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Gemma Blackwood
SINOPSE
Lady Cecily era tudo o que Robert esperava que um Balfour fosse:
orgulhosa, obstinada e muita propensa a dizer o que pensava. Ele se dera ao
trabalho de se levantar, cedo para que ela não tivesse que tomar o café da
manhã sozinha, e o que encontrou foi um silêncio sepulcral. Pelo menos
não tinha passado frio à noite. Ele se alegrou de ver que ela estava
perfeitamente saudável; favoravelmente radiante, de fato, apesar das roupas
de servente que usava. Suas próprias coisas ainda não estariam secas por
algumas horas.
Cecily parecia ter a impressão de que ia deixar Scarcliffe Hall no
momento em que terminasse seu café da manhã. Pelo menos, essa era a
única explicação que Robert podia encontrar no fato de que ela empurrava
por sua garganta a torrada num ritmo mais próprio de seus cães de caça no
final de um longo dia de trabalho.
— Se preferir, sinta-se à vontade para pedir ovos e toucinho — disse
suavemente. Nunca tinha visto uma mulher com tanto apetite e ainda assim
possuía uma figura tão esbelta. Esse era outro, ainda mais terrível,
aborrecimento por tomar café da manhã com Cecily. Ontem de noite, tinha
sido açoitada pela chuva e sensível, era uma inocente trêmula que precisava
de seus cuidados. Não é à toa que sentiu o instinto protetor crescer dentro
dele.
Esta manhã, estava limpa, fresca, bem arrumada, e tão encantadora
como uma rosa.
Mesmo em um vestido de algodão que não lhe assentava bem, era
todo um espetáculo para contemplar. Então Robert estava fazendo o
possível para não olhar para ela. Ela era uma Balfour, e uma Balfour não
podia se dar ao luxo de estar bonita sob um teto Hartley.
Cecily não respondeu à sua sugestão, mas pediu ao mordomo ovos
mexidos exatamente como se ela não tivesse ouvido Robert sugerir.
— Acredito que você está bem — disse, finalmente, sentindo que era
apropriado romper o silêncio. Cecily o recompensou com um olhar
penetrante que revelou a cor azul exata de seus olhos.
— Não há necessidade de conversar, meu Lorde. De fato, preferiria
que não o fizesse.
— De verdade?
— Vê — disse Cecily, espalhando manteiga em outra fatia grossa de
torrada. — Não estou realmente aqui.
— Não está aqui? — Robert repetiu, divertido, apesar de tudo. —
Então suponho que estou vendo algum tipo de fantasma?
Cecily arqueou uma sobrancelha perfeitamente esculpida. — Não
existe nenhuma circunstância concebível sob a qual a filha do duque de
Loxwell se encontrasse sozinha em uma casa cheia de cavalheiros. É ainda
menos possível que dois desses cavalheiros sejam Lorde Jonathan Hartley e
seu irmão, o conde de Scarcliffe. Portanto, uma vez que não é possível que
esteja aqui, deduz-se que não estou.
Robert se inclinou e estava a ponto de responder de uma maneira
igualmente ridícula, quando Jonathan entrou bocejando na sala. Claramente
tinha esquecido completamente sua convidada, porque estava
descuidadamente vestido com uma bata de seda azul. Cecily deu um
pequeno “hmph!” E Robert suspirou.
Confie em Hart para lhe dar a pior impressão possível das maneiras
dos Hartley.
— Bom dia, Lady Cecily — disse Hart, não consciente de seu aspecto
desalinhado. — Bom dia, irmão. Você já deu a notícia a ela? — Robert
ainda não havia encontrado o momento adequado para mencionar um fato
que sabia que Cecily acharia extremamente angustiante.
— Que notícia é essa? — Cecily perguntou, voltando seus olhos azuis
afiados sobre ele novamente. Algo em seu olhar enviou uma descarga de
adrenalina atingindo-o em seu peito. Foi muito intrigante.
— Receio que recebemos notícias de que a ponte no caminho de volta
para Loxwell Park foi bloqueada à noite por uma árvore que caiu — disse,
observando cuidadosamente sua resposta. — Não poderei te enviar para
casa em uma carruagem esta manhã.
— Isso não tem importância — disse Cecily, com um elegante
encolhimento de ombros. Robert tentou não notar o movimento
intensamente elegante.
Não teve êxito. — Retornarei por onde vim: caminhando. Há uma
árvore caída que serve para cruzar o rio que atravessa o bosque, até as terras
de meu pai. Deverei ser capaz de voltar pelo caminho que vim.
— Está louca? — Jonathan perguntou, com um grunhido descortês.
— Pode escorregar e quebrar o pescoço atravessando o bosque depois da
tempestade de ontem à noite. Sem mencionar que estará coberta de barro.
— Você pode ser tão cuidadoso com sua aparência que não pode
suportar um pouco de barro — disse Cecily, examinando a bata de Jonathan
com seus olhos.
— Não pretendo ser tão chato.
— Com barro ou sem barro, receio que é impossível — Robert
interrompeu.
— Não escutarei sobre como retorna caminhando através do bosque.
— E eu não vou permitir que me envie para casa em uma carruagem
dos Hartley em plena luz do dia! Apenas pense no que as pessoas dirão!
— Então não se importa com barro, mas se importa com intrigas? —
Perguntou Robert. Os dedos de Cecily ficaram brancos em torno da faca de
geleia.
— Está tentando me convencer a concordar com você, meu Lorde.
Não funcionará.
— Mas não estou fazendo nenhum truque quando digo para você
levar uma carruagem para casa. Hart tem razão, os bosques não são
totalmente seguros, especialmente por todos esses quilômetros que se
encontram entre nós e Loxwell Park. — Devia ter estado fora durante horas
no dia anterior, para chegar até Scarcliffe Hall. Robert se encontrou
relutantemente cedendo a admirá-la. — Se algo acontecesse com você, me
culpariam. Não darei a sua família outra desculpa para manchar o nome
Hartley com rumores maliciosos.
— Não vou permitir que manche meu nome associando-o ao seu! —
Cecily retrucou. — Digo-lhe, não vou andar em sua carruagem.
— Então terá uma longa estadia conosco em Scarcliffe Hall, porque
não permitirei que vá sem ela — disse Robert. Nunca conheceu uma mulher
tão teimosa quanto Cecily. Na verdade, ele não sabia exatamente como iria
impedi-la que fosse, mas não precisava saber disso. A ameaça de retê-la era
suficiente.
Cecily bateu a mão sobre a mesa. — Típico de um Hartley! É tão
prepotente e cabeça de porco como meu pai sempre me advertiu!
— Uau, isso é um pouco mais picante do que eu normalmente gosto
no meu café da manhã. — O Duque de Beaumont entrou na sala em um
estado totalmente oposto ao de Jonathan. Ele, pelo menos, sabia como se
comportar quando as damas estavam presentes. — Bom dia, Lady Cecily.
Não sou um Hartley, então confio que você me permitirá perguntar se
dormiu bem?
— Toleravelmente bem — ela admitiu, dando um breve aceno a
Beaumont.
— Perdoe minha franqueza, Sua Graça. Receio estar rodeada de
inimigos, e devo me defender como posso.
O prato de ovos apareceu no cotovelo de Cecily, e o aceitou com um
repentino sorriso que transformou completamente suas feições. Robert
notou com certa surpresa que tratou o pessoal com mais amabilidade que
aos irmãos Hartley. Portanto, ela não era tão tirânica quanto desejava
aparecer. Ele guardou aquela observação, caso ela se convertesse em algo
útil mais tarde.
