Você está na página 1de 230

DADOS DE COPYRIGHT

SOBRE A OBRA PRESENTE:


A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e
seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura. É
expressamente proibida e totalmente repudiável a venda,
aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

SOBRE A EQUIPE LE LIVROS:


O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de
dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
LeLivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros
apresentados neste LINK.

"Quando o mundo estiver


unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
A Paixão Secreta do Conde

Escândalos de Scarcliffe Hall I

Gemma Blackwood
 
 
SINOPSE

Duas famílias em guerra. Um amor proibido.

Lady Cecily Balfour sempre foi ensinada que os homens de Hartley


são loucos, maus e perigosos. Quando conhece Robert Hartley, conde de
Scarcliffe, faz algumas adições a essa lista: teimoso. Irritante. Lindo.
Encantador. Tentador.
A sociedade espera que Cecily faça um matrimônio vantajoso da
escolha de seu pai. O que pode fazer agora que sua própria escolha é um
homem que é expressamente proibido de ver?
O conde de Scarcliffe gosta de caçar, beber, bilhar e ser solteiro. O
amor não está em sua lista de requisitos. Especialmente para uma mulher
com uma veia obstinada de uma milha de largura e uma inclinação para
cavalgar em seu garanhão favorito. E se essa mesma mulher é uma Balfour?
De maneira nenhuma!
Mas resulta que Cecily tem um par de chamativos olhos azuis, um
gosto por aventura e um senso de humor agudo.
Isto significa que o coração de Robert corre tanto perigo quanto sua
cabeça se eles forem apanhados juntos.
Quando Robert e Cecily desafiam suas poderosas famílias por amor, o
que terão que sacrificar em troca?
 
 
1

Floresta de Scarcliffe, Inglaterra, 1820

Lady Cecily Balfour estava perdida, embora nada no mundo a


obrigasse a admiti-lo.
Encontrava-se completamente perdida, acrescentando a humilhação
que sofria por causa de uma tempestade repentina.
Isto era simplesmente muito! Ela explorava o bosque de Scarcliffe
desde que era uma menina. Por que se voltava contra ela agora? Oh, havia
algumas áreas do bosque onde ela sabia não devia se aventurar... mas como
poderia alguém evitar de escolher o caminho mais bonito em uma cálida
tarde de agosto?
Agora, que o sol estava se pondo e Cecily tinha estado dando voltas
pelo bosque, tinha a terrível suspeita de que se aventurou a cruzar a
fronteira para as terras dos Hartley.
Nenhum membro da família Balfour deveria ser visto vagando pelo
imóvel da família Hartley, Scarcliffe. As duas famílias, embora vizinhas,
eram os inimigos mais notórios da Inglaterra. A inimizade tinha durado
várias gerações, alimentada por desajustes sociais, rumores desumanos e os
desafios ao orgulho masculino que eram o combustível que alimentavam as
chamas da hostilidade na alta sociedade. Não havia um único membro da
aristocracia que não estivesse de acordo em que os Hartley e os Balfours
deveriam manter-se separados a todo custo.
E agora se encontrava invadindo o lado dos Hartley do bosque de
Scarcliffe justo quando as primeiras gotas grossas de chuva caíam do céu.
Agarrou suas saias para evitar que se manchassem de barro e
começou a correr da cobertura de uma árvore a outra. Certamente haveria
algum lugar próximo onde pudesse se refugiar? Um pavilhão de caça,
possivelmente? Uma cabana de queimadores de carvão? Os Hartleys não
podiam ser tão selvagens a ponto de ficarem sem comodidades materiais
enquanto exploravam suas terras.
A chuva rapidamente se transformou de uma garoa em um aguaceiro.
Cecily desistiu de proteger sua roupa e deixou que suas saias pendurassem
frouxas. Não usava nada particularmente fino, só um vestido de dia de
musselina branca e algodão fino e uma jaqueta verde pálida. Suas botas
eram exatamente o contrário das sapatilhas de cores da moda para crianças
ou meia botas de cetim; eram de couro negro, práticas, o que necessitava
para passear pelo campo. Ela se sentiu um pouco incômoda ao supor que, se
alguém a visse nesse estado de desalinho, nunca adivinhariam que era a
única filha do duque de Loxwell.
Cecily nunca quis nada e, como consequência, esbanjava muito
poucos pensamentos em roupa fina e joias. As atividades que mais gostava
requeriam roupa mais resistente, e, quando não estava dedicada ao tedioso
negócio de caçar um marido em Londres, isso era exatamente o que
escolhia usar.
O conhecimento de que ela não estava danificando nada fino foi de
muito pouco alívio quando a chuva encharcou seu vestido e o pregou a suas
pernas. Se pelo menos tivesse escutado o conselho de sua mãe e tivesse
pegado um casaco! A fina musselina estava ficando quase indecente por
causa da umidade.
Um oco nas árvores à sua frente a impulsionou a avançar, com a
esperança de encontrar uma clareira com pelo menos um esconderijo para
observar pássaros. Sua surpresa foi enorme quando, ao sair de debaixo das
árvores descobriu a vasta extensão de céu, nublado e descendo e, para
cúmulo, a própria residência Scarcliffe no topo de uma subida com um
gramado perfeito a uma curta distância.
— Maldição!
A última coisa que precisava era ser vista por alguém da desprezível
família Hartley nesse estado. Se tivesse sorte, nem sequer estariam em casa.
A ruptura entre as duas famílias era tal que Cecily não fazia ideia de com
que frequência os habitantes de Scarcliffe estavam na residência. A
principal propriedade da família Hartley estava no marquesado de Lilistone,
alguns quilômetros ao norte, mas Scarcliffe Hall era o lar tradicional do
conde de Scarcliffe, o filho mais velho do marquês. Se tivesse o bom gosto
de passar o verão no campo, Scarcliffe Hall seria o lugar ideal para ficar.
Cecily procurou um lugar para se refugiar. Do outro lado do belo
gramado, viu uma pequena casinha que parecia ser uma opção razoável. Só
esperava que a porta estivesse aberta, para que pudesse pelo menos sair da
chuva até que a tempestade passasse. Um breve olhar ao céu sombrio lhe
disse que havia poucas esperanças de que isso passasse logo, mas que era
um problema que precisava ser resolvido uma vez que estivesse na
cobertura.
Voltou a levantar as saias e correu para a casinha, estremecendo
enquanto a chuva fria caía por suas costas. Os raios vibraram no céu. Ela
contou cinco segundos antes de que fosse seguido pelos rugidos dos
trovões. As tempestades de verão sempre foram as mais perigosas; de
repente, apareciam através de um céu azul claro, trazendo vento suficiente
para derrubar um carvalho antigo.
Seus dedos estavam quase dormentes enquanto lutava com a
maçaneta da porta da pequena casinha. Quando não abriu, a princípio não
tinha certeza se era apenas porque suas luvas escorregavam sob a chuva.
Seus dentes começaram a bater. Olhou nervosa em direção a Scarcliffe Hall.
Bom, se tivesse que morrer congelada à vista de um refúgio simplesmente
para manter o orgulho de sua família, que assim seja. Seu pai sempre a
advertiu que os homens da família Hartley eram bestas selvagens e que as
mulheres também não eram confiáveis, e Cecily não adorava nada no
mundo tanto quanto seu pai. Sua palavra era suficiente para fazer que o
assombroso Hall parecesse uma guarida de horrores.
Ela arrancou uma forquilha da cabeça, soltando uma mecha de cabelo
castanho, e começou a tentar a forçar a fechadura. Se um ladrão comum
podia fazer isso, afinal, por que não a filha do duque de Loxwell?
Cecily estava tão absorta em sua tarefa que nem percebeu que, a meio
caminho da extensão de grama que havia entre ela e Scarcliffe Hall, uma
figura de ombros largos corria em sua direção, com as mangas da camisa
enroladas até o cotovelo, protegido apenas por uma capa escura sobre sua
cabeça que o vento açoitava atrás dele.
 
 
2

— Um bom tiro, Scarcliffe — disse o duque de Beaumont, com


relutância, olhando para a mesa de bilhar com uma expressão de desgosto.
Robert Hartley, conde de Scarcliffe, deu-lhe um sorriso brilhante e se
inclinou para apontar mais uma vez.
— Não seja amargo, Beaumont.
— Quem não seria, depois do desagradável truque com o qual está
jogando? — Perguntou o irmão de Robert, Lorde Jonathan Hartley, que
estava deitado no tapete em frente ao fogo com os pés em uma cadeira,
fingindo ler.
Os olhos de Beaumont se estreitaram. — Que truque é esse, Hart?
Jonathan rodou de bruços para deixar o fogo aquecê-lo
uniformemente.
— Se você não percebeu, Beaumont, é porque seu cérebro deve estar
mais confuso com o brandy do que pensava. O fato é que meu querido
irmão esteve perdendo deliberadamente no bilhar toda vez que você está
nesta sala há mais de um ano, com a única intenção de te sangrar este verão.
— Isso é verdade, Scarcliffe? — Beaumont exigiu, dirigindo-se a
Robert com fogo nos olhos. Robert embolsou outra bola e encolheu os
ombros com indiferença.
— Apostou por vontade própria, Beaumont.
— É sua culpa — Jonathan disse preguiçosamente, fechando os olhos
no calor. — Todo mundo sabe que Robert é um grande atirador.
— Pensei que isso se aplicava apenas à caça! — Protestou Beaumont.
Houve aplausos satisfatórios da mesa quanto Robert embolsou sua bola
final.
— Assim é o jogo, Beaumont. Pagamento.
— É muito injusto de sua parte não ter falado antes, Hart, — grunhiu
o Duque, entregando seu dinheiro a Robert. Jonathan abriu um olho,
irritado.
— A maldição do filho mais novo ataca de novo. Devo sempre ser
culpado pelos pecados de meu irmão? Nenhum de vocês sabe o que sofro.
— Sim, Scarcliffe — interrompeu o quarto membro da pequena festa,
que estava bebendo um grande gole de brandy em uma poltrona no canto.
Ralph Morton, barão de Northmere, era um notório defensor da justiça.
Outros cavalheiros achavam divertido e admirável. — Acho que deve uma
desculpa a Beaumont.
— Pelo contrário, — objetou Robert, vendo que não havia
necessidade de ser cortês na vitória — é Hart quem deve se desculpar
comigo. Tinha a intenção de manter o ardil até pelo menos setembro.
— Não sou tão ingênuo com tudo isso, Scarcliffe!
— Isso ainda precisa ser visto, Beaumont. — Robert embolsou seus
lucros e começou a recolher as bolas de bilhar mais uma vez. — Interessado
em uma revanche? Dobro ou nada?
— Eu gostaria de me retirar com pelo menos parte de minha
dignidade intacta, — disse Beaumont, dirigindo-se ao armário de bebidas.
— Para não dizer com um pouco de dinheiro em minha carteira até o
inverno.
Robert riu alegremente. O duque de Beaumont tinha uma fortuna tão
insondável que era difícil acreditar que alguns truques na mesa de bilhar lhe
causassem danos.
— Northmere, então? — Sugeriu, lançando o taco para o barão, que o
agarrou habilmente com apenas um olhar para seu brandy.
— Sem dinheiro, Scarcliffe. Não sou idiota — Northmere fez uma
careta enquanto um trovão pareceu sacudir Scarcliffe Hall até seus
alicerces. — Uau, o tempo está piorando.
— Estará muito lamacento para caçar amanhã — suspirou Jonathan,
deixando cair sua cabeça sobre seu livro e renunciando a toda pretensão de
ler.
— Só se for um dandy que não pode suportar ter suas botas
enlameadas, Hart — disse Robert, sabendo muito bem que seu irmão
tomava tanto cuidado em sua aparência que nada o induziria a sair até que
os caminhos estivessem secos.
— Olhe esse raio! — Disse Beaumont, caminhando para a janela. —
Prometeu-nos um verão de esporte e bom tempo, Scarcliffe. Como chama
isso?
— A mãe natureza enchendo o lago de pesca é como o chamo —
disse Robert, juntando-se a ele para contemplar o bosque sacudido pela
tempestade que ficava além dos jardins de Scarcliffe Hall. — Atrevo-me a
dizer que será capaz de pescar, Beaumont, mesmo que não possa me vencer
no bilhar.
— Não acredito que seja capaz de me induzir a fazer outra aposta
neste verão, Scarcliffe — grunhiu o Duque. Ele foi pegar a cadeira vazia de
Northmere e encher sua taça de brandy. — Mais alguém quer beber?
— Nada para mim. — A temporada de caça acabava de começar.
Robert pretendia caçar na manhã seguinte, independente de o céu estar
limpo ou não, e queria ter a cabeça clara para isso. Talvez estivesse muito
orgulhoso de sua reputação como brilhante atirador, e queria mantê-la.
O clima externo era certamente impressionante. Robert sentiu um
arrepio de alegria ao ver as mantas cinzentas da chuva açoitar sobre as
árvores. Scarcliffe Hall e suas exuberantes propriedades eram a joia da
coroa das posses de seu pai. Houve um tempo em que a família Hartley a
tinha convertido em sua residência principal, mas a proximidade com seus
inimigos os tinha afastado durante as últimas gerações. Convinha muito a
Robert ter seu pai, o marquês, afastado de Scarcliffe Hall. Ele pode não ter
herdado ainda, mas era seu próprio dono.
Hart podia queixar-se tudo o que quisesse sobre a difícil situação de
ser um filho mais novo, mas nunca aspirou a muito mais do que descansar e
vadiar nas mesas de jogo. Robert, por outro lado, era conde de Scarcliffe, e
levava sua posição muito a sério.
Um raio rasgou o céu sobre o bosque do Scarcliffe. Robert sentiu uma
súbita vontade de sair correndo e abrir seus braços para o céu que se
derramava. Uma boa tempestade, particularmente aquelas violentas e
incongruentes que abriam o coração do verão quente, sempre o enchia de
uma sensação de antecipação, quase de desejo. A sensação de que, quando a
chuva se dissipasse, o mundo seria revelado de novo, e cheio com mais
maravilhas do que tinha sonhado.
Enquanto o trovão seguia o raio, o olho de Robert captou um pequeno
movimento na borda das árvores.
— Vou tomar o primeiro turno se não se importar.
— Adiante — disse Robert, entrecerrando os olhos na janela. Era real,
ou simplesmente uma miragem provocada pelo clima inclemente? Poderia
jurar que viu um brilho de musselina branca correndo por suas terras. A
figura vestida de branco chegou ao abrigo onde o jardineiro principal
guardava suas ferramentas.
Isso, agora era inconfundivelmente como ela, começou a puxar a
porta. Robert não tinha nenhuma dúvida de que estava fechada.
— Hart, tem sua capa à mão? — Perguntou. Jonathan tinha o hábito
de jogar suas coisas nos móveis cada vez que entrava em uma sala, e as
deixava onde caíam.
— Não vai acreditar nisso, mas há uma mulher lá fora, na tempestade.
— Está bem, Scarcliffe, não siga com suas tolices — Beaumont o
advertiu. — Todos juramos ter um verão só para solteiros. Não permitirei
que force uma amante sob falsas pretensões.
— Pelo amor de Deus, homem, deve estar ensopada! — Robert pulou
para pegar a capa de Jonathan, a urgência da situação o atingiu com pressa.
— Não podemos deixá-la lá fora para pegar sua morte!
— Tem razão — disse Northmere, aparecendo pela janela. — Parece
que há uma mulher tentando entrar em uma de suas dependências.
— Que diabos? — Perguntou Hart. — De onde veio? — Apontou um
dedo acusador para Northmere. — Não pegou uma garota do povoado, não
é? Sei o que faz quando pensa que pode sair com a sua.
— Eu não! — Protestou Northmere. Enquanto isso, Robert tinha
forçado suas botas de novo em seus pés.
— Já vejo, vai bancar o herói — comentou Hart, enquanto Robert saía
correndo da sala.
— Chamam a vocês mesmos cavalheiros! — Gritou. — E deixam
uma mulher congelar até a morte!
Não parou para escutar as respostas que estavam gritando, mas correu
pelo corredor e abriu uma porta lateral. Permitiu-se só um momento de
vacilação antes de mergulhar na chuva.
Quem na terra seria tão tolo para sair em uma noite tão miserável
como esta? Além disso, por que não veio à casa a procura de refúgio?
Robert sabia que sua multidão de amigos solteiros poderia não
parecer a perspectiva mais atraente para uma garota de campo apanhada em
uma tempestade, mas a sua reputação era tão ruim assim?
A resposta ficou clara enquanto corria, com um braço estendido para
manter o equilíbrio, caso escorregasse na grama lamacenta, e o outro
segurando a capa de seu irmão para manter o pior da chuva longe de sua
cabeça. A mulher de pé, encharcada e tremendo, no mísero refúgio da
pequena casinha não era outra senão Lady Cecily Balfour. Ele já a vira
antes, é obvio, embora nunca se rebaixou para procurar uma apresentação.
Mesmo se ele estivesse tão inclinado, por causa de sua beleza
inconsiderável, ele não tinha ilusões de que o aceitaria como um conhecido.
A garota era uma Balfour e, portanto, estava muito abaixo nas
preocupações de Robert. Só o fato, de que estava bastante seguro que, em
seu estado atual, estava a ponto de contrair uma pneumonia, lhe impediu
que se virasse e voltasse de novo para casa. Isso, e o fato de que não podia
negar o apelo de resgatar heroicamente uma bela donzela em apuros,
inclusive se ela fosse apenas uma Balfour.
Robert tinha seu orgulho ― alguns diriam que possuía muito ― e foi
principalmente isso que o levou a correr para o lado de Cecily, jogando sua
capa sobre seus ombros, e a abraçando.
— Não se preocupe — disse, enquanto mais trovões abundavam
sobre suas cabeças. — Tê-la-ei salvo e seca em instantes.
Esperava um suspiro de alívio, um grito de gratidão, um colapso
feminino contra seu ombro forte. Agora que o rosto de Cecily estava perto
do seu, podia apreciar completamente o quão delicada e bonita ela era,
mesmo com a chuva gotejando da ponta de seu nariz. O que não previu foi
o golpe de um punho em seu ombro, tão inesperadamente forte que
cambaleou até cair sobre um joelho, e o grito de: — Canalha sujo! Exijo
que me solte imediatamente!
 
3

Normalmente, Cecily não tinha ocasiões onde tivesse que chutar ou


gritar, então sentiu um pouco de orgulho de fazê-lo admiravelmente bem no
momento. O homem estranho que a tinha carregado em seus braços como
se fosse uma bagagem velha, tinha um aperto tão diabolicamente forte que
seria necessário um pouco de esforço para rompê-lo.
Deu-lhe um bom golpe no ombro, fazendo-o cambalear um pouco, e
tentou que os chutes dados com suas botas atingisse seu peito.
— Deixe-me ir de uma vez! — Gritou, sua indignação apenas
aumentando quando ele começou a levá-la para casa. — Quem pensa que é
para me maltratar assim?
— Sou o Conde de Scarcliffe — respondeu o homem enquanto
cerrava os dentes.
— E prefiro que não morra em minha propriedade, Lady Cecily.
Seus punhos pararam. Realmente era um homem grande e rude, ela
poderia muito bem estar golpeando o tronco de uma árvore. — Sabe quem
sou? — Ela perguntou, tentando recuperar seu senso de dignidade, embora
um dos braços do conde a levantasse para seu peito e o outro estava torcido
sob seus joelhos.
— Estou dolorosamente consciente disso — respondeu-lhe.
— Então deve me baixar imediatamente. Nego-me a ser levada a
Scarcliffe Hall!
— Isso é impossível, minha senhora, porque me recuso a deixá-la de
fora na chuva para congelar até a morte. — O conde abriu a porta lateral e
entrou de lado na casa, cuidando de que a cabeça de Cecily não golpeasse
contra o marco da porta.
— A invasão será resolvida mais tarde, quando estiver quente e seca.
— Invasão!
— Como você chamaria isso?
Para surpresa de Cecily, deixou-a cair no chão sem hesitação. Era
tudo o que podia fazer para evitar cair em um monte deselegante a seus pés.
— Estava perdida — retrucou, estendendo uma mão e agarrando seu
ombro para se equilibrar. O homem parecia como uma parede de tijolo. —
Acredite, nada poderia me induzir a entrar voluntariamente na propriedade
dos Hartley.
— Tenha certeza que não terá que suportar isso por muito tempo.
Cecily finalmente pôde ver bem seu sequestrador e socorrista. Sua
imagem mental da família Hartley a levou a esperar um tipo pequeno, nada
favorecido, desagradável e que parecia necessitar de um bom banho.
Seu assombro quando confrontada por um homem alto, de queixo
forte, com fogo nos olhos escuros, foi tão grande que quase perdeu a noção
da sua réplica aguda. Quase.
— Fico feliz de ouvi-lo. Admito que não tenho expectativas sobre a
hospitalidade dos Hartley.
Foi interrompida por uma forte e grosseira maldição atrás dela. Ao se
virar, horrorizou-se ao se ver confrontada por três cavalheiros em vários
estados de dificuldade. O homem da frente, que compartilhava os olhos
escuros e as feições bem formadas do conde, era o que tinha amaldiçoado.
— Robert! — disse, olhando para Cecily como se pudesse apagá-la da
existência com um olhar afiado. — Não sabe quem é?
— Estou perfeitamente consciente disso — disse o conde, ficando
diante de Cecily quando percebeu que a chuva tinha deixado seu vestido
grudado nas pernas de uma maneira vergonhosamente reveladora. Robert
manteve seus olhos firmemente no rosto de Cecily enquanto colocava a
capa ao redor de seus ombros, cobrindo-a por completo.
— Lady Cecily, — disse — eu gostaria de apresentar a Benjamin
Colborne, Duque de Beaumont; Ralph Morton, Barão de Northmere e
finalmente, meu irmão, Lorde Jonathan Hartley.
Os olhos do Cecily estavam arregalados. — Não pode esperar que eu
cumprimente estes cavalheiros neste estado.
Um brilho de diversão sombria iluminou os olhos de Robert. —
Cavalheiros, Lady Cecily não está em exibição nos parques zoológicos. Por
favor, voltem para a sala de bilhar, onde me reunirei com vocês assim que
nossa convidada se instalar.
— Convidada? — Cecily repetiu, horrorizada. — Meu Lorde, se tiver
um traço de decência, me emprestará uma carruagem para ir para casa e
nunca voltará a falar deste encontro!
— Sou perfeitamente decente — Robert respondeu friamente. — Mas
o que pede é impossível. As estradas entre Scarcliffe Hall e Loxwell Park
não estão bem cuidadas, como bem deve saber. Seria extremamente
perigoso percorrê-las com este tempo.
Cecily olhou fixamente para os três cavalheiros que a olhavam com
curiosidade do corredor. — Então, o que propõe?
— Deve passar a noite aqui, é obvio. Não temos muitas comodidades
femininas, mas minha governanta será absolutamente capaz de fazer
tolerável a casa.
— Não! — Cecily estava começando a entrar em pânico, mas estava
orgulhosa de que sua voz soasse severa e confiante. Robert levantou uma
sobrancelha.
— Não?
— O que sugere é completamente impossível. — Cecily cruzou seus
braços sob a capa, desejando não estar tremendo tão violentamente. — Se
acha que eu, a filha do duque de Loxwell, sofrerei por estar sob o teto da
família Hartley em companhia de quatro estranhos cavalheiros, deve estar
louco. Se alguém descobrir que passei a noite aqui, estarei totalmente
arruinada.
— Então nos encarregaremos de que ninguém se inteire. — Robert
deu um passo para ela, como se pretendesse jogá-la sobre seu ombro e levá-
la, querendo ou não. Cecily deu um passo para trás, encontrando-se presa
contra a parede. — Está meio congelada até a morte — disse. — Vou pedir
um banho quente para você.
— Talvez você tenha que pegar emprestado roupa seca das faxineiras
da cozinha. Não esperávamos hóspedes femininos durante todo este verão.
— Eu não sou sua convidada! — Cecily protestou, embora seus
dentes trêmulos quebrassem as palavras. Robert a ignorou e começou a dar
puxões no sino ao lado da porta com muita força.
— Smith! Onde você está? Smith! — Uma governanta gordinha,
alegre e um pouco confusa rapidamente apareceu.
— Esta é Lady Cecily Balfour — disse Robert com firmeza. O nome
dela rolou entre seus lábios como se fosse um espinho de peixe que tinha
ficado preso entre seus dentes. — Ela ficará aqui esta noite, e você cuidará
bem dela.
— Balfour? — Repetiu a governanta, olhando para Cecily alarmada.
Robert inclinou-se para ela e falou em um sussurro, embora Cecily
captasse suas palavras facilmente. — Estou lhe confiando o segredo de sua
identidade. Lady Cecily está arriscando muito passando a noite aqui, mas
não vejo outra opção. Não podemos nos arriscar que sofra algum dano,
mesmo que seja por sua própria estupidez — disse. — Se ela se resfriar, ou
se sai de entre estas paredes, os Balfours nos culparão e eu culparei você,
Sra. Smith.
— Ora! — Riu a governanta. — Como se eu tivesse deixado alguém
se machucar aos meus cuidados! Siga-me, Lady Cecily. Há uma bela lareira
na cozinha, onde terá que esperar até que seu dormitório esteja preparado.
Diremos aos serventes que é minha sobrinha, que está de visita de Londres.
— A ideia de um bom fogo era muito para que Cecily resistisse.
Deixou que a governanta a guiasse por um corredor passando pela
porta aberta da sala de bilhar com o nariz no ar e a cabeça erguida, e
desceram as escadas até os dormitórios dos serventes. Exatamente o que ela
esperaria de uma casa Hartley sem provisões para os hóspedes, exceto nas
cozinhas!
À medida que avançava, Cecily não pôde evitar o risco de olhar o
homem que a tinha arrancado do coração da tempestade. Para sua surpresa,
ele a estava observando partir. Não com alegria em seus olhos, ou a
crueldade que ela poderia ter pensado encontrar ali, mas com uma
expressão curiosa e pensativa que ela não podia compreender. Então,
quando estava longe, perdida entre o bulício de toalhas, serventes da
cozinha preocupadas e dedos congelados, o funcionamento interno da
mente de Robert Hartley deixou de preocupá-la absolutamente.
 
4

Lady Cecily era tudo o que Robert esperava que um Balfour fosse:
orgulhosa, obstinada e muita propensa a dizer o que pensava. Ele se dera ao
trabalho de se levantar, cedo para que ela não tivesse que tomar o café da
manhã sozinha, e o que encontrou foi um silêncio sepulcral. Pelo menos
não tinha passado frio à noite. Ele se alegrou de ver que ela estava
perfeitamente saudável; favoravelmente radiante, de fato, apesar das roupas
de servente que usava. Suas próprias coisas ainda não estariam secas por
algumas horas.
Cecily parecia ter a impressão de que ia deixar Scarcliffe Hall no
momento em que terminasse seu café da manhã. Pelo menos, essa era a
única explicação que Robert podia encontrar no fato de que ela empurrava
por sua garganta a torrada num ritmo mais próprio de seus cães de caça no
final de um longo dia de trabalho.
— Se preferir, sinta-se à vontade para pedir ovos e toucinho — disse
suavemente. Nunca tinha visto uma mulher com tanto apetite e ainda assim
possuía uma figura tão esbelta. Esse era outro, ainda mais terrível,
aborrecimento por tomar café da manhã com Cecily. Ontem de noite, tinha
sido açoitada pela chuva e sensível, era uma inocente trêmula que precisava
de seus cuidados. Não é à toa que sentiu o instinto protetor crescer dentro
dele.
Esta manhã, estava limpa, fresca, bem arrumada, e tão encantadora
como uma rosa.
Mesmo em um vestido de algodão que não lhe assentava bem, era
todo um espetáculo para contemplar. Então Robert estava fazendo o
possível para não olhar para ela. Ela era uma Balfour, e uma Balfour não
podia se dar ao luxo de estar bonita sob um teto Hartley.
Cecily não respondeu à sua sugestão, mas pediu ao mordomo ovos
mexidos exatamente como se ela não tivesse ouvido Robert sugerir.
— Acredito que você está bem — disse, finalmente, sentindo que era
apropriado romper o silêncio. Cecily o recompensou com um olhar
penetrante que revelou a cor azul exata de seus olhos.
— Não há necessidade de conversar, meu Lorde. De fato, preferiria
que não o fizesse.
— De verdade?
— Vê — disse Cecily, espalhando manteiga em outra fatia grossa de
torrada. — Não estou realmente aqui.
— Não está aqui? — Robert repetiu, divertido, apesar de tudo. —
Então suponho que estou vendo algum tipo de fantasma?
Cecily arqueou uma sobrancelha perfeitamente esculpida. — Não
existe nenhuma circunstância concebível sob a qual a filha do duque de
Loxwell se encontrasse sozinha em uma casa cheia de cavalheiros. É ainda
menos possível que dois desses cavalheiros sejam Lorde Jonathan Hartley e
seu irmão, o conde de Scarcliffe. Portanto, uma vez que não é possível que
esteja aqui, deduz-se que não estou.
Robert se inclinou e estava a ponto de responder de uma maneira
igualmente ridícula, quando Jonathan entrou bocejando na sala. Claramente
tinha esquecido completamente sua convidada, porque estava
descuidadamente vestido com uma bata de seda azul. Cecily deu um
pequeno “hmph!” E Robert suspirou.
Confie em Hart para lhe dar a pior impressão possível das maneiras
dos Hartley.
— Bom dia, Lady Cecily — disse Hart, não consciente de seu aspecto
desalinhado. — Bom dia, irmão. Você já deu a notícia a ela? — Robert
ainda não havia encontrado o momento adequado para mencionar um fato
que sabia que Cecily acharia extremamente angustiante.
— Que notícia é essa? — Cecily perguntou, voltando seus olhos azuis
afiados sobre ele novamente. Algo em seu olhar enviou uma descarga de
adrenalina atingindo-o em seu peito. Foi muito intrigante.
— Receio que recebemos notícias de que a ponte no caminho de volta
para Loxwell Park foi bloqueada à noite por uma árvore que caiu — disse,
observando cuidadosamente sua resposta. — Não poderei te enviar para
casa em uma carruagem esta manhã.
— Isso não tem importância — disse Cecily, com um elegante
encolhimento de ombros. Robert tentou não notar o movimento
intensamente elegante.
Não teve êxito. — Retornarei por onde vim: caminhando. Há uma
árvore caída que serve para cruzar o rio que atravessa o bosque, até as terras
de meu pai. Deverei ser capaz de voltar pelo caminho que vim.
— Está louca? — Jonathan perguntou, com um grunhido descortês.
— Pode escorregar e quebrar o pescoço atravessando o bosque depois da
tempestade de ontem à noite. Sem mencionar que estará coberta de barro.
— Você pode ser tão cuidadoso com sua aparência que não pode
suportar um pouco de barro — disse Cecily, examinando a bata de Jonathan
com seus olhos.
— Não pretendo ser tão chato.
— Com barro ou sem barro, receio que é impossível — Robert
interrompeu.
— Não escutarei sobre como retorna caminhando através do bosque.
— E eu não vou permitir que me envie para casa em uma carruagem
dos Hartley em plena luz do dia! Apenas pense no que as pessoas dirão!
— Então não se importa com barro, mas se importa com intrigas? —
Perguntou Robert. Os dedos de Cecily ficaram brancos em torno da faca de
geleia.
— Está tentando me convencer a concordar com você, meu Lorde.
Não funcionará.
— Mas não estou fazendo nenhum truque quando digo para você
levar uma carruagem para casa. Hart tem razão, os bosques não são
totalmente seguros, especialmente por todos esses quilômetros que se
encontram entre nós e Loxwell Park. — Devia ter estado fora durante horas
no dia anterior, para chegar até Scarcliffe Hall. Robert se encontrou
relutantemente cedendo a admirá-la. — Se algo acontecesse com você, me
culpariam. Não darei a sua família outra desculpa para manchar o nome
Hartley com rumores maliciosos.
— Não vou permitir que manche meu nome associando-o ao seu! —
Cecily retrucou. — Digo-lhe, não vou andar em sua carruagem.
— Então terá uma longa estadia conosco em Scarcliffe Hall, porque
não permitirei que vá sem ela — disse Robert. Nunca conheceu uma mulher
tão teimosa quanto Cecily. Na verdade, ele não sabia exatamente como iria
impedi-la que fosse, mas não precisava saber disso. A ameaça de retê-la era
suficiente.
Cecily bateu a mão sobre a mesa. — Típico de um Hartley! É tão
prepotente e cabeça de porco como meu pai sempre me advertiu!
— Uau, isso é um pouco mais picante do que eu normalmente gosto
no meu café da manhã. — O Duque de Beaumont entrou na sala em um
estado totalmente oposto ao de Jonathan. Ele, pelo menos, sabia como se
comportar quando as damas estavam presentes. — Bom dia, Lady Cecily.
Não sou um Hartley, então confio que você me permitirá perguntar se
dormiu bem?
— Toleravelmente bem — ela admitiu, dando um breve aceno a
Beaumont.
— Perdoe minha franqueza, Sua Graça. Receio estar rodeada de
inimigos, e devo me defender como posso.
O prato de ovos apareceu no cotovelo de Cecily, e o aceitou com um
repentino sorriso que transformou completamente suas feições. Robert
notou com certa surpresa que tratou o pessoal com mais amabilidade que
aos irmãos Hartley. Portanto, ela não era tão tirânica quanto desejava
aparecer. Ele guardou aquela observação, caso ela se convertesse em algo
útil mais tarde.
— Os três parecem discordar mais do que eu esperaria de um grupo
de vizinhos — comentou Beaumont, tomando um sorvo de café.
— Tenho certeza que ouviu falar de nossa antiga inimizade,
Beaumont — Jonathan perguntou. — É mais do que a delicada
sensibilidade de Lady Cecily pode suportar, compartilhar o mesmo ar com
um par de selvagens como nós.
— Suas palavras, Lorde Jonathan — disse Cecily, com um pequeno e
estreito sorriso.
— Ouvi falar sobre isso, certamente, mas devo dizer que é uma
surpresa ver que continua com tanto entusiasmo na geração atual. —
Beaumont olhou curiosamente de um lado a outro da mesa. — Algum de
vocês sabe por que seus pais se detestam com tanto fervor?
— É obvio que sabemos — disse Cecily. — E não aprecio a
implicação de que não é um assunto sério, Sua Graça. — Ela se dirigiu ao
Duque com uma confiança que beirava a impertinência; a primogenitura do
amado filho único de outro duque. — O marquês de Lilistone e seus filhos
persistem em manter uma odiosa ficção sobre um de meus antepassados.
Até que retirem suas acusações, nenhum Balfour os perdoará.
— Isso é demais! — Robert estalou. — Sabe muito bem que foi
Lorde Thomas Balfour cujas vis ações arrastaram o nome de sua família
pela lama!
— Paz, paz! — Exclamou Beaumont. — Não pensei que entraria em
um vespeiro. Nunca ouvi falar de Lorde Thomas Balfour.
— Está morto — Cecily fungou, delicadamente pegando o garfo
cheio de ovos.
— Era meu tio avô, e sua reputação tem sido caluniada injustamente
pela família de Lorde Scarcliffe desde dia em que morreu.
— Não estou de acordo com Lady Cecily — disse Robert, incapaz de
ocultar a condescendência em sua voz. — Beaumont, o fato é que, quando
meu pai era um menino, Lorde Thomas Balfour sequestrou uma jovem da
família Hartley -minha tia avó, de fato. A única coisa que a salvou da ruína
absoluta foi o fato de que ele morreu em um acidente de carruagem quando
se foi com ela.
Cecily havia ficado extremamente pálida, mas, a seu favor, manteve
plena posse de si mesma. — Não me sentarei tranquilamente e escutarei
estas mentiras sobre minha família — disse. Robert encolheu os ombros.
— Então sugiro que se retire para seu dormitório, minha lady.
Cecily ficou de pé. Beaumont, sempre pacificador, a empurrou de
volta. — Dê à dama a oportunidade de responder, Scarcliffe! É justo.
Cecily se recusou a se sentar de novo, mas olhou para Robert e
Jonathan, como se tivessem sabotado pessoalmente a carruagem de seu tio
avô. — A triste verdade, Sua Graça, é que Lady Letitia Hartley era uma
rameira comum que fugiu com um pintor, desonrando sua família. Quando
Lorde Thomas morreu, o falecido Marquês de Lilistone considerou
apropriado salvar a reputação de sua família, acusando-o do
desaparecimento de Lady Letitia. A dor e o estresse de tudo isso enviaram
meu bisavô a uma morte prematura! Nenhum Balfour que mereça a pena
poderia esquecê-lo, e certamente eu não o farei.
— Duas histórias diferentes, de fato — Beaumont resmungou. — Não
podem estar ambas corretas.
— Não são — disse Cecily. — Os Hartley estão equivocados. Sempre
estiveram e sabem disso! E ainda assim se negam a redimir a memória de
um homem morto há muito tempo!
— Se esse for o tipo de tolices que o duque de Loxwell esteve
metendo em sua cabeça, não é de admirar que tenha se perdido no bosque
— Jonathan suspirou. Ele poderia afetá-la com aquele ar de desprezo como
ninguém na terra. Robert fez uma careta ao escutá-lo.
— Hart! Lady Cecily é nossa convidada!
— E já tive bastante de sua hospitalidade — disse Cecily, pálida e
tremendo. Fez uma breve reverência para Beaumont. — Com licença, Sua
Graça.
— Bom dia, cavalheiros.
— Já basta, Hart — disse Robert, depois que ela se retirou. — Não
tinha por que lhe falar tão asperamente.
— Áspero? Eu? — Jonathan assumiu uma expressão de inocência
ferida. Quando isso não impressionou Robert, simplesmente riu. — Vamos,
Robert. É uma Balfour. Se ela não quer aceitar os esqueletos em seu
armário da família, isso é com dela.
— Balfour ou não, não quero que fale assim com ela novamente —
disse Robert severamente.
Parte dele queria ir atrás de Cecily e ver que estava bem, mesmo
sabendo que tais esforços seriam mal recebidos. Estava sozinha na casa dos
inimigos de seu pai e em perigo de uma ruína total, afinal. Mesmo que ela
não demonstrasse - ele tinha a sensação de que preferia morrer antes de
fazê-lo - devia estar assustada.
Robert de repente se sentiu envergonhado da forma como se
comportou com ela. Esse era o tipo de homem que era? Um bom anfitrião
para seus amigos cavalheiros, e um bruto para uma mulher perdida? —
Perdi o apetite — disse, e empurrou sua cadeira.
Antes de decidir se seguia Cecily ou não, a porta da sala de café da
manhã foi aberta por um de seus lacaios. Esperando a volta de Cecily,
Robert correu para a porta, colocando em seu rosto a viva imagem da
reconciliação.
— O Marquês de Lilistone — anunciou o lacaio, detendo Robert em
seu caminho.
O que estava fazendo seu pai em Scarcliffe Hall? O que Marquês faria
quando descobrisse Lady Cecily?
 
