatamente para o sótão.
— No sótão! — Tess se sentiu um pouco culpada, pensando que por
sua causa Lady Boothby seria confinada ao sótão.
Mas Lucius tinha começado a beijá-la no pescoço e a acariciar suas
costas.
— Está tentando me distrar— pensou Tess.— Não quer discutir
comigo sobre Lady Boothby e esta sua mania de pendurar em todos os
lugares retratos de pessoas não relacionadas com a sua família.
Mas este foi o último pensamento que foi capaz de formular de modo
brilhante na hora que se seguiu.
CAPÍTULO 30

Bramble Hill, 1° de outubro


Cara Annabel e Josie, escrevo de meu boudoir que, a despeito do nome, é
uma sala muito normal, mais ou menos grande como o closet que teve a nossa
mãe. Lucius, é claro, não mora em um castelo. Bramble Hill é decorada de modo
suntuoso, mas na verdade não é mais espaçosa do que nossa casa na Escócia. No
térreo está a sala de estar e a adjacente sala de almoço, onde para nós era a
biblioteca. O escritório de Lucius é na parte de trás, virado para o jardim.
Também, entre o escritório e a sala de almoço há um maravilhoso hall. Eu não
vejo a hora de mostrar a vocês tudo com os próprios olhos, e Lucius me
prometeu de trazê-las aqui o mais rápido possível, talvez já na próxima semana.
Notícias de Imogen? Eu imploro, me avisem imediatamente, quando ela
voltar. Lucius está convencido de que ela e Lord Maitland não vão ter
problemas. Uma vez que vocês a verão antes de mim, abracem-na de minha
parte.
Sinto meus ouvidos zunindo com suas perguntas, Annabel. Lucius (talvez eu
deveria referir-me a ele dizendo “o Sr. Felton,” mas ele não gosta disto) é uma
pessoa extremamente generosa. Gosta de me encher de presentes. Ontem ele
trouxe um papagaio, com as penas amarelas brilhantes e o bico vermelho
púrpura. Ele é muito jovem e, portanto, não sabe ainda dizer nada, mas deve
aprender, de tanto que eu falo com ele. É muito desajeitado, e quando come joga
as cascas de suas sementes por toda parte. O homem que o trouxe para casa me
disse para mantê-lo comigo o máximo possível para acostumá-lo a me ver como
amiga. Quando o liberto para dar uma volta fora da gaiola é muito feliz, mas se
excita muito e torna-se difícil de controlar. Tomamos banho juntos, e nos
divertimos muito.
Passei boa parte do dia de ontem tentando me orientar nesta casa, uma das
cinco que Lucius tem. Ele trabalha longas horas em seu escritório, e eu hesito em
interrompê-lo, exceto em assuntos de extrema importância e, portanto, isso não
acontece com frequência.
Eu vou escrever de novo amanhã de manhã, após o café da manhã. Eu peço
para que respondam imediatamente e deixem-me saber como vocês estão. Eu
sinto muito a falta de vocês.
Com muito amor.
Sua irmã
Sra. Felton (eu não pude resistir)

Bramble Hill, 2 de outubro


PESSOAL
Querida Annabel,
Eu estou escrevendo esta carta pessoal, porque tenho certeza de que você
tem na boca um monte de perguntas... e não pretendo responder nenhuma
delas! Sei que em qualquer caso o casamento é uma coisa muito interessante;
isso posso te dizer.
Lucius é o tipo de homem capaz de reagir da maneira mais elegante a
qualquer situação. Eu garanto a você que em breve serei a pessoa mais
civilizada do mundo, simplesmente seguindo o seu exemplo. Ele trabalha de
modo muito mais intenso do que papai alguma vez trabalhou; não o vejo nunca
de manhã cedo até à noite, se não for de vez em quando ao seu escritório para
fazer-lhe algumas perguntas.
Penso que talvez fosse bom para Lucius se ele tiver uma vida um pouco mais
cheia de surpresas. Mas este é, obviamente, um assunto que diz respeito ao
futuro.
Com toda a minha afeição, Tess

Bramble Hill, 4 de outubro


Caras Annabel e Josie,
Eu as imagino enquanto lêem juntas, provavelmente enroladas na cama de
Annabel. Eu chamei o meu papagaio de Chloe, mesmo que não saiba por que
escolhi um nome tão sofisticado. Parece ter uma fraqueza por mim, que mostra
agarrando o meu cabelo e grasnando em alta voz quando entro no quarto. Lady
Gabthorne, que supervisiona o desempenho da casa, não o aguenta. Houve um
infeliz incidente com uma xícara de chá, e eu temo que Lady Gabthorne não
superará nunca o trauma resultante do episódio.
A chegada da modista de Lady Griselda é realmente uma oportunidade
maravilhosa, e por isso eu entendo por que vocês querem permanecer na casa de
seu tutor, no momento. Eu não entendo, no entanto por que dizem que o
escândalo do casamento de Imogen em si já diminuiu; o que foi capaz de realizar
esse milagre? Dê um beijo em Imogen da minha parte, quando a vir, esta noite.
Fiquei muito feliz em receber a carta dela, e saber que ela e Lord Maitland estão
felizmente instalados em Maitland House.
Com carinho,
Tess

Bramble Hill 7 de outubro


Caras Annabel e Josie,
apenas duas linhas com pressa, porque eu tenho que me vestir para o
jantar. Antecipei o jantar, uma vez que Lucius deve ir para a cidade esta noite.
Planejou trabalhar durante o dia para voltar amanhã, sempre viajando de noite.
Todas essas frenéticas idas e vindas não me parecem muito saudáveis.
Obviamente, isto significa que não vai estar conosco em Silchester, amanhã,
para a corrida de cavalos. Mas eu confirmo que nos veremos lá, Annabel.
Fiquei nas nuvens quando eu ouvi dizer que foi o meu marido que salvou
Imogen do escândalo. Não que ele tivesse me dito algo. Poderíamos acreditar que
o casamento me permitiria saber mais sobre o homem em questão, mas com
Lucius não é assim. Na verdade, é a cada dia mais confuso. Estou ansiosa para
saber de Imogen todos os detalhes, amanhã, quando a vir nas corridas.
Josie, sinterei muito a sua falta, mas eu concordo com a sua governanta que
as aulas de dança são fundamentais, na vida de uma pessoa jovem. Annabel e
Imogen vão dar notícias minhas quando voltarem de Silchester, e por sorte
ainda teremos um monte de corridas no futuro, e muitas oportunidades para
nos abraçarmos.
Com toda a minha afeição, Tess
 
CAPÍTULO 31

Meia hora antes do tempo previsto para o jantar, Tess bateu na porta
de comunicação entre o seu quarto com o do seu marido. Não sabia bem
qual era o procedimento mais apropriado entre duas pessoas casadas:
tinha que bater ou podia só abrir? De qualquer modo, a coisa lhe parecia
um pouco estranha. Por outro lado, se ele estivesse fazendo a higiene
pessoal... Forçando o ouvido atrás da porta, ouviu a voz de barítono de
Lucius dizer algo para o seu valete, e, em seguida, o som de seus passos
enquanto vinha abrir sem nenhuma pressa.
— Boa noite, minha querida — disse.
Olhando para ele, Tess sentiu uma sensação muito estranha. Ele
estava lá, com uma expressão de questionamento sobre o rosto,
enquanto ela sentia os joelhos cederem e não conseguia pensar em mais
nada além de dar a ele um beijo. Pareceu de repente que seu espartilho
era muito apertado, e que a impedia de respirar. A essa altura, essa
reação já deveria ser familiar para ela, mesmo que fosse pior a cada vez.
O problema era que Lucius não parecia ser afetado da mesma
maneira por sua presença. Ele se mostrava sempre educado e amigável
quando se encontravam no café da manhã ou no jantar, ou
aleatoriamente ao longo de um corredor. As raras vezes que ela se
aventurava em seu escritório, para pedir algum conselho sobre algo
referente à casa, foi pródigo de conselhos. Mas não ia além disso, ele não
parecia como ela, faminto por suas carícias.
Essa tarde, por exemplo, quando entrou no escritório para pedir
explicações sobre a pulseira de diamantes que de repente apareceu em
seu travesseiro, foi o suficiente ver o sofá de estilo império coberto em
seda carmesim para se sentir inflamada por uma irreprimível fantasia
erótica. Mas quando sentou no braço da cadeira em que ele estava
sentado, tentando distraí-lo de seus negócios, Lucius continuou frio e
distante.
Escapando de seus beijos, ele tinha dito em um tom educado, mas
firme, que tinha trabalho para fazer. Assim, Tess tinha insistido em dar-
lhe um beijo de gratidão, mas em seguida ele tinha mais uma vez pedido
para que o deixasse sozinho, retribuindo com um beijo formal na
bochecha. E quando ela, em uma forma muito sem-vergonha, tentou
continuar os carinhos apoiando a cabeça em seu peito, Lucius se afastou
às pressas para trás, tão rápido que ela quase perdeu o equilíbrio. Em
suma, ele tinha de fato a colocado porta a fora.
Só no final da noite, depois de ter tomado banho e de ter se vestido
para a noite, Lucius abandonava a sua postura rígida e voltava a ser um
marido. Então, para compensar, em seus olhos brilhava uma luz
apaixonada e seu interesse parecia sincero.
No entanto, aparentemente, só ela continuava a meditar, mesmo
durante o dia sobre o que eles faziam a noite.
Como agora, por exemplo, toda vestida com um lindo vestido azul
fosco não conseguiu pensar em outra coisa que, a noite anterior, quando
ele tinha afundado o rosto em sua barriga... e mais para baixo. Ela tinha
as bochechas em chamas, por se lembrar.
— Posso ajudá-la de alguma forma? — perguntou Lucius, entrando
naquele momento no quarto.
— Eu tenho algumas dificuldades em decidir o que vestir, esta noite
— disse Tess, buscando coragem. — Nunca tive tantas possibilidades de
escolha na minha vida. O que você acha mais adequado, o de veludo, ou
o de seda? — Ela apontou para os dois vestidos, que estavam sobre a
cama.
Ele se aproximou para olhar melhor e disse: — Eu escolhi este veludo
negro?
— Não, não foi você — ela respondeu, ofendida. — Que eu me lembre,
sempre escolhi eu mesma todas as minhas roupas. Você se limitou a me
dar alguns conselhos.
— Você não está mais de luto. Coloque o verde. O preto é um pouco
triste, não acha?
— Não, o preto é muito elegante — respondeu Tess, em um choque
de orgulho. Porque ele nunca queria fazer amor, se não após o pôr do
sol? Ele respeitava alguma espécie de tabela do tempo?
— Prefiro você vestida de modo menos triste — disse Lúcio,
inclinando-se em uma das colunas da cama.
— Eu acho que eu vou colocar o de veludo preto — disse ela, por puro
espírito de contradição. Então, para aumentar a dosagem, deu as costas a
ele e disse: — Se você quiser for amável para apertar o espartilho... A
criada está ocupada na cozinha.
— Claro, — ele murmurou, indo até ela.Tess não conseguiu não
estremecer quando ele a tocou. Só de saber que seu marido estava muito
perto, por trás dos seus ombros, teve como efeito imediato uma espécie
de languidez no estômago. Ele apertou o espartilho, e os seios,
espremidos daquela forma, pareciam no ponto de transbordarem do
decote, como se tivessem sido inflados. No entanto, não era o espartilho
que dava a tentadora sensação de que seus seios estavam túrgidos. Era a
lembrança da noite anterior. O coração bateu forte em seu peito com o
pensamento.
Por que permitia ao seu marido vê-la como uma mulher só quando
era hora de dormir? E somente quando eles estavam no seu quarto de
dormir? Do qual ele se afastava em silêncio durante a noite... outra coisa
que a incomodava muito, agora que pensava sobre isto.
Se afastou dele, e sentindo que ele a estava seguindo com o olhar,
olhos focados na cintura e nos quadris, se moveu propositalmente de
maneira sensual, uma coisa de todo incomum, até alguns dias antes. Deu
alguns passos, virou no meio do caminho e olhou para ele. — Me faça
outra cortesia, Lucius. O vestido.
Poucos momentos depois, foi envolvida pelo perfume de veludo
novo que estava sendo colocado sobre sua cabeça. Protegendo o
penteado, arrumou o vestido nos ombros. Não era nem um pouco triste.
Tinha um decote muito generoso, com as mangas que saiam abaixo dos
ombros até ao cotovelo. Mas acima de tudo, tinha o decote delimitado
por uma faixa suave de arminho, que pôs em destaque os seios.
Lucius tinha permanecido mudo. Virou-se lentamente em direção a
ele e perguntou, com estudada indiferença: — Então, você acha que
parece realmente tão insuportavelmente triste?
Ele se afastou da cama e veio em sua direção, com uma estranha luz
profunda nos olhos, como um lobo que observa a presa; ele não parecia
mais um cavalheiro perfeito.
Tess levantou ligeiramente a bainha da saia, mostrando as sandálias
5
do tipo romano , amarradas no tornozelo, com uma fita de seda
prateada que brilhava a luz das velas.
Ele olhou para baixo, obediente, enquanto Tess arqueava o pé. — Que
tipo de sapatos que acompanham melhor este vestido, de acordo com
você? Salto baixo ou alto? Aqueles com o Salto alto têm uma fivela de
lado como os sapatos masculinos, um detalhe bastante bom, eu acho.
Lucius permaneceu um momento olhando para ela, em seguida, em
seu rosto apareceu um sorriso, um de esses seus raros sorrisos que
iluminavam do nada sua expressão. Tess sentiu uma emoção intensa
percorrê-la, quando o viu. — Se eu entendi direito, você quer me punir,
— disse ele. — Mesmo que eu não saiba o por quê.
Ele se agachou em frente a ela e amarrou os sapatos com saltos altos,
com os dedos que acariciavam a pele, fazendo-a estremecer.
— Bobagem — disse Tess, quando ele tinha terminado, virando em
direção ao espelho e pegando o colar de esmeraldas que ele a havia feito
encontrar no prato do café da manhã dois dias antes. — Você pode
fechar, Lucius?— E inclinou o pescoço, em um silencioso convite,
esperando para sentir na pele o contacto de seus dedos.
Ele pegou as esmeraldas, mas as colocou o novo na prateleira.
— O que você quer que eu faça, Tess?— Ele disse. — Além de ajudar
você a se vestir?
— Liberte-se, — ela sussurrou, corando de sua própria ousadia.
Encontrou seu olhar no espelho e caiu contra o seu peito.
Com o tremor de emoção sentiu os dedos dele traçarem uma linha
do pescoço para o esterno, e, em seguida, mais baixo para a elevação dos
seios.
— Nós somos esperados à mesa daqui a pouco— disse Lucius,
virando-a em sua direção e passando os lábios no mesmo caminho que
tinha desenhado primeiro com os dedos.
— Sim — murmurou Tess. Morria de vontade de afundar as mãos no
cabelo dele. Mas não pretendia ajudá-lo nem um pouco. Então se absteve
de...
— É de extrema má educação decepcionar o cozinheiro— apontou
Lucius, parando para beijar o oco entre os seios.
— Sim — disse ainda Tess, com um fio de voz. Ela não podia ao menos
colocar a mão em seu ombro? Não. Tinha que decidir por si mesmo, sem
qualquer solicitação.
De repente, Lucius endireitou-se e foi em direção à porta. Ele a abriu
e disse: — Por que não tomamos um aperitivo na sala de estar?
Tess olhou para ele com espanto. Ele havia decidido... ir embora? Ir
para o jantar?
Ele fez a escolha errada.
E cabia a ela, a sua esposa, dizer a ele.
Claro, Lucius, ainda no limiar, tinha voltado a ser o protótipo da
tranquilidade doméstica. Como se estivessem casados há quarenta anos!
Tess se disse que tinha que retomar o controle da situação.
— Devo dizer adeus a Chloe — informou a ele, virando em direção à
grande gaiola em um canto do quarto. Assim que eles se aproximaram,
Chloe começou a palrear e inclinou a cabeça para o lado, em um sinal de
saudação.
— Esse papagaio tem uma voz bastante estridente— disse Lucius, se
aproximando da gaiola. — Eu esperava que pudesse te fazer companhia
enquanto eu estava viajando a negócios, mas com todo esse barulho que
faz, não me parece que possa ser de muito conforto.
— Viaja sempre de noite? — perguntou Tess, enquanto puxava Chloe
fora da gaiola. — Me parece tão desconfortável.
— Eu regularmente vou e volto de Londres. Viajando à noite, não
perco um dia de trabalho.
— E vai encontrar os seus pais, quando está em Londres? — Tess
evitou de encontrar seus olhos, enquanto disse isso. Chloe saiu da gaiola
com um verso entusiasta, tentando se equilibrar em um dedo de sua
dona e agitando as asas para se manter em equilíbrio.
— Não deveriam ser passarinhos bonitos e bem educados? — disse
Lucius, irritado pelo comportamento de Chloe, que continuava a bater
furiosamente as asas, fazendo voar em torno as sementes contidas na
gaiola.
— Então, você se encontra com eles, quando está lá? — repetiu Tess.
— Nunca. E eles não vêm nunca me encontrar.
Era inútil insistir, é claro, a menos que quisesse passar por
intrometida. Enquanto isso, Chloe, mais e mais animada, subindo ao
longo do braço de Tess, tinha ido dar mordidinhas carinhosas no lóbulo
de uma orelha. Ela retornou suas atenções coçando o topo da cabeça,
enquanto Chloe resmungava, balançando de um lado para outro em suas
pernas.
Lucius observou com ar crítico. — Que animal engraçado, — disse
ele.— Você acha...
Mas ele parou abruptamente, vendo que Chloe, pela emoção, não
controlava mais os seus intestinos.
— Droga! — Ele rugiu.
— Não a assuste! — Repreendeu Tess, levantando o papagaio e
colocando-o de volta na gaiola. Chloe parecia entender que tinha feito
algo que não deveria, porque os seus sons tornaram-se muito mais
submissos, mesmo se não entendessem bem se estava realmente
arrependida ou se ria deles pelas costas.
Como sempre, a ira de Lucius foi de curta duração e deu espaço ao
espírito prático. — Como você vai fazer agora para tirar o vestido sem
sujar seu cabelo?
Nem Tess estava muito feliz, apesar do seu carinho por Chloe. — Eu
tenho que tirá-lo do alto em direção à parte inferior, é óbvio —
respondeu. — Dê-me uma mão, Lucius, eu imploro.
— Por baixo? — disse duvidoso.
Com algum contorcionismo, Tess tirou os braços das mangas e
começou a puxar para baixo o corpete. Explodindo em uma risadinha,
olhou para Lucius, com ar aparentemente indiferente, e disse: — Seria
mais fácil se você fizesse isso.
Ele então puxou para baixo, com cuidado, o vestido de veludo preto,
fazendo com que deslizasse sob os seios, a cintura, os quadris, até que
ela levantou o pé para permitir que ele completasse o trabalho.
— E também o espartilho — disse ainda Tess, ficando de costas. — Eu
tenho que tomar um banho.
Lucius começou a tarefa, e ela mordeu seus lábios para não sorrir.
Chloe tinha tornado a parlear tranquila, e Tess prometeu a si mesmo
para compensá-la no dia seguinte com uma dose adicional de alpiste.
Os laços foram desatados, e Tess puxou para fora rapidamente o
corpete, tirando até mesmo a roupa de baixo, e jogando-a em um canto.
Naquele momento usava só um par de calcinhas longas até ao joelho (de
linho delicado, a última moda, vindo diretamente de Paris), as meias e os
sapatos com saltos mais altos.
— Eu temo que vá me atrasar para o jantar, Lucius — disse, virando
em sua direção. — O cozinheiro ficará muito chateado.
Foi para o banheiro, colocou um pé sobre um banquinho e começou
a desamarrar um sapato.
Um momento depois, ele estava lá, encostado nas suas costas. — Eu
deveria enlouquecer, hein? —sussurrou, roçando com a boca os cabelos,
enquanto rodeava com os quadris uma mão e a apertava contra si. Em
sua voz havia uma nota ao mesmo tempo divertida e imperiosa, mas
acima de tudo, cheia de desejo.
— Sim — ela conseguiu responder.
Foi tudo o que conseguiu dizer por pelo menos uma hora. Então,
como uma bêbada, ela murmurou: — De novo? Como antes?
Desta vez, Lucius estava demasiado cansado para deslizar no coração
da noite e ir para Londres. Quando Tess despertou, de fato, no início da
manhã seguinte, viu deitado próximo a ela o físico poderoso de um
homem.
— e... Londres? —ela sussurrou em seu ouvido.
— Não hoje — respondeu Lucius, com voz arrastada.
Ela lhe sussurrou, em seguida, outra coisa.
— De novo?— disse ele, com tom divertido. — Como antes?
Então disse: — Uau, em um casamento existem lados realmente
surpreendentes.
 