— Os três parecem discordar mais do que eu esperaria de um grupo
de vizinhos — comentou Beaumont, tomando um sorvo de café.
— Tenho certeza que ouviu falar de nossa antiga inimizade,
Beaumont — Jonathan perguntou. — É mais do que a delicada
sensibilidade de Lady Cecily pode suportar, compartilhar o mesmo ar com
um par de selvagens como nós.
— Suas palavras, Lorde Jonathan — disse Cecily, com um pequeno e
estreito sorriso.
— Ouvi falar sobre isso, certamente, mas devo dizer que é uma
surpresa ver que continua com tanto entusiasmo na geração atual. —
Beaumont olhou curiosamente de um lado a outro da mesa. — Algum de
vocês sabe por que seus pais se detestam com tanto fervor?
— É obvio que sabemos — disse Cecily. — E não aprecio a
implicação de que não é um assunto sério, Sua Graça. — Ela se dirigiu ao
Duque com uma confiança que beirava a impertinência; a primogenitura do
amado filho único de outro duque. — O marquês de Lilistone e seus filhos
persistem em manter uma odiosa ficção sobre um de meus antepassados.
Até que retirem suas acusações, nenhum Balfour os perdoará.
— Isso é demais! — Robert estalou. — Sabe muito bem que foi
Lorde Thomas Balfour cujas vis ações arrastaram o nome de sua família
pela lama!
— Paz, paz! — Exclamou Beaumont. — Não pensei que entraria em
um vespeiro. Nunca ouvi falar de Lorde Thomas Balfour.
— Está morto — Cecily fungou, delicadamente pegando o garfo
cheio de ovos.
— Era meu tio avô, e sua reputação tem sido caluniada injustamente
pela família de Lorde Scarcliffe desde dia em que morreu.
— Não estou de acordo com Lady Cecily — disse Robert, incapaz de
ocultar a condescendência em sua voz. — Beaumont, o fato é que, quando
meu pai era um menino, Lorde Thomas Balfour sequestrou uma jovem da
família Hartley -minha tia avó, de fato. A única coisa que a salvou da ruína
absoluta foi o fato de que ele morreu em um acidente de carruagem quando
se foi com ela.
Cecily havia ficado extremamente pálida, mas, a seu favor, manteve
plena posse de si mesma. — Não me sentarei tranquilamente e escutarei
estas mentiras sobre minha família — disse. Robert encolheu os ombros.
— Então sugiro que se retire para seu dormitório, minha lady.
Cecily ficou de pé. Beaumont, sempre pacificador, a empurrou de
volta. — Dê à dama a oportunidade de responder, Scarcliffe! É justo.
Cecily se recusou a se sentar de novo, mas olhou para Robert e
Jonathan, como se tivessem sabotado pessoalmente a carruagem de seu tio
avô. — A triste verdade, Sua Graça, é que Lady Letitia Hartley era uma
rameira comum que fugiu com um pintor, desonrando sua família. Quando
Lorde Thomas morreu, o falecido Marquês de Lilistone considerou
apropriado salvar a reputação de sua família, acusando-o do
desaparecimento de Lady Letitia. A dor e o estresse de tudo isso enviaram
meu bisavô a uma morte prematura! Nenhum Balfour que mereça a pena
poderia esquecê-lo, e certamente eu não o farei.
— Duas histórias diferentes, de fato — Beaumont resmungou. — Não
podem estar ambas corretas.
— Não são — disse Cecily. — Os Hartley estão equivocados. Sempre
estiveram e sabem disso! E ainda assim se negam a redimir a memória de
um homem morto há muito tempo!
— Se esse for o tipo de tolices que o duque de Loxwell esteve
metendo em sua cabeça, não é de admirar que tenha se perdido no bosque
— Jonathan suspirou. Ele poderia afetá-la com aquele ar de desprezo como
ninguém na terra. Robert fez uma careta ao escutá-lo.
— Hart! Lady Cecily é nossa convidada!
— E já tive bastante de sua hospitalidade — disse Cecily, pálida e
tremendo. Fez uma breve reverência para Beaumont. — Com licença, Sua
Graça.
— Bom dia, cavalheiros.
— Já basta, Hart — disse Robert, depois que ela se retirou. — Não
tinha por que lhe falar tão asperamente.
— Áspero? Eu? — Jonathan assumiu uma expressão de inocência
ferida. Quando isso não impressionou Robert, simplesmente riu. — Vamos,
Robert. É uma Balfour. Se ela não quer aceitar os esqueletos em seu
armário da família, isso é com dela.
— Balfour ou não, não quero que fale assim com ela novamente —
disse Robert severamente.
Parte dele queria ir atrás de Cecily e ver que estava bem, mesmo
sabendo que tais esforços seriam mal recebidos. Estava sozinha na casa dos
inimigos de seu pai e em perigo de uma ruína total, afinal. Mesmo que ela
não demonstrasse - ele tinha a sensação de que preferia morrer antes de
fazê-lo - devia estar assustada.
Robert de repente se sentiu envergonhado da forma como se
comportou com ela. Esse era o tipo de homem que era? Um bom anfitrião
para seus amigos cavalheiros, e um bruto para uma mulher perdida? —
Perdi o apetite — disse, e empurrou sua cadeira.
Antes de decidir se seguia Cecily ou não, a porta da sala de café da
manhã foi aberta por um de seus lacaios. Esperando a volta de Cecily,
Robert correu para a porta, colocando em seu rosto a viva imagem da
reconciliação.
— O Marquês de Lilistone — anunciou o lacaio, detendo Robert em
seu caminho.
O que estava fazendo seu pai em Scarcliffe Hall? O que Marquês faria
quando descobrisse Lady Cecily?
5
O rio Lox não era particularmente largo, mas era profundo. Cecily
experimentou, para sua surpresa, um momento de nervosismo antes de
chutar o garanhão para saltar.
Raramente encontrava um obstáculo que não estivesse feliz de saltar.
Felizmente, o cavalo fez isso com facilidade. De repente, Cecily se
encontrou do outro lado do rio, de volta nas terras de seu pai. Sua
desagradável aventura com os Hartley em Scarcliffe Hall estava
definitivamente terminada. Bom, exceto pelo assunto do cavalo que tinha
levado... emprestado. Cecily não se fazia de iludida. Uma animal como este
era o maior troféu em qualquer estábulo. Sua ausência não passaria
despercebida por muito tempo.
Ainda assim, não foi completamente sua culpa. O conde de Scarcliffe
não podia esperar que ela aguardasse nos estábulos como uma criada cuja
dignidade poderia comprometer à vontade. E quanto ao cavalo, bom, tinha
um rio para cruzar e nenhuma ponte para fazê-lo. Ela necessitava do melhor
animal para dar o salto. — E escolhi bem, não foi? — Cecily murmurou,
esfregando o pescoço do garanhão enquanto se aproximava da enorme casa
velha em Loxwell Park.
Desceu da sela com facilidade e deu as rédeas a um moço que
esperava. — Cuida dele. É meu... é um empréstimo.
— Cecily! — Gritou sua mãe, correndo em sua direção. — Cecily!
Onde demônios esteve?!
Cecily foi sufocada por beijos. — Não se preocupe, mãe. Passei a
noite em um pavilhão de caça, isso é tudo. — Sua mãe soluçou em seu
ombro a tal ponto que Cecily achou excessivo. Só tinha estado fora uma
noite.
— Cecily! — Seu pai chegou, correndo pelas escadas, um momento
atrás da duquesa. — Graças ao Deus que está viva! Meus homens te
procuram a noite toda!