5

Nunca em toda sua vida tinha conhecido um homem tão prepotente,


desumano e obstinado como Robert Hartley! Retornou para seu dormitório
em um ataque de temperamento que ameaçava ultrapassar os limites de seu
autocontrole.
— Lembre-se de quem você é — sussurrou a si mesma, depois de
fechar a porta do dormitório. — É Lady Cecily Balfour. A filha do duque de
Loxwell. Estes homens Hartley não significam nada para você.
Cecily levantou-se de novo, recusando-se a encostar-se contra a porta
como uma menina assustada, mantendo os monstros afastados, e foi sentar-
se à pequena mesa perto da janela. O dormitório, admitiu a contragosto,
estava mobiliado com encanto, embora em estilo antigo.
Os móveis eram pesados e bem feitos, o tapete no chão tinha um
exuberante estampado em rosa e verde pálido. O aroma familiar de dinheiro
velho estava no ar, inconfundível.
Bom, ninguém nunca tinha afirmado que uma grande fortuna trazia
bom caráter. O conde de Scarcliffe era claramente tão rico quanto
desagradável.
Cecily percebeu, olhando ao redor do dormitório, que não poderia ter
sido mobiliado pelo próprio Robert. As cortinas, embora bem cuidadas,
estavam desbotadas, como se estivessem penduradas no mesmo lugar há
muitos anos. As pinturas na parede - uma natureza morta floral uma cena
pastoral-tinham um ar claramente feminino. Robert tinha uma irmã mais
nova, ela sabia. Era um ano mais nova que Cecily, que, segundo os
rumores, casou-se recentemente com certa pressa.
Mas este dormitório não poderia ter sido dela. Os anos penduravam
muito nele.
Com cuidado, começou a abrir as gavetas da mesa esculpida. Estavam
vazias salvo por uma flor prensada localizada à direita na parte inferior em
um deles.
Isso confirmou. Um homem não manteria uma flor prensada em seu
dormitório. Perguntou-se que mulheres da família Hartley tinham vivido
aqui.
A menos que fosse de uma amante. O pensamento a sacudiu de seus
devaneios, como se um balde de água fria tivesse sido derramado sobre sua
cabeça. Não gostou completamente da ideia de Robert tendo uma amante.
Não combinava com seu caráter. Seu irmão, entretanto -Lorde Jonathan,
aquele a quem chamavam Hart- parecia ser do tipo que usava uma mulher
sem respeitar sua honra.
Cecily estremeceu e de um golpe fechou a gaveta que tinha aberto.
No que estava pensando, bisbilhotando nas gavetas como se pudesse
descobrir um secreto sombrio?
Ela sabia o segredo mais sombrio dos Hartley, e bem, também sabia
que sua família tinha feito o possível para garantir que não fosse um grande
segredo.
Estava tão preocupada com seus pensamentos que quase não percebeu
que um painel na mesa saiu de seu lugar quanto ela fechou a gaveta. A
nervura da madeira estava tão delicadamente combinada que pensou, a
princípio, que a havia quebrado.
Não havia nenhuma união visível entre a mesa e o painel que se
desprendeu. Cecily tocou levemente o painel e descobriu que ele deslizava
para frente e para trás suavemente, sobre corredores azeitados.
Era um compartimento secreto!
Abriu tudo que pôde, sem esperar nada em particular, revelando um
pequeno espaço retangular escondido dentro da parte superior da mesa,
empoeirado e intocado. Um anel estava no centro, como se alguém o tivesse
colocado lá com muito cuidado. Cecily teria fechado o painel e não teria
pensado mais nisso se não fosse pelo fato de que o brasão Balfour estava
estampado no anel.
Tirou-o do compartimento com os dedos trêmulos. Sim. Era
inconfundível. O emblema de sua família, estampado em um anel,
mantinham-no escondido em Scarcliffe Hall. Não parecia o anel de sinete
dela ou o do pai. A ponta estava cravejada de cada lado com dois rubis
vermelhos, uma coisa muito mais fina que um anel usado simplesmente
para selar as cartas. Como chegou ali? Por que estava aqui, em uma casa
dos Hartley? Cecily sentiu um calafrio ao pensar nos problemas que a
família Hartley poderia causar com o acesso a um anel com o selo de seu
pai. Tinham estado escrevendo cartas, supostamente do Duque, e selando-as
com este selo oficial?
Ela não queria pensar nisso. Inclusive pensando nisso, a ideia a enchia
de culpa, como se estivesse traindo a hospitalidade de Robert. E, entretanto,
ele a tinha posto aqui neste dormitório, com o anel escondido em um
compartimento secreto. Ou tinha feito deliberadamente? Estava burlando
dela? Certamente não estava esperando que ela o encontrasse. Cecily
guardou o anel em sua bolsa imediatamente.
A culpa se cravou em seu estômago. Ela se sentiu como uma ladra.
Mas era Robert Hartley quem era o ladrão. Ele, ou qualquer um de
sua família, tinha pegado o anel em primeiro lugar. Não havia uma
explicação razoável para que um anel de sinete Balfour chegasse à posse de
um Hartley. Mesmo que Robert não tivesse conhecimento disso, em algum
momento deve ter tido a intenção de fazer algo errado à sua família. Ela
tinha razão em pegá-lo. Então, por que isso a fez se sentir tão terrível? O
punho que pouco depois golpeou a porta não fez nada para aliviar os nervos
de Cecily. Sentiu o dedo torcer ansiosamente através de uma mecha de seu
cabelo, um hábito que tentava romper desde que era criança.
— Entre — disse, tentando não soar como se tivesse feito algo errado.
Estava esperando a senhora Smith chegar com sua roupa seca, mas deveria
ter esperado o contrário, já que a chamada foi muito firme e masculina para
ser a governanta. — Minha Lady, — disse Robert, o corpo largo bloqueava
qualquer vista do corredor além da porta — peço desculpa pelo
inconveniente, mas não temos muito tempo. — Para horror de Cecily, ele
entrou no dormitório e fechou a porta atrás dele. — Meu pai chegou
inesperadamente a Scarcliffe Hall.
— O Marquês? — Cecily conhecia o marquês de Lilistone apenas por
sua reputação.
Era severo, mal-humorado, intransigente e odiava sua família com
uma paixão igualada apenas pelo ódio de seu pai por dele. — Sabe que
estou aqui?
— Se soubesse, logo te expulsaria dessa casa — disse Robert. Teve a
graça de parecer infeliz. — Temo que não poderei garantir sua segurança se
descobrir você aqui. Hart, Beaumont e Northmere manterão sua presença
em segredo, é o que posso garantir, mas estaria mais tranquilo se não
estivesse na casa.
Cecily encolheu os ombros como se essas intrigas fossem algo
habitual. — Este dormitório está no segundo piso, meu Lorde. Desci por
uma ou duas janelas em minha vida. Não vejo que isso represente um
grande problema.
Viu uma faísca de diversão por trás da sombria expressão de Robert?
— Apesar de sua experiência na área, não vou permitir escalar deste lado da
casa. Quando era criança, consegui quebrar meu braço fazendo
precisamente isso. — Cecily apertou seus lábios para ocultar um sorriso.
— Não deve ter tido minha experiência em desafiar os desejos de meu
pai, meu Lorde.
Robert estendeu uma mão para ela, que Cecily pegou depois de um
momento de vacilação. — Tenho um plano em mente que economizará o
risco de um pescoço quebrado — disse. — Há um corredor lateral que
conduz aos estábulos que raramente é usado.
Deixe-me levá-la até lá. Meu pai não vai encontrar você, e poderei
colocá-la de contrabando em uma carruagem logo que ouvirmos que a
ponte está limpa.
Cecily não encontrou nada para se opor. Em vez disso, não pôde
conter sua excitação. Não era considerado apropriado para uma jovem
examinar os cavalos de uma casa que visitava. Tais preocupações eram para
os cavalheiros, mas Cecily era uma amazona entusiasmada, e dar uma
olhada nos estábulos era frequentemente um de seus principais prazeres
quando visitava um novo amigo. Robert olhou de um lado para o outro no
corredor antes de correr com Cecily, protegendo-a com seu corpo, e através
de uma porta lateral simples que levava a um corredor com paredes de
pedra que estava em completa escuridão. Robert encontrou o caminho
seguindo sua intuição, e Cecily se encontrou agarrando sua mão para se
ajudar no piso irregular.
— Imagine-me quando criança, usando este lugar para fazer todo tipo
de travessuras — disse Robert. Cecily não podia ver seu rosto, mas pelo
som de sua voz, pensou que poderia estar sorrindo. — Não, não me
responda. Estamos passando perto da sala do andar de cima, e meu pai pode
estar lá. — Escolheram o caminho através da escuridão em silêncio, a
felicidade de Cecily ia aumentando enquanto ela andava segurando o braço
forte de Robert que a guiava. Levou-a para baixo por uma escada estreita e
sinuosa de pedra, onde ela facilmente poderia machucar um tornozelo se
tivesse andando sozinha.
Finalmente emergiram, piscando, em um pátio ensolarado de um lado
da casa que Cecily ainda não tinha visto. Robert olhou para as janelas com
vista para eles e, encontrando-as vazias, colocou o braço de Cecily mais
firmemente sob o seu e correu com ela pelo pátio, envolvendo-a, sem
cerimônia, pela porta do estábulo.
— Seu pai deve ser um homem realmente temível — comentou
Cecily, uma vez que a tensão abandonou os ombros de Robert. Seus olhos
se voltaram para ela, irritados.
— Não temo meu pai. Estou pensando apenas no seu bem-estar.
— Não quis dar a entender que você não é temível — disse Cecily,
ironicamente.
Robert agitou a cabeça ironicamente. — Mesmo que fosse uma besta
voraz, não poderia imaginar sendo capaz de assustá-la, Lady Cecily. Sua
compostura tem sido admirável nestas circunstâncias difíceis.
Cecily estava impressionada. — Isso foi um elogio?
— Que não diga que não dou crédito onde é devido — disse Robert.
O lampejo de convivência que ela pensou ter sentido desapareceu em um
instante. — Agora, sugiro que suba no palheiro e se mantenha escondida.
— O palheiro? Mas pensei que poderia dar uma olhada nos seus
cavalos. Já que estou aqui.
— Quer que lhe apanhem e lhe joguem na rua, com roupa de
servente, sem touca e com pantufas? — Exigiu asperamente.
— Suponho que não — Cecily admitiu.
— Então, ficará no palheiro, mesmo que eu tenha que levá-la lá.
Cecily obedeceu o mais docilmente que pôde. Poderia ser um Hartley,
mas a menos que tudo isto fizesse parte de uma brincadeira cruel às custa
dela, parecia ter o melhor interesse no coração.
— Quanto tempo pensa me deixar aqui sozinha? — Perguntou
suavemente.
— Até que possa tirar você daqui com segurança.
Cecily deitou de bruços no feno macio e levantou suas pernas atrás
dela, aparecendo sua cabeça através da abertura no chão para que pudesse
dar a Robert seu olhar mais imperioso. — E o que vou fazer, sozinha em
seu palheiro? Se não for muito perguntar? — Para seu assombro, um
pequeno livro veio voando, aterrissando no feno a seu lado.
— Pensei nisso — disse Robert. — Eu te trouxe uma diversão
feminina. — Cecily ficou muito angustiada ao descobrir que tinha jogado
um livro de poesia.
— O que espera que eu faça com isto?
— Leia. E se não quiser ler, pode comer, o que me importa. Contanto
que mantenha calada e escondida.
— Não parece particularmente apetitoso — queixou-se Cecily, mas
retirou sua cabeça da abertura do palheiro e começou a folhear o livro de
qualquer maneira. Esperou até que ouviu a porta se fechar atrás de Robert
antes de jogá-lo de lado. Esse tal Hartley realmente pensou que podia
mantê-la trancada em um palheiro como um pequeno mascote tranquilo?
Cecily logo lhe ensinaria o erro de seus métodos.
 
6

Robert seria o primeiro em admitir que não era o filho ideal.


Habituou-se a sua independência e vivendo sua vida como se não tivesse
obrigações familiares. Durante um tempo, o trabalho de fazer de
acompanhante de sua animada irmã mais nova através da Sociedade o ligou
a Londres, mas, agora que ela estava casada, ele e Hart eram livres para
viver em liberdade como os solteiros que eram.
Nas poucas ocasiões em que seu pai usurpou essa liberdade, Robert
fazia todo o possível para parecer complacente sem realmente ouvir os
conselhos do velho. Oh, era muito certo, como seu pai gostava de lembrá-
lo, que um dia, Robert seria o marquês de Lilistone, com todas suas
responsabilidades. Mas esse dia não era hoje, e quando chegasse, Robert
queria ser um homem por si mesmo.
Assim, com um sorriso educado, mas com um coração rebelde, que
Robert se sentou na biblioteca para escutar os últimos planos de seu pai
para o imóvel Scarcliffe.
A pesar do uso que Robert daria a seu conselho, ninguém podia negar
que o marquês era um homem impressionante. Tinha um porte imperioso
que era conhecido por fazer com que homens menos importantes se
curvassem em suas botas, sempre estava impecavelmente vestido a ponto de
quase um dandismo, e alardeava de possuir um par de olhos de falcões, tão
escuros quanto os de Robert, tão potentes que podiam congelar um inimigo
a vinte passos. Assim tão potente quanto poderoso. Robert estava
suportando o poder desse olhar agora, e, em sua própria opinião, era
admiravelmente indiferente a ele.
— É bom vê-lo fazendo uso deste velho lugar, Robert — disse
bruscamente seu pai, assinalando as paredes com sua bengala prateada. O
marquês sofria um pouco de claudicação. — Scarcliffe Hall realmente é a
joia da coroa de nossas propriedades.
— Quando eu era criança, era a residência principal de nossa família,
já sabe.
— Sei, pai — disse Robert com carinho. — Quer outro charuto? —
Robert não fumava, mas mantinha um suprimento de charutos finos à mão
para os momentos em que seu pai passava por aqui. Manter o velho feliz era
absolutamente imperativo; sua ira não suportava pensar nisso.
— Você e Hart estão se divertindo, não estão? — O marquês soltou
uma risada sibilante.
— Claro que sim! Não pense que não recordo de como é passar um
verão caçando, montando e bebendo! Eu também fui jovem uma vez, e
tinha meu próprio grupo de companheiros. Fomos a perdição de todas as
mães da Inglaterra! — O marquês suspirou e passou a mão nas
sobrancelhas irregulares. — É obvio, os tempos mudaram. E você e Hart
são jovens agora. — Robert se perguntou onde diabos Jonathan estava.
Confiem nele para escapulir de uma entrevista com seu pai! Os filhos mais
novos realmente se safavam de tudo.
— O que me leva à razão de minha visita — continuou o Marquês. —
Estou especialmente satisfeito de vê-los desfrutando de Scarcliffe Hall,
Robert, porque encaixa muito bem no meu mais recente projeto para a
família. — Robert sentiu um sentimento familiar de afundamento.
— Pai, realmente. Somos uma das famílias mais importantes da
Inglaterra. Sua preocupação com nossa reputação é injustificada, garanto.
— Pensar que meu filho poderia ser tão complacente! Como pode
ficar tão tranquilo quando, a menos de dezesseis quilômetros de distância, o
maldito duque de Loxwell e seus parentes se sentam para espalhar veneno
sobre nós para quem se importe em ouvi-los?
A sensação de mal-estar desceu pela coluna de Robert. Ter o pai
queixando dos Balfours enquanto Cecily estava no local era muita
coincidência para seu gosto. — Não acredito que o duque se preocupe com
todas essas velhas tolices…
— Tolices? Como se atreve! Os Balfours insultaram nosso sobrenome
da forma mais grave possível. Não, continuam insultando-o! Diria que é
tolice se espalharem mentiras sobre sua própria irmã, Robert?
Robert sabia que o comportamento de sua irmã era, de fato, o tipo que
poderia atrair legitimamente toda classe de intrigas caluniosas, mas ele
conseguiu arrumar e esconder do pai, e queria levar o segredo para o
túmulo. — Ficaria muito aborrecido, Pai. Mas, felizmente, não há rumores
recentes para se espalhar.
— Minha tia Letitia era a melhor das mulheres — continuou o
marquês, como se Robert não tivesse falado. — Você teria a mesma
opinião, se ela não tivesse sofrido tanto com suas queixas nervosas. Queixa
que remontam diretamente aos maus tratos dos Balfours! Assassinaram-na
no momento que deveria estar mais feliz. Meu pai nunca esqueceu, eu
nunca esqueci e você tampouco.
— Muito bem, Pai. Ninguém estava sugerindo que encontrássemos o
Duque para uma visita matutina — suspirou Robert. — O que a velha
inimizade tem a ver comigo, aqui e agora?
— Por quê? O fato é que nossa família nunca será verdadeiramente
restaurada a sua legítima posição na sociedade até que possamos mais uma
vez chamar Scarcliffe Hall de nossa casa.
Robert estava alarmado. A última coisa que queria era que seus pais
anciões fossem para seu refúgio de solteiros. — Quer dizer que se mudarão
para cá? — Perguntou, sua mente imediatamente procurando mil desculpas
que poderiam influir na mente de seu pai.
— Ainda não — disse o Marquês. Se Robert saísse com a sua, nunca
seria, mas resolveu escutar seu pai de todos os modos. — A primeira coisa
a fazer é restaurar a proeminência de nossa família na região. É ótimo ter o
Duque de Beaumont como convidado, assim deve aproveitar a
oportunidade para mostrá-lo! Aproveita ao máximo seus contatos! Mostre a
esses Balfours que não temos vergonha de mostrar nosso rosto no condado!
Deve fazer algo extravagante, que atraia toda as pessoas importantes da
região. Que tal um baile?
— Convidei Beaumont aqui para passar um verão tranquilo longe da
Sociedade — disse Robert. — Ele não aceitará amavelmente a ideia de
qualquer tipo de festa.
— Você saberá a forma correta de vender-lhe Robert. Você e ele são
tão bons amigos que faria qualquer coisa para ajudá-lo, tenho certeza. Não,
um baile não é suficiente Melhor ainda, um baile de máscara!
— Isso é precisamente o que Beaumont, Hart, Northmere e eu
quisemos evitar ao vir para o campo!
O Marquês estreitou seu impressionante olhar. — Ainda não é o
marquês de Lilistone, jovem
— Não pode me intimidar para que o faça, Pai.
— Não, mas posso lhe ordenar isso. Não acredito que esteja tão
apaixonado pelo seu verão calmo para estar preparado para me desafiar
abertamente, Robert?
Ele suspirou. Quão último sua família precisava era de uma inimizade
dentro de sua família que coincidisse com a outra. Além disso, sua mãe
ficaria angustiada se ele e seu pai brigassem. Ele não podia colocar seu
próprio prazer acima da felicidade de sua mãe. — Tudo isso simplesmente
para desprezar aos Balfours, pai?
— Exatamente! — O Marquês praticamente esfregou suas mãos
como sinal de alegria. — Assegure de que eles não recebam um convite!
— Deve fazer uma coisa por mim em troca, Pai — disse Robert. —
Vou ser o anfitrião de seu baile de máscara e desprezar os Balfours, com a
condição de que não interferirá nos meus assuntos outra vez.
O marquês riu. — Tem muitos segredos, filho?
— Nenhum absolutamente. Simplesmente desejo viver minha vida da
maneira que me acostumei, independentemente.
— Deve ser muito duro para você, Robert, que eu já não tenha
morrido e tenha deixado isso para você!
— Vamos. Isso não foi o que disse. Sentiria muito não estar com
você, mas lamentaria mais se tivesse que viver minha vida à sua disposição.
— É justo — Disse o Marquês. — Retornarei a Lilistone logo que
possa ver que nossa família se converteu novamente na mais importante do
distrito.
— Não foi exatamente isso que eu disse, pai. Pode ficar até o baile,
mas não mais.
— Não é que não confie em você, Robert — disse o marquês, pondo
uma mão paterna em seu ombro. — É só que posso ver que ainda não
entende a importância da reputação de uma família. Somente quando for o
chefe da família Hartley você realmente entenderá o que isso significa.
— Que seja daqui a muitos anos — disse Robert, apertando a mão do
pai. — E agora, terei prazer em buscar alguns desses jovens dos quais
falávamos antes. Acho que vou dar uma caminhada. — Precisava de uma
desculpa para chegar rapidamente aos estábulos, antes que Cecily metesse
na cabeça sair para explorar. Não só era uma Balfour, mas também uma
garota obstinada.
Ele não se acalmaria novamente até que estivesse em segurança fora
de sua propriedade.
— Uma caminhada? — Para horror de Robert, o Marquês começou a
se levantar.
— Isso parece a forma perfeita de tirar as teias de aranha de uma
longa viagem de carruagem!
— Pai, na verdade, — disse Robert severamente — considere sua
saúde. — Olhou significativamente para a bengala. — Não está em
condições de me acompanhar no tipo de caminhada que pretendo fazer. —
As sobrancelhas do marquês caíram e, por um momento, Robert temeu que
estivesse em uma de suas célebres batalha pai-filho.
— Muito bem — suspirou o velho, afundando em seu assento. —
Suponho que tem razão. Ficarei em casa e descansarei. Qual é o nome do
médico local, Robert? Não seria uma má idéia para mim que alguém desse
uma olhada nessa perna.
— Doutor Hawkins, acredito. Vou enviar alguém para avisá-lo que o
visite o mais rápido possível. — Robert deu a seu pai uma forte saudação e
saiu da biblioteca antes que o marquês pudesse mudar de opinião sobre
segui-lo até os estábulos.
Levou um minuto para pedir ao mordomo, Peters, que enviasse um
lacaio a Loxton com uma nota para o Dr. Hawkins, sabia que seu pai tinha
muito pouca paciência quando se tratava de sua saúde e se dirigiu aos
estábulos tão rápido quanto pôde.
— Lady Cecily? — Sussurrou. Ele se viu arrastando-se naquele
espaço com aroma de feno como se ele mesmo fosse o intruso. — Está
pronta para sair? — Um cavalo relinchou suavemente em resposta. — Lady
Cecily? — Perguntou de novo, desta vez mais forte. Ela tinha adormecido?
Robert subiu parte da escada e enfiou a cabeça no palheiro. Estava vazio.
Maldita garota!
Voltou a descer e começou a percorrer o estábulo, olhando em cada
baia de cavalos. Ela tinha mencionado que queria vê-los, afinal. Ele só
podia esperar que não tivesse metido em sua cabeça entrar na casa
novamente. Talvez seu pai tenha razão sobre os Balfours, depois de tudo.
Este comportamento não era muito feminino.
Robert se perguntou qual seria sua reação se alguma vez descobrisse
que sua própria irmã se escondeu nos estábulos com um homem estranho.
Teria estado furioso e com razão. — Lady Cecily! — Chamou-a de novo,
não ousando levantar a voz. Não houve resposta. Havia uma última baia
para checar, e ele sinceramente esperava não encontrá-la lá. Não que ele
quisesse que ela não estivesse, é claro. Era que o cavalo no final dos
estábulos era um garanhão com um temperamento difícil e poder sem igual.
Thunder, como se chamava, era uma das posses mais apreciadas de
Robert. Poucos homens se atreveriam a montá-lo. Se Cecily tivesse
escolhido se esconder com Thunder, poderia esperar uma forte patada por
pertubá-lo. — Aqui, garoto — ele chamou o cavalo enquanto se
aproximava da baia. Manteve sua voz suave e baixa, esperando acalmar um
cavalo já preocupado com um convidado Inesperado. — Aqui.
Para surpresa de Robert, a cabeça de Thunder não apareceu em
resposta a sua chamada. Mas seu assombro foi ainda maior, quando chegou
a baia e a encontrou completamente vazia. — Não é possível — murmurou
Robert, olhando para o espaço vazio, como se sua própria incredulidade
pudesse de algum jeito encher a baia mais uma vez com um cavalo robusto.
Mas era claramente possível, mesmo que nunca acreditasse em mil
anos sem a evidência diante de seus olhos. Cecily tinha deixado os
estábulos.
Tinha pegado seu valioso garanhão. Ela estaria caída em alguma vala
em algum lugar ao longo da estrada para Loxwell Park, ou...
Poderia ser? Ela era um dos melhores cavaleiros que Robert tinha
conhecido.
Selou um segundo cavalo com excessiva pressa. Maldição, essa
garota impossível! Não podia deixá-la partir para um destino incerto sem
pelo menos tentar descobrir o que havia acontecido com ela. Sem
mencionar o fato de que ele não a deixaria escapar roubando seu melhor
cavalo!
 
7

O rio Lox não era particularmente largo, mas era profundo. Cecily
experimentou, para sua surpresa, um momento de nervosismo antes de
chutar o garanhão para saltar.
Raramente encontrava um obstáculo que não estivesse feliz de saltar.
Felizmente, o cavalo fez isso com facilidade. De repente, Cecily se
encontrou do outro lado do rio, de volta nas terras de seu pai. Sua
desagradável aventura com os Hartley em Scarcliffe Hall estava
definitivamente terminada. Bom, exceto pelo assunto do cavalo que tinha
levado... emprestado. Cecily não se fazia de iludida. Uma animal como este
era o maior troféu em qualquer estábulo. Sua ausência não passaria
despercebida por muito tempo.
Ainda assim, não foi completamente sua culpa. O conde de Scarcliffe
não podia esperar que ela aguardasse nos estábulos como uma criada cuja
dignidade poderia comprometer à vontade. E quanto ao cavalo, bom, tinha
um rio para cruzar e nenhuma ponte para fazê-lo. Ela necessitava do melhor
animal para dar o salto. — E escolhi bem, não foi? — Cecily murmurou,
esfregando o pescoço do garanhão enquanto se aproximava da enorme casa
velha em Loxwell Park.
Desceu da sela com facilidade e deu as rédeas a um moço que
esperava. — Cuida dele. É meu... é um empréstimo.
— Cecily! — Gritou sua mãe, correndo em sua direção. — Cecily!
Onde demônios esteve?!
Cecily foi sufocada por beijos. — Não se preocupe, mãe. Passei a
noite em um pavilhão de caça, isso é tudo. — Sua mãe soluçou em seu
ombro a tal ponto que Cecily achou excessivo. Só tinha estado fora uma
noite.
— Cecily! — Seu pai chegou, correndo pelas escadas, um momento
atrás da duquesa. — Graças ao Deus que está viva! Meus homens te
procuram a noite toda!
Ela notou ironicamente que seu pai não tinha pensado em enviar um
mensageiro a Scarcliffe Hall. A ideia de que estivesse lá era completamente
inconcebível. Foi sábia em manter em segredo sua verdadeira aventura. —
Há um pequeno pavilhão de caça no fundo do bosque de Scarcliffe que
evidentemente não encontraram, papai. Estou muito bem. Não havia
necessidade de se preocupar.
— Senhor Willett! — Seu pai chamou por cima de seu ombro o
mordomo. — Envie ao oficial! Lady Cecily foi encontrada sã e salva!
— E onde encontrou aquela horrível besta? — Perguntou sua mãe,
olhando o garanhão com medo. — Realmente, Ceci, parece muito grande
para você.
— Nenhum cavalo é suficiente para mim, mamãe. Deveria saber. —
A alegria de Cecily mascarava seu pânico. Ainda não tinha pensado em
uma desculpa para o cavalo.
— Esse é garanhão do doutor. — Lady Jemima Stanhope estava na
sala dos Balfours, apoiada na grande porta de Loxwell House com um ar de
total inocência que, Cecily sabia que, invariavelmente, significava que
estava tramando algo.
— Do doutor Hawkins? — Repetiu a duquesa, olhando de Cecily para
Jemima, confusa. Jemima desceu as escadas em ritmo lento.
— Naturalmente. Embora ele tenha me dito que o cavalo não era
adequado para ele, e queria se desfazer dele o mais rápido possível. Eu o vi
outro dia, quando conheci a senhorita Anna Hawkins na cidade — Olhou
Cecily de maneira significativa. — Que bom que encontrara o bom doutor
no bosque, e ele lhe emprestara o cavalo para que pudesse voltar para casa o
mais rápido possível e salvar seus queridos pais desses momentos
angustiantes.
— Jemima, é muito inteligente — disse Cecily, dando um suspiro de
alívio. — Isso é precisamente o que ocorreu.
— O doutor também lhe emprestou uma muda de roupa, Cecily? —
Perguntou sua mãe, olhando com espanto mal dissimulado o vestido de
servente que tinha tomado emprestado. Ela riu ligeiramente.
— Oh, que engraçado, não! Minha roupa se arruinou com a chuva,
mas felizmente encontrei estas coisas velhas em uma cômoda no pavilhão
de caça.
— Não pode ter sido um de meus pavilhões — disse o duque
desconfiado. — Cecily, minha querida menina, deve ter caminhado até
muito longe ontem.
— Acho que sim, papai.
— Temo que pôde ter se aventurado... — O duque baixou a voz. —
Nas terras dos Hartley. — O nariz dele enrugou. — Esses homens são
precisamente do tipo que precisam manter roupas de mulheres à mão em
seus refúgios de caça.
— Por que demônios fariam isso, papai? — Cecily perguntou, toda
inocente com os olhos abertos. Dentro de seu peito, seu coração pulsava
dolorosamente. Seu pai havia chegado muito perto da verdade para seu
gosto.
— Honestamente — queixou-se sua mãe. — Não vamos falar dessas
coisas! Agora, Cecily, deixe-me levá-la para cima. precisa de um banho
quente e algo para comer. Oh, minha pobre menina! Receio que este seja o
final de suas aventuras solitárias. Se não pode ser responsável o suficiente
para voltar para casa de noite, não poderei suportar que siga vagando
sozinha pelo campo.
— Mamãe! Isso é injusto! — Cecily procurou a ajuda da Jemima. Ela
costumava estar perto como uma rota de fuga rápida para qualquer regra
que o Duque e a Duquesa pretendessem lhe impor, mas só encontrou com
um encolher de ombros impotente. Supôs que seus pais deviam estar muito
angustiados quando não retornou para casa. Entretanto, a ideia de ficar
confinada em Loxwell House exceto com sua companheira não convinha
absolutamente a Cecily.
Permitiam-lhe tão poucas liberdades, como filha de um duque. Tirar
suas caminhadas por suas terras seria realmente insuportável.
— Seria melhor não reclamar demais — disse Jemima, mais tarde,
quando Cecily estava sentada comodamente em um banho quente. Tinha
aproximado uma cadeira a seu lado para ajudá-la a lavar o cabelo. Se ela
notou que o cabelo de Cecily estava muito mais limpo do que se esperaria
depois de uma noite escondida sozinha em um pavilhão de caça, não
mencionou. — Sabe como é seu pai. Ele logo esquecerá a nova regra.
Queixar-se só o recordará.
— Ainda não entendo por que tem que ser tão severo comigo —
suspirou Cecily.
— Foi só uma noite, afinal.
As mãos da Jemima pararam enquanto passavam o sabão pelo cabelo
de Cecily. — Seus pais estavam mortos de preocupação. Você nunca perdeu
ninguém, Ceci. Não pode entender o que significa realmente temer por
alguém que ama.
— Oh, Jemima! Sinto muito. — Cecily agarrou sua mão, sem se
preocupar com as bolhas de sabão. — Você também deve ter se preocupado.
— Jemima fez uma careta. Ela não estava acostumada a admitir debilidades
e Cecily sabia.
— Depois do que aconteceu com meu pobre irmão, acho que não
posso ser completamente feliz a menos que saiba que todos que amo estão a
salvo.
— Bom, deixe-me te tranquilizar — disse Cecily com ternura. —
Nunca estive em perigo. — Jemima não ficou impressionada.
— E, no entanto, não era seguro o suficiente para dizer a verdade a
seu pai. Esse cavalo não pertence ao Dr. Hawkins, Ceci. Vi-o antes.
— Oh? — Cecily sabia que não tinha sentido mentir para Jemima. As
duas garotas eram tão próximas como se fossem irmãs.
— O Conde de Scarcliffe não tem nem ideia de quem sou, e, por isso,
não se incomoda em me evitar quando ambos estamos na cidade — disse
Jemima. — Embora não posso afirmar saber tanto sobre cavalos quanto
você, certamente reconheço esse. Vi o conde cavalgando em Loxton a
semana passada.
Cecily suspirou. — Então suponho que você pode imaginar onde
passei a noite.
— Não em Scarcliffe Hall? — Embora estivessem sozinhas, Jemima
não teve coragem de levantar a voz. — Ceci, certamente não...?
— Acredite-me, não tinha outra opção. E não foi tão ruim quanto
poderia ter sido. — Cecily encolheu os ombros, movendo-os mais
profundamente na água morna. — O conde não é o monstro que meu pai
gostaria que acreditássemos.
— Não te fez mal?
— Longe disso. Foi um pouco torpe, talvez. Parecia estar totalmente
entregue a algum tipo de fantasia resgatando uma donzela em apuros.
Jemima sorriu perversamente. — Parece-me que era precisamente o
que estava fazendo.
— Não sou uma garota indefesa de contos de fadas! — Cecily
protestou, salpicando-a um pouco. — Teria estado perfeitamente bem sem a
intervenção de Lorde Robert.
— Ontem à noite vi como estava o clima. Olhei pela janela a noite
toda, de fato, pensando em você apanhada nessa terrível tempestade.
Certamente não teria ficado bem sem ajuda. Só posso agradecer ao céu que
Lorde Robert tenha deixado de lado a inimizade da família por tempo
suficiente para cuidar de você.
— Certamente lhe desagradou muito fazê-lo. — Cecily não conseguiu
esconder sua risada ao pensar no horror que o rosto severo e molhado de
Robert mostrava quando percebeu quem ela era. Tinha que admitir, mesmo
que fosse para si mesma, que havia algo quase emocionante na forma como
ele a tinha envolvido em seus braços. Sem mencionar a onda de emoção
que percorria seu corpo toda vez que via seus escuros olhos. Ele tinha
ficado zangado desde o começo até o fim de seu breve encontro. Ela o
enfureceu, com sua mera presença. Achou a ideia estranhamente atraente.
Jemima estava olhando-a estranhamente. Sabendo que muito pouco
estava escapando da penetrante mente de sua acompanhante, Cecily voltou
sua atenção para enxaguar o sabão dos cabelos.
— Passe-me uma toalha, sim? — A criada as tinha pendurado na
frente do fogo para aquecê-las bem. Apesar de ser um lindo dia de verão,
Cecily desfrutou do calor contra sua pele.
— Há algo mais, não? — Perguntou Jemima, estreitando os olhos
para Cecily.
— Mais? — Perguntou Cecily. — Por que uma noite na casa dos
maiores inimigos de minha família não é suficiente? Não basta ser
apresentada ao Duque de Beaumont com um vestido praticamente
transparente por causa da chuva? Não basta roubar o melhor cavalo do
conde de Scarcliffe? Que outro escândalo você quer dessa excursão,
Jemima? — Ela revirou os olhos. Quer acreditasse ou não, Cecily não
estava disposta a admitir mais do que já tinha feito. Se simplesmente
ignorasse os sentimentos que se moviam dentro de si quando recordava
como Robert a resgatara da chuva, estes acabariam desaparecendo. Não
havia com que se preocupar.
 
8

O barão Northmere não fazia ideia de como sua pergunta frustrou o


orgulho de Robert.
— Thunder não esteve em boas condições ultimamente — disse,
chutando o puro sangue marrom que estava trotando. — O chefe da quadra
me aconselhou que lhe desse um descanso.
— Nunca teria pensado que um cavalo como esse seria propenso a
algum tipo de indisposição — disse Northmere. — Deixe-me enviar alguém
aqui para dar uma olhada nele.
— Estou bastante satisfeito com os encarregados dos meus estábulos,
Northmere. —
Robert não queria ser duro com seu amigo, mas não podia suportar a
vergonha de revelar que seu cavalo tinha sido roubado por uma garota. Os
cavalheiros já lhe causaram aflição suficiente por seu “heróico” resgate de
Lady Cecily e por como se foi.
No dia que partiu, Robert tinha seguido os rastros do cavalo até o rio
que separava suas terras das de seu pai. A princípio, não tinha acreditado o
que os rastros lhe diziam. Certamente não existia nenhuma possibilidade de
que uma jovem, montada em um cavalo, fosse capaz de realizar esse salto?
Mas a evidência estava diante de seus olhos. Uma vez que Robert
comprovou que Cecily estava a salvo nas terras dos Balfour, não teve
escolha a não ser voltar para casa e refletir sobre sua insolência. Sua língua
afiada. Sua obstinação. Sua beleza.
De fato, Robert tinha refletido muito sobre Lady Cecily. Era pelo
cavalo, disse a si mesmo. Não podia suportar o roubo de seu cavalo. Uma
vez que o devolvesse, o que acabaria por acontecer, poderia esquecer
Cecily, de seus olhos azuis e seu feroz temperamento.
— Deveríamos voltar, Scarcliffe? — Perguntou Beaumont, fazendo-o
voltar. Ele estava sentado em seu cavalo com uma elegância que Robert
poderia invejar, se fosse do tipo que invejava outro homem. Simplesmente
não era certo que um homem fosse tão bonito, de bom temperamento, bom
esportista e um Duque. Havia poucos homens no mundo tão abençoados
como Beaumont. — Deve ter um montão de preparativos que realizar sobre
este assunto do baile de máscara.
Robert gemeu, sem se incomodar em dissimular. — Devo me
desculpar de novo, Beaumont. Meu pai é muito teimoso…
— Oh, não pense nisso! — Beaumon riu, embora Robert soubesse
que ele estava internamente aborrecido. — Algo para satisfazer o velho. —
Os bailes eram uma fonte de tortura sem fim para o duque de Beaumont.
Embora nenhum homem gozasse do estilo de vida de um solteiro de forma
mais clara, a ideia de uma dança com um Duque era suficiente para enviar a
maioria das meninas para limpar suas cabeças. Beaumont teria que suportar
um enxame de mulheres desmaiando essa noite. Não importava com que
frequência expressasse sua aversão pelas senhoritas caça fortunas. A ideia
de um marido pouco carinhoso não era suficiente para dissuadi-las do sonho
de se converter em Duquesa.
— Afinal, é por uma boa causa — disse Hart. Jonathan era
provavelmente o melhor cavaleiro dos quatro, embora não saberia ao olhá-
lo. Estava deitado em cima de seu cavalo como se estivesse relaxando em
uma espreguiçadeira com um uísque na mão.
— Como é isso? — Perguntou Robert.
— Porque fará de nossa família a mais respeitável da região,
naturalmente.
— Mesmo você não pode argumentar com isso, Robert. Esses
malditos Balfours monopolizaram a Sociedade local por muito tempo.
— Viemos fugindo disso.
— É só um baile, Scarcliffe — disse Beaumont calmamente. — Se
posso suportá-lo, você também.
Não era o baile em si que irritava tanto Robert, mas seu motivo. A
obsessão de seu pai de superar os Balfours deveria ter sido extinta anos
atrás, mas a constante irritação de tê-los como vizinhos mantinha a chama
viva. Agora, Robert o tinha interferindo em seus próprios passatempos.
Esse seria seu papel um dia, manter a amarga rivalidade com o duque
de Loxwell?
Quem seria Duque até lá? Algum primo de Cecily que nunca tinha
visto!
Por que deveria odiar um homem cujo nome desconhecia? Por que
deveria odiar qualquer parente de Cecily?
Robert cerrou os dentes e fez todo o possível para enganar a si mesmo
que era natural pensar em Cecily nas circunstâncias atuais. Não significava
nada. Melhor ainda, seus pensamentos sobre ela logo seriam afastados por
um bom número de mulheres bonitas e adequadas que iriam ao baile de
máscaras.
— Tem toda a razão, Hart — ele disse a Jonathan. — É uma boa ideia
do pai dar aos Balfours o próprio remédio.
— Então volta para casa, — disse Hart, virando a montaria em um
círculo vago.
— Devemos estar perfumados e bem vestidos para saudar as damas.
— Prefiro encontrá-las cheirando a cavalo — comentou Beaumont.
— Em seu caso, mesmo isso não as desanimaria — riu Northmere. —
Se todos tivéssemos seus problemas!
Enquanto cavalgavam de retorno à casa, cada um levando seu cavalo
em um galope para demonstrar seu poder aos outros, Robert escutava pela
metade seus discursos provocativos. Northmere, apesar de seus protestos de
que não era um homem de damas, tinha sido recentemente pego em uma
posição comprometedora com uma jovem dama que os outros não lhe
permitiriam esquecer logo. A boa aparência e a fortuna de Beaumont foram
repetidamente cravados com comentários mordazes, e Hart, por outro lado,
foi completamente enganado por sua notória reserva quando se tratava do
belo sexo.
Robert ficou atrás dos outros, pouco interessado em suas carreiras e
obscenidades, e se permitiu pensar, pela última vez, que a mulher que mais
desejava ver no baile era a que não havia sido convidada.
 
9

— Algumas vezes, coisas terríveis lhe ocorrem, Ceci — disse


Jemima, lutando para abotoar os botões de suas longas luvas de seda —
mas isto é definitivamente o pior.
— Vamos, não seja ridícula. — Cecily estava lutando para colocar o
vestido de festa por sobre sua cabeça sem enrugar a seda. A tarefa tornou-se
infinitamente mais difícil pelo fato de que ela e Jemima estavam dentro de
uma carruagem, com as cortinas firmemente fechadas sobre as janelas. — É
perfeitamente simples, e funciona muito bem! Eu disse a mamãe e papai
que passaríamos a noite com um amigo nosso na cidade, que funcionou
imediatamente! Os lacaios e o condutor da carruagem que nos acompanham
são de minha absoluta confiança não revelarão onde estivemos, sob pena de
meu desgosto absoluto! Agora só precisamos terminar de colocar nossos
vestidos de baile e, chegar a Scarcliffe Hall como duas misteriosas irmãs, a
senhorita Jane e a senhorita Harriet Somerville.
— Essa é outra coisa — disse Jemima, ajudando Cecily a vestir o
vestido. — Ninguém jamais acreditará que somos irmãs. Não nos
parecemos em nada.
— O que importa isso? Usaremos máscaras! Não há nenhuma
possibilidade de que alguém nos reconheça.
— Este plano é uma loucura, Ceci, e gostaria de nunca ter acordado.
— Jemima mordeu o lábio. — E isso é o menos importante, já que não
posso deixar de sentir que você tinha outro motivo para voltar a Scarcliffe
Hall.
— Outro motivo? É obvio que tenho outro motivo! — Cecily
levantou um pouco a cortina para lhe mostrar o nervoso lacaio que montava
o garanhão ao lado da carruagem. — Preciso devolver o cavalo de Lorde
Robert!
O olhar preocupado não abandonou o rosto de Jemima. — Ceci,
esteve pensando em Lorde Robert com muito frequência?
Em resposta, ou melhor dizendo, para evitar uma, Cecily colocou a
máscara no rosto e se virou para que Jemima pudesse amarrar as fitas. Ela
escolhera uma máscara com a forma da cabeça de uma raposa, decorada no
estilo veneziano com redemoinhos em prata e negro, para combinar com as
tonalidades de seu vestido. Jemima, que tinha saído recentemente do meio
luto por seu irmão, tinha escolhido um lindo vestido verde e azul e uma
máscara azul adornada com várias plumas de pavão. Cecily sabia o quanto
Jemima amava cores brilhantes. Seu espírito durante o período de luto tinha
estado tão triste como o negro e púrpura que usava.
Quando estavam vestidas e bem mascaradas, Cecily correu as cortinas
para dar uma olhada quando se aproximaram de Scarcliffe Hall. O salão em
si era o lugar ideal para deixar de respirar. Cada janela brilhava com luz.
Podia sentir a agitação e a emoção do baile mesmo do seu assento na
carruagem, e desejava se juntar a eles.
A ideia de ver Robert novamente, dançar com ele, (embora ele não
tivesse nem ideia de quem ela era) era tão deliciosa que fez Cecily
estremecer por toda parte. Estava contente de ter Jemima como sua
companheira de delito. Sem ela, seus próprios medos poderiam ter lhe
impedido de embarcar nessa pequena aventura.
A ideia de que pudessem ser descobertas nunca passou por sua mente.
Ela não era o tipo de pessoa que empalidecia diante de um desastre em
potencial. O que aconteceria, aconteceria. E tinha a intenção de aproveitar
cada momento disso.
Quando a carruagem se deteve na entrada, o lacaio que estava
montando na parte de trás da carruagem estava pronto para dar uma mão a
Cecily. — Agora, lembrem-se de nosso acordo, cavalheiros — Cecily
lembrou os criados enquanto se preparavam para levar a carruagem ao
estábulo. — Nenhuma palavra disto a meu pai.
— E, se guardarem bem meu segredo, Parker, falarei com mamãe
sobre a permissão para visitar sua irmã e seu novo bebê, além de ver que
uma caixa de bom vinho chega aos aposentos dos criados.
— Nossos lábios estão selados, minha senhora — disse o lacaio,
enquanto seu colega desmontava do garanhão de Robert.
— Eles reconhecerão este cavalo no estábulo — disse Cecily, dando a
Thunder uma última carícia amorosa no nariz. — assegure-se de que lhe
deem uma boa acolhida em casa.
— Ceci! Sujará suas luvas — disse Jemima, afastando-a do cavalo.
Logo, se aproximaram do último obstáculo. Os lacaios da porta.
Cecily tinha a esperança de que os Hartley estivessem tão
desesperados por conseguir convidados que fossem descuidados o
suficiente para não dar uma lista aos lacaios e, assim, afugentar os intrusos
na porta. Decepcionou-se ao ver que estava errada ao assumir isso.
Evidentemente, os Hartley estavam muito interessados em manter seu baile
como um assunto privado.
— Siga-me — sussurrou para Jemima, deslizando sua mão pelo braço
dela para lhe dar coragem. — Somos a senhorita Jane e a senhorita Harriet
Somerville — anunciou de maneira imperiosa, dando ao lacaio um olhar
severo através de sua máscara. — Receio que nosso convite tenha ficado
em casa.
— Boa noite, senhoritas Somerville — disse o lacaio. Cecily fez um
amplo movimento ao lado dele na sala. — Um momento, Senhorita, deixe-
me verificar seu nome. — Para desespero de Cecily, o lacaio começou a
procurar seu nome na lista. — Só será um momento…
— Há algum problema?
A voz profunda que os interrompeu era vagamente familiar. Cecily
olhou o homem alto com a máscara negra de acima para baixo. Que
constituição, que porte magnífico… essa piscadela! Era o duque de
Beaumont. Prendendo o fôlego pela sorte que teve, Cecily virou a máscara
e deu ao Duque um sorriso radiante. — Boa noite, Sua Graça.
Embora não pudesse ver completamente o cenho franzido de
Beaumont, era evidente pela forma como seus lábios se franziram sob a
máscara. — Não sou a Graça de ninguém, mocinha. Como pode ver, esta
noite, sou um gondoleiro de Veneza.
— E eu sou a senhorita Jane Somerville — disse Cecily, fazendo uma
profunda reverência.
— E ela é minha irmã, a Srta. Harriet Somerville. Gostaria que o
duque de Beaumont estivesse aqui! Ele me conhece bem, e certamente
responderia pelo convite que infelizmente deixei em casa.
Beaumont se deteve um momento, olhando Cecily e Jemima
intrigado. — Acredito que posso ajudá-la — disse, oferecendo um braço a
cada dama. As senhoritas Somervilles estão aqui comigo — disse ao lacaio
de maneira peremptória, deixando o homem sem opção a não ser se inclinar
e se fazer a um lado. — Não posso dizer que me importo com o jogo que
está jogando, senhorita… Somerville — o duque murmurou enquanto
conduzia Cecily e Jemima para o salão iluminado.
— Não está tão bem disfarçada como imagina. Se o marquês a
encontrar aqui, não posso garantir sua segurança.
— Ora! O que o Marquês de Lilistone significa para mim? — Cecily
puxou seu cabelo com orgulho.
— Que descaramento fazer um baile de máscaras a menos de
dezesseis quilômetros de minha própria casa, sem me convidar! Se me
descobrirem, logo descobrirá do que são feitos os Balfours!
— Não tenho nenhum desejo de enredar-me na inimizade entre suas
famílias — suspirou Beaumont.
— Você acha que poderia se rebaixar a se envolver tanto por um
simples baile? — Perguntou Cecily ligeira. O duque deu um suspiro forte.
— Parece ter esquecido, senhorita Somerville, que esta noite é apenas
a filha de um cavalheiro. É seu costume falar assim com um aristocrata?
— Mas, Sua Graça, acaso esqueceu que só estou falando com um
gondoleiro — respondeu Cecily.
— Muito bem — riu Beaumont. — E se prometerem não divulgarem
a identidade do gondoleiro, seria uma honra para ele dançar com cada uma
de vocês esta noite.
— Será impossível para mim delatá-lo, já que não fomos
apresentados — queixou-se Jemima.
O duque fez uma reverência e beijou sua mão. — Me chame de
Antonio, senhorita Somerville.
— Que gentil! Também tem maneiras italianas. — Jemima pegou seu
cartão de baile sem mais protestos e escreveu Signor Gondolier ao lado da
dança que o Duque lhe indicou.
— A dopo1 senhoras — disse Beaumont, girando sua capa vermelha
com um floreio, desaparecendo entre a multidão.
— Esse é o Duque de Beaumont — sussurrou Cecily para Jemima.
— Meu Deus! Foi uma boa pessoa por não nos delatar.
— Acredito que está desfrutando de seu anonimato tanto quanto nós.
— Fala por si mesma. Minhas pernas são gelatina.
Cecily pegou duas taças de champanhe de uma bandeja que levava
um lacaio que passava e deu uma a Jemima. — Para lhe dar forças, querida
irmã. Temos uma longa noite pela frente.
 