CAPÍTULO 32

As corridas de cavalos são um assunto barulhento. Faltavam ainda


duas horas para o início do Grande Prix de Silchester, mas os homens
que lotaram as arquibancadas já estavam agitados, assistindo um grupo
de cavalos com dois anos que se dirigiam em direção ao portão de
partida. Apostadores impacientes incitavam os jóqueis e gritavam entre
eles. A arquibancada principal vibrou quando os puros-sangues
passaram. Havia cheiro de poeira e do suor dos cavalos, um cheiro tão
familiar para Tess como o de rosas ou pão recém-assado.
Lucius a segurou pelo braço e a levou, não para a arquibancada
principal, mas em direção a uma pequena estrutura pintada de branco à
esquerda das arquibancadas.
— O camarote real? — perguntou ela.
— Não é mais — respondeu ele. — Pertencia ao Duque de York, que
estava ansioso para se livrar dele e ainda mais ansioso para monetizar
seu haras. Eu pensei que poderia ser bom ter um lugar à parte, todo para
nós.
Tess pensou, não pela primeira vez, como era bom ser casada com
um homem ainda mais rico do um duque de sangue real. O camarote era
uma verdadeira sala, confortável e decorada em modo suntuoso, com
uma janela com vista diretamente sobre a pista. Acarpetada de veludo
vermelho, era também equipada com candelabros de ouro, que parecia
um show de tudo desnecessário, na clara luz do sol.
Imogen e o marido já estavam sentados em frente à janela. — Como
você está? — exclamou Tess, abraçando sua irmã e lhe dando um beijo.
— Senti tanto a sua falta, você não imagina o quanto!
— Estou muito bem, — disse Imogen, com um sorriso radiante. —
Fico feliz em vê-lo novamente, Sr. Felton. Eu não imaginava encontrá-lo
aqui; me disseram que você tinha um compromisso em Londres.
—Eu mudei de ideia— disse Lucius, jogando para Tess olhar travesso.
— Desculpem-nos pelo atraso — disse, em seguida, Tess, tentando
não pensar no que os havia detido na cama de manhã.
— Annabel se desculpa muito — disse ainda Imogen. — A modista de
Lady Griselda deve voltar para Londres amanhã, e Annabel encomendou
tantos vestidos que não pode fazer nada além de ficar lá para terminar
as provas. Mas ela me disse que ela e Josie virão encontrá-la antes do
final da semana.
— Será o céu — disse Tess. — Você encomendou roupas também?
Imogen balançou a cabeça. — Oh, não, nós... — Mas ela não terminou
a frase. — Mesmo Josie está muito feliz. A sua governanta disse que se
surpreendeu por sua falta de educação, mas que chegaram a um
compromisso, de acordo com o qual ela se comporta bem de manhã, e é
livre para fazer o quiser á tarde.
— Por que você não encomendou roupas novas? —voltou à carga
Tess.
Imogen olhou para o marido, mas ele e Lucius tinham levantado e
estavam observando um cavalo muito ágil e muscular que se lançava na
ponta da linha de chegada. — Temo que Draven tenha perdido uma
grande quantidade de dinheiro no Grande Prix de Lewes, esta semana —
sussurrou para Tess.
— Quanto? — perguntou Tess, sem piedade.
— Vinte mil libras, — respondeu Imogen. Então, em frente a
expressão estarrecida da irmã, apressou-se a acrescentar: — Mas estas
coisas não quebram o inato otimismo de Draven, mesmo se no momento
ficou ruim. Como é lógico, eu me sentir na obrigação de não agravar
ainda mais o orçamento familiar. Sim, ele ficou muito apertado após o
golpe.
— Posso imaginar — disse Tess. Era o suficiente para ela se lembrar
do rosto que seu pai tinha em circunstâncias semelhantes.
Elas foram interrompidas por Draven, que queria levar Lucius aos
estábulos para testemunhar a seleção de alguns cavalos. Um grito
animado subiu da multidão. Enquanto Draven e Imogen corriam para
ver o que tinha acontecido, Lucius se moveu tão rápido quanto
inesperadamente, aproximando-se de Tess, segurou seu rosto entre as
mãos e a beijou com força.
Tess não pode fazer menos do que repensar na manhã...
Então seu marido se afastou dela e foi em direção à Imogen e de
Draven. Então, enquanto Tess ainda estava perturbada pelo beijo, e sem
ter tempo para descobrir o que que estava acontecendo, viu Draven
empurrando sua irmã para fora do camarote, e Lucius fechando a porta
atrás deles com o fecho apropriado.
— Você não pode! — Ela sussurrou alarmada. — Nem mesmo pense
uma coisa do tipo!
— Pensar o que? — disse Lucius. Em seus olhos surgiu um lampejo de
diversão, enquanto se aproximava, tirando lentamente as luvas, um
dedo de cada vez, e jogando-a em uma cadeira.
— Eu não entendo o que você quer fazer, — ela murmurou. Mesmo
que soubesse perfeitamente. — Através dessa janela todos podem nos
ver!
— Apenas os jóqueis na pista, e eles têm muito mais a fazer. Você
queria que eu me libertasse, não?
— Eu não quis dizer isso!
— Eu tenho que... tenho que tocar em você... Você pode me ouvir,
Tess? Não posso me segurar...
Ela tentou a princípio resistir, mas os lábios de Lucius sobre ela
estavam quentes, e sua mão... se movia de modo fluído sob as suas saias,
fazendo ferver o sangue nas veias... De repente, Tess se rendeu e se
apertou contra dele, igualando seu ímpeto.
Era dele, completamente dele, pensou Lucius, vendo-a estremecer
em seus braços, a respiração ofegante em uma forma quase comovente.
Apertando os dentes, segurou a tentação de arrancar os botões da calça,
e a apertou ainda mais contra ele.
À noite, no leito nupcial. Aquele era o momento para abandonar-se a
certas efusões. O que estava fazendo não tinha nada de racional.
Tess levantou os olhos em direção a ele, a visão turva, os lábios
inchados com os seus beijos, e faltou pouco para que Lucius atirasse ao
vento todas as suas boas intenções. Em vez disso, ele se inclinou mais
para ela e a beijou ternamente, segurando o grito que estava saindo,
finalmente, a partir de seus lábios. Tess, em seguida, caiu nos seus
braços, quente e macia como um gato. No espaço de alguns momentos,
no entanto, como magia, a sua aparência, pareceu retornar para a de
sempre, composta, digna como uma verdadeira dama. Era algo que o
fazia louco...
Ele parou de esmiuçar o problema e se apressou para abrir a porta.
De um momento para outro a irmã de Tess podia voltar junto com seu
marido; os havia afastado de propósito com um estratagema, colocando
mil libras na mão dele e dizendo para fazer algumas apostas sobre as
próximas três corridas. Naquela hora, sem dúvida, Maitland já havia
perdido tudo.
Mas o tempo que ele tinha gasto com sua esposa valia muito mais
que isso.
— Que incômodo é seu cunhado— disse, arrumando as suas roupas.
— Você achou? — perguntou Tess, aproveitando o argumento para a
conversa com uma avidez que fez Lucius sorrir. — Eu admito que
também acho a conversa dele muito maçante. — Ela se aproximou da
janela, evitando os seus olhos. Sentia-se talvez com o orgulho ferido?
Mortificada?
Ele foi para o seu lado e ficou por alguns momentos com sua pélvis
pressionada contra a deliciosa redondeza de suas nádegas.
— Lucius! — exclamou ela, chocada.
Lucius se afastou e ajustou as calças pela enésima vez. — Desculpe,
querida, — disse ele.— Eu queria que você percebesse que estou ao ponto
de perder o controle. Eu sinto um desejo louco de derrubá-la naquele
sofá. Mas eu não posso fazer isso. Obviamente.
Ela olhou para ele e sorriu. Em seguida, veio para perto dele, e
ajustou o nó de sua gravata.
Lucius se perguntou o que sentia por ela. Desejo, certamente. E senso
de propriedade. Tess era dele, totalmente dele.
Algo mais forte?
Claro que não.
Estava beijando Tess novamente quando Draven Maitland abriu a
porta do camarote. A situação criou certo constrangimento. Beijar em
público era considerado repreensível, e o camarote tinha uma janela
aberta através da qual qualquer um teria sido capaz de ver essas
escandalosas efusões.
— Você se deixa beijar assim, na frente de todo mundo? — disse
Imogen à irmã, depois que os respectivos maridos se afastaram para dar
uma olhada nos estábulos. Draven não era o tipo de pessoa que assistia
passivamente às corridas, tinha absolutamente que ver de perto os
cavalos e saber qual deficiência era atribuída aos favoritos.
— Os únicos que passam aqui na frente são os jóqueis, e eu acho que
eles têm algo melhor para fazer — respondeu Tess, escondendo um
sorriso.
— Pelo que vejo, você e Felton se comportam como recém-casados.
— O que você quer dizer?
A irmã sorriu. — Você sabe muito bem o que quero dizer, Tess.
Draven pode não ter dito nada, mas é certo que ficou tão constrangido
quanto eu quando os viu se beijando atrás da porta, como faria uma
criada com um cavalariço.
— A comparação não é exatamente cortês— disse Tess, ruborizando.
— Mas acertou o alvo... Julgando pela cor de suas bochechas. E assim,
enquanto eu e Draven estávamos por aí vendo a corrida, você estava
aqui, em este tipo de ninho de amor improvisado para ficar beijando o
seu rico marido. Não entendo como você pode...
— Assim como você, — disse Tess.
— Eu, pelo menos, me casei por amor.
Essas palavras fizeram Tess literalmente se enfurecer.
Ninguém no mundo conseguia isto assim como suas irmãs, e Imogen
tinha ultrapassado a si mesmo, provocando-a desta forma. — Agora,
passou aos insultos! No caso que você não tenha notado, uma das razões
para que eu tenha me casado tão depressa era a necessidade de conter o
escândalo causado por seu casamento.
— Lady Griselda não pareceu de nenhum modo perturbada pela
maneira na qual eu me casei— disse Imogen, ajustando o chapéu na
cabeça. — Ela disse que um casamento reparador depois de uma fuga de
amor é na verdade o que muitas mulheres sonham em fazer. Você não
achou lindo este chapéu? Lady Griselda que me deu; ela o usou somente
duas ou três vezes, e não se importou de se desfazer dele. Claro, você não
terá necessidade de usar roupas usadas. — O tom era claramente
ofensivo.
— Para mim foi bastante claro que Lucius teve que intervir
pessoalmente para salvar você e seu marido pelo escândalo da união
irregular — disse Tess. — Ele deu a Maitland o dinheiro necessário para
pagar a licença especial de casamento.
Imogen reagiu com um gesto descuidado de mão. — Claro, Draven
não anda por ai com centenas de libras em seu bolso. Ele não é um
comerciante.
O coração de Tess começou a martelar tão forte que sentia como
baques surdos na orelha. — Nem Lucius. E eu sinto muito que você não
aprecie como eu o homem que eu escolhi para marido.
— Não é que eu não goste dele! Mas é triste se casar por amor e ver, a
própria irmã, se casar com alguém apenas por interesse.
— Não casei com Lucius por interesse — disse Tess, fazendo um
esforço para não levantar a sua voz.
— Eu sei. Elas me disseram o que aconteceu com Mayne. — Pela
primeira vez em seus olhos brilhou uma luz de humana compreensão. —
Sinto muito, Tess.
Tess levou muito tempo para descobrir do que estava falando sua
irmã, mas depois lembrou-se que tinha sido deixada pelo Conde à
véspera do casamento.
— Eu não quis ser ofensiva. Ainda menos com você— continuou
Imogen. — Ainda mais sobre um assunto como casamento apressado.
Desculpe, eu não sei o que aconteceu! — parecia tão sincera que Tess
sentiu desvanecer a sua raiva.
— Tudo bem, — disse Tess, abraçando a irmã. — Eu não casei por
amor, e Lucius é muito rico. É tudo verdade.
— Sim, e eu sou afortunada por ter evitado algo do tipo, não? — disse
Imogen, deixando surgir de novo sua mente argumentativa.
Um diferente grupo de cavalos correu à frente da tribuna. — Eu
tenho que seguir a corrida — disse Imogen, indo sentar-se em frente da
janela. — Em um momento Blue Peter estará na pista. Todas as esperanças
de Draven estão nele.
— Como é? — perguntou Tess, sentada ao lado de sua irmã. Falar um
pouco sobre cavalos podia servir para acalmar a atmosfera.
— Blue Peter? Você não gostaria dele.
— É ruim?
— Pode apostar. Morde qualquer coisa só para brincar, e é muito
forte no pescoço e nos ombros. Daqui a pouco ninguém será capaz de
montá-lo. Os jóqueis não o aguentam e se recusam a treiná-lo. Outro dia
um pirralho jogou nele um pedaço de biscoito, e ele ficou com raiva e
por pouco não pulou o muro para correr atrás dele.
— Que pena — disse Tess. — Quantos anos tem?
— Esse é o problema. Apenas um. Imagine como que será quando
tiver dois. Mas Draven adora aquele cavalo. Não quer saber de castrá-lo.
— Nosso pai teria dito que é muito jovem para correr. Talvez seja
afetado pela tensão excessiva.
— Papai tinha muitas ideias antiquadas; Draven é um que estudou.
Aqui na Inglaterra faz anos que estão fazendo os cavalos de um ano
correrem. Draven sabe muito mais do que papai, neste campo.
— Não vejo como o fato de ter estudado em Cambridge possa ajudá-
lo a entender se é apropriado ou não fazer correr um cavalo de um ano.
— Acredite em mim, — disse Imogen. — Draven é um entusiasta de
cavalos completamente diferente do nosso pai. Só para começar papai
nunca ganhou nada, certo?
Tess mordeu os lábios. Na sua maneira de ver, os pontos de
igualdade entre os dois eram cada vez mais numerosos e evidentes. E o
fato de que Maitland não tinha nunca ganho uma corrida importante, e
era forçado a recorrer ao apoio financeiro de sua mãe, era uma
confirmação.
Um barulho mais forte levantou-se da multidão. A corrida tinha
acabado.
— Não fui capaz de vê-la, ao menos— disse Tess, lamentando que
Lucius não tinha ainda retornado. Havia algo de pouco claro na atitude
de Imogen, e ela não sabia como fazer para descobrir. Se Annabel tivesse
ido para lá! Annabel era muito boa em descobrir segredos.
— Como estão as relações com Lady Clarice? — perguntou então. —
Você encontrou um terreno tranquilo?
Uma sombra cruzou o olhar de Imogen. — Posso encontrar Annabel
e Josie quando quiser, até mesmo todos os dias. Mas se Draven não
ganhar o próximo Grand Prix, nós estaremos indo para um local só
nosso, é claro.
— Não deve ser fácil para você — disse Tess, colocando uma mão na
de sua irmã.
Imogen olhou para ela e sorriu. De repente, encontrou o orgulho
típico de seu caráter. — Lady Clarice as vezes é insuportável. Mas desde
quando comecei a ler os poemas de Catulo, de manhã, as coisas estão um
pouco melhor. Não me vê mais como uma menina do campo, privada de
qualquer educação.
— Estou certa de que Miss Pythian-Adams ficará feliz de lhe
emprestar algum livro.
Imogen estremeceu com o pensamento. — Miss Pythian-Adams é
uma mulher muito estranha. Você sabe que literalmente me agradeceu
por ter roubado Draven? Como se pudesse ter um desejo maior na vida
do que casar com o homem que amo!
— Claro — murmurou Tess.
No entanto, sua irmã não parecia ter o desejo de discutir o próprio
casamento. — E você? Como está com o Sr. Felton? Draven o descreveu
como sendo praticamente o homem mais rico de toda a Inglaterra.
— Ser sua esposa, por mais estranho que possa parecer, envolve uma
quantidade excepcional de trabalho. Seguir o andamento da casa, falar
com o jardineiro, verificar as contas, mesmo se não toque a mim mantê-
las... As vezes chega no final do dia e eu descubro que o tempo voou.
— Apesar de tudo, você parece feliz. Vejo em seus olhos, Tess.
Acredito, que você se apaixonou pelo seu marido...
Tess ficou congelada por um momento. — Com o tempo, talvez, —
disse então. Naquele momento viu Lucius passar por entre as pessoas,
com Draven ao seu lado. — Eles estão voltando!
A multidão saia respeitosamente da frente, à passagem de Lucius.
Lord Maitland era tão bonito, do seu jeito, com os seus olhos azuis
brilhantes, enquanto gesticulava para explicar algo ao amigo... algo
correlacionado com Blue Peter, sem dúvida.
Quando eles entraram no camarote, os olhos de Tess encontraram
com os de Lucius, e ela sabia que eles estavam pensando a mesma coisa.
— Você quer dar uma volta? — ele disse. — Blue Peter correrá só daqui a
uma hora, pelo que entendi, e você permaneceu aqui todo o tempo.
Tess olhou para Imogen. Draven estava descrevendo para ela uma
potranca de dois anos com uma lista branca no focinho.
— Esse olhar calmo, atento, você sabe o que eu quero dizer. Eu
poderia levá-la para Ascot, mas a minha mãe, dane-se, não vai nem
querer saber... — Imogen olhava para ele, atenta, e fez um sim com a
cabeça.
Tess, então, parou de olhar e tomou o braço que Lucius oferecia. Um
momento mais tarde cortavam a multidão, em uma atmosfera que
cheirava a tabaco, álcool e excitação. Ele passou um braço em volta dos
ombros dela, com ar de proteção, e até mesmo possessivo, e Tess sentiu
uma inesperada sensação de alegria, que fez seu coração pular no peito.
Parou, e ele foi forçado a fazer o mesmo. — Lucius, — disse ela, olhando-
o diretamente nos olhos.
— Sim?
— A sua carruagem está aqui perto?
Lucius compreendeu o significado da questão e sorriu. Então, sem se
importar com quem poderia vê-los, segurou seu rosto entre as mãos e a
beijou. Um beijo rápido, que quase ninguém percebeu, mas decidido e
cheio de desejo.
Apenas uma pessoa os viu, Imogen, enquanto Draven, sentado
próximo a ela no camarote, continuou a falar, comentando sobre a
maneira que a égua com a lista branca no focinho tinha ganhado a
última corrida.
Imogen viu Lucius olhar para Tess como se fosse a coisa mais valiosa
no mundo e abraçar seus ombros como para evitar que qualquer pessoa
pudesse até mesmo tocar o tesouro que era a Sra. Felton.
— Se minha mãe apenas entendesse o potencial de um investimento
na potranca— Draven estava dizendo, quase para si mesmo, com o fundo
de raiva que tinha cada vez que falava de sua mãe. Imogen tinha
aprendido rapidamente que não havia nada que ela pudesse fazer para
melhorar a situação. Lady Clarice não parecia nem um pouco disposta a
alargar as cordas da porta do dinheiro, agora que seu filho estava
casado. Na verdade, falando com ela, tinha dito claramente que era para
o seu bem, para que não se estragasse por causa dos cavalos.
— Draven, — exclamou de repente. — Você quer dar uma volta?
— Você também está impaciente para dar outra olhada na potranca,
não é? — exclamou ele, ficando em pé. — Claro, não pode me dar uma
mão para convencer minha mãe, se não a vir com os seus olhos. Boa
ideia, Imogen — concluiu ele, agarrando a mão com uma certa rudeza e
arrastando-a.
— Pelo menos ainda se lembra como me chamo — pensou Imogen,
desconsolada.