Ela notou ironicamente que seu pai não tinha pensado em enviar um
mensageiro a Scarcliffe Hall. A ideia de que estivesse lá era completamente
inconcebível. Foi sábia em manter em segredo sua verdadeira aventura. —
Há um pequeno pavilhão de caça no fundo do bosque de Scarcliffe que
evidentemente não encontraram, papai. Estou muito bem. Não havia
necessidade de se preocupar.
— Senhor Willett! — Seu pai chamou por cima de seu ombro o
mordomo. — Envie ao oficial! Lady Cecily foi encontrada sã e salva!
— E onde encontrou aquela horrível besta? — Perguntou sua mãe,
olhando o garanhão com medo. — Realmente, Ceci, parece muito grande
para você.
— Nenhum cavalo é suficiente para mim, mamãe. Deveria saber. —
A alegria de Cecily mascarava seu pânico. Ainda não tinha pensado em
uma desculpa para o cavalo.
— Esse é garanhão do doutor. — Lady Jemima Stanhope estava na
sala dos Balfours, apoiada na grande porta de Loxwell House com um ar de
total inocência que, Cecily sabia que, invariavelmente, significava que
estava tramando algo.
— Do doutor Hawkins? — Repetiu a duquesa, olhando de Cecily para
Jemima, confusa. Jemima desceu as escadas em ritmo lento.
— Naturalmente. Embora ele tenha me dito que o cavalo não era
adequado para ele, e queria se desfazer dele o mais rápido possível. Eu o vi
outro dia, quando conheci a senhorita Anna Hawkins na cidade — Olhou
Cecily de maneira significativa. — Que bom que encontrara o bom doutor
no bosque, e ele lhe emprestara o cavalo para que pudesse voltar para casa o
mais rápido possível e salvar seus queridos pais desses momentos
angustiantes.
— Jemima, é muito inteligente — disse Cecily, dando um suspiro de
alívio. — Isso é precisamente o que ocorreu.
— O doutor também lhe emprestou uma muda de roupa, Cecily? —
Perguntou sua mãe, olhando com espanto mal dissimulado o vestido de
servente que tinha tomado emprestado. Ela riu ligeiramente.
— Oh, que engraçado, não! Minha roupa se arruinou com a chuva,
mas felizmente encontrei estas coisas velhas em uma cômoda no pavilhão
de caça.
— Não pode ter sido um de meus pavilhões — disse o duque
desconfiado. — Cecily, minha querida menina, deve ter caminhado até
muito longe ontem.
— Acho que sim, papai.
— Temo que pôde ter se aventurado... — O duque baixou a voz. —
Nas terras dos Hartley. — O nariz dele enrugou. — Esses homens são
precisamente do tipo que precisam manter roupas de mulheres à mão em
seus refúgios de caça.
— Por que demônios fariam isso, papai? — Cecily perguntou, toda
inocente com os olhos abertos. Dentro de seu peito, seu coração pulsava
dolorosamente. Seu pai havia chegado muito perto da verdade para seu
gosto.
— Honestamente — queixou-se sua mãe. — Não vamos falar dessas
coisas! Agora, Cecily, deixe-me levá-la para cima. precisa de um banho
quente e algo para comer. Oh, minha pobre menina! Receio que este seja o
final de suas aventuras solitárias. Se não pode ser responsável o suficiente
para voltar para casa de noite, não poderei suportar que siga vagando
sozinha pelo campo.
— Mamãe! Isso é injusto! — Cecily procurou a ajuda da Jemima. Ela
costumava estar perto como uma rota de fuga rápida para qualquer regra
que o Duque e a Duquesa pretendessem lhe impor, mas só encontrou com
um encolher de ombros impotente. Supôs que seus pais deviam estar muito
angustiados quando não retornou para casa. Entretanto, a ideia de ficar
confinada em Loxwell House exceto com sua companheira não convinha
absolutamente a Cecily.
Permitiam-lhe tão poucas liberdades, como filha de um duque. Tirar
suas caminhadas por suas terras seria realmente insuportável.
— Seria melhor não reclamar demais — disse Jemima, mais tarde,
quando Cecily estava sentada comodamente em um banho quente. Tinha
aproximado uma cadeira a seu lado para ajudá-la a lavar o cabelo. Se ela
notou que o cabelo de Cecily estava muito mais limpo do que se esperaria
depois de uma noite escondida sozinha em um pavilhão de caça, não
mencionou. — Sabe como é seu pai. Ele logo esquecerá a nova regra.
Queixar-se só o recordará.
— Ainda não entendo por que tem que ser tão severo comigo —
suspirou Cecily.
— Foi só uma noite, afinal.
As mãos da Jemima pararam enquanto passavam o sabão pelo cabelo
de Cecily. — Seus pais estavam mortos de preocupação. Você nunca perdeu
ninguém, Ceci. Não pode entender o que significa realmente temer por
alguém que ama.
— Oh, Jemima! Sinto muito. — Cecily agarrou sua mão, sem se
preocupar com as bolhas de sabão. — Você também deve ter se preocupado.
— Jemima fez uma careta. Ela não estava acostumada a admitir debilidades
e Cecily sabia.
— Depois do que aconteceu com meu pobre irmão, acho que não
posso ser completamente feliz a menos que saiba que todos que amo estão a
salvo.
— Bom, deixe-me te tranquilizar — disse Cecily com ternura. —
Nunca estive em perigo. — Jemima não ficou impressionada.
— E, no entanto, não era seguro o suficiente para dizer a verdade a
seu pai. Esse cavalo não pertence ao Dr. Hawkins, Ceci. Vi-o antes.
— Oh? — Cecily sabia que não tinha sentido mentir para Jemima. As
duas garotas eram tão próximas como se fossem irmãs.
— O Conde de Scarcliffe não tem nem ideia de quem sou, e, por isso,
não se incomoda em me evitar quando ambos estamos na cidade — disse
Jemima. — Embora não posso afirmar saber tanto sobre cavalos quanto
você, certamente reconheço esse. Vi o conde cavalgando em Loxton a
semana passada.
Cecily suspirou. — Então suponho que você pode imaginar onde
passei a noite.
— Não em Scarcliffe Hall? — Embora estivessem sozinhas, Jemima
não teve coragem de levantar a voz. — Ceci, certamente não...?
— Acredite-me, não tinha outra opção. E não foi tão ruim quanto
poderia ter sido. — Cecily encolheu os ombros, movendo-os mais
profundamente na água morna. — O conde não é o monstro que meu pai
gostaria que acreditássemos.
— Não te fez mal?
— Longe disso. Foi um pouco torpe, talvez. Parecia estar totalmente
entregue a algum tipo de fantasia resgatando uma donzela em apuros.
Jemima sorriu perversamente. — Parece-me que era precisamente o
que estava fazendo.
— Não sou uma garota indefesa de contos de fadas! — Cecily
protestou, salpicando-a um pouco. — Teria estado perfeitamente bem sem a
intervenção de Lorde Robert.
— Ontem à noite vi como estava o clima. Olhei pela janela a noite
toda, de fato, pensando em você apanhada nessa terrível tempestade.
Certamente não teria ficado bem sem ajuda. Só posso agradecer ao céu que
Lorde Robert tenha deixado de lado a inimizade da família por tempo
suficiente para cuidar de você.
— Certamente lhe desagradou muito fazê-lo. — Cecily não conseguiu
esconder sua risada ao pensar no horror que o rosto severo e molhado de
Robert mostrava quando percebeu quem ela era. Tinha que admitir, mesmo
que fosse para si mesma, que havia algo quase emocionante na forma como
ele a tinha envolvido em seus braços. Sem mencionar a onda de emoção
que percorria seu corpo toda vez que via seus escuros olhos. Ele tinha
ficado zangado desde o começo até o fim de seu breve encontro. Ela o
enfureceu, com sua mera presença. Achou a ideia estranhamente atraente.