10

Robert estava no balcão de frente para os jardins, vendo como seus


convidados se reuniam em grupos de cores brilhantes debaixo dele. O som
das risadas chegava até em cima. Os jardins estavam salpicados de velas
acesas; era um verdadeiro país das maravilhas para seus convidados
misteriosamente vestidos, preparados para jogar.
Alguns dançavam alegremente dentro do salão de baile. Quantidades
intermináveis de champanhe circulavam em bandejas que eram carregadas
nas mãos de lacaios experientes que esquivavam da multidão de forma
magistral. Era a festa perfeita.
E tinha feito tudo por seu pai. O homem que nem estava ali para vê-
lo.
O marquês nunca prestava muita atenção à sua própria saúde, mas
ficar completamente coxo na mesma tarde do baile que ele ordenara
celebrar tinha sido demais, mesmo para ele.
Robert tentou ter pensamentos caridosos sobre seu pai, que sofria
muita dor, mas achou difícil. Se tivesse falado antes, poderia ter lhes
economizado muitos problemas.
Assim, tiveram que chamar o Doutor Hawkins justo no momento em
que chegavam os primeiros convidados. Agora, Robert estava cumprindo
seu dever como anfitrião do baile e filho preocupado.
O doutor Hawkins era, de acordo com todas as informações, um
médico admirável, mas esse não era o ponto. Robert amava seu pai, apesar
de suas diferenças, e não podia parar de se preocupar.
Sem mencionar a pequena parte dele que tinha esperado que seu pai o
parabenizasse por esta noite triunfal.
Bebeu um gole de champanhe e se sentiu um pouco presunçoso. Os
Balfours estariam verdes de inveja quando ouvissem o que haviam perdido.
Cecily sem dúvida estaria irritada.
Não é que estivesse preste a desperdiçar um só pensamento nela.
O barão de Northmere estava vestido como um gladiador romano,
muito bonito em sua capa vermelha. Robert o saudou levantando sua taça
de champanhe em um brinde enquanto saía ao balcão.
— Se divertindo, Northmere?
— Supõe-se que estou disfarçado — murmurou Northmere. — Como
vou seduzir alguém se souber quem sou?
— Sua reputação entre as damas é tão assustadora?
— Não tem nem ideia. — Northmere se afastou dos jardins e tirou a
máscara em forma de capacete, esfregando os olhos cansadamente. —
Estive dançando durante horas. Tudo o que estas jovens damas querem
fazer é dançar. — Deu a Robert um olhar significativo. — Tinha outras
diversões em mente para essa noite.
— A noite é jovem — Robert deu de ombros. Pode não aprovar os
passatempos escolhidos por Northmere, o que deixavam às jovens em
circunstâncias difíceis, mas não era tão desmancha-prazeres para lhe
reprovar. — O que está fazendo aqui comigo? Há muitas pastoras e capuzes
vermelhos para escolher abaixo.
— Vim para te dar uma mensagem de Beaumont, que foi se esconder
em algum lugar agora que seu disfarce foi descoberto.
— Que mensagem?
Northmere se inclinou para lhe sussurrar. — Que a dama com a
máscara de raposa prateada se parece muito com uma conhecida sua.
A boca de Robert ficou seca. — A raposa prateada?
Northmere verificou que ninguém os observava, e apontou para um
canto do jardim onde uma jovem dama com um vestido prateado estava
rodeada de admiradores. Não havia dúvida. No momento em que
Northmere a apontou, Robert sabia quem era.
Havia algo em seus ombros, sua figura, a maneira elegante como ela
movia suas mãos quando falava que era inconfundível.
O jeito que o fez se sentir era ainda mais.
— Cecily — Robert suspirou, enquanto Northmere se afastava. — O
que está fazendo aqui?
Não tinha ideia dos perigos aos que se arriscava mostrando seu rosto
publicamente em Scarcliffe Hall? Se seu pai se inteirasse de que… pior, seu
irmão…
Hart ficou muito zangado porque Robert tinha dado refúgio a Cecily.
Não suportaria outra invasão Balfour.
Robert desceu correndo as escadas e abriu caminho entre a multidão
faladora para chegar ao jardim. Cecily estava rindo coquete de uma
brincadeira que um dos homens a seu lado tinha feito. Sua máscara prateada
brilhava à luz das velas. — Com licença — disse Robert, entrando no
círculo íntimo. — Acredito que tenho a honra da próxima dança.
Os olhos de Cecily se arregalaram. Mesmo debaixo da máscara, seu
azul era chocante. — Acho que está equivocado — ela disse friamente.
— Acredito que não. — Robert pegou o braço dela e a arrastou com
ele, não se importando se mantinha seu passo ou não.
— Que espetáculo feio! — Disse um dos cavalheiros de quem a tinha
roubado. — Já o digo, que pobre espetáculo!
Robert o ignorou. Pelo menos sua máscara, uma coisa simples em
negro claro, os impediria de dar um nome à sua grosseria.
— Meu Deus! — Cecily ofegou, enquanto rodeavam um canto escuro
no jardim de rosas murado. Robert a empurrou mais fundo nas sombras,
longe da casa.
— Você gosta muito de se esconder em cantos secretos, Lorde
Robert! — Ela fez uma pausa. — É você, não? Deve ser. Não pude deixar
de reconhecer essa maneira tão pouco cavalheiresca de me arrastar para
lugares onde não desejo ir.
— Não está em posição de se comportar como uma dama adequada
— Robert rangeu os dentes. — Saberia muito bem que, se você tivesse pelo
menos um pouco de senso comum, se lhe apanham, haverá uma cena tão
grande que é muito provável que termine arruinada.
Cecily arrancou o pulso da mão dele. — Como se você se importasse
com minha reputação! Suponho que pensou que era um plano muito bom
realizar um baile que sabia muito bem que não seria convidada. Bom, fui
mais esperta que você, e, se te fiz zangar, bom, me alegro! — Ela cruzou os
braços. — Gostaria de não ter me dado o trabalho de devolver seu cavalo
aos estábulos.
Robert não pôde evitar sorrir. — Trouxe Thunder de volta?
— Naturalmente, fiz! Não sou uma ladra de cavalos!
— Abaixe sua voz — disse Robert, entrando na rede de caminhos
entre as roseiras.
Um delicado perfume enchia o ar, e os lábios de Cecily eram visíveis
à luz da lua. Teria sido um momento muito romântico se não houvesse uma
nuvem de teimosia miserável. — Não pode ficar aqui. Demônios, Lady
Cecily, é muito perigoso! Não vê que estou tentando protegê-la?
— Nunca pedi sua proteção. Não se iluda de que a necessito.
— Sempre trata seus anfitriões com tanto desdém?
— Sempre trata seus convidados de maneira tão grosseira?
Robert estava preste a esquecer de si mesmo e levantar a voz quando
Cecily soltou um suave ofego e puxou urgentemente seu braço. — Olhe
isso!
Robert se virou para a casa. Levou um momento para entender o que
ela estava vendo.
Em uma janela de cima, as silhuetas de duas figuras estavam
claramente marcadas pela luz das velas. Duas figuras intimamente
entrelaçadas. Um homem alto, poderoso, e uma garota menor e mais magra.
Beijavam-se, profundamente. Mas bem, pareciam como se estivessem
desfrutando.
— Quem pensa que é? — Perguntou Cecily. Não precisava olhá-la
para saber que estava se divertindo muito. — Não acho que pensaram que
alguém iria se esconder na escuridão e vê-los.
— Provavelmente é Northmere, e seus velhos truques — suspirou
Robert. — Sinto muito pela garota.
— Sério? Porque eu a invejo bastante. — A ideia de frear a insolente
boca de Cecily com um beijo não era, para surpresa de Robert, algo
desagradável. Nem era uma imagem que pudesse deixar de lado facilmente.
— Não tem vergonha? — Murmurou. A última coisa que queria era
que Cecily descobrisse o efeito que tinha sobre ele. Só podia imaginar o
quão insuportável seria sua alegria.
— Mas esse não é exatamente o propósito de um baile de máscaras?
— Perguntou Cecily. Ela falou suavemente e, talvez inconscientemente,
aproximou-se dele para que pudesse ouvi-la. A escuridão aumentou o som
de seu sussurro até que encheu os sentidos de Robert. — As máscaras nos
permitem fazer coisas que nunca sonharíamos fazer ao ar livre.
— Estou totalmente de acordo. Sua própria máscara, por exemplo,
tornou-a muito audaz.
— E, no entanto, o valente e mundano conde de Scarcliffe permanece
tão afetado e adequado como sempre!
Robert ficou furioso. Era indecoroso discutir com uma dama, sabia
disso, mas Cecily não fazia mais do que confrontá-lo.
— Está tentando me provocar. Não funcionará.
— Não, Lorde Robert — Cecily suspirou. — Estou tentando
persuadi-lo para que me peça uma dança. — Os olhos de Robert deixaram a
janela onde o misterioso casal ainda se abraçava. Seu olhar traçou
descaradamente as linhas do corpo de Cecily, pouco visíveis à meia-luz. O
arco de sua cintura, onde estaria sua mão se dançassem a valsa. Suas curvas
elegantes e atraentes.
Impulsivamente, sua mão levantou seu queixo até encontrar os olhos
dele. Ele viu sua respiração ficar mais lenta. Foi nesse momento, com a
mão no queixo dela, seus olhos fixos nos dela, que Robert percebeu que
tinha tanto, se não mais, poder para acelerar os batimentos cardíacos do
coração de Cecily como ela o dele.
— Não importo para quem você prometeu a valsa — disse-lhe. — É
minha.
Cecily assentiu. Robert não pôde deixar de sorrir.
Finalmente tinha descoberto o que era necessário para deixar Lady
Cecily Balfour sem palavras.
Robert parecia ver a multidão se separando diante dele enquanto
levava Cecily pela mão ao centro da pista de dança. Nunca tinha pensado
muito em sua própria aparência, apesar de supôs que sua máscara lhe dava
um certo estilo.
Era Cecily cuja figura cativou a todos. Ninguém era tão elegante, nem
tinha tanta graça, ninguém se movia com uma dignidade tão imperiosa
como ela. E estava em seus braços.
Sim, era perigoso. Mas Robert nunca se deu conta de quão
emocionante podia ser o perigo. Seu batimento cardíaco era requintado, e
não sabia se era a ameaça dessa descoberta ou a proximidade de Cecily.
Teria sido educado conversar enquanto dançavam, mas ele e Cecily
não tinham começado a amizade de maneira tradicional, e não via
necessidade de fazê-lo agora. Simplesmente aproveitou a oportunidade para
memorizar cada mancha turquesa em seus olhos azuis claros. Seu olhar era
magnético. Nenhum deles podia suportar desviar o olhar até a dança
terminar.
A multidão aplaudiu os músicos, mas o som era débil e distante nos
ouvidos de Robert. Ele se inclinou para beijar a luva de seda de Cecily. —
Obrigado, minha lady — murmurou.
— O prazer foi meu — ela respondeu. De repente, seus olhos
desceram até os dela, seus longos cílios cobrindo o azul. Alegrava-se com
isso. Se ela tinha conseguido pôr seu mundo de cabeça para baixo sem
sofrer o menor efeito sobre si mesma, teria se sentido muito miserável.
Não, ela sentiu. Igual a ele. Seus corpos se movendo ao mesmo tempo
tinham criado uma melodia muito mais doce que a valsa.
Robert levou Cecily para um canto tranquilo, consciente dos olhares
curiosos que ainda os seguiam. — Já se divertiu. Vai agora, enquanto ainda
tem a oportunidade de fazê-lo despercebido.
A atenção dos espectadores não tinha passado por Cecily. Ela
orgulhosamente levantou sua cabeça. — Por que iria fazer isso?
— Para o meu próprio bem — suplicou Robert. — Não ficarei
satisfeito até que esteja a salvo longe daqui.
— Meu cartão de baile está cheio, meu Lorde. — Os lábios de Cecily
se ergueram em um meio sorriso travesso, e Robert fez o possível para não
desfrutar da vista. — Não quero ir embora até amanhecer.
— É impossível — suspirou Robert.
— Senhorita Somerville? — Um jovem vestido de leão dourado se
aproximou deles nervosamente. — Acredito que esta dança é minha. —
Robert sentiu uma inesperada pontada de frustração quando Cecily baixou
sua mão e pegou a do jovem leão. Ele a viu deslizar na pista de dança com
tanta graça que parecia que seus pés não tocavam o chão.
Era um milagre que ninguém mais tivesse descoberto sua identidade.
Ninguém se movia como Cecily. Caminhava como se fosse proprietária de
todas as habitações em que entrava.
— Meu Lorde — chegou até ele a voz calma de um lacaio,
interrompendo seus pensamentos — O doutor Hawkins deseja lhes falar
sobre seu pai. Está nos aposentos do marquês.
— É obvio — disse Robert, afastando seus olhos de Cecily. Tentou
não invejar demais o jovem leão. Afinal, não era nem uma questão de
aprender a compartilhar. Cecily nunca seria dele, por mais que desejasse.
 
11

Aparentemente, a máscara que o conde de Scarcliffe usava não era o


disfarce eficaz que pensava que seria. Cecily descobriu rapidamente que
tinha sido a única mulher com quem teve tempo de dançar em sua própria
festa. Como consequência, a misteriosa senhorita Somerville foi objeto de
um alto grau de atenção e intriga. Todas as damas queriam conhecê-la;
todos os homens queriam dançar com ela.
Cecily sempre se perguntou se seu êxito na sociedade se devia
simplesmente ao seu alto berço. Ninguém podia negar que ser filha de um
duque trazia muitas vantagens. Por isso, ficou muito feliz ao descobrir que
sua inteligência e paquera eram tão bem recebidos quando era apenas uma
simples senhorita.
Embora não tinha tido a oportunidade de dançar com Robert, Jemima
estava igualmente bem. Cecily mal trocara palavras com sua “irmã” a noite
toda, era assim devido o grande número de parceiros de dança de Jemima.
Ela possuía exatamente o tipo de figura esbelta e cabelos dourados que
atraía a atenção dos cavalheiros. Às vezes, Cecily tinha sentido ciúmes dela,
embora soubesse muito bem que o bom aspecto de Jemima não significava
que sua vida fosse fácil.
Neste momento, a única maneira de seguir Jemima pelo salão era pelo
balanço de suas plumas de pavão sobre a máscara. A julgar pela forma
como se moviam, estava passando um bom momento. Cecily não poderia
estar mais contente com seu plano.
— Acho que devo me sentar um momento — disse a seu último
companheiro com um suspiro feliz. — Seria tão amável de me trazer um
copo de limonada?
O jovem se moveu com presteza para buscar uma cadeira para ela, e
procurar refrescos. Cecily agitou os dedos dos pés dentro de suas sapatilhas
de baile. Não eram exatamente as botas de couro feitos à medida que
preferia, mas não podia negar que eram bonitas.
Às vezes era agradável ser simplesmente bonita, insípida e
encantadora. Nenhum dos cavalheiros dessa noite lhe impôs suas ideias
absolutamente. (Excetuando Robert) Era relaxante. Ficaria completamente
louca se a vida sempre fosse assim, mas de vez em quando, era realmente
agradável.
Cecily se encontrou olhando ao redor da pista de dança, procurando
Robert. Que estranho. Não estava em nenhum lugar.
Que tipo de homem não se preocupava com seu próprio baile? Só os
ligeiros disfarces e as máscaras lhe impediram de ser denegrido a um pobre
anfitrião.
Foi então que Cecily começou a se perguntar se Robert realmente
queria realizar esta festa. Não parecia ser o tipo de homem que enchia seus
dias com bate-papos sociais e risadas de jovens. Ela o tinha como um
homem que “se deitava cedo para levantar-se cedo”, amante do ar livre e do
estilo de vida selvagem. A menos que isso fosse exatamente o que ela
queria que fosse…
Só tinha a metade de seus pensamentos em Robert. Seguia escutando,
embora não com atenção, o bate-papo que acontecia a seu redor. Tinha o
tipo de mente que sempre estava ansiosa por um pouco de diversão e não
podia ser facilmente extinta.
Assim não foi espiar, mas pelo seu hábito natural de procurar alguma
distração, que ela foi levada a escutar a conversa que estava ocorrendo entre
os cavalheiros que estavam próximos a ela.
— Decepcionou-me não ver seu pai, Hart — disse um cavalheiro. —
Ouvi dizer que em sua época o velho podia envergonhar qualquer homem
na pista de dança!
— Lamento dizer que seus dias de dança terminaram — respondeu
Lorde Jonathan Hartley. — Embora seja um mistério a forma como sua gota
sobreveio de repente esta noite em particular.
— Misterioso? De que maneira?
— Bom, eu não gosto de intrigas. — Os outros cavalheiros riram
incrédulos.
Hart admitiu o ponto. — Muito bem, muito bem. Podem me chamar
de velha peixeira, se quiserem.
— Simplesmente digo que é curioso. O velho chega a Scarcliffe Hall
e toma um gole de um barril de porto que chegou de Loxton, que, como
sabem, está na terra do Duque de Loxwell e cai doente. Tirem suas próprias
conclusões, cavalheiros. Eu tirei as minhas.
— Não podem estar sugerindo que o Duque envenenou seu pai! —
Cecily não pôde resistir em olhar a reação de Lorde Jonathan.
Ele fez um elegante encolher de ombros, e respondeu com um olhar
malicioso: — Oh, o velho e vil duque nunca faria algo assim.
— É seu costume falar tão desrespeitosamente de um Duque? —
Cecily exigiu, ficando de pé. O grupo de cavalheiros se separou diante ela,
envergonhados, exceto um.
Hart olhou friamente nos seus olhos. — Com licença, Senhorita. Não
acredito que tenha tido a honra?
— Meu nome é Jane Somerville — disse Cecily. — E você é Lorde
Jonathan Hartley. Não é um Rei, meu Lorde. Nenhuma rainha, pelo que
posso ver — Este comentário foi recebido com risadas dissimuladas dos
outros cavalheiros reunidos. — O que lhe dá o direito de falar mal de um
Duque?
— Não disse nada injustificado — disse Hart, afastando-se como se
sua conversa o aborrecesse. A mão de Cecily saiu disparada e lhe golpeou
no ombro.
— Não terminei de falar! — Estava muito zangada para se arrepender.
Mesmo quando um silêncio se estendeu ao redor dela e do irmão de
Robert, não o fez.
Hart olhou para o lugar de seu ombro onde o havia tocado como se
não pudesse acreditar que tivesse feito. — Mas eu já terminei, senhorita
Somerville.
— Exijo que se retrate de sua vil acusação contra o Duque de
Loxwell!
— Recordando o que eu disse, não encontro nada que deseje
reconsiderar. — A voz de Hart era perigosamente suave e baixa.
— Então você não é um cavalheiro, meu Lorde. O Duque de Loxwell
é um homem honrado.
— Essas são as coisas que faz para defender os inimigos de um
homem sob seu teto? — Hart exigiu. — Posso lembrá-la de onde está,
jovem. Esta é a casa da minha família.
— Isso não lhe dá o direito de difundir intrigas e rumores.
— Eu faço o que me dá vontade em minha própria casa. — Para
surpresa de Cecily, Hart arrancou a máscara do rosto, revelando o sorriso
zombador que levava. — Não tenho medo de pôr meu rosto, além de
minhas palavras. E você?
Cecily percebeu que ele a tinha encurralado. Todos no salão se
viraram para ver sua discussão. Se revelasse seu rosto, todos saberiam o que
tinha feito.
Seria expulsa do baile desonrada.
— Não disse nada impróprio — disse ela, dando um passo para trás.
Hart se aproximou dela, com os braços cruzados, rosto zombando.
— Você tentou me dizer o que posso e não posso dizer sob meu
próprio teto. Se fosse um cavalheiro, chamá-la-ia imediatamente. Mas é
uma dama, assim pelo menos, exijo enfrentar meu acusador.
— Vamos, Hart — exclamou Northmere, quem tinha deslocado do
outro lado do salão de baile — O que é tudo isto? Tenho certeza de que a
dama não queria prejudicar.
— Irmã! — Chegou a voz de Jemima, muito aguda para seu gosto.
Evidentemente, estava dançando com Northmere. Ele praticamente a
arrastou atrás dele. — Por que não agradecemos a Lorde Jonathan por sua
hospitalidade e vamos para casa?
— Oh, não há necessidade disso — disse Hart, sorrindo como uma
raposa para um coelho encurralado. — Se a senhorita Somerville apenas
tirasse sua máscara, tenho certeza de que seremos capazes de suavizar as
coisas admiravelmente.
A última coisa que Cecily queria era deixar que Hart vencesse. Suas
escolhas não eram agradáveis: revelar seu rosto, e admitir o fato de que ela,
Lady Cecily Balfour, penetrou em um baile que não foi convidada. Ou ir
para casa. Fugir, na verdade. Deixar Lorde Jonathan como vencedor.
Estava tão contrariada que, pela primeira vez em sua vida, não tinha
nada a dizer.
— Deixe-me acompanhá-la até a porta — disse Northmere, parado
entre Cecily e Hart. Agarrou sua mão com um pouco de força e a arrastou
com ele. — Não seja parva — murmurou. — Hart não apreciará que jogue
com ele.
— Mas as coisas que disse sobre meu pai…
— Não acho que estava falando de seu pai, Senhorita Somerville. —
Uma onda de conversa se espalhou pela multidão no momento em que
saíram, e Cecily estava segura de que ela era o tema principal da conversa.
Northmere olhou para Jemima cansado.
— E a quem tenho a honra de me dirigir?
Jemima levantou sua máscara, movendo as plumas de pavão, e
pressionou um dedo nos lábios. — Lady Jemima Stanhope — sussurrou.
Northmere revirou os olhos. — Bom, minhas damas, espero que
tenham se divertido às custas dos Hartley o suficiente por uma noite. Vou
ajudá-las a entrar em sua carruagem e vigiarei até que as veja virar a curva
no final da entrada.
— Obrigado, Lorde Northmere — disse Cecily, agradecida. Não era
frequente que se metesse em uma confusão tão grande e que necessitasse
ajuda para escapar dela.
— Não estou fazendo isto por você — Northmere deu-lhe um sorriso
irônico. — Acontece que sou algo assim como um perito em me livrar de
situações difíceis, e esta é uma ocasião em que posso usar meus talentos
para ajudar outra pessoa.
Chegaram à carruagem. — Boa noite, senhoras. — Ofereceu a mão
primeiro para a Cecily, depois a Jemima, para entrar. Cumprindo sua
palavra, Cecily o viu olhando dos degraus da entrada da casa enquanto sua
carruagem se afastava.
— Esse barão Northmere é mais do que um pouco charmoso — disse
Jemima, evitando diplomaticamente o assunto do atrito de Cecily com o
desastre. — É uma pena que não tenha sido ele quem arrancou a máscara.
Teria gostado de vê-lo de perto.
Cecily girou uma mecha de cabelo solto entre seus dedos. O
arrependimento não veio naturalmente para ela, mas estava fazendo seu
melhor. — Você conseguiu se divertir esta noite, então? Mesmo que eu
tenha te forçado a fazê-lo… e quase alterando todo o plano para poder
fugir?
Jemima estava a ponto de lhe responder quando a carruagem se
deteve repentinamente.
Cecily mordeu o lábio. A última coisa que ela queria era ficar mais
um momento na terra de Hartley. — Condutor! — Chamou-o. — Que
diabos está acontecendo?
— Há um cavaleiro adiante bloqueando o caminho — disse-lhe em
resposta. — Não se preocupe. Vamos movê-lo rapidamente.
— Oh, pelo amor de Deus. — Cecily enfiou a cabeça pela janela,
esperando ser confrontada por algum convidado que tinha tomado muito
champanhe. — Com licença! — Gritou. — Saia do caminho de uma vez!
A última pessoa que esperava ver cavalgando em direção à janela era
o homem cujo irmão a havia insultado diante de quase todos seus
conhecidos.
Mas ali estava Robert.
 
12

Robert dera ao doutor Hawkins e à jovem que o ajudava, a senhorita


Anna Hawkins, a cortesia de acompanhá-los até a porta. Para falar a
verdade, não era que sentisse a necessidade de ser excessivamente educado.
Na realidade, não sentia muita inclinação para o baile de máscaras e, depois
de dançar com Cecily, seu desejo de juntar-se à diversão tinha diminuído
ainda mais.
Foi o suficientemente honesto consigo mesmo para admitir que não
havia outra mulher na festa que captasse sua atenção como ela fez.
Qualquer outra pessoa seria uma pálida comparação. A ideia de fingir que
desfrutava da festa enquanto Cecily resplandecia e brilhava nos braços de
outros homens no centro da pista de baile era detestável.
Uma vez que o Doutor Hawkins e sua filha partiram em segurança,
Robert se encontrou procurando outra razão para evitar voltar para seu
próprio baile. Ah! É claro. Ainda não tinha ido ver o Thunder.
Dirigiu-se aos estábulos bem a tempo de ver uma carruagem se
movendo para a porta principal. Na escuridão, era quase impossível
distinguir o uniforme do condutor, então talvez fosse apenas porque Cecily
estava em sua mente que Robert reconheceu as cores Balfour.
Ela estava saindo. Tinha prometido dançar até o amanhecer, mas
partia! Sua mente se encheu de todas as coisas que devia ter dito enquanto
dançavam juntos. A ideia de deixar essas palavras sem dizer era
insuportável.
Robert selou Thunder com muita pressa e cavalgou pelo atalho
arborizado que seguia a mesma linha do longo caminho de entrada de
Scarcliffe Hall. Cruzou bem a tempo, parou na frente da carruagem de
Cecily no momento preciso em que chegava aos portões.
A cabeça de Cecily apareceu, espiando pela janela. — Condutor! Que
diabos está acontecendo?
Robert levou seu cavalo para seu lado da carruagem imediatamente.
— Está indo embora — disse. A máscara de Cecily estava em seu colo.
Podia distinguir todos os contornos de seu lindo rosto à luz da lua. Ela
parecia surpreendida.
— Pediu-me isso, não foi?
— Mas disse que ficaria. Por que vai agora?
Ela levantou sua cabeça orgulhosamente. Ele estava começando a vê-
la se orgulhar por diversos motivos, mas nenhuma por vaidade. Neste caso,
ela estava ferida.
— Pergunte a seu irmão. É um homem encantador.
— Hart descobriu sua identidade?
— Desculpe, meu Lorde. — Uma garota loira tirou Cecily da janela.
— Não acho que seja sensato ter outra conversa entre os Hartley e os
Balfours esta noite.
Robert rangeu os dentes. — Hart fez algo imprudente, não fez?
— Insultou meu pai — disse Cecily, por cima dos protestos de
Jemima. — Não tive escolha a não ser responder a ele.
— Hart não é um cara mau, Lady Cecily. Ele apenas… Ele não leva
nada muito a sério — Como Robert poderia explicar a complicada
personalidade de seu irmão?
— Nem sempre foi assim. Sofreu uma grande decepção, há muito
tempo, e após se resguarda. Sente que precisa se defender. Rir e zombar são
suas principais armas.
— Não vejo o que as decepções de Lorde Jonathan têm a ver com
suas grosserias com meu pai.
— Deixe-me pedir desculpas em seu nome — Robert desmontou de
Thunder e pôs sua mão na porta da carruagem. — Venha comigo um
momento. Tenho certeza de que uns instantes são tudo o que necessito para
pôr as coisas em ordem entre nós.
— Ceci! — Advertiu sua acompanhante. — Sob nenhuma
circunstância deve abandonar esta carruagem. Ele é um Hartley. O que seu
pai pensaria?
Cecily hesitou um momento. — Papai não aprovaria nada do que eu
fiz esta noite — disse com um descuidado encolher de ombros. — Jemima,
deve me ajudar a garantir que ele não se inteire sobre isso.
Saiu da carruagem e colocou seu braço no de Robert. — Se realmente
deseja abordar a disputa entre nossas famílias, me permita ser a primeira
Balfour a aceitar um debate justo. Mas aviso que será difícil para você
explicar as acusações que apresentarei contra sua família.
— Obrigado por me dar a oportunidade de tentá-lo. — Ignorando as
queixas de protesto que saíam da carruagem, Robert levou Cecily através
das árvores ao lado da estrada. Esperando que a qualquer momento lhe
dissesse para parar, levou-a mais profundo para que estivessem
completamente escondidos de sua amiga e seus lacaios.
Ela o seguiu sem um murmúrio de queixa. Robert se perguntou se seu
sangue, também, estava esquentando a cada passo que davam juntos na
escuridão. Não estava pensando claramente, sabia. Não havia nenhuma
desculpa para se esconder com Cecily. A menos que o que ele realmente
pretendia não fosse uma conversa…
— É suficiente — Cecily falou. — Confio em você, meu Lorde, mas
não acho que isso lhe dê o direito de ir comigo para o bosque. As coisas que
preciso lhe dizer não são adequadas para os ouvidos dos criados, mas
estamos longe o suficiente.
— Você primeiro — disse Robert. Apoiou-se em uma árvore e cruzou
os braços, esperando.
Cecily evidentemente não esperava que ele fosse tão dócil. Ela
cambaleou, só por um momento. Foi encantador.
— Nenhum dos nós estávamos vivos quando sua antepassada fugiu
com um pintor e culpou meu tio avô morto — ela começou. Um mau
começo. Robert não conseguiu esconder o desconforto que apertou sua
mandíbula.
— Refere a quando Lorde Thomas Balfour sequestrou Lady Letitia
Hartley?
— Não sei o que seu pai lhe contou sobre isso — disse Cecily, com
um pequeno suspiro de aborrecimento. — E devo admitir que não me
importo de ter minhas próprias amizades determinadas pela desgraça de
duas pessoas que morreram há muito tempo. Estou mais preocupada com os
crimes recentes de sua família.
— Está falando do baile? Garanto-lhe que não foi minha ideia.
— Suspeitava — disse Cecily, com um sorriso estranho que iluminou
suas feições.
Robert experimentou a incômoda compreensão de que ela podia ler
seu caráter muito melhor do que ele podia ler o seu. — Mas não me referia
ao baile. Como sabe, Jemima e eu não sofremos com o desprezo. — Ela
pegou algo de sua bolsa e segurou na frente dele. Robert lutou para sair na
escuridão. — Isto é o que me preocupa, Lorde Robert. Encontrei-o
escondido no dormitório que você me pôs em Scarcliffe Hall. — Sua voz se
abrandou, assumiu um tom quase suplicante. — Não vejo nenhuma
possibilidade de alguma explicação de inocência.
Ela pressionou o objeto na mão de Robert. Era pequeno e redondo.
Um anel?
Quando o viu, só pôde observar o escudo dos Balfour.
— Encontrou isto em Scarcliffe Hall? Isso é impossível.
— Não é algo pessoal contra você, Lorde Robert. Prometo-lhe isso,
isto não é uma invenção. — Cecily estava brincando inconscientemente
com uma mecha de cabelo que se soltou de seu coque. Não havia nada
suspeito em seu comportamento; parecia realmente preocupada. — Você já
o viu antes?
— Nunca — admitiu Robert, devolvendo-lhe. — Não consigo pensar
como uma coisa assim estaria em posse de minha família.
— Mas eu sim posso pensar como, e pior ainda, por quê — disse
Cecily. — Este anel poderia muito bem ser usado para selar uma carta em
nome de meu pai. Uma carta cheia de toda classe de mentiras poderia ser
assinada com seu nome e seladas com isto. Se nunca viu este anel e desejo
de todo coração acreditar em você, então deve ser obra de seu pai ou de seu
irmão.
— Não posso aceitar. Pode que lhe tenham parecido o contrário, mas
ambos são homens honrados — Robert passou a mão por seu cabelo,
esforçando-se para encontrar uma explicação. — Esse dormitório não foi
usado há muitos anos. Duvido que Hart, por exemplo, já esteve lá. Se algum
Hartley realmente tinha a intenção de fazer algo errado com esse anel, deve
ter sido há muitos anos atrás.
— Se eu pudesse acreditar em você! — Ela sussurrou. Desejava que
tivessem melhor luz. Pelo tremor na voz de Cecily, seus olhos estavam
cheios de lágrimas, mas ele não conseguia ler sua expressão o suficiente
para julgar se as palavras de consolo seriam bem recebidas. — A maneira
como seu irmão falou comigo esta noite, depois que percebeu quem
realmente era, me mostrou o quanto me detesta, Lorde Robert.
— Hart pode falar com dureza, mas ele não odeia a sua família mais
do que eu — disse Robert.
— Falar com dureza! Uma bonita maneira de descrever um homem
cruel.
— Não falaria dele dessa maneira se o conhecesse.
— Como posso saber em quem confiar? — Perguntou Cecily. — Em
suas amáveis palavras, ou as cruéis de seu irmão? Quando tenho dois
sentimentos tão opostos, a quem devo ouvir? Estou segura de que seu irmão
me odeia. E sei que seu pai também.
— Não sou minha família — disse Robert. Falava com toda a paixão
que pôde reunir, mas sabia que não seria suficiente para convencê-la.
Só havia uma maneira de convencer Cecily do que havia dentro de
seu coração.
Ele pegou seu rosto entre suas mãos. Mal podia ver sua reação, mas
sabia pelo jeito que ela ofegou que não queria que ele parasse. Seu polegar
seguiu uma trilha de umidade, o restante de uma única lágrima de prata.
— Tenho que te beijar — disse, tentando aliviar a dura necessidade
em sua voz com ternura. — Não pensei em mais nada desde que dançamos.
— Por que, Lorde Robert — ela disse, com um toque de seu espírito
habitual. — Tinha-o como um homem de ação.
Qualquer brincadeira adicional que ela tivesse em mente, ele não
ouviu. Seus lábios estavam sobre os dela. Havia muito em jogo para ser
suave. Beijou-a fervorosamente, incessantemente, deixando que cada parte
de sua honestidade e desejo por ela ficasse claro.
Se pudesse se desfazer de gerações de inimizade, o faria. Se
conformou em trazer o sangue de Cecily para a mesma temperatura febril
que o dele.
Suas mãos se agarraram a ele, pegando sua camisa nos punhos, com a
necessidade de uma resposta que apenas aumentasse sua fome por ela. Suas
próprias mãos estavam em seus cabelos macios, agarrando-o com uma força
que devia ter sido quase dolorosa. Não conseguia aproximá-lo o suficiente
dela. Só podiam fundir-se por um momento através dos lábios, mãos e suas
línguas. Mas não era suficiente.
— Devemos parar — exclamou Cecily em sua boca.
— Não posso!
— Nem eu.
— Cecily Balfour!
O grito de horror cruzou diretamente no meio de seu abraço, fazendo-
os chocar.
Cecily pôs suas mãos em seu cabelo meio caído, com os olhos
arregalados e assustados. — Jemima!
— O que está fazendo?
— O que estou fazendo? — Jemima agarrou Cecily pelos ombros
como se fosse sacudi-la. — Seu cérebro está completamente confuso?
Ele pensou que tinha feito um sorriso naqueles lábios bem beijados.
— Completamente confuso quase o descreve, na verdade.
— Deveria escoltar a duas de retorno a sua carruagem — disse
Robert, dolorosamente consciente de que Jemima tinha gritado o nome de
Cecily tão alto que provavelmente foi ouvido em casa. Ela o rodeou com
fúria.
— Não fará nada mais do que afastar-se de Cecily! Deixe-a em paz!
Diz a ela que não é algo bom, e eu sei disso muito bem!
As duas garotas desapareceram na direção da carruagem. Robert se
deixou cair contra o tronco de uma árvore, ouvindo a paixão nos próprios
batimentos de seu coração.
Jemima tinha razão em duvidar dele. Afinal, que Hartley tinha
significado algo bom para um Balfour?
Nesse momento, Robert não sabia dizer se isso era algo bom ou ruim
para Cecily.
Beijá-la foi, de qualquer forma, um engano lamentável. As
implicações que traria para sua honra, sua reputação, seu futuro… Tinha, de
fato, a intenção de lhe prejudicar? Foi esse o impulso irresistível que levou
seus lábios aos dela?
Se assim fosse, por que seus suspiros de prazer ainda ecoavam em sua
mente? Por que estava cheio de uma dor insuportável, como se uma parte
vital dele tivesse sido arrancada de seu peito?
Robert sempre se considerou um homem honrado. Mas, um homem
com verdadeira honra teria considerado as consequências. Um homem com
boas intenções não teria beijado Cecily absolutamente.
Robert percebeu que ele deveria ser menos honrado do que sempre
tinha suposto. O único pensamento em sua mente era como e quando seria
capaz de beijar Cecily de novo.
 