 
CAPÍTULO 33

Os criados viram que eles chegaram na carruagem, e desta vez


Lucius nem se importou do que poderiam pensar, uma vez que os
cavalos haviam sido soltos e acomodados nos estábulos para a tarde.
Com um brusco aceno de cabeça, lhes enviou em direções diferentes, e
que não tentassem voltar antes da hora. Abriu ele mesmo a porta e
desceu os degraus da escada dobrável.
Quando estava no último degrau, Tess se virou e sorriu para ele. —
Vem comigo, eu suponho? — perguntou, de uma maneira tão impetuosa
e travessa que ele ficou tentado em colocar a mão no perfeitamente
arredondado traseiro, para empurrá-la para a carruagem.
— Você pode apostar nisso, — ele respondeu.
Foi só quando deslizou para o lado dela e a abraçou pelo pescoço,
deitando-a para trás para dar-lhe um beijo apaixonado, que Lucius
Felton percebeu... uma coisa.
Uma coisa muito importante.
Não foi capaz de traduzir em palavras, no entanto. Ele podia
unicamente desfrutar ansiosamente o prazer do abraço, abandonando
toda a ilusão de controlar, se é que tinha controlado antes, suas
emoções. Ela respondeu com semelhante abandono, colando o corpo ao
dele, contorcendo-se sob ele, enquanto ele deslizava as mãos seguindo o
contorno de seus seios. Lucius fez uma careta feroz, dominado por um
instinto animalesco e primitivo.
Com Tess era impensável a esperança de manter qualquer controle.
Ele se curvou sobre ela, explorando com suas mãos a pele lisa, macia
e quente. Tess de repente abriu os olhos. As pupilas se dilataram ainda
mais...
— Lucius! — exclamou.
Ele agarrou-a pelos quadris e se deixou levar em uma corrida alegre
como um hino de Bach, empurrando-a mais e mais, com um frenesi
crescente e imparável...
A viu ficar tensa, emitir versos guturais, que expressavam ao mesmo
tempo o esforço e uma alegria idêntica à sua.
Depois que ambos tinham alcançado o orgasmo, ela ficou com um
braço em torno de seu pescoço, em um estado de total relaxamento, mas
mais viva do que nunca, com o cabelo que se derramava sobre a borda
do assento, os lábios ainda vermelhos e inchados pelos beijos.
— Já pensou se você não tivesse vindo para a casa de Rafe —
exclamou de repente Lucius. — Se eu não tivesse te encontrado lá!
— Hmm — gemeu Tess. Mas em seguida, se sentou de uma só vez. —
Imogen!
Lucius suspirou.
— Imogen vai entender imediatamente o que você estava fazendo —
disse a sua ansiosa sua esposa, que estava tentando voltar o cabelo ao
lugar e prendê-lo no topo da cabeça, tentando escondê-los, finalmente,
sob o chapéu.
Lucius sorriu. — Sua irmã e o marido dela sabem bem o que quer
dizer fazer amor apaixonadamente, caso contrário não teriam escapado
desta forma. Aconteceu com eles também de aproveitar a oportunidade
para se amarem durante o dia.
Eles ouviram na distância o barulho da multidão e imediatamente
depois o barulho de cavalos lançados no galope. Tess parou de endireitar
o cabelo e deitou de novo contra o peito de Lucius. Queria permanecer
assim para sempre. Lá, com ele, naquele tipo de sala isolada de tudo,
forrada em veludo, com o humor extravasando uma requintada doçura
resultante da fúria de alguns momentos antes. Apoiou a cabeça contra o
esterno dele e sentiu que o coração dele estava se acalmando, voltando
ao ritmo habitual.
— Não acho que eles conversem com muita frequência, — disse.
— Quem? —disse ele, com voz vagamente sonolenta.
— Imogen e seu marido.
— Oh, ele fala demais se for por isto! — exclamou Lucius. — Hoje à
tarde me assediou por mais de uma hora, exaltando os méritos de um
maldito quadrúpede que ele inscreveu na corrida. Bem, quando nós
fomos dar uma olhada, o animal estava destruindo a sua baia, mordendo
e cuspindo pedaços de madeira em todas as direções. Os rapazes do
estábulo estavam literalmente aterrorizado.
— Imogen quer desesperadamente ganhar — disse Tess, apertando-
se ainda mais contra ele, para sentir o agradável cheiro de sabão que
desprendia. — Parece que Maitland perdeu vinte mil libras, a semana
passada, no Grande Prix de Lewes.
— Coitado — disse Lucius, acariciando carinhosamente seu cabelo. —
O jóquei estava contando histórias, quando fomos lá. Ele disse que tinha
medo de que o garanhão, com a força incomensurável que tem,
arrancasse seu braços. Maitland ameaçou conduzi-lo na corrida ele
próprio. Está mais que certo que esse cavalo vencerá a corrida.
— Não pode fazer isto! —observou Tess, genuinamente alarmada. —
Todos sabem que é realmente uma besta fora de controle.
Lucius colocou a camisa de volta, mas a borda da parte inferior ainda
pendia fora das calças. Tess se aproveitou para enfiar uma mão sob o
branco pano de linho e acariciar o peito musculoso do marido. Com o
ouvido sempre apoiado no esterno, ela continuou a ouvir seu coração
que batia, forte e regular. — Como eu sou sortuda— ela murmurou,
escondendo a boca sob a camisa.
Mas ele a ouviu e sorriu para o topo de sua cabeça.