Jemima estava olhando-a estranhamente. Sabendo que muito pouco
estava escapando da penetrante mente de sua acompanhante, Cecily voltou
sua atenção para enxaguar o sabão dos cabelos.
— Passe-me uma toalha, sim? — A criada as tinha pendurado na
frente do fogo para aquecê-las bem. Apesar de ser um lindo dia de verão,
Cecily desfrutou do calor contra sua pele.
— Há algo mais, não? — Perguntou Jemima, estreitando os olhos
para Cecily.
— Mais? — Perguntou Cecily. — Por que uma noite na casa dos
maiores inimigos de minha família não é suficiente? Não basta ser
apresentada ao Duque de Beaumont com um vestido praticamente
transparente por causa da chuva? Não basta roubar o melhor cavalo do
conde de Scarcliffe? Que outro escândalo você quer dessa excursão,
Jemima? — Ela revirou os olhos. Quer acreditasse ou não, Cecily não
estava disposta a admitir mais do que já tinha feito. Se simplesmente
ignorasse os sentimentos que se moviam dentro de si quando recordava
como Robert a resgatara da chuva, estes acabariam desaparecendo. Não
havia com que se preocupar.
8
Passaram quinze dias do baile e Robert sofria como Cecily, só que ele
não sabia. Nem lhe faria bem escutar que ela correspondia a seus afetos.
Tinha sido criado para cumprir com seu dever e manter sua família acima
de todas as coisas, e se apaixonar por Cecily tornou ambas as coisas
bastante difíceis.
Durante algum tempo, ele se recusou a admitir para si mesmo o
estado de seu próprio coração.
Ele foi à caça e à confusão com Hart, Beaumont e Northmere. Fazia
escandalosas trapaças a todos, venceu todos as partidas de bilhar, caçava
com grande facilidade às aves disparando nelas com indiferença. Era um
solteiro sem laços.
E estava começando a odiá-lo.
O verão em Scarcliffe Hall tinha sido pensado como um paraíso
isolado cheio de prazeres rurais. Agora, ele descobriu que cada momento
era ofuscado pela lembrança de um único beijo. Um beijo! O que era um
beijo para ele? Afinal, já tinha obtido mais do que lhe correspondia nisto.
Mas nada o afetara tanto quanto Cecily. Nem sua paixão por sua razão
o abalou tão eficazmente.
— Converteu-se em um amargurado, Robert — disse Hart um dia
enquanto tomavam o café da manhã calmamente. Esse era um grande
comentário, vindo dele. — Espero que não esteja levando muito mal a
presença do pai. Ele ainda não está bem o suficiente para viajar, sabe disso.
Ele nos deixará em paz assim que puder.
— Você nem pode imaginar as imposições que meu pai me tem feito
ultimamente, Hart — respondeu Robert entre dentes, sem fazer nada para
dissipar seu miasma de amargura. — Porque, se não fosse por ele…
Se não fosse por esse maldito baile, ele nunca teria beijado Cecily.
Seu desfrute da vida não teria sido tão grandemente alterado. Tudo seria
como era antes.
Chega! Ele não podia se arrepender desse beijo nem por um
momento. Ele se sentia como um bebê que tinha nascido no inverno, e via o
verão pela primeira vez. O ar parecia mais frio, o verde das folhas era mais
profundo, e o sol mais quente. O mundo era horrível, dolorosamente mais
brilhante, e tudo graças a Cecily e seu maldito e irresistível sorriso. Tinha
que fazer algo. Devia fazer algo.
Quando Robert decidiu agir, se sentiu significativamente melhor. Não
era o tipo de homem que se sentava para lamentar seus próprios infortúnios.
Foi feito para realizar grandes proezas e façanhas atrevidas. Sim, desejava
Cecily, que assim seja. Agiria de acordo.
Este foi o impulso que o levou a esgueirar-se com sigilo pelos
arbustos localizados nos fundos de Loxwell House uma noite, após o pôr do
sol.
Robert seria o primeiro a admitir que não era conhecido por pensar
primeiro e agir depois. Era o homem que quase tinha arruinado sua irmã,
disparando em seu prometido em um duelo, depois de tudo. Portanto, não
lhe surpreendeu que as dificuldades que ameaçavam seu plano de encontrar
Cecily só se apresentassem depois que ele já havia embarcado nele. Como
era de esperar, o primeiro problema foi que não tinha ideia de qual das
muitas janelas de Loxwell House pertencia ao seu objeto de desejo.
Robert se escondeu atrás de sebes altas e virou o pescoço para ter uma
melhor visão da casa. Algumas luzes nas janelas estavam acesas. Aqueles
no térreo e no sótão seriam os dormitórios dos criados. Teve a sorte de que
todas as persianas estarem fechadas.
Na ala leste da casa, a luz das velas brilhava através das cortinas
transparentes.
Que tipo de cortinas Cecily teria em seu dormitório?
Esta era a primeira vez que Robert pensava tanto em cortinas, e não
achou a experiência animadora.
No lado oeste do edifício, outras duas janelas estavam iluminadas.
Uma tinha vistas para um pequeno balcão com hera. A outra tinha vasos de
barro com flores. Robert estreitou os olhos. Flores silvestres. Parecia tão
provável que fosse a janela de Cecily como qualquer outra.
Com cautela, se agachou e pegou uma pedra. Tinha que ser do
tamanho adequado. Nem tão pequena para passar despercebida, nem tão
grande para quebrar o vidro.
Jogou na janela com as flores silvestres. Não foi à toa que seus
amigos o chamavam de melhor atirador da Inglaterra. A pedra atingiu o
centro do vidro.
Robert esperou atrás da sebe, prendendo a respiração.
Uma sombra passou pela janela, e abriram as cortinas.
Uma cabeça feminina apareceu. Uma cabeça loira.
Robert se escondeu atrás do arbusto. Jemima estava olhando
desconfiada para o jardim abaixo de sua janela.
— Se por acaso houvesse um cavalheiro lá fora esta noite, —
anunciou, finalmente — deve saber que a janela de Cecily é a do balcão.
O som de uma janela sendo fechada com firmeza foi ouvido.
Robert saiu silenciosamente de trás do arbusto e correu para a casa. A
hera que crescia até o balcão parecia ser bastante resistente. Devia ser.
Pôs uma mão em uma pedra e agarrou um ramo de hera com a outra,
e começou a subir. Foi mais fácil do que tinha imaginado.
Suas botas lhe eram de pouca utilidade enquanto seguia subindo cada
vez mais alto, entretanto, ajudava-se usando os cantos e recantos que
encontrava naquele lado da parede da velha casa. Agarrou outro ramo de
hera, agradecido por ser mais grosso. O balcão já estava quase ao seu
alcance…
Quanto Robert estendeu a mão para agarrar no corrimão do balcão, a
hera que o sustentava começou a se desprender da parede. Ele começou a se
agitar no vazio, procurando com as mãos algo para se agarrar.
Foi assim que ele caiu sem parar, atingindo o chão com um baque
surdo que tirou todo o ar de seu corpo.
Robert piscou, completamente aturdido. Tentou ficar em pé, seguro de
que alguém havia ouvido a queda, mas descobriu que não podia fazer mais
do que tentar mover os braços e as pernas. O mundo caía sobre ele.
— É você!