13

O baile, com suas lembranças tão dolorosas como agradáveis, tinha


ficado para trás.
Cecily tentou voltar para seus passatempos habituais como montar,
caminhar, pintar e visitar seus amigos em Loxton com seu entusiasmo
habitual.
O fato de que dormisse todas as noites revivendo o beijo com Robert
não tinha a menor importância. Cecily não se apaixonara antes, apesar de
chegar a seu vigésimo aniversário, então supôs que este, por ser o primeiro,
fosse tão sério quanto sua idade permitia, além da força natural de um
primeiro afeto. Ela não era uma menina tola de dezesseis anos pronta para
deixar-se ir pelo primeiro homem que chamasse a atenção. Era uma jovem
inteligente e sensata. Estava segura de que estes sentimentos logo
passariam.
Somente quando o mau tempo a afastou de suas atividades ao ar livre,
se entregou a seus sentimentos de desejo. Cecily sempre precisou de muitas
atividades para se distrair e, nestas terríveis circunstâncias, os dias chuvosos
simplesmente não bastavam.
— Outro suspiro — comentou Jemima, que estava no piano,
folheando muito animada um novo livro de música que o duque de Loxwell
tinha lhe dado recentemente. — Já sabe que posso ouvi-la enquanto toco.
— Era um bocejo — protestou Cecily, retomando seu trabalho de
costura. Jemima deliberadamente deu uma nota errada, fazendo-a saltar.
— Reconheço um suspiro quando ouço. Oxalá não conhecesse a
causa.
Cecily realizou alguns pontos com cuidado, sentada com as costas
retas e confortável. Parecia ser a antítese perfeita dessa classe de jovem
desenfreada que beijava homens de reputação questionável sob o manto da
escuridão. Jemima, entretanto, não era tão fácil de enganar.
— Está pensando nele.
— Pelo contrário — disse Cecily, erguendo seu bordado para a luz
para admirar seus pontos. — Estou pensando na condessa de Streatham, em
minha querida Isabella. Está deixando o luto por seu marido e deseja nos
fazer uma visita.
Jemima deixou o piano e sentou-se ao lado de Cecily. — Isto é sério,
Ceci. Estou preocupada com você.
— Não há nada com que se preocupar — disse Cecily, com um
sorriso radiante. Jemima estreitou os olhos.
— Diga-me, quantas vezes pensou em lorde Robert esta manhã?
— Até este momento? — Cecily não conseguiu evitar que seu rosto
se transformasse. Ela se jogou de novo sobre as almofadas. — Pelo menos
mil vezes. Mas estou muito decidida a superar minha… minha pequena e
tola fantasia.
— Não sei se a chamaria tola, Ceci — disse Jemima, pegando o
bordado na mão antes de que caísse no chão. — Nunca vi você se
comportar assim antes.
— De que maneira?
— Realmente não sabe? Você passou essas duas últimas semanas
vagando como se estivesse sonhando acordada. Até sua mãe percebeu.
Esteve a ponto de chamar o doutor Hawkins ontem, mas consegui dissuadi-
la.
— Que engraçado! A última coisa que preciso é de um de seus
tônicos. — Sentiu vergonha ao perceber que estava fazendo precisamente
aquilo que a fazia rir dos outros: Perder a cabeça por um homem
inconsequente! — Preciso de um bom passeio ao ar livre. Mas não pelo
bosque de Scarcliffe. A nova ordem de papai para vir comigo toda vez que
ponho um pé fora de casa me faz sentir quase asfixiada
— Não precisa de um passeio — disse severamente Jemima. — O
que tem que fazer é falar com seu pai.
— Sobre o quê? — Cecily estava um pouco assustada de ouvir a
resposta.
— Acho que o melhor para você é que reúna toda a informação que
possa sobre a história de sua família com os Hartley.
— Mas Jemima, acabei de lhe dizer...
— Diga o que queira. Prefiro acreditar na evidência diante dos meus
olhos. Você perdeu a cabeça por lorde Robert, e eu seria uma parva se não
notasse. Não se esqueça de como te conheço, Ceci. Conheço seus estados
de ânimo, e este é um novo. Um muito sério. Não pode ocultar isso de mim
— No estou tentando ser desonesta com você — Cecily suspirou. —
É só que… sei que tenho sido tola. E, como regra, não me comporto como
se fosse. É quase vergonhoso.
— O amor não é algo para se vergonhar — disse Jemima, com um
sorriso.
— Amor! Quem o mencionou?
— Vá com seu pai — riu Jemima, lhe dando um pequeno empurrão.
— Tem uma mente muito perspicaz, Ceci – mesmo que este homem tenha
confundido você um pouco – deveria ser capaz de chegar à verdade desta
inimizade se tentar. Se seus sentimentos por lorde Robert cheguem a algo
mais ou não, seria maravilhoso que pudesse obter a paz entre o Loxwell
Park e Scarcliffe Hall.
— Isso é verdade — disse Cecily, contente por Jemima não ter
demorado muito na ideia de amor. — Irei diretamente a ele.
O velho duque era uma pessoa de hábitos, e Cecily sabia que a esta
hora do dia o encontraria examinando as contas de sua propriedade com o
mordomo. Esta era uma tarefa que o Duque odiava, e gostava de qualquer
tipo de interrupção.
— Pode me dar um momento, papai? — Ela perguntou, entrando em
seu escritório sem se incomodar em chamar.
O Duque fez um gesto como se estivesse considerando. — Bom,
Ceci, você me pegou em um momento difícil. Verá... o senhor Halliwell
acaba de assinalar um assunto muito importante que precisa de toda minha
atenção.
— Oh. — Cecily baixou o olhar. — Suponho que meu pequeno
problema não é tão importante. Não importa. Posso esperar.
— Tolices! — O Duque a interrompeu rapidamente. — Halliwell não
se importa que eu tome um momento para minha filha, não é, Halliwell?
Nada é tão importante para mim como seu bem-estar, querida. Espere por
mim lá fora, Halliwell. Não demoraremos.
O mordomo pegou alguns documentos e os deixou a sós. O Duque
levantou-se de trás de sua mesa e foi se sentar em sua grande poltrona.
Cecily se sentou no braço dela e se apoiou com carinho em seu ombro.
— Agora bem, qual parece ser o problema? — Perguntou o Duque.
— Oh, são só algumas intrigas que escutei na cidade — disse Cecily
garbosamente.
— Algo que ouvi sobre o conde de Scarcliffe e sua família.
— Hah! Quem sabe que classe de maldades estiveram fazendo
ultimamente? Não, não me diga isso. É melhor que pense o menos possível
nessa família, querida. Estão muito abaixo de você.
Cecily não acreditava que houvesse muitas possibilidades de que
pensasse menos em Robert.
Tentou uma tática diferente. — Por que, exatamente, estão tão mal
vistos, papai? Conheço a velha história do tio Thomas, que morreu em um
acidente de carruagem, mas nunca me explicou por que foi culpa da família
Hartley.
O Duque suspirou e esfregou a mão no joelho. — Não é uma história
agradável, Ceci. Desejaria poder lhe dizer algo mais.
— Não sou uma menina, papai.
— Isso é verdade. É certo. E talvez seja melhor que conheça a
verdade, para que possa se armar contra falsidades. O fato é que nossa
família foi muito próxima dos Hartley. Quando era menino, passei mais
tempo em Scarcliffe Hall que nesta casa! O Marquês e eu fomos grandes
amigos. Às vezes, até, cheguei a esperar que nossa amizade pudesse
sobreviver às brigas de nossos pais. Mas, quando nos tornamos homens,
ficou claro que não era para ser. Não é apropriado seguir sendo amigo de
um homem que continua difundindo tais mentiras malvadas sobre nossa
família. Não era correto. E, pelo bem de meu falecido pai, não posso
perdoá-lo.
— Conte-me tudo o que aconteceu — disse Cecily. O Duque
acariciou sua mão.
— Estou chegando ao ponto, Ceci. Não me apresse. A triste verdade é
que os Hartley, embora sejam uma família da nobreza, não merecem esses
títulos excelentes.
A carruagem que levou o tio Thomas à sua morte era uma das suas.
Simplesmente não cuidaram o suficiente de suas posses. Sempre foram um
pouco desenfreados.
Tenho certeza de que não conseguiu se livrar de ouvir falar do conde
de Scarcliffe e da natureza bizarra de seu irmão, e foi sua negligência que
matou o pobre Thomas. Era um homem muito doce. Nunca esquecerei a
forma como acostumava aumentar o dinheiro em meus bolsos com sua
própria atribuição! Eu era um de seus favoritos, acredito, e ele nunca quis
que eu ficasse sem ele. O jeito que minha avó chorou quando soube de sua
morte me seguirá até o dia de minha morte.
— Bom, depois do trágico acidente e observe que ninguém disse que
foi algo mais que um acidente, você esperaria que uma família honrada
enviasse suas condolências. Mas isso não ocorreu. Aqueles cruéis Hartley,
em um esforço para ignorar a culpa que tinham na morte de Thomas,
acusaram-no de ser responsável por um vergonhoso sequestro de uma das
filhas deles. Seu nome era Letitia, pelo que me lembro. Era uma boa garota,
embora não muito brilhante.
— Como pode imaginar, a dor que suas mentiras causaram aos meus
avós e a meu pai foi imensurável. Thomas era um homem honrado!
Ninguém se atreveria a acusá-lo de ter uma má conduta enquanto estava
vivo. Mas na morte, a verdadeira natureza dos Hartley saiu à luz.
— Pior ainda, logo se descobriu que tinham inventado o sequestro
para evitar que a reputação de Letitia ficasse arruinada por sua própria
estupidez, a muito parva tinha fugido com um pintor! Não é o tipo de jogo
que os Hartley poderiam suportar por alguém com seu próprio sangue,
assim escolheram acrescentar à dor que nossa família sofreu com essa
história cruel. — Ao notar como Cecily ficou tranquila, o Duque deu-lhe
um beijo vigoroso na bochecha. — Sei, querida. Tudo isto é bastante
desagradável.
— Certamente é — disse Cecily, fracamente. Ela não tinha previsto o
desgosto com que o pai falava da família de Robert. — Mas… talvez seja
um pensamento tolo, mas Thomas e Letitia estão mortos há muito tempo.
As palavras do velho Marquês não podem mais prejudicá-los e você mesmo
disse que o atual Marquês já foi seu amigo. Não há esperança de
reconciliação?
Seu pai não esperava essa resposta. Irrompeu em um ataque de
indignação. — Reconciliação? Não ouviu uma palavra do que lhe disse?
Não só insultaram nossa família uma vez, mas continuam a fazê-lo! O
Marquês nunca se desculpou pelo comportamento de seu pai. Não, ele o
apoia ativamente! Você teve a sorte de nunca ter encontrado com esse
homem ou com seus filhos, querida, assim não sabe como espalham veneno
sobre nosso bom nome, onde quer que vão! Esse baile que fizeram dias
atrás é um bom exemplo disso.
— Você acha que se o Marquês estivesse disposto a admitir seus erros
do passado, teria nos desprezado assim? É tão claro como o dia que nenhum
desses homens se arrepende de sua história familiar absolutamente. Não,
não importa o que o Marquês tenha significado para mim quando menino,
um verdadeiro Balfour nunca deve esquecer seus insultos e certamente não
deve perdoá-los.
— Claro, papai, — disse Cecily, incapaz de ocultar o tremor de sua
voz. — Entendo muito bem.
— Vê agora? Sabia que toda esta conversa sobre esses canalhas iria
incomodá-la. — O Duque fez uma massagem reconfortante em seu braço.
— Não pense nisso, Ceci. Os Hartley não são nada para você, e espero que
eles saibam o suficiente para deixá-la em paz.
— Isso espero — mentiu Cecily. Ficou de pé. — Bom, obrigado por
me dizer isso papai.
— Sinto-me muito mais tranquila agora que entendo a história toda.
O Duque baixou suas sobrancelhas ásperas. — Não parece muito
tranquila, querida.
— Talvez eu tenha que admitir que estou um pouco perturbada —
Cecily forçou um sorriso em seu rosto. — Deitar-me-ei um momento. Um
pouco de descanso restaurará meu espírito rapidamente.
— Fico feliz em ouvir isso — sorriu seu pai. — O que eu faria sem
meu próprio raio de sol?
Pôs sua bochecha, e ela amavelmente o beijou. A pressão para parecer
feliz estava dando um nó no estômago, mas ela estava decidida a não deixar
que notasse.
— Enviarei Halliwell de volta, papai — ela disse, saindo.
— Oh, sim. Suponho que deve fazê-lo. Entra, Halliwell!
Cecily não chegou ao final do corredor antes de sentir que sua
máscara escorregava e que a miséria estabelecia em suas feições. Correu
escada acima rapidamente, para que ninguém pudesse vê-la, e se jogou em
sua cama.
Amava muito seu pai. De verdade o fazia. Sim.
Então, por que estava tão convencida em seu coração de que ele
estava errado?
Sabia que seu dever era odiar aos Hartley. Sempre foi uma filha
obediente.
— Mas não posso te odiar, Robert — sussurrou em seu travesseiro. —
Mesmo se me beijou apenas para me arruinar, não posso te odiar.
Não havia esperança de descansar, como ela dissera. Cecily estava
deitada em sua cama em um tumulto de tristeza e confusão, olhando como
as sombras da noite lentamente se desenhavam no teto.
O único homem que queria era o único homem que nunca poderia ter.
Como tinha conseguido organizar seus afetos tão mal?
O que seria dela se Robert nunca pudesse ser dela?
 
 
14

Passaram quinze dias do baile e Robert sofria como Cecily, só que ele
não sabia. Nem lhe faria bem escutar que ela correspondia a seus afetos.
Tinha sido criado para cumprir com seu dever e manter sua família acima
de todas as coisas, e se apaixonar por Cecily tornou ambas as coisas
bastante difíceis.
Durante algum tempo, ele se recusou a admitir para si mesmo o
estado de seu próprio coração.
Ele foi à caça e à confusão com Hart, Beaumont e Northmere. Fazia
escandalosas trapaças a todos, venceu todos as partidas de bilhar, caçava
com grande facilidade às aves disparando nelas com indiferença. Era um
solteiro sem laços.
E estava começando a odiá-lo.
O verão em Scarcliffe Hall tinha sido pensado como um paraíso
isolado cheio de prazeres rurais. Agora, ele descobriu que cada momento
era ofuscado pela lembrança de um único beijo. Um beijo! O que era um
beijo para ele? Afinal, já tinha obtido mais do que lhe correspondia nisto.
Mas nada o afetara tanto quanto Cecily. Nem sua paixão por sua razão
o abalou tão eficazmente.
— Converteu-se em um amargurado, Robert — disse Hart um dia
enquanto tomavam o café da manhã calmamente. Esse era um grande
comentário, vindo dele. — Espero que não esteja levando muito mal a
presença do pai. Ele ainda não está bem o suficiente para viajar, sabe disso.
Ele nos deixará em paz assim que puder.
— Você nem pode imaginar as imposições que meu pai me tem feito
ultimamente, Hart — respondeu Robert entre dentes, sem fazer nada para
dissipar seu miasma de amargura. — Porque, se não fosse por ele…
Se não fosse por esse maldito baile, ele nunca teria beijado Cecily.
Seu desfrute da vida não teria sido tão grandemente alterado. Tudo seria
como era antes.
Chega! Ele não podia se arrepender desse beijo nem por um
momento. Ele se sentia como um bebê que tinha nascido no inverno, e via o
verão pela primeira vez. O ar parecia mais frio, o verde das folhas era mais
profundo, e o sol mais quente. O mundo era horrível, dolorosamente mais
brilhante, e tudo graças a Cecily e seu maldito e irresistível sorriso. Tinha
que fazer algo. Devia fazer algo.
Quando Robert decidiu agir, se sentiu significativamente melhor. Não
era o tipo de homem que se sentava para lamentar seus próprios infortúnios.
Foi feito para realizar grandes proezas e façanhas atrevidas. Sim, desejava
Cecily, que assim seja. Agiria de acordo.
Este foi o impulso que o levou a esgueirar-se com sigilo pelos
arbustos localizados nos fundos de Loxwell House uma noite, após o pôr do
sol.
Robert seria o primeiro a admitir que não era conhecido por pensar
primeiro e agir depois. Era o homem que quase tinha arruinado sua irmã,
disparando em seu prometido em um duelo, depois de tudo. Portanto, não
lhe surpreendeu que as dificuldades que ameaçavam seu plano de encontrar
Cecily só se apresentassem depois que ele já havia embarcado nele. Como
era de esperar, o primeiro problema foi que não tinha ideia de qual das
muitas janelas de Loxwell House pertencia ao seu objeto de desejo.
Robert se escondeu atrás de sebes altas e virou o pescoço para ter uma
melhor visão da casa. Algumas luzes nas janelas estavam acesas. Aqueles
no térreo e no sótão seriam os dormitórios dos criados. Teve a sorte de que
todas as persianas estarem fechadas.
Na ala leste da casa, a luz das velas brilhava através das cortinas
transparentes.
Que tipo de cortinas Cecily teria em seu dormitório?
Esta era a primeira vez que Robert pensava tanto em cortinas, e não
achou a experiência animadora.
No lado oeste do edifício, outras duas janelas estavam iluminadas.
Uma tinha vistas para um pequeno balcão com hera. A outra tinha vasos de
barro com flores. Robert estreitou os olhos. Flores silvestres. Parecia tão
provável que fosse a janela de Cecily como qualquer outra.
Com cautela, se agachou e pegou uma pedra. Tinha que ser do
tamanho adequado. Nem tão pequena para passar despercebida, nem tão
grande para quebrar o vidro.
Jogou na janela com as flores silvestres. Não foi à toa que seus
amigos o chamavam de melhor atirador da Inglaterra. A pedra atingiu o
centro do vidro.
Robert esperou atrás da sebe, prendendo a respiração.
Uma sombra passou pela janela, e abriram as cortinas.
Uma cabeça feminina apareceu. Uma cabeça loira.
Robert se escondeu atrás do arbusto. Jemima estava olhando
desconfiada para o jardim abaixo de sua janela.
— Se por acaso houvesse um cavalheiro lá fora esta noite, —
anunciou, finalmente — deve saber que a janela de Cecily é a do balcão.
O som de uma janela sendo fechada com firmeza foi ouvido.
Robert saiu silenciosamente de trás do arbusto e correu para a casa. A
hera que crescia até o balcão parecia ser bastante resistente. Devia ser.
Pôs uma mão em uma pedra e agarrou um ramo de hera com a outra,
e começou a subir. Foi mais fácil do que tinha imaginado.
Suas botas lhe eram de pouca utilidade enquanto seguia subindo cada
vez mais alto, entretanto, ajudava-se usando os cantos e recantos que
encontrava naquele lado da parede da velha casa. Agarrou outro ramo de
hera, agradecido por ser mais grosso. O balcão já estava quase ao seu
alcance…
Quanto Robert estendeu a mão para agarrar no corrimão do balcão, a
hera que o sustentava começou a se desprender da parede. Ele começou a se
agitar no vazio, procurando com as mãos algo para se agarrar.
Foi assim que ele caiu sem parar, atingindo o chão com um baque
surdo que tirou todo o ar de seu corpo.
Robert piscou, completamente aturdido. Tentou ficar em pé, seguro de
que alguém havia ouvido a queda, mas descobriu que não podia fazer mais
do que tentar mover os braços e as pernas. O mundo caía sobre ele.
— É você!
Com um pouco de esforço, Robert se concentrou no balcão. Mais
especificamente, no pequeno O de surpresa que os lábios de Cecily fizeram
enquanto estava lá, olhando-o fixamente.
— O que estava fazendo? — Exigiu. Talvez fosse pelo impacto que
lhe provocou a queda, mas Robert não sabia dizer se ela estava contente ou
furiosa de vê-lo. — Espera aí! Não se mova! Vou até você.
Robert se recuperou o suficiente para se apoiar sobre um cotovelo
enquanto Cecily corria descalça pelo gramado. Ele assumiu a pose mais
casual que foi possível, mostrando-se acima de tudo como se ele tivesse
escolhido deitar no canteiro sob a janela de Cecily.
Ela se ajoelhou a seu lado. — Perdeu o juízo?
— Possivelmente. — Robert estava quase certo de que nada estava
quebrado, mas, a julgar pela preocupação de Cecily, não era tão óbvio para
ela que escapou ileso. Ficou de pé. Cecily saltou sobre ele, pondo as duas
mãos nele para mantê-lo firme.
— Vá com calma — ela respirou. — Não se apresse.
Robert pegou sua mão onde tocava seu peito. — Estou bem. Não há
necessidade de ficar tão alarmada.
— Alarmada? — A outra mão de Cecily lhe deu uma palmada quase
dolorosa no braço.
— Exatamente que parte de encontrar um homem subindo até a janela
de meu dormitório à noite não tinha a intenção de me alarmar?
— Admito, foi pouco convencional. — Robert sentiu-se um pouco
enjoado após sua queda. — Tinha que vê-la de novo.
— Poderia ter me feito uma visita matutina como qualquer outro
cavalheiro!
— Sabe tão bem quanto eu que me teriam rechaçado na porta.
Os olhos de Cecily se abrandaram. — Não será minha culpa. Nem
tampouco sua.
Meu pai… — Ela se virou. Ele se alegrou disso. Não suportava ver a
dor em seu rosto. — Falei com meu pai, mas não há esperança. Disse-me
que era meu dever te odiar.
Robert percebeu que ainda estava com a mão entrelaçada com a de
Cecily. Ela não estava usando luvas. De fato, estava cada vez mais
consciente de que ela estava vestida com nada além de uma longa camisola
branca.
— Odeia-me? — Perguntou, sentindo sua boca secar subitamente.
Cecily não respondeu. — Seria uma grande traição para sua família se você
me dissesse quais são seus sentimentos?
— Não é que eu não tenha coragem de responder. É simplesmente
que não sei o que te dizer. — Ela arrancou sua mão da dele, apertando o
punho em frustração. — Estou tão confusa!
— Talvez eu possa esclarecer as coisas para você. — Robert pegou
sua mão outra vez e a acariciou gentilmente, e, antes de que pudesse
realmente pensar no que estava fazendo, ficou de joelhos.
— Tinha razão — exclamou Cecily. — Perdeu o juízo.
— Não. Em vez disso, diga que encontrei a única coisa neste mundo
que realmente faz algum sentido. — Robert apertou sua mão contra seus
lábios. Sua pele era cálida. — Lady Cecily, me faria a honra...
— Não me pergunte isso!
Ele olhou em seus olhos, grandes e brilhantes como duas safiras no
escuro. — Não posso parar agora. Negar meus sentimentos por você
exigiria mais força do que há dentro de mim.
Cecily também caiu de joelhos, sem lhe importar que o barro
manchasse sua camisola, e pôs uma mão em sua bochecha. — Se me
perguntar, ambos estaremos arruinados — sussurrou.
— Case comigo.
— Não. — Mas tudo nela - o aperto de sua mão, a adoração nos
olhos, o tremor nos lábios entreabertos - dizia que sim.
Robert não desviou o olhar. Teve a repentina e vertiginosa sensação
de que esse era o momento mais importante de sua vida. Cecily poderia
destruir suas esperanças ou lhe fazer feliz para sempre. Tudo dependia do
que escolhesse dizer a seguir. — Não estou enganado. Sei que sente algo
por mim, Cecily.
Ela fechou os olhos em agonia. — Se pudesse fazer você entender a
profundidade dos meus sentimentos, talvez me deixasse em paz.
— Case comigo.
— Não posso! — Cecily se afastou dele e ficou de pé. Robert
levantou-se e a agarrou pelo pulso antes que ela pudesse fugir. No momento
em que a tocou, Cecily abandonou sua ideia de escapar e tornou-se suave,
flexível, disposta deixar-se ir em seus braços e ser beijada profundamente.
— Nossas famílias vão se destruir uma à outra — protestou. Robert a
beijou. Em pouco tempo, os braços de Cecily o envolveram novamente,
aproximando-o enquanto ela tentava sussurrar novos protestos. Seus lábios
percorreram por seu pescoço fino até que seus sussurros se tornaram
suspiros de deleite. — Vai se safar dessa, — disse-lhe, mantendo seu corpo
perto do dela. Podia sentir cada centímetro do seu corpo doce, e isto o fazia
esquecer com muita facilidade o risco de ser descoberto. Era tudo o que
podia fazer para não prendê-la contra a parede e deixar que sua paixão o
levasse longe. — Não me casarei com você até que nossas famílias se
reconciliem.
Cecily o olhou com tanta confiança que Robert quase se arrependeu
de suas palavras. Não tinha nenhum plano para solucionar a inimizade de
seus pais. Tudo que sabia era que deixar Cecily sem nenhuma esperança
para o futuro seria uma dor tão grande que não poderia suportar.
— Parece uma situação impossível — disse. — Mas uma vez pensei
que era impossível para mim ter a oportunidade de me casar com o homem
que desejava… e, entretanto…
— E, entretanto, aqui estamos.
— Se trabalharmos juntos, tenho certeza de que encontraremos uma
maneira de reunir as nossas famílias novamente — disse Cecily. — O
duque de Beaumont tinha razão. Nossos pais contam duas histórias opostas
de como nossos antepassados se feriram uns aos outros. Não podem ser
verdadeiras. Devemos trabalhar para descobrir o que realmente aconteceu, e
provar o melhor que pudermos.
— Então, tudo o que precisa é que a família que esteja errada peça
desculpas a outra, e o assunto será resolvido. — Ao ouvir as folhas
farfalharem no jardim, ela olhou com temor.
— Não há ninguém lá — disse Robert, virando seu rosto para ele para
lhe dar outro beijo.
Cecily se conteve. — É muito perigoso que fique aqui. Deve ir.
— Quando vou te ver outra vez?
— No meio do bosque de Scarcliffe, no lado do rio de meu pai, há um
carvalho velho que está em uma clareira. É apenas um curto caminho ao
norte pela ponte. Conhece-o?
Robert não pôde deixar de sorrir. — Não sou tão audaz como você,
minha Cecily. Nunca antes me atrevi a invadir a terra de Balfour. Mas o
encontrarei.
— Amanhã, então… ou, na sua ausência, quando o sol estiver
brilhando. Encontrar-me-ei lá ao meio dia.
— E posso te escrever?
Os olhos do Cecily se estreitaram. — Pode me escrever assim que eu
aceitar sua oferta de matrimônio. Não antes.
Robert a aproximou mais, de modo que cada curva de seu corpo
pressionou contra ele, deliciosamente nítido através do tecido fino de sua
camisola. — Não tinha me dado conta de que estávamos fazendo isto de
uma maneira original.
— Bruto! — Cecily choramingou, mas ela estava rindo - e por trás da
risada, havia algo mais em seus olhos. Uma faísca de desejo que não tinha
visto antes, mas que tinha a intenção de acender até convertê-la em uma
chama. — Deixe-me ir!
— É isso o que realmente quer?
Os dedos de Cecily se enroscaram em seus cabelos enquanto ficava
nas pontas dos pés para dar um beijo casto em seus lábios. — Até amanhã,
sim. Realmente quero que vá. Que retorne com segurança a Scarcliffe Hall.
Não estarei satisfeita até saber que se foi.
— E eu não estarei satisfeito até ver você novamente.
Cecily suspirou, seus olhos esvoaçando no que Robert passou a
reconhecer como uma característica de sua felicidade.
— Vá embora! Tudo em mim quer que fique, mas deve ir antes que
alguém nos descubra.
Quando Robert a deixou, ele sentiu um estranho puxão dentro de seu
peito. A metade de seu coração ficou nos braços de Cecily. — Espera! —
Ela gritou, enquanto ele se voltava para a escuridão do bosque mais à frente
do jardim. Robert olhou para trás.
— Deve ter isso — disse Cecily, tirando um anel de seu dedo e
colocando-o em sua mão.
Robert olhou-o à luz da lua. Era um selo Balfour com rubis gêmeos.
— Eu deveria estar lhe dando um anel — comentou, prestes a devolvê-lo.—
Não o contrário.
— É o símbolo da minha confiança em você — insistiu Cecily,
negando-se a aceitá-lo de volta. — Quando encontrei esse anel, pensei que
provava que era meu inimigo.
Agora, sei que não é assim. Guarda-o, e não me esqueça.
— Como se eu pudesse te esquecer! — Robert colocou o anel em seu
dedo mindinho.
Teria que encontrar alguma maneira secreta de usá-lo. Talvez, em
uma corrente em volta do pescoço. Sim. Era o correto ter o emblema do
afeto de Cecily pendurado ao lado de seu coração.
— No velho carvalho — prometeu-lhe. — Ao norte do bosque pela
ponte. Amanhã. Ao meio dia.
— Estará lá?
— Nada poderia me induzir a falhar com você.
Cecily deu-lhe um último beijo e se virou para desaparecer de volta
para casa.
Robert seguiu seu exemplo, e correu de retorno ao bosque tão rápido
como o sigilo lhe permitia, onde Thunder continuava amarrado a uma
árvore.
Sentia-se tão enjoado pela alegria que se perguntou se sua cabeça
tinha recebido um golpe quando caiu do balcão.
Cecily era dele. Bom, talvez não desejasse admiti-lo. Podia fazer
tantos protestos sobre esperar quanto quisesse. Mas o tinha renomado como
o homem que ela desejava. Desejava-o tanto quanto ele a ela.
Enquanto Robert deixava que Thunder seguisse com cuidado o
caminho através do escuro bosque, manteve em sua mão o anel, apertando-
o com força contra o peito. Esse anel era agora sua posse mais preciosa.
Um lugar que logo seria usurpado pela própria Cecily.
 
15

— Acho que nunca vi um dia de verão tão perfeito — disse Cecily,


nem a primeira nem a segunda vez nos últimos cinco minutos. Jemima
permanecia totalmente absorta em seu livro, e o relógio marcava doze
horas. Se Cecily quisesse ver o Robert no carvalho, teria que partir
rapidamente. Maldita natureza superprotetora de seu pai! Cecily não
precisava de uma acompanhante para um simples passeio por seu bem
cuidado bosque. Essa mesma manhã, tinha tentado suplicar a seu pai por
aquela imposição, mas ele não se comoveu.
— Deseja que eu morra de um ataque do coração? — demandou-lhe,
e Cecily ironicamente recordou que havia herdado dele sua própria
obstinação. — Sua mãe e eu ficamos muito preocupados na última vez que
você se perdeu no bosque. Não voltará a acontecer!
— Mas não irei tão longe desta vez — suplicou Cecily. — E
certamente não me aventurarei para o rio pelo lado de Scarcliffe Hall.
Aprendi muito bem minha lição.
— Não ouvirei mais sobre você entrando nesse bosque sem a
companhia apropriada — disse o Duque. Cecily conhecia bem o pai; sabia
que quando tomava uma decisão nada o faria mudar.
Esta era uma dessas vezes.
Então, ela foi persuadir a uma relutante Jemima de que a
acompanhasse em seu passeio pelo bosque. Não podia levar a donzela -
depois de arriscar sua reputação desaparecendo da carruagem com Robert
diante dos lacaios e o condutor - e Cecily não podia confiar nos criados para
não adicionarem dois e dois com suas intrigas.
Além disso, na posição de criados não desafiariam o Duque e
deixariam que Cecily fosse sozinha.
Jemima, por outro lado, estava totalmente aberta a todo tipo de
intrigas. Se apenas Cecily pudesse encontrar alguma maneira de lhe
comunicar que havia mais nela do que um simples desejo de tomar ar
fresco!
Ela se inclinou para sussurrar a verdade para Jemima, mas chamou a
atenção de sua mãe.
A Duquesa estava tomando chá do outro lado do salão e Cecily não
tinha nenhum desejo de chamar sua atenção.
— Não deseja um passeio ao sol, Jemima? — Perguntou Cecily, cada
vez mais desesperada. Jemima levantou a vista com o cenho franzido.
— O que desejo é terminar meu livro. Uma tarefa que você está
fazendo excessivamente difícil.
— Mas que agradável seria sentar e ler na grama!
— Há alguma razão em particular para se aventurar lá fora, Ceci? —
Perguntou sua mãe. — Por que não chama uma donzela para te
acompanhar? Isso seria mais do que suficiente para contentar seu pai.
Cecily deu à sua mãe um sorriso radiante. — Eu só estava preocupada
com a saúde de Jemima. Ela passa muito tempo aqui dentro.
— Os costumes de Jemima estão à altura de sua amabilidade, Ceci.
Gostaria de poder dizer o mesmo dos seus.
Cecily estava a ponto de desistir quando Jemima fechou seu livro e
ficou de pé com um suspiro. — Bem, atrevo-me a dizer que tem razão —
disse, piscando para ela. — Um pouco de ar fresco me fará muito bem.
Deixe-me ir buscar um casaco, Ceci. Não acho que faça tanto calor lá fora,
como diz.
Cecily estava tão emocionada que correu na frente de Jemima e tirou
o primeiro casaco que viu no armário. Agora que a duquesa não podia vê-
las, a expressão de Jemima tornou-se decididamente suspeita. — Você
nunca foi particularmente boa em guardar secretos, Cecily. Não sei se
alguém lhe disse isso.
— Tolices! Que razão oculta poderia ter para querer dar um passeio
pelo bosque de Scarcliffe em um dia como hoje?
Jemima torceu o nariz. — E se eu sugerisse que, em seu lugar,
fossemos para Loxton?
Cecily ofereceu-lhe o casaco para que o pusesse, sacudindo-o com
impaciência. — Eu diria a você que não há nada como sentir o vento nas
árvores ou como a luz do sol atravessa as folhas, ou...
— Ou como o cavalheiro que espera encontrar lá. — Jemima abotoou
seu casaco, e suspirou. — Espero não me enganar em incentivar isso.
Cecily abraçou Jemima com toda a exuberância que seu segredo lhe
dava e a beijou na bochecha. — Acredite em mim, Jemima, está fazendo a
melhor ação do mundo!
De fato, o dia não tinha nada de perfeito, como Cecily havia dito. Mas
nem sequer notou. Para ela, o ar estava quente, o céu tinha um azul
glorioso, os pássaros cantavam, o perfume das flores flutuava na suave
brisa. Sim, Jemima grunhiu um pouco e puxou mais seu casaco, seria por
alguma outra razão que não tinha nada a ver com o céu nublado e com o
vento que soprava forte.
Estava preste a ver Robert de novo, e não havia nada que pudesse
estragar a alegria de sua antecipação.
— Este parece um bom lugar para sentar e ler por um tempo — disse,
quanto encontraram uma árvore caída a pouca distância da clareira e do
velho carvalho.
Jemima encolheu os ombros. — Servirá. Suponho que vai continuar
vagando enquanto me sento aqui?
— Bom, não gostaria de incomodá-la.
— Hah! Muito bem. Dê minhas saudações a… quem vier.
— Oh, duvido muito que cruze com alguém por aqui — disse Cecily.
Jemima não lhe devolveu a piscada.
— Com toda seriedade, Ceci, espero que tenha pensado bem. Isto é
um pouco mais perigoso do que nossas travessuras habituais.
— Diga-me, Jemima! Quando se tornou uma velha queixosa?
Jemima se negou a sentir chateada. — Não quero que saía ferida.
Essas palavras soaram ameaçadoras nos ouvidos de Cecily enquanto
ela caminhava pelo chão coberto de folhas até a clareira. Tinha permitido
que sua paixão por Robert a dominasse em um curto espaço de tempo:
muito curto, diria Jemima sem hesitar. Estes sentimentos profundos a
deixariam exposta a profundas feridas se tudo isto não chegar a nada. Ela
estaria vulnerável como nunca antes tinha sido.
Então viu Robert, encostado no velho carvalho com seu chapéu sobre
os olhos para bloquear o sol, e todas as suas dúvidas desapareceram.
O efeito que teve sobre ela foi nada menos que mágico. Cada parte do
corpo de Cecily ganhou vida em sua presença, a lembrança do toque de
Robert a encheu até a ponta dos dedos. Ela nunca em sua vida havia sentido
fome de verdade até este momento, com o eco dos beijos da noite anterior
que ainda faziam cócegas em seus lábios, e com o olhar frio de Robert
encontrando-a através da luz do sol.
— Chega tarde — disse. Cecily correu para ele, saboreando o choque
e o prazer que iluminaram seus olhos enquanto lhe abraçava.
— Estive tentando sair de casa toda a manhã. Quase que perdi!
— Não teria importado — disse Robert, tirando uma mecha de cabelo
de seus olhos.
— Teria esperado até o entardecer, e então teria esperado novamente
amanhã.
Seu cavalo relinchou suavemente ao seu lado. Cecily tinha vontade de
que Thunder a reconhecesse. — Olá, meu amado — murmurou, acariciando
seu nariz. — Sentiu minha falta?
— Vou ter que competir por seu afeto com meu cavalo? — Robert
queixou. Cecily soltou uma risada de deleite enquanto a agarrava pela
cintura e a beijava.
— Ele é um cavalo muito educado. Não posso evitar!
— Eu também não — disse Robert, seus lábios se movendo para seu
pescoço. Era tudo o que Cecily precisava para afastar-se. Robert sentiu-se
castigado. — O que houve?
— Temos trabalho a fazer — disse Cecily. — Não vim aqui para que
tome liberdades comigo. Estamos aqui para discutir a inimizade entre
nossas famílias, não para nos deixar levar.
Seu lábio levantou em um meio sorriso que iniciou um atoleiro de
calor no estômago de Cecily. — Mas você faz que seja tão deliciosamente
fácil se deixar levar, Cecily.
Ela cruzou os braços, decidida a não lhe mostrar o quanto isso a
afetava. — Realmente quis dizer tudo o que disse ontem à noite, ou apenas
procura um pouco de satisfação em alguns beijos?
Robert apagou seu sorriso no momento em que viu que era sério. —
Tem razão. Não devemos deixar nossas cabeças se voltarem para os
prazeres aqui presente, quando temos muito mais a ganhar. Deve confiar em
mim, Cecily. Não faço promessas levianamente. — Ele tirou a jaqueta e a
pôs no chão. — Sente-se aqui ao meu lado, e vemos ver se podemos
entender o emaranhado de pecados que nossas famílias têm entrelaçados.
— Meu pai sempre me disse que sua tia, lady Letitia, foi sequestrada
por seu tio, lorde Thomas — disse Robert, permitindo que Cecily
entrelaçasse sua mão agora nua com a sua. O toque de sua pele trouxe para
Cecily uma estranha mistura de conforto e emoção. Sentiu seus
pensamentos vagarem para a lembrança de como suas mãos a tinham
agarrado tão vorazmente na noite anterior, e teve que se esforçar a se
concentrar no que ele dizia. — Certamente, Letitia deve ter sofrido uma
grande desgraça em algum momento. Segundo todos os relatos, ela estava
perfeitamente saudável até o sequestro ou o que quer que fosse, mas sua
saúde ficou destroçada pelo terror que lhe causou a experiência. E, é obvio,
pela humilhação do escândalo que se seguiu.
— Esse assunto com o retrato…
— Retrato? Nunca ouvi falar de nenhum retrato.
Robert levou sua mão ao peito e começou a brincar meio consciente
com seus dedos, como se o simples toque dela lhe desse força e firmeza a
seus pensamentos.
— Tenho entendido que seu bisavô disse que lady Letitia tinha fugido
com um artista. Um pintor de retratos.
— Isso é o que meu pai me disse.
— Pode não ter lhe dito que o então Duque levou provas deste
suposto assunto a Scarcliffe Hall. Meu pai chamou isso de uma tentativa de
derrubar lady Letitia no momento mais gélido de sua miséria. Disse que era
um retrato de lady Letitia que o Duque afirmava ter sido pintado por seu
amante, e que era prova de sua aventura.
— Naturalmente, minha família o descartou por ser uma tolice, uma
tentativa cruel dos Balfour de tirar a atenção das ações de lorde Thomas
sobre sua inocente vítima. Letitia só tinha dezesseis anos na época. Nem
sequer tinha sido apresentada.
— As garotas jovens podem ser muito propensas a amores tolos —
disse Cecily. — É possível que amasse este pintor?
— Não posso dizer isso. Meu pai diz que não, mas na época era só
um menino.
— O que é verdade é que sua dor pelo incidente a deixou à mercê de
uma enfermidade nervosa grave. Teve que se retirar da vida familiar por
completo. Passou o resto de seus dias sendo cuidada em uma casa isolada
na cidade de Burnsley, junto com outras pessoas que sofriam de debilidade
mental.
— Que horrível! — Cecily se perguntou o que provavelmente levaria
uma mulher à loucura: o horror de um sequestro, ou a agonia de um amor
perdido. — Mas, como meu bisavô chegou a ter a pintura? Por que ele teria
um retrato de lady Letitia, e o que o levaria a afirmar que foi pintado por
seu amante?
— Terá uma oportunidade melhor de responder a isso que eu. Até
onde sei, o retrato segue em Loxwell Park. Depois que minha família se
recusou a retirar suas acusações contra lorde Thomas, o duque do Loxwell
pendurou o retrato em seu salão e disse a todos que o visitavam que
representava a escandalosa lady Letitia.
— Isso é algo muito cruel! — Exclamou Cecily. — Envergonha-me
ser descendente de um homem que foi tão insensível com uma jovem,
mesmo que ele realmente acreditava que ela estava errada.
— O velho Duque tinha perdido seu filho e culpou a minha família —
disse Robert. — Posso entender sua raiva. A dor impulsiona os homens a
fazer coisas que de outra maneira nem sequer considerariam.
— Sinto que agora posso entender como começou nosso problema. —
Cecily olhou Robert, com preocupação. — O que não vejo é como vamos
provar ou refutar qualquer afirmação. Suponho que lady Letitia morreu há
muito tempo?
— De gripe. Quando eu era menino.
— E lorde Thomas, é obvio, também está morto. Isso deixa apenas o
homem que pintou o retrato de lady Letitia. Se eu conseguir encontrar o
quadro – porque garanto, que ele não fica mais penduro em nosso salão,
poderei descobrir seu nome na assinatura.
— Do que serve encontrar o pintor se estiver vivo?
— Pelo menos poderá nos dizer a verdade de sua suposta aventura
com lady Letitia. Se pudermos provar que meu bisavô estava errado em
acusá-la, estou segura de poderemos convencer meu pai a pedir desculpa.
— Seria ótimo, se o Duque admitisse que estava errado — disse
Robert, soando pouco convencido. — Não poria suas esperanças nisso,
Cecily.
— Então, como vou aprender a ter esperança? — Cecily levou a mão
de Robert aos lábios e a beijou ternamente. — Devo fazer algo. Não posso
simplesmente me sentar e esperar que o destino nos deixe ficar juntos. E, da
minha parte, farei tudo o que possa para descobrir como o anel com o selo
dos Balfour chegou a ficar escondido em Scarcliffe Hall. Se meu pai segue
fazendo coisas contra o seu, deve ser detido imediatamente.
Robert puxou Cecily contra ele. — Não vou mais permitir que ele
continue fugindo dessa disputa estúpida. Não significa nada para mim se
seu bisavô insultou a minha tia avó ou não. Você é tudo o que importa para
mim.
Cecily lhe respondeu com um longo beijo que os deixou sem fôlego.
Era uma delícia que ainda não tinha tentado saber que o desejo de Robert
por ela era tão profundo como o seu por ele. Saboreou cada um dos suaves
ruídos de prazer que saíam de seus lábios como prova de seu triunfo.
Ela se sentia tão completamente conquistada por ele que parecia justo
que ele fosse igualmente vencido por ela.
— Se houver algum cavalheiro neste bosque — chegou um grito
estridente — seria bom ir antes de que os encontre!
Robert se afastou de Cecily com horror. — Nós fomos descoberto?
— É só Jemima. Não se preocupe. Não dirá a ninguém. — Cecily
ficou de pé e sacudiu seu vestido. — Estarei com você daqui a pouco,
Jemima! — Disse-lhe. — Robert, quando voltarei a vê-lo?
— Quando, aqui, todos os dias, ou todos ao mesmo tempo?
— Isso é impossível. Meus pais estão vigiando meus movimentos
desde que me perdi no bosque. Mamãe suspeita um pouco de meu desejo de
sair hoje.
— Então me escreva. Pode enviar Jemima se não puder escapar. —
Robert examinou o carvalho que os tinha protegido, em busca de um buraco
adequado. — Aqui, neste buraco. Coloca suas cartas aqui e eu as
encontrarei.
Cecily levantou o nariz. — Pensei ter dito que não nos escreveríamos.
— Está feliz de romper todas as regras de seu pai, exceto essa?
— Não é uma regra de meu pai, mas a da Sociedade. E não estou
dizendo não sem uma boa razão. As cartas são muito perigosas. Poderiam
as utilizar para nos delatar antes de que estejamos preparados para reunir
nossas famílias novamente. Isso seria desastroso.
— Queimarei suas cartas no momento em que as ler — prometeu
Robert. — Embora me romperá o coração fazer isso. Apenas diga que me
escreverá, Cecily. Não quero passar mais um dia sem você, embora apenas
seja para ler suas cartas.
Cecily estava começando a entender o ponto de vista de Jemima
quando disse que ver Robert era perigoso. Nunca conheceu alguém a quem
fosse menos capaz de resistir. Não era um bom augúrio para o futuro. Se
eles se casassem, Cecily pretendia se safar com mais frequência. —
Escreverei sempre que puder — disse.
Robert lhe agradeceu com outro beijo que passou da castidade de seus
lábios fechados para um aperto apaixonado.
— Cecily! — Jemima a chamou novamente.
Cecily se separou de Robert com uma risada sem fôlego e correu para
o som da voz de Jemima.
— Lembre-se de escrever! — Robert lhe pediu.
— Como poderia esquecer isso?
Cecily chegou ao lado de Jemima com um sorriso tão largo que era
quase doloroso e seus olhos dançavam de alegria. Sua mente ainda estava
clara com Robert, vendo a luz do sol jogar através de seu lindo rosto.
A expressão de Jemima a trouxe de volta à realidade. — Algo está
errado? Está doente?
— Um dos jardineiros passou por mim momentos atrás — Jemima
sibilou, segurando seu livro no peito. — Estava convencida de que te
encontraria, e eu não fui tão rápida para detê-lo enquanto seguia em sua
direção!
— Oh, Jemima. — Cecily pôs seus braços ao redor de sua amiga e a
abraçou com força. — Foi pedir muito que ocultasse meu segredo. Não vou
colocá-la nesta posição de novo, juro.
— Mas o que fez foi uma coisa boa. Eu disse ao jardineiro que tinha
ouvido um ruído como o de um animal ferido que vinha do sul da ponte.
Ele foi procurá-lo. Tivemos muita sorte de que ele fez isso! — Jemima não
era dada a grandes demonstrações, mas estava com uma palidez incomum.
Cecily entendeu. A ideia de que ela quase tinha sido encontrada nos braços
de Robert…
Não, não se permitiria pensar nisso. Ela e Robert tiveram apenas
alguns poucos momentos roubados, e não deixaria que o medo os vencesse.
— Deixe-me levá-la de volta para casa. Uma xícara de chá acalmará
seus nervos — disse calmamente.
Jemima passou a mão na testa. — Como seus próprios nervos podem
suportar tudo isto, é algo que nunca saberei!
Cecily lembrou com desconforto Lady Letitia e a ruptura de sua
mente quando seu amor secreto foi revelado. Esse seria o destino de Cecily,
se chegasse a ser apanhada e arrancada de Robert para sempre?
“Não sou uma garota de dezesseis anos, Cecily disse a si mesma. Sou
feita de coisas mais fortes. Vivi em perfeita felicidade antes de Robert, e
viverei nela se ele for afastado de mim.”
Deixou que seus pensamentos dolorosos se afastassem antes de
continuar imaginando essa dor. A proeza deve ter refletido em seu rosto,
porque Jemima a estava olhando com curiosidade.
— Pelo menos se divertiu? — Perguntou. — É um bom homem, não
é? Não consigo imaginar você se apaixonando por algo menos do que um
homem verdadeiramente bom.
— É maravilhoso — sussurrou Cecily. — Só espero que algum dia
possa encontrar um homem que faça você se sentir da mesma maneira.
Jemima soltou um bufo de risada. — Quando me apaixonar, farei-o
com sensatez — declarou ela. — Nada dessa tolice cruzada pelas estrelas.
Agora, acredito que me prometeram uma xícara de chá. Estou congelada até
os ossos depois de me sentar lá fora com este vento, Ceci.
— É claro, minha querida Jemima! Retornaremos a Loxwell House
imediatamente.
Cecily pegou o braço de Jemima. Se ela estava inusitadamente quieta
no caminho de casa, Jemima não mencionou.
Na verdade, Cecily não sabia se aquela reunião furtiva com Robert a
deixara feliz ou triste. É claro, ela estava completamente feliz com seu afeto
por ela.
Mas, de algum jeito, ele a deixou com um obstáculo mais insuperável
do que ela já havia percebido.
As ofensas de ambas as famílias tinham um traço muito profundo.
Ela poderia ser a mulher que finalmente os curasse?
 