TESS TOMOU SEU LUGAR NO camarote ao lado de Imogen,


consciente de ter ainda as bochechas avermelhadas, e o cabelo muito
mais em desordem de que no início do dia.
Imogen lançou um olhar que disse claramente, sem necessidade de
palavras, o que pensava sobre a sua prolongada ausência. — Você foi
flertar com seu marido em algum canto da pista de corridas, é isso? —
perguntava o olhar.
Draven saltou em pé assim que eles apareceram na porta. —
Finalmente! — Exclamou. — Agora que vocês estão de volta, vou dar um
novo salto nos estábulos para verificar o que eles estão fazendo com Blue
Peter. Quero certificar-me de que o covarde do meu jóquei entenda o
quanto é importante esta corrida.
— Um garanhão de apenas um ano que se encontra subitamente
cercado por pessoas desconhecidas, é lógico que esteja um tanto nervoso
— disse Lucius. — Talvez seja melhor que você considere esta como um
teste.
Mas Draven balançou a cabeça, teimoso mais do que nunca. — Não,
eu devo absolutamente vencer desta vez, para ser capaz de comprar a
potranca de dois anos que Farley colocou a venda. Eu devo tê-la. É linda,
uma escultura viva, e vencerá em Ascot este ano. Eu estou certo.
— Eu pensei que em Ascot Blue Peter devia ganhar— disse Tess.
Draven assentiu. — Isso também é possível. Muito possível. Todos os
dois são magníficos cavalos. Mas a potranca de dois anos tem mais
experiência e é também um pouco mais alta na cernelha. É uma beleza,
verdade, Imogen? Nós fomos aos estábulos enquanto vocês passeavam...
A propósito, onde vocês estavam? — Ele perguntou, virando-se para
Lucius. — Eu procurei em todos os lugares, porque queria mostrar para
vocês também a potranca. Seria um investimento muito bom. Mas
pareciam ter sumido.
— Sim, andamos em todo o hipódromo para procurar os dois —
confirmou Imogen, colocando uma ponta de veneno em suas palavras.
— Deixe-me ver primeiro como vai terminar a corrida — disse
Lucius, com um tom que dizia que bastavam com as perguntas. — Pode
ser que eu também me interesse pela potranca, Maitland. Se, no entanto,
você quiser ir para os estábulos, vou acompanhá-lo de bom grado.
Excitado como uma criança em face de um novo brinquedo, Draven
não se fez de rogado. — Bravo! Vamos então. Como eu disse, quero
verificar o que está inventando o jóquei e dar talvez algum último
conselho antes da corrida. Claro que eu me sentiria muito mais
confortável se eu mesmo montasse Blue Peter, posso assegurar a você.
— Você me prometeu! — Imogen exclamou, preocupada.
Ele se virou, e pareceu como se tivesse inclusive esquecido que ela
existia. — Isso é verdade, — ele respondeu. — Quero só dizer duas
palavras para Bunts, para colocá-lo no caminho justo. Estava se fazendo
de difícil antes, mas eu poderei convencê-lo. — Dito isso saiu, claramente
ansioso para falar com Bunts.
Lucius trocou um olhar com Tess. A sua expressão era sempre pouco
decifrável, mas ela agora tinha aprendido a interpretá-la. Ele se
despediu dela tocando levemente a bochecha e a parte de trás de sua
cabeça com uma carícia fugaz, mas intensa, tanto que ela sentiu sua pele
queimar com o toque.
— Estarei de volta em breve — ele disse, em seguida, assentiu com a
cabeça na direção de Imogen e acompanhou Maitland.
Lucius era realmente cheio de atenção para ela, pensou Tess.
— Ao que parece, não se importa muito que o seu marido tome
certas liberdades em público — notou Imogen, em um tom vagamente
ofendido.
Tess ficou rígida. — O que você quer dizer?
— Todas essas coisas, assim, na frente de todos. Eu sei, não tivemos
uma governanta que nos ensinasse as boas maneiras, mas não é difícil
entender que não se deve comportar desta forma, se você quiser
frequentar à boa sociedade.
— Olhe quem está falando! Se existe alguém que tenha ameaçado
jogar em desgraça a nossa família, é você. Não se importando com as
consequências que isso poderia ter para Annabel e Josie!
— Dado que Draven e eu não nos casamos de uma forma ilegal, mas
com uma licença regular de casamento, a questão não existe— disse
friamente Imogen.
— Não vejo exatamente o que teve de tão escandaloso na maneira
como Lucius se despediu de mim— disse Tess, tentando manter a calma.
Imogen parecia claramente infeliz. Não sabia dizer por que, mas a
conhecia o suficiente para concluir que não se tratava somente de uma
impressão.
— Se não é capaz de descobrir isso por si mesma, não sou eu que
devo dizer.
— Não, de fato.
Imogen respirou forte com o nariz, com ar de desprezo. Ela inclinou-
se sobre o peitoril da janela e disse: — Agora falta muito pouco para o
início do Grand Prix. Esta tribuna é tão bonita, mas não acho que seja
capaz de ouvir bem os anúncios.
Tess reprimiu a tentação de dizer a ela que poderia ir lutar com os
braços e cotoveladas no meio da multidão até a beira da pista, se queria
muito.
Os cavalos estavam se aproximando lentamente à linha de partida,
agora. O modo precário como os pequenos jóqueis se empoleiravam na
traseira destes majestosos animais sempre pareceu a Tess um espetáculo
bastante perturbador.
— Eu não entendo, — murmurou Imogen, intrigada. — Não vejo em
nenhuma parte as cores da equipe de Draven. E as de Felton quais são?
— Não tenho ideia— disse Tess, percebendo que nunca prestou
atenção nesta particularidade, mesmo que fosse muitas vezes nos
estábulos para visitar Midnight Blossom. — Eu sei, no entanto, que ele
inscreveu na Something Wanton corrida. Você o vê?
As duas aguçaram os olhos na direção da linha de partida, mas
estava longe, além da curva na parte inferior da reta. O camarote real
era perfeito para assistir a reta de chegada, mas não o início da corrida.
— Me parece incrível que você não sabia nem mesmo quais as cores
de seu marido — disse Imogen. Mas ela sabia que era a inveja que a
empurrava para provocar a irmã; não era justo que Tess tivesse por
marido um homem que a beijava desta forma. Em público, sem se
importar com o que os outros poderiam pensar. E que a olhava como
se... como se... Ela sacudiu o pensamento com um encolher de ombros.
— Conversamos sobre muitas coisas, mas nunca sobre seus estábulos,
— disse Tess.
— Se você está bem com este tipo de casamento...
— O que você quer dizer com isto?
Imogen deu um sorriso zombador. — O tipo de casamento em que a
mulher passa todo o tempo discutindo com o superintendente sobre o
andamento da casa, como acontece com você, se não entendi errado. Os
desejos e as ambições mais profundas de seu marido são totalmente
desconhecidos por você, uma vez que ele os mantém apenas para si
mesmo. A sua vida verdadeira é realizada fora de casa, fora do
casamento.
— Meu Deus, como você é dramática, — exclamou Tess, com uma
expressão quase de piedade, de irmã mais velha, mas com isto só irritou
ainda mais Imogen.
— O coração de Draven não tem qualquer segredo para mim! —
proclamou, dizendo assim que Tess era aquela de quem deveriam ter
piedade, se não entendia a natureza do relacionamento que existia entre
ela e seu marido. Mas era difícil sentir pena dela, quando Lucius Felton a
olhava daquela. Não era justo.
Ao longe soou um tiro de pistola, e, em seguida, elas se viraram em
direção à linha de partida. Viram somente uma massa confusa de cavalos
e de vestimentas coloridas dos jóqueis, tudo envolto em uma nuvem de
poeira.
Tess ouviu os cavalos relincharem e os jóqueis gritarem. Sim, é claro,
não conhecia todos os sonhos que Lucius cultivava em sua alma. De fato,
na verdade, talvez nem mesmo um.
— Uma partida falsa, — disse Imogen. — Draven diz que pelo menos a
metade dela se causada de propósito só para prejudicar os favoritos. Eles
esperam cansá-los deste modo. Mas com Blue Peter não terão chance.
— Nem com Something Wanton.
— Agora não venha dar uma de entendida no assunto, como se você
soubesse algo do que estou falando. Não se deu nem mesmo ao trabalho
de informar ao Sr. Felton quais eram as preferências em termos de
comida que Something Wanton tem. Como você espera agora ganhar a
corrida, se não tem nem o estômago em ordem?
— As preferências em termos de comida? — exclamou Tess. — Que
diferença isso faz? Something Wanton não ganhou nunca uma corrida,
apesar de todo o cuidado de papai, que continuou a dar-lhe as maçãs
raladas. Vou repetir, eu e meu marido não falamos nunca de cavalos.
— Ah, sei— disse Imogen em tom de desprezo. — Discutem só temas
importantes como a lavanderia e as contas da casa.
— Se eu vivesse junto com a minha sogra, como você, sem dúvida
não teria que cuidar das contas — disse Tess, exasperada além da
medida. — Que que é isto, Imogen, posso saber o que está acontecendo
com você?
— Nada, não é nada — disse Imogen, olhando incisivamente para
fora da janela, enquanto os cavalos enfrentavam a curva que dava para a
reta, para completar a primeira volta da pista.
Rangendo seus dentes de raiva, Tess disse novamente: — Sempre nos
disse e repetiu que estaria morta se não fosse capaz de se casar com
Maitland. Bem, você conseguiu isso. Se já se arrependeu, não tem porque
você ficar brava comigo!
Imogen ajeitou o cabelo e puxou as garras para fora, como um gato
colocado no canto com um terrier. — Não tenho nada do que me
arrepender! Eu amo meu marido Draven é para mim como o ar que
respiro!
Tess a olhou nos olhos. — Eu acredito. É só que eu estou começando a
pensar que, por causa de respirar esse ar, você está envenenando seu
caráter.
— Isto é desleal de sua parte— rosnou indignada sua irmã. Tess
percebeu que desta vez tinha avançado o sinal.
— Você está certa. Desculpe-me.
De frente para a janela, Imogen estava seguindo com muito
entusiasmo a corrida, enquanto os jóqueis passavam como meteoros
multicoloridos indo para a segunda volta, acompanhados pelo barulho
dos cascos de suas montarias. — Eu Também peço desculpas, Tess —
disse então, sem se virar. — Fui maldosa. Mas não porque tenha me
arrependido de ter casado com Draven. Eu o amo ainda mais do que
antes.
Ela virou, finalmente, para a irmã; e a sua expressão era sincera. —
Eu o adoro. Eu... você me conhece... venero a terra na qual ele anda.
Exceto... ele não sente o mesmo por mim.
— Oh, pobre querida, — sussurrou Tess.
— Ele é carinhoso, cortês... — continuou Imogen. — Mas ele gosta
mais de seus cavalos. — O tom era calmo, não choroso, mesmo se tivesse
os olhos úmidos de choro. — Ele fala neles mesmo no sono. Não pode
deixar de pensar sempre e exclusivamente neles. É mais forte do que ele.
— Eu sei, — disse Tess. — Papai era igual.
— Eu estive pensando— sussurrou Imogen, apertando de modo
espasmódico a grade colocada para proteger a janela. Uma garoa fina
tinha começado a cair sobre a pista, abaixando as pequenas nuvens de
poeira que o vento empurrava na direção delas. — Mas não acredito que
mamãe fosse infeliz com ele, certo?
— Não, ela não era. Eu me lembro bem. Ela era cheia de amor por
nós, mas também por pai. E não acho que tenha nunca sentido a falta,
mesmo por um momento, de um casamento pomposo na Inglaterra, ou
da boa sociedade de Londres, com a sua exibição de elegância em todas
as horas do dia.
— Eu também não. Eu também não!
— Claro que não... — começou a dizer Tess, mas não pode terminar a
frase. Um grito se levantou a partir da multidão, um grito que tinha algo
de primitivo e que as fez virarem como um tiro em direção à pista.
— Há um cavalo por terra — disse Imogen, colocando a mão na
frente da boca com um gesto de desconsolo.
— Oh meu Deus, — Tess gemeu.— Eu odeio as corridas, as odeio,
detesto mesmo. Cada vez que cai um cavalo penso em tudo que papai
perdeu, a como os amava, a agonia de ter que abater...
— Eu compreendo — disse Imogen, agarrando sua mão e a apertando
forte para confortá-la. — Você se lembra como ele chorou aquela vez
com Highbrow?
Tess assentiu. — Depois desse episódio nunca mais foi o mesmo. — A
pista, entretanto, fora invadida por um bando de pessoas que estavam
tentando fornecer os primeiros socorros. Os outros cavalos foram
levados para fora. O incidente devia ter sido bastante grave, a julgar
pelas aparências. Tess tinha um grande desejo de correr para Lucius
para ser rapidamente levada para casa. Não via a hora de voltar a
verificar a lavanderia, na serena calma doméstica, e de deixar para trás
as corridas de cavalo, com todas as suas glórias e as suas tragédias.
— Não, você está certa, — disse Imogen. — Papai não foi mais o
mesmo, depois daquilo. Tanto porque foi reduzido a miséria, por causa
do acidente. — E imediatamente apressou-se a acrescentar: — Não que
alguém queira apontar uma falha, Tess. Ele é que foi imprudente por
seguir uma sugestão sua, que era então só uma criança.
— Na verdade, depois disto, nunca mais aceitou um conselho meu,
mesmo quando eu estava já crescida.
A porta do camarote abriu, e apareceu Lucius. Tess não conseguiu
esconder a sua alegria quando o viu, mas ele estava olhando direto para
sua irmã.
— Imogen, — ele disse. Foi a primeira vez que a chamava assim, pelo
nome.
Imogen se levantou. Empalideceu, mas a sua voz era firme. —
Draven?
Lucius assentiu.
— Ele montava o cavalo? — Então, sem esperar a resposta: — Lógico
que montou. Ele levou Blue Peter para correr, em vez do jóquei.
Lucius a segurou por um braço e disse: — Temos de ir até ele, agora.
— Deu uma olhada para Tess, e ela se apressou em pegar o casaco de
Imogen e colocá-lo nos em ombros, com as mãos tremendo.
— Era ele, na sela de Blue Peter— repetiu Imogen, com os lábios
lívidos. — Ele está vivo... não é?— ela gemeu, agarrando Lucius pelo
braço quando abriu a porta.
— Ele está vivo, sim. Ele quer ver você.
Mas Tess viu algo em seus olhos que Imogen não teria sido capaz de
decifrar, e sentiu um aperto no coração.
A chuva já havia parado, no entanto, essas poucas gotas de água
tinham sido suficientes para limpar o ar. O público estava rapidamente
indo embora: piadas estavam sendo feitas nas carruagens que se
afastavam em diferentes direções para casas confortáveis, Pubs
barulhentos, tranquilas e bonitas aldeias espalhadas na vizinhança.
Empurrando através da multidão que estava se movendo em uma
direção oposta para a saída, Lucius, Tess e Imogen se dirigiram em
direção ao local do acidente, pegando aqui e lá os comentários de
pessoas sobre o que tinha acontecido.
— Ele caiu por terra como uma pedra cai do topo da montanha —
dizia um.
— A casa de apostas dava oito para um — disse um outro. — Por que
diabos iria arriscar a pele quando as suas chances de ganhar eram tão
baixa?
Tess notou com alívio que Imogen parecia surda a esses discursos.
Com a voz estranhamente calma, sua irmã, simplesmente disse: — Onde?
Para onde eles o levaram?
— Nos estábulos, — respondeu Lucius.
— E está... — Mas não acabou a frase. Soltou a mão de Lucius,
levantou a barra da saia e começou a correr. Lucius trocou um olhar com
Tess, em seguida, eles começaram também a correr, com ela segurando o
chapéu para evitar que voasse longe. Anos mais tarde, a memória mais
viva que permaneceu em Tess daqueles momentos era exatamente esta
em particular: — Se eu perder o chapéu, — pensou absurdamente,
enquanto perseguia a irmã — todos vão ver o meu cabelo em desordem,
e que papelão eu vou fazer?
Quando eles entraram nos estábulos, viram Draven estendido em um
sofá, provavelmente um daqueles onde dormiam os atendentes dos
estábulos.
O sorriso satisfeito, quase festivo, com o qual ele os recebeu,
reacendeu a esperança no coração de Tess. Mas então viu Lucius olhando
Imogen com uma expressão tão sincera, compassiva, que caiu de novo
em angústia. Imogen, enquanto isso, estava de cócoras no chão ao lado
de seu marido.
— Parece que vou precisar de um pouco de seus cuidados amorosos—
disse Draven, com voz fraca, mas em tom jovial. — Eu sei, você tinha
sabiamente me advertido.
Imogen tocou gentilmente o corpo dele com a ponta dos dedos e
perguntou ansiosamente: — Você sente muita dor? Alguém chamou um
médico? Você quebrou algo, Draven?
— Um par de costelas, eu acho. Não é a primeira vez. E agora a dor
está menos intensa. Consigo suportar muito bem, Imogen.
— Você tinha me prometido que não iria montar Blue Peter— disse
ela, sacudindo a mão. —Você me jurou, Draven, você jurou!
— Eu fui forçado. Bunts estava morrendo de medo e não teria
montado à altura.
Imogen percebeu que estava chorando, porque o rosto de seu marido
parecia confuso, através do véu de lágrimas. Era unicamente a sua
impressão, ou Draven estava se tornando mais e mais pálido sob seus
olhos? Porque ele estava ainda tão imóvel, como se totalmente
desprovido de força?
— Cadê o médico? — Ela chorou, virando para Lucius com uma
expressão angustiada.
— Já veio. Ele foi examinado imediatamente após a queda.
Imogen então entendeu, e se sentiu gelar.
— Eu logo estarei de pé novamente— disse Draven, com um resquício
de sua habitual arrogância. — Apenas preciso descansar por um tempo.
O importante é que Blue Peter não tenha se machucado. Prometo para
minha esposa, da maneira mais solene, que não subirei nunca mais na
garupa daquele cavalo. Satisfeita?
— Nem na dele, nem na de qualquer outro animal perigoso como ele
— disse Imogen, tentando sorrir, mas as lágrimas fluiam abundante,
ensopando o tecido da gola.
— Mas não fiz isto apenas pelo gosto de ganhar a corrida — disse
ainda Draven, insinuando um movimento como se quisesse sentar. A
exaustão extrema o impediu.
— O que você tem? — sussurrou Imogen. — Oh, Draven, você se
machucou?
Mas ele balançou a cabeça. — Vai dar tudo certo. Não se preocupe,
Imogen. Eu estava preocupado no início, porque a dor era muito forte,
mas quando passou eu percebi que tinha salvado a pele. Eu vou ganhar
numa próxima corrida, amor. — Roçou a bochecha dela com uma carícia.
— Eu vou ganhar um Grande Prix e teremos uma casa luxuosa em
Londres, ainda melhor do que aquela de sua irmã. E também um
camarote real.
— Não quero estas coisas— disse Imogen, beijando a mão dele. — Eu
não ligo, Draven. Eu não queria nada, além de me casar com você. Eu
sempre te amei desde a primeira vez que te vi.
— Menina tola — disse Draven. Ele agora parecia incapaz de levantar
a cabeça.
Imogen se inclinou sobre ele, descansando o rosto em seu peito.
Sentiu seu coração palpitar, mas o som era fraco e distante. — Quando
você apareceu pela primeira vez em nossa casa, para encontrar papai,
você era tão bonito, impetuoso... como só você consegue ser. O seu
cavalo tinha acabado de vencer em Ardmore, lembra?
— Um total de vinte libras, — ele disse. Mas ele estava batendo
dolorosamente as pálpebras. — Eu vejo tudo confuso, Imogen.
Imogen não respondeu, só deu um soluço estrangulado.
— Não estou... Eu estou...? — disse Draven.
Imogen levantou a cabeça e tomou o rosto do marido nas mãos. — Eu
te amo, Draven Maitland. Eu te amo.
Algo na expressão dele respondeu à pergunta que tinha feito, até
agora de modo alusivo. Mas desta vez a colocou de modo claro, olhando
nos olhos de sua esposa. — Eu sou um caso perdido, Imogen? Vou
morrer?
E quando, como resposta, ela se inclinou e o beijou nos lábios, ele se
limitou a murmurar: — Minha Imogen. Eu amo você, minha pequena.
Imogen continuou a soluçar silenciosamente.
— As razões que me empurraram para casar talvez não fossem as
certas, ao menos no início — disse com um fio de voz. — Eu sei. Mas
graças a Deus por ter feito isso. É a única coisa boa que fiz na minha
vida.
— Draven, não...
— Não sou muito bom neste tipo de coisas. Mas eu quero que você
saiba. Eu me casei com você bem, por sei lá qual razão. Mas desde aquela
mesma noite, eu percebi que era a melhor coisa que eu já tinha feito. E
tudo que fiz depois daquilo, foi por você, só por você, mesmo que eu não
seja muito bom em falar de tais coisas.
— E então você sabe que eu te amo, — sussurrou Imogen. — Eu não
queria mais nada da vida. A minha única vontade era a de me casar com
você.
— Você merecia algo melhor — disse Draven, esfregando os olhos,
como se não conseguisse mais vê-la bem.
— Ninguém no mundo pode ser melhor que você, — protestou ela. —
Ninguém!
— Minha Imogen... Eu te imploro, diga a minha mãe por mim...
— Que você a ama. Eu vou dizer a ela, Draven. Eu vou contar.
A mão que ele tinha colocado em um ombro escorregou para baixo,
como se as forças o tivessem abandonado. Imogen ouviu um barulho às
suas costas, mas não se virou até que a pessoa não estivesse ao seu lado.
— Eu sou o reverendo Straton. O médico me disse para vir — disse,
ajoelhando-se ao lado de Imogen com uma atitude que denotava
humano envolvimento com sua dor. Ele colocou a mão sobre a testa de
Draven e recitou: — Em você, oh Senhor, eu coloquei a minha fé...
Imogen tinha colocado a mão sobre o peito de Draven, mas parecia
que o coração tinha deixado de bater. Com voz grave o sacerdote disse
novamente: — Em verdade eu vos digo, quem ouve a minha palavra e crê
Naquele que me enviou, tem a vida eterna e será julgado, mas passará da
morte para a vida.
Draven estava com os olhos fechados agora, como se estivesse
dormindo; mas...
Então Tess se ajoelhou, tomando Imogen pelos ombros, em seguida,
Lucius ajudou ambas a se levantar. Mas Imogen no último momento se
desvencilhou e se atirou no chão de novo ao lado de Draven.
— Não! —gritou. — Não! — Ela abraçou o marido com força, mas ele
não abriu os olhos novamente. — Draven! Não ainda, não me deixe
ainda. Não vá, não vá!
Mas ele não estava mais lá. Qualquer um havia entendido. Que o
Draven que tinha amado desde o primeiro momento em que apareceu na
frente da porta da casa paterna, alegre e sorridente, após a vitória de seu
cavalo... não existia mais. O seu rosto estava diferente, mudado.
Tess abraçou a irmã nos braços e sussurrou: — Está lá em cima agora,
Imogen. No céu, junto com o pai.
— Não me deixe! — gritou de novo Imogen, tentando lançar-se ainda
para o marido. Louca de dor, parecia que tudo em torno iria se afogar,
diante do espetáculo trágico de um Draven morto. — Volte para mim!
O sacerdote se aproximou dela, falando com ela de Deus, do Paraíso e
de lugares longínquos, porque poderiam significar alguma coisa. Mas
Imogen estava surda para tudo, enquanto assistia o rosto pálido de
Draven, que estava deitado lá sem vida em frente a ela.
— Nós temos que levá-lo de volta para casa — disse, finalmente, Tess,
e isso soou como um discurso sensato. A única coisa sensata. Eles não
podiam ficar lá, nos estábulos, entre os cavalos. Só então Imogen se
deixou ajudar pela irmã a se levantar. Ficou ao lado do sofá, segurando a
mão de seu marido, enquanto o levavam para fora. Essa mão inerte, não
parecia a de Draven. Draven estava sempre em movimento, vivo, sempre
tinha algo a dizer...
Então, soltou a mão e acompanhou o caixão improvisado, saindo
junto a ele para a luz do sol.
Ele não abriu os olhos nem mesmo então.
Partiram em direção à casa na carruagem de Lucius.
Draven os seguiu na sua própria.