Com um pouco de esforço, Robert se concentrou no balcão. Mais
especificamente, no pequeno O de surpresa que os lábios de Cecily fizeram
enquanto estava lá, olhando-o fixamente.
— O que estava fazendo? — Exigiu. Talvez fosse pelo impacto que
lhe provocou a queda, mas Robert não sabia dizer se ela estava contente ou
furiosa de vê-lo. — Espera aí! Não se mova! Vou até você.
Robert se recuperou o suficiente para se apoiar sobre um cotovelo
enquanto Cecily corria descalça pelo gramado. Ele assumiu a pose mais
casual que foi possível, mostrando-se acima de tudo como se ele tivesse
escolhido deitar no canteiro sob a janela de Cecily.
Ela se ajoelhou a seu lado. — Perdeu o juízo?
— Possivelmente. — Robert estava quase certo de que nada estava
quebrado, mas, a julgar pela preocupação de Cecily, não era tão óbvio para
ela que escapou ileso. Ficou de pé. Cecily saltou sobre ele, pondo as duas
mãos nele para mantê-lo firme.
— Vá com calma — ela respirou. — Não se apresse.
Robert pegou sua mão onde tocava seu peito. — Estou bem. Não há
necessidade de ficar tão alarmada.
— Alarmada? — A outra mão de Cecily lhe deu uma palmada quase
dolorosa no braço.
— Exatamente que parte de encontrar um homem subindo até a janela
de meu dormitório à noite não tinha a intenção de me alarmar?
— Admito, foi pouco convencional. — Robert sentiu-se um pouco
enjoado após sua queda. — Tinha que vê-la de novo.
— Poderia ter me feito uma visita matutina como qualquer outro
cavalheiro!
— Sabe tão bem quanto eu que me teriam rechaçado na porta.
Os olhos de Cecily se abrandaram. — Não será minha culpa. Nem
tampouco sua.
Meu pai… — Ela se virou. Ele se alegrou disso. Não suportava ver a
dor em seu rosto. — Falei com meu pai, mas não há esperança. Disse-me
que era meu dever te odiar.
Robert percebeu que ainda estava com a mão entrelaçada com a de
Cecily. Ela não estava usando luvas. De fato, estava cada vez mais
consciente de que ela estava vestida com nada além de uma longa camisola
branca.
— Odeia-me? — Perguntou, sentindo sua boca secar subitamente.
Cecily não respondeu. — Seria uma grande traição para sua família se você
me dissesse quais são seus sentimentos?
— Não é que eu não tenha coragem de responder. É simplesmente
que não sei o que te dizer. — Ela arrancou sua mão da dele, apertando o
punho em frustração. — Estou tão confusa!
— Talvez eu possa esclarecer as coisas para você. — Robert pegou
sua mão outra vez e a acariciou gentilmente, e, antes de que pudesse
realmente pensar no que estava fazendo, ficou de joelhos.
— Tinha razão — exclamou Cecily. — Perdeu o juízo.
— Não. Em vez disso, diga que encontrei a única coisa neste mundo
que realmente faz algum sentido. — Robert apertou sua mão contra seus
lábios. Sua pele era cálida. — Lady Cecily, me faria a honra...
— Não me pergunte isso!
Ele olhou em seus olhos, grandes e brilhantes como duas safiras no
escuro. — Não posso parar agora. Negar meus sentimentos por você
exigiria mais força do que há dentro de mim.
Cecily também caiu de joelhos, sem lhe importar que o barro
manchasse sua camisola, e pôs uma mão em sua bochecha. — Se me
perguntar, ambos estaremos arruinados — sussurrou.
— Case comigo.
— Não. — Mas tudo nela - o aperto de sua mão, a adoração nos
olhos, o tremor nos lábios entreabertos - dizia que sim.
Robert não desviou o olhar. Teve a repentina e vertiginosa sensação
de que esse era o momento mais importante de sua vida. Cecily poderia
destruir suas esperanças ou lhe fazer feliz para sempre. Tudo dependia do
que escolhesse dizer a seguir. — Não estou enganado. Sei que sente algo
por mim, Cecily.
Ela fechou os olhos em agonia. — Se pudesse fazer você entender a
profundidade dos meus sentimentos, talvez me deixasse em paz.
— Case comigo.
— Não posso! — Cecily se afastou dele e ficou de pé. Robert
levantou-se e a agarrou pelo pulso antes que ela pudesse fugir. No momento
em que a tocou, Cecily abandonou sua ideia de escapar e tornou-se suave,
flexível, disposta deixar-se ir em seus braços e ser beijada profundamente.
— Nossas famílias vão se destruir uma à outra — protestou. Robert a
beijou. Em pouco tempo, os braços de Cecily o envolveram novamente,
aproximando-o enquanto ela tentava sussurrar novos protestos. Seus lábios
percorreram por seu pescoço fino até que seus sussurros se tornaram
suspiros de deleite. — Vai se safar dessa, — disse-lhe, mantendo seu corpo
perto do dela. Podia sentir cada centímetro do seu corpo doce, e isto o fazia
esquecer com muita facilidade o risco de ser descoberto. Era tudo o que
podia fazer para não prendê-la contra a parede e deixar que sua paixão o
levasse longe. — Não me casarei com você até que nossas famílias se
reconciliem.
Cecily o olhou com tanta confiança que Robert quase se arrependeu
de suas palavras. Não tinha nenhum plano para solucionar a inimizade de
seus pais. Tudo que sabia era que deixar Cecily sem nenhuma esperança
para o futuro seria uma dor tão grande que não poderia suportar.
— Parece uma situação impossível — disse. — Mas uma vez pensei
que era impossível para mim ter a oportunidade de me casar com o homem
que desejava… e, entretanto…
— E, entretanto, aqui estamos.
— Se trabalharmos juntos, tenho certeza de que encontraremos uma
maneira de reunir as nossas famílias novamente — disse Cecily. — O
duque de Beaumont tinha razão. Nossos pais contam duas histórias opostas
de como nossos antepassados se feriram uns aos outros. Não podem ser
verdadeiras. Devemos trabalhar para descobrir o que realmente aconteceu, e
provar o melhor que pudermos.
— Então, tudo o que precisa é que a família que esteja errada peça
desculpas a outra, e o assunto será resolvido. — Ao ouvir as folhas
farfalharem no jardim, ela olhou com temor.
— Não há ninguém lá — disse Robert, virando seu rosto para ele para
lhe dar outro beijo.
Cecily se conteve. — É muito perigoso que fique aqui. Deve ir.
— Quando vou te ver outra vez?
— No meio do bosque de Scarcliffe, no lado do rio de meu pai, há um
carvalho velho que está em uma clareira. É apenas um curto caminho ao
norte pela ponte. Conhece-o?
Robert não pôde deixar de sorrir. — Não sou tão audaz como você,
minha Cecily. Nunca antes me atrevi a invadir a terra de Balfour. Mas o
encontrarei.
— Amanhã, então… ou, na sua ausência, quando o sol estiver
brilhando. Encontrar-me-ei lá ao meio dia.
— E posso te escrever?
Os olhos do Cecily se estreitaram. — Pode me escrever assim que eu
aceitar sua oferta de matrimônio. Não antes.
Robert a aproximou mais, de modo que cada curva de seu corpo
pressionou contra ele, deliciosamente nítido através do tecido fino de sua
camisola. — Não tinha me dado conta de que estávamos fazendo isto de
uma maneira original.
— Bruto! — Cecily choramingou, mas ela estava rindo - e por trás da
risada, havia algo mais em seus olhos. Uma faísca de desejo que não tinha
visto antes, mas que tinha a intenção de acender até convertê-la em uma
chama. — Deixe-me ir!