16

Ainda era cedo, no que dizia respeito ao seu grupo de amigos, quando
Robert retornou pelo imponente caminho do bosque sobre as amplas costas
de Thunder. Não esperava que ninguém saísse da casa antes do meio da
tarde, depois de passar um dia intenso na mesa de bilhar na noite anterior.
Por isso, ficou surpreso quando Hart apareceu diante de seu cavalo,
que mal conseguiu puxar as rédeas a tempo.
— Bom dia, Hart — disse agradavelmente. — Saí para dar uma volta,
mas não tenho nenhuma objeção de permanecer aqui fora se quiser se unir a
mim.
— É um bom dia para isso — disse Jonathan, passando a mão pelas
rédeas de Thunder. Robert não gostou do tom de sua voz, muito menos que
outro homem controlasse a cabeça de seu cavalo.
Como Hart parecia inclinado a falar, Robert desceu de seu cavalo para
se encontrar na frente dele.
— No que está pensando?
— Somente na direção de onde você veio, irmão.
— O bosque de Scarcliffe é tanto minha terra como do duque de
Loxwell, Hart.
— Ah. — A mandíbula de Hart se apertou. — Não queria ser o
primeiro a mencionar a família Balfour, mas já que...
— Não sei o que está insinuando — disse Robert, dando um passo à
frente e obrigando Hart a soltar as rédeas e recuar. — E não tenho certeza se
quero saber. Vamos, voltaremos para casa juntos.
— Não acho que você quer que papai ouça o que tenho para lhe dizer.
Hart era um pouco mais baixo e muito mais magro que Robert. Tinha
herdado a constituição esbelta e elegante de sua mãe, enquanto que Robert
era, em geral, igual seu pai.
Robert nunca tinha intimidado seu irmão mais novo, mas isso não
significava que gostasse da ideia de ter uma briga.
— Está vendo coisas que simplesmente não existem — disse, e fez
Thunder seguir pelo caminho.
Hart saltou diante dele e bateu no peito de Robert com a palma da
mão — Como pode trair nossa família assim? — Para assombro de Robert,
a voz de Hart tremia de raiva. — Sempre me ensinou que lealdade e família
são tudo. E agora escapule para Loxwell Park para pular com essa… essa...
— Cuidado com o que diz, Hart — advertiu Robert, incapaz de
suportar a ideia de Cecily ser insultada. — Tenha muito cuidado.
— Essa Balfour — cuspiu Hart. — Sei que foi atrás dela na noite do
baile de máscaras. Que tipo de enfeitiço lançou sobre você?
— Tome cuidado como fala dela!
— Falarei como quiser da prostituta que o duque de Loxwell tem por
filha.
A mão de Robert se levantou por vontade própria. Apertou o punho, e
teve que fazer um grande esforço para se conter e não golpear o rosto de
Jonathan.
— Você vai me bater, Robert? — Hart perguntou, sem sequer tremer.
Não parecia zangado tanto quanto estava ferido. Robert suspirou e abaixou
o punho.
— Essa foi uma advertência, Hart. Não me tente.
Para sua surpresa, Jonathan respondeu empurrando-o no peito com
força. Ao perder o equilíbrio, Robert deu um passo para trás, agarrando-se
às ancas de Thunder para se manter em pé.
— Diga-me que a arruinaste — exigiu Hart. — Diga-me que o pai te
meteu nisso. Diga-me que tudo o que quer fazer é seduzi-la e desonrá-la.
Robert sabia que podia golpear seu irmão com um único murro, mas
não estava preparado para deixar a raiva tomar conta dele. Agarrou a
Jonathan pelos braços, obrigando-o a parar.
— Neste momento, — gritou — a honra de Cecily significa muito
mais para mim que sua bonita cara, Hart. Tome cuidado com o que diz.
Jonathan grunhiu de raiva e incapaz de se soltar das mãos de Robert,
baixou sua cabeça e avançou para frente para atingi-lo no nariz. Robert se
agachou bem a tempo e, soltou Jonathan que tropeçou pela rapidez do
movimento. Levantou seu punho e o golpeou com força sob o olho
esquerdo.
Jonathan se ajoelhou com um grito de dor. A raiva de Robert
desapareceu. Sabia muito bem que teria reagido da mesma maneira se
tivesse enfrentado a mesma situação há mais de um mês atrás. Odiar os
Balfour era o que fazia um Hartley. Não havia maneira de evitá-lo. Mas
Cecily tinha conseguido mudar tudo isso.
— Está machucado? — Ele perguntou, pondo a mão no ombro de
Jonathan.
Hart o ignorou.
— Você me cegou — gemeu.
— Tolices — Robert se inclinou e tirou a mão de Hart de seu rosto.
— Terá um bom olho roxo, isso é tudo.
— Meu rosto, Robert! Por que teve que me golpear no rosto?
Robert o ajudou a ficar de pé. — Fica tranquilo. Acalme-se. — Pôs
um dos braços de Hart ao redor de seus ombros e tomou as rédeas de
Thunder com sua outra mão, caminhando lentamente pelo caminho que
conduzia até a casa.
— Diremos a papai que Thunder o atirou contra uma árvore.
Jonathan não respondeu. Por um momento, Robert pensou que era
simplesmente porque estava zangado. Então, seguindo o olhar de seu irmão,
viu que o anel pendurado em sua corrente tinha escapado durante a briga
por baixo da camisa.
Parou de caminhar.
Hart estendeu a mão e olhou o anel com bons olhos. Girou o anel para
que o selo dos Balfour brilhasse com a luz do sol. — Diga-me que não está
apaixonado, irmão.
— Não é assunto seu.
— Se não sentir nada por ela, isto será uma boa sorte.
Robert agarrou o anel e o colocou de volta debaixo da camisa, onde o
sentiu frio e pesado contra sua pele. — O que diz?
— Pensa no que o pai poderia fazer à reputação do Duque com esse
anel!
— Isso só se puser suas mãos nele, coisa que não fará — disse
Robert. — Não tenho medo de escurecer seu outro olho.
— E não tenho medo de levar uma surra. Diga a papai o que tem
feito, Robert. Ele entenderá, desde que seja honesto. Não será o primeiro
em ter a cabeça transtornada por uma garota bonita, mas agora… agora que
tem seu anel…
— Não posso, Hart — suspirou Robert. — Não é isso o que pretendo
fazer. De fato, é exatamente o contrário. E se você se opuser a isso, temo
que não me deterei perante nada para me vingar. Essa é uma promessa que
não quero cumprir.
Hart se afastou, tocando seu olho esquerdo com cautela. Já estava
ficando roxo.
— Então está apaixonado — disse categoricamente.
— Assim é.
— Sinto muito não sentir simpatia por você. — Hart balançou a
cabeça com cansaço.
— O amor é para pessoas comuns, Robert. As grandes famílias têm
coisas melhores para fazer com seu tempo. Já esqueceu o quão perto nossa
irmã esteve de ficar arruinada, e tudo por culpa dessa tola fantasia chamada
amor?
— Nem sempre pensou que era tão ruim — recordou-lhe Robert.
O rosto de Hart mudou. — Sei melhor que ninguém como o amor
pode destroçar um homem — disse sombriamente.
— Então, não deixará que a mesma desgraça caia sobre minha cabeça
— insistiu Robert. — Não diga a papai.
Hart pôs seu braço em volta do ombro de Robert. — Não o farei.
— Obrigado, Hart. — A respiração de Robert se acalmou. Ele estalou
a língua para Thunder e voltou para a casa.
— Não é porque tenho medo de brigar com você.
— Nem em sonhos pensaria.
— É porque vai me dar seu melhor rifle de caça.
Robert se deteve em seco. O rifle em questão era uma arma belamente
feita de ferro cinza, aço e nogueira inglesa polida, encrustada com um
delicado desenho em arame prateado. Era uma de suas posses mais
apreciadas.
— Não pode estar falando sério!
— Muito sério. — Hart fez uma careta, embora seu olho roxo deve ter
doído muito. — Vamos, Robert, O que é mais importante... o rifle, ou a
honra de Lady Cecily? Não pode ter os dois.
Robert gemeu. — É um homem cruel, Hart.
— Tenho uma cabeça prática sobre meus ombros. O que é mais do
que posso dizer no seu caso.
— Muito bem. O rifle é seu.
Eles subiram por uma ladeira e Scarcliffe Hall apareceu diante deles
em toda sua majestade.
— Realmente quer fazer dessa mulher a Senhora de Scarcliffe Hall —
disse Jonathan, com um suspiro teatral.
— Para você, “essa” é lady Cecily.
— “Essa” será minha nova e mais querida irmã, e será um castigo.
Assumindo que planeja se casar com ela — Hart lançou-lhe um olhar
questionável. — Que demônios espera obter com isto, Robert? Sabe
perfeitamente que o Duque preferiria vê-la fugir com um bandoleiro do que
dar a você. E quanto a pai…
— Deixe isso comigo, Hart — disse Robert, com um ar de confiança
que sabia que era tão irritante quanto injustificado. — Será uma pequena
vingança de nós pelo...
— Amor verdadeiro? — Hart terminou para ele. — Você me deixa
doente. — Baixou a voz quando se aproximaram da entrada, como se as
pedras pudessem escutar. — Isto não me agrada, Robert. Há uma boa razão
para que os Balfour tenha sido nossos inimigos durante todos estes anos.
— Confie em mim — disse Robert. — Confie em mim, e eu vou
acabar com isso.
Só desejava poder estar tão seguro quanto soava. Não tinha nem ideia
do que faria para persuadir seu pai e o de Cecily a deixarem para trás seu
antigo ódio. Hart tinha razão ao pensar que era uma situação impossível.
Mas Hart não tinha o benefício que Robert tinha, que era ver sua
situação através da brilhante e esperançosa luz do amor.
Encontraria uma maneira. Embora apenas fosse porque sentia que
murcharia e morreria se não o fizesse, encontraria uma maneira de se casar
com Cecily.
 
17

Cecily não visitava com muita frequência a longa e estreita galeria


que abrigava a coleção de arte de sua família. Era um lugar onde seu pai
recebia visitas quando queria exibir sua riqueza.
Jemima ia frequentemente olhar com atenção uma pintura ou outra,
mas, desta vez, Cecily não queria sua ajuda. Esta era uma missão privada.
Além disso, Jemima não era um Balfour. Parte da família, sim, mas
não era do seu sangue.
Ela nunca tinha entendido realmente esta disputa. A forma como cada
membro de sua família aprendeu desde o nascimento que os Hartley não
eram nada além de uma família insidiosa e infame.
Cecily sempre se considerou uma pessoa inteligente. Enquanto
caminhava pela longa fila de paisagens luxuriantes e retratos de
antepassados mortos há muito tempo, perguntou-se como se deixara levar
completamente pelos preconceitos de seu pai.
Ela sempre se esforçou para tratar a todos de maneira justa, e nunca
tinha menosprezado ninguém, com exceção dos Hartley, a quem realmente
acreditava que mereciam.
Agora, sentia como se seus olhos estavam pela primeira vez
completamente abertos.
Tudo estava iluminado por uma luz nova e fresca.
O pai de Robert nunca fora um monstro. O próprio Robert era o
homem mais amável e maravilhoso.
Ela não podia dizer nada sobre lorde Jonathan, mas em seus
momentos mais caridosos, decidiu que ele só atuava como faria se tivesse
entrado sem convite a sua casa.
Todos eram culpados. Qualquer que fosse a verdade, todos eram
igualmente culpados.
Quando menina, Cecily tinha memorizado os nomes dos benevolentes
Duques e Duquesas nos retratos que agora olhava. Eram tão familiares para
ela como seu próprio rosto.
Muitos deles, de fato, tinham características similares às dela. Em um
velho cavalheiro de peruca branca, reconheceu seu delicado queixo. Nos
imperiosos olhos pintados de azul de uma dama, viu os seus.
Era uma sensação maravilhosa ter este conhecimento de pertencer.
Cecily sentia pena de Jemima, que não teve absolutamente nenhuma
oportunidade de se conectar com sua própria história familiar. Mas Cecily
não estava lá para rastrear a sua própria ascendência.
Estava procurando um retrato com um rosto que não conhecia.
O Duque se esmerava em cuidar de sua coleção. Sempre dizia que
não era realmente o dono deles, mas simplesmente cuidava deles até que
seus descendentes os herdassem. A moldura de cada quadro levava uma
placa de metal que indicava quem eram seu artista e modelo.
Cecily estava segura de que teria notado se uma das placas se lia Lady
Letitia Hartley. Teria sido estranho encontrar o retrato de um Hartley dentro
da Loxwell House.
Não, ela procurava um retrato que não tinha placa. Ou, pior ainda,
eles o deixaram deliberadamente sem uma placa. Poderia ter sido feito por
seu pai, que com sua natureza superprotetora, queria protegê-la de qualquer
indício das maldades passadas de sua família.
Cecily chegou quase ao final da galeria antes de encontrar uma opção
provável. Era o retrato de uma jovem que não podia ter mais de dezessete
anos. Usava um vestido branco bordado com flores rosas quase infantis.
Havia algo no brilho de seus olhos marrons, a inclinação de seu
queixo que lembrava levemente Robert. Mas isso poderia ser facilmente um
produto de sua imaginação como qualquer outra coisa.
Cecily olhou a placa ao lado do retrato: Young Girl, Andrew
Clearwell, 1765.
Havia muitas outras Garotas Jovens ou Damas Sem Nome na galeria,
mas algo sobre esta falou com Cecily. Olhou-o mais de perto, examinando
cada centímetro em busca de pistas. A garota, poderia ser realmente Letitia?
Estava sentada em um banco do jardim, com um buquê de flores na mão.
Essa mão chamou a atenção de Cecily. Por um instante, não pôde
acreditar no que estava vendo. A garota estava usando um anel. Era muito
pequeno para distinguir qualquer inscrição, mas os dois pontos de pintura
escarlate eram inconfundíveis.
Um anel com rubis gêmeos.
— Você está interessa pela arte, querida?
Cecily deu um salto cheia de culpa por causa do retrato enquanto sua
mãe caminhava pela galeria em sua direção. — Eu só estava…
— Esta é uma peça encantadora, não é? — A Duquesa a interrompeu,
unindo-se a ela para olhar o retrato. — Eu sempre me perguntei que
segredos existem por trás de seus olhos.
— Sim, está certa — Cecily concordou. — Foi isso que me fez parar
para olhá-lo. Parece que guarda um segredo.
— Seu pai já contou alguma vez a história desse retrato? —
Perguntou sua mãe, com um toque de tristeza.
Cecily mal se atrevia a respirar. Estava congelada pela indecisão,
incapaz de incentivar a sua mãe a revelar a história da pintura.
Acabou que o silêncio era a melhor opção que podia ter escolhido.
— Na verdade, pertence à família Hartley. É algo misterioso, como a
pintura caiu em nossas mãos.
— Como se chamava?
— Acho que era lady Letitia. Ela era a jovem que se mesclou nesse
assunto desagradável que… — A Duquesa ficou em silêncio. Talvez
sentisse que estava dizendo muito. — Sabe que eu não gosto de discordar
de seu pai, querida. Faz tempo, tivemos uma briga bastante forte sobre esse
assunto com a família Hartley. Ele sempre disse que eu não o entendia
totalmente, e devo admitir que nunca pude entender por que esses enganos
de tanto tempo atrás deveriam fazer parte nas divergências de hoje. Mas ele
tem suas razões. Ele sempre as tem, e você sabe. E eu serei a primeira a
admitir que o marquês de Lilistone não tem feito nada para perdoar.
— Talvez devêssemos devolver o quadro aos Hartley — sugeriu
Cecily. — Isso parece um gesto amável, mesmo se a gentileza não seja
devolvida.
— Na verdade, nunca pertenceu a eles. O quadro foi entregue a seu
bisavô. Venderam para ele. A história diz que o artista o trouxe para esta
casa depois de ser desprezado por lady Letitia, por quem se apaixonou. O
velho Duque procurava uma desculpa para se vingar dos Hartley depois que
eles denunciaram o sequestro do pobre lorde Thomas, e comprou esta
pintura como prova de que lady Letitia não era a jovem inocente que dizia
ser.
— Era verdade? — Perguntou Cecily. Tentou evitar desviar o olhar de
sua mãe para o anel no dedo de lady Letitia. Ela ainda não tinha decidido o
que aquele anel significava…
— Não sei dizer. Seu pai diz isso, e não vejo utilidade em discordar
dele.
— E o pintor?
A Duquesa lançou um olhar penetrante para Cecily. — Está muito
curiosa hoje, Cecily.
— Oh não, não há nenhum motivo em particular para isso — disse
Cecily.
— Só sinto que não é de tudo correto que eu tenha um conhecimento
tão vago de minha própria história familiar. Especialmente agora que o
Marquês voltou para Scarcliffe Hall. Parece-me que este velho problema
voltou para nos atormentar e, a menos que saiba o que é, não posso me
defender dele.
A Duquesa olhou de um lado para o outro da galeria para verificar se
não seriam ouvidas.
— É, minha filha — disse em voz baixa. — E sei o que está
pensando. Certamente, deve existir alguma maneira de acalmar a tensão
entre seu pai e o Marquês. Acredite em mim, querida, já tentei. Inclusive
localizei o pintor acusado na cidade de Brampton, a menos de dezesseis
quilômetros daqui. Quando seu pai descobriu… — Fechou os olhos ao
recordar. — Foi a primeira vez que o vi realmente zangado. Não lhe
desejaria isso por nada no mundo, Cecily. Segue meu conselho e fique
longe disso. Só lhe trará problemas.
— Não pensarei nisso de novo, mamãe — disse Cecily. Mentir foi tão
sutil e fácil que se surpreendeu. Estava acostumada a contar pequenas
mentiras a seus pais. Faziam que resultasse muito mais fácil se sair com a
sua, mas esta foi a primeira vez que sentiu que realmente tinha participado
de um completo engano. Ela manteve seu rosto cuidadosamente composto
para ocultar a culpa que lhe rasgava.
— Mas tudo bem, não vim aqui para falar de retratos velhos — disse
a Duquesa. — Queria que soubesse que seu pai e eu concordamos que sua
amiga, a condessa de Streatham, pode nos visitar pelo tempo que ela quiser.
A pobre garota teve tanta má sorte, ficar viúva em uma idade tão jovem!
Qualquer coisa que possamos fazer para ajudá-la, faremos. Então vá em
frente e lhe escreva já! Não quero que seu pai a encontre aqui com o retrato
de lady Letitia.
— Sim, mamãe. — Cecily inclinou sua cabeça obedientemente e saiu
da galeria. Ela virou-se para a porta e encontrou sua mãe contemplando o
retrato, profundamente pensativa.
Foi reconfortante saber que ela e Robert poderiam encontrar uma
aliada em sua mãe.
Não se atreveu a lhe dizer ainda, mas talvez, quando a verdade fosse
revelada, só teria um pai com quem lutar. Cecily foi imediatamente para seu
dormitório para escrever uma carta para Isabella e, ainda mais importante,
para Robert. Teria que pensar em algum suborno inteligente para convencer
Jemima a levá-la ao carvalho.
Mas quando se sentou para escrever a carta para Robert, descobriu
que sua mente estava muito confusa para pensar com clareza. O que
significava, que lady Letitia usasse um anel que pertencia à família de seu
sequestrador? Por que ele estava escondido em Scarcliffe Hall?
Será que Letitia e Thomas não tinham sido inimigos, mas sim… algo
completamente diferente?
Cecily largou sua pluma. Talvez ela e Robert não tenham sido os
primeiros Hartley e Balfour a se apaixonar. Mas, se tivesse razão, a primeira
tentativa de unir suas famílias resultara em ódio eterno.
O que seria dela e de Robert diante de uma história tão trágica?
Cecilia deixou suas dúvidas de lado e escreveu o que tinha ouvido da
maneira mais coerente possível.
Ela já tinha posto sua fé em Robert. Agora, devia mantê-la queimando
intensamente.
 
18

Robert não cumpriu sua promessa. Encontrou a carta deixada na


cavidade do velho carvalho, e a lera muitas vezes, mas ainda não a tinha
queimado. Não poderia fazer isso até que se lembrasse de cada palavra.
Passou a noite com a carta debaixo do travesseiro, como se a tinta e o papel
fossem suficientes para encher seus sonhos com Cecily. Quando despertou
pela manhã, tendo dormido sem sonhar, sentiu-se amargamente
desapontado.
O plano do Cecily era simples. Ela sairia para cavalgar essa manhã
com a complacente Jemima como sua acompanhante, mas, em vez de fazê-
lo nos arredores do imóvel Loxwell, pegaria a estrada principal para
Scarcliffe Hall. Robert as encontraria no caminho em sua carruagem mais
rápida, que levaria os três a Brampton, a cidade onde vivia Andrew
Clearwell. Eles indagariam em volta até encontrarem sua casa e, assim que
o fizessem, perguntar-lhe-iam sobre as origens do retrato de Lady Letitia e
se realmente era o anel Balfour que ela estava usando.
Robert não encontrou nada para se opor no próprio plano, exceto pelo
fato de Cecily não ter lhe dado tempo para responder.
Era um maldito aborrecimento ela ter escolhido esse dia em particular
para sua busca.
Tinha prometido passar o dia com Hart, Northmere e Beaumont - eles
estavam tentando sair para caçar.
Não deixaria Cecily decepcionada por nada no mundo. Além disso,
estava tão intrigado quanto ela pela possibilidade de que houvesse mais na
história de Lorde Thomas e Lady Letitia do que as lendas familiares
contavam.
— Digo, Beaumont — disse, encontrando o Duque tomando seu
habitual café da manhã. — Pergunto se pode me ajudar em um assunto um
pouco delicado. Encontro-me em uma situação em que tenho um certo
dever de realizar esta manhã e que não posso adiar.
Beaumont dobrou seu periódico e olhou para Robert desconfiado. —
Está suspendendo a caçada?
— Em absoluto! Certamente devem ir sem mim. Não, simplesmente
não poderei me unir a vocês.
Beaumont era esperto demais para pressionar Robert a dar mais
explicações. Sabia quando um homem tinha um segredo que não
compartilharia. — Quer que invente uma desculpa para você?
— Se fosse tão gentil.
— Pensarei um pouco. — Beaumont voltou para seu periódico, mas
Robert sabia que sua mente ágil estava dando voltas no problema enquanto
lia.
— Acho que Hart não deveria saber sobre este… certo dever?
— Não se puder evitar. — Robert percebeu que ainda estava
segurando a carta na mão. Graças a Deus que Beaumont estava fazendo
todo o possível por ignorá-la! O homem podia ser absolutamente confiável.
— Isto tem algo há ver com Hart aparecer com seu olho roxo? —
Perguntou Beaumont. — Não tenho nenhum desejo de cair no meio de uma
briga entre irmãos.
— Hart caiu de um cavalo, como bem sabe — disse Robert
brandamente. Beaumont não se deixou enganar.
— Não sei se eu gosto de todo esse segredo e risco, Scarcliffe. Você
nos convidou aqui para um verão de relaxamento, não de intrigas. Você e
Hart chegaram aos golpes por algo, e qualquer homem com um pouco de
criatividade pode vê-lo.
Robert suspirou. Deixou a acusação de Beaumont pairar no ar por
alguns instantes enquanto considerava como respondê-la. Seria errado dizer
toda a verdade, naturalmente ele confiava em Beaumont, - mas não podia
lhe pedir que escondesse um assunto de tal magnitude como seus encontros
com Cecily - entretanto, uma mentira lançada sem mais estava fora de
questão. Beaumont veria através dele em um instante.
Seus dedos acariciaram a carta que Cecily lhe tinha escrito enquanto
respondia. — Brigamos por uma mulher. Agora somos amigos novamente.
— E ainda assim está me pedindo que minta por você. — O tom de
Beaumont era decididamente irritante. — Muito bem. E se dissermos que
tenho um assunto de negócios particular em Loxton, e que pedi sua opinião
a respeito?
— E empilhar um mistério sobre outro? Parece sábio para você?
Além disso, isso significaria que você também terá que perder a caçada.
Beaumont pigarreou. — Acontece que tenho um assunto de negócios
em Loxton, e, embora não pretendesse lidar com ele hoje, também posso
aproveitar a oportunidade e ajudá-lo ao mesmo tempo. Se pedir uma
carruagem para nós dois, irei com você até a estrada de Loxton. Depois nos
separaremos e seguiremos com nossos assuntos separados. Você me fará a
cortesia de não me perguntar o que poderia ser. Afinal, eu não o pressionei
por informações.
Robert tentou reprimir um sorriso. Quando Beaumont ficava sério,
como estava agora, odiava que sorrissem. — Nós dois temos nossos
segredos. E se Hart me perguntar que tipo de negócio requer minha
opinião?
Beaumont levantou uma sobrancelha. — Se lhe disser que é
particular, não se atreverá.
Certamente era muito útil ter um Duque poderoso como amigo.
Satisfeito, Robert sentou-se para tomar um café da manhã abundante com
ovos, toucinho e torradas.
Precisaria de forças para as aventuras do dia.
Como fazia com muita frequência estes dias, sua mente se dirigiu para
Cecily. O que estava fazendo nesse momento? A que hora da manhã se
levantou? Quais eram seus hábitos diários? Cada pequeno detalhe de seu
tempo era tão fascinante para Robert como a cena final de uma nova peça.
Queria conhecer Cecily profundamente, intimamente, completamente.
Queria memorizar a maneira como ela tomava seu chá e a maneira como
amarrava seu chapéu.
Em resumo, tinha uma fome insaciável de começar uma vida com ela
cheia de felizes minúcias domésticas. O comum nunca pareceu tão
extraordinário como quando Cecily o realizava. Sua separação forçada o
aprofundava a cada momento que passava.
Robert estava tão absorto em seus pensamentos que mal notou seu pai
entrar na sala.
O duque de Beaumont, felizmente, não foi tão negligente.
— Bom dia, meu querido marquês! — Exclamou, levantando-se de
seu assento com um grau de entusiasmo desconcertante. — Posso confiar
que você está se sentindo melhor hoje?
— Toleravelmente melhor — suspirou o pai de Robert, sentando-se
em uma cadeira com uma careta de dor. —Esperava me encontrar me
preparando para minha partida, Sua Excelência, receio ter que decepcioná-
lo. Temo estar incomodando você por algum tempo mais.
— Absolutamente! — Para surpresa de Robert, Beaumont levantou-se
de sua confortável cadeira e foi sentar-se ao lado do Marquês. — Deve se
recuperar completamente antes de pensar em viajar!
O marquês deu um sorriso amável, agradecido pela atenção. —
Receio que a noção de recuperar a saúde por completo na minha idade
esteja fora de discussão. Mas agradeço sua preocupação, Sua Alteza.
— Estou particularmente contente de vê-lo esta manhã, — Beaumont
continuou fazendo desta conversa a mais extensa que tinha mantido com o
pai de Robert. — Porque há um assunto em particular que queria discutir
com você. Agora que tive um pouco de tempo para explorar o bosque ao
redor de Scarcliffe Hall, devo dizer que o acho excepcionalmente bem
mantido…
— Oh, mas deve dirigir todas suas perguntas sobre a gestão das terras
para Robert — disse o Marquês, assinalando seu filho. — Ele é o perito!
— Não! — disse Beaumont, um pouco muito agudo. Ele se moveu
em sua cadeira para que, o marquês tivesse que apartar o olhar de Robert e
ficar de frente para ele. — Não, meu querido Marquês, acredito que não há
outra explicação para seu cenário superior além de várias décadas de boa
gestão, por isso parece-me que devo lhe fazer várias perguntas…
Enquanto falava, sua mão direita deslizou atrás de suas costas e a
apertou em um punho com urgência. Robert compreendeu imediatamente
que estava tentando de lhe dizer algo, mas o quê.
Que motivo Beaumont tinha para distrair o Marquês?
Foi então que Robert percebeu que ainda segurava a carta de Cecily
em sua mão. Sentiu um calafrio de medo tão repentino como se alguém
tivesse derramado gelo por suas costas.
Com seu pai adequadamente ocupado, Robert amassou a carta em
uma bola apertada e a jogou no fogo. Era um dia muito quente para que o
fogo estivesse aceso, mas a carta se queimaria até virar cinzas essa noite.
Sentiu um remorso ao destruir algo que tinha a letra de Cecily. Que
sentimental se tornou! Tocou o local em seu peito, onde estava o anel
Balfour, escondido sob sua roupa. Logo, se tudo saísse como o planejado,
ele e Cecily levariam cada um símbolos mais duradouros de seu amor.
— Tem frio, Robert? — Perguntou o pai, afastando seu olhar do
duque e fixando-o em Robert.
— Frio, pai?
— Está parado junto a lareira? — O olhar do Marquês se estreitou. —
Passa algo?
— Não passa nada. Simplesmente estava esticando as pernas. —
Robert não se sentou à mesa, mas caminhou para a porta como se estivesse
passando à toa. — Sobre seu assunto privado, Beaumont?
— O assunto privado?
— Sim, esse. Irei procurar uma carruagem para nós dois.
— Não vai caçar hoje? — Perguntou o Marquês. Robert amaldiçoou
sua natural falta de astúcia. Não foi feito para intrigas.
— Tenho um assunto pessoal que tratar em Loxton — disse
Beaumont preguiçosamente.
— Hart e Northmere terão que caçar sozinhos.
O Marquês o olhou durante um momento como fosse fazer mais
perguntas, mas o olhar gelado de um duque foi suficiente para reduzir
qualquer homem ao silêncio. — Tenho certeza de que os outros cavalheiros
ficariam bem sem você.
— Calma. — Beaumont tomou um sorvo de café. — Estarei com
você em breve, Scarcliffe. Obrigado por sua ajuda neste... assunto privado.
— É um prazer — disse Robert, com toda honestidade. Seu coração
estava batendo forte quando saiu da sala de café da manhã. Seu pai não era
um homem fácil de enganar.
Enquanto se dirigia aos estábulos para pedir uma carruagem, sua
mente retornou à carta que tinha deixado na lareira. Não estaria realmente a
salvo até que se queimasse.
Quão certo estava de que seu pai não a tinha notado?
Robert tentou acalmar seus nervos crescentes. Mesmo que o Marquês
tivesse notado a carta, seria muito estranho que ele chegasse tão longe ao
ponto de recuperá-la e lê-la. Além disso, estava quase seguro de que não a
tinha visto. Realmente não tinha nada com que se preocupar.
 
19

Cecily não estava nem um pouco nervosa enquanto esperava na


estrada arborizada para que aparecesse a carruagem de Robert. Era um dia
bonito e claro de verão. Fragmentos de luz caíam verdes e dourados através
das árvores dominantes, iluminando tudo com uma beleza etérea. O próprio
ar parecia cantar uma melodia de esperança e promessa futura.
Tinha amarrado seu cavalo em uma árvore um pouco afastado da
estrada, e se retirava para a sombra toda vez que passava uma carruagem. A
estrada entre Scarcliffe Hall e Loxwell Park não era exatamente frequentada
por conhecidos, mas não seria bom vê-lo onde não deveria estar alguém que
pudesse transmitir a mensagem a seu pai. Cecily tinha permissão para sair
sozinha, já que Jemima acordou essa manhã com um resfriado, mas
certamente não devia sair de casa e ir para Scarcliffe Hall sem sequer uma
criada.
Entretanto, estava muito feliz de estar realmente preocupada com a
perspectiva de ser vista. Logo estaria nos braços de Robert novamente, e
isso foi suficiente para enchê-la de alegria.
Quando a próxima carruagem a alcançou, escondeu-se o suficiente
para passar despercebida enquanto olhava para ver quem poderia ser. Era
uma carruagem pequena, com a libré coberta, indo tão devagar que pensou
que poderia estar procurando alguém. Quando se aproximava, Cecily saiu à
estrada. Tinha visto quem a conduzia.
Robert pulou da carruagem e a pegou nos braços, girando-a até que
ela estivesse tonta. — Minha Cecily!
— Robert — ela respirou. Havia tanto peso por trás da forma que
disse seu nome que ele parou por um momento antes de beijá-la,
reconhecendo-o com um olhar de emoção não expressa.
— Senti saudades — disse, colocando sua cabeça sobre seu ombro.
— Não teria pensado que fosse possível sentir saudades de alguém tão
profundamente nos conhecendo em tão pouco tempo, mas assim é.
— Eu também senti saudades — disse Cecily. Seu coração cantava de
alegria. — Mas não demorará muito tempo até que estejamos preparados
para nos tornar conhecidos ao mundo.
Ele levantou o queixo para poder olhá-la nos olhos. — Realmente
acha isso?
— Não posso deixar de acreditar. Nunca desejei algo tanto em minha
vida. Não posso pensar que o destino seria tão cruel para nos negar isso. —
Ela deixou que os dedos de cada mão se entrelaçassem com os dele. — Não
quando nossos sentimentos são tão sinceros.
Robert a beijou de novo e o som do canto dos pássaros se desvaneceu
a seu redor. O mundo em si era um sonho distante. Nada importava, exceto
a sensação celestial de seus lábios sobre os dela.
Nada, exceto os cascos que se aproximavam rapidamente, que
quebraram o silêncio da manhã.
Cecily se afastou de Robert instintivamente. — Alguém está com
pressa — ela disse, envergonhada por seu medo.
— Rápido, entre no carro — disse Robert, oferecendo sua mão para
ajudá-la. — Não devemos deixar que ninguém nos apanhe juntos, não até
que ambos estejamos a salvo em Scarcliffe Hall e Loxwell Park. — Olhou
em volta, de repente confuso. — Onde está Lady Jemima? Deveria estar
acompanhada, pelo menos...
— Jemima não estava bem. Não se alarme. — Cecily teve a solução
perfeita. — Se alguém em Brampton estiver interessado, dir-lhe-emos que
somos um casal de recém-casados que vieram visitar a área em nossa lua de
mel.
— E se formos reconhecidos?
— É muito gentil que se preocupe!
A julgar pela expressão de Robert, ele não achou sua risada
reconfortante. Desamarrou seu cavalo da árvore e amarrou as rédeas na
parte traseira do carro, antes de ficar ao lado de Cecily. Estava a ponto de
enviar aos cavalos para trotar quando um grito surgiu atrás dele, parando-o
em seco.
— Robert! Espera!
Cecily virou-se para ver que o cavaleiro galopante tinha dobrado a
curva da estrada e não era outro senão Lorde Jonathan Hartley.
— Seu irmão! — Ela ofegou. Não havia possibilidade de se esconder.
Já tinha visto o rosto dela.
Cecily deixou cair a cabeça entre as mãos, como se isso fizesse algum
bem agora. A lembrança de seu último e doloroso encontro com Lorde
Jonathan estava marcado em sua mente. A última coisa que queria era
encontrá-lo novamente, especialmente em circunstâncias tão
comprometedoras.
Robert a abraçou. Ela encolheu os ombros, horrorizada. — Quer
revelar tudo?
— Não há nada a esconder, Cecily. Receio que nunca fui um
professor do engano. Hart sabe o que aconteceu entre nós. Não vai dizer.
Cecily mal teve tempo de se perguntar sobre as palavras de Robert
antes que Lorde Jonathan os alcançasse. Deteve bruscamente seu cavalo,
manteve-se magistralmente em seu assento enquanto o sacudia, e passou os
olhos por Cecily com uma expressão que seu olho esquerdo machucado e
inchado tornava ainda mais ilegível.
— Está em perigo — disse secamente. — Não me pergunte como o
pai descobriu seu plano, porque não me disse isso. Certamente não tive
nada a ver com isso. Mas está se aproximando de nós neste exato momento.
Não pude fazer nada além de selar meu cavalo e vir na frente dele.
— Ele sabe? — Robert perguntou, uma nota de pânico grudada em
sua voz. — Ele sabe de tudo?
— Parece que sim. Ele reuniu um grupo de homens para atuar como
testemunhas, e tem a intenção de fazer do comportamento de Lady Cecily
uma questão de ridículo público.
— Não! — Cecily ofegou. — Não pode, ainda não, é muito cedo!
— Minha Lady — Jonathan disse, reconhecendo sua presença com
um breve aceno antes de se virar para Robert. — O pai enviou homens pelo
bosque a cavalo para bloquear o caminho. Não sei dizer se já estão à frente.
Não descobri o que ele estava fazendo até que foi tarde demais.
— Obrigado, Hart — disse Robert, com sentimento. — Isso significa
mais para mim do que posso dizer para você estar do meu lado nisso.
Jonathan fez um gesto irônico a seu olho roxo. — Eu fiz meus
sentimentos conhecidos sobre este assunto. Não acho que seja útil continuar
discutindo meu ponto. — Olhou para a estrada atrás deles, como se
esperasse o marquês e seus homens se aproximarem. — Não quando as
coisas já tomaram seu curso.
— Devemos escondê-la no bosque — disse Robert, saltando do carro
e estendendo seus braços para levantá-la. — Não se assuste. Mantê-la-ei a
salvo.
— O pai procurará no bosque — disse Jonathan. — Não vejo como
pode escapar disto, Robert. Só vim te dar um aviso.
— Nenhum de vocês pensou em me perguntar o que acho que
deveríamos fazer — disse Cecily. Os dois homens a olharam: Robert com
cálida admiração, Jonathan com frieza disfarçada. Ela levantou o queixo
com orgulho. — Serei perfeitamente capaz de escapar dos homens de seu
pai por minha conta.
— Como vai fazer isso, minha Cecily?
— Superá-los-ei, é claro — Cecily correu para desatar seu cavalo
atrás do carro.
— Você? — Perguntou Jonathan, incrédulo. Cecily montou seu
cavalo com uma graça elegante que sabia que esclareceria sua destreza.
— Será difícil encontrar um cavaleiro melhor do que eu, meu senhor
— disse. Ela não se gabava. Era a pura verdade.
— Você realmente acha que pode escapar deles? — Jonathan
perguntou. Cecily assentiu com a cabeça. Pensou, embora não estava muito
segura, que viu um leve indício de respeito em seus olhos. — Então lhe
desejo toda a velocidade do mundo.
— Hart, me dê seu cavalo — exigiu Robert. — Não permitirei que
Cecily vá sozinha.
— Não deve pensar em me seguir — disse Cecily. Ela se inclinou
sobre seu cavalo e lhe deu a mão para apertá-la. — Não há vergonha em
que ser pega cavalgando sozinha no bosque. Mas se estiver comigo, meu
amor...
— Sim, entendo seu ponto — disse Robert. Uma ruga de infelicidade
se formou entre suas sobrancelhas. Era uma expressão que nunca tinha visto
antes e, apesar do perigo, descobriu que tinha coração suficiente para se
deleitar. Cada nova faceta de Robert era uma alegria para ela.
— Eu não gosto, mas sou obrigado a aceitar. Hart, voltarei com você.
Que não se diga que tenho medo de enfrentar nosso pai.
— Encontre-me em Brampton — sussurrou Cecily, antes de chutar o
cavalo. Afastou-se por entre as árvores o mais rápido que os arbustos
permitiam, deixando que seu cavalo saísse do caminho. Atrás dela, escutou
Robert chamar seus cavalos e começar a virar o carro.
Ela não invejava a reunião que ele teria com seu pai. Segundo todos
os relatos, o marquês de Lilistone era um homem temível, embora tenha
diminuído um pouco em sua velhice. Mas, tinha demonstrado que Lorde
Jonathan temia bastante na última reunião, e ele era apenas o filho mais
novo!
Era uma prova de seu afeto por Robert, que tinha conseguido deixar
de lado sua desconfiança dela para ajudá-los. Cecily sentiu pela primeira
vez que um dia estaria feliz de ser membro da família Hartley. Havia mais
do que ela suspeitava.
Virou seu cavalo para o norte, continuando pelo bosque ao longo de
sua melhor suposição paralelo à estrada. Seu ritmo era frustrantemente
lento, açoitado o tempo todo por ramos caídos ou vegetação rasteira. A
certa altura, escutou cavaleiros que vinham do Norte, e foi forçada a voltar
vários passos até que mais uma vez não conseguia ouvi-los.
Cecily levou alguns minutos de paz para relaxar novamente e sentir
que estava longe o suficientemente para escapar da captura. O plano do
marquês tinha falhado.
Nada a impediria de chegar a cidade de Brampton e descobrir a
verdade.
 
20

Hart cavalgava ao lado do carro de Robert em um silêncio tenso.