 
CAPÍTULO 34

Quando eles chegaram na casa de Lady Clarice, Rafe já estava lá com


Annabel e Josie; Lucius tinha enviado à frente um empregado para pedir
que Rafe avisasse Lady Clarice. Tess achava que iria encontrá-la presa a
uma crise histérica, em lágrimas, gritando... Nada de tudo isso. Lady
Clarice estava imóvel como uma estátua na sala de estar. Pálida como
uma vela, tinha na mão um lenço, que, no entanto não foi utilizado. Ela e
Imogen estavam uma ao lado da outra, mas enquanto Imogen estava
soluçando nos braços de Annabel, de modo desesperado, a ponto de que
não podia respirar, Lady Clarice se limitava em dar uns tapinhas na mão
da nora, com o olhar perdido no nada.
Tess sentou-se ao lado de Lucius, dizendo-se que tinha que fazer
alguma coisa, e mesmo assim... o que ela poderia fazer? Rafe vagava pela
sala, servindo-se repetidamente de conhaque em um copo de chá que
tinha encontrado em alguma parte. Eles estavam todos lá, mudos, ou
quase. A conversa definhou até mesmo durante o jantar e muito cedo
todos sumiram. Imogen não conseguiu ir para o quarto que
compartilhava com Draven, de modo que escolheu ir dormir com
Annabel. Tess despertou no coração da noite, chorando. A despedida de
Imogen de Draven se misturou em sua mente com o que tinha
acontecido a seu pai. Lucius beijou as bochechas riscadas por lágrimas e
a abraçou apertado no escuro.
Quando Tess entrou na sala de estar, na manhã seguinte, Annabel
estava segurando Imogen, falando com ela em voz baixa. Então, cruzou a
sala e foi sentar-se ao lado de sua irmã, do lado oposto, envolvendo seus
ombros com um braço.
— Como você está, querida? — Ela perguntou.
Imogen balançou ligeiramente os ombros, sem se virar, e o braço de
Tess deslizou para baixo. — Bem, —disse. Ela não chorava mais, e tinha
até mesmo parado de torcer as mãos.
— Eu estava dizendo a ela que deve se esforçar para comer alguma
coisa — interveio Annabel.
— Não posso, não consigo— se opôs Imogen.
Tess hesitou. Havia algo um pouco... Parecia quase que Imogen
queria estar sozinha com Annabel. Tinha imaginado o contrário. Não
que Annabel não fosse capaz de confortá-la, mas desde quando a mãe
morrera, tinha sido sempre ela, a irmã mais velha, a...
Lucius entrou no quarto, e a sua aparência deu alívio a ela; mas
quando se virou novamente em direção a Imogen, viu algo em seus
olhos. Aparentemente, a chegada de Lucius tinha produzido nela um
efeito exatamente oposto; a expressão que estava pintada em seu rosto
era de incômodo, e talvez também de dor.
Claro! Porque Lucius ainda estava vivo enquanto o marido estava
morto. Tess se levantou e levou Lucius para um lado. — Posso dizer duas
palavras em particular?
— Certamente — disse ele, voltando para suas irmãs um aceno de
saudação com a cabeça, antes de sair.

CERCA DE UMA HORA MAIS TARDE, Tess voltou para perto de


Imogen, perguntando se estava certo pedir ao marido para voltar para
casa sozinho, favorecendo a necessidade de ficar perto de sua irmã.
Mal tinha acabado de entrar na sala, Imogen a olhou, corou
ligeiramente, apesar do seu rosto ainda estar muito pálido, e disse — Eu
prefiro ficar sozinha.
Tess a olhou assustada.
— Se você não se incomodar— disse Imogen, apoiando a cabeça no
ombro de Annabel e fechando os olhos.
Tess ficou tão mal que quase não conseguiu falar. — Claro. Quer que
volte mais tarde com algo para beber ou para comer?
Ficando parada, sempre com os olhos fechados, Imogen respondeu:
— Se eu quiser algo, Annabel chama o mordomo.
Pouco tempo depois, Tess voltou ao longo corredor, confusa,
perguntando se por acaso tinha dito algo que tinha ferido sua irmã.
Rafe veio ao seu encontro, descendo as escadas. — Algo está errado,
Tess? — perguntou a ela.
Tess olhou para ele, tentando desesperadamente não estourar em
lágrimas. — Imogen... não quer me ver.
Ele a levou para a biblioteca de Lady Clarice. — É a sua maneira de
reagir à perda de seu marido —ele disse. — Quando morre uma pessoa
querida, todos reagem de uma maneira. Alguns desejam estar sozinhos,
outros em vez...
— Mas Annabel está lá com ela! Não esta sozinha. E eu... eu... — Tess
não sabia como descrever como se sentia. — Após a morte de nossa mãe,
quem cuidou delas fui praticamente eu. Por que agora Imogen... por
quê? — A confusão de pensamentos lotavam sua mente, e se arrependeu
de não ter mais Lucius a seu lado.
— Quando alguém sofre muito, não se entende mais nada — disse
Rafe, sentando em uma cadeira e estendendo uma perna para arrumar
um pedaço de lenha de madeira sobre o fogo, desatento das manchas de
fuligem em suas botas. — Após a morte de meu irmão, eu me bloqueei
em um silêncio quase total de mais de um ano. Fiquei bravo até mesmo
com o padre que havia celebrado o funeral. Disse claramente que Peter
teria achado tudo aquilo inútil e enjoativo. Eu estava fora de mim.

AS COISAS CONTINUARAM DO MESMO jeito o resto do dia. Tess


entrava em um aposento e via Imogen que chorava nos braços de
Annabel. E cada vez Annabel dava para Tess um olhar que dizia, no
modo irrefutável: — Não.
Então, Tess voltava para o corredor e ia encontrar Lady Clarice. A
mãe de Draven parecia um bloco de gelo, ignorava o que Tess estava
tentando lhe dizer para confortá-la, e embora ela tenha pedido algumas
vezes que fossem recitadas passagens da Bíblia, deu a impressão de nem
mesmo ouvi-las.
Já havia passado dois dias a partir da morte de Draven, quando Tess
conseguiu ter finalmente coragem para perguntar para Annabel: — Por
quê?
— Ela acha que é culpa sua — explicou a irmã.
— Culpa minha? Culpa minha?
— Não estou dizendo que é uma coisa lógica.
Annabel parecia exausta. A sua bela pele branca de repente pareceu
enrugada; olheiras escuras contornavam as pálpebras. Imogen chorava
durante a noite toda, e todas as noites, e Annabel estava sempre com ela.
— Como pode me culpar? — gemeu Tess.
— Porque vocês duas estavam falando animadamente, enquanto ele
realizava a corrida. Ou pelo menos é o que ela diz. Se tivesse em vez
disso se concentrado no que acontecia na pista, se tivesse notado que
seu marido estava montando aquele maldito cavalo...
— Não poderia ter feito nada. Era já muito tarde!
— Eu sei — respondeu Annabel, confortando-se com um gole de
conhaque, um remédio que tinha começado a apreciar, ultimamente,
seguindo o exemplo de Rafe. — Também disse a ela. Eu acho que... — Ela
olhou para Tess, manifestando com o olhar toda a sua humana
compreensão. — Eu acho que na verdade não é capaz de suportar os seus
sentimentos de culpa.
— E do que seria culpada? — murmurou Tess. — Foi ele que decidiu
montar o cavalo. Depois que ele havia jurado não fazê-lo!
— Sim. Mas antes de sua morte, ele também disse que tinha feito por
ela.
Tess sentiu um frio correr pela coluna. De fato, ele havia dito assim,
ali, nos estábulos. — Mas não queria dizer dessa maneira!
— Imogen não pode parar de ficar lembrando continuamente o que
ele disse— disse Annabel, girando o líquido no copo para aquecê-lo com
suas mãos, e lançando em torno reflexos dourados. — Maitland disse que
queria ganhar para comprar uma casa, de modo que não fosse forçada a
viver com Lady Clarice. — Caiu por algum tempo em um silêncio pesado,
quebrado unicamente pelo crepitar da lenha que ardia na lareira. —
Claro, teria sido melhor se ele tivesse evitado dizer isso— concluiu
Annabel.
— Oh, pobre querida, — exclamou Tess. — Não posso acreditar que
ele quis dizer isso! Eu estava presente, poderia lhe dizer que...
— Não. Eu acabo de colocá-la na cama, e... são dois dias que não
dorme. Por favor, não a acorde!
— Mas eu tenho que lhe dizer — insistiu Tess, com o rosto banhado
em lágrimas. — Maitland certamente não queria jogar nela a culpa de
nada. Ele queria só dizer que a amava mais que seus cavalos, só isto!
— Sem dúvida, eu estou convencida. Ela entendeu tudo errado. Mas
como tudo isso a faz sofrer, para se proteger ela precisa descarregar a
culpa sobre você — respondeu Annabel, cansada. — Eu imploro, não
jogue em cima dela este peso. Tenha paciência, tente se por em seu
lugar.
— Bem, então não há nada que eu possa fazer, de acordo com você? É
melhor então que volte para casa?
— Sim, é melhor que você volte com seu marido — disse Annabel,
dando-lhe um beijo. — Imogen vai superar esse momento. Agora, é quase
um bebê que tem um inimigo imaginário no qual vai descarregar sua
tensão— disse Annabel, sentando-se. — Ela está tão brava com você...
— Brava? — disse Tess, incrédulo.
Annabel assentiu. — Graças a isso, ela não precisa pensar no que
acontecerá com sua vida, agora que não tem mais o marido. Eu acho que
ainda não está pronta para isso.
Tess deu um profundo suspiro e enxugou uma lágrima. — Se e
quando tiver necessidade de mim, você me fará saber, certo? Se precisar
de alguma coisa? Se mudar de ideia?
Annabel fez um novo aceno de sim com a cabeça. — Vai ser melhor
que eu vá dar uma olhada em Imogen, agora. Sabe se Lady Clarice já saiu
de seu quarto hoje?
— Sim. Mas o fato de que não chore nunca não me parece muito
saudável. Também não toca na comida. Eu fiz companhia a ela toda a
tarde, lendo passagens da Bíblia.
— Volte quando for o funeral — disse Annabel, parando na porta
antes de sair. — Talvez então Imogen esteja pronta para se reconciliar
com você.