— É isso o que realmente quer?
Os dedos de Cecily se enroscaram em seus cabelos enquanto ficava
nas pontas dos pés para dar um beijo casto em seus lábios. — Até amanhã,
sim. Realmente quero que vá. Que retorne com segurança a Scarcliffe Hall.
Não estarei satisfeita até saber que se foi.
— E eu não estarei satisfeito até ver você novamente.
Cecily suspirou, seus olhos esvoaçando no que Robert passou a
reconhecer como uma característica de sua felicidade.
— Vá embora! Tudo em mim quer que fique, mas deve ir antes que
alguém nos descubra.
Quando Robert a deixou, ele sentiu um estranho puxão dentro de seu
peito. A metade de seu coração ficou nos braços de Cecily. — Espera! —
Ela gritou, enquanto ele se voltava para a escuridão do bosque mais à frente
do jardim. Robert olhou para trás.
— Deve ter isso — disse Cecily, tirando um anel de seu dedo e
colocando-o em sua mão.
Robert olhou-o à luz da lua. Era um selo Balfour com rubis gêmeos.
— Eu deveria estar lhe dando um anel — comentou, prestes a devolvê-lo.—
Não o contrário.
— É o símbolo da minha confiança em você — insistiu Cecily,
negando-se a aceitá-lo de volta. — Quando encontrei esse anel, pensei que
provava que era meu inimigo.
Agora, sei que não é assim. Guarda-o, e não me esqueça.
— Como se eu pudesse te esquecer! — Robert colocou o anel em seu
dedo mindinho.
Teria que encontrar alguma maneira secreta de usá-lo. Talvez, em
uma corrente em volta do pescoço. Sim. Era o correto ter o emblema do
afeto de Cecily pendurado ao lado de seu coração.
— No velho carvalho — prometeu-lhe. — Ao norte do bosque pela
ponte. Amanhã. Ao meio dia.
— Estará lá?
— Nada poderia me induzir a falhar com você.
Cecily deu-lhe um último beijo e se virou para desaparecer de volta
para casa.
Robert seguiu seu exemplo, e correu de retorno ao bosque tão rápido
como o sigilo lhe permitia, onde Thunder continuava amarrado a uma
árvore.
Sentia-se tão enjoado pela alegria que se perguntou se sua cabeça
tinha recebido um golpe quando caiu do balcão.
Cecily era dele. Bom, talvez não desejasse admiti-lo. Podia fazer
tantos protestos sobre esperar quanto quisesse. Mas o tinha renomado como
o homem que ela desejava. Desejava-o tanto quanto ele a ela.
Enquanto Robert deixava que Thunder seguisse com cuidado o
caminho através do escuro bosque, manteve em sua mão o anel, apertando-
o com força contra o peito. Esse anel era agora sua posse mais preciosa.
Um lugar que logo seria usurpado pela própria Cecily.
15
Ainda era cedo, no que dizia respeito ao seu grupo de amigos, quando
Robert retornou pelo imponente caminho do bosque sobre as amplas costas
de Thunder. Não esperava que ninguém saísse da casa antes do meio da
tarde, depois de passar um dia intenso na mesa de bilhar na noite anterior.
Por isso, ficou surpreso quando Hart apareceu diante de seu cavalo,
que mal conseguiu puxar as rédeas a tempo.
— Bom dia, Hart — disse agradavelmente. — Saí para dar uma volta,
mas não tenho nenhuma objeção de permanecer aqui fora se quiser se unir a
mim.
— É um bom dia para isso — disse Jonathan, passando a mão pelas
rédeas de Thunder. Robert não gostou do tom de sua voz, muito menos que
outro homem controlasse a cabeça de seu cavalo.
Como Hart parecia inclinado a falar, Robert desceu de seu cavalo para
se encontrar na frente dele.
— No que está pensando?
— Somente na direção de onde você veio, irmão.
— O bosque de Scarcliffe é tanto minha terra como do duque de
Loxwell, Hart.
— Ah. — A mandíbula de Hart se apertou. — Não queria ser o
primeiro a mencionar a família Balfour, mas já que...
— Não sei o que está insinuando — disse Robert, dando um passo à
frente e obrigando Hart a soltar as rédeas e recuar. — E não tenho certeza se
quero saber. Vamos, voltaremos para casa juntos.
— Não acho que você quer que papai ouça o que tenho para lhe dizer.
Hart era um pouco mais baixo e muito mais magro que Robert. Tinha
herdado a constituição esbelta e elegante de sua mãe, enquanto que Robert
era, em geral, igual seu pai.
Robert nunca tinha intimidado seu irmão mais novo, mas isso não
significava que gostasse da ideia de ter uma briga.
— Está vendo coisas que simplesmente não existem — disse, e fez
Thunder seguir pelo caminho.
Hart saltou diante dele e bateu no peito de Robert com a palma da
mão — Como pode trair nossa família assim? — Para assombro de Robert,
a voz de Hart tremia de raiva. — Sempre me ensinou que lealdade e família
são tudo. E agora escapule para Loxwell Park para pular com essa… essa...
— Cuidado com o que diz, Hart — advertiu Robert, incapaz de
suportar a ideia de Cecily ser insultada. — Tenha muito cuidado.
— Essa Balfour — cuspiu Hart. — Sei que foi atrás dela na noite do
baile de máscaras. Que tipo de enfeitiço lançou sobre você?
— Tome cuidado como fala dela!
— Falarei como quiser da prostituta que o duque de Loxwell tem por
filha.
A mão de Robert se levantou por vontade própria. Apertou o punho, e
teve que fazer um grande esforço para se conter e não golpear o rosto de
Jonathan.
— Você vai me bater, Robert? — Hart perguntou, sem sequer tremer.
Não parecia zangado tanto quanto estava ferido. Robert suspirou e abaixou
o punho.
— Essa foi uma advertência, Hart. Não me tente.
Para sua surpresa, Jonathan respondeu empurrando-o no peito com
força. Ao perder o equilíbrio, Robert deu um passo para trás, agarrando-se
às ancas de Thunder para se manter em pé.
— Diga-me que a arruinaste — exigiu Hart. — Diga-me que o pai te
meteu nisso. Diga-me que tudo o que quer fazer é seduzi-la e desonrá-la.
Robert sabia que podia golpear seu irmão com um único murro, mas
não estava preparado para deixar a raiva tomar conta dele. Agarrou a
Jonathan pelos braços, obrigando-o a parar.
— Neste momento, — gritou — a honra de Cecily significa muito
mais para mim que sua bonita cara, Hart. Tome cuidado com o que diz.
Jonathan grunhiu de raiva e incapaz de se soltar das mãos de Robert,
baixou sua cabeça e avançou para frente para atingi-lo no nariz. Robert se
agachou bem a tempo e, soltou Jonathan que tropeçou pela rapidez do
movimento. Levantou seu punho e o golpeou com força sob o olho
esquerdo.
Jonathan se ajoelhou com um grito de dor. A raiva de Robert
desapareceu. Sabia muito bem que teria reagido da mesma maneira se
tivesse enfrentado a mesma situação há mais de um mês atrás. Odiar os
Balfour era o que fazia um Hartley. Não havia maneira de evitá-lo. Mas
Cecily tinha conseguido mudar tudo isso.
— Está machucado? — Ele perguntou, pondo a mão no ombro de
Jonathan.
Hart o ignorou.
— Você me cegou — gemeu.
— Tolices — Robert se inclinou e tirou a mão de Hart de seu rosto.
— Terá um bom olho roxo, isso é tudo.