Robert não sabia dizer se seu irmão estava mais angustiado porque se
encontrou com Cecily, ou se achava que não tinha confiado nele desde o
início.
— Onde está Beaumont? — Hart perguntou, eventualmente. —
Pensei que estava com você.
— Tem sua própria intriga em Loxton. Saiu do cruzamento e se
dirigiu a pé.
— Essa não é forma de um duque abrir caminho. Pergunto-me o que
fará.
— Não me atrevi a perguntar. — Robert tossiu. — Foi bom o
suficiente para os meus próprios segredos, afinal.
Hart lançou-lhe um olhar de profunda dor, mas não fez nenhum
comentário.
Robert teria que encontrar alguma forma de compensá-lo. Tinha
julgado mal a lealdade de seu irmão.
— Prepare-se — murmurou Hart, enquanto dobravam uma curva.
Robert sentou-se ereto e orgulhoso em seu carro, vendo o grupo de homens
que o esperava na estrada à frente. Ele se recusou a deixar seu pai o
intimidar.
Hart trotou diante dele, gritando alegremente. — Bom dia, pai! Bom
dia, todos vocês, cavalheiros! Que grande reunião todos nós temos!
— Hart! — Grunhiu o marquês, que mantinha em seu assento em seu
próprio cavalo com admirável equilíbrio, dado a dor que sua perna devia ter
causado. — Deveria ter te vigiado mais de perto! Não me diga que também
está envolvido neste engano.
— Sou totalmente incapaz de enganar de qualquer maneira, pai —
disse Hart com desprezo. Acomodou seu cavalo um pouco à frente da
multidão, encarando seu pai com um ar de desafio casual.
Robert apreciou o apoio de seu irmão, mas esta era uma batalha que
estava decidido a lutar por si mesmo. Saltou do carro antes que parasse
completamente e encarou o pai.
— Bom dia, pai — disse, protegendo os olhos do sol enquanto
levantava a vista para encontrar os olhos do ancião. — O que te traz neste
bom dia?
O marquês assinalou para seus homens. — Procura nesse carro —
ordenou.
Não havia muito o que procurar. Era apenas um carro de dois cavalos.
Os homens subiram de um salto e pisotearam os assentos como medida. —
Ninguém aqui, meu Lorde!
— Então, se espalhem pelo bosque. Ela não terá se afastado muito.
Robert só podia esperar que Cecily fosse tão boa amazona como ela
dizia. Recebeu um aceno tranquilizador de Hart, que estava observando o
desenrolar dos acontecimentos com total falta de preocupação.
Sim. Não tinha motivos para duvidar do orgulho de Cecily. Não só
isso, mas tinha uma vantagem inicial. Ela já estava longe do alcance de seu
pai.
Isso deu a Robert um pouco de conforto quando a raiva do marquês se
voltou totalmente contra ele.
— Você trouxe vergonha para nossa família! — Grunhiu, brandindo a
carta amassada que Robert tinha deixado na lareira.
— Perdão, pai. Não percebi que fazer um curto passeio pelo campo
iria vergonhá-lo.
— Sabe muito bem do que estou falando! — Uma mancha de saliva
voou da boca do marquês para a bochecha de Robert. Ele pegou um lenço e
a limpou lentamente.
— Terá que ser mais explícito, pai. Qual de meus muitos pecados o
ofendeu mais recentemente?
— Advirto-lhe, Robert, não estou de humor para seus jogos. Onde
está Lady Cecily?
— Não posso dizê-lo. — Robert estava desconfortavelmente
consciente de que seu pai estava fazendo a cena na frente de muitas
testemunhas curiosas. Fez um esforço por acalmar a situação. — Pai, talvez
devêssemos falar sobre isso em casa…
— Acha que tenho a intenção de deixar você voltar para Scarcliffe
Hall depois desta desgraça? — Os olhos do marquês se dilataram. — depois
de negligenciar a oportunidade de finalmente se vingar dos malditos
Balfours?
— Não me interessam suas ideias de vingança e insultos ancestrais
para aqueles mortos há muito tempo — disse Robert, sentindo seu próprio
temperamento crescer. — Se tivesse algum senso, pai, você teria deixado de
lado essa inimizade há muito tempo…
Captou a careta de Hart pela extremidade do olho. O marquês não era
conhecido por aceitar bem as críticas.
— Encontraremos Lady Cecily — cuspiu. — Vou ter que arrastá-la
aqui pelos cabelos se for necessário. E quando a encontrarmos.
— Não fará nada. Não é um delito circular nas vias públicas.
— Menino tolo! — Gritou o marquês, frustrado. — Pensar que
poderia ter sido o vingador de Letitia de uma vez por todas! Realmente
desperdiçou sua oportunidade com um amor tolo? Onde está sua lealdade?
Onde está seu orgulho, sua honra?
— Estão bastante seguros, pai, e sob a custódia de Lady Cecily.
— Arrependerá de me desafiar — disse o marquês, inclinando-se para
frente na sela com uma ameaça sombria em seus olhos. — Você pode ser
meu filho e herdeiro, mas não hesitarei em fazer você se arrepender do seu
desafio atual. Andrews! — Chamou bruscamente o lacaio que estava ao
lado do seu cavalo. — Ajude-me a sair desta besta. Não tenho medo de ver
meu filho cara a cara.
— Isso me parece uma péssima ideia, pai — disse Hart, desmontando
rapidamente. — Aqui, Robert. Pega meu cavalo. É melhor você ir para casa
até que os ânimos esfriem.
— Não fará tal coisa! — Rugiu o marquês. — Homens! Agarrem esse
cavalo!
— Meus senhores! — Berrou Northmere, cavalgando para impedir
que os homens seguissem as ordens do marquês. — Isto me parece um tipo
singular de loucura.
Seu cavalo saltou e sacudiu a crina enquanto o conduzia de um lado
para o outro pelo caminho, detendo os homens do marquês em seu
caminho.
— Isso não lhe diz respeito, Northmere, — grunhiu o marquês.
— Entretanto, estou profundamente preocupado com o que ouvi —
disse Northmere. Robert estava impressionado com os nervos de seu amigo.
Não deveria ser possível para um simples barão desafiar um marquês. Mas
Northmere nunca foi um dos que apoiavam a convenção. — Se seu objetivo
hoje é manchar a honra de uma dama inocente, tenho a honra de detê-lo.
— Aquela mulher Balfour está longe de ser inocente!
— Robert, perdeu completamente o juízo? — Exigiu Hart, sacudindo-
o. — Suba nesse cavalo e saia daqui! Encarregar-me-ei do pai.
O orgulho de Robert se rebelou com a ideia. — Não vou deixar você
lutar minhas batalhas por mim, Hart.
— Às vezes a discrição é a melhor parte do valor. — Hart colocou a
mão em cada um dos ombros de Robert e o conduziu para o cavalo. —
Deixa que a comoção desapareça. Seria desaconselhável enfrentar o pai
antes que ele esteja calmo.
— Vá e se esconda até que seja o momento adequado. Está
prejudicando sua causa ao ficar.
Robert não podia negar a lógica das palavras de seu irmão. Montou o
cavalo e o chutou em um galope, avançando rapidamente ao longo da
estrada para o norte. Uma vez que perdeu de vista os homens de seu pai, se
virou para atravessar o bosque.
Quão último queria fazer era se encontrar com a festa que seu pai
tinha enviado para bloquear o caminho. Atordoado por seu temperamento,
chegaria a Brampton em menos de uma hora. Então, com um pouco de
sorte, poderia chegar ao fundo do velho rancor que tinha causado tanta dor
à sua família.
E, se não podia resolver o mistério, havia apenas uma coisa a fazer.
Ele e Cecily estariam a caminho de Gretna Green antes que o dia
terminasse.
 
21

Cecily esteve cavalgando pela estrada de Brampton por mais de uma


hora, e ainda não estava calma o suficientemente para evitar olhar para trás
a cada dois minutos para se certificar de que não a seguiam. Felizmente,
encontrou-se com alguns granjeiros com carros cheios de produtos que se
arrastavam na direção oposta. Nada que possa fazer seu coração bater mais
rápido.
Quando ela viu o cavaleiro se aproximando dela a um ritmo
considerável, então, foi tudo o que pôde fazer para não galopar.
— Respira — disse a si mesma severamente. — É um homem. Não
está sendo caçada por um homem, mas sim por muitos. Não chame a
atenção sobre si mesma. Não há nada a temer.
Ela armou-se de coragem para não voltar a olhar para trás até que
passaram alguns momentos. Quando finalmente cedeu à tentação, a visão
que seus olhos encontraram provocou um grito de alegria.
Era Robert.
Ela virou seu cavalo e trotou para encontrá-lo.
— Cecily! — Robert chamou. Aproximou seu cavalo do dela e
estendeu a mão para agarrá-la. Ela soltou as rédeas completamente e pôs
suas duas mãos ao redor das dele, mantendo seu assento ao lado com
absoluta facilidade. — Graças a Deus que está a salvo. Está bem? Ninguém
tentou te machucar?
— Não vi ninguém em toda a viagem aqui, — disse Cecily, sem
deixar de notar a irritação nos olhos de Robert. — O que se passou? Esse é
o cavalo de Lorde Jonathan, não? Reuniu-se com seu pai?
— Não saiu como esperava — disse Robert sombriamente. — Receio
que devemos planejar o pior. Se este Sr. Clearwell não tiver nada a dizer
para nós...
— Não imagine coisas ruins antes que elas aconteçam — Cecily o
repreendeu. — Devemos esperar o melhor.
Robert balançou a cabeça. — Tenho a intenção de me casar com você
independentemente do que descobrirmos hoje. Parece-me que será uma
tarefa mais fácil reconciliar nossas famílias quando nos casarmos.
O coração de Cecily acelerou com uma combinação embriagadora de
nervos e emoção. — Não pode desejar fugir?
— Por que não?
— Robert, o escândalo!
— Mas devo ter você, Cecily — disse suavemente, enviando uma
onda de prazer através de seu peito. — Acho que já não posso ficar sem
você. Você pode dizer que se casará comigo, independentemente das
consequências?
— Então, isto é amor — murmurou Cecily, não ousando dizer as
palavras. Na verdade, ela sabia disso há algum tempo. Robert tinha entrado
em seu coração tão rápido e completamente que teria sido a maior
crueldade descobrir que ela não o tinha cativado em troca.
— É amor. — Robert parecia tão surpreso com as palavras quanto ela.
— Nunca pensei que me casaria por amor.
— Eu tampouco — Mas não há mais nada a fazer, Cecily. Meu
coração é seu.
Cecily brilhava de felicidade. — E eu sou sua. De verdade, e para
sempre.
— Então está de acordo? Virá comigo a Gretna Green?
Cecily hesitou apenas por um momento. O rosto de seu pai apareceu
no olho de sua mente, tão arrepiado e brusco como sempre. Como receberia
a notícia de que sua única filha escapou com um Hartley?
Não havia como evitá-lo. Ficaria devastado. Ele nunca poderia
perdoá-la.
No entanto, sua mãe... sua mãe tinha tentado uma vez antes curar a
rachadura. A confiança de Cecily aumentou um pouco. Sua mãe não a
abandonaria. E sempre teria Jemima, sem mencionar os amigos sólidos que
tinha como a duquesa de Redhaven e a condessa Streatham. Nunca seria
uma pária da sociedade, sozinha, possivelmente, no coração de seu pai.
— Se é isso o que deseja, eu vou — disse. Todo o corpo de Robert
relaxou visivelmente com suas palavras. Não havia percebido até esse
momento o quão vulnerável se tornara quando lhe perguntou. Supôs que ele
não estava acostumado a arriscar seu coração.
— Então será condessa de Scarcliffe antes de que termine a semana
— disse.
Cecily quase saltou com a estranheza do título. Condessa de
Scarcliffe! Isso levaria um tempo para se acostumar.
— Não há necessidade de abandonar nosso plano de reconciliar
nossas famílias — disse. — Necessitaremos de todas as armas à nossa
disposição para vencer o ódio que têm um pelo outro. Vamos passar
rapidamente por Brampton e ver o que pode ser descoberto ali.
Agora não estavam muito longe da cidade, e o resto da viagem
transcorreu rapidamente. Cecily tinha esquecido seu medo. Seu caráter
nunca tendia à miséria, e a perspectiva de uma próxima solução para seus
problemas foi suficiente para levantar completamente seu ânimo.
Robert se animou com menos facilidade. Não entrou em detalhes
sobre seu encontro com o pai, e ela não o pressionou. Tinha certeza de que
ele falaria disso quando estivesse preparado. Enquanto isso, distraiu-o com
uma conversa alegre e suposições divertidas sobre como seriam suas vidas
juntos.
— Sairemos todas as manhãs, sob a chuva, a neve ou o sol — disse
com determinação.
— E, quando celebrarmos jantares, não serviremos pescado, porque
não posso suportá-lo.
— Devemos fazer muitos eventos? — Robert perguntou, um leve
sorriso começando no canto de sua boca.
— É claro. Naturalmente! Jemima ficará conosco — Não sonharia em
te negar nada.
— E tenho muitos conhecidos em Londres que simplesmente
desejarão visitar Scarcliffe Hall. E devemos ter a sua irmã para visitar! Ela
está casada ultimamente, não é? Seremos um casal de recém casados muito
cômodos. Pretendo me tornar sua melhor amiga.
— Você gostará, — disse Robert. — Ambas têm o mesmo desprezo
pela propriedade.
— Meu Deus, Robert! Como pode dizer algo assim? — Cecily
levantou o nariz, interiormente contente por ele ter recuperado seu espírito
o suficiente para zombar dela. — Nunca sou nada menos do que a altura da
propriedade.
— Veremos quão primorosa e apropriada é esta noite, quando
estivermos sozinhos juntos em um dormitório da estalagem sob os nomes
de senhor e senhora Somerville, os dois recém-casados e felizes — disse
Robert. Sua voz era profunda e grave de uma maneira que fez Cecily se
estremecesse com algo mais que alegria.
— Mas o que, Cecily? — Riu Robert. — É um rubor o que vejo?
Certamente que não.
Cecily tocou as bochechas, que brilhavam intensamente. — Não estou
ruborizando.
— Não?
— É simplesmente o esforço da viagem.
— Ah. Muito certo.
— Agora recordará que é um cavalheiro, e se absterá de brincar mais
sobre tais... assuntos íntimos.
— Estava brincando? — Robert conseguiu manter seu olhar firme
enquanto seu corpo se movia com o trote do cavalo. — Tinha a intenção de
falar sério.
Cecily baixou os olhos. Não estava acostumada à sensação de estar
realmente apaixonada por Robert. Quando lhe lançou um de seus olhares
sombrios, seu coração respondeu com uma emoção tão avassaladora que foi
quase dolorosa. Tinha perdido o domínio de si mesma que sempre tinha
apreciado. Pior ainda, não se importava.
Chegaram a Brampton exatamente quando a tarde estava mais quente.
Cecily esperou com os cavalos enquanto Robert perguntava na estalagem
onde poderiam encontrar o senhor Andrew Clearwell. Trouxe-lhe um copo
de água fria e Cecily bebeu agradecida.
— Gostaria de poder cuidar melhor de você — disse Robert,
afastando uma mecha de cabelo dos olhos. — Todas minhas provisões de
viagem ficaram para trás no carro.
— Sou mais forte do que parece — disse Cecily com firmeza. —
Você descobriu o endereço do senhor Clearwell?
— Nós o encontraremos no extremo mais afastado da cidade. Aqui,
deixe-me encontrar um estábulo. Aluguei um dormitório na estalagem hoje
à noite.
Uma vez mais, Cecily sentiu esse pico de ansiedade misturado com
antecipação. Ela não queria decepcionar Robert ao lhe pedir que pedissem
dormitórios separados, mas tampouco queria que ele acreditasse que podia
tomar todas as liberdades com ela antes de se casarem. Antes que ela
pudesse falar, Robert pareceu sentir sua preocupação.
— É pelo segredo — disse. — Se nos apresentarmos como recém
casados, precisamos de apenas um dormitório. Não estou tentando seduzi-
la. — Ele a olhou com esse fascinante olhar sombrio. — Ainda não.
Cecily estava quase decepcionada.
Andrew Clearwell vivia em uma doce casinha nos subúrbios da
cidade. Cecily estava acostumada a visitar esses lugares quando visitava os
pobres de Loxton, mas desde o pequeno jardim bem cuidado e a
manutenção do teto de palha, o Sr. Clearwell não estava vivendo na
pobreza. Em vez disso, a casa tinha o tamanho perfeito para um homem
solteiro de fortuna limitada.
Parecia exatamente como a casa de um pintor deveria parecer, pensou
Cecily, enquanto Robert bateu na porta principal. Avaliação as paredes de
arenito além de uma das janelas do andar de cima, e o jardim estava cheio
de ordenadas fileiras de roseiras em plena e perfumada floração.
A porta foi atendida, depois de alguns momentos de espera, por um
ancião que usava um par de óculos de armação de chifre e uma expressão
benevolente. Parecia estar esperando por outra pessoa, e quando viu Robert
e Cecily, seu sorriso rapidamente se converteu em um cenho franzido.
— Será melhor que entre — disse, sem se incomodar em uma
apresentação.
— Senhor Clearwell — disse Robert, — meu nome é…
— Posso adivinhar quem é.
Clearwell os conduziu a uma sala de estar pequena, mas bem
equipada. Cecily sentou-se em uma cadeira de balanço de madeira e se
balançou suavemente de um lado para o outro enquanto observava o senhor
Clearwell espiar pela janela, como se esperasse ver alguém vindo atrás
deles, antes de fechar as cortinas.
— Aqui estamos — disse, uma vez que o mundo exterior estava
firmemente fechado.
— Podemos falar agora sem medo de que alguém nos note. Ou,
melhor dizendo, quem poderia notar você. — Ele se virou e fez uma
reverência estridente a Cecily. — Perdoe minha franqueza. Frequentemente
não tenho convidados tão ilustres. Lady Cecily.
— Você sabe quem sou? — Cecily estava assombrada. O senhor
Clearwell se apressou para um pequeno gabinete lateral, onde tirou uma
garrafa alta de xerez.
— Sou um pintor, minha lady. Um retratista. Nunca esqueço um rosto
uma vez que pinto suas características. Tem o perfil Balfour. Sua linhagem
é um livro aberto para quem sabe lê-lo.
Alarmada, Cecily tocou seu rosto, como se seus dedos pudessem
distinguir os contornos que ele reconheceu tão facilmente. Se fosse assim
tão simples descobrir quem era ela, seus planos de fuga não seriam tão
fáceis como tinham esperado.
— Não se angustie — disse o Sr. Clearwell, pousando três pequenos
copos. — Não há muitos nesta terra que possuam meus talentos. Você, meu
Lorde — disse, assinalando Robert, — deve ser o conde de Scarcliffe ou
seu irmão.
— Assim é. Sou Lorde Robert, o irmão mais velho.
— Posso lhe oferecer uma bebida? — O Sr. Clearwell fez a pergunta
quase como uma ocorrência tardia, a garrafa já estava em sua mão.
— Obrigado — disse Cecily, quem não permitiria que o encontro
mais desconcertante a fizesse esquecer suas maneiras. — Isso é muito
amável.
— Certamente precisarei de um — disse o senhor Clearwell
enigmaticamente, e sorveu três copos de xerez. — Acredito que não lhe
surpreenderá, meu Lorde, que pintei a um antepassado seu. — Olhou de
Cecily para Robert com uma expressão muito ardilosa. — Não posso te
dizer como fiquei chocado ao vê-los na porta. Trouxe-me lembranças...
Sacudiu a cabeça energicamente, como se essas lembranças fossem
uma fonte de dor que queria forçar nos cantos de sua mente. Entregou as
taças de xerez e levantou a suas. — Deveríamos fazer um brinde — disse.
— Para uma feliz conclusão desse lamentável negócio entre suas duas
grandes famílias.
Robert levantou sua taça em silêncio. Cecily o seguiu. Enquanto
sorvia seu xerez, o senhor Clearwell tomou-o de um só gole.
— Agora — disse, sentando-se. — Espero que tenham algumas
perguntas para mim.
 
22

Robert nunca teve uma recepção mais desconcertante do que a que


acabava de receber. O senhor Clearwell tinha a aparência de um ancião
doce, mas o comportamento de um paranoico inválido. Robert observou
com inquietação como o senhor Clearwell se serviu de outra taça de xerez.
A última coisa que queriam era que o homem se embebedasse.
— Entendo que pintou uma foto de minha tia avó, Lady Letitia
Hartley — disse. Clearwell assentiu sombriamente. — Essa pintura está
agora em posse do duque de Loxwell. Como caiu em suas mãos?
— Uma pergunta simples que justifica uma resposta simples. Eu dei a
ele.
— O que levou você a dar um retrato de Lady Letitia a seus inimigos?
O senhor Clearwell sacudiu a cabeça com tristeza. — Não eram seus
inimigos na época. — Ele passou uma mão cansada pela testa e suspirou. —
Se puder, meu Lorde, começarei do começo. Houve um tempo, quando era
jovem no começo de minha carreira, quando me tornei amigo de um tal
Lorde Thomas Balfour. Lorde Thomas acreditava ser um patrono em
ascensão das artes, veja bem, e me sinto lisonjeado de ter sido um dos
pintores mais talentosos desta parte da Inglaterra. Conhecemo-nos em uma
exposição de meu trabalho e ele encomendou várias peças nos meses
seguintes. Alma amável e gentil, como se poderia esperar de seu amor pela
arte. Tratava a todos com respeito, do aldeão mais baixo até os duques que
eram os companheiros de seu pai. Mas acredito que não exagero quando
digo que ele e eu fomos verdadeiros amigos, apesar da diferença de
posições. Quando aconteceu que Lorde Thomas se apaixonou, ele veio a
mim antes mesmo de seu pai. ‘Clearwell’, ele disse, ‘quero que a pinte’.
Pensei que estava se referindo a uma miniatura para um relicário, mas
Lorde Thomas tinha projetos mais grandiosos. Trouxe-me a dama e me fez
pintá-la com seu anel. Fiquei surpreso como ela era jovem, só dezesseis
anos. A família dela: bom, não havia esperança de que seu pai aceitasse seu
matrimônio antes de que ela fizesse dezoito anos.
— Era Lady Letitia — disse Cecily. — Reconheci o anel Balfour no
retrato. Oh, sabia! Sabia que estavam apaixonados!
Estava tão orgulhosa de si mesma por resolver o mistério que
praticamente brilhava.
Robert não pôde evitar que seus olhos percorressem amorosamente
seu rosto radiante, mesmo sabendo que Clearwell estava observando cada
movimento com os olhos de pintor em busca de detalhes.
— Se Lorde Thomas tinha um defeito, era impaciência — disse
Clearwell, sem mencionar o que viu entre Robert e Cecily. — Ele não
queria esperar até que o pai da dama acreditasse que era prudente se separar
dela. Lady Letitia também estava ansiosa para se casar. Fizeram um plano
aqui em minha cabana para fugir juntos.
— Que romântico! — Cecily suspirou. — E, oh! Que triste!
— Triste não é a palavra. — A voz de Clearwell se quebrou com uma
dor meio esquecida. — A próxima notícia que escutei de meu amigo foi que
tinha morrido em um acidente de carruagem.
— E Lady Letitia estava com ele!
— A pobre menina — murmurou Robert. — Ver seu amante morrer à
beira da felicidade... Não é à toa que ela ficou louca.
— Está se adiantando a mim, meu Lorde — disse Clearwell. —
Minha história ainda não chegou a essa desafortunada conclusão. Agora, no
momento que soube da morte de Lorde Thomas, fui a Loxwell Park para
oferecer minhas condolências.
— Naturalmente, levei a pintura que tinha terminado recentemente
para ele. Não pensei em minha comissão, marquem! Só que, como tinha
ordenado Lorde Thomas, era correto entregá-la à sua família. Sabendo que
o então Marquês, pai de Lady Letitia, não aprovava o amor entre o jovem
casal, não pude lhe entregar a pintura.
Clearwell passou a mão enrugada sobre a perna enquanto falava.
Robert supôs que sofria de dor artrítica, embora fosse muito orgulhoso para
demonstrar. Isso o lembrou de seu pai: um pensamento que não poderia ter
agora sem uma pontada de arrependimento. — Ainda não tinha ouvido
falar, — continuou Clearwell — sobre os maus sentimentos que surgiram
entre as duas famílias.
— Seus filhos se amavam, mas não sabiam. A família de Lady Letitia
afirmou que ela foi sequestrada por Lorde Thomas. O duque e a duquesa,
naturalmente, negaram a acusação. Culparam à carruagem dos Hartley pela
morte de seu filho.
— E foi no meio desse problema que você apareceu, com a pintura?
— A voz de Cecily estava cheia de simpatia.
— O duque tirou de mim sem dizer uma palavra do que eu tinha
planejado. Se eu soubesse... — Clearwell sacudiu a cabeça com ironia. —
Isso poderia ter me economizado muitos problemas, e a Lady Letitia
também. O duque usou o retrato para me acusar como seu amante secreto.
Perdi minha posição entre a nobreza.
— Minha carreira esteve quase arruinada por isso. E quanto à jovem
dama...
— A própria família da qual tinha planejado fazer parte a difamou no
auge de sua dor. Com apenas dezesseis anos!
— Visitei-a, já sabe — disse Clearwell. — Foi o mínimo que pude
fazer depois da dor que lhe causei. Se souberam dos rumores que nos
cercam na casa dos inválidos, nunca o mencionaram. Eu a visitava todos os
meses. Quando um surto de gripe finalmente a levou, eu estava ao seu lado.
— Sua voz começou a vacilar. — Devo dizer a última coisa que ela me
disse?
Robert não tinha certeza de que queria ouvir, por mais que isso
pudesse aliviar a mente do ancião. Preferia afastar-se da escuridão. Cecily,
entretanto, levantou-se da cadeira de balanço e foi para o lado de Clearwell.
— Por favor, conte-nos. A história de Lady Letitia não deveria morrer
com ela.
— Ela disse: ‘Não se angustie, Andrew. Verei o amigo mais querido
que já conheci’.
— A pobre dama — murmurou Cecily. Ofereceu a Clearwell um
lenço, que usou para limpar os olhos.
— Bom, acabou — disse, com um brilho pouco convincente. —
Como são a maioria de minhas provas e problemas, graças a Deus. —
Tentando limpar a dor do passado de sua mente, sua expressão se tornou
ardilosa e sábia. — Acho que seus próprios problemas ainda estão por vir.
— Acho que adivinhou que circunstância trouxe um Hartley e um
Balfour à sua porta — disse Robert.
— Só desejaria que não estivesse tão claro. Olhar para os dois me
transporta cinquenta e cinco anos atrás. Não tenho nenhum conselho para
lhe dar. Se tivesse algum poder para mudar a opinião de um duque e um
marquês, teria feito isso todos esses anos atrás.
— Já nos ajudou imensamente — disse Cecily. — Tudo o que
pediríamos é que venha conosco para falar com nossos pais quando for o
momento adequado. Sua história poderia nos ajudar a deixar de lado anos
de disputas.
Os ombros de Clearwell afundaram em alívio. — Então não têm a
intenção de fugir?
Cecily chamou a atenção de Robert. Ele entendeu sua preocupação.
Não parecia correto mentir para o ancião, especialmente quando ele lhes
havia dito tanto.
— Manteremos nossos sentimentos um pelo outro em segredo até que
nossas famílias se reconciliem — disse, assumindo a carga da
desonestidade. Cecily estava torcendo uma mecha de cabelo ansiosamente
em torno de um dedo. Embora lamentasse seu desconforto, Robert
considerou isso um bom sinal. Embora sua história de amor exigia engano,
Cecily claramente apreciava a honestidade.
— Não permitirei que a história se repita — disse Clearwell, com
toda a autoridade de sua idade. — Conde ou não, não aguentarei outra fuga.
Não depois do problema que causou a última.
— Tenha a certeza de que esse não é nosso objetivo — disse Robert.
Não tinha medo de descobrir. Quando Clearwell se inteirasse de que
um jovem casal elegante estava hospedado na estalagem local, estariam a
salvo a caminho de Gretna Green.
— Eu não gosto de mentir — disse Cecily, enquanto caminhavam de
volta para a estalagem, de braços dados. — Não seria melhor, agora que
sabemos a verdade, ir ver nossos pais e ver se podemos fazer as coisas da
maneira correta?
— Não vou forçá-la a fugir comigo — disse Robert, embora não
pudesse esconder sua decepção. Sua necessidade de reivindicar Cecily
como sua, aumentava a cada minuto que passava. Já era uma agonia o
tempo até que chegasse o momento feliz.
Não tinha certeza se aguentaria esperar mais. — Mas me parece o
caminho menos arriscado. Uma vez casados, nossas famílias não poderão
nos separar.
— Será muito menos difícil lidar com isso se pudermos apresentá-lo
como um fato consumado.
— Tem razão — suspirou Cecily. Ela deixou cair a cabeça no ombro
dele. — Pelo menos, estou muito tentada para pensar que você está errado.
Eles chegaram à entrada da estalagem, onde uma placa com um cisne
branco balançava suavemente com a brisa.
— Entramos, Sra. Somerville? — Robert perguntou, com um sorriso
irônico. Os olhos de Cecily estavam arregalados e azuis, meio esperança e
meio medo.
— Por que não, senhor Somerville? Por que não?
 
23

Para alívio de Cecily, Robert esperou no andar de baixo no bar


enquanto ela se banhava e vestia a singela camisola de algodão que tinham
comprado da esposa do estalajadeiro. Cecily estava agradecida por a mulher
ter sido discreta o suficiente para não fazer muitas perguntas. Tinham-lhe
contado uma história de se perder na estrada enquanto sua bagagem era
levava no carro, um engodo débil, mas o suficiente por apenas uma noite.
Pela manhã, parariam em outra cidade mais movimentada, com a esperança
de comprar roupa limpa e outras necessidades no mercado. Então estaria no
carro do correio e finalmente Gretna Green.
Cecily não podia acreditar que, em alguns dias, seria uma mulher
casada. Os eventos foram tão rápidos que ela sentiu que corria
continuamente para acompanhá-los. Quão pouco tempo tinha passado desde
que Robert fora seu inimigo mais odiado! E quão querido era para ela
agora!
Se lhe tivessem perguntado há um mês se tal mudança material era
possível em tão pouco tempo, teria rido. Agora, ela sabia que milagres
poderiam acontecer.
No entanto, o milagre de seu matrimônio... Esse era outro assunto
completamente diferente. Cecily se considerava um tipo audaz, mas esse
era um grande empreendimento, mesmo para ela.
Ela ficou feliz que Robert entendesse tanto sua confusão. Era a
própria bondade.
Sabia quão profundamente, quão apaixonadamente a desejava, isso
tinha ficado perfeitamente claro. Ela mesma sentiu o mesmo desejo e lutou
contra seu estranho poder. Era muito mais fácil para os homens aceitarem
seus desejos. A sociedade exigia que as mulheres fossem doces, inocentes e
silenciosas; prontas para aceitar um matrimônio vantajoso e nunca
sonhando com a ternura de um amante.
Mas os sentimentos que Robert tinha despertado dentro de Cecily
eram fortes demais para negar. Melhor ainda, não pareciam pecaminosos ou
errados. Havia uma justiça, uma pureza em seu amor por ele que lhe dizia
que tinha razão em renunciar a tudo para ser dele. Mesmo o risco de
escândalo não poderia manchá-los.
Com estas convicções firmemente em mente, ela se sentou para
aproveitar ao máximo a luz da janela e escrever uma carta de pesar, mas de
esperança, ao pai.
Uma batida na porta lhe deu um pouco de alívio para descobrir como
começar.
— Está decente? — Robert chamou em voz baixa.
— Entre!
Ele entrou, fechou a porta com cuidado, depois parou atrás dela e
começou a massagear a tensão de seus ombros. Cecily suspirou, sentindo-se
relaxada sob suas fortes mãos. — Está escrevendo para seu pai? —
Perguntou, vendo a saudação que era tudo o que ela tinha conseguido
escrever.
— É errado? Não suporto deixá-lo sem saber nada de mim. Esteve
fora de si aquela noite que passei em Scarcliffe Hall.
— Não — disse Robert, dando um beijo no topo de sua cabeça. —
Acho que é o correto. Eu desejaria poder escrever para meu próprio pai,
mas ainda estou muito bravo com ele. Se está preocupado, deixa-o!
— Lorde Jonathan poderia apreciar uma palavra sua.
— Hart se preocupará principalmente com o que eu fiz com o cavalo
dele. Terei que perguntar ao estalajadeiro se há um menino na aldeia que eu
possa contratar para ir a Scarcliffe Hall quando estivermos prontos para
embarcar no carro de correio.
— É muito diferente para os cavalheiros — suspirou Cecily. —
Ninguém dúvida de que é capaz de se cuidar. Eu, por outro lado, estive
fugindo das acompanhantes toda minha vida.
— Que este último voo seja o último — disse Robert. — Terá mais
liberdade como minha esposa, eu prometo. Valorizo sua independência
tanto quanto você.
Cecily inclinou a cabeça para beijá-lo, mas antes que seus lábios se
encontrassem, uma batida na porta os assustou.
— Será a esposa do estalajadeiro — disse Cecily, tentando esconder
seus nervos.
Robert abriu a porta. Cecily se permitiu respirar quando viu que era
realmente a esposa do estalajadeiro que os incomodava.
Seu alívio durou apenas um momento.
— Com licença, senhor Somerville — disse a mulher, soando
insegura quanto ao nome. — No andar de abaixo há duas mulheres muito
boas que procuram um jovem casal. Pensei que talvez fossem vocês quem
elas estavam procurando.
— Isso é impossível — disse Robert. Cecily estava impressionada por
sua calma. — Como eu disse, nos perdemos no caminho para outro lugar e
não esperávamos parar aqui de noite. Ninguém sabe que estamos aqui.
— Foi exatamente por isso que pensei que devia lhe advertir — disse
a esposa do estalajadeiro. — As duas damas não me deram nenhum nome,
senhor. Parecem estar procurando duas pessoas que viajam em segredo.
— Então desejo-lhe boa sorte em sua busca — disse Robert, fechando
a porta.
— Cecily! — Uma voz desesperada surgiu da escada. — Cecily, se
está aqui, eu imploro, não se esconda!
Cecily agarrou a borda de sua cadeira, sentindo-se enjoada. — É
minha mãe — sussurrou.
Robert congelou com a mão na maçaneta da porta. A esposa do
estalajadeiro contraiu os lábios.
— Direi às damas que eu estava errada — ofereceu. — O senhor e
senhora Somerville não se encaixam na sua descrição.
— Isso é muito amável de sua parte — disse Cecily, ficando de pé. —
Mas descerei e falarei com elas eu mesma.
— Tem certeza? — Perguntou Robert, calmamente. Cecily não pôde
olhá-lo nos olhos.
Sabia que não teria forças para escapar com ele se sua mãe lhe
pedisse que não fosse.
Robert também parecia saber disso. Ele se afastou com um suspiro.
— A escolha é sua.
Tentando não tremer sob o olhar sábio da esposa do estalajadeiro,
Cecily passou por Robert e desceu.
Ao pé da escada, Jemima e sua mãe esperavam com os rostos
erguidos e expressões preocupadas.
— Cecily! — A duquesa subiu as escadas e jogou os braços ao redor
do pescoço de sua filha. — O que fez, querida? Em que estava pensando?
— Sinto muito, Ceci — disse Jemima. — Quando não voltou para
casa, não podia mentir para sua mãe. Eu também estava preocupada com
você.
— Talvez deveriam entrar no dormitório — sugeriu a esposa do
estalajadeiro. — Já que tenho outros convidados na casa, e acredito que não
querem que lhes escutem.
Cecily pegou o braço da mãe com uma mão e o da Jemima com a
outra. — Há alguém que eu gostaria que conhecesse, mamãe — disse, e as
conduziu ao dormitório.
A compostura de Robert sob estresse estava começando a ser o que
Cecily mais admirava nele. Não deu nenhum sinal de que um homem foi
pego no meio da fuga, mas saudou a duquesa tão gentilmente como se
estivessem em um salão de baile.
— É um grande prazer finalmente conhecê-la, Sua Graça — disse,
beijando sua mão.
A duquesa apertou os lábios em uma linha apertada e fina. — Eu
gostaria de poder dizer o mesmo, meu Lorde.
Robert não permitiu que a menor sombra de vergonha obscurecesse
seus traços. — Era minha intenção e a de Cecily que visitássemos Loxwell
Park no momento em que nosso negócio estivesse concluído.
— Visitar? — A duquesa repetiu fracamente, enquanto Jemima fez
um ruído deselegante de desprezo.
— Ha! Sabia. De todos seus planos malucos, Ceci, fugir deve ser o
pior. E com ele!
— E comigo. — Robert repetiu gravemente. Jemima ergueu os
ombros e o olhou sem vergonha.
— Eu não tenho medo, meu Lorde. Seu título exige minha deferência,
mas seu comportamento me mostra que deveria estar envergonhado de
exigi-lo!
— Então é verdade? — A duquesa perguntou, agarrando a mão de
Cecily. — Quer dizer fugir com este homem?
— Mamãe... — Cecily descobriu que não podia encontrar as palavras
para se defender diante do desespero de sua mãe.
Felizmente, Robert não havia perdido o controle de si mesmo. —
Estamos apaixonados — disse, colocando uma mão sobre o ombro de
Cecily. — E, como não havia esperança de que nossas famílias aprovassem
o matrimônio, tomamos medidas que acreditávamos necessárias.
— Amor? — Repetiu a duquesa, como se a palavra tivesse perdido
todo seu significado. — O que é o amor para nós, Ceci? Seu pai é duque de
Loxwell.
— Estava destinada a se casar por vantagem, por dinheiro, por um
título, por lucros políticos. — Ela cobriu a boca com uma mão para ocultar
o tremor de seus lábios. — Nunca pensei em sonhar com amor para minha
única filha. Estava sendo negligente?
— Mamãe! Não, nunca! — Cecily a abraçou o mais forte que pôde.
— Ninguém poderia ter previsto isso.
— Predisse — disse Jemima, virando na cadeira e olhando para
Robert com um olhar assassino.
A duquesa apertou as mãos de Cecily. — Ainda tem a intenção de
fugir com ele? Mesmo agora, vendo como vai me ferir?
Cecily sabia que todos no dormitório estavam olhando para ela.
Jemima, reprovadoramente; sua mãe, angustiada; Robert, com esperança e
medo.
— Escolhi correr porque não via outro caminho — disse, escolhendo
suas palavras com cuidado. Como equilibrar o coração de Robert com o de
sua mãe? Não tinha vontade de machucar nenhum deles, e sabia que, por
sua escolha, devia fazê-lo. — Se houvesse outra forma, tomaria.
— Mas, meu amor, não explorou todas as opções — repreendeu-a
gentilmente sua mãe. — Não veio até mim.
Cecily levantou os olhos. — Você nos daria sua bênção?
— Com todo meu coração — disse a duquesa, estendendo uma mão
para Robert. — Com a condição de que não fujam juntos. Devem ficar em
Loxwell Park, minha filha, e juntos, encontraremos uma maneira de
persuadir seu pai a desistir desta pequena disputa.
— Já tentou uma vez antes, sem sucesso — Cecily lembrou-lhe.
— Era uma mulher mais jovem na época, e não tinha a sabedoria de
um matrimônio de muitos anos — disse a duquesa com firmeza. — Se seu
pai não ver a razão, por que, simplesmente se recusa. Tenho o maior motivo
para me inspirar agora: a felicidade de minha própria filha! — Ela se virou
para Robert e levantou o queixo imperiosamente. — Espero que a faça
feliz, jovem.
— Tenho a intenção de fazer, Sua Graça.
O discurso de Robert foi perfeitamente calmo, mas, Cecily captou a
corrente da miséria debaixo de sua cortesia. Quase teve medo de olhá-lo nos
olhos e, quando o fez, encontrou o que temia: sua escuridão insondável se
enegreceu de desespero.
— Vai ficar tudo bem, Robert — disse suavemente. — Vamos nos
casar, em Loxwell, se não for Gretna Green. E quão mais agradável será ter
umas bodas real, rodeada do amor de nossos amigos e familiares!
— A escolha sempre foi sua, Cecily — disse, inclinando a cabeça.
A culpa a mordeu dolorosamente. Sua própria tristeza ao pensar em
adiar seu matrimônio foi aguda e mordaz; saber que ela também tinha
machucado Robert era quase demais para suportar.
— Virá para casa comigo? — A duquesa perguntou, mal sussurrando
as palavras. Cecily rechaçou seu pesar e assentiu com firmeza.
— É o correto.
— Graças a Deus por isso! — Jemima disse, ficando de pé
abruptamente. — Agora, vamos sem mais demora. Saímos de Loxwell Park
antes do jantar, e estou morrendo de fome.
Cecily só desejava que a sensação de vazio em seu próprio estômago
fosse devida à fome. Quando saíram da estalagem e os olhos sábios da
esposa do estalajadeiro, ela mal podia suportar olhar para Robert.
Não o traí, disse a si mesma. Vamos nos casar em pouco tempo. É
melhor assim.
O conjunto de seus ombros, a orgulhosa inclinação de sua cabeça, o
som profundo de sua voz, estavam tão firmes como sempre. No entanto,
sabia muito bem que, enquanto cavalgava ao lado da carruagem de sua mãe,
estava escondendo uma devastação privada que ela lhe causara. Pressionou
sua mão contra a janela da carruagem, desejando poder sentir sua mão
através do vidro frio. Tinha o benefício de conhecer o valor de sua mãe.
Podia confiar que tudo ficaria bem.
Robert só tinha sua palavra e esperança, mas agora sua palavra estava
vazia.
 