TESS SE REFUGIOU DE NOVO em seu quarto e explodiu em um choro


amargo. Cada vez que pensava em Imogen, pensava em Lord Maitland. E
pensando em Lord Maitland, não podia evitar de pensar em Lucius.
Então, em seu estado de dolorosa confusão, decidiu que a melhor
coisa a fazer era voltar para o marido. Colocou um casaco sobre o seu
robe e desceu para o lobby, no andar de baixo. Não ficou muito
surpreendida quando viu o mordomo de Lady Clarice vindo em sua
direção, sempre impecável, mesmo se com uma expressão um pouco
sonolenta. — Espero não tê-lo acordado — disse, observando o eco de sua
voz entre as paredes da grande sala, naquele momento completamente
deserta.
— Absolutamente não, — respondeu ele em um tom sério. Como se
não tivesse nada de estranho em uma Lady vestida unicamente com um
casaco sobre a roupa de dormir.
Ele perguntou— Quer que mande aprontar a sua carruagem, minha
senhora?
— Sim, obrigado.
Tess cochilou, enquanto esperava pelo transporte, envolta em seu
casaco de pele, sentada em uma cadeira na sala de estar. Estava ainda
confundida entre a vigília e o sono, quando um dos empregados quase a
carregou até a carruagem, fechou a porta e disse ao motorista que fosse
em direção a casa.
Durante a viagem, dormiu ainda mais profundamente. Voltou a
consciência, mesmo se pela metade, apenas quando Lucius a pegou em
seus braços e a levou pelas escadas, sem esforço aparente, como se fosse
uma pena. Ela fingiu, no entanto, que ainda dormia, para enrolar-se
contra o seu peito. Ele a depositou finalmente na cama, roçou sua
bochecha com uma carícia, em seguida, virou-se em direção a porta e
disse baixinho ao mordomo que sua esposa tinha necessidade de dormir
e não devia ser perturbada por nenhuma razão.
Prendendo a respiração, Tess ouviu a porta se fechar novamente.
Lucius tinha ido, ou ele ficou com ela? Não sabia dizer bem por que, mas
parecia um assunto de vital importância. Provavelmente, ele tinha ido
embora. Lucius não era o tipo de homem capaz de ficar cuidando de sua
esposa, de mãos dadas, quando poderia ir dormir tranquilamente em seu
quarto lá ao lado.
A cama balançou um pouco, quando ele se sentou na beira. — A
minha bela adormecida está pronta para re-abrir os olhos? — perguntou
a ela em voz baixa, com um tom vagamente divertido.
Tess não perdeu tempo com brincadeiras: se levantou de repente e
se sentou, abraçou e pressionou a boca sobre a dele. Ele, pego de
surpresa, demorou um momento para reagir, então, respondeu com o
mesmo ardor.
Mas Tess não se contentou com um beijo. Se jogou para trás,
deitando-se e arrastando consigo o marido, que terminou atravessado
sobre dela.
— Tess?
— Eu preciso de você. Uma necessidade terrível.
Se havia uma coisa que Lucius tinha de bom (tinha várias coisas, na
verdade) era que ele sabia escutar. Então afundou as mãos em seu cabelo
e a beijou em uma maneira tão apaixonada, doce, que vieram as lágrimas
aos seus olhos.
Ela retribuiu com uma espécie de fúria, como para apagar o medo
que mesmo ele, um dia, poderia morrer, que a sua vida não fosse mais do
que uma série de despedidas.
A mão de Lucius deslizou sob a roupa, enquanto um joelho abriu
suas coxas. Mas Tess sentiu um profundo, incontrolável desejo de ela ter
o controle da situação, por um momento, e então o jogou de costas na
cama e começou a despi-lo, primeiro jogando os sapatos no chão e
cobrindo os olhos dele com as mãos, quando ele esteve a ponto de soltar
uma risada.
Então, quando o viu todo nu na sua frente, disse para ele ficar
imóvel, com o mesmo tom de comando que usava com o seu cavalo,
Midnight Blossom.
E ele assim o fez, olhando para ela, enquanto cobria o seu corpo de
beijos, tocando com os lábios cada músculo, cada pedaço de pele com um
toque de suor descendo gradualmente até...
Até ali.
Lucius a deixou fazer, adivinhando que a sua esposa tinha decidido
aguçar ao máximo seu desejo, até fazê-lo perder a razão, apreciando os
versos roucos que saiam de sua garganta, os seus gemidos, e seus rogos.
Esfregou a pele dele com o seu longo cabelo, enviando-lhe quase em
delírio, até que provou para si mesma que ele estava vivo, que cada
única célula de seu corpo era consumida por um fogo ardente.
Então ele se levantou, com um movimento tão fluído e rápido que ela
não teve tempo para protestar. Antes que Tess pudesse entender o que
estava acontecendo, se encontrou deitada de costas, enquanto ele
agarrava seus quadris, a levantava e a penetrava.
Uma estocada, duas e novamente, novamente, novamente.
Os dois estavam governados de uma fúria esmagadora, o ímpeto com
que ela se entregou era igual à energia com que ele a penetrava. A dança
primordial da vida...
Mais tarde, Tess se deixou cair sobre a cama no calor de seu abraço,
e explodiu em soluços.
— Meu pobre amor, — Lucius sussurrou, tocando seus cabelos com os
lábios.— Têm tido muitas despedidas ultimamente, certo?
NO DIA SEGUINTE TESS ACORDOU com uma sensação de lucidez
cansada. Ela estava cansada de chorar. Não queria mais chorar, por pelo
menos um ano ou sete, ou pelo menos por um tempo suficiente.
Lucius estava deitado de bruços, as costas amplas e musculosas se
destacavam acima do travesseiro. Abandonado no sono, ele não parecia
tão composto e disciplinado quanto acordado. Ele parecia vagamente
infantil e despreocupado, com o cabelo despenteado, em vez de
penteados para trás. Ele parecia... feliz.
— Ele também precisa que o seu ambiente familiar seja feliz —
pensou Tess. — Falarei com a mãe dele.— Tocou com um dedo a pele do
pescoço, avermelhada pelo sol, descendo para aquela mais dourada dos
ombros. Era quente, como acontece quando você dorme, os músculos
relaxados, a carne macia ao toque como que de uma criança. Ela
continuou a acariciá-lo levemente com a mão, e sem perceber, começou
a cantar baixinho.
Mas Lucius a sentiu. Enquanto ele estava lá, imóvel, fingindo dormir
(era ele agora a ser bela Bela Adormecida), aquele som abafado deu-lhe
uma alegria inesperada, uma doçura profunda. Ele teve que fazer um
grande esforço de vontade para não reagir, e deixar que ela continuasse
a explorar seu corpo com a ponta dos dedos. Agora ela tinha puxado
para baixo o cobertor e desceu meio hesitante em direção a parte
inferior das suas costas.
Lucius não se mexeu. Não podia, pregado à cama por aquele toque
leve que se aventurava onde nenhuma outra tinha arriscado tocar, se
não em um estado de inconsciente frenesi. O murmúrio de Tess que
cantarolava era agora mais forte, mais ansioso. Ela o estava acariciando,
sim, e o lençol caiu sobre as pernas. Ela acreditava de verdade, que ele
ainda dormia? Parecia impossível.
De repente, Lucuis girou agilmente, a segurou entre os braços e a
prendeu à cama, o seu corpo não mais languidamente adormecido, mas
pronto para atender a chamada dos sentidos. E ele se colocou entre suas
coxas, sufocando com um beijo o grito assustado de Tess. Um beijo
ganancioso, avarento, que a inflamou instantaneamente...
Mãos seguras subiram para o seu sexo...
Um gemido escapou de seus lábios enquanto Tess arqueou
instintivamente as costas, respondendo ao toque de sua mão, e se abriu
para ele, já quente, molhada.
— Tess... — sussurrou Lucius, escorregando para dentro dela.
Ela olhou para ele por entre os cílios semiabertos, sonhadora. Aquele
corpo dormente que tinha causado tanta ternura se transformou em
uma massa de músculos tensos, que exigia satisfação. Atordoada, ela se
agarrou a seus ombros rígidos no esforço.
Tudo estava acontecendo muito rápido... ela não seria capaz de...
de... a coisa lá. Não tinha nem lavado os dentes. Não tinha se lavado! Foi
tomada pela ansiedade, apesar do fogo que subia por entre as coxas.
— Tess — murmurou novamente Lucius. Ela se separou do beijo.
Pensou que a própria respiração tinha que ser terrível.
— Eu tenho que me levantar — disse, mas a frase terminou em um
soluço, porque se sentiu sugada por um redemoinho.
Agora ele a estava beijando sob o queixo permanecendo imóvel, ou
quase, porque algo dele, Tess estava certa, tinha se movido um pouco lá,
onde os olhos não poderiam chegar.
Ela o segurou pelos ombros, então apoiou levemente as mãos sobre o
peito, e disse: — Eu tenho que...
— Eu quero você agora, — ele respondeu, falando baixinho no ouvido
dela. A sua voz rouca não tinha mais nada do desprendimento adequado
para um cavalheiro.
Enquanto isso, o fogo que a queimava por dentro era sempre mais
forte. Ele voltou a se mover, com renovado vigor, enevoando seu
cérebro. Parecia estar muito perto de uma enorme fogueira que
ameaçava incinerá-la.
— Não pare, Tess. Não agora — ele disse, com uma voz rouca de
desejo.
Então, presa em um vórtice que não a permitia encontrar qualquer
posição, dobrou instintivamente as pernas e tentou segui-lo, para cima,
para cima... enquanto ele a agarrava pela cintura. Tess esqueceu os
dentes, o hálito, a necessidade de se lavar, os olhos perdidos nos escuros
dele, com a dança que cresceu mais e mais frenética, levando-a para
cima... para cima...
Tess curvou as costas, ajudando as poderosas estocadas, olhando
para aqueles olhos cheios de desejo e prazer.
Lucius olhou para ela, e com uma pequena porção de sua mente que
não era subserviente ao puro desejo, formulou um pensamento:— Droga.
Eu me apaixonei pela minha esposa.
Mas, em seguida, os dedos de Tess lhe agarraram as nádegas e Lucius
Felton, que nunca tinha tolerado que uma mulher o tocasse de uma
maneira tão íntima... foi sacudido por um tremor, perdeu todo controle,
arrastando com ele sua esposa, rápida e vigorosa, até que ela explodiu
em um grito...
E um grito saiu ao mesmo tempo também dos lábios de Lucius... Que,
enfim, se abandonou em cima dela...
E ele pensou: — eu te amo. — Mas não disse.
 
CAPÍTULO 35

Maitland House
10 de outubro

Querida Tess,
Eu lamento muito ter de informar que Imogen não está ainda pronta para
fazer as pazes com você, sua carinhosa irmã mais velha. Lady Clarice sem
querer, piorou ainda mais a situação, dizendo-lhe que tinha escolhido Miss
Pythian-Adams como noiva para seu filho apenas porque não gostava de ver os
cavalos sofrerem, e o resultado que esperava era que pudesse manter Draven
afastado das corridas. Imogen agora está convencida de que, se o seu amor por
Draven fosse realmente tão grande e sincero, teria sido capaz de deixá-lo de
lado, permitindo-lhe que cassasse com Miss Pythian-Adams, e salvando desta
maneira sua vida. Um raciocínio tão absurdo que fica difícil combatê-lo, porque
seria necessário cair em seu próprio terreno. Francamente, estou preocupada
por ela. Não aceita que Draven não existe mais, e as vezes fala como se ele só
estivesse momentaneamente ausente, ou embarcado em uma viagem.
Você escreveu que gostaria de nos levar a Londres com você e seu marido,
mas acho melhor para Imogen que você desista do projeto no momento. Josie se
sente confortável aqui na casa de Rafe e está satisfeita com sua governanta.
Lady Griselda se declarou pronta para fornecer seu apoio por todo o tempo que
será necessário. Eu estou com Imogen, e mesmo que espere ser capaz de
encontrá-los em Londres para o início da temporada, certamente não posso
deixá-la sozinha nestas condições.
Eu sei que vou revê-la amanhã no funeral, mas considerei apropriado
escrever esta carta para informá-la de como vão as coisas com Imogen. Temo
que ela ainda vá estar fria com você, e sei que isso vai entristecê-la muito; mas
você deve entender que ainda está muito perturbada para ver as coisas de modo
lúcido e racional.
Um abraço afetuoso de sua
Annabel

Acompanhar uma pessoa que morreu no auge de seus anos em sua


jornada extrema é, por definição, algo de partir o coração. Tess não pode
evitar de fazer uma comparação entre o funeral de Draven Maitland e o
de seu pai. Seu pai tinha morrido após ter vivido uma vida plena, com
sua esposa, as filhas, teve grandes sucessos e erros colossais... Draven
tinha tido só Imogen, e ela tinha tido só Draven... pelo curto espaço de
um mês. Além disso, no caso de seu pai, os seus entes queridos, pelo
menos, tiveram tempo para se acostumar com a ideia de que iria morrer.
A cerimônia fúnebre foi oficiada por um bispo, assistido por um
diácono e três ou quatro sacerdotes. Foi muito mais majestosa e solene
do que tinha sido a homenagem a seu pai; e ainda assim a essência era a
mesma. Duas despedidas finais, em ambos os casos.
Olhou de canto de olho para seu marido. Lucius não conseguia
entender. Ele nunca havia perdido ninguém; seus amigos estavam bem
vivos e saudáveis, assim como seus pais.
Havia uma coisa que ela sabia, e ele não. Se ele não se reconciliasse
com sua mãe antes que fosse demasiado tarde (e Lady Clarice tinha dito
que ela estava seriamente doente), ele viveria para sempre com
remorso. Imogen estava destruída, também por isso, porque sentia
culpa. Lucius também sofreria de modo claro e sem esperança, sabendo
que sua mãe morreu ansiando por ser capaz de abraçá-lo uma última
vez.
Ele tinha que colocar de lado seu próprio orgulho.
Observou o perfil de sua mandíbula, tão masculino, aqueles olhos
que eram capazes de esconder tão bem o que pensava. Um homem como
ele não poderia colocar de lado seu próprio orgulho.
Ela tinha que fazer isso em seu lugar. Ela prometeu para si mesma
cumprir essa tarefa. Deveria conseguir que seu marido se reconciliasse
com os pais, a qualquer custo. Não queria que fosse assombrado pela
culpa como Imogen.
O funeral se arrastou como um pesadelo, em um sombrio silêncio
quebrado só pelos soluços que algum dos presentes eventualmente não
conseguia segurar. Mas eles não vinham do banco na primeira fila, na
frente de Tess: Imogen e Lady Clarice estavam ambas em silêncio,
imóveis como estátuas, na mesma atitude.
Soprava um vento cortante quando se reuniram em frente a capela
da família de Maitland. Tess podia ouvir só alguns trechos do que o bispo
estava dizendo, porque o vento estava levando longe a sua voz, e a aba
do seu chapéu se agitava em frente da face.
No final da triste cerimônia, percebeu que não havia motivo para
ficar mais por lá. Imogen segurava Lady Clarice por debaixo do braço. As
duas olhavam fixo para o caixão que continha o cadáver de Draven, com
uma expressão ilegível. Não havia mais nada que pudesse fazer por elas.
Deu um aceno para Lucius, e saíram juntos, cruzando ao longo de um
caminho do pequeno cemitério, para, em seguida, parar em frente a um
banco de pedra. Se sentaram, e Lucius a abraçou em torno dos ombros,
cobrindo-a com uma aba da sua capa, segurando-a apertado.
— Você precisa de um lenço? — perguntou a ela.
— Não, obrigado. — Tess não podia mais se conter, precisava confiar
a alguém seu tormento. — Eu realmente sinto muito por Imogen, e
também pela mãe de Draven... mas... — Uma lágrima correu bochecha
abaixo, embora houvesse jurado para si mesma que não ia chorar mais.
— Eu sei, — ele disse.— Você está ainda mais triste por ter sido
rejeitada por sua irmã.
— Não entendo por que não precisa de mim— ela gemeu com a alma
rasgada. — Porque... não me ama mais. Eu não tenho qualquer culpa pela
morte de seu marido!
— Eu sei, — Lucius repetiu.— Eu sei. Imogen vai superar esse
momento. Eu sei que você gostaria de estar ao seu lado, mas confesso
que desfruto mais de tê-la aqui comigo.
A sombra de um sorriso curvou os lábios de Tess. Seu marido era
muito doce e prestativo: ele queria fazê-la acreditar que precisava dela
de vez em quando, embora sem qualquer dúvida, não houvesse um
homem mais auto-suficiente.
— Quando você pensa em partir para Londres? — perguntou ela.
— Eu tenho que estar lá amanhã. Não me agrada a ideia de deixá-la
sozinha, mas não é necessário que você venha comigo, se você não
deseja.
— Sim, eu quero ir.
Eles permaneceram ali, sentados um ao lado do outro, com ela
enrolada na sua capa, e ele que estava segurando na mão um lenço de
linho ainda imaculado, até os sinos da igreja começarem a tocar: um
sinal sonoro para cada um dos anos que Draven tinha vivido durante a
sua breve passagem sobre esta terra.