— Meu rosto, Robert! Por que teve que me golpear no rosto?
Robert o ajudou a ficar de pé. — Fica tranquilo. Acalme-se. — Pôs
um dos braços de Hart ao redor de seus ombros e tomou as rédeas de
Thunder com sua outra mão, caminhando lentamente pelo caminho que
conduzia até a casa.
— Diremos a papai que Thunder o atirou contra uma árvore.
Jonathan não respondeu. Por um momento, Robert pensou que era
simplesmente porque estava zangado. Então, seguindo o olhar de seu irmão,
viu que o anel pendurado em sua corrente tinha escapado durante a briga
por baixo da camisa.
Parou de caminhar.
Hart estendeu a mão e olhou o anel com bons olhos. Girou o anel para
que o selo dos Balfour brilhasse com a luz do sol. — Diga-me que não está
apaixonado, irmão.
— Não é assunto seu.
— Se não sentir nada por ela, isto será uma boa sorte.
Robert agarrou o anel e o colocou de volta debaixo da camisa, onde o
sentiu frio e pesado contra sua pele. — O que diz?
— Pensa no que o pai poderia fazer à reputação do Duque com esse
anel!
— Isso só se puser suas mãos nele, coisa que não fará — disse
Robert. — Não tenho medo de escurecer seu outro olho.
— E não tenho medo de levar uma surra. Diga a papai o que tem
feito, Robert. Ele entenderá, desde que seja honesto. Não será o primeiro
em ter a cabeça transtornada por uma garota bonita, mas agora… agora que
tem seu anel…
— Não posso, Hart — suspirou Robert. — Não é isso o que pretendo
fazer. De fato, é exatamente o contrário. E se você se opuser a isso, temo
que não me deterei perante nada para me vingar. Essa é uma promessa que
não quero cumprir.
Hart se afastou, tocando seu olho esquerdo com cautela. Já estava
ficando roxo.
— Então está apaixonado — disse categoricamente.
— Assim é.
— Sinto muito não sentir simpatia por você. — Hart balançou a
cabeça com cansaço.
— O amor é para pessoas comuns, Robert. As grandes famílias têm
coisas melhores para fazer com seu tempo. Já esqueceu o quão perto nossa
irmã esteve de ficar arruinada, e tudo por culpa dessa tola fantasia chamada
amor?
— Nem sempre pensou que era tão ruim — recordou-lhe Robert.
O rosto de Hart mudou. — Sei melhor que ninguém como o amor
pode destroçar um homem — disse sombriamente.
— Então, não deixará que a mesma desgraça caia sobre minha cabeça
— insistiu Robert. — Não diga a papai.
Hart pôs seu braço em volta do ombro de Robert. — Não o farei.
— Obrigado, Hart. — A respiração de Robert se acalmou. Ele estalou
a língua para Thunder e voltou para a casa.
— Não é porque tenho medo de brigar com você.
— Nem em sonhos pensaria.
— É porque vai me dar seu melhor rifle de caça.
Robert se deteve em seco. O rifle em questão era uma arma belamente
feita de ferro cinza, aço e nogueira inglesa polida, encrustada com um
delicado desenho em arame prateado. Era uma de suas posses mais
apreciadas.
— Não pode estar falando sério!
— Muito sério. — Hart fez uma careta, embora seu olho roxo deve ter
doído muito. — Vamos, Robert, O que é mais importante... o rifle, ou a
honra de Lady Cecily? Não pode ter os dois.
Robert gemeu. — É um homem cruel, Hart.
— Tenho uma cabeça prática sobre meus ombros. O que é mais do
que posso dizer no seu caso.
— Muito bem. O rifle é seu.
Eles subiram por uma ladeira e Scarcliffe Hall apareceu diante deles
em toda sua majestade.
— Realmente quer fazer dessa mulher a Senhora de Scarcliffe Hall —
disse Jonathan, com um suspiro teatral.
— Para você, “essa” é lady Cecily.
— “Essa” será minha nova e mais querida irmã, e será um castigo.
Assumindo que planeja se casar com ela — Hart lançou-lhe um olhar
questionável. — Que demônios espera obter com isto, Robert? Sabe
perfeitamente que o Duque preferiria vê-la fugir com um bandoleiro do que
dar a você. E quanto a pai…
— Deixe isso comigo, Hart — disse Robert, com um ar de confiança
que sabia que era tão irritante quanto injustificado. — Será uma pequena
vingança de nós pelo...
— Amor verdadeiro? — Hart terminou para ele. — Você me deixa
doente. — Baixou a voz quando se aproximaram da entrada, como se as
pedras pudessem escutar. — Isto não me agrada, Robert. Há uma boa razão
para que os Balfour tenha sido nossos inimigos durante todos estes anos.
— Confie em mim — disse Robert. — Confie em mim, e eu vou
acabar com isso.
Só desejava poder estar tão seguro quanto soava. Não tinha nem ideia
do que faria para persuadir seu pai e o de Cecily a deixarem para trás seu
antigo ódio. Hart tinha razão ao pensar que era uma situação impossível.
Mas Hart não tinha o benefício que Robert tinha, que era ver sua
situação através da brilhante e esperançosa luz do amor.
Encontraria uma maneira. Embora apenas fosse porque sentia que
murcharia e morreria se não o fizesse, encontraria uma maneira de se casar
com Cecily.
17
— Então, papai — disse Cecily, lutando para evitar que seus dedos
brincassem nervosamente com uma mecha de seu cabelo — este ódio
lamentável entre nossa família e os Hartley não foi causado por nenhum
delito por parte de ninguém. Tinha suas raízes no amor - verdadeiro amor.
As sobrancelhas espessas do duque se baixaram enquanto olhava do
retrato de lady Letitia para o anel que Cecily segurava para ele. Cecily, de
pé orgulhosa, mas ansiosa diante da imponente escrivaninha no escritório
de seu pai, sentiu a forma com que seu mordomo deve fazê-lo
apresentando-lhe figuras de suas propriedades que não atendiam às suas
expectativas. Seria elogiada por seus esforços ou culpada por seu resultado?
— Deixe-me ver esse anel — disse o duque. Ele segurou-o contra a
luz, examinando-o de todos os ângulos. — Boa graça!
— Há algo errado?
— Não vejo isso desde que era menino. Era uma vez uma das
principais joias da família Balfour, que usualmente usava o segundo filho,
como um sinal do amor de seu pai. Faz parte de nossa família há gerações,
antes que se perdesse…
— No acidente de carruagem de Lorde Thomas — Cecily terminou
para ele. — Mas agora sabemos, papai, que o anel não se perdeu
absolutamente, mas ele entregou a Lady Letitia Hartley.
O duque saiu de sua mesa para examinar a pintura mais de perto. —
Suponho que a dama parece estar usando um anel com rubis gêmeos —
admitiu.
— O senhor Clearwell me assegurou que o anel também levava o
brasão do Balfour.
— Eu não daria muita importância à palavra desse homem, Ceci. Sua
reputação está entre as piores do condado.
— Essa reputação e baseada em nada mais que os rumores iniciados
por seu próprio avô — insistiu Cecily. Virou-se para sua mãe, que tinha
assistido até o momento em silêncio. — Diga-lhe mamãe!
— Está em uma melhor posição para persuadi-lo do que eu, querida
— disse a duquesa. — Você conversou com o Sr. Clearwell, e eu não.
Embora tenho que dizer que da minha parte, acredito em cada palavra de
sua história. Está tão intimamente entrelaçada com eventos como os
entendemos, e é uma explicação muito mais convincente que a acusações
de sequestro e maldades que estiveram ocorrendo por todos estes anos.