24

— Então, papai — disse Cecily, lutando para evitar que seus dedos
brincassem nervosamente com uma mecha de seu cabelo — este ódio
lamentável entre nossa família e os Hartley não foi causado por nenhum
delito por parte de ninguém. Tinha suas raízes no amor - verdadeiro amor.
As sobrancelhas espessas do duque se baixaram enquanto olhava do
retrato de lady Letitia para o anel que Cecily segurava para ele. Cecily, de
pé orgulhosa, mas ansiosa diante da imponente escrivaninha no escritório
de seu pai, sentiu a forma com que seu mordomo deve fazê-lo
apresentando-lhe figuras de suas propriedades que não atendiam às suas
expectativas. Seria elogiada por seus esforços ou culpada por seu resultado?
— Deixe-me ver esse anel — disse o duque. Ele segurou-o contra a
luz, examinando-o de todos os ângulos. — Boa graça!
— Há algo errado?
— Não vejo isso desde que era menino. Era uma vez uma das
principais joias da família Balfour, que usualmente usava o segundo filho,
como um sinal do amor de seu pai. Faz parte de nossa família há gerações,
antes que se perdesse…
— No acidente de carruagem de Lorde Thomas — Cecily terminou
para ele. — Mas agora sabemos, papai, que o anel não se perdeu
absolutamente, mas ele entregou a Lady Letitia Hartley.
O duque saiu de sua mesa para examinar a pintura mais de perto. —
Suponho que a dama parece estar usando um anel com rubis gêmeos —
admitiu.
— O senhor Clearwell me assegurou que o anel também levava o
brasão do Balfour.
— Eu não daria muita importância à palavra desse homem, Ceci. Sua
reputação está entre as piores do condado.
— Essa reputação e baseada em nada mais que os rumores iniciados
por seu próprio avô — insistiu Cecily. Virou-se para sua mãe, que tinha
assistido até o momento em silêncio. — Diga-lhe mamãe!
— Está em uma melhor posição para persuadi-lo do que eu, querida
— disse a duquesa. — Você conversou com o Sr. Clearwell, e eu não.
Embora tenho que dizer que da minha parte, acredito em cada palavra de
sua história. Está tão intimamente entrelaçada com eventos como os
entendemos, e é uma explicação muito mais convincente que a acusações
de sequestro e maldades que estiveram ocorrendo por todos estes anos.
O duque grunhiu e acariciou o queixo. — Não, não, não! — ladrou,
fazendo que ambas as damas saltassem. — Há muito aqui que ainda não
entendo. O que lhe permitiu colocar todo este esforço em resolver uma
inimizade que existia desde antes de você nascer? E onde exatamente
encontrou o anel Balfour, quando se perdeu durante anos? — Ele sacudiu
um dedo severo para Cecily. — Está tramando algo, jovem. Outro de seus
planos! Bom, já decidi. Não serei tão facilmente convencido como antes.
Exijo a verdade de você, Ceci, em geral e a verdade completa.
— Até que o tenha, não há dúvida de que reconsidere nossas relações
com esses malditos Hartley.
— Não fale mal do nome Hartley, papai — disse Cecily, aproveitando
toda sua coragem. — É um nome que tenho a intenção de levar ao altar em
breve.
Tinha esperado raiva, confusão, decepção: o duque era conhecido pela
violência de seu temperamento quando o deixava livre.
Cecily se surpreendeu, portanto, ao ver o rosto de seu pai enrugar não
com fúria, mas com alegria. Soltou uma risada estrondosa. — Um Hartley!
Minha filha, um Hartley! É demais, Ceci, inclusive para você, demais!
— Não ria de mim, papai — disse, cada vez mais insegura de si
mesma. — Estou falando sério.
O duque sacudiu a cabeça e secou os olhos lacrimejantes. — Sem
dúvida viu o conde ou seu irmão passar por Loxton em uma de suas lindas
carruagens e sonhou com um pouco de amor para você! Minha menina, é
bastante natural na sua idade. As mulheres jovens são propensas a este tipo
de tolices. Todos meus amigos com filhas dizem o mesmo.
A duquesa, notando o constrangimento de Cecily, falou com
severidade. — Seus amigos, que pensam que são tão sábios, poderiam ouvir
melhor suas filhas, em vez de rir delas!
— Mas, querida, — disse o duque, com os ombros ainda tremendo
alegremente. — É a tolice mais absurda que escutei em minha vida! Que
deixe minha única filha imaginar um vínculo entre ela e um... um Hartley !
Qual é, Ceci? Quem devo saudar como meu novo filho? O mais velho ou o
mais jovem? Ouvi que o mais velho é o melhor atirador da Inglaterra, e teve
uma grande oportunidade de demonstrar sua valia no campo de duelo,
através de sua ousadia imprudente Hartley! Talvez seja o mais jovem.
Temperamento mais doce?
— O conde de Scarcliffe — disse Cecily com rigidez. — E garanto
que seu temperamento me convém exatamente como é.
A risada do duque se afogou em silêncio. — Tome cuidado, Ceci.
Pela forma com que fala, parece quase como se estivesse familiarizada com
Lorde Robert.
— Estamos muito familiarizados — disse Cecily primordialmente. —
Conhecemo-nos há umas semanas, na noite em que me perdi no bosque e
terminei em Scarcliffe Hall.
— Fez o quê?
— Lorde Robert foi bom o suficientemente para cuidar de mim, e
desde esse dia, nossa afeição só cresceu. Papai, ele pediu que me case com
ele, e farei isso com ou sem sua permissão.
O rosto do duque ficou vermelho escuro pouco saudável enquanto
falava. — É assim que te criei para se comportar? Passar a noite em lugares
estranhos sem sequer uma acompanhante? E exigir que eu deixe você se
casar com o primeiro homem que te pergunte?
— Vamos, papai — disse Cecily. — Não é o primeiro. Sua proposta é
simplesmente a única que pensei que vale a pena considerar.
— Não pense me distrair da gravidade de seu comportamento! —
Gritou seu pai, as veias se sobressaíam em seu pescoço. Sua antiga alegria
só arrojou sua raiva a um alívio mais agudo. — Traiu nossa família! Lançou
nosso bom nome na lama!
— Nossa família é tão culpada do mal quanto os Hartley! — Cecily
respondeu bruscamente. — Seu próprio avô arruinou Lady Letitia em
vingança pela morte de Lorde Thomas! Não pode negar!
— Era o que mereciam…
— Então mereço a ruína tanto quanto ela — disse Cecily, e lhe
estendeu a mão. — Por favor, me devolva o anel, papai. O dei de presente a
Robert, tal como seu tio uma vez o deu para a tia avó de Robert. Se não vai
abençoar nosso matrimônio, simplesmente esperarei até meu vigésimo
primeiro aniversário. Não está tão longe agora. Menos de um ano, e vou pôr
fim a esta tola rivalidade com minha própria mão.
— Vai custar muito lidar com isso, minha menina, quando lhe
mantiverem trancada nesta casa! — O duque passou a mão trêmula sobre
sua frente. Cecily percebeu que não era tanto a raiva, mas a dor que o
alimentava. — Minha única filha! Minha Cecily!
— Papai, não me perderá — disse Cecily, dando um passo cauteloso
para ele. — Apenas pense! Scarcliffe Hall está tão perto! Pense em como
seria diferente se me casasse com um cavalheiro de Yorkshire, ou talvez
Cornwall! Quando for condessa de Scarcliffe, nos veremos todos os dias, se
desejar.
— Não tenho medo de perder você, minha filha — disse o duque,
falando mais brandamente. — A maior felicidade de um pai é ver sua filha
forjando uma vida própria. Mas ele, Ceci, qualquer um menos ele, rogo-lhe
isso.
Cecily sacudiu a cabeça. — É muito tarde, papai. Já está feito.
Estamos apaixonados.
O duque olhou o anel que ainda segurava. Esfregou o polegar sobre a
superfície salpicada de rubis. — Tantos anos de ódio — murmurou.
Cecily gentilmente colocou a mão sobre a dele e retirou o anel. —
Eles acabarão em breve.
O duque olhou sua esposa, que lhe deu um aceno silencioso. Ele se
virou para Cecily, suspirou e lhe deu um tenro beijo na testa. — Este
Hartley, este Lorde Robert, é um homem melhor do que diz sua reputação?
— Acho que sua reputação não é tão ruim como imagina — disse
Cecily, contendo um sorriso. — Não há um homem no país que não se sinta
tentado a adular o duque de Loxwell arrastando o nome de seu inimigo pela
lama, afinal.
— Espero que tenha razão. — O duque se sentou atrás de sua mesa,
apoiando os dois cotovelos sobre ela. — Até hoje, Ceci, nunca me deu
motivos para desconfiar de seu julgamento. Irei com o Marquês de Lilistone
e lhe apresentarei as provas que me deu. Afinal, ainda é possível curar as
velhas feridas.
— Oh! Papai! De verdade está falando sério?
O duque esfregou a testa com uma careta irônica. — Não há nada que
eu não faria para assegurar sua felicidade, Ceci.
Cecily beijou o pai nas duas bochechas, deixando-o com o rosto
vermelho e murmurando algo sobre estas garotas e seus caprichos, e
rogando que o deixassem em paz para reunir seus pensamentos e escrever
para o marquês. A duquesa saiu da sala com um suave sorriso de satisfação
em seu rosto, e Cecily a seguiu. Colocou o anel Balfour no quarto dedo de
sua mão esquerda, onde estaria seguro até que pudesse entregá-lo a Robert.
Pertencia agora às duas famílias, tanto a sua como a dela. Uma vez o
símbolo de um amor condenado, logo se converteria no sinal de esperança,
paz e, acima de tudo, reconciliação.
 
25

No dia seguinte, entretanto, Robert se viu envolto em uma entrevista


com seu próprio pai, que estava destinado a produzir resultados muito
menos felizes que os de Cecily e o duque.
Robert tinha passado os dois dias da fuga abortada em um estado de
miséria frustrada. Seu pai, confinado em seu dormitório mais uma vez pela
recorrência da gota desencadeada por seus esforços no caminho para
Loxwell Park, negou-se a vê-lo. Se Robert pensasse que havia algo a ganhar
com isso, teria derrubado a porta fechada do velho e teria irrompido para
enfrentá-lo. Mas Cecily pediu que esperasse enquanto discutia com seu
próprio pai, então ele esperava.
— Não está acostumado a ter paciência, querido amigo — disse
Beaumont com simpatia, vendo como Robert se irritava por sua falta de
ação. — Não tem temperamento para isso.
Todos os cavalheiros de Scarcliffe Hall, salvo o marquês, puseram-se
em dia com a situação. Robert tinha reservado apenas o doloroso feito de
que, por algumas horas, ele e Cecily estavam a caminho de Gretna Green.
Essa ferida ainda era muito fresca para falar dela.
Não a culpava por ir para casa. Se Hart, ou sua irmã, tivessem
implorado para suspender a fuga, poderia ter feito o mesmo. Sabia que
Cecily tinha seus próprios sonhos para o começo de sua vida matrimonial, o
que não podia ignorar. Queria família, alegria, felicidade: flores brancas e o
próprio pátio paroquial. As lágrimas felizes de sua mãe, a bênção de seu
pai.
Robert entendeu estas necessidades, mas não conseguiu compartilhar.
Tudo o que queria era Cecily.
Rejeitou as súplicas de Beaumont, Northmere e Hart para cavalgar
com eles e esquecer suas tristezas no clima do verão. Sabendo que cada
momento que passava aproximava a notícia da decisão do duque, não podia
abandonar o salão com a consciência tranquila.
Não lhe escapou a notícia de que uma nota com o brasão Balfour foi
entregue a seu pai na noite depois que Cecily retornou a Loxwell Park.
Também não conseguiu descobrir pelo ajudante de câmara de seu pai que a
nota tinha sido jogada imediatamente no fogo, sem ler.
A ausência do anel em sua corrente ao redor de seu pescoço era tão
tangível que quase doía. Tinha dado a Cecily para ajudá-la a persuadir seu
pai; Não tinha pensado que a perda da peça perfuraria seu coração com o
temor de uma perda ainda maior.
— Não sou do tipo que cede a terrores imaginários — disse a si
mesmo, com os dentes cerrados, ao ver seu rosto pálido no espelho.
Quando a manhã seguinte à nota queimada trouxe para a porta uma
carruagem com a libré do Balfour, era impossível para Robert permanecer
inativo.
— Pai! — Gritou, golpeando a porta fechada do marquês. — O duque
de Loxwell está aqui para vê-lo, e vão me enforcar se não o deixa entrar!
— Não devem permitir esse homem entrar na minha casa! — Veio a
obstinada resposta. Robert virou-se para Peters, o mordomo.
— Leva o duque ao salão — ordenou. — Estarei com ele em um
momento.
Peters, que parecia infeliz, não fez nenhum movimento.
— Guie o duque! — Robert deu de ombros, tentando evitar que seus
punhos se apertassem. Ficou tentado chutar a porta e colocar algum sentido
na cabeça orgulhosa de seu pai. — Esta é a minha casa, não é sua, pai, está
aqui como meu convidado, e não permitirei que despreze um homem que
escolhi para dar as boas-vindas!
— Ainda não é sua casa! — O marquês se enfureceu. — Não estou
morto, moço, como deseja!
— Meu Lorde, — disse Peters — não me peça que desobedeça o
marquês, rogo-lhe isso. Temo por minha posição.
— Sua posição está abaixo de mim — disse Robert. A boca de Peters
se abriu e fechou miseravelmente. Robert lamentou sua insistência
imediatamente. Sabia que tinha colocado o homem em uma posição
intolerável.
O costume poderia fazer de Robert o mestre de Scarcliffe Hall, mas
todos, e todos os que habitavam dentro de suas paredes, estavam legalmente
sob o poder de seu pai.
— Não se preocupe, Peters — disse. — Por favor, saía e peça ao
duque que espere, se quiser.
Quando Peters saiu, Robert voltou a bater na porta de seu pai, desta
vez com mais suavidade. — Pai, não vamos gritar um com o outro como
animais rosnando. Deixe-me entrar, para que possamos discutir isto
pessoalmente.
Houve uma longa pausa. Robert pensou a princípio que seu pai estava
simplesmente ignorando-o, mas sua paciência por um momento foi
recompensada pelo som de passos suaves dentro da câmara, seguido pelo
clique de uma chave na fechadura. O ajudante de câmara de seu pai abriu a
porta e o deixou entrar.
O marquês estava sentado em um sofá muito estofado, com a perna
doente apoiada em um tamborete acolchoado. Sobre a mesa a seu lado
havia um copo de vinho do porto, exatamente o que o doutor Hawkins tinha
recomendado para não tomar. Robert deixou de lado seu discurso sobre a
importância de seguir as instruções do doutor para um tempo posterior e
mais calmo.
— Pai, — disse, sentando-se em frente ao marquês — não é pouca
coisa rechaçar um duque na porta.
O marquês burlou. — Quando se trata destes Balfours, Robert, os
títulos são irrelevantes. São pessoas baixas, não importa quão alta seja a
sociedade que os cria.
— Seu comportamento e temperamento são comuns. Não, pior que
comum. São vergonhosos. Apenas um parvo confiaria em um Balfour. —
Encarou Robert com um olhar brilhante. — Confio que não criei um parvo.
— Fui um tolo — suspirou Robert. — Confiei em sua palavra durante
tantos anos sem duvidar. Meus olhos foram abertos agora. Conhece minhas
intenções, pai. Não pode chamar de bobo que minha esposa seja uma
mulher boa e honesta.
— Chega! — O marquês agarrou sua bengala com ponta de prata e a
jogou no chão. — Você foi enganado, Robert! Vergonhosamente enganado!
Não é suficiente dizer que seus sentimentos por esta garota são puros. Os
Balfours simplesmente insultaram muito a nossa família, durante muitos
anos. Não posso mais permitir isso. Não permitirei que o Duque entre em
minha casa mais do que posso cortar meu próprio coração. O dano de
qualquer uma dessas ações seria muito profundo. Vê?
— Não vejo — disse Robert friamente. — Apenas vejo que está
tratando muito mal o duque, e isso reflete muito mal em você. Eu mesmo
irei a ele e lhe oferecerei minhas mais sinceras desculpas.
— Não fará nada assim!
— Não pode me deter, pai. Assim como não pode evitar que me case
com Cecily.
Agora ele estava maluco.
— É mesmo? — Perguntou o marquês, seus olhos brilhando
cruelmente. — Mais uma vez, moço, fala como se já fosse marquês de
Lilistone. Deixe-me lembrá-lo que ainda não estou em meu túmulo, por
muito que o deseje.
— Vamos, vamos, pai — disse Hart, entrando no dormitório atrás de
Robert. — Ninguém te desejou nada absolutamente. — Ele se inclinou para
sussurrar no ouvido de Robert. — Falei com o duque. É mais razoável do
que eu poderia esperar. Ele sabe que tem uma tarefa formidável aqui com
papai.
— Não tome parte de seu irmão, Hart — advertiu o marquês. — Vai
se arrepender.
Hart encolheu os ombros elegantemente. — Já existem tantas coisas
que me arrependo. O que importa mais uma?
— Não terei esta insubordinação — grunhiu o marquês. — Tampouco
verei meu filho e herdeiro casado com nosso inimigo.
— Com todo o respeito, pai — disse Robert, agradecido pelo lugar de
Hart ao seu lado, — não vejo o que pode fazer a respeito.
— O que posso fazer? O que posso fazer? — O marquês riu sem
deixar vestígios de alegria. — Se eu pudesse deserdá-lo, Robert, eu o faria
sem hesitação.
Isso foi difícil de ouvir. A mão de Hart caiu sobre o ombro de Robert
em solidariedade. Robert encolheu os ombros, decidido a não deixar
vestígios de seus sentimentos internos.
— Pena, então, que a lei não permita.
— Mas tenho sorte que a lei não diga nada sobre os segundos filhos.
— Os olhos do marquês piscaram brevemente para Hart. Havia mais
malícia neles do que Robert sonhava ver em seu pai. — Algum dia poderá
herdar minhas terras e meu dinheiro, Robert, e não há nada que eu possa
fazer a respeito. Hart é outro assunto. Sua herança está completamente em
meu poder.
— Não deixe que isso o intimide, Robert — disse Hart com calma. —
Não tenho medo.
— Prefiro ver os dois sair à rua e se isolar da sociedade do que me
desafiar — retrucou o marquês. — Isso, pelo menos, está em meu poder.
Não terá dinheiro, nem posição social, nem sequer um pensamento amável
de minha parte, até eu deixar esta terra. É isso o que quer? — Seus olhos
passaram de um filho a outro, brilhando com uma raiva que se aproximava
da loucura. — E, além disso, não esqueça que ainda tenho em meu poder
uma carta endereçada a você por Lady Cecily. Que imprudente de sua parte,
escrever para você antes de um compromisso matrimonial formal. Veremos
o que a alta sociedade diz disso!
Robert sabia que seu pai era ancião, sofria e não estava acostumado à
desobediência. Foram apenas estas considerações que o impediram de jogar
o ancião de seu sofá de pelúcia no chão.
— Como é honroso fazer Hart e Cecily pagar por meus crimes?
— Você mostrou que não escutará a razão, Robert. — Por um
momento, a raiva do marquês desapareceu de seu rosto e deixou de ser o
Lorde furioso. Era apenas um homem velho, doente e cansado, enfrentado
problemas que era velho demais para lidar. — Se não posso convencê-lo
racionalmente, devo aplicar qualquer castigo que encontrar para afetá-lo.
— Bom, já cansei disso, por mais agradável que seja conversar —
disse Hart alegremente. — Robert, vamos tomar um pouco de ar.
Robert não podia deixar a conversa parada assim, mas, lembrando que
o duque ainda estava esperando do lado de fora, permitiu que Hart o levasse
embora.
— O que vou fazer? — Perguntou, em voz baixa, enquanto desciam
as escadas. — Não posso deixar que isso te machuque. Menos ainda, para
Cecily.
— Não se preocupe comigo, irmão — disse Hart, mantendo esse
descuido lacônico que Robert sabia que trabalhava tanto para aperfeiçoar.
— Sempre posso me juntar à Marinha. Frequentemente me considero um
homem naval.
Robert parou na escada e agarrou o braço de seu irmão. — Não vou
vê-lo sendo jogando em guerra em climas estrangeiros por minha causa,
Hart. Isso é o fim.
A boca de Hart arqueou no canto; a única indicação que daria de que
estava afetado. — Prefiro pensar que papai tem mais responsabilidade em
terminar que você, Robert, mas não abandonaria você por ele por nada do
mundo. Agora, vá com o Duque, ele não está acostumado a esperar.
Robert seguiu o conselho de Hart e saiu apressado, onde se sentiu
aliviado ao encontrar a carruagem do duque esperando na entrada larga.
Este era seu primeiro encontro com seu futuro sogro, um pensamento
que só o atingiu quando se aproximou da janela da carruagem. Robert não
era um homem geralmente intimidado por aqueles com títulos mais
poderosos que o seu. O fato de Loxwell ser um duque significava pouco.
O fato de ele ser o pai de Cecily, por outro lado, agora era uma
perspectiva temível.
Robert acenou com a cabeça para os lacaios e bateu na janela,
tentando bater na janela de uma maneira que falava de respeito. A cortina
interna se abriu para um lado e, embora não pudesse distinguir o ocupante,
imaginou que estava sendo cuidadosamente inspecionado de dentro.
A porta se abriu.
Robert fez uma reverência. — Sua Graça — disse. — Por favor
permita-me me apresentar.
— Sei quem é — chegou uma voz nítida da penumbra. — Pelo
menos, posso adivinhar. Primeiro enviou seu irmão, certo?
— Minhas desculpas, Sua Excelência — disse Robert. — Estava
tentando argumentar com meu pai. Infelizmente…
— A velha cabra não quer me ver.
Robert tragou o insulto com boa graça. — Meu pai está atualmente
indisposto.
— E não me permitirá entrar na casa! — Ladrou o duque. — Como se
fosse um mendigo nas portas, não o duque de Loxwell!
— Mais uma vez, Sua Excelência, só posso oferecer minhas sinceras
desculpas…
— Desculpas, desculpas! Devo entender que minha Cecily deu seu
coração a um apologista? — O duque abriu a porta um pouco mais. Um raio
de luz entrou na carruagem, revelando um rosto com bigodes e um par de
olhos amáveis debaixo de uma sobrancelha irregular. Robert divertiu-se ao
descobrir traços de Cecily no nariz elegante e no queixo firme do duque.
Clearwell tinha razão: as características de Balfour eram fortes.
— Entra, Lorde Scarcliffe, — convidou-o o duque. — Se for se
desculpar por algo, deve ser por ser tão negligente ao pedir a mão de minha
filha. Eu realmente, esperava que você falasse comigo antes.
— Perdoe-me, Sua Graça. — Robert estava dolorosamente ciente de
que estava se desculpando mais uma vez. — Não sabia exatamente como
seria recebido.
— Muito bem! — O duque deixou escapar uma gargalhada. — Muito
bem, também! Antes de ontem, não teria permitido que estivesse na
presença de minha filha. Mas não vamos nos deter no passado. Já se tem
feito muito isso. Entre e vamos falar aqui, se seu pai não me ver. Desejo
conhecê-lo um pouco antes de tomar minha decisão.
Robert entrou na carruagem e sentou-se em frente ao duque. — Sua
decisão, Sua Graça? — O duque baixou suas impressionantes sobrancelhas.
— Suponho que ainda quer perguntar por minha filha, Scarcliffe.
— Com respeito a isso... — Os olhos de Robert foram para a porta da
carruagem.
Mais à frente, na janela da sala de baixo de Scarcliffe Hall, viu Hart
olhando-o de perto.
Seu irmão renunciaria de qualquer coisa para vê-lo feliz. Ele sabia
disso. Hart tinha renunciado fazia muito tempo de toda esperança de
felicidade para si mesmo. Um navio de guerra, um campo de batalha, as
comodidades de Scarcliffe Hall: Hart provavelmente afirmaria que era o
mesmo para ele.
Mas Robert não podia permitir que seu irmão fosse expulso. E não
podia arriscar a reputação de Cecily.
— Continue — insistiu o duque. Robert não conseguia olhar nos
olhos do velho.
— Receio que será impossível para eu fazer uma oferta séria a sua
filha até eu ser meu próprio homem, Sua Excelência — disse.
O duque ficou em silêncio por um longo tempo. — Isso não é o que
esperava ouvir — ele finalmente disse.
— Não era o que eu esperava lhe dizer, Sua Graça. Porém, a
felicidade não só a minha depende disso. — Levantou a cabeça. — Isso não
quer dizer que tenha renunciado por completo à esperança. Se Cecily me
esperar, nos casaremos assim que a morte de meu pai permitir. Se ela não
me esperar. — Fez uma pausa para respirar, as palavras tinham um gosto
amargo em sua boca para continuar. — Não lhe farei cumprir nenhuma
promessa que me fez.
— Se está tentando ser nobre, essa é uma maneira sombria de fazê-lo,
— disse o duque.
— Cecily me fez acreditar que tinha deixado de lado a antiga
inimizade entre nós.
— E o tenho feito, por sua honra, acredite em mim. Sei que não é meu
inimigo, e não desejo nada além do bem.
— Então, por que está se comportando desta maneira? — O duque
olhou para a casa. — Se seu pai tiver a intenção de te cortar, deve saber que
dinheiro não será um problema. —
— Não é apenas dinheiro, Sua Graça. É um assunto familiar. Pelo
bem do meu irmão, pelo bem de nossa mãe, quem tomaria a nossa perda
mais profundamente.
Robert descobriu pela primeira vez em sua vida que não tinha uma
resposta inteligente a dar. Nenhum grau de engenho ou coragem alteraria
sua situação absolutamente. — Não posso ser o instrumento da destruição
de minha própria família. Não quando, ao esperar, poderia nos manter todos
juntos. Meu pai é um homem velho. Sua saúde é deficiente.
— Não acredita em desejar a morte de seu próprio pai, Scarcliffe.
— E, entretanto, é o único consolo que me resta.
O rosto do duque enrugou de tristeza. — Receio que minha filha
aceite essa notícia muito mal. E, no entanto, a culpa não é sua, Scarcliffe.
Não. Somos seu pai e eu quem deveríamos ter feito sentido e deixado a
inimizade anos atrás.
Que pena! Que nossos próprios filhos tenham que nos ensinar como nos
comportar! — Ele se inclinou para frente e olhou para Robert com um
severo olhar azul. — Como seu pai não cederá, deixe-me dar o primeiro
passo. Convido abertamente você e aos seus para visitar Loxwell Park.
Todos serão bem-vindos.
— Sou grato, Sua Graça. — A gratidão era a menor das emoções de
Robert nesse momento, e o duque parecia saber disso. Ele assentiu com
simpatia enquanto Robert se despedia e deixava a carruagem. O cocheiro
instigou rapidamente os cavalos, e a carruagem de Loxwell desapareceu na
longa estrada.
A dor havia amortecido os sentidos geralmente aguçados de Robert.
Enquanto voltava a subir os largos degraus da frente para o salão, mal notou
que Hart não estava mais na janela. Os quatro corpulentos lacaios que o
abordaram na porta passaram completamente despercebidos até que Robert
colidiu diretamente em um corpo imóvel.
Robert era alto, mas seu pai tinha uma inclinação por força e poder
em seus serventes, e estes homens eram pelo menos iguais em altura e
vigor. Não havia dúvida do que estavam fazendo ali. Os quatro tinham
rostos sombrios. Nenhum deles foi escolhido entre os serventes de
Scarcliffe Hall; eram homens de seu pai.
— Onde é que me levarão? — Perguntou, sua voz um grunhido
perigoso. Os lacaios se mantiveram firmes, embora um ou dois deles
pareciam preferir se afastar.
— Meu Lorde, o marquês decidiu que é hora de você visitar sua irmã
e seu marido em Larksley — disse o lacaio mais alto.
Robert encolheu primeiro um ombro, logo o outro, erguendo-se
lentamente e deixando que seus músculos marcassem visivelmente seus
braços. — E se escolher não ir?
— Rogo-lhe, meu Lorde, não recuse. — O lacaio engoliu em seco. —
Se disser que não irá, devemos obrigá-lo.
Robert viu Hart parado na penumbra de uma porta entreaberta,
observando os acontecimentos com um rosto impassível. Quando seus
olhos se encontraram, Hart assentiu e desapareceu.
Robert deixou que sua escolha ficasse no ar por mais alguns
momentos. Era este o momento de brigar? Ou ia deixá-los segurá-lo e
enviá-lo sob guarda, confiando em Hart para elaborar um plano para ajudá-
lo?
A enormidade do que acabava de abandonar pelo bem de seu irmão o
atingiu como um golpe no peito. Cecily, o esperaria? Entenderia que não foi
voluntariamente?
Deu uma última olhada para a sólida porta de carvalho de Scarcliffe
Hall e se perguntou quando voltaria a vê-la.
— Muito bem, cavalheiros — disse. — Não desejo brigar. Partirei
para Larksley.
 
26

— Realmente tem seu coração posto nisso, Ceci? — Perguntou


Jemima duvidosamente, olhando através do véu da garoa noturna para a
imponente fachada de Scarcliffe Hall. — Não desfrutamos da recepção
mais calorosa da última vez que viemos aqui.
— Mas não é um prazer absoluto visitar Scarcliffe Hall com a
permissão de papai? — Cecily perguntou alegremente, brincando com o
pacote apoiado contra o assento do carro ao lado dela.
— Ele lhe deu permissão — concordou Jemima. — O que não lhe deu
foi nenhuma esperança.
A perspectiva de deixar a carruagem com o tempo piorando não era
atraente para nenhuma das garotas. Cecily esperou pacientemente enquanto
seus lacaios se aproximavam com guarda-chuvas para as escoltar pelas
escadas.
Paciência nunca tinha sido o ponto forte de Cecily. Entretanto, ela
descobriu que, quando precisasse, poderia convocá-la em infinitas reservas.
Encontrou o olhar ansioso de Jemima com um sorriso feliz. Sabia que
estava preocupada com ela. Provavelmente havia boas razões para se
preocupar. Ouvir que Robert queria adiar suas bodas foi uma decepção que
deveria tê-la cortado profundamente.
Mas se recusou a dar-se por vencida até que todas as opções fossem
exploradas. Esta poderia ser sua última oportunidade de convencer o
marquês, mas estava decidida a enfrentá-lo com coragem e bom humor.
Um lacaio levou a pintura envolta em papel para o corredor. Cecily
deu uma boa olhada ao seu redor, com um olho mais possessivo do que ela
já o teve. Um dia, essa seria sua casa. Se tudo corresse conforme o
planejado, esse dia chegaria logo.
— Diga ao marquês que a senhorita Jane e a senhorita Harriet
Somerville estão aqui para vê-lo em uma missão de grande importância —
sugeriu ao mordomo.
Peters sacudiu a cabeça tristemente. Se reconheceu Cecily de sua
estadia anterior em Scarcliffe Hall, não o demonstrou. — Receio que o
marquês esteja indisposto, senhorita Somerville.
— Não pode estar indisposto — disse Cecily imperiosamente,
esquecendo que ela estava interpretando o papel de uma simples senhorita,
em vez da filha do duque.
— Este é um assunto muito urgente.
— No entanto, sua senhoria não está suficientemente bem para
receber visitantes hoje.
— Então vamos esperar até que se sinta melhor — declarou Cecily, e
passou o mordomo atônito para o que ela lembrava ser a sala de estar. O
lacaio com a pintura partiu elegantemente atrás dela, e Jemima apareceu na
retaguarda, sem dúvida revirando os olhos.
Cecily se surpreendeu ao descobrir que a sala não estava vazia. Lorde
Jonathan Hartley estava parado junto à lareira, vestido para andar a cavalo e
passando um grande lenço branco entre os dedos. Quando Cecily entrou, ele
se virou como se esperasse por outra pessoa, e passou um momento
simplesmente olhando-a com espanto.
— Isso é tudo, Peters — disse ao mordomo. — Obrigado.
— Com licença, Lorde Jonathan — disse Jemima imediatamente,
passando a mão pelo braço de Cecily. — Não vamos incomodá-lo mais.
Nós estávamos saindo.
— Certamente não estávamos saindo — disse Cecily. — Lorde
Jonathan, desejamos ver seu pai. Trouxe-lhe uma oferta de paz para
demonstrar como minha família é séria para resolver nossos problemas. —
Fez um gesto com a mão para o lacaio e, quando ele deu um passo adiante,
rasgou o pacote dramaticamente.
— O que é isso? — Hart perguntou, perplexo.
— O retrato de Lady Letitia Hartley, que uma vez ficou pendurado no
salão de Loxwell Park, trouxe mais descrédito a meu sobrenome que ao
dela — disse Cecily. — Foi uma vez o símbolo de inimizade entre nós.
Agora que foi devolvido...
Hart colocou as mãos nos bolsos e rodeou a pintura, examinando-a de
todos os ângulos. — Realmente acha que isso mudará a opinião do meu
pai?
— Vale a pena tentar — disse Cecily, recusando-se a vacilar. Hart a
olhou com olhos tristes.
— Não é. Deixe-me te assegurar que Robert fez tudo o que pôde para
persuadi-lo. Por que você deveria ter êxito, onde falhou? — Hart ajeitou as
luvas de montar distraidamente. — Não conhece meu pai. Se ele soubesse
que está aqui, mandaria seus lacaios agarrarem as duas pelo pescoço e jogá-
las na chuva.
— Onde está Robert? — Cecily perguntou. A expressão de Hart se
fechou.
— Não aqui. O pai o enviou a Larksley.
Cecily quase riu. — E quer me dizer que aceitou ir?
— Sob coação. — Hart olhou rapidamente para Jemima e o lacaio,
como se estivesse pensando se continuaria. — Não se assuste — disse em
voz baixa. — Robert não teria ido embora se não soubesse que faria todo o
possível para recuperá-la. Papai nos pegou de surpresa esta manhã, mas
agora estamos preparados.
— Nós?
— Nós três juntos — chegou uma voz profunda atrás dela. O duque
de Beaumont e o barão Northmere estavam esperando por Hart, vestidos
com roupa de montar. Cada um usava um grande lenço branco.
— Que está tentando fazer? — Cecily perguntou. — É muito tarde
para sair, certamente.
— Devemos ter a esperança de interceptar a carruagem. Você sabe tão
bem quanto eu que a estrada para o sul está em péssimo estado. Vamos
superá-los facilmente a cavalo.
— Então me deixe ir com você — disse Cecily.
— Ceci! — Jemima ofegou. —Você perdeu a cabeça?
Hart ficou pensativo por um momento, depois pegou a mão de Cecily
e a beijou antes que ela pudesse fazer um movimento em resposta. — Você
e eu não tivemos muitos motivos para fazer amizade. Mas ama Robert, e
isso a torna tão querida como minha própria irmã. Preferiria abandonar
Robert completamente do que arrastá-la para a perigosa tarefa que
empreendemos esta noite. Vá para casa e espere notícias. Não demorará
para chegar.
Cecily manteve sua mão na dele. — Meu pai me disse que era para o
seu próprio bem que Robert me pediu para esperar.
— Sim, me desculpe.
— Não se desculpe. Só queria dizer que agora posso ver por que
Robert te valoriza tanto.
Hart deixou cair sua mão como se o tivesse queimado. — Não posso
ver isso pela minha vida. Mas discutiremos estas coisas quando o tempo for
menos premente. Cavalheiros?
— Deu um aceno rápido a Beaumont e Northmere. — Vamos seguir
nosso caminho.
Cecily e Jemima seguiram os três homens até o caminho de entrada,
onde os viram montar os cavalos e cavalgar em um ritmo que, por mais
incrível que fosse, Cecily sabia que ela podia igualar facilmente.
— Jemima — disse, em um sussurro urgente. — Ama-me?
— Tanto quanto amava meu pobre irmão. — Os olhos de Jemima
estreitaram.
— O que vai fazer?
— Se realmente me ama, não dirá uma palavra sobre o que estou
prestes a fazer.
Cecily levantou as saias e se dirigiu para a carruagem. — Agora, vou
entrar, onde me sentarei e esperarei pacientemente enquanto dirigimos de
volta para Scarcliffe Hall. Entende-me?
— Ceci…
— Entende?
Jemima suspirou profundamente, mas relutantemente assentiu.
Cecily entrou na carruagem.
Escutou Jemima gritar quando tropeçou no caminho e caiu no chão.
Todos os lacaios se apressaram a ajudá-la.
Cecily abriu a porta do outro lado da carruagem, fechou-a
silenciosamente atrás dela e correu para os estábulos enquanto todos os
olhos estavam ocupados com o gemido de Jemima.
Abriu a porta do estábulo e foi atingida pelo familiar aroma quente de
feno e cavalos. Pareceu-lhe que inclusive escutou um estalo de boas-vindas.
— Olá, Thunder — disse, enquanto tirava a sela da prateleira.
 
27

A estrada ao sul de Scarcliffe Hall e Loxwell Park era um território


muito disputado.
Os Hartley alegaram que estava sob a jurisdição dos Balfours e
tinham mapas elaborados para provar isso. Os Balfours afirmaram que não
estava em sua terra e tinham seus próprios mapas.
O resultado final foi que ambas as famílias tinham abandonado seu
dever, e a estrada estava em estado selvagem e quase em ruínas. Fez das
visitas anuais à temporada de Londres um esforço difícil, um que cada
família naturalmente atribuía à incompetência da outra.
Percorrer esse caminho em plena luz do dia, antecipando uma feliz
temporada, era uma coisa. Viajar à noite, contra a vontade de alguém, era
um pesadelo cheio de buracos.
Os buracos, sulcos de carruagens e grandes atoleiros de lama,
impossibilitavam aumentar a velocidade.
Robert relaxou contra o assento o melhor que pôde, a pesar do golpe,
e se resignou a chegar a Larksley um bom dia depois do permitido. Sim,
estava destinado a chegar lá.
Ele se perguntou que tipo de recepção receberia de sua irmã, que se
casara recentemente em circunstâncias consideravelmente difíceis. Robert
sentiu uma pontada de culpa ao lembrar que tinha feito todo o possível para
impedir o compromisso de sua irmã, mesmo sendo embora uma união de
amor. Sua opinião agora era tão radicalmente diferente que se sentia como
um homem completamente diferente do homem imprudente que desafiara o
jovem William Marsden para um duelo.
Foi tudo graças a Cecily. Em pouco tempo, já tinha conseguido
suavizar as arestas mais duras de sua personalidade. Agora descobriu que
seu gosto pelo perigo tinha diminuído, substituído por um desejo de se
tornar, acima de tudo, um bom marido. Um pai amoroso para seus futuros
filhos. Um orgulho para o sobrenome de sua família, não apenas um
herdeiro livre.
Só podia esperar que o plano de Hart de tirá-lo da armadilha de seu
pai não causasse muito dano a seu novo senso de responsabilidade.
Robert quase foi jogado de seu assento quando a carruagem parou. —
Outro buraco? — Ele chamou o condutor. — Ou é barro desta vez?
Ele tirou a jaqueta e começou a arregaçar as mangas da camisa,
preparando-se para ajudar os homens a levantar a carruagem de onde havia
encravado.
— Não saia, meu Lorde! — Chamou a voz desesperada do condutor.
— Salteadores de estrada!
— Salteadores? — Robert repetiu, espantado. Tinha ouvido relatos
dos perigos que aconteciam aos viajantes na estrada do sul, é claro, mas ele
não era o tipo de pessoa que previa dificuldades.
Abriu de um chute a porta da carruagem e enfiou a cabeça para fora.
Um homem alto com o rosto coberto por um lenço sentado em um
cavalo no meio da estrada. Robert olhou para trás e encontrou outros dois
homens mascarados que trotavam para a carruagem. Os três tinham suas
armas apontadas constantemente para seus lacaios.
Como desejava uma pistola! Logo ele mostraria a eles o erro de seus
caminhos!
— Não procuramos suas vidas ou seu dinheiro — disse o primeiro
homem, sua voz estranhamente abafada. — É sua carga que procuramos.
— Carga? — Repetiu o condutor. — Senhores, não temos nenhuma!
— Ele — disseram os salteadores, apontando sua pistola para Robert.
— É ele que queremos. O conde de Scarcliffe.
Robert estreitou os olhos. O homem estava falando em um grunhido
baixo, mas algo em sua voz era estranhamente familiar.
— Morrerei antes de deixar você pegar sua senhoria! — Gritou o
condutor. O salteador, impassível, puxou o gatilho de sua pistola.
— Esta é sua primeira advertência.
— Levantem suas armas! — Gritou Robert, saltando da carruagem.
— Irei pacificamente.
— Meu lorde, — ofegou um lacaio — não podemos permitir...
— Tolices, homem, tolices! Não quero que arrisque sua vida por mim.
— Robert caminhou para o salteador, permitindo um leve orgulho em
benefício dos lacaios. — Estou seguro de que estes cavalheiros só procuram
um pequeno resgate, que meu pai pode pagar facilmente. Não é, senhor?
Agora que Robert estava de pé junto à cabeça do cavalo, as
sobrancelhas negras do duque de Beaumont eram inconfundíveis. Levantou
um comentário elegante sobre a exibição de heroísmo de Robert.
— Exatamente — disse Beaumont, seu acento recortado de Duque
começou a aparecer através de sua voz assumida. — Agora, suba no meu
cavalo e iremos.
Robert se colocou alegremente atrás de seu amigo e saudou os lacaios
enquanto Beaumont guiava o cavalo pela carruagem para se juntar a Hart e
Northmere na parte de trás.
— Então agora! — Beaumont gritou teatralmente. — Para o nosso
esconderijo secreto!
Os quatro homens se afastaram rapidamente na direção de Loxwell
Park e Scarcliffe Hall, enquanto o condutor lutava por virar a carruagem
atrás deles.
Depois que a carruagem foi tragada pela escuridão, Beaumont
arrancou o lenço do rosto com um grito de triunfo. — Eu digo! Que fiz um
bom trabalho como trapaceiro, você não acha?
— Foi aterrador — riu Robert. — Embora eu desejasse que tivesse
pensado em me trazer um cavalo.
— Isso teria delatado completamente o jogo — disse Hart, agitando o
próprio lenço no ar. Galopava ao lado deles. Robert raramente tinha visto
seu irmão com espíritos tão altos quanto estes. Seu coração ficou aliviado
com a vista. — O que uma turma de bandidos oportunistas estaria fazendo
com um cavalo de reserva? Não, pensamos tudo eficientemente. Pode nos
parabenizar por nossa inteligência e audácia.
— Parabenize-me — interrompeu Northmere. — A ideia foi minha.
— Vocês três são os melhores bandidos da Inglaterra, — disse Robert
complacentemente. — Embora eu seja obrigado a saber para onde me
levam.
— Receio que nosso esquema não tenha sido estendido o suficiente
para estabelecer um verdadeiro esconderijo secreto no estilo Robin Hood —
disse Northmere. — Nós o levaremos para Loxton, onde se alojará na
estalagem, e ficará lá até que a notícia de seu sequestro leve seu pai a ver o
erro de seus caminhos. Ele não saberá sobre você enquanto você estiver nas
terras de Loxwell.
— Esperarei bastante tempo, então — refletiu Robert. — Diminui a
velocidade, Beaumont. A estrada não é adequada para circular nessa
velocidade.
— Hah! Meu cavalo pode saltar qualquer buraco — Beaumont
zombou.
— Mesmo no escuro?
— Não pense que papai te abandonará felizmente — disse Hart,
aproximando-se enquanto os cavalos diminuíam a velocidade. — É seu
herdeiro. Ele não aceitará a perda fácil. Ele te ama, Robert, embora nem
sempre saiba como demonstrá-lo.
— Quando desenvolveu tal fé? — Perguntou Robert, espantado. —
Não é típico de você.
Hart encolheu os ombros. — Parece-me que há pouco no mundo no
que confiar. Ponho minha fé onde posso. Se não estiver na família, onde
mais?
— Pare! — Gritou uma voz rouca. O cavalo de Beaumont se levantou
quando um homem mascarado pulou na estrada à frente e agarrou as rédeas.
Mais homens saíram do bosque. Cada um deles tinha escurecido o
cabelo e o rosto com carvão, e usava uma máscara que cobria todo o rosto,
salvo os olhos.
— O que é isto? — Robert perguntou, lutando para manter seu
assento sobre o cavalo assustado. — Mais de suas intrigas, Beaumont?
— Isso não é coisa nossa — disse Beaumont.
O primeiro homem tirou uma pistola e apontou para a cabeça de Hart.
— Seu dinheiro ou sua vida, — disse sombriamente. — E esses cavalos.
Nós os levaremos também.
Robert agarrou a pistola do cinto de Beaumont e disparou um tiro de
advertência aos pés do salteador. — Abaixa sua arma! — Rugiu. — Ou o
próximo vai te pegar no crânio. — Ele brandiu a arma para mostrar que era
uma pederneira de cano duplo, com um disparo ainda pendente.
— Scarcliffe, não seja tolo — Beaumont assobiou. O salteador recuou
com cautela, mantendo sua pontaria em Hart.
— Largue isso — grunhiu Robert. Pela extremidade do olho, viu os
outros salteadores pegar suas próprias armas. — E nenhum movimento de
nenhum de vocês! Sou Robert Hartley, conde de Scarcliffe, e juro pelas
pedras de Scarcliffe Hall que porei esta bala entre seus olhos!
— É ele! — murmurou um dos salteadores. Robert ficou lisonjeado
com o sussurro de consternação que os atravessou. O homem que apontava
para Hart, deu outro passo para trás.
— Nenhum dano foi feito, meu Lorde — disse nervoso, apontando a
pistola para o céu. — Não há dano.
— Largue todas as suas armas — exigiu Robert. — Atira-as ao chão.
Houve uma série de golpes surdos satisfatórios quando as armas
caíram na estrada.
— Agora para o bosque — ordenou Robert. — Pouco a pouco, agora.
Mãos no ar.
Os homens começaram a se retirar. Beaumont tinha o controle total do
cavalo agora, e habilmente o girou para permitir que Robert mantivesse sua
arma apontada para o líder.
A situação parecia resolvida assim que tinha começado quando o líder
dos salteadores, caminhando lentamente para trás, escorregou em um galho
e caiu de costas com um grande grito de surpresa.
— Não! — Gritou um de seus companheiros, o mais jovem e o menor
de todos, que correu para frente, tomou sua pistola e disparou loucamente
no ar. — Vou te matar se o machucou!
A noite se converteu em um caos de cavalos pisoteando, homens
correndo e disparos. Robert teve o rápido instinto de Beaumont de
agradecer o poderoso salto que seu cavalo deu sobre a vala à beira da
estrada. Robert rapidamente se jogou na vala, Beaumont o seguiu.
— Termina com isto, Scarcliffe — queixou-se o Duque. — Desejaria
que não tivesse tomado minha única pistola.
— Que classe de salteador de fantasia sai de casa com apenas uma
arma? — Robert grunhiu, apontando para um dos homens que lutava com o
cavalo de Hart.
Northmere se refugiou atrás de uma árvore caída do outro lado da
estrada.
— Vamos, Hart! — Robert chamou. — Mova-se! Saia do caminho!
Hart mantinha seu assento com sua habitual despreocupação. Em um
momento como este, sua atitude era mais do que irritante. Ele cambaleou
torpemente de um lado para o outro enquanto seu cavalo tentava virar o
freio das garras do salteador.
— Hart! — Gritou Robert. — Este não é momento para…
O movimento do cavalo virou o corpo de Hart na direção de Robert
bem a tempo para ver o sangue que se estendia por sua camisa quando Hart
deslizou pesadamente das costas de seu cavalo.
Ele atingiu o chão em um respingo de barro e membros agitados, e
ficou quieto.
 
28

Cecily nunca esqueceu um cavalo uma vez que o tinha montado. O


movimento de Thunder debaixo dela era tão familiar como o de seu próprio
árabe em Loxwell Park.
Fez questão de não superar os homens que foram à sua frente para o
resgate de Robert.
Talvez fosse um plano louco, ir atrás dele, mas não suportava esperar
na ociosidade.
Além disso, Robert lhe devia uma explicação urgente. Afinal, ele
tinha quebrado seu compromisso. O mínimo que podia fazer era se explicar
em pessoa.
A chuva se dissipou rápido o suficiente para que suas roupas não
fossem muito afetadas e, apesar de anoitecer, a lua estava clara e brilhante.
Seus olhos se acostumaram à escuridão e fez progressos constantes ao
longo do caminho.
Thunder parecia conhecê-lo bem; evitou os buracos e as poças mais
profundas por instinto.
Isso a fez se sentir perto de Robert, de algum jeito, estar montando
seu cavalo. Sentiu o anel Balfour pressionando seu dedo enquanto agarrava
as rédeas.
— Logo, meu amor — murmurou para si mesma. — Logo.
A viagem foi tão silenciosa e a brisa noturna tão relaxante que Cecily
foi embalada a um estado de antecipação de sonho. Quando os primeiros
disparos soaram na estrada à sua frente, foi apenas sua montaria que a
manteve na sela.
— Vamos lá, Thunder — disse, acariciando o pescoço do cavalo. —
Qualquer problema eminente, não tem nada a ver conosco. Simplesmente o
solucionaremos.
Ela desmontou do cavalo, teria sido uma tolice cavalgar pelo bosque
na escuridão, e o conduziu lentamente para as árvores. Gritos e mais
disparos cruzavam o ar à distância.
— Podemos ter certeza de que, mesmo que Robert esteja brigando,
não sofrerá danos, — disse, tanto para se consolar como para Thunder. — É
um bom atirador e tão valente quanto qualquer homem.
Percebeu com arrependimento de como tinha sido tolice perseguir os
homens. Qual teria sido o mal de esperar um ou dois dias até que se
encontrasse com Robert? Pior ainda, tinha quebrado outra promessa a seu
pai. Ela fez uma careta ao pensar em sua reação quando descobrisse que
Jemima tinha retornado sozinha.
— Compensá-lo-ei — prometeu a si mesma. — Nunca voltarei a
fazer algo tão imprudente. Parece que fui uma parva por amor, mas essa é
uma maneira ruim de se comportar.
— Com quem poderia estar falando, senhorita?
Cecily congelou. Diante dela, mal iluminado por um raio de luar que
caía entre as árvores, encontrava-se um homem cujo rosto estava oculto por
uma máscara.
Levantou sua pistola, e ela escutou o estalo do gatilho enquanto a
levantava.
— Essa é uma criatura bonita que tem aí, senhorita, — ele sussurrou
para ela. — Passe-me as rédeas, agora, seja uma boa garota.
Cecily não podia permitir que ele roubasse o cavalo de Robert de seus
cuidados. Ela deu uma palmada forte no flanco de Thunder. — Corra,
Thunder!
O salteador amaldiçoou em voz alta quando Thunder se virou e
galopou para a estrada.
— Por que fez isso?
Cecily percebeu que acabava de enviar seu único meio de escapar.
Envolveu seus braços sobre seu peito, muito ciente de que usava um vestido
fino feito para visitar, não um vestido de montar, e tentou não deixá-lo vê-la
tremer. — Não tenho mais nada de valor.
— Oh, não, senhorita — o homem respirou, avançando e
pressionando o cano da arma contra seu peito. — É claro que tem.
 
29

Robert disparou três vezes no ar, fazendo os salteadores se


dispersarem em pânico.
Enquanto recuperavam o juízo, lançou-se para a estrada e levantou
seu irmão nos braços. Teve tempo de registrar a queixa murmurada de Hart
e se alegrar disso, quando uma bala golpeou a terra ao lado dele e rodou a si
mesmo e ao ferido de volta à vala.
— Pistola! — Beaumont estalou. Robert passou para ele e atendeu
Hart, enquanto que Beaumont pegou a arma do primeiro salteador, depois
de outro. — Fique para trás! Fique para trás, estou avisando!
— Parece ruim? — Hart perguntou, sua respiração era rápida e
superficial.
— Não consigo ver nada nesta maldita escuridão — disse Robert.
Hart se levantou sobre seu cotovelo.
— Não parece tão ruim…
— Fica quieto!
— Robert, você deve sair daqui. — Hart fez um gesto para o cavalo
de Beaumont.
— Vá para casa. Obtenha ajuda.
— A carruagem, — disse Robert. — A carruagem que me trouxe
aqui, estava muito perto de nós.
— E ficará para trás, e bem longe disto. O que quatro lacaios podem
fazer desarmados contra estes salteadores? — Hart pressionou uma mão
contra a ferida no peito e conteve um gemido de agonia. — Deve ir para
casa.
Robert olhou do irmão para o cavalo e tomou uma decisão rápida. —
Está em condições de montar?
— Robert, não deixarei você…
— Não está em condições de brigar, Hart, está em condições de
montar?
Hart mordeu o lábio e assentiu. — O choque da bala me desgastou um
pouco. A princípio fiquei sem fôlego. Acho que posso segurar o arreio
agora.
— Cubra-me, Beaumont! — Robert chamou. Ele virou Hart, fazendo
o possível para ignorar os grunhidos de dor, e sentou-o no cavalo de
Beaumont. — Fique no bosque — disse. — Vá para a estrada só quando for
seguro. Vá! Vá!
Ele se jogou de novo no chão, esperando que as balas passassem por
seus ouvidos a qualquer momento. Para sua surpresa, não havia nada além
de silêncio.
— Scarcliffe, — disse Beaumont, com voz tensa — é melhor dar uma
olhada nisso.
Robert se arrastou até a beira da vala e seguiu com os olhos o dedo
acusador de Beaumont.
Um salteador, o magro que tinha disparado o primeiro tiro, estava
parado no meio da estrada. Tinha uma pistola em uma mão e a outra torcia
o braço de uma jovem que parecia tão zangada como assustada.
— Cecily!
Seu nome saiu de sua garganta, mesmo quando o assobio de desgosto
de Beaumont lhe disse que tinha arruinado completamente sua vantagem.
— Então ela é uma conhecida sua — provocou o salteador. — Isso é
interessante.
— Ela não faz parte desse negócio! — Robert gritou. — Deixa-a ir!
Ela não será de nenhum valor para você!
— De verdade acha que Lady Cecily Balfour não me faria ganhar um
bom resgate? — Exigiu o bandido. Robert amaldiçoou.
— Como é que ele a conhece? — Murmurou Beaumont. — Estes
homens devem ser da região.
Robert não teve tempo de considerar sua origem. Sua mente foi
consumida ao ver o rosto de Cecily, assustado e pálido, do lado do bandido.
— Baixem suas armas, meus senhores — exigiu o asqueroso. — A
menos que queira causar dano a sua senhoria, é isso.
— Não o escute! — Cecily protestou. — Estou perfeitamente bem,
ah!
O salteador dobrou seu braço de uma maneira cruel, e ela se calou. O
sangue de Robert pulsava em seus ouvidos. Se não fosse pela arma
apontada diretamente para o peito de Cecily, teria pulado para frente e
esmigalhado esse homem membro por membro.
— Deixei cair minha pistola! — Northmere chamou, de seu
esconderijo do outro lado da estrada.
— E deixei a minha! — fez coro Beaumont. — Deixem a dama ir.
Podem pensar que é um bom plano apostar com o duque de Loxwell,
moços, mas esse tipo de jogo é muito perigoso para vocês.
— Tem razão — sibilou um dos bandidos, agitando sua própria arma
para enfatizar.
— O duque nos perseguirá como cães se a levarmos.
— Cale a boca! — Exigiu o bandido magro. Ele deu outro puxão no
braço de Cecily. — Este prêmio é meu. Cavalheiros na vala, saiam daí com
os braços levantados.
— O que faremos, Scarcliffe? — Beaumont perguntou. — Incomoda-
me fazer o que essa criatura nos diz.
— Há alguma outra opção? — Robert perguntou. O olhar de
Beaumont caiu sobre a pistola caída na terra entre eles.
O coração de Robert se rebelou. — Não. Não! É muito perigoso.
— Você pode atirar, Scarcliffe — disse Beaumont com urgência. —
Pode disparar em uma perdiz no céu em um dia nublado com quase
nenhuma pontaria. Tenho fé em você.
Os dedos de Robert se moveram para a arma. Pela primeira vez em
sua vida, sua mão tremia. — Não posso pôr Cecily em risco.
— Robert! — Cecily gritou, ignorando a arma em seu peito e as
olhadas zombadoras do bandido. — Robert, se estiver aí, acabe com isso!
Agarrou a pistola.
— Bom homem — disse Beaumont.
O bandido magro estava cada vez mais ansioso. As coisas não
estavam indo conforme o planejado.
Ele apontou sua arma vagamente na direção de Robert, deixando que
Cecily se soltasse por um momento. — Estou advertindo! — Ele chamou.
— Uma pista para negociar não é divertido, e…
A bala de Robert o atingiu diretamente no ombro. O bandido caiu no
chão, quase levando Cecily com ele. Ela se libertou de sua mão fracamente
agarrada e o chutou antes de correr para a vala e se lançar ao lado de
Robert. Deslizou-se pela margem lamacenta, deixando uma grande faixa de
lama e matéria de folhas perturbadas no seu caminho, e aterrissou
diretamente aos pés de Robert.
Os salteadores restantes se dispersaram pelo bosque, um deles parou
para arrastar o seu companheiro ferido para fora do caminho. Robert ouviu
o grito de triunfo de Beaumont e o grito louco de Northmere. Não teve
atenção extra para participar das comemorações. Cecily estava deitada na
terra úmida a seu lado, transformando aquela vala imunda em uma pracinha
cheia de flores. Ambos estavam manchados de lama, desalinhados, rindo
quase histericamente com a louca alegria da fuga. Ele beijou sua testa,
beijou as folhas que engancharam em seu cabelo, beijou suas luvas
manchadas e mangas rasgadas e o lugar em seu pescoço onde seu coração
ainda pulsavam pelo medo.
— Realmente, Scarcliffe — disse o duque de Beaumont secamente.
— Isso foi uma batalha, não umas bodas.
Cecily empurrou Robert para longe com fingida raiva. — Primeiro
me pede para esperar por você. Depois atira em mim. Agora espera que te
beije? — Ela ficou de pé, usando o ombro de Robert como apoio. — É
demais, Robert.
— Está ferida? — Ele perguntou, saindo da vala de maneira instável e
se virando para ajudar. Passou seus olhos sobre seu corpo, não, pela
primeira vez, em agradecimento, mas para verificar se havia algum sinal de
dano. — Seu braço?
— Um pouco retorcido. Nada mais. — Cecily pressionou a mão no
peito. — Embora desejasse que meu coração parasse de bater tão rápido.
Northmere se juntou a eles no centro do caminho, conduzindo seu
cavalo. — Este é um posto de observação ruim. E resta apenas um cavalo
para nós!
Hart tinha escapado, em um Beaumont surpreso pelos disparos de
volta a Scarcliffe Hall.
— Não importa — disse Robert. — É uma boa noite para uma
caminhada.
Cecily estava olhando a mancha escura de sangue que agora
manchava o caminho.
— Matou-o, Robert?
— Não. Apontei para seu ombro.
Beaumont deixou escapar um assobio de aprovação. — Foi um bom
tiro, homem!
Robert, de fato, estava mirando o ombro esquerdo, e tinha atingido o
bandido à direita. A bala chegou tão perto de Cecily que deve ter sentido o
vento ao passar. Robert resolveu imediatamente levar esse fato em
particular à sepultura. — Obrigado, Beaumont. Embora deva dizer que isto
arruína meu plano de convencê-lo a apostar na quantidade de perdizes que
nós dois derrubamos este verão.
Beaumont moveu um dedo. — Enganou-me uma vez, Scarcliffe.
Nunca mais.
— Sua graça! — Cecily ofegou, tocando o braço de Beaumont. —
Está ferido!
Beaumont olhou espantado sua manga ensanguentada. — Meu Deus!
Não senti nada.
Só um arranhão, Lady Cecily. Não se alarme.
— E Lorde Jonathan — disse Cecily, olhando em volta como se
pudesse encontrá-lo escondido atrás de uma árvore. — Lorde Jonathan
cavalgou com você, onde está?
A atmosfera festiva que seguiu à vitória se dissolveu imediatamente.
O estômago de Robert torceu de ansiedade. Não tinha conseguido avaliar a
extensão da ferida de Hart antes de sua partida.
— Ele vai conseguir e foi procurar ajuda — disse. — Recebeu uma
bala, mas...
Cecily pôs a mão na dele, entendendo imediatamente. —
Caminharemos para Scarcliffe Hall o mais rápido possível — disse. — Isso
é o melhor e a única coisa que podemos fazer. Lorde Jonathan estará bem,
Robert. Sei.
Northmere ofereceu a Cecily seu cavalo, mas ela recusou, preferindo
caminhar ao lado de Robert. Enquanto avançavam, Beaumont e Northmere
começaram a conversar mais uma vez, tentando levantar o ânimo de Robert.
A mão de Cecily ficou na sua. Sentiu que ela desejava que toda sua
força e fortaleza passassem para ele através da tensão de seu aperto.
O que a manhã traria, nenhum deles poderia dizer. Tudo o que podiam
fazer, quando o primeiro resplendor do amanhecer começou a se filtrar
entre as árvores, foi caminhar em sua direção.
 
30

Demorou consideravelmente mais tempo para voltar a Scarcliffe Hall


do que para sair. Quando o sol tinha saído por completo, ainda estavam na
estrada, com a viagem quase pela metade. Northmere, que preferia a moda à
praticidade quando se tratava de escolher seu calçado, começou a queixar-
se amargamente da dor nos pés. Beaumont, por outro lado, estava mais
tranquilo do que nunca, e tinha conversado com Cecily com a mesma
leveza que faria se estivesse fazendo uma visita social pela manhã. Como
Robert foi o primeiro dos quatro bons amigos a escolher uma prometida,
Beaumont parecia querer conhecê-la.
Robert estava surpreendentemente comovido.
Mesmo com as queixas de Northmere, era difícil não ficar otimista
nessa manhã fresca de verão. O ar se encheu com o aroma fresco e verde do
bosque depois de uma chuva leve. As tribulações da noite foram sentidas a
mais de uma hora de distância: tinham mais em comum com um sonho
horripilante do que com a realidade. Somente o sangue no braço de
Beaumont, agora impossível de ignorar à luz da manhã, e a ausência de
Hart, permaneceram como marcadores do que havia acontecido.
— O que é isto? — Beaumont perguntou, parando em seco. —
Alguém vindo pela estrada. Muitos.
Cecily protegeu os olhos para ver melhor. — Esse é o uniforme de
meu pai, acho. Que diabos seus homens estão fazendo na estrada?
— Northmere, você tem a melhor vista — disse Robert. — Pare de
olhar suas próprias botas e diga-nos o que vê.
Northmere obedeceu sem reclamar demais. Enquanto olhava os
homens à distância, sua mandíbula se afrouxou lentamente com
incredulidade.
— O que acontece, homem? — Perguntou Beaumont. Northmere
olhou para Robert e Cecily, afligido pela confusão.
— Não vai acreditar o que te digo, — disse — mas apenas metade
desses homens levam o uniforme do duque de Loxwell. A outra metade, até
onde posso entender, são de Scarcliffe Hall.
— O quê? — A mão de Cecily apertou a de Robert. — Isso é
completamente impossível. — Parecia mais assustada agora do que tinha
estado com os bandidos.
— Pode ser que se uniram para nos encontrar e... e...
— Não deixaremos que te faça mal, querida senhora —disse
Beaumont galantemente.
Cecily não foi consolada.
— O maior dano que poderiam fazer seria afastar-me do lado de
Robert.
Os homens na estrada à frente os tinham notado. Escutou-se um
grande grito e vários deles vieram correndo. Não importava a rapidez com
que corriam, no entanto, foram rapidamente alcançados por dois homens a
cavalo que se aproximavam da retaguarda da multidão.
— Papai! — Cecily chorou.
Robert não sabia se devia se manter firme ou levantar Cecily nos
braços e levá-la para o bosque. O homem que cavalgava ao lado do duque
de Loxwell não era outro senão seu próprio pai.
O duque os alcançou primeiro. Parando bruscamente seu cavalo,
olhou para Cecily e passou a mão na testa. Em seu primeiro encontro,
Robert achou isso bastante proibitivo. Agora, embora o duque estivesse
montado e Robert não, tinha a estranha sensação de ter a vantagem.
— Maldição! — Falou o duque. — Garota insolente! Eu lhe dei
permissão para visitar Scarcliffe Hall, e aproveita a oportunidade para
escapar? Para passar a noite fora de casa, quando os bandoleiros e bandidos
estão no campo? — Saltou de seu cavalo com surpreendente agilidade para
um homem de sua idade e pegou Cecily em seus braços.
— Nunca em minha vida fiquei tão assustado. A princípio, pensei que
simplesmente tivesse fugido para se casar. Isso teria sido bastante doloroso,
mas quando Lorde Jonathan apareceu, e nos falou dos perigos na estrada, e
que não estava com os cavalheiros...
— Viu meu irmão? — Robert perguntou com urgência. — Diga-me,
Sua Graça, está bem?
Antes que o duque pudesse responder, o marquês os alcançou e soltou um
uivo que ninguém poderia dizer que era raiva ou gratidão. — Meu filho!
O inchaço na perna do marquês causado pela gota ainda era visível
através de suas calças de couro. Robert o ajudou a descer de seu cavalo,
espantado ao descobrir que seu formidável pai estava à beira das lágrimas.
— Não está ferido, moço? — O marquês perguntou, abraçando Robert com
força suficiente para cortar o fôlego e deixá-lo incapaz de responder. —
Eles não machucaram você?
— Estou bem, estou bem — ofegou Robert, lutando para se liberar
das mãos desesperadamente obstinadas de seu pai. — Mas Hart, pai, e
Hart?
— Meus homens encontraram Lorde Jonathan no caminho enquanto
procuravam Cecily — disse o duque. — Nós o levamos para Scarcliffe Hall
e despertamos seu pai. Foi ferido, mas conseguiu nos contar tudo o que
tinha acontecido. Foram buscar o médico.
Os joelhos de Robert afundaram em alívio. De repente, se alegrou de
que seu pai o estivesse abraçando com tanta força. — Então, não está muito
ferido?
— Hart viverá — disse o marquês, apertando fortemente os ombros
de Robert. — Foi uma tarefa tola que empreendeu ontem à noite, mas
viverá. Oh, moço! Quando Hart chegou meio desacordado e disse que tinha
deixado você para trás, temi o pior.
— Ambos temíamos o pior — O duque de Loxwell disse
severamente, encarando Cecily com um olhar de tal recriminação que era
de se admirar que pudesse olhá-lo nos olhos.
— Mas estou a salvo, papai — disse, dando tapinhas no braço dele.
Robert nunca deixou de se surpreender pela compostura de Cecily. Havia
lama em suas costas, rasgos em seu vestido, e o chapéu estava
completamente perdido, deixando seu cabelo castanho livre em uma
gloriosa e emaranhada queda. Mas, apesar de tudo, ela tinha o porte de uma
rainha. — Robert cuidou muito bem de mim. E o duque de Beaumont e o
barão Northmere também.
O duque voltou seu temível olhar para os cavalheiros. — Confio que
cada um de vocês terá a nobreza de não falar da forma como minha filha se
comportou ultimamente. Não é seu costume, garanto-o.
— Papai, não há nada escandaloso a respeito! — Cecily pôs-se a rir.
— Robert e eu estamos comprometidos. Por que não deveria passar uma
tarde com meu prometido? E suponho que tive bandidos para atuar como
meus acompanhantes.
Ainda não tinham tido a oportunidade de discutir a inevitável demora
em seu matrimônio. Esta foi a primeira indicação que Cecily havia lhe dado
de que poderia aceitar esperar. Mesmo quando seu coração se aqueceu,
Robert descobriu que não conseguia olhar para seu pai.
Não que desejasse que o velho morresse, apenas que desejava que
fosse de algum jeito diferente. Que tudo fosse diferente. Que poderia
chamar Cecily publicamente e para sempre de sua.
— Ainda sou seu prometido? — Perguntou, mal conseguindo
acreditar.
— Por muito tempo que tenhamos que esperar — respondeu com
firmeza.
Como Robert esperava, o marquês quase esqueceu seus antigos
temores. A raiva pálida se instalou em seus traços mais uma vez. — Está
decidido a me desafiar, Robert?
Robert sentiu todos os olhos se voltarem para ele. O duque de
Loxwell observava com imperiosa atenção; o marquês brilhava com raiva
mal contida; e Cecily o olhou com sincera confiança.
— Cecily, acho que não a apresentei ao meu pai — disse. — Posso
lhe apresentar ao marquês de Lilistone. Pai, esta é Lady Cecily Balfour, a
mulher com quem me casarei. — Ele endireitou os ombros. — Castigue-me
como achar melhor.
— Uma palavra, Lilistone, se eu puder — disse o duque de Loxwell,
levantando um dedo.
— Nossa velha inimizade já deixou este condado em desordem.
Permitimos que as estradas caiam em mal estado e ficassem infestadas de
vilões, simplesmente porque não pudemos nos sentar ao redor de uma mesa
e distribuir responsabilidades igualmente. Nossos filhos quase pagaram por
esse erro com suas vidas. — Olhou para Cecily e suspirou. — Não posso
encontrar em meu coração oposição à união deles. Que o passado seja
passado. Vamos nos reconciliar.
Estendeu sua mão. O marquês o olhou por um momento e ninguém se
atreveu a respirar.
— Robert e eu descobrimos a verdade atrás do que aconteceu com
Lady Letitia, meu Lorde — disse Cecily calmamente. — Nunca houve
necessidade de que nossas famílias brigassem. Tudo começou como agora
terminará. — Pegou a mão de Robert e a apertou firmemente. — Com
amor.
— Deixou de lado suas diferenças para nos salvar — insistiu Robert.
— Se você pôde fazer isso uma vez, pai, poderá fazer novamente para
assegurar minha felicidade.
As sobrancelhas do marquês baixaram. — Não mais — disse.
Agarrou a mão do duque de Loxwell com a sua.
— Não haverá mais inimizade entre nossas famílias!
Uma grande ovação aumentou entre os homens reunidos. Cecily
abraçou primeiro seu pai, depois o marquês, beijando os dois homens nas
bochechas até que se ruborizaram de um vermelho não aristocrático.
— Então temos sua bênção, papai? — Ela perguntou, quase com
acanhamento. O duque bateu nas costas de Robert com tanta força que, por
mais forte que fosse, quase o derrubou.
— Minha bênção, de fato!
— E minha! — Disse o marquês, para não ficar para trás.
— E selaremos nossa nova amizade com umas bodas nunca vista
antes! — Continuou o duque.
— Todos os senhores e senhoritas da Inglaterra serão convidados! —
O marquês concordou. — Meus amigos por um lado, Loxwell, e os seu pelo
outro: o dia será a inveja de todas as grandes casas da Europa!
— Muito bem — murmurou Cecily, pegando o braço de Robert
enquanto seus pais voltavam a montar seus cavalos e se afastavam
alegremente. — Parece muito mais extravagante que as bodas que eu havia
planejado.
— Acha que vai demorar muito tempo para arrumar? — Robert
perguntou, fazendo um esforço por indiferença. Cecily pôs-se a rir.
— Meu impaciente carinho! Não me diga que não está disposto a
esperar?
— Até o fim do mundo — disse Robert. — Até as estrelas
queimarem. Mas, Cecily, por favor, até o final do verão?
— Um casamento de outono me seria muito conveniente.
— Não zombe de mim. — Baixou a voz. — Não posso suportá-lo.
Cecily levantou a vista para ver se seu pai não estava olhando e ficou
nas pontas dos pés para dar um beijo rápido em Robert. — Não vai
demorar, meu amor. Comparado com a vida que nos espera, não vai
demorar.
 
31

O espaço de uma semana, ele encontrou uma festa de chá muito


agradável nos jardins de Scarcliffe Hall, algo que ninguém em sã
consciência teria previsto no começo do verão. O duque e a duquesa de
Loxwell estavam sentados ao redor da mesa com o conde de Scarcliffe e
sua mãe, a marquesa de Lilistone, tomando chá, comendo bolo e
conversando tão alegremente como velhos amigos.
A Marquesa tinha vindo para ficar em Scarcliffe Hall no momento em
que ouviu a notícia do compromisso de seu filho mais velho, com a
intenção de ficar até as bodas ser planejada, o Marquês estava saudável e a
nova amizade entre os Hartley e os Balfours foi confortavelmente reforçada
por uma série de visitas e passeios felizes.
Foi um grande alívio para Robert que seu pai logo estaria bem o
suficiente para retornar ao imóvel Lilistone. Scarcliffe Hall era quase seu
mais uma vez e, embora nunca mais seria o paraíso de solteiro que tinha
prometido a seus amigos, voltaria a correr sob seu próprio domínio.
A duquesa e a marquesa, que durante muito tempo tinham estado
separadas pela inimizade de seus maridos, haviam encontrado muitos
pontos em comum ao voltar a contar as histórias de sua juventude, e apenas
pararam sua animada conversa para olhar ao redor com satisfação para os
jovens dispersos pelo jardim.
Northmere tinha levado a mudança para um estilo de vida mais
sociável em boa graça, e iniciou uma animada conversa com Jemima
enquanto caminhavam juntos pelo gramado. Hart, por outro lado, estava tão
à vontade com a nova família de Robert que não teve nenhum escrúpulo em
descansar na grama, deixar que manchasse sua camisa e tomar sol com uma
xícara de chá equilibrada em uma rocha a seu lado. Seu braço esquerdo
estava amarrado em uma tipoia, mas esse era o único lembrete da bala que o
atingira abaixo da clavícula.
— Estávamos falando esta manhã das bodas — disse a duquesa de
Loxwell, inclinando-se para captar a atenção de Robert. Robert sorriu o
melhor que pôde. Parecia-lhe que ninguém falava em nada além das bodas.
— Sei que seu pai estava com o coração em Londres, mas Cecily pensou
que seria muito melhor tê-lo em nossa igreja paroquial em Loxton.
— Meu marido não fará objeções, se Cecily desejar — assegurou a
Marquesa, antes que Robert pudesse falar. A seu lado, Cecily estava
ocupada com uma pluma e papel, para desgosto de sua mãe, já que não
eram o acompanhamento tradicional para o chá e o bolo.
— Isso significa que devemos nos apressar com os convites — disse
Cecily. — O duque e a duquesa de Redhaven, por exemplo, têm uma
excelente maneira de viajar. E sua irmã, Robert, vai lidar com Larksley?
— Não em sua condição — disse Hart abruptamente. Robert o chutou
disfarçadamente.
— Receio que está passando por um momento difícil nesta fase da
gravidez — explicou, com a maior delicadeza possível. — E seu marido,
claramente, não se separará de seu lado.
— Que afortunados eles terem sido abençoados com filhos logo após
seu matrimônio! — Cecily suspirou, com os olhos brilhantes. — Lady
Lilistone, deve estar encantada!
— Estou igualmente emocionada por todos meus filhos — disse a
Marquesa feliz.
— Pensar que dois de meus entes queridos se casaram com segurança,
com pessoas tão maravilhosas, no decorrer de um único ano! — Ela
assentiu significativamente para seu filho mais novo. — Agora só tenho que
me preocupar com Hart.
— Não acho que você quer que me case com tanta pressa quanto
meus irmãos, mãe — disse Hart preguiçosamente. Robert fez uma nota
mental para familiarizar Cecily com a realidade da situação de sua irmã o
mais rápido possível. Afinal, não era correto que ele ocultasse segredos de
família dela. Mas, como as indiscrições de sua irmã não eram um assunto
adequado para os ouvidos da duquesa de Loxwell, Robert se esforçou por
desviar a conversa dos comentários irônicos de Hart.
— Mãe, não havia algo que queria dizer a Cecily?
Cecily largou a pluma e papel imediatamente e ouviu atentamente.
— Oh, sim! Obrigado por me lembrar Robert. Cecily, desejo fazer um
passeio com você pela casa esta tarde. Sei que já deve ter visto antes, mas
há várias coisas que deve saber antes que tome residência. O Marquês e eu
não estaremos aqui frequentemente, já vê. Deixaremos você e Robert para
começar suas vidas juntos em paz. Sobre tudo, quero que sinta que este é
realmente seu lar, e mostrarei os dormitórios que você deve redecorar de
acordo com seu próprio gosto.
— Obrigada, minha Senhora! — Disse Cecily, surpreendida e
encantada. — Isso é muito amável!
O duque de Loxwell despertou da contemplação de sua fatia de bolo.
— Muito amável, Lady Lilistone, amável de fato, mas me decepciona saber
que você e Lilistone não têm a intenção de ficar na região.
— Vamos visitá-lo com frequência, Sua Excelência, — sorriu a
Marquesa. — Especialmente se o desejam.
— Oh, nós desejamos — disse a Duquesa, apertando sua mão. — Não
se engane sobre isso.
Northmere e Jemima tinham terminado seu circuito de canteiros de
flores e voltaram para a mesa. — Você deixou a condessa de Streatham fora
de sua lista de convidados — comentou Jemima, lendo a lista que Cecily
tinha estabelecido.
— Oh, Isabella não precisa de um convite. Se dirige para Loxwell
Park enquanto falamos! A visita está organizada há semanas. Na verdade,
nem sequer lhe disse que estou comprometida. — Cecily sorriu em
antecipação. — Quero lhe dizer quando chegar, para que possa receber suas
felicitações pessoalmente. Como ela ficará surpresa!
— Você convidou a condessa de Streatham? — Hart perguntou,
sentando-se tão abruptamente que derrubou sua xícara de chá.
— Ela é uma de minhas mais queridas amigas — disse Cecily. —
Você a conhece?
— Poderia dizer. — Hart ficou de pé de um salto e foi para o outro
lado do jardim sem dizer mais uma palavra. Cecily olhou Robert, intrigada.
— Disse algo errado?
— Absolutamente — disse Robert, olhando pensativo para o irmão
chutando um arbusto em flor. — É apenas um dos humores estranhos de
Hart. Agora, me mostre essa lista. Espero que tenha deixado espaço
suficiente para minhas próprias adições.
Mal teve tempo de ler os primeiros nomes quando Peters, o mordomo,
saiu correndo da casa.
— Uma mensagem urgente, Lady Lilistone! — Disse, apoiando as
mãos nos joelhos para recuperar o fôlego.
— Gracioso, Peters, sente-se — disse a Marquesa. — Correr não
combina com você!
— Obrigado, minha senhora, mas estou muito bem. — Peters pegou
um lenço e secou a testa. — Um menino acaba de chegar de Loxton. O
duque de Beaumont teve um acidente enquanto cavalgava.
— Perguntava-me aonde tinha ido! — Robert exclamou. — É sério?
— Temo que seja, meu Lorde. Levaram-no diretamente ao doutor
Hawkins.
— Mas por que levá-lo à casa do Doutor? — Perguntou a duquesa de
Loxwell. — Certamente teria sido melhor trazê-lo aqui, ou para Loxwell
Park, se ele estivesse em nossa terra.
— O menino disse que pediu para ser levado ao Doutor — disse
Peters. Um olhar estranho cruzou seu rosto, e ele se inclinou para Robert
para murmurar: — De fato, meu Lorde, Sua Graça aparentemente pediu que
o levassem para a senhorita Anna Hawkins.
— Anna? — Perguntou Cecily. — Mas o duque mal a conhece! Por
que deveria pedir para ser levado para lá?
— Não quero especular, minha Lady — disse Peters.
Robert levantou-se. — Irei com ele imediatamente — disse. —
Duvido que possa ajudar o Doutor, mas não posso simplesmente me sentar
aqui e não fazer nada.
— Sim, sim, deve ir imediatamente! — Disse o Duque de Loxwell.
— O pobre homem, espero que não esteja gravemente ferido.
— Hart! — Robert chamou. Seu irmão ainda estava absorto em um
comportamento antissocial no fundo do jardim. — Hart! Venha aqui com
nossos convidados.
— Não se preocupe com ele — disse Cecily, colocando a mão em seu
braço. — Vou ver se consigo tirá-lo desse... estado de ânimo.
— Vai, Robert! — Ordenou a Marquesa. — Sou perfeitamente capaz
de cuidar de nossos hóspedes sem você. Vá ver o que pode fazer por
Beaumont.
Robert pressionou a mão contra seus lábios e se apressou a entrar em
casa para vestir sua roupa de montaria. Não conhecia bem a senhorita Anna
Hawkins, mas a tinha visto com frequência suficiente para se perguntar se
deveria estar mais preocupado com o duque de Beaumont ou com a jovem e
bonita ruiva que aparentemente chamou sua atenção.
Quando Robert saiu de Scarcliffe Hall, não pôde deixar de refletir
sobre a irônica melhora de todos os planos que ele, Hart, Northmere e
Beaumont haviam feito para esse verão. Esporte, pesca, bilhar, jogos, e
estritamente não mulheres! Agora Beaumont parecia estar perseguindo a
filha de um cavalheiro, Hart enfrentava a sombria possibilidade de
encontrar a condessa de Streatham mais uma vez, e o próprio Robert...
Robert reduziu a velocidade do seu cavalo a caminhar. A ação lhe
convinha melhor do que a contemplação. Ainda não tinha entendido
completamente as mudanças materiais que Cecily tinha forjado sobre ele.
Logo seria um homem casado. Suas travessuras de solteiro estavam
todas atrás dele. A garota mais bela, teimosa, vivaz e impossível da
Inglaterra estaria sempre em seu braço.
Nunca tinha sido mais feliz em sua vida.
 
Epílogo

Finais de outono de 1820

Apoiada contra o velho carvalho no coração do bosque de Scarcliffe,


Cecily fechou os olhos e ouviu o som de cascos se aproximando. Ela se
imaginou inclinada sobre o lombo do cavalo, com o vento açoitando seu
cabelo. Sua capa teria ficado para trás em um ramo de árvore inesperada,
que era, na opinião de Cecily, o melhor lugar para uma capa.
Mas ela não estava montando. De fato, ela estava sentada em silêncio,
com um livro na mão. O ar tinha um frio característico que a alegrava por
seu casaco forrado de pele. Em pouco tempo, estaria vendo a neve cair
sobre os jardins de Scarcliffe Hall. Normalmente, isso não era uma grande
tragédia, mas este ano, quase certamente a limitaria à casa.
— Cecily! — A voz de Robert soou entre as árvores. Ela sufocou um
sorriso de satisfação. Sempre se preocupava em ver que seus jogos de
esconde-esconde só tinham uma conclusão. — Cecily! — Ela se levantou e
voltou a chamá-lo. Como Robert ficaria feliz em descobrir que ela estava
em sua clareira no bosque da família, debaixo do velho carvalho!
Robert entrou na clareira com seu cavalo um momento depois. Cecily
levantou o queixo imperiosamente. — Chega tarde.
Seu cavalo saltava e chutava enquanto seu pesado fôlego cristalizava
em grandes rajadas brancas no ar. — Não leva meus nervos em
consideração. Não deveria caminhar tão longe no bosque! Se tiver que
caminhar, quero você onde possa te vigiar.
— Não há necessidade de se alarmar, meu amor, a menos que seja o
tempo que demorou para me encontrar. Não deve temer o galope de
Thunder, já sabe.
— Temeroso? — Robert desceu do cavalo e estendeu as mãos para
Cecily. — Venha aqui, minha pequena descarada. Venha aqui e deixe-me te
beijar.
— Sou uma amazona melhor que você, e você é um atirador melhor
do que eu. — Cecily colocou uma mão sobre a parte redonda de seu ventre
enquanto Robert a beijava na bochecha. — Nosso filho será o esportista
perfeito.
— Estou rezando por uma filha — disse Robert. — Um filho, com
seu espírito? Será demais para mim.
— Tolices — disse Cecily. — Você me dirige muito bem.
Ela deixou que a ajudasse a se sentar novamente, com certo pesar por
seu próprio desconforto. A gravidez era uma tarefa mais desajeitada do que
tinha imaginado.
— Já reparou onde estamos? — Ela perguntou, apontando com a
cabeça para os ramos de carvalho. Robert a atraiu para ele e sorriu.
— Fiz, de fato. O mesmo lugar onde quase arruinei sua honra
convencendo você a me seguir.
— Esse não é o único ataque que fez contra minha casta reputação,
pelo que me lembro — disse Cecily, arqueando uma sobrancelha. Robert
não necessitava de muita convicção para morder o anzol.
— Sim, se bem me recordo, era algo assim...
Os sons do bosque se calaram a seu redor enquanto a beijava.
Se Cecily alguma vez se aborreceu de beijar o marido, ainda não tinha
acontecido. A paixão que tinha precedido o dia de suas bodas só cresceu
com o tempo. Toda vez que seus lábios se encontravam, ela estava
convencida novamente do que sabia desde o início: eles foram feitos um
para o outro. O ajuste perfeito.
— Alguma vez sentiu saudades? — Ela perguntou, deixando que sua
cabeça descansasse sobre seu ombro. Robert passou os dedos por seu
cabelo, aliviando os emaranhados que o vento havia formado em sua
caminhada.
— A emoção? Todo isso às escondidas?
— Sinto um pouco a falta dela — confessou Cecily. Robert riu e a
apertou mais perto.
— Você quer dizer que não houve emoção suficiente para você este
ano, meu amor? Depois de tudo o que aconteceu, tanto com nossos amigos
quanto conosco?
— É o perigo, Robert! — Cecily disse. — O perigo e o segredo! Onde
está a aventura em uma vida tranquila de casados?
— Não quis dizer isso — disse Robert. Ele levantou sua mão para sua
boca, puxou a manga para revelar um centímetro do pulso pálido e a beijou.
— Não está falando sério.
— Ele tirou o cabelo de seu pescoço e beijou a pele macia debaixo de
sua orelha. Cecily não pôde conter um suspiro de prazer. — Há aventura
suficiente na vida matrimonial, — continuou, beijando a ponta de seu nariz
— e tenho a intenção de mostrar a você.
Seus lábios encontraram os dela. Cecily esqueceu suas queixas.
— Mas por hoje, minha Cecily, — disse Robert, depois de um abraço
que durou vários momentos deliciosos, — já teve bastante aventura. Não!
Não ouvirei sua queixa. Cuidarei bem de você até o nascimento de nosso
filho, quer você queira me deixar ou não.
Cecily gritou de surpresa quando a abraçou e ficou de pé. — Grande
bruto! Deixe-me ir!
— Sabe tão bem quanto eu que lutar não a levará a lugar algum —
disse Robert alegremente. Cecily parou seu jogo de chutar.
— Pelo contrário, — disse ela — a última vez que lutei quando você
me levou assim, terminei casada. Melhor não lutar novamente. Só Deus
sabe o que acontecerá!
Robert a pôs de pé e pegou as rédeas de seu cavalo.
— Como desejaria ter meu próprio cavalo e poder correr de volta para
o salão? — Cecily suspirou. Bateu no estômago com uma frustração
indisfarçável. — Parece que todos os dias há cada vez menos o que posso
fazer.
— Mas não é para sempre, querida. — Ele estalou a língua,
persuadindo Thunder a andar suavemente, e começaram a perambular na
direção de sua casa. — Enquanto isso, deve deixar nossa família ser sua
aventura.
— Eu gosto de como isso soa — disse Cecily, recuperando sua
alegria. — Eu gosto muito.
O conde de Scarcliffe e sua condessa caminharam juntos pelo bosque
que ligava Scarcliffe Hall à casa de infância. O ruído das folhas no final do
outono sob os cascos de Thunder foi o único som que estragou a paz no ar.
Mesmo o frio do iminente inverno não era suficiente para dissipar o calor
do amor que os cercava.
Notas

[←1]
A dopo: Até mais tarde/ As vejo depois/ As vejo mais tarde.

Você também pode gostar