 
CAPÍTULO 36

Tess não colocou sua cabeça para fora da janela, quando a


carruagem parou na St. James Street. Não era apropriado que Lucius
ficasse ciente de que ela estava ansiosa para localizar a casa onde viviam
seus pais; era necessário prudência e astúcia para ser capaz de
reconciliar os membros da família. Lucius parecia mais impenetrável do
que de costume, e Tess tinha a sensação de que, se ele tivesse adivinhado
as suas intenções, a teria largado e teria fugido daquela casa, uma das
cinco que tinha, e que era a mais distante de Londres.
Tinha perguntado anteriormente se ele tinha avisado aos pais de seu
casamento, e Lucius tinha respondido: — Oh, minha mãe, tenha certeza,
soube antes mesmo que a tinta com que foi oficializada a nossa licença
especial tivesse tempo de secar.
Tess deduziu que sua mãe, impaciente por ouvir notícias dele,
mantinha correspondência constante com quem fosse capaz de fornecê-
la.
Pobre, pobre mulher.
Assim, Tess se segurou de manifestar qualquer curiosidade especial,
enquanto observava os palácios residenciais alinhadas ao longo da
grande rua.
— Podemos tomar um pouco de chá? — perguntou ao marido quando
entraram em sua residência na cidade. — A viagem me deixou com a
garganta seca. Também gostaria de ver a meu quarto, se você não se
incomodar.
Lucius deu as ordens necessárias, quando Smiley, o mordomo, veio
ao seu encontro com uma bandeja de prata que estava lotada com a
correspondência acumulada, uma grande parte sendo constituída por
convites. — É claro que não podemos ter uma vida social, enquanto você
não tiver um guarda-roupa apropriado— disse ele, com ar ausente.
— Eu tenho as roupas que nós encomendamos em Silchester —
murmurou Tess.
— E eu acho que uma Lady como você deve estar muito bem vestida
em todas as ocasiões. Agora tenho que falar com o meu secretário, mas
vou fazer com que Madame Careme venha aqui o mais rapidamente
possível. Lady Griselda me disse que é a modista mais em voga no
momento. Você não vai ficar muito entediada enquanto eu trabalho um
pouco no meu escritório?
— Oh, você não precisa se preocupar comigo, Lucius. Vou passar a
manhã conversando com o seu superintendente.
— O nosso Superintendente — corrigiu ele, despedindo-se com um
abraço. — E quando me diz para não pensar em você... bem, saiba que é
absolutamente impossível.
Deu a ela um beijo, tão arrojado como inesperado, e foi embora,
deixando-a olhar, feliz e confusa, a porta fechada do escritório.

TESS FICOU SENTADA EM FRENTE à penteadeira por um tempo,


depois que a criada acabou de escovar seu cabelo. Qual era o melhor
caminho para renovar o relacionamento com a Sra. Felton (a outra Lady
Felton, ou seja, a mãe de seu marido)? E como Lucius aceitaria? Cada vez
que mencionava o assunto, sem o mínimo de alteração, ele se limitava a
repetir: — Já me fizeram entender claramente quais são os sentimentos
deles por mim. — Era como bater contra uma parede.
No fim decidiu que a melhor coisa era escrever algumas linhas a Sra.
Felton, suficientemente respeitosa, como era lógico que fizesse uma
nora, dirigindo-se a sua sogra. Talvez elas pudessem encontrar um
terreno em comum e juntar os pedaços do relacionamento familiar
agora quebrado por muito tempo.
Ela se sentou em sua escrivaninha e começou a escrever:

Cara Sra. Felton,


Eu tomo a liberdade para perguntar se Lucius e eu podemos ir visitá-la,
amanhã, ou um outro dia, compatível com os seus compromissos. Estou, como é
compreensível, impaciente para conhecer a família do meu marido.
Com devido respeito, sua
Teresa Felton

A resposta veio na manhã seguinte, na hora do café da manhã:

O senhor e Lady Felton recebem os visitantes as duas da tarde.

Não foi exatamente um bem-vindos. Ela leu a nota três vezes, em


seguida, olhou para Lucius no outro lado da mesa. Ele estava lendo o
Times e bebendo café com a concentração de um homem que tinha tido
uma noite bastante movimentada (reprimiu um sorriso com aquele
pensamento).
— Lucius — disse, limpando sua garganta com uma tossinha.
— Sim? — disse, sem desviar o olhar do jornal.
— Eu recebi um bilhete de sua mãe.
Desta vez, ele abaixou o jornal. Não disse nada, simplesmente ficou
olhando, com aquele olhar que parecia capaz de ler seus pensamentos.
— Não parece carinhoso, da parte dela? — E já que Lucius
permaneceu em silêncio, acrescentou: — Seu pai e sua mãe que pedem
para fazer-lhes uma visita na primeira oportunidade... Na verdade, aqui
fala á tarde, se você não tiver compromissos urgentes.
— Tess, — ele disse finalmente. — O que você está fazendo?
Ela abriu os olhos fingindo uma total inocência. — É natural que sua
mãe queira me conhecer, Lucius. Sou a nora dela, depois de tudo.
— Como ela sabia que estamos aqui em Londres?
— Oh, deve ter sabido certamente através de fofocas dos servos—
disse Tess, deixando escorregar em seu colo o bilhete, de modo que ele
não poderia lê-lo. — As nossas casas são quase contíguas.
— Muito bem — ele disse, continuando a olhá-la com ar grave. Então,
ele escondeu de novo o rosto por trás do jornal.
Não foi precisamente uma vitória, se disse Tess: parecia bem mais
um recuo estratégico. Mas o importante era dar o primeiro passo.
 
CAPÍTULO 37

O senhor e a senhora Felton os recebeu na sala de estar. A Sra. Felton


estava regiamente sentada em uma cadeira com as costas altas,
adornada por entalhes elaborados, que fazia pensarem uma espécie de
trono. Magra e pálida, sentava-se imóvel, o rosto virado três quartos em
direção a janela, como se posasse para um retrato. Tinha uma grande
quantidade de cabelo arrumado no topo da cabeça com um sofisticado
penteado, e as mãos gordas, que não combinavam com a magreza
extrema do físico. A grande quantidade de anéis que usava em quase
todos os dedos acentuava essa impressão.
Aparentemente, Lucius tinha herdado a beleza clássica dos traços de
seu pai. O Sr. Felton era mais baixo, um pouco encolhido, é claro, devido
à idade, mas os olhos e as maçãs do rosto bem destacados eram os
mesmos. Ele devia ter sido um homem muito charmoso, quando jovem.
No entanto, observando a maneira com que apoiava uma mão na parte
traseira da cadeira ocupada por sua esposa, na expectativa de que fosse
ela a primeira a falar, Tess começou sentir-se inquieta.
Lucius ofereceu o seu braço e a levou frente a seus pais. Finalmente a
senhora Felton levantou. Os diamantes dos brincos refletiam a luz que
vinha do fogo aceso na lareira. Alongou uma mão em direção a seu filho,
que se inclinou para beijá-la, respeitosamente, como se estivesse
saudando a rainha em pessoa.
— Então você é a minha futura herdeira— disse, em seguida, a Sra.
Felton, dirigindo-se a Tess. Em seu rosto apareceu um sorriso, muito
mais sedutor porque inesperado, como os raros sorrisos que Lucius
concedia. — Estou muito contente de conhecê-la. Admito que estava
perdendo a esperança de que o meu filho se decidisse a casar.
Aliviada, Tess sorriu para ela, insinuando uma inclinação. — E estou
grata de que tenham aceitado a me receber. É maravilhoso conhecer a
família de meu marido.
— Eu compartilho os seus sentimentos — disse a Sra. Felton. —
Espero apenas que, agora que está casado, o nosso querido filho, se faça
ver um pouco mais frequentemente.
Lucius deu um aceno de concordância, mas a Tess não escapou que a
sua expressão parecia vagamente irritada. Por que ele não dizia para sua
mãe que estava feliz de ser recebido novamente em sua casa? Por que
não tentava aliviar o ambiente, demonstrando o seu contentamento?
— Acomodem-se — disse a Sra. Felton. — Stilton, traga para o meu
filho e a sua senhora um pouco de chá, se você não se incomodar. Eu
beberei um copo de cassis, e o Sr. Felton o que bebe sempre. — De
repente, pareceu ter uma mudança de pensamento, em seguida, fixou
seus olhos inchados, de pálpebras pesadas, sobre Tess, olhando para ela
pela primeira vez de forma direta. — A menos que você não prefira
também um pouco de cassis. Você parece muito jovem para mim, mas
não tanto que não consiga beber uma pitada de álcool.
— Eu aceito de muito bom grado o chá — disse Tess.
— Magnífico. — O Sr. Felton dispensou o mordomo com um aceno de
sua mão. — Agora você tem que me contar tudo sobre você, minha
querida. Não tive uma filha, e garanto que estou encantado com a
perspectiva. Você é órfão, se entendi?
Tess assentiu. — Eu e as minhas irmãs fomos confiadas à proteção do
Duque de Holbrook.
O sorriso da Sra. Felton aprofundou. — Ah sim, ele e meu filho são
grandes amigos. Eles se conheceram quando estiveram juntos em Eton.
Obviamente, Holbrook era só o filho caçula, eu imagino que você saiba.
Ninguém nunca poderia ter imaginado que iria acabar herdando o título.
Ele tem que agradecer o capricho do destino.
Tess não estava muito segura de que Rafe estava pronto para
agradecer o destino; ou se em vez disso, consideraria uma sorte maior se
o seu irmão Peter ainda estivesse vivo. Mas se absteve de fazer
comentários.
— Estamos muito satisfeitos com o grupo de amigos que meu filho
frequenta— continuou a Sra. Felton, como se nem o filho nem o marido
tivessem o direito de conversar. — Não sei se você sabe, mas entre eles
está também o Conde de Mayne.
— Eu conheci o conde, — disse Tess cautelosamente, imaginando se
teria chegado ao ouvido da senhora Felton a notícia de que tinha estado
a ponto de se casar com ele.
— Eu e o Sr. Felton não tivemos nunca a menor preocupação a
respeito do grupo de amigos de meu filho. Graças à intervenção de seu
avô, pode estudar em Eton, e desde menino Lucius se associou
unicamente com os melhores. Estou certa que ele escolheu você com o
mesmo cuidado, minha querida. — Fez uma pausa para dar a Tess um
sorriso. — Dado que agora você faz parte da família, me sinto autorizada
a fazer algumas perguntas de caráter íntimo, que não poderia nunca
fazer para uma pessoa estranha.
— Eu insisto, pergunte qualquer coisa que você quiser — respondeu
Tess. Ainda não tinha pensado muito no fato de que agora fazia parte da
família Felton. É claro que uma mulher, ao se casar, adquiria outra
família.
— Vou perguntar somente, porque, infelizmente, você não têm mais
pais — disse a Sra. Felton. — Mas... foi estabelecido um dote, para o seu
casamento?
— Uma pergunta pouco apropriada, mãe — interrompeu Lucius. —
Não justificada pelo estado de nossos relacionamentos familiares.
— Filho, apesar de frequentar um mundo que certamente não
negligencia o vil interesse econômico, parece que você esqueceu que as
grandes famílias, quando organizam o seu casamento, não têm no
coração apenas as qualidades estéticas dos recém-casados.
— Nós não somos uma família grande, — disse Lucius. — E você
também não está discutindo, neste momento, um vil interesse
econômico?
— Uma coisa é fazer um bom casamento, outra é sujar suas mãos
com o lucro — respondeu duramente sua mãe.
— Eu vou ser muito feliz em satisfazer qualquer curiosidade de sua
mãe, Lucius — disse, em seguida, Tess, lançando um olhar de aviso para
o marido.
— Neste caso, saiba que Tess trouxe um dote conspícuo — disse
Lucius.
Tess olhou perplexa para ele, mas não disse nada. Somente Lucius
poderia definir “conspícuo” um dote composto por um cavalo.
— Bem — disse a Sra. Felton. — Estou feliz que esteja disposta a
responder minhas perguntas — acrescentou, se virando para Tess. —
Você entende que para um homem como o meu filho, que tem como seus
amigos o Duque de Holbrook e o conde de Mayne, se espera que faça um
bom casamento. — Ela levantou o nariz. — Já é bastante difícil ver nosso
filho baixando o nível com sua frequente mistura com pessoas
interessadas, como eu disse, unicamente em ganhos. Não é surpresa
então que não encontramos damas de sangue azul querendo casá-lo com
suas filhas.
— Na verdade que eu saiba, o seu filho era um dos solteirões mais
disputados de toda Londres — se opôs Tess.
— Era disputado pelas filhas de comerciantes, na maior parte — disse
a Sra. Felton, pegando o delgado copo de vidro da bandeja que o
mordomo estendia. Um de seus muitos anéis fez soar o delicado cristal.
— Meu pai era o conde de Devonshire. Mas raramente uso o meu título,
Lady Margery; geralmente, prefiro ser chamada simplesmente de Sra.
Felton.
— O pai de Teresa era o Visconde de Brydone — interrompeu Lucius.
— Um visconde escocês? — disse sua mãe com um sorriso cético.
Então, voltando para Tess, ela acrescentou: — Eu sempre achei
engraçado a maneira na qual os costumes ingleses são imitados em
outros países. Ouvi dizer que mesmo na América tem pessoas que se
orgulham de nossos títulos.
— O primeiro visconde de Brydone recebeu o título diretamente do
rei Edward I— respondeu então Tess, fazendo uma exibição de suprema
indiferença.
— Sério? Quem diria isso? — exclamou a Sra. Felton. — E qual teria
sido a razão para o rei Edward viajar para terras tão distantes e
selvagens? Eu pensei que naquele tempo a Escócia era cheia somente de
guerreiros com o rosto pintado de azul, os temerários Pitti.
— Acontece que o título de meu pai é um título Inglês, que, em
seguida, Henry também reconheceu, mesmo se neste ínterim a nossa
família se transferiu para a Escócia.
—Uma decisão muito apropriado, sem dúvida — disse a Sra. Felton,
deixando perceber em sua expressão um pouco mais de calor humano. —
Neste caso, estou feliz em lhe dar a boas-vindas na nossa família, minha
querida. — Então, inclinando-se em direção a ela com ar de querer dizer
algo íntimo, enquanto continuava a ignorar a presença do marido e do
filho, concluiu: — Talvez você e eu possamos descobrir um plano para
tornar o meu filho novamente respeitável aos olhos da boa sociedade.
Tess a olhou incerta.
A Sra. Felton balançou sua cabeça e se fez ainda mais incisiva. —
Você certamente notou com que seriedade se ocupa do comércio. Como
se um cavalheiro não pudesse se contentar em viver dignamente de suas
rendas. Na minha família, por exemplo, era a regra. Bem, agora, ao ouvir
o meu filho, você poderia acreditar que o Sr. Felton e eu vivemos apenas
graças a sua generosidade.
— Vivemos, de fato, apenas graças à sua generosidade — disse o Sr.
Felton, refutando a alegação de sua esposa. Todo mundo suspirou, tão
incomum era que o pai de Lucius fizesse notar a sua presença.
Mas a Sra. Felton riu, com o ar de auto-importância, sem sequer se
virar para olhar o marido. — Você está falando sobre pequenos
aborrecimentos que pertencem ao passado e que não merecem toda essa
importância que você lhes concede, Sr. Felton.
— Não, não falo do passado, falo do dinheiro que continua a chegar
até agora, mês após mês — replicou seu marido, olhando nos olhos do
filho.
Tess ficou pasma. Lucius estava olhando para seu pai, com o rosto
fechado.
— Está tarde, temo — disse de repente. — Estou certo de que Tess
desfrutará de sua hospitalidade uma próxima vez por mais tempo. Agora
devemos mesmo partir — terminou, dando a seu pai um olhar duro,
como se considerasse intolerável a sua falta de discrição em tocar em
certos assuntos de família.
— Não antes que sua esposa entenda o quanto devemos a você—
disse ao invés seu pai, sem se deixar intimidar. — Eu permiti que toda
Londres jogasse injustamente o descrédito em você, mas não posso
permitir certos mal-entendidos, mesmo dentro da família.
— Por uma miserável ajuda que nos deu uma vez, faz tempo! —
exclamou a Sra. Felton, enquanto o seu tom, normalmente amigável e
casual, levou uma nota aguda. — Uma coisa de muitos anos atrás...
Mas o pai de Lucius não estava mais disposto a ser silenciado. —
Quando meu filho estava estudando em Oxford e estava perto de se
formar, nos encontramos à beira da ruína. Nós vivíamos muito acima de
nossos meios, e as rendas das quais falou antes minha esposa... bem, não
existe mais. A terra tinha sido toda hipotecada para cobrir as dívidas.
A Sra. Felton ficou literalmente ofegante, como um peixe fora de
água.
— Meu filho veio de Oxford por um par de meses, e, naquele curto
espaço de tempo ganhou tanto dinheiro no mercado de ações para pagar
não unicamente as minhas dívidas, mas também o seu crédito para a
universidade.
— Não havia necessidade de desenterrar o passado! — levantou-se a
Sra. Felton, com o rosto corado de indignação.
— Estávamos, como eu disse, à beira da ruína — continuou Mr.
Felton, ignorando a esposa. — Da falência. Desde então, Lucius nunca
mais parou de nos ajudar. Ele resgatou as hipotecas de nossas
propriedades. E nós, como o pagamos? — Ele jogou um olhar a sua
esposa, que tinha dado a ele as costas, olhando incisivamente para fora
da janela. — Toda Londres sabe de esta fissura aparentemente
irreconciliável que se produziu entre nós.
— Exagera, como sempre, Sr. Felton. Meu marido — interveio a mãe
de Lucius, falando para Tess— vê tudo através da lente de sua
sensibilidade exasperada. Ele nunca será um verdadeiro cavalheiro. Os
membros da aristocracia não caem em ruína. Esta é uma coisa que
acontece com as pessoas comuns. Um nobre continua a viver como
sempre viveu. E os comerciantes estão satisfeitos e honrados em lhes dar
crédito, na expectativa de que os tempos melhorem e que será
retribuída a sua confiança.
Lucius a este ponto levantou a mão com ar de autoridade. Muito
mais alto que seus pais, era também muito mais bonito que eles, pensou
Tess, olhando para ele. Ele pegou apenas o melhor dos dois.
— Minha esposa e eu somos extremamente gratos por este seu
convite — disse ele, dirigindo-se a sua mãe. — Mas agora não quero
abusar de sua hospitalidade. Eu sei que Tess ficará feliz em voltar em
outra oportunidade para tomar um chá com vocês. — Então ele segurou
Tess pelo braço e a conduziu em direção à saída.
Ela não tinha dito uma palavra, nos últimos cinco minutos, e não
sabia exatamente o que poderia dizer agora. Além de tudo, Lucius estava
apertando com força seu braço, no que era um claro gesto de
advertência. Se limitou então, a simplesmente fazer uma reverência, um
pouco assimétrica, uma vez que o marido a puxava, e a gaguejar que
tinha sido um verdadeiro prazer.
 