O duque grunhiu e acariciou o queixo. — Não, não, não! — ladrou,
fazendo que ambas as damas saltassem. — Há muito aqui que ainda não
entendo. O que lhe permitiu colocar todo este esforço em resolver uma
inimizade que existia desde antes de você nascer? E onde exatamente
encontrou o anel Balfour, quando se perdeu durante anos? — Ele sacudiu
um dedo severo para Cecily. — Está tramando algo, jovem. Outro de seus
planos! Bom, já decidi. Não serei tão facilmente convencido como antes.
Exijo a verdade de você, Ceci, em geral e a verdade completa.
— Até que o tenha, não há dúvida de que reconsidere nossas relações
com esses malditos Hartley.
— Não fale mal do nome Hartley, papai — disse Cecily, aproveitando
toda sua coragem. — É um nome que tenho a intenção de levar ao altar em
breve.
Tinha esperado raiva, confusão, decepção: o duque era conhecido pela
violência de seu temperamento quando o deixava livre.
Cecily se surpreendeu, portanto, ao ver o rosto de seu pai enrugar não
com fúria, mas com alegria. Soltou uma risada estrondosa. — Um Hartley!
Minha filha, um Hartley! É demais, Ceci, inclusive para você, demais!
— Não ria de mim, papai — disse, cada vez mais insegura de si
mesma. — Estou falando sério.
O duque sacudiu a cabeça e secou os olhos lacrimejantes. — Sem
dúvida viu o conde ou seu irmão passar por Loxton em uma de suas lindas
carruagens e sonhou com um pouco de amor para você! Minha menina, é
bastante natural na sua idade. As mulheres jovens são propensas a este tipo
de tolices. Todos meus amigos com filhas dizem o mesmo.
A duquesa, notando o constrangimento de Cecily, falou com
severidade. — Seus amigos, que pensam que são tão sábios, poderiam ouvir
melhor suas filhas, em vez de rir delas!
— Mas, querida, — disse o duque, com os ombros ainda tremendo
alegremente. — É a tolice mais absurda que escutei em minha vida! Que
deixe minha única filha imaginar um vínculo entre ela e um... um Hartley !
Qual é, Ceci? Quem devo saudar como meu novo filho? O mais velho ou o
mais jovem? Ouvi que o mais velho é o melhor atirador da Inglaterra, e teve
uma grande oportunidade de demonstrar sua valia no campo de duelo,
através de sua ousadia imprudente Hartley! Talvez seja o mais jovem.
Temperamento mais doce?
— O conde de Scarcliffe — disse Cecily com rigidez. — E garanto
que seu temperamento me convém exatamente como é.
A risada do duque se afogou em silêncio. — Tome cuidado, Ceci.
Pela forma com que fala, parece quase como se estivesse familiarizada com
Lorde Robert.
— Estamos muito familiarizados — disse Cecily primordialmente. —
Conhecemo-nos há umas semanas, na noite em que me perdi no bosque e
terminei em Scarcliffe Hall.
— Fez o quê?
— Lorde Robert foi bom o suficientemente para cuidar de mim, e
desde esse dia, nossa afeição só cresceu. Papai, ele pediu que me case com
ele, e farei isso com ou sem sua permissão.
O rosto do duque ficou vermelho escuro pouco saudável enquanto
falava. — É assim que te criei para se comportar? Passar a noite em lugares
estranhos sem sequer uma acompanhante? E exigir que eu deixe você se
casar com o primeiro homem que te pergunte?
— Vamos, papai — disse Cecily. — Não é o primeiro. Sua proposta é
simplesmente a única que pensei que vale a pena considerar.
— Não pense me distrair da gravidade de seu comportamento! —
Gritou seu pai, as veias se sobressaíam em seu pescoço. Sua antiga alegria
só arrojou sua raiva a um alívio mais agudo. — Traiu nossa família! Lançou
nosso bom nome na lama!
— Nossa família é tão culpada do mal quanto os Hartley! — Cecily
respondeu bruscamente. — Seu próprio avô arruinou Lady Letitia em
vingança pela morte de Lorde Thomas! Não pode negar!
— Era o que mereciam…
— Então mereço a ruína tanto quanto ela — disse Cecily, e lhe
estendeu a mão. — Por favor, me devolva o anel, papai. O dei de presente a
Robert, tal como seu tio uma vez o deu para a tia avó de Robert. Se não vai
abençoar nosso matrimônio, simplesmente esperarei até meu vigésimo
primeiro aniversário. Não está tão longe agora. Menos de um ano, e vou pôr
fim a esta tola rivalidade com minha própria mão.
— Vai custar muito lidar com isso, minha menina, quando lhe
mantiverem trancada nesta casa! — O duque passou a mão trêmula sobre
sua frente. Cecily percebeu que não era tanto a raiva, mas a dor que o
alimentava. — Minha única filha! Minha Cecily!
— Papai, não me perderá — disse Cecily, dando um passo cauteloso
para ele. — Apenas pense! Scarcliffe Hall está tão perto! Pense em como
seria diferente se me casasse com um cavalheiro de Yorkshire, ou talvez
Cornwall! Quando for condessa de Scarcliffe, nos veremos todos os dias, se
desejar.
— Não tenho medo de perder você, minha filha — disse o duque,
falando mais brandamente. — A maior felicidade de um pai é ver sua filha
forjando uma vida própria. Mas ele, Ceci, qualquer um menos ele, rogo-lhe
isso.
Cecily sacudiu a cabeça. — É muito tarde, papai. Já está feito.
Estamos apaixonados.
O duque olhou o anel que ainda segurava. Esfregou o polegar sobre a
superfície salpicada de rubis. — Tantos anos de ódio — murmurou.
Cecily gentilmente colocou a mão sobre a dele e retirou o anel. —
Eles acabarão em breve.
O duque olhou sua esposa, que lhe deu um aceno silencioso. Ele se
virou para Cecily, suspirou e lhe deu um tenro beijo na testa. — Este
Hartley, este Lorde Robert, é um homem melhor do que diz sua reputação?
— Acho que sua reputação não é tão ruim como imagina — disse
Cecily, contendo um sorriso. — Não há um homem no país que não se sinta
tentado a adular o duque de Loxwell arrastando o nome de seu inimigo pela
lama, afinal.
— Espero que tenha razão. — O duque se sentou atrás de sua mesa,
apoiando os dois cotovelos sobre ela. — Até hoje, Ceci, nunca me deu
motivos para desconfiar de seu julgamento. Irei com o Marquês de Lilistone
e lhe apresentarei as provas que me deu. Afinal, ainda é possível curar as
velhas feridas.
— Oh! Papai! De verdade está falando sério?
O duque esfregou a testa com uma careta irônica. — Não há nada que
eu não faria para assegurar sua felicidade, Ceci.
Cecily beijou o pai nas duas bochechas, deixando-o com o rosto
vermelho e murmurando algo sobre estas garotas e seus caprichos, e
rogando que o deixassem em paz para reunir seus pensamentos e escrever
para o marquês. A duquesa saiu da sala com um suave sorriso de satisfação
em seu rosto, e Cecily a seguiu. Colocou o anel Balfour no quarto dedo de
sua mão esquerda, onde estaria seguro até que pudesse entregá-lo a Robert.
Pertencia agora às duas famílias, tanto a sua como a dela. Uma vez o
símbolo de um amor condenado, logo se converteria no sinal de esperança,
paz e, acima de tudo, reconciliação.
25
[←1]
A dopo: Até mais tarde/ As vejo depois/ As vejo mais tarde.