CAPÍTULO 38

Não disseram uma palavra ao longo do caminho de retorno. Mas


quando eles estavam no corredor, enquanto o mordomo pegava o casaco
e o chapéu de Tess, Lucius assentiu com a cabeça e murmurou: — Se você
me desculpar, agora eu...
— Oh, não! — exclamou Tess, agarrando-o por um braço e
bloqueando-o antes que pudesse desaparecer no seu escritório.
O mordomo cautelosamente bateu em retirada, levando embora os
casacos. Lucius levantou uma sobrancelha.
— Não foram suficientes revelações por hoje?
Tess ignorou a piada e foi abrir a porta da sala, esperando que ele a
seguisse.
— Prefiro não voltar a falar sobre o assunto de meus pais —
continuou Lucius, entrando no aposento e tomando posição em um
canto, um pouco longe. — Estou certo de que agora você sabe o
suficiente para ter uma ideia especifica da situação. Percebo que as
questões que se referem a família tem uma grande importância para
você, e se você quer que eu retome as relações com os meus pais, eu irei.
— Na verdade eu quero falar de nós dois, agora — respondeu ela,
contando com a habitual cortesia de Lucius.
— Muito bem, — ele disse. Mas a sua expressão, mais impenetrável
do que nunca, era tudo menos encorajadora.
— Queria que me ajudasse a compreender apenas algumas coisas —
disse Tess, sentando-se no braço do sofá. — Sua mãe tem um
extraordinário interesse pelos títulos de nobreza, e coisas deste tipo,
certo?
— Sim.
— Aposto que é subscrita no boletim de heráldica, e que o lê
regularmente.
— Claro.
— Então ela já sabia que o título de meu pai era Inglês e que remota a
muito atrás no tempo.
— Certamente. Eu temo que minha mãe se divirta muito em pregar
armadilhas para seus interlocutores.
— Outra pergunta... Eu quero apenas ter certeza de ter entendido
bem. Você retornou de Oxford e começou imediatamente a fazer de tudo
para salvar a sua família da ruína.
— Não vamos exagerar agora. Minha mãe estava certa quando disse
que a família de um nobre pode continuar a levar adiante por algum
tempo, mesmo em condições extremamente críticas.
— Mas sem a sua contribuição não iriam ter evitado o abismo. Seu
pai disse que as terras foram todas hipotecadas e não rendiam mais
nada. Você teria que deixar a universidade, por exemplo.
— Isso é verdade.
— Você arrumou a desastrosa situação financeira de sua família, e
como retribuição, foi publicamente repudiado.
— Outro exagero. O fato é que meus pais ficaram desapontados
quando eles viram que eu continuava a investir no mercado de ações,
mesmo depois que a situação de emergência tinha sido superada.
Tess levantou e foi em sua direção. — Lucius, você pagou as dívidas
deles, e eles te expulsaram apenas por isso?
Lucius apertou sua mandíbula. — Parece-me que você está lançando
uma luz muito escura sobre o que aconteceu.
— Não, eu vejo as coisas em uma maneira objetiva — disse,
agarrando sua mão.
Ele ficou em silêncio por um momento. Em seguida: — Você tem que
entender que do ponto de vista da minha mãe não podia fazer nada pior.
Os seus pais não a perdoaram nunca por ter casado com um plebeu, e ela
tem vivido no medo de que uma espécie de tara de meu pai fosse trazida
de volta, o fato de que em suas veias não corre sangue azul se
manifestasse através do meu comportamento.
— Algo que ela verificou de fato, de acordo com ela — murmurou
Tess. — E não conta nada o fato de que eles estão de volta em posse de
suas terras? Com qual dinheiro a sua mãe tem sido capaz de comprar
todas essas jóias?
Lucius virou o olhar e não respondeu.
Tess se colocou na sua frente e isso obrigou-o a olhá-la nos olhos. —
E para Imogen você fez exatamente o mesmo, sem nem me dizer. Você
salvou a sua reputação, dando-lhe o dinheiro necessário para comprar a
licença especial de casamento. É assim?
— Não foi nada— disse ele, com um encolher de ombros.
— Não, você desta maneira salvou não só a reputação de Imogen,
mas também a de nós todas.
— Eu já te disse, Tess, não sou muito ligado ao dinheiro. Lembra?
Tess se lembrava muito bem. Tinha dito também que não nunca
seria capaz de experimentar sentimentos profundos por ela, que ele não
era capaz. Mas não era verdade. Ele gostava com toda sua boa alma,
mesmo de sua mãe, uma mulher tão obcecada pelas convenções sociais
que colocou seu filho de lado, como um vestido agora desgastado. Só
assim poderia explicar o fato de que ele havia comprado uma casa na
cidade a apenas duas portas de distância da casa de seus pais. A verdade
era que ele sentiu a sua ausência, apesar de tudo.
— Lucius, eu tenho apenas uma última pergunta para fazer, e então
eu prometo que vou deixar você voltar ao seu trabalho, — disse ela,
olhando-o nos olhos.
— Estou a sua disposição.
— A manhã que eu deveria casar com Mayne — murmurou Tess,
fazendo apelo a toda a sua coragem, porque este era de um tópico muito
delicado. — Lembro-me que eu o ouvi descer as escadas. E que naquele
ponto você saiu de seu quarto.
Ele pareceu endurecer.
— O que você disse a ele?
Lucius olhou para baixo em sua direção. Tess sentiu o coração bater
forte no peito, como marcando os segundos.
— Eu disse para que ele desse o fora e a deixasse livre— disse
finalmente ele.
Tess perdeu o fôlego, mas tinha que saber a verdade.
— E deu a ele dinheiro para convencê-lo a fazer isto?
O rosto de Lucius fechou. — É isso que você pensa? Que eu
normalmente uso o meu dinheiro para forçar as pessoas a se dobrarem a
minha vontade?
— Não! — exclamou ela. Então perguntou novamente: — Por que
você pediu para ele ir embora?
— Eu queria você só para mim.
— Por que você não me contou então? — Era a questão mais
importante de todas. — Não seria o suficiente apenas dizer?
— Eu disse a você...
— Não me refiro a primeira vez. Nós mal nos conhecíamos, quando
você me pediu para casar com você, lá, entre aquelas antigas ruínas. Por
que não me disse de novo? Por que você deixou que Mayne te
precedesse?
— Você merecia algo melhor do que alguém como eu. Eu não sou
capaz...
Mas não pode terminar a frase, porque viu brilhar nos olhos de Tess
uma luz nova, uma emoção que não estava em posição para definir. Essa
mulher tinha perturbado sua vida, fez com que ele jogasse ao vento
como um trapo velho os princípios de justiça e auto-controle que uma
vez tinham sido sua âncora.
— Eu a queria mais do que eu estava disposta a admitir — disse ele
finalmente. — Então eu pedi a Mayne para sair do caminho.
— Assim, outra vez conseguiu resolver o problema — notou Tess,
presunçosa. — A mesma coisa que você tinha feito antes, com o
problema financeiro de seus pais, e, em seguida, para a fuga do amor de
Imogen.
— Não.
— Não?
— Não foi a mesma coisa, de jeito nenhum. — Foi para o seu lado e
afastou uma mecha de cabelo de sua testa. — Com você era diferente.
Não queria nada mais que corrigir os seus problemas, Tess. Mas eu não
pude fazê-lo. Foi fácil juntar o dinheiro que o meu pai precisava; joguei
na bolsa e ganhei facilmente, precisamente porque não estava cego pela
ganância. Mas, no seu caso, pagar não era o bastante. Eu nunca poderia
ter comprado você.
Tess tinha os olhos úmidos, a este ponto, embora ele adivinhasse
corretamente que eram lágrimas de alegria, também pela maneira como
ele a segurava apertado, mostrando assim sua afeição e seu
reconhecimento.
— Eu te amo muito—sussurrou para ela, apertando-a ainda mais
contra ele, de modo que não podia olhar em seus olhos enquanto dizia.
— Eu me apaixonei por você, Tess. E agora eu te amo... mais do que
minha própria vida. Eu sei que você prefere estar próxima a Imogen, no
presente momento, que a sua família vem para você antes de qualquer
outra coisa...
Mas ela estava balançando a cabeça e olhando-o nos olhos,
respondeu: — Eu também acreditava nisto. Eu pensei que... deveria me
casar para o bem da minha família, e que o repúdio de Imogen iria
quebrar meu coração. Eu estava com medo que podia acontecer o
mesmo com você, pela maneira como as relações com seus pais estavam.
Mas não é assim, certo?
— Não — respondeu Lucius, com tranquila segurança.
— Agora eu sei que o meu coração pode quebrar por uma só razão...
Se fosse você a me deixar, a me repudiar... — murmurou Tess.
Ele a apertou de novo contra o seu coração, e a consolou com um
firme abraço. — Eu nunca poderia te deixar, — disse ele.— Nunca. Ficar
sem você? Seria como arrancar meu coração de dentro do meu peito.
Levantando os olhos, Tess viu que ele era sincero, que seu amor era
grande e inquestionável, um fogo que não podia apagar.
As palavras “AMO VOCÊ” floresceram simultaneamente a partir dos
lábios de ambos, em um sussurro que colocou em contato os corações e
almas deles, selando a promessa.
 
EPÍLOGO

Eles estavam sentados todos juntos para um retrato de família. Eram


agora oito meses que eles passavam boa parte do dia lá na pose, porque
o grande pintor Benjamin West era agora tão velho que as suas mãos se
cansavam logo de segurar os pincéis, e aproximadamente a cada hora
era forçado a ter uma pausa. Mas agora parecia que estava no ponto de
completar o seu trabalho. Ele se afastou do quadro e deu um aceno para
seu assistente, para que ele segurasse os pincéis. Era um velho
cavalheiro de aspecto delicado, vestido de veludo preto, com sapatos de
salto ligeiros, de forma antiquada, e na cabeça uma peruca puramente
século XVIII.
— Acho que terminei— disse ele. — Eu vou deixá-los sozinhos, para
que possam contemplá-lo comodamente. — E acenando o lenço de
rendas como uma saudação saiu.
— O único problema — disse Tess para seu marido, enquanto
observavam a imagem em seu cavalete — é que agora Phineas já
consegue caminhar, e aqui está retratado como um bebê de fralda.
No retrato de Benjamin West, Phineas era um angelical querubim,
com um escasso tufo de cabelo no topo da a cabeça e uma expressão
doce e sonolenta. Para dizer a verdade, todos pareciam um pouco
atordoados, mesmo que de maneira quase poética; de qualquer maneira,
era a marca registrada de todos os retratos assinados pelo grande
pintor.
O contraste com o Phineas real, aquele de carne e osso, era
impressionante. Para começar, a sua roupa agora era um casaquinho e
uma fralda que pendurava em um modo nada elegante até seus
rechonchudos joelhos. Em segundo lugar, a cabeça estava coberta por
uma cascata de cachos que caiam em todas as direções. A aparência
parecia ainda mais despenteada porque Chloe estava empoleirada em
seu poleiro preferido, que era seu ombro. Phineas falava sem parar,
mesmo se ninguém soubesse o que dizia; do mesmo modo, Chloe falava
de modo incompreensível. Entre os dois, eram uma constante cacofonia
sonora.
Tess olhou para a pintura novamente. O Sr. West tinha pintado os
três sentados embaixo de um bordo de folhagem dourada. Tess, com a
sua figura esbelta, valorizava a especial elegância do vestido, digno de
um convite para um baile. Phineas estava cochilando nos braços de sua
mãe, que tinha os olhos em direção ao marido, o qual a sua vez estava
em pé, em posição ligeiramente para trás, com uma mão descansando
sobre as costas da cadeira, os olhos virados em direção ao observador.
— Eu gosto da maneira como me olha— disse Lucius com um sorriso
satisfeito.
— Um olhar de adoração, certo? Mas não se deixe enganar, é só
aparência.
— Aparência? — disse ele, abraçando-a e fazendo de brincadeira um
rosto feroz.
— Tudo bem, é de verdade, — disse Tess, rindo. E acrescentou: —
Daqui a pouco a minha barriga vai estar tão grande que você não poderá
me abraçar mais.
— Esse é o menor dos problemas, — disse ele, dando-lhe, todo
satisfeito, um tapinha na barriga.
Ela riu de novo e virou-se em seus braços para olhar para o quadro.
— Nós todos temos uma expressão tão estúpida!
— É a típica expressão de quem está feliz e satisfeito — disse Lucius,
afundando o rosto em seu cabelo.
Tess permaneceu com as costas apoiadas em seu peito,
contemplando o perfeito retrato da família.
Cambaleando em suas pernas, Phineas foi em direção a eles, mas ao
fazer isso bateu contra um dos suportes do tripé. O retrato da família
balançou descontroladamente, ficou um momento sem equilíbrio,
enquanto Lucius interveio num relâmpago e o colocou em segurança.
Obviamente...
 
Notas

[←1]
Mineral vermelho a base de mercúrio.

[←2]
Pelo de cor avermelhado

[←3]

[←4]
Noite de Reis - https://pt.wikipedia.org/wiki/Twelfth_Night

[←5]